quinta-feira, 23 de abril de 2009

Monografia Aconselhamento Pastoral com Base no Novo Testamento

Autor: NASCIMENTO, A. R. X.
Ano: 2008

CAPÍTULO 1 - ACONSELHAMENTO

1.1. Definição

De acordo com a Associação Européia de Counseling (EAC), Counseling, palavra inglesa usada para aconselhamento, apresenta-se como

“um processo de interação entre conselheiro (counselor) e um cliente, ou mais clientes, que aborda vários temas, como: na área social , o ambiente cultural, culturais, econômicos e emotivos. Pode concentrar-se sobre o modo de enfrentar e resolver problemas específicos, favorecer um processo decisório, ajudar a superar uma crise, melhorar os relacionamentos com os outros, facilitar o desenvolvimento, aumentar o conhecimento, a consciência de si e permitir a elaboração de emoções e conflitos interiores.” (Danon, 2003, p.36)

Segundo Danon (2003), o aconselhamnto tem por objetivo geral oferecer para as pessoas, denominadas de clientes, a oportunidade de trabalhar o seu ser, com modalidades por elas definidas, com o intuito de que levem “uma vida mais satisfatória e rica de recursos, seja como indivíduos, seja como membros de uma sociedade mais ampla”. (p.37)

1.2. Aconselhamento Diretivo e Não-Diretivo

Conforme Scheunemann; Hoch (2003), o aconselhamento pode ser diferenciado entre “aconselhamento diretivo” e “não diretivo”. Na forma diretiva, o aconselhamento está “baseado em amplo e completo diagnóstico do caso, no estudo de várias soluções ou caminhos apresentados ao orientando, e com ele francamente discutidos”; a forma não-diretiva, no entanto, está baseada no aconselhamento que “permite ao orientando expressar livremente seus anseios, preocupações, tensões emocionais, e bem assim os seus planos positivos de escolha”. Na forma não diretiva o/a orientador/a valoriza a personalidade do/a orientando/a e limita-se a fazer com que este/a adote a solução que lhe pareça melhor.
Segundo May (1982), na área da psicologia é comum referir-se a Rogers que nova profissão de ajuda, desenvolveu a psicoterapia não-diretiva e centrada no cliente, a partir duma prática que visava “ajudar pessoas que enfrentavam problemas, conflitos e crises a ajudar a si mesmas”. Esta forma de aconselhamento enfatiza a auto-ajuda dos/as clientes na resolução de seus conflitos internos através da “compreensão” e “re-educação emocional”. O aconselhamento não-diretivo, portanto, não consiste em dar conselhos, mas num caminhar lado a lado de conselheiro/a e cliente.
A partir de Rogers, que compreendia “aconselhamento” e “psicoterapia” como tendo o mesmo significado, o uso das técnicas da terapia não-diretiva centrada no cliente se estendeu para além do âmbito da psicologia, medicina e psiquiatria. Por essa razão, vários grupos de profissionais passaram a ter formação em aconselhamento e, no contexto norte americano, uma nova profissão, a do/a “aconselhador/a” foi criada.(May, 1982)
A partir da década de 1930, inicialmente nos Estados Unidos e Europa e posteriormente na América Latina, também as igrejas foram aderindo especialmente ao aconselhamento não diretivo. A consciência por parte das igrejas de que no setor
de saúde, tanto psicólogos/as quanto religiosos/as necessitam do conhecimento interdisciplinar foi crescendo, a ponto de criarem “centros de formação clínica para obreiros da Igreja” e posteriormente incluírem disciplinas de aconselhamento e clínica pastoral no currículo da formação teológica, como se sucedeu, por exemplo, com a Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. (Vegt, 2001)

1.3. Aconselhamento e Teologia

O uso do termo aconselhamento não se restringe apenas às ciências anteriormente mencionadas, conforme traz o dicionário. Na compreensão de Schneider-Harpprecht, (1998) aconselhamento é a práxis de “ajuda a pessoas com problemas de saúde, problemas psíquicos, sociais ou religiosos através de curto ou médio prazo com uma pessoa ou um grupo qualificados” (p.23). A partir desta definição, o aconselhamento também se vincula à teologia, e o que diferencia os aconselhamentos psicológicos, educacionais, genéticos do aconselhamento pastoral, na compreensão de Schneider-Harpprecht (1998, p.23), é “o tipo de problema e a qualificação dos/as aconselhantes”. Enquanto que o aconselhamento psicológico, por exemplo, se ocupa com as “dificuldades de ordem psíquica e psicossocial” e os seus/suas profissionais têm uma formação psicoterapêutica específica, o aconselhamento pastoral “enfoca problemas e dificuldades da vida sob o ponto de vista religioso e espiritual” e os seus/suas aconselhantes têm uma formação em aconselhamento pastoral.
Ao abordar a relação entre aconselhamento pastoral e outras formas de terapia, Vegt (2001) acentua o que denomina de “específico proprium” do aconselhamento pastoral. Ele não considera o aconselhamento pastoral superior ou inferior a qualquer outra forma de aconselhamento, mas ressalta que este conta com um “extra nos”. E é a partir desse “extra nos” que se define, orienta e baseia todo aconselhamento pastoral, inclusive aquele que acontece pelo telefone. Para o autor, cristãos/ãs que devem proclamar a liberdade divina (Gottes Freiheit) e fazer com que o aconselhamento pastoral seja uma “ação libertadora”.
Vegt (2001) afirma que (teologicamente)

“a doutrina do Deus oculto e revelado liberta da pressão de ter que separar ou excluir os lados obscuros da vida; (cristologicamente) o fato de Deus ter se tornado humano liberta as pessoas da ilusão de terem que ser parecidas com Deus; (pneumatologicamente) a presença do Espírito Divino no aconselhamento pastoral liberta de ter que constantemente chamar Deus pelo seu nome. A presença e a livre forma de agir do Espírito também liberta de ter que esperar tudo de um método; (soteriologicamente) a doutrina da “Justificação por Graça e Fé” e a aceitação incondicional do ser humano por Deus liberta as pessoas de terem que se justificar por próprias forças; (escatologicamente) o reconhecimento da forma quebrantada da existência humana liberta de querer alcançar a santidade ou a perfeição neste mundo; (eclesiologicamente) a doutrina do sacerdócio geral de todas as pessoas crentes liberta de uma hierarquização do aconselhamento pastoral: tanto quem busca como quem oferece aconselhamento se encontra no mesmo degrau perante Deus.” (Vegt, 2001, p.45)

1.4 O processo de cuidado pessoal

Segundo Collins (2002), libertar é uma sucessão de ações e reações com o objetivo de trabalhar com as pessoas para que sejam socorridas em tempo oportuno, tornem sabedoras das origens e desenvolvimentos da opressão e da dominação na sociedade em que vivem. Isso contribui para que entendam melhor sua vida profissional, financeira, social, psicológica e religiosa. Libertar não implica apenas em ações que tirem a pessoa da influência negativa do reino das trevas, mas também do reino dos seres humanos.
Todo processo de cuidado pastoral é uma ação ou realização continuada e prolongada de alguma atividade que vise, ao final, o bem-estar daquele que necessita de cuidados. Porém, trilhar esse caminho de auxílio ao outro exige uma análise critica dos fatores que envolvem a vida da pessoa em questão. Isso pode revelar as diversas origens do problema e, também, direcionar para os melhores caminhos a fim de solucioná-los. (Collins, 2002)
Os problemas de origens pessoais podem ser identificados na história de vida do aconselhado e têm muito a revelar sobre quem é a pessoa, como chegou ao ponto em que está. Identificadas as raízes das questões que a atormentam, ficará mais fácil desenvolver um trabalho de acompanhamento, de cuidado pastoral, até que haja libertação dos sentimentos negativos, dos pensamentos ruins e da forma de vida que prejudica a si mesmo e aos outros. (Friesen, 2000)
Quando um indivíduo nasce, já encontra uma estrutura pronta para recebê-lo. No decorrer de seu crescimento, ele não se adaptará a muitas questões que são consideradas normais para outras pessoas. Isso lhe trará conflitos interiores entre aquilo que pensa ser o correto e aquilo que todos dizem ser o certo. A estrutura política, social, financeira, familiar e outras vigentes durante o tempo de existência de uma pessoa poderão trazer problemas que exigirão maiores cuidados pastorais.
As relações, os processos e as estruturas sociais, enquanto formas de dominação política e apropriação econômica, produzem uma história de vida de muitas pessoas plena de diversidades, disparidades, desigualdades, antagonismos. As condições de sobrevivência, o trabalho das diversas categorias profissionais e as classes sociais são de fundamentais importâncias para uma análise e identificação dos problemas de origens sociais. A libertação social precisa fazer parte da visão de quem faz um trabalho de orientação, pois a raiz dos problemas poderá estar lá.
Identificada a origem das dificuldades da pessoa que busca ajuda pastoral, é necessário avaliar as opções de soluções existentes que favoreçam uma mudança de vida por parte de quem precisa passar pelo processo de libertação. A militância política pode auxiliar na derrubada de sistemas que oprimem e destroem o ser humano. O cuidado pastoral orientado por este modelo pensa em uma teologia da libertação que vise à melhoria de vida em todos os aspectos da população. É um grande caminho para cuidar daqueles que almejam uma libertação. (Friesen, 2000)
CAPÍTULO 2 – ACONSELHAMENTO PASTORAL

2.1. Definição

O termo “aconselhamento pastoral”, que atualmente já é bastante usado pelas igrejas protestantes brasileiras, é a tradução de Pastoral Counseling, expressão usada nos Estados Unidos da América a partir do século XX. Além de aconselhamento pastoral, outros termos como poimênica, clínica pastoral, que é o acompanhamento pastoral em hospitais, e psicologia pastoral, que interpreta a pastoral numa perspectiva psicológica, tem sido usados quando se refere à relação de ajuda na área da saúde no contexto da Igreja. (Schneider-Harpprecht, 1998)
A definição de aconselhamento pastoral também tem sido diversificada. Conforme a definição de Clinebell (1976),

“aconselhamento pastoral é uma dimensão da “poimênica” que utiliza uma variedade de métodos terapêuticos e espirituais de cura para ajudar as pessoas a lidar com suas crises, conflitos e problemas numa forma que conduz ao crescimento e a experimentar a cura do seu estado de fraqueza, abatimento, sem energia. Para o autor, o aconselhamento pastoral tem uma função reparadora quando o crescimento das pessoas é prejudicado ou bloqueado devido a crises.” (Clinebell, 1976, p.25)

