sábado, 5 de maio de 2007

Analise poética: Profundamente - Manuel Bandeira

Análise do Poema “Profundamente”, de Manuel Bandeira
ProfundamenteManuel BandeiraQuando ontem adormeciNa noite de São JoãoHavia alegria e rumorEstrondos de bombas luzes de BengalaVozes, cantigas e risosAo pé das fogueiras acesas.No meio da noite desperteiNão ouvi mais vozes nem risosApenas balõesPassavam, errantesSilenciosamenteApenas de vez em quandoO ruído de um bondeCortava o silêncioComo um túnel.Onde estavam os que há poucoDançavamCantavamE riamAo pé das fogueiras acesas?— Estavam todos dormindoEstavam todos deitadosDormindoProfundamente.*Quando eu tinha seis anosNão pude ver o fim da festa de São JoãoPorque adormeciHoje não ouço mais as vozes daquele tempoMinha avóMeu avôTotônio RodriguesTomásiaRosaOnde estão todos eles?— Estão todos dormindoEstão todos deitadosDormindoProfundamente. __________________________________O poema “Profundamente”, do autor pernambucano Manuel Bandeira, que está incluso no livro “Estrela da Vida Inteira”, já mostra, além de um saudosismo pela infância do eu-lírico de forma melancólica, ideais modernistas, pela quebra de paradigmas com a forma fixa e a métrica (versos livres) e a brincadeira com o campo semântico das palavras em contexto.Interpretando o poema, pode-se dizer que o mesmo se apresenta em dois tempos distintos: o passado (quando tinha seis anos) e o presente (hoje); bem destacados pelos advérbios que aparecem no início da 1ª e da 5ª estrofes, respectivamente.O início do texto mostra algumas lembranças do eu-lírico vividas na noite de São João, quando ele tinha seis anos e não pôde ver o final da festa, porque tinha adormecido. Então, ao acordar (possivelmente, no meio da madrugada), toda a alegria produzida pelas músicas, risadas e brincadeiras do cotidiano das pessoas daquela época tinha desaparecido, porque todos da casa estavam dormindo profundamente (no sentido literal - denotativo). No entanto, a partir da 5ª estrofe, percebe-se a mudança de tempo e a mesma angústia vivida pelo eu-lírico de não ouvir mais as vozes daquele tempo e se questiona até perceber que eles não estavam mais lá, pois haviam morrido (“dormido profundamente” no sentindo conotativo).É interessante a brincadeira que o poeta faz com as palavras em seu sentido denotativo e conotativo (“dormir profundamente”- 4ª e 7ª estrofes); percebe-se, portanto, que se trata de um bom entendedor das palavras que o cercam e que, através de um vocabulário simples, consegue atingir temas tão profundos como a morte e a saudade.Além disso, ele utiliza-se de alguns recursos estilísticos, como o som e, para tal, a terceira estrofe pode ajudar, pois nos quatro primeiros versos, dá para notar a constante repetição do som “s” que provoca a idéia do queimar da pólvora produzida pelo balão (“[...] Estrondos de bombas luzes de Bengala / Vozes, cantigas e risos/ Ao pé das fogueiras acesas. / No meio da noite despertei / Não ouvi mais vozes nem risos / Apenas balões /Passavam, errantes /Silenciosamente [...]”), cuja zoada é cortada pelo advérbio de modo “Silenciosamente”, pois o som do fonema “s”, nesse caso, transmite a idéia do pedir silêncio (a onomatopéia do silêncio “siiii...”), uma vez que, tudo estava calmo, sem zoadas ou sons e quando acontecia algum ruído, era porque um ou outro bonde que passava “cortando o silêncio como um túnel” (comparação).O poema, através de um simples vocabulário, atinge temas tão profundos, de forma criativa, simples (utiliza-se de fatos do cotidiano das pessoas daquela época na noite de São João) e saudosista; típicas características desse autor pernambucano que não só marcou a literatura local, como a do Brasil como um todo.__________________________________• ReferênciasBANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. 8. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1980.__________________________________Por: Veridiana Rocha
Veridiana Rocha
Publicado no Recanto das Letras em 19/03/2007

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