quarta-feira, janeiro 20

O FUTURO DO TRANSPORTE SE CONSTRÓI HOJE

por Rogerio Belda, diretor da Associação Nacional de Transportes Públicos.


Artigo publicado na revista Setnews, órgão do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros no Estado de São Paulo – Nº 121 de Maio-Junho de 2009




Para atuar com vistas a resultados futuros de mais largo prazo diz-se que é necessário o apoio em ações planejadas. Se planejar é preciso, as projeções em que se baseia o planejamento não são precisas. É longa a lista de previsões feitas por pessoas respeitavelmente competentes e que redundaram em desconfortáveis fracassos. Isto pode acontecer sempre e com qualquer um, porque a mais segura das certezas que podemos ter sobre o futuro é que ele é incerto. Mesmo assim, depararmo-nos com previsões para horizontes de tempo longínquos como os anos 2030, 2040 ou até mais.

Afinal, para que serviriam tais previsões se elas são incertas? É claro que dispor de previsões não é um objetivo em si. Sua finalidade é construir quadros de referência para elaborar estratégias de ação, sejam elas do Governo, de empresas ou de qualquer ente coletivo que deseje planejar sua atuação. Com esta finalidade e diante das incertezas inerentes e incontornáveis, tais procedimentos evoluíram para práticas prospectivas que consistem em criar futuros alternativos. São os denominados “cenários prospectivos”.

Os cenários prospectivos assim construídos utilizam, basicamente, variáveis sobre as quais não se tem controle. Com variáveis passíveis de controle se constroem as propostas alternativas de ação que representem as estratégias possíveis a serem adotadas. Elas são, então, analisadas em confronto com diferentes cenários para escolha daquela que melhor pareça atender melhor aos resultados a serem alcançados, de modo que possibilite avaliar os recursos necessários e os riscos envolvidos.

Embora procedimentos deste tipo ainda sejam de uso restrito no Brasil, existem exemplos interessantes de estudos prospectivos aqui realizados em empresas públicas (Petrobrás), privadas (Shell), em universidades (USP) e no Governo Federal. Os planos de transporte metropolitanos de São Paulo conhecidos por PITU 2020 e 2025 foram desenvolvidos à luz desta abordagem. A estratégia é o programa proposto, enquanto os cenários são criados com as grandezas sócio-espaciais da metrópole.

Nos PITUs, os dois planos metropolitanos para a região de São Paulo, o esforço de concepção de redes, de formulação de programas de ação e análise da evolução das variáveis sócio-econômicas ocuparam de tal forma as equipes técnicas que o tempo tornou-se insuficiente para as avaliações mais amplas das estratégias urbanas. Como é comum nestas circunstâncias, dois times se formaram: Os adeptos da adoção de um rede de metrô mais espalhada e os defensores de uma rede mais concentrada. As diversas alternativas de redes assim imaginadas foram submetidas a uma avaliação multicritério que apontou a configuração escolhida naquele momento.

Algumas questões podem ser levantadas a partir das práticas de planejamento de transporte urbano adotadas nas últimas décadas. A principal é que a constatação das carências dos sistemas de transporte existentes são, praticamente, a única norteadora das propostas feitas. 

Se existe embasamento urbanístico, suas premissas não são explicitas quando são defendidas redes mais abertas ou redes mais compactas. Estima-se assim que o crescimento e os comportamentos futuros correspondam às tendências observadas no passado. 

No entanto, já há prenúncio de novas formas de ocupação do solo metropolitano e as viagens da população apresentam indícios claros de possíveis mudanças como a difusão de uso de motos e bicicletas, aumento da mobilidade e da diversidade dos deslocamentos urbanos e, em São Paulo, estabilidade da divisão modal, aspecto almejado, mas longe de ser observado nas décadas anteriores.

Com a análise dos dados da última Pesquisa de Origem e Destino das viagens, de 2007, associada às pesquisas recentes da geografia e da sociologia urbana, será possível e desejável que as propostas de redes futuras sejam cotejadas em diferentes cenários e formuladas com explicitação de seus objetivos sociais e urbanos. Os dados divulgados e acessíveis na internet permitem perceber algumas surpresas insuspeitas. Pra situá-las, vale a pena fazer um retrospecto das mudanças ocorridas no século que passou.

