sexta-feira, fevereiro 24, 2006

ATRIBUTO OU ACESSÓRIO

Era, no antigamente, uma expressão gramatical, quando havia a oração, o sujeito da mesma, o predicado, o complemento directo, cabia ainda o atributo ou acessório. Ocorre-me a propósito da tolerância ou da intolerância: no fim de contas o mesmo, às avessas. Começa logo porque a tolerância não pode ser imposta e a intolerância não deve ser aceite. Lembro-me quando a França decidiu retirar os símbolos religiosos das escolas oficiais os imigrantes muçulmanos reagirem tempestuosamente, apesar de instalados em solo alheio. Podia acrescentar que a inversa não seria possível: nos países muçulmanos os escassos estrangeiros não têm direito a discordar. E os naturais também não!
No entanto, em França, foi possível discutir o assunto e os muçulmanos manifestarem-se contra, enquanto os franceses, católicos ou não, se mostravam indiferentes, salvo os movimentos feministas, que apoiaram claramente a directiva governamental, porque acima da querela religiosa batem-se por direitos humanos e pela igualdade de sexos.
Quando nos anos 60 os jornais franceses levantaram a questão dos «bidonvilles», o problema era sobretudo português, de portugueses, melhor dizendo. A emigração lusa tinha disparado. O imigrante tinha de sobreviver e alimentar a família, deixada em solo pátrio. Parecia difícil, mas em poucos meses as barracas desapareceram e os portugueses realojaram-se e integraram-se.
Hoje os bairros de lata proliferam por cá. Vê-se que não aproveitamos a lição.
Mas a questão, agora, é outra e bem mais delicada: que fazer com a reacção às gravuras?
Ora, nenhuma comunidade muçulmana emigrada se manifesta por si. Nem no país de acolhimento, nem no de origem. As manifs são orquestradas, quer dentro, quer fora. São ateadas por motivação política e não religiosa. O fanatismo religioso muçulmano é sobretudo uma arma
para expandir o ódio pelos ocidentais...
Claro que nós, ocidentais, não somos meninos de coro. Se o fossemos não teríamos ido ao Iraque como fomos e provavelmente já se marcaram lugares nos próximos comboios para o Irão. E que
irão eles fazer?

Estaremos nós a ser empurrados ou estamos nós a empurrá-los?

Ao considerarem-se as gravuras um pretexto parece razoável retirar a carga sobre a liberdade de expressão, posta em causa. Acho que, pelo contrário, se deve aproveitar para definir regras.
Nos últimos tempos houve muita matéria para justificar uma chamada de atenção. Assistimos a um jornal fazer a apologia do patrão, interessado num negócio faustoso. Leu-se o texto de fundo, do director obrigado a mote. E soube-se que a redacção de um jornal foi devassada por um poder que pode pouco em relação ao que devia poder, mas que nem consegue encontrar explicação para a sua inoperância e sem o que o Presidente da República (reparem que eu não falei de bananas!) se manifestasse, apesar dele próprio ter sido devassado e disso ter dado conta!
Há excessos de liberdade e excessos de debilidade. Não ponho em causa o direito de um ilustrador fazer bonecos. Contesto o responsável (editor, chefe de redacção ou director) da publicação, que deve medir e pesar as consequências. A liberdade de expressão consiste muito
na avaliação e responsabilidade.
De algum modo, a questão ocorrida na Lusa é reflexo de falta de controlo. A redacção andou, e provavelmente continua a andar, à balda. Nem chefe nem director coordena o serviço. Redactores e reportagem não podem fazer o que lhes apetece, fazem o que lhes mandam e submetem o trabalho à apreciação da chefia.
Pois é: há chefias que não chefiam, como há procuradores que não procuram onde devem. E destes deviam haver cada vez menos...

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