Poimênica, por sua vez, é entendida por Clinebell (1976) como ministério, um serviço de ajuda “amplo e inclusivo de cura e crescimento mútuo, no seio da comunidade em todos os momentos da vida. “(p.25)
Para Schneider-Harpprecht (1998) poimênica provém do termo grego “poimen” e tem sido entendida como “ciência do agir do pastor”. O autor, porém, define poimênica como sendo “o ministério de ajuda da comunidade cristã para os seus membros e para outras pessoas que a procuram na área da saúde”. O aconselhamento pastoral é visto pelo autor como sendo uma das dimensões da poimênica “que procura ajudar através da conversação e outras formas de comunicação metodologicamente refletidas”.(p.82)
Segundo Friesen (2000) aconselhar pode ser definido como “proclamação do perdão dos pecados” e aconselhamento como a “comunicação da Palavra de Deus”. Para o autor, no aconselhamento pastoral é estabelecido um diálogo que tem por objetivo levar “ao rompimento com a vida nas trevas”. Neste diálogo são “utilizados os princípios bíblicos para a orientação da conduta e das decisões”. O aconselhamento pastoral é aquele que é realizado em nome de Jesus Cristo.
Conforme Noé (2008) a definição de aconselhamento pastoral é “a arte de ajudar a fazer ver as coisas que não podem ser vistas”. (p.2). Conforme o autor, mesmo quando as pessoas passam por situações de crise que afetam a sua integridade, elas têm uma relativa consciência do que está acontecendo. Por isso ele afirma que é, no entanto, no fazer ver as coisas ocultas aos olhos dos que sofrem que está a arte de ajudar. Ali está o tesouro: não na incapacidade, na falta, nas poucas possibilidades reais de cura ou salvação. E sim, na potencialidade conferida a cada um de nós por Deus. Revelá-la é tarefa de parto e equivale a afirmar o triunfo da vida, em relação aos sinais de morte. (Noé, 2008)

2.2. Objetivos

De acordo com Clinebell (1976), o objetivo maior do aconselhamento pastoral é “libertar”, “potencializar” e “sustentar integralidade centrada no espírito”. Atribui ao aconselhamento pastoral o objetivo de “facilitar ao máximo o desenvolvimento de uma pessoa, em cada estágio da vida” afim de que esta também contribua para o crescimento das pessoas que a cercam. O aconselhamento pastoral visa contribuir para que o/a aconselhando/a se liberte de bloqueios e medos, encontre a si mesmo/a a fim de que possa viver uma vida plena de sentido e satisfação e investir as suas energias na transformação do mundo.
O aconselhamento pastoral procura ajudar as pessoas a desfrutar um relacionamento aberto e crescente com Deus, capacitando-as a viver de uma forma promotora de crescimento em meio às perdas, aos conflitos e às tragédias da vida no mundo. Ele procura ajudá-las a tornar-se conscientes do empolgante fato de que foram criadas para ser parceiras ativas – co-criadoras – do Espírito do universo na transformação do mundo. O aconselhamento pastoral procura ajudar as pessoas a renovar seu sentimento de confiança básica estando em contato com o Espírito de amor presente neste momento, a encontrar cura para os aspectos de seu quebrantamento que só podem ser curados no relacionamento com essa realidade. O aconselhamento pastoral visa ajudar as pessoas a achar a sua vocação (sua causa), na qual possam investir suas vidas com propósito, compromisso e alegria.
Para Friesen (2000, p.26), o objetivo do aconselhamento pastoral é “tratar das tensões interiores e dos diferentes complexos que interferem na qualidade de vida”. Também é objetivo do aconselhamento pastoral libertar as pessoas de “atitudes inadequadas e distorções de percepção quanto à realidade”, bem como “dos medos, culpas e das iras inadequadas”. Para tal, o aconselhamento pastoral utiliza os “recursos da Palavra de Deus, somando aos recursos que o conselheiro poderá obter da pedagogia, psicologia e filosofia”. Para tal objetivo, os recursos bíblicos permanecem básicos e preponderantes, como diretrizes, e os recursos das outras ciências afins permanecem como “complementares e auxílios instrumentais do aconselhamento” pastoral.
Para Schneider-Harpprecht (1998), um dos objetivos da poimênica e do aconselhamento pastoral é ajudar as pessoas em situações de conflitos, crises e sofrimentos “para que possam viver a relação com Deus, consigo mesmas e com o próximo de uma maneira consciente e adulta”, bem como, capacitá-las a assumirem a sua responsabilidade como cidadãs que se engajam em prol da “melhora das condições de vida numa sociedade livre, democrática e justa”. (p.82)

2.3. Fundamentos Bíblicos e Teológicos do Aconselhamento Pastoral

Tanto o termo “poimênica” quanto a própria expressão “aconselhamento pastoral” de um modo geral são pouco usados no contexto brasileiro, a ponto de ainda não terem sido incluídos no dicionário da língua portuguesa. A sua existência, porém, é muita antiga e o seu valor está no seu significado bíblico, de forma mais precisa, na sua “riqueza simbólica”. O termo poimênica provém da antiga língua grega, da palavra “poimén”, que quer dizer “pastor de ovelhas”. A palavra “pastoral”,
portanto, também deriva desta raiz. Conforme Hoch (1985), o significado teológico do termo se inspira na atividade do pastor no trato com suas ovelhas. Ele as protege, cuida dos seus ferimentos, defende-as dos inimigos, busca-a de volta quando se desvia.
Segundo Noé (2008, p.2), a “Bíblia em seu todo pode ser compreendida como expressão de uma ação poimênica”, porque ela contém “sinais e histórias” que revelam como as pessoas experimentaram o “amor protetor e salvífico” de Deus durante os tempos. O autor ressalta que “a Bíblia é um livro de poimênica”, um livro que é repleto de experiências de cura. E que nestas experiências o ser humano é visto em sua estrita relação com Deus e com o próximo, a qual ainda é imperfeita e por vezes ameaçada. Ela tende para a realização da comunhão plena, mas depende
da graça de Deus para superar suas sombras e limitações.
A poimênica e o aconselhamento pastoral, por sua vez, fazem parte da Teologia Prática. Partindo da Teologia Prática é desenvolvida uma teoria de uma prática interdisciplinar do aconselhamento pastoral, com reflexo direto ou indireto em outras dimensões da vida comunitária, bem como com as ciências humanas. Schneider-Harpprechr (1998), na sua aproximação da teoria do aconselhamento pastoral, dentro da teologia Prática, percebeu imediatamente alguns temas fundamentais que exigiam um aprofundamento. Apresenta-se aqui um resumo de sua reflexão e respeito dos temas que ele procurou aprofundar. Schneider-Harpprechr (1998, p.131)

“a- Base teológica: o cristianismo parte da crença em Deus, o Criador, e sua encarnação do seu filho em Jesus de Nazaré. O homem (na figura de ser humano assexuado) é tido como criatura da palavra de Deus que insere-se na convivência ecológica com as outras criaturas, seres humanos e outros. Na cruz de Cristo Deus tornou-se solidário, compartilhou a carência de ser, identificou-se com o sofrimento e a morte das criaturas e denunciou as situações de ruptura da solidariedade dessas criaturas como pecado.
b- Redescoberta da liberdade: o aconselhamento pastoral parte de situações concretas de sofrimento individual e coletivo: é a cruz erguidas nas cultura da pobreza, exploração, injustiça e violê4ncia deste continente. O aconselhamento pastoral tem como objetivo ajudar as pessoas a redescobrirem a libertação que pode ser encontrada em Cristo, e a assumirem a si mesmo e a sua responsabilidade pessoal e social: a capacitá-los para viver de maneira solidária com aqueles que sofrem.
c- Interação: o diálogo com as ciências humanas torna-se essencial para a reflexão sobre o aconselhamento.
d- Método: o aconselhamento busca aproveitar a variedade de técnicas terapêuticas. O critério teológico do seu uso é a sua contribuição para a liberação dos sujeitos, bem como a competência da pessoa que as aplica. A Bíblia é a fonte e um instrumento muito valioso da poimênica.”

Bootz (2003) demonstra que o aconselhamento pastoral tem exigido, cada vez mais, conhecimento de outras áreas do saber humano. Isso traz alguns benefícios à poimênica, mas tem feito com os muitos conselheiros cristãos não valorizem a riqueza de recursos espirituais deixados pela tradição cristã. O autor conclui:

“Enfim, o diálogo interdisciplinar, muito importante para o desenvolvimento de uma prática de aconselhamento pastoral coerente com o contexto de vida (social, econômica, política está preenchendo a prática pastoral com recursos das áreas humanas e concomitante, escasseando o espaço dos recursos espirituais.”

2.3.1. Antigo Testamento

No Antigo Testamento, a imagem de “pastor de ovelhas” foi atribuída aos “líderes religiosos de Israel”. Moisés e Josué são exemplos desses líderes. (Hoch, (1985). Então Moisés disse o seguinte:

- Ó Deus Eterno, que dás a vida a todos, indica um homem que possa guiar o povo e comandá-lo na batalha, para que a tua gente não seja como ovelhas que não tem pastor. (Números 27.17)

No entanto, baseando-se nas denúncias do profeta Ezequiel, Hoch (1985) afirma que muitos destes líderes não corresponderam com o que se espera de pastores.
“Vocês, autoridades, são os pastores de Israel. Ai de vocês, pois cuidam de vocês mesmos, mas nunca tomam conta do rebanho (...) Vocês não tratam as fracas, não curam as doentes, não fazem curativos nas machucadas, não vão buscar as que se desviam, nem procuram as que se perdem.” (Ezequiel 34.2-4)

De acordo com Hoch (1985), esse descuido por parte dos líderes de Israel fez com que Ezequiel anunciasse “o fim do seu pastoreio” e o próprio Deus passa a cuidar das suas ovelhas, sendo o bom e justo pastor.

“Eu, o Senhor Eterno, digo que eu mesmo procurarei e buscarei as minhas ovelhas (...) eu mesmo serei o pastor do meu rebanho e encontrarei um lugar onde as ovelhas possam descansar (...) Procurarei as ovelhas perdidas, trarei de volta as que se desviaram, farei curativo nas machucadas e tratarei as doentes. “ (Ezequiel 34.11-16)

2.3.2. Novo Testamento

Através da encarnação do Verbo Divino, a imagem do bom pastor que cuida de suas ovelhas é atribuída a Jesus. No Novo Testamento, Hoch (1985) cita a passagem de Marcos 6.34 em que Jesus se compadece do povo que está como ovelhas sem pastor, bem como João 10.11-18, onde Jesus assume ser o “bom pastor” que veio para dar vida completa para as ovelhas, que conhece e protege cada uma delas, que chega a dar a sua própria vida pelas ovelhas. (Hoch, 1985)
A partir de Jesus, fica muito evidente que o aconselhamento pastoral implica num modo de ser e agir e acontece através de relacionamentos: consigo mesmo, com o Transcendente, com o/a outro/a, com o cosmos. E, como afirma Hoch (1985, p.98), o paradigma do relacionamento pastoral é o “relacionamento do próprio Deus com seu povo”. Esse relacionamento acontece concretamente através de Jesus, que é o “Emanuel”, o “Deus conosco”, o Deus [que] se relaciona com seu povo em meio ao seu sofrimento e o faz em forma humana, ou seja, através da linguagem de um relacionamento fraterno, em moldes reais, que a mais humilde das pessoas seja capaz de entendê-la (...) experimentá-la.
Para Friesen (2000) é Jesus que inaugura o modo de ser e de agir poimênico e também permanece como exemplo e critério para toda poimênica cristã atual. Jesus de Nazaré, a partir da sua forma de agir individual, a partir da sua consciência interior e a partir do seu efeito sobre o meio e de sua época (ilustrado pelas histórias bíblicas) pode ser visto como o inaugurador do comportamento poimênico.
Nesse sentido, Schneider-Harpprecht (1998) aponta a palavra

“paraclesis”, que significa “admoestação e consolação”, como um conceito chave para o aconselhamento pastoral no Novo Testamento. A base para a admoestação e consolação é “a misericórdia de Deus que justifica” a pessoa pecadora. A admoestação e a consolação divinas também desafiam as pessoas crentes a “realizar uma identificação com Jesus Cristo” que lhes fortalece, dá paciência e esperança. (Schneider-Harpprecht, 1998, p.296)

Ainda no Novo Testamento, o Apóstolo Paulo afirma que além de Cristo ser o próprio pastor, ele também preparou pessoas para o serviço cristão afim de que o seu corpo seja edificado. “Essas pessoas receberam diferentes dons, sendo um deles o dom de pastorear.” (Cf. Efésios 4.11-12)
Dessa forma, a imagem que anteriormente havia sido desvinculada dos líderes religiosos de Israel e atribuída somente a Deus, volta a ser relacionada também com pessoas, com o Sagrado através dos dons concedidos pelo próprio Deus por meio da fé.

2.4. Aconselhamento Pastoral como um Processo Comunicativo

A comunicação é algo inerente ao ser humano e indispensável para a sua própria existência. Conforme Hoch “o ser humano aninha no seu interior uma estrutura feita para a comunicação”. (p.96) O ser humano vive emitindo mensagens na medida em que ele se comunica consigo mesmo, com as outras pessoas, com o ambiente que o cerca por meio de todos os seus sentidos, através das suas diferentes formas de expressão e dos recursos tecnológicos por ele criados. De acordo com Vegt (2001, p.67) “o ser humano é alinhado para o relacionamento, a comunicação e o diálogo, que por sua vez também são os recursos de que dispõe o
aconselhamento pastoral”.
A partir dessa condição comunicativa do ser humano, ele vai interagindo com o mundo que o cerca causando e sofrendo transformações. Essa interação é indispensável para a formação da identidade e sobrevivência de cada pessoa. Existem, no entanto, muitas formas de interação que podem beneficiar ou prejudicar a identidade do indivíduo ou de um grupo. Segundo Hoch (1985), a pessoa só se desenvolverá de forma sadia e equilibrada, em termos psicológicos e sociais, se a comunicação e o relacionamento pessoal forem predominantemente e qualitativamente sadios e portadores de uma mensagem de segurança, afirmação e amor.
Nesse sentido, é fundamental que o/a aconselhante pastoral atente para os relacionamentos passados e atuais da pessoa que lhe vem pedir ajuda, pois são as interações interpessoais as maiores causadoras dos problemas humanos. Por outro lado, é também por meio da comunicação, do relacionamento, da interação que se resolvem os problemas, as crises e dificuldades humanas.
Hoch (1985) conclui que é no nível das relações, por isso mesmo, que precisam ser procuradas soluções e alternativas para os mesmos. Ora, a arte do aconselhamento pastoral

“(...) consiste justamente em oportunizar relações significativas com as pessoas atendidas de modo que elas, experimentando uma nova forma de relação interpessoal, sejam capazes de adquirir consciência dos modelos opressivos de interação a que estavam submetidas e, aos poucos, ensaiar novos modelos de relacionamento.” (Hoch, 1985, p.97)

A inspiração e orientação das formas de relacionamento no aconselhamento pastoral baseiam-se, no entanto, no jeito de ser, comunicar e de se relacionar do próprio Verbo que se incorporou na forma humana de ser e de se relacionar. Como afirma Vegt (2001) enquanto viveu na terra, Cristo se nos revelou como perfeito comunicador mediante sua encarnação. Ele se identificou do modo mais total com aqueles que haveriam de receber sua comunicação e transmitiu sua mensagem não só em palavras, mas em toda a realização de sua vida. Identificou-se com o modo de falar de seu povo e com os modelos de seu pensar. Falou a partir da situação de seu tempo.
Ao se tornar humano, Cristo transmitiu a proteção, a misericórdia e o amor divinos através da linguagem do relacionamento humano. Nesse sentido cabe lembrar da afirmação de Hoch (1985), que o aconselhamento pastoral é a “arte de ‘traduzir a boa nova na linguagem dos relacionamentos’”. (p.98). E esses relacionamentos podem acontecer no ambiente familiar, escolar e social ou através de meios técnicos de comunicação como no caso do telefone. Ao buscar ajuda por meio do aconselhamento pastoral, a pessoa se comunica com o/a aconselhante, e este/a por sua vez interage com o/a aconselhando/a. O êxito de uma relação de ajuda em boa parte depende, portanto, da qualidade comunicativa do/a aconselhante.
Como afirma Feldmann (2002, p.27), numa relação de ajuda, a responsabilidade maior pelos resultados do encontro é do ajudador. O resultado do encontro depende de suas habilidades interpessoais (...). Os ingredientes do ajudador são: disponibilidade interativa, amor pelo ajudado e habilidades interpessoais de alto nível. Essas habilidades, apesar de caracterizarem a relação de ajuda, são básicas a qualquer encontro entre duas pessoas, mesmo que não lhe seja dada a conotação de ajuda – são elas que determinam a qualidade do encontro.
No caso do aconselhamento pastoral, além das capacidades comunicativas pessoais e de técnicas aprendidas, cabe de forma especial ao conselheiro e à conselheira a capacidade de ser um/a comunicador/a e orientador/a espiritual. Conforme Hoch (1985), ao procurarem um/a pastor/a, padre ou religioso/a, as pessoas esperam destes/as uma “orientação espiritual”. Nesse sentido, recursos espirituais legados pela tradição bíblica e eclesial são elementos que podem estabelecer uma boa comunicação entre aconselhando, conselheiro/a e o Sagrado.
2.5. Os sujeitos do aconselhamento pastoral

Poimênica e aconselhamento pastoral, num primeiro momento podem ser entendidos como atividades relativas ao “pastor”, “pastoril”, “próprio dos pastores espirituais”. A poimênica, porém, não se limita apenas à função do pastor, como ministro ordenado, não pressupõe uma visão meramente espiritual do ser humano e nem tem exclusivamente a comunidade eclesial como sua destinatária.
Conforme 1 Pedro 2.5, por meio da fé, todas as pessoas são tornadas pedras vivas e podem deixar que Deus as “use na construção de um templo espiritual onde (...) servirão como sacerdotes consagrados a Deus”. A partir disso, tanto ministros ordenados como também toda a comunidade de fé compartilha o sacerdócio do aconselhamento pastoral. Conforme Clinebell (1976), os ministros ordenados são como jogadores - treinadores, “que têm a responsabilidade de possibilitar o ministério mútuo de pessoas leigas e também de exercer seu próprio, singular e valioso ministério de poimênica”. (p.25)
O destino do serviço do aconselhamento pastoral, todavia, não se restringe apenas aos integrantes de uma comunidade eclesial. Assim como todo “serviço comunitário” está destinado tanto para dentro quanto para fora do âmbito da comunidade eclesial e social, também a sociedade toda é destinatária do aconselhamento pastoral. Como afirma Clinebell (1976, p.47),

“serviço comunitário é o ministério que ultrapassa as fronteiras da congregação para servir às necessidades das pessoas que vivem na comunidade de assistência mais ampla de uma Igreja – uma comunidade que se estenda em círculos concêntricos, até abarcar a comunidade global.”

De um modo geral, o uso do termo “aconselhamento pastoral” nos dias atuais pode trazer consigo o risco de interpretações dúbias. Por um lado, corre-se o risco de transmitir a idéia de que o objetivo do aconselhamento seja dar conselhos, indicar
soluções, recomendar atitudes, prescrever ou receitar poções de cura. Segundo Schneider-Harpprecht (1998), também se pode associar o pensamento de que se pretende “dar conselhos às pessoas de tal forma que os ideais e as normas” do/a aconselhante ou “do contexto religioso em que ele/a vive predominem e moldem seu
discurso, seu comportamento e sua estrutura psíquica de maneira diretiva e autoritária”.
Por outro lado, por parte dos/as próprios aconselhantes poderia suscitar uma prática excessiva dos métodos “seculares” de psicoterapia ou uma imagem de “profissionalismo” do aconselhamento pastoral que levaria a uma “relação profissional de terapia” entre aconselhantes e “clientes”. No entanto, ao se usar o termo “aconselhamento pastoral” pretende-se ampliar ou ultrapassar essa “ortodoxia terapêutica e pastoral”, pois nele se agregam diferentes métodos terapêuticos, mantém-se uma postura pastoral de abertura e maturidade, não autoritária e nem moralista, inclui-se a dimensão espiritual do ser humano sem excluir-se as demais dimensões, bem como o jeito de ser solidário, amoroso, acolhedor que pretende ver cada pessoa como indivíduo único e congregá-la a um grupo ou comunidade. (Schneider- Happrecht, 1998, p.82)
Em relação à visão de ser humano a poimênica e o aconselhamento pastoral partem duma visão holística, de um ser vivo que é matéria, corpo, alma, espírito, razão, emoção, mente e coração e busca “potencializar crescimento em direção à integralidade” da vida humana, pois o próprio bom pastor Jesus veio para dar vida completa para suas ovelhas. O crescimento que, na concepção de Clinebell (1976), inclui seis dimensões da vida de uma pessoa: “avivar sua mente”, “revitalizar seu corpo”, “renovar e enriquecer seus relacionamentos íntimos”, “aprofundar sua relação com a natureza e a biosfera”, “crescer em relação às instituições significativas em sua vida”, “aprofundar e vitalizar seu relacionamento com Deus”. (p.29)


CAPÍTULO 3 – ACONSELHAMENTO PASTORAL PARA FAMÍLIAS

3.1 A ausência de recursos espirituais

De acordo com o que se observa nos estudos de Bootz (2003), o período de falta de pesquisas que abordem os recursos espirituais no aconselhamento pastoral, parece estar no fim. Entretanto, o autor alerta para o fato de que não se assiste essa preocupação de incluir tal tema no aconselhamento familiar, pois apesar de existirem inúmeras obras sobre aconselhamento familiar, poucas utilizam-se dos recursos espirituais para orientação.
Em função dessa constatação é válido afirmar que os estudos de Schneider-Harpprecht (1998) são muito importantes para o aconselhamento pastoral familiar, pois os autores fazem uma análise da família considerando a atualidade, isto é, os problemas que ocorrem na sociedade de hoje, mesmo que alguns assuntos não sejam agradáveis de discutir, como por exemplo, sobre dificuldades no relacionamento sexual ou divórcio.
O que se percebe é que os referidos temas fazem parte da realidade de vida das famílias atualmente e não podem deixar de serem abordados numa situação de aconselhamento pastoral, pois do contrário, não se conseguirá resultados proveitosos.
Após fazer uma análise da herança histórica e outros aspectos Schneider-Harpprecht (1998) entende que partindo da teoria sobre os estágios da fé desenvolvida por Fowler, a comunidade:

“Trabalha na capacidade das pessoas para viverem autenticamente a fé cristã e assim contribui de uma forma específica para a vivência, o crescimento e a transformação da fé humana. Achamos importante ver como os diferentes tipos de viver a fé são relacionados com o ciclo da vida familiar. Fowler interpreta esses tipos a partir das teorias de desenvolvimento psicossocial de Erickson e do desenvolvimento moral de Kholberg como uma seguida seqüência de estágios” (Scneider-Harpprecht, 1998, p.157)


Streck (1999) desenvolveu uma pesquisa sobre aconselhamento pastoral familiar com o interesse inicial de abordar as questões ligadas à terapia psicológica, achando que os problemas familiares eram apenas de relacionamento. Entretanto, no decorrer do estudo percebeu que a necessidade das pessoas era mais ligada a questões espirituais, e com isso Streck precisou fazer diversas adaptações em sua pesquisa.
Afirma o autor:

“Convém lembrar que os objetivos deste trabalho foram: conhecer as estruturas das famílias de baixos recursos através do aconselhamento psicológico; verificar a viabilidade da Terapia Estrutural de Famílias e da Terapia Narrativa através da prática de atendimento a elas; e trazer elementos para o aconselhamento pastoral com as famílias de baixos recursos, sendo a perspectiva teórica elaborada a partir da reflexão sobre a prática.” (Streck, 1999, p.345)

Na verdade, todos esses estudos são muito úteis para a discussão sobre o aconselhamento pastoral familiar, pois fortifica a idéia de que os recursos espirituais são muito importantes e precisam ser resgatados, especialmente nos temas familiares.

3.2 Recuperação dos recursos espirituais no aconselhamento pastoral familiar

A preocupação em resgatar os recursos espirituais como recurso terapêutico é muito grande entre os teólogos, pois eles já perceberam a falta de estudos sobre o assunto.
Pode-se observar Dourley (1997) quando analisou as reflexões de Jung a respeito da ambivalência do cristianismo em relação à psique humana e à ordem cultural onde se insere acabou por concluir pontos interessantes. Uma das conclusões do autor é referente ao fato de Jung não concordar com os dogmas cristãos, pois teve oportunidade de ver inúmeros pacientes na prática da psicoterapia desenvolver doenças devido à formação religiosa. Diante disto o autor explica que Jung resumia essa questão dizendo que: “a religião pode estruturar como desestruturar a psique humana.” (p. 66)
Segundo Dourley (1997), Jung entende que o cristianismo é tido como a força simbólica capaz de promover tanto a cura interior como fomentar perturbações psíquicas entre seus seguidores. Não há dúvida que o cristianismo tem sido importante para estruturar e formar símbolos na psique humana: “esses símbolos são entendidos, a partir daí, como a principal linguagem da psique de toda a humanidade, seja ela pessoal ou coletiva” (p.68). Assim, encontra-se em Jung a valorização e admiração do cristianismo pela formação de símbolos e ritos, considerados fundamentais para a psique humana, como também a problematização de uma religião que tem propensão de tornar as pessoas doentes.
Segundo Dourley (1997), explicando a contribuição de Jung no processo terapêutica com a experiência religiosa diz que a religião é uma porta de acesso às energias da psique que tornam a vida do homem, tanto pessoal quanto coletiva. Isso quer dizer que a experiência religiosa tem relação com o processo de cura.
Dessa forma, Dourley (1997), no que tange às contribuições de Jung, busca retomar a valorização das ciências psicológicas e teológicas. Pois, de acordo com seus pensamentos, o cristianismo, em função de formar símbolos na psique humana, ajuda na organização da vida interior do homem na busca da compreensão do sentido originário da existência. Entretanto, vendo pelo lado oposto. O cristianismo pode oferecer perigo em função de ter o poder de bloquear experiências salutares das energias psíquicas e acabar por desenvolver psicopatologias.
Bootz (2003) comenta ainda sobre a preocupação de Eugen Drewemann, que é um teólogo europeu muito preocupado em resgatar os recursos espirituais no aconselhamento pastoral. Assim, mediante de análise dos estudos do referido teólogo, Bootz (2003, p.138) afirma:

“A contribuição do pensamento teológico de Drewermann consiste na riqueza apresentada dos recursos espirituais da Bíblia e dos ritos, que é demonstrada não apenas no valor desses recursos espirituais em si mesmos, como também na indicação dos obstáculos que impedem a Bíblia e os ritos de serem recursos espirituais”

Hoch (1985) também contribuiu muito para essa discussão sobre aconselhamento pastoral, pois sempre se observou uma grande preocupação em resgatar ritos e símbolos da cristandade como meios indispensáveis para um melhor aprimoramento do aconselhamento pastoral.
Pode-se observar ainda as colocações de Foley (1990) que da mesma forma tem procurado resgatar a riqueza espiritual dos ritos como meios terapêuticos indispensáveis para o acompanhamento da família.

“As cerimônias do ciclo da vida capturam o processo curativo do encontro terapêutico mais do que qualquer forma de experiência religiosa. Casamentos, funerais e outros ritos associados como batismo e puberdade são antigos em forma, e ainda produzem resultados muito atuais. Os ritos de passagem foram o primeiro esforço humano para lidar com as áreas de preocupação das modernas psicoterapias: mudança e separação. Eles foram o primeiro modo de terapia, e originalmente, tanto quanto hoje, eles são de fato terapia de família.” (Foley, 1990, p.165)

Por fim, comenta-se que o aconselhamento pastoral com recursos religiosos como forma contribuição terapêutica está retomando sua importância, pois para a terapia familiar os ritos e dogmas religiosos são fundamentais, até mesmo para esclarecer melhor algumas questões que, se entendidas de forma errada, podem levar para caminhos doentios, tanto física como mentalmente.

3.3 Iniciativa pastoral

Alguns autores dedicados ao aconselhamento pastoral tem discutido muito a importância do papel do pastor/conselheiro, sustentando que o contexto e a estrutura do aconselhamento pastoral deve ser mais variada e criativa que a tradicional entrevista de aconselhamento que dura 50 minutos reservada e dentro do gabinete de aconselhamento. A criatividade deve ser um fator de grande preocupação, pois a mesmice da entrevista estruturada pode ser uma barreira para o entendimento entre o conselheiro e o indivíduo que procurou ajuda. Sneider-Harpprecht (1998) aponta inclusive, para a necessidade de liberação de espaço, saindo do gabinete do conselheiro e buscando um local mais a vontade, por exemplo, sentado num banco ao ar livre. O que pode descontrair o relacionamento e melhorar o entendimento entre o conselheiro e o ajudado.
Outra colocação de desprendimento da tradicional entrevista de aconselhamento é a observação do pastor no sentido de perceber quando um indivíduo está necessitando de sua ajuda. Nesse momento o pastor deve ter a iniciativa de se aproximar da pessoa e realizar uma entrevista de aconselhamento de forma informal.
Clinebell (1976, p.34) diz que:

“A definição do papel profissional do pastor, espera-se que ele tome a iniciativa no sentido de proporcionar ajuda a pessoas que precisam, mas que ainda não estão dispostas a pedir auxílio, Em contrate com o conselheiro e psicoterapeuta secular, o conselheiro pastoral pode tomar a iniciativa, entrando em contato com as pessoas em crise e estabelecendo relacionamento de confiança entre elas, de modo que sejam capazes de aceitar a ajuda oferecida.”

A visita familiar é um procedimento bastante proveitoso, pois a casa que se encontra aberta para uma visita pastoral é porque acredita em seu pastor e, assim, será muito mais fácil o relacionamento. Muitas vezes o pastor irá se aproximar de forma natural, como uma simples visita, assim ele vai ganhando a confiança da família aos poucos, para somente depois entrar com as ações de aconselhamento. Além do que, o convívio do pastor com a família em sua própria residência permite que ele conheça melhor como vive a família em seu habitat natural, facilitando muito as ações de aconselhamento.
Entretanto, conforme pontua Dourley (1997), o cuidado pastoral dispensado as famílias é muito mais complexo que possa parecer, não é apenas juntar informações, o privilégio da permissão da visitação exige o uso cuidadoso e gentil de autoridade. Não se pode esquecer que o pastor tem a autoridade advinda de seu papel social como líder de uma comunidade de fé e a falta do exercício dessa autoridade pastoral construtiva esperada pelas famílias cristãs, pode trazer frustrações. Assim, Clinebell (1976) aborda o uso construtivo da autoridade pastoral na poimênica e no aconselhamento, assim coloca:

“O pastor tem tanto a autoridade de seu papel social como líder de uma comunidade de fé como a autoridade racional (o termo de Fromm), qualquer que seja, que sua competência lhe dá como pessoa. Essas duas formas de autoridade influenciam, muitas vezes, de forma poderosa, uma relação de poimênica ou aconselhamento.” (Clinebell, 1976, p.34)

Na visita familiar o pastor pode tomar alguma iniciativa no sentido de perguntar sobre situações que sabe serem problemáticas para a família. Como por exemplo, uma filha com problemas na adolescência, ou um membro da família que está sumido da igreja. Apesar de temas dolorosos para a família precisam ser abordados pelo pastor, pois é uma demonstração de carinho e afeto pela família e também uma forma de tentar vencer o constrangimento e a vergonha que pode estar impedindo a família de solicitar ajuda.
Clinebell (1976) finaliza essa discussão com os seguintes dizeres:

“Em nenhum outro tempo podemos tão efetivamente cumprir a parte pastoral de nosso ministério sem ter que adotar modelos e metáforas do lado de fora de nosso chamado. E, em nenhum outro tempo estão as duas importantes dimensões de nosso potencial curativo tão aparente: a singularidade de nossa entrada na vida da família, e o poder inerente em nossa posição na comunidade.” (Clinebell, 1976, p.34).

3.4 Aconselhamento Pastoral, Ecumenismo e Interdisciplinaridade

3.4.1 Ecumenismo

Segundo Schneider-Harpprecht (1998), além de uma prática interdisciplinar, o aconselhamento pastoral também requer uma prática interconfessional. Especialmente em grandes centros urbanos onde a convivência comunitária tende a ser menos intensa do que em contextos rurais e de cidades menores, a proposta de um centro de aconselhamento ecumênico parece ser muito apropriada. Nada, porém, impede uma ação poimênica interconfessional em locais menores.
Nas grandes cidades onde há pouca convivência comunitária por causa das distâncias, existe a possibilidade de instalar centros ecumênicos de aconselhamento em que leigos e profissionais atendem as pessoas. Para atingir a população em favelas e vilas, o serviço de aconselhamento deve estar ligado a instituições como creches ou postos de saúde.
A prática do ecumenismo é algo inerente ao próprio ser cristão. Ser cristão e não querer ser ecumênico é praticamente inviável. De acordo com Brakemeier (2004, p.63),

“a comunidade cristã tem em Jesus Cristo o identificador. É ele quem une os membros num só corpo. Embora as comunidades cristãs sejam muitas, “[...] há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo, um só Deus e Pai de todos[...]” (Efésios 4.5ss). A cristandade possui uma só Bíblia, professa sua fé nos termos do Credo apostólico, celebra culto ao mesmo Deus. O fundamento cristão é igual em todos os lugares e tempos. Quem o abandona deixa de ser cristão.”

Na linguagem da poimênica e do aconselhamento pastoral, portanto, pode-se falar do “Bom Pastor” que é pastor de todas as pessoas crentes e paradigma de toda forma de aconselhamento pastoral. Se, portanto, é o Bom Pastor o identificador do aconselhamento pastoral, é também ele que reúne aconselhantes e aconselhandos num mesmo corpo, independente da denominação religiosa.
Como pessoas cristãs, os aconselhantes pastorais reconhecem que o Deus Criador, por meio de sua criação, age de diferentes formas para o bem da humanidade. Ele age através das mais variadas profissões e religiões existentes. “Deus age no mundo e em sua criação, ainda quando seus servos e instrumentos não querem reconhecê-lo como fonte de bem e restauração”. A partir dessa ação divina, as pessoas que realizam o aconselhamento pastoral não necessitam “colocar apêndices religiosos para se apresentarem como tais ou para darem glória a Deus”. É apenas necessário que realizem o trabalho de ajuda ao outro/a de maneira eficaz e responsável, e que seja capaz de expressar o testemunho cristão na sua forma de servir.

3.4.2 Interdisciplinaridade

Neste início do século XXI, especialmente, no contexto da América Latina, a Teologia Prática, subárea da Teologia, tende a desenvolver a teoria de uma “prática interdisciplinar” de aconselhamento pastoral que analise a sua relação com as ciências humanas como a psicologia, psicoterapia, teoria da comunicação, sociologia, antropologia, pedagogia, bem como com as diferentes dimensões da vida em comunidade.
Ao analisar a relação do aconselhamento pastoral com outras disciplinas, mais especificamente com a psicologia, Hoch (1985, p.258) afirma que ao se “reconhecer os méritos de uma disciplina” não se pretende “desprezar as qualidades da outra”. Assim como o aconselhamento pastoral, também as outras disciplinas são tentativas humanas, que por sua vez são limitadas, para resolver problemas e doenças da alma humana. Cada disciplina, porém pode contribuir com o seu específico numa relação de ajuda.
Segundo Schneider-Harpprecht (1998), a orientação metodológica do aconselhamento pastoral nunca foi unilateral, pelo contrário, na sua formação desde cedo se incluiu um pluralismo de escolas psicológicas, como por exemplo, de Psicoterapia, Psicanálise de Freud, Psicologia das Profundezas de Jung, a Análise Existencial, a Logoterapia de Frankl, a Gestaltterapia de Perls, as Terapias do Corpo de Reich e Lowen, o Psicodrama de Moreno.
De acordo com Hoch (1985), ao se relacionar com outras ciências, o aconselhamento pastoral tem a oportunidade de melhor realizar o seu serviço. O autor afirma, por exemplo, que a teologia e a psicologia da religião muito contribuem para o reconhecimento e aconselhamento das diferentes formas de religiosidade, manifestações de doenças psíquicas e tendências ao suicídio. Quando se trata de relacionamentos, um profissional da psicologia é o melhor indicado para aconselhar.
O aconselhamento pastoral também necessita da psicoterapia para saber, por exemplo, aconselhar, diferenciar e detectar necessidades de pessoas neuróticas, esquizofrênicas, depressivas. Hoch (1985) também cita a interação do aconselhamento pastoral com a psiquiatria. Para diferenciar um saudável triste de um depressivo patológico, por exemplo, o melhor indicado é alguém com formação psiquiátrica.
Para Hoch (1985) é importante que exista um time de aconselhantes, composto por pessoas com formação diferenciada, que trabalhe em conjunto. Também é necessário que todos tenham formação interdisciplinar para no mínimo reconhecer e distinguir casos graves para encaminhá-los imediatamente a um especialista. Para o autor, o aconselhamento pastoral necessita o fundamento cristão e a teoria científica, especialmente os conhecimentos e experiências de diferenciação de diagnósticos.
A teoria científica e a ação de ajuda não se contrapõem, mas se frutificam mutuamente. Em relação à teologia, o aconselhamento também tem uma postura de inclusão e abertura para diferentes escolas teológicas, modelos e concepções de aconselhamento pastoral, como por exemplo, conceitos com perspectivas dominantemente teológicas - bíblicas, teológicas-psicológicas, teológicas -sociológicas, pluralidade de perspectivas teológicas-filosóficas, bem como concepções interconfessionais de aconselhamento pastoral.
Além de interagir com outras ciências e disciplinas da própria teologia, especialmente com aquelas da Teologia Prática, conforme Schneider-Harpprecht (1998), aconselhamento pastoral também acontece numa interligação com outras dimensões da vida comunitária. Assim como o culto, a catequese, a missão e a diaconia, também o aconselhamento pastoral é uma dimensão da vida comunitária. A interligação dessas dimensões faz com que todas adquiram um significado poimênico e que o aconselhamento pastoral, por sua vez, inclui elementos litúrgicos (oração, canto, confissão de pecados e absolvição...), elementos catequéticos (orientação, informação, processos de aprendizagem...), elementos de missão (anúncio do evangelho, chamada para a mudança de vida, envio para testemunhar a
fé através da vida...) e elementos diacônicos (visitação, comunhão de mesa, assistência social aos pobres e enfermos...). (Schneider-Harpprecht, 1998, p.292)
De acordo com Schneider-Harpprecht (1998), na prática do aconselhamento pastoral comunitário, uma das primeiras tarefas que se tem é compor uma equipe interdisciplinar de pessoas leigas e profissionais. Essa equipe poderá organizar o trabalho, acompanhar os grupos de pessoas que fazem visitas e de líderes que realizam o aconselhamento pastoral, supervisionar casos e situações difíceis, e quando houver necessidade efetuar o encaminhamento para outros profissionais como médicos/as, psicólogos/as, psicanalistas, advogados. Para os ministros ordenados permanece a função de despertar lideranças e motivar tanto leigos como profissionais na área da saúde para compor a equipe do aconselhamento pastoral, treinar e supervisionar o trabalho da equipe, ajudar na organização do trabalho e também exercer a sua função de aconselhante pastoral.

3.5 Dimensões Sociais, Políticas, Econômicas e Culturais do Aconselhamento Pastoral

Toda vez em que acontece o aconselhamento pastoral, ele se concretiza em determinado tempo e lugar. Da mesma forma as pessoas envolvidas nesta relação de ajuda vivem em determinado lugar e época, se relacionam com diferentes pessoas, aprendem determinados valores, experimentam diferentes sentimentos.Tanto quem oferece como quem busca orientação vive em determinado contexto. Ao mesmo tempo em que as pessoas criam determinado contexto, elas também são por ele influenciadas e moldadas.
Na visão de Hoch (1985), o atual contexto sócio-político-econômico e cultural apresenta muitas dificuldades e problemas, como por exemplo, o desemprego, a destruição da natureza, a poluição, guerras, má destruição de renda, isolamento e estresse. Esses problemas são fatores que provocam doenças físicas, emocionais e espirituais. Diante desse contexto, cabe ao aconselhamento pastoral uma postura crítica que não procure se adequar aos modelos e às estruturas que provocam doenças e sofrimentos. O aconselhamento pastoral sempre deve manter uma postura crítica em relação às convenções do quotidiano e normas e papéis sociais e religiosos. Para o autor, o aconselhamento pastoral deve produzir liberdade.
Quem quer ajudar pessoas a encontrar e viver o seu próprio eu, deve se preocupar com as necessidades da segurança material que constituem a vida humana em sociedade. Ele deve com o companheiro esclarecer as pressões/forças políticas, sociais e também religiosas que perpassam a sociedade e a Igreja e que foram internalizadas pelo indivíduo pelo processo de socialização. A partir da forte influência do contexto na vida e identidade de cada ser humano, torna-se indispensável que o próprio aconselhante conheça a si mesmo, tenha consciência do seu jeito de ser a agir e a partir de qual lugar ele fala e enxerga o mundo. Segundo Hoch (1985), o simples fato de um aconselhante ser um ministro ou religioso irá contribuir ou atrapalhar no processo de busca por aconselhamento, abrir ou bloquear um diálogo. Também questões de gênero, raça, cor de pele, estado civil, idade, posição econômica e social podem influenciar na relação de ajuda.
Cada pessoa projeta uma certa imagem sobre as demais pessoas com quem convive. Essa imagem pode ser de simpatia, de confiança e de competência, de acolhimento, de acessibilidade. Ao procurarem alguém para falar de suas dificuldades, as pessoas se orientam fortemente pelas qualidades que imaginam poder encontrar naquela pessoa e que consideram essenciais para manter com ela um diálogo pessoal mais íntimo.
Ao mesmo tempo em que o aconselhante é representante de certo contexto, também quem busca ajuda é moldado a partir das relações, ambientes e estruturas com as quais convive desde o seu nascimento. A relação com o mundo exterior causa transformações no mundo interior, na alma, nos sentimentos, no corpo, nos pensamentos de cada indivíduo. Assim como Feldmann (2002, p102) afirma que “ninguém sai ileso de um encontro com outra pessoa”, também pode se dizer que ninguém sai ileso de um encontro com um grupo, uma comunidade, uma instituição, um trabalho, um governo, uma cidade ou lugar do interior. Por essa razão, quem oferece ajuda também tem a tarefa de identificar “o lugar a partir do qual o seu interlocutor fala”. E para que isso ocorra, é fundamental que o aconselhante tenha uma postura de abertura e empatia, que ele tente acompanhar o seu interlocutor na descoberta do seu mundo interior e este se sentirá compreendido e passará a se compreender melhor a si mesmo. Isso, por sua vez, servirá de estímulo para um aprofundamento da comunicação interpessoal.
Além das diferentes relações sociais, também as condições econômicas, questões educacionais e culturais, bem como estruturas políticas são fatores que determinam a vida de quem busca ajuda. A partir desses determinantes é necessário que o aconselhamento pastoral esteja ligado a uma comunidade “como uma rede de apoio dos membros”, como propõe Schneider-Harpprecht: (1985).
Além da oferta de ajuda individual e da integração social e comunitária, também cabe ao aconselhamento pastoral mover ações junto às pessoas responsáveis e sobre estruturas injustas e opressoras, a fim de eliminar ou atenuar as causas dos problemas das pessoas que buscam ajuda.
Quanto a questões relacionadas à cultura, o autor constata que no contexto da América Latina o aconselhamento pastoral precisa se conscientizar da diversidade cultural e religiosa de quem oferece e procura ajuda. Existem muitas dificuldades de comunicação devido a diferentes sistemas de educação, de valores, credos, posturas e linguagens corporais. Essa situação, portanto, requer do aconselhante pastoral uma “sensibilidade cultural” e que ele/a assuma uma postura de interpatia. Prossegue explicando que interpatia vai além de empatia, pois não se refere apenas ao sentimento do outro, mas exige assumir temporariamente os pressupostos básicos do outro e sentir com ele a partir dos mesmos.
Quem não consegue cumprir essas bases torna-se um aconselhador fechado e opressor. A sensibilidade cultural é descrita por Schneider-Harprecht (1985) em três aspectos: a) identificar a própria cultura, ou seja, aprofundar e conhecer a cultura do aconselhante e perceber quais os preconceitos que este/a tem em relação a outras culturas; b) conhecer a cultura do/a outro; c) desenvolver a capacidade técnica de intervenção do aconselhante após o conhecimento da sua e da cultura do outro.


CAPÍTULO 4 - ACONSELHAMENTO PASTORAL POR TELEFONE: POSSIBILIDADES E LIMITES

4.1 Possibilidades do uso do telefone no Aconselhamento Pastoral

O uso do telefone para o aconselhamento pastoral era impensável antes da década de 1860, mas logo após o surgimento do aparelho e da implantação da linha telefônica, os seus benefícios foram estendidos para o aconselhamento dentro e fora
do âmbito das igrejas. Conforme Clinebell (1976, p.84), além de economizar tempo, o telefone pode ser um instrumento útil para o “pré-aconselhamento, aconselhamento informal e formal”.
Dentro do contexto da comunidade eclesial, o telefone permite que ministros/as e as próprias lideranças leigas permaneçam num contato mais próximo com pessoas em situações de crise e que sejam comunicados/as com maior rapidez das pessoas que necessitam de aconselhamento. Em casos extremos, como situações de ameaça de suicídio, em que a locomoção e o contato físico são impossíveis ou levariam muito tempo, o telefone viabiliza o aconselhamento substitutivo ou de apoio. O telefone também pode ser usado ocasionalmente, em casos de relações prolongadas de aconselhamento ou ainda, para assessorar as pessoas leigas que prestam serviços de poimênica a pessoas em crise.
Segundo Clinebell (1976), as ligações telefônicas também podem ampliar visitas pastorais a pessoas doentes ou idosas que têm dificuldades em se locomover. Para expressar solicitude aos membros, o ministro pode utilizar-se do telefonema para cumprimentá-los em ocasiões como aniversários, comemorações, aposentadorias, nascimento de crianças.
Para Pampanelli (2008) o aconselhamento pastoral por telefone é especialmente apropriado para situações de crise e emergências, pois estas não se vinculam a horas marcadas. Entretanto, pessoas que por alguma razão não podem se locomover ou não estão preparadas para um contato pessoal direto, também podem obter acompanhamento por períodos mais longos nesta modalidade de ajuda. O uso do telefone no aconselhamento pastoral, porém não se limitou apenas para pessoas inseridas numa comunidade eclesial. O grande número de suicídios, especialmente em contextos urbanos, foi um dos motivos que suscitou a iniciativa de
estender o aconselhamento pastoral através do telefone para qualquer pessoa que necessitasse de ajuda. A partir de 1956 a criação de centros de aconselhamento pastoral (Telefonseelsorge), mantidos por igrejas, que têm por principal objetivo a intervenção na crise e prevenção de suicídios tornou-se uma realidade em diferentes países, como por exemplo, Alemanha, Estados Unidos, Suécia, Suíça, Inglaterra.
No Brasil, por sua vez, o Serviço Interconfessional de Aconselhamento (SICA), localizado na cidade de Porto Alegre-RS, foi o primeiro centro de aconselhamento pastoral que também passou a oferecer ajuda por meio do telefone. O SICA foi fundado em 1969 pelas Igrejas: Católica Apostólica Romana, Episcopal Anglicana do Brasil, Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e Metodista. Inicialmente o serviço prestado no SICA acontecia apenas pessoalmente, frente a frente fisicamente ou, excepcionalmente por telefone.
Nos últimos anos, particularmente a partir de março de 1999, devido às necessidades ou preferências das pessoas que ali buscam ajuda, a entidade passou a utilizar também o telefone para oferecer aconselhamento pastoral. O SICA é uma entidade civil, sem fins lucrativos, de caráter filantrópico e ecumênico e presta serviços para quem dele precisar, sem discriminação de qualquer espécie. A entidade tem por finalidade

“proporcionar às pessoas que a solicitam, orientação e aconselhamento em todos os campos de conflitos intrínsecos e extrínsecos, agindo no sentido de serem eliminados ou atenuados os problemas.
O SICA atende pessoas físicas ou jurídicas que o procuram para obter aconselhamento no campo religioso, moral, familiar, profissional, econômico, social e de saúde, orientando-as e encaminhando-as a entidades ou pessoas que lhes possam prestar auxílio, procurando dar-lhes apoio e direção em todas as áreas em que sua ação possa ser útil e construtiva.” (Serviço Interconfessional de Aconselhamento (SICA), 2008, p.2)

Além da bibliografia, será, no entanto, especialmente o atendimento por telefone realizado no SICA que servirá de orientação e base para o presente trabalho.




4.2. Características específicas da comunicação por telefone

4.2.1 Uma comunicação instantânea que dispensa locomoção física

A telefonia fez mudar a forma de percepção de tempo e espaço. Se para a locomoção física, de um local para o outro, uma pessoa necessita de uma hora, um dia, várias semanas, por meio do telefone essa mesma pessoa pode se fazer presente por meio de sua voz em qualquer lugar em poucos segundos, independente dela estar a um ou vários quilômetros de distância deste local.
Conforme Hoch (1999), a distância torna-se uma questão irrelevante, pois por meio do telefone é possível comunicar-se de forma instantânea, inserir-se numa rede de comunicação, alcançar e estabelecer contato com milhares de pessoas, independente da localização geográfica. Conforme o autor, através do telefone, os relacionamentos transcendem ao lugar em que se mora ou trabalha. Portanto, através do contato telefônico, pode-se estar psicologicamente ou emocionalmente mais ligado a alguém que está a vários quilômetros do que do próprio vizinho que mora ao lado de casa.
O telefone é um aparelho que torna possível que os ouvidos e a voz de uma pessoa sejam transportados, sem, porém mudar o seu corpo de lugar. Através dele, pessoas podem se comunicar sem estar no mesmo espaço físico ou geográfico. Nesse sentido, pessoas idosas ou com dificuldades de locomoção, bem como aquelas que tem urgência em falar com alguém, facilmente podem se comunicar por meio do telefone e ter acesso ao aconselhamento pastoral quando dele necessitarem.
De acordo com Hoch (1999), a forma de organização da prestação de serviços na sociedade atual é bastante burocratizada, inclusive os prestados pelas igrejas. Devido a grande quantidade de atividades e compromissos pastorais, é comum que a agenda de um/a ministro/a esteja sobrecarregada. Quando uma pessoa em crise ou com problemas consegue marcar uma hora para falar com o ministro, “a situação já mudou”. O aconselhamento pastoral por meio do telefone é uma “forma não-burocrática” de ajuda, pois dispensa filas, agenda de horários, preenchimento de fichas. É uma ajuda instantânea ou como afirma Hoch (1999, p.04)

“um atendimento de emergência. Ao se deparar com uma determinada situação, a pessoa quase no ato, já pode fazer contato com alguém. É uma espécie de pronto-socorro, a pessoa pode ligar (por ex., numa crise depressiva, crise pré-suicida, briga na família) no auge/pico da crise.”

Conforme Kunsch (2001) o telefone permite uma ‘forma paradoxal’ de proximidade, justamente uma proximidade na distância. O telefone estabelece artificialmente proximidade e distância, é nesse sentido ambivalente’(...) Dessa forma, por exemplo, o medo da proximidade e ao mesmo tempo o desejo por proximidade podem se realizar por meio do contato telefônico, que de um lado estabelece uma forte intimidade e por outro lado, tal medium preserva uma grande distância.
Esse fator da ambivalência é especialmente significativo para o aconselhamento pastoral, principalmente para ajudar pessoas tímidas, que tem receio de se expor frente a frente a um aconselhante, mas que procuram proximidade e também gostariam de falar com alguém sobre seus problemas. Pelo fato de se poder falar sem que se veja o aconselhante é algo que encoraja pessoas tímidas. O autor aponta ainda outros aspectos inerentes ao aconselhamento por telefone, como poder interromper a fala do/a outro/a sem cerimônias, ficar nervoso/a e não levar imediatamente um olhar de reprovação, ficar vermelho de vergonha sem que a outra pessoa veja, desligar o telefone quando não se quer mais falar. (Kunsch, 2001)
Através do telefone torna-se possível contatar pessoas que estejam em qualquer lugar ou, do contrário, um local, no caso uma entidade que ofereça aconselhamento pastoral, pode ser contatado por diferentes pessoas independente de onde elas se localizem. Além da distância geográfica, também fronteiras sociais ou barreiras de classe podem ser vencidas com muito mais facilidade por meio de um telefonema do que por uma visita pessoal. O telefone permite entradas em portas e locais que em outras circunstâncias, como no caso de uma visita pessoal, provavelmente estariam fechados ou as pessoas teriam receio de bater e entrar. O exemplo de um centro de aconselhamento pastoral como o SICA, que pretende ser uma “casa de portas abertas”, estará oferecendo uma possibilidade a mais ao disponibilizar os seus serviços por meio do telefone. Qualquer pessoa, independente de sua posição social, religião, estado civil, credo político, ideologia social, situação econômica ou localização geográfica, pode telefonar e prontamente ser atendida sem discriminação de qualquer espécie. (SICA, 2008)
Pampanelli (2008, p.2) também afirma que a comunicação por telefone acontece “em canal de uma via” (einkanalig), pois o ver, o tocar e o cheirar são excluídos. O autor afirma que “o telefone oferece a chance de não ter que se comunicar de forma extensa”, mas em compensação, o “canal oral-auditivo” é fortemente acentuado. Aspectos, como por exemplo, o tom e o volume da voz, respirações pesadas e o choro podem facilmente ser detectados numa conversa telefônica.
A comunicação telefônica, centrada no ouvir e não no ver, tem uma analogia à forma de percepção do mundo de pessoas cegas, como afirma Hoch (1999, p.4), “no telefone a maioria dos ouvintes fica cega. E cegos são ouvintes sábios e sensíveis, eles são muitas vezes afáveis e receptivos”. Enquanto que os olhos com freqüência chegam a desviar do essencial pelo fato de transmitirem muitas informações ao mesmo tempo, o telefone, nesse sentido, pode melhorar a capacidade de ouvir de um aconselhante pastoral e a se concentrar no que a pessoa de fato está falando ao invés de ficar reparando na cor dos seus olhos, na marca de sua roupa, no tipo do seu cabelo, na maneira de se comportar.

4.2.2 Anonimato

O anonimato é uma outra característica inerente à comunicação por telefone. Apenas as pessoas que se conhecem identificarão pela voz quem está falando do outro lado da linha. Conforme Pampanelli (2008) o fato de uma pessoa poder ligar para um aconselhante pastoral sem precisar se identificar ou poder fazer uso de um pseudônimo permite-lhe um sentimento de liberdade, que lhe oferece uma maior chance de abertura e revelação de si mesma durante o diálogo. Ao saber que o aconselhante não a conhece, a pessoa que busca ajuda irá ter menos receio de externar seus sentimentos, seus conflitos e crises e terá a oportunidade de falar sobre vivências que jamais teve coragem de relatar para alguém que lhe fosse conhecido.
De acordo com Hoch (1999), o fator do anonimato protege e reduz a vergonha de quem busca aconselhamento. Hoch afirma que a decisão de abrir-se, de expor a sua intimidade com alguém exige “uma boa dose de superação”, pois abrir-se significa mostrar-se como a gente é, despir-se. Ora, despir-se causa vergonha. Quando a gente mostrou muito da sua intimidade e encontra a pessoa noutro dia pensa: ‘o que será que ela vai pensar de mim?’.
Também Kunsch (2001) afirma que o anonimato do aconselhamento pelo telefone faz com que se estabeleça uma relação de confiança entre aconselhante e a pessoa que telefona. O autor constata que essa forma de aconselhamento incentiva a busca de ajuda, pois permite que a pessoa não tenha medo de perder a
auto-imagem e o respeito perante o aconselhante que irá ouvi-la.

4.2.3 Baixo Custo Financeiro

Em diferentes países, como por exemplo, na Alemanha, o aconselhamento por telefone é mantido pelas Igrejas Evangélica e Católica e é uma oferta livre de taxas. O custo das ligações telefônicas para o aconselhamento pastoral é assumido pelas companhias telefônicas.
No Brasil, as pessoas que telefonam para o Serviço Interconfessional de Aconselhamento não pagam taxas pelo atendimento, pois este é prestado gratuitamente. O fato do Serviço Interconfessional de Aconselhamento receber apoio
financeiro das quatro igrejas mantenedoras e de um grupo de “Amigos do SICA” e os/as aconselhantes e recepcionistas prestarem serviços voluntários, permite um atendimento sem ônus para quem busca ajuda. (SICA, 2008, p.6)
Quem, porém, procura aconselhamento pastoral por meio do telefone, precisa arcar com os custos da tarifa telefônica do aparelho que utilizou para efetuar a ligação, pois o SICA ainda não dispõe da isenção de tarifas telefônicas (0800). O custo de uma ligação telefônica, porém, raramente excede o valor de gastos que se teria com passagens de ônibus, trem ou táxi, bem como despesas com combustível e estacionamento para carro.

4.2.4 Ponte para o Estabelecimento de Contato Face-a-Face

Embora o aconselhamento pastoral possa acontecer através do telefone a curto, médio e até longo prazo, de acordo com a necessidade e desejo estipulados pela própria pessoa que busca ajuda, o contato telefônico também pode se constituir numa ponte para estabelecer o contato face-a-face. O SICA, por exemplo, oferece a possibilidade da pessoa ir até a entidade e receber um atendimento pessoal, participar do “Grupo de Autoaceitação” ou de ser encaminhada para profissionais ou grupos específicos. (SICA, 2008)
Conforme Kunsch (2001) o aconselhante que presta ajuda pelo telefone deve encorajar a pessoa que liga a vencer o medo de se identificar, especialmente em situações em que esta precisa ser encaminhada para grupos ou profissionais de ajuda.
Também Hoch (1999) afirma que nem todas as pessoas que buscam aconselhamento telefonam “no pico da crise” e que nesses casos o aconselhante dispõe de mais tempo para “aprofundar questões”, esclarecer o problema, “refletir com a pessoa sobre possíveis alternativas de ação, animá-la a voltar a ligar” ou então “encontrar-se pessoalmente com ela”.

4.3 Recursos Humanos

4.3.1 Equipe Interdisciplinar, Ecumênica e Voluntária

O serviço prestado no Serviço Interconfessional de Aconselhamento é realizado por pessoas voluntárias, de diferentes profissões, oriundas de comunidades das quatro igrejas mantenedoras e capacitadas especificamente para o aconselhamento pastoral.
Além de oferecerem aconselhamento dentro da área em que atuam profissionalmente, [os/as aconselhantes] também são credenciados pelas mantenedoras para atuarem como orientadores familiares, espirituais e em outras áreas da problemática humana. Para isso recebem orientação e treinamento para serem agentes sociais/plantonistas pelo SICA. Por ser uma entidade ecumênica, o SICA reúne pessoas de diferentes denominações cristãs. Nesse sentido, pressupõe-se que as pessoas que voluntariamente colaboram no aconselhamento pastoral oferecido nesta entidade reconheçam que “como grupo ecumênico”, a “motivação central do SICA tem sua expressão máxima na pessoa de Jesus Cristo que ouvia e orientava pessoas e multidões”. (SICA, 2008)
Conforme Hoch (1999, p.6), nos últimos tempos tem sido forte a “tendência de se procurar uma solução apenas natural ou psicológica para os problemas que afligem as pessoas”.
Contudo, ao confessar que a sua motivação central está em Jesus Cristo, o SICA reconhece que existem outras possibilidades que vão além daquelas oferecidas pelas ciências humanas. Quando a ciência se descobre limitada para solucionar problemas, a fé cristã surge para acompanhar o ser humano nos mais profundos abismos de sua existência, oferecendo, através da solidariedade, esperança e sentido de vida, com uma atitude ética multidisciplinária.
De acordo com Kunsch (2001), espera-se, portanto, que o aconselhantes “acolham esta fé” afim de que o aconselhamento prestado seja “fonte de esperança, compaixão e coragem”, especialmente quando “as limitações da ciência” e as habilidades humanas não mais encontrarem “caminhos viáveis para aliviar a tribulação”, enfrentada pelas pessoas que buscam ajuda e sentido para suas vidas.
Além da fé cristã, os/as aconselhantes também necessitam estar atentos/as e receptivos/as para outras formas de espiritualidade, como por exemplo, de pessoas espíritas, da religião judaica, do Candomblé, umbandistas e outras. É importante que tenham sensibilidade para perceber manifestações de espiritualidade por parte de quem busca aconselhamento pastoral, bem como procurar ajudar essas pessoas a fortalecerem a sua relação com o Sagrado através do apoio espiritual.
Em relação ao trabalho voluntário, Hoch (1999) afirma que a espontaneidade proporciona liberdade e independência aos aconselhantes. O autor argumenta que para colaboradores voluntários/as o risco de cair num profissionalismo e numa rotina negativa de trabalho é bem menor do que para quem é contratado profissionalmente; que aconselhantes voluntários não sofrem a pressão de ter que tirar o sustento de suas vidas do aconselhamento; e que o “mundo ou espaço vivencial” (p.80) das pessoas voluntárias é mais parecido ou ligado com o das pessoas que telefonam.
Conforme Kunsch (2001), pessoas voluntárias e leigas geralmente trazem grande entusiasmo, uma forte e ativa motivação para o serviço que realizam. Elas costumam ter mais paciência, também em relação com pessoas difíceis. Por outro lado, o risco de pessoas leigas voluntárias se transformarem em “doadores de conselho” é maior do que para profissionais. Segundo o autor, pessoas voluntárias também estão mais propícias a se envolver demasiadamente com os problemas e se identificar com quem busca aconselhamento e perder a distância mínima necessária que se requer numa relação de ajuda.

4.3.2. Admissão, Preparo e Aperfeiçoamento de Aconselhantes

O preparo e o aperfeiçoamento de pessoas que prestam aconselhamento pastoral por meio do telefone é um aspecto muito importante, pois boa vontade e disposição para ouvir apenas não são suficientes para ajudar pessoas em situações de crise e dificuldades. Para ser admitido/a como aconselhante deve-se atender a exigências iniciais e receber preparo adequado.
As exigências ou alguns fatores considerados no acolhimento de colaborades/as são equilíbrio emocional, flexibilidade espiritual, estar motivado/a e disposto/a a realizar esse serviço poimênico-diaconal numa perspectiva ecumênica bem como vinculado com a sua igreja, comprometer-se com o sigilo, ter idade aproximada entre vinte e cinco e sessenta anos, ter a prontidão de aceitar a outra pessoa sem preconceitos e discriminação, sensibilidade para os próprios sentimentos bem como de outras pessoas, aptidão para se comunicar verbalmente, prontidão e capacidade para estabelecer contatos, prontidão para aprender e desenvolver a própria personalidade, bem como ter conhecimento de técnicas de aconselhamento. (SICA)
O preparo para o aconselhamento pastoral por telefone acontece através de um processo de aprendizado pessoal e estudos específicos que se estende durante todo o tempo, em forma de aperfeiçoamento, em que o/a aconselhante estiver atuando. Os pontos centrais da formação são trabalhar a própria pessoa do/a aconselhante, condução de um diálogo de ajuda, informações como questões relacionadas ao funcionamento prático, organização e objetivos do serviço de aconselhamento. (SICA)
Além de entrevistas e tempo de preparo inicial, os/as aconselhantes também passam por constante aperfeiçoamento, através de encontros para palestras relativas ao aconselhamento e estudos de caso. No caso do SICA, também são realizadas reuniões e seminários, com palestras, troca de idéias e confraternização, em locais apropriados, com a presença e participação de conselheiros, aconselhantes, funcionários e convidados. (SICA)
O aperfeiçoamento geralmente acontece em atividades grupais, através da troca de experiências, e procura-se melhor entender o contexto, a situação de vida das pessoas que telefonam, aprofundar técnicas e métodos de ajuda, bem como ajudar no desenvolvimento pessoal dos/as aconselhantes, motiválos e fortalecê-los na fé.
De acordo com `Panpanelli (2008), o preparo e o aperfeiçoamento para o aconselhamento por telefone tem por objetivo principal desenvolver e melhorar a capacidade do/a aconselhante de conduzir um bom diálogo com quem procura ajuda. Para tal procura-se preparar os/as aconselhantes para que no mínimo saibam:
1) Identificar o tipo de problema da pessoa que telefona. Em qual situação e fase da vida ela se encontra. Como ela se relaciona consigo mesma e com as outras pessoas. Que possibilidades e reservas ela dispõe para solucionar o seu problema. Que recursos o aconselhante dispõe para ajudar a solucionar o problema dessa pessoa.
2) Detectar como está se estabelecendo a relação entre aconselhante e pessoa que liga. O aconselhante está conseguindo aceitá-la? Ela pode vir a desenvolver confiança no aconselhante? O aconselhante está lhe entendendo? A pessoa está entendendo o aconselhante? Algo está se transformando em ambos através do diálogo?
3) Perceber a si mesmo durante o atendimento. O que está acontecendo no interior do/a aconselhante durante o diálogo? Quais sentimentos o/ outro/a está despertando no aconselhante? Como o aconselhante está se empenhando na relação de ajuda? Como o/a aconselhante experimenta os limites e as possibilidades de sua ajuda naquele diálogo?
4) Perceber o outro que liga. O que está se passando no interior da pessoa que está ligando? Que sentimentos a movem? Que respostas ela está emitindo? Como ela está percebendo ou aceitando o aconselhante?
5) Perceber a si mesmo/a como integrante de um grupo de aconselhantes. Como está a sua disposição para cooperar? O/a aconselhante se vê como um membro de um grupo de ajuda? Ele/a consegue contribuir com seus pensamentos e possibilidades? Ele/a mesmo/a se permite ser corrigido/a pelos/as outros/as da equipe?




4.4. A Importância do Aconselhamento pelo Telefone para a Poimênica

4.4.1. Modalidade de Aconselhamento Nova e Atual

Apesar de noutros países o aconselhamento pastoral por meio do telefone estar acontecendo de forma organizada, em centros evangélicos, católicos ou ecumênicos localizados em diferentes cidades desde várias décadas, para o contexto brasileiro essa ainda é uma prática rara e desconhecida. Ela pode até acontecer informalmente no espaço restrito das comunidades eclesiais, em momentos em que membros se telefonam entre si ou para um/a ministro/a e lideranças, com o intuito de pedir ou oferecer ajuda.
Conforme Hoch (1999), o aconselhamento pastoral por meio do telefone é um fenômeno da cultura atual, pois nas últimas décadas a sociedade vive numa cultura da tecnologia, fortemente marcada pela presença das telecomunicações.Também na visão de Hoch, o aconselhamento pastoral por telefone é uma modalidade nova ou moderna de ajuda, porque “usa um meio” ou “uma tecnologia moderna de comunicação” e porque “responde a uma necessidade moderna” e atual que “resulta de grandes transformações sociais” ocorridas nos últimos tempos.
Conforme Hoch (1999, p.1)
antigamente o indivíduo estava imerso numa rede social compacta. Esta rede tinha um elevado potencial de auto-ajuda. Havia figuras que tinham papéis específicos de orientação; ritos; tradições. No interior mesmo da comunidade se resolviam os problemas. O problema individual era um problema da comunidade toda (...) A família tinha função relativa.

Na fase moderna, no entanto, “a teia social passou a perder a sua coesão” devido à aglomeração massiva de pessoas em centros urbanos. Conforme Hoch (1999) perdeu-se as homogeneidades sociais, culturais, étnicas e religiosas e diferentes tradições e classes sociais começaram a conviver num mesmo espaço. Tornou-se impossível “participar do todo” e a família tornou-se o “lugar de pertença principal”. Instituições como Igreja, clube social, o próprio Estado, ainda promoviam uma certa segurança e sustento.
Na era pós-moderna, porém, com a concentração da vida no indivíduo também cresce o isolamento. Na visão de Hoch (1999), tanto crianças de rua como filhos/as da classe média, bem como pessoas que adoecem ou estão envelhecendo têm medo de sucumbir, de ficar no isolamento e na solidão. Instituições como Estado, empresas, previdência, família e Igreja estão em situações muito frágeis. A poimênica tradicionalmente oferecida no contexto da Igreja, através de cultos, celebrações, encontros em boa parte não corresponde com a expectativa ou necessidade das pessoas nos tempos atuais. Nesse sentido, o aconselhamento pastoral por meio do telefone pretende ser uma nova e atual forma de poimênica, que vá especialmente ao encontro das necessidades do indivíduo que vive em grandes cidades, sem, no entanto, perder a visão de comunidade e sociedade no qual esse indivíduo está integrado.
O aconselhamento pastoral através do telefone é uma nova forma de poimênica porque difere de outras práticas oferecidas no contexto da Igreja. Ele tem características próprias, como anonimato, presença constante, especialmente durante a noite, a ponto de ser chamado de “o rosto noturno da Igreja” pelo teólogo Jörns. Além disso, essa modalidade de aconselhamento oferece uma intervenção na crise de forma instantânea, é um serviço ecumênico, conta com a colaboração de pessoas leigas e voluntárias. (Kunsch, 2001)
Apesar de novo e atual, o aconselhamento pastoral por meio do telefone se baseia no primitivo engajamento cristão a favor do próximo, de fazer-se o bem sem olhar a quem, conforme a ação do Bom Samaritano em Lucas 10.30-7. Conforme Kunsch (2001), o aconselhamento por telefone relaciona o primitivo engajamento cristão a favor do próximo com o meio moderno de comunicação.
Através disso, ele vence distâncias geográficas, está à disposição vinte e quatro horas por dia e durante todos os dias do ano, oferece ajuda no anonimato (a decisão de sair do anonimato é de quem liga e não é imposta), oferece possibilidade de contato, diálogo e acompanhamento por períodos mais longos, além de esclarecimento, orientação e encaminhamento para especialistas, bem como oferta para contato com grupos de auto-ajuda e/ou comunidades.

4.4.2. Abrange Maior Número de Pessoas

A oferta de aconselhamento pastoral disponibilizada pelo telefone permite que qualquer pessoa que tenha acesso a um aparelho telefônico, sendo este fixo, móvel, particular ou público, possa telefonar e ter acesso imediato a este serviço. Esta modalidade de aconselhamento, portanto, não se restringe aos membros filiados a comunidades eclesiais, pelo contrário, ela leva a poimênica para um número maior de pessoas necessitadas, principalmente para aquelas que têm um certo receio em abrir a sua vida pessoal para outras pessoas ou simplesmente não têm com quem contar em situações difíceis. Ela oferece uma oportunidade de poimênica para pessoas que não têm mais com quem buscar ajuda ou não estão vinculadas a uma comunidade, pastor/a, reverendo, padre ou alguém preparado para aconselhar.

4.4.3 Nova Forma da Igreja se fazer presente na sociedade

A partir do texto de João 3.1-2, que relata a visita noturna realizada a Jesus por Nicodemos, “líder dos judeus, do partido dos fariseus”, Hoch (1999) conclui que o fato da visita ter sido realizada à noite revela o desejo e a preocupação de Nicodemos de não ser visto por outras pessoas. Essa preocupação continua sendo relevante e atual, pois muitas pessoas dificilmente se deslocam para a casa pastoral ou para a secretaria de uma igreja para falar dos seus problemas. Também aqueles membros que participam de atividades e celebrações comunitárias, dependendo do problema que enfrentam, não costumam comentá-lo por medo de se expor ao julgamento. Quem procura ajuda tem receio de ser ridicularizado, de se tornar vítima de comentários e passar por constrangimentos. Segundo Hoch (1999) é comum que a sociedade e também as comunidades eclesiais exijam que as pessoas mantenham uma aparência de bem estar ou que usem “máscaras”.
Através da oferta do aconselhamento por telefone, qualquer pessoa pode ligar e ser prontamente atendida por um aconselhante pastoral que está preparado/a para ouvi-la, sem correr o risco de ser vista por outras pessoas e passar por algum tipo de constrangimento. Dessa forma, portanto, as igrejas se fazem presente na vida de pessoas que em outras circunstâncias não procurariam ajuda ou não seriam alcançadas pela poimênica. Essa modalidade de aconselhamento, conseqüentemente, é uma oportunidade das igrejas estenderem seus ouvidos para além das atividades e possibilidades oferecidas dentro das comunidades, tanto para membros como para não-membros. (Hoch, 1999, p,3)
O aconselhamento por telefone também é uma forma das igrejas se adaptarem e terem uma atuação eficaz na sociedade, especialmente no contexto urbano atual. É uma tentativa de se fazer presente na vida quotidiana das pessoas, pois como afirma Oro, boa parte da população brasileira se apega à religião “para enfrentar os problemas do quotidiano”. Conforme o autor, esse apego à religião prende-se ao universo de representação que concebe o sagrado como domínio que recobre e atravessa o social, segundo essa concepção, a vida não ocorre separadamente da esfera espiritual. (Fonseca, 1993, p.88)
Ao oferecer aconselhamento pastoral por meio do telefone, as igrejas, nesse sentido, estarão buscando fornecer explicações e soluções para as aflições, dar sentido à vida, organizar as emoções, fornecer elementos para a estruturação do universo simbólico e preservar o encantamento do mundo e da vida. Por outro lado, o aconselhamento pelo telefone também tem a tarefa de ser um agente de transformação das próprias igrejas e da sociedade. Conforme Kunsch (2001) assim como o aconselhamento por telefone está comprometido com o sigilo, ele também está com o “trabalho aberto”, público. Ele precisa procurar corrigir falhas e problemas que se manifestam na vida comunitária e social. Para Hoch (1999), o simples fato da existência dessa modalidade de aconselhamento por si só já se constitui numa crítica social. Um local em que pessoas voluntariamente se colocam à disposição do próximo é algo que merece ser avaliado positivamente numa sociedade capitalista que apenas visa o lucro e o poder.
O autor também afirma que nesta modalidade de aconselhamento, tanto aconselhantes como quem telefona experimenta e ensaia uma nova forma de se relacionar e que essa experiência também trará influências positivas no ambiente que os cerca. No aconselhamento por telefone os/as aconselhantes ensaiam um modelo de relacionamento com o/a outro/a mais pessoal e humano, um jeito de ser que procura aceitar as pessoas assim como elas são, sem máscaras. Esse pode ser um pequeno, mas importante passo em direção a uma forma mais digna e humana de viver em comunidade/sociedade. (Fonseca, 1993).

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FRIESEN, Albert. Cuidando do ser: treinamento em Aconselhamento Pastoral. Curitiba: Esperança, 2000.

HOCH, Lothar C. Aconselhamento por Telefone: Oportunidades e Limites. Texto avulso. Palestra realizada no Serviço Interconfessional de Aconselhamento em Porto Alegre, 1999.

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Leopoldo: Escola Superior de Teologia, 1985.

KUNSCH, Waldemar L. O verbo se faz palavra: caminhos da comunicação eclesial. São Paulo: Paulinas, 2001.

MAY, Rollo. A arte do aconselhamento psicológico. Petrópolis: Vozes, 1982.

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