Ao longo da primeira metade do século passado, as viagens urbanas da população se realizavam por intermédio de bondes. A operação deste sistema começa no início do século, passa por um apogeu na década de 30 e declina até desaparecer totalmente em 1968. Estes serviços foram substituídos pelo transporte por ônibus que, por sua vez, passou por um apogeu na década de 70 e começa a perder clientela para os automóveis particulares e, em menor escala, para o novo sistema de metrô, depois associado com a modernização dos serviços ferroviários da CPTM.

Seria razoável então supor que estas tendências se acentuariam no começo deste novo século e apareciam na nova pesquisa de Origem e Destino das viagens diárias da população. Surpreendentemente a quantidade de viagens atendidas por ônibus cresceu em 25% mantendo a mesma proporção de viagens atendidas na divisão modal de 1997. Considerando o conjunto das viagens por transporte coletivo público (ônibus, trem e metro) em relação às viagens motorizadas, embora tenha crescido numericamente, permanece com 47 %, a mesma fatia do bolo de 10 anos atrás. Se acrescentarmos a este conjunto as viagens atendidas por ônibus fretados, temos uma bela vitória de reversão de tendência de queda do uso dos transportes coletivos.

Maior surpresa ainda é que o aumento das viagens utilizando automóveis que cresceu apenas 8% na década considerada, embora tenha aumentado muito a percepção dos congestionamentos. A parcela de viagens pessoais por automóveis na divisão modal cai de 46,7 % para 40,7 %. O movimento de pessoas usando táxis também cai, até em termos absolutos. Se, relativamente, a parcela dos ônibus como transporte público, permanece estável e a dos automóveis de uso particular ou táxis caíram, quais são então os demais meios de transporte que aumentaram a sua parcela no “bolo de viagens”? A primeira idéia que nos vem à cabeça, quando se faz esta pergunta, é atribuir a perda para viagens a pé. Mas estas também cresceram menos que o crescimento total das viagens da população, aliás, compreensível, se considerarmos que a facilidade de transferência entre linhas permitida pelo novo esquema de integração implantado entre ônibus, trens e metrô nos anos anteriores à pesquisa absorveu parte destas viagens.

Os modos de transporte que explicam a diferença entre as parcelas tradicionais de transporte coletivo público e o transporte privado individual são: Motocicletas, com cinco vezes mais usuários, para alegria de seus fabricantes e desespero dos serviços de emergência dos hospitais. O transporte escolar especializado transportando três vezes mais alunos. E as bicicletas transportando o dobro de pessoas em viagens urbanas. Uma nova surpresa foi o uso de ônibus fretados, transporte coletivo que não é público, em viagens internas à região metropolitana, cresce pouco mais de 8% no período. Ou seja, os transportes que provocam mais congestionamentos cresceram menos do que o congestionamento que eles causam. Os táxis, como modalidade de transporte público individualizado, prejudicados pela tarifa elevada e pelos congestionamentos, siquer tiveram aumento da sua clientela.

Cada vez mais se difunde na população a idéias de que a metrópole paulistana necessita de uma rede muito mais ampla e integrada de transporte coletivo público sob a forma de um desejo difuso de “mais metrô”. Esta percepção merece ser ampliada como rede integrada de transporte que combine, alem dos trens metropolitanos e corredores segregados de ônibus, novas formas de oferta de serviços de média capacidade e serviços rápidos atendendo demandas de fora da região metropolitana. 

Também, a  integração que se intensifica com automóveis e bicicletas, de alguma forma imaginosa, merece ser estendida também aos táxis.

Está na hora de se lançar mão da postura prospectiva para ajudar nesta empreitada. Os transportes públicos na Região Metropolitana de São Paulo passam por um momento promissor: Os serviços de transportes coletivos por ônibus no município da capital e na região metropolitana foram licitados como concessão de serviços e não mais como permissões precárias. O sistema de bilhetagem eletrônica, inicialmente paulistano, já abrange mais de ¾ das viagens realizadas por transporte coletivo público facilitando o uso integrado dos serviços abrangidos. Há continuidade na expansão dos sistemas de transporte de maior capacidade. Ao mesmo tempo, ocorre um importante amadurecimento dos estudos da dinâmica urbana da metrópole e, também, uma crise econômica e financeira conjuntural que será um poderoso acicate na busca de soluções racionalmente integradas de transporte e urbanismo.

Nenhum comentário: