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O amendoim cozido da Queimadinha



Os vendedores ambulantes de amendoim aos poucos estão se incorporando à cultura da Feira de Santana. Gradativamente vão ganhando dimensão, pois se impõem aos olhos dos feirenses que circulam pelas avenidas da cidade e se acotovelam nos pontos de ônibus. Impõem-se aos olhos e ao paladar, já que as porções de amendoim vendidas a um real caíram no gosto do feirense e com o passar dos anos os vendedores se multiplicaram.
Não resta dúvida de que a prefeitura lavrou um tento – conforme diziam os cronistas esportivos antigamente – ao inaugurar o barracão para lavagem e cozimento do produto no bairro Queimadinha, onde residem muitos dos vendedores que circulam pelo centro da cidade.
A forma artesanal e precária empregada para preparar o amendoim – através de fogueiras na porta de casa, alimentadas com lenha – expunha os vendedores ao risco de acidentes e favorecia o manuseio e preparo inadequados do produto. Quem já viu o processo nas ruas do bairro espanta-se com o aspecto colonial, em pleno século XXI.
Mas, conforme se anuncia, essa situação fará parte do passado. O galpão contará com 34 fogareiros a gás, sanitários e espaços para estocagem do produto. Funcionará em uma praça, também devidamente reformada, concentrando as atividades dos ambulantes.

Pessoas

Investimentos em infra-estrutura são, evidentemente, muito necessários para o desenvolvimento de qualquer atividade econômica. Contudo, no processo produtivo, o fator mais importante permanece sendo o capital humano: ou seja, as pessoas, que atuam sobre a matéria-prima que se transforma em novos produtos e, conseqüentemente, em maior riqueza para a sociedade.
Nos dias atuais, particularmente, o conhecimento é determinante para o êxito ou o fracasso de qualquer empreendimento. E até atividades aparentemente muito simples, como o cozimento e a venda de amendoim, possuem os seus mistérios e exigem um conjunto de conhecimentos e pré-condições para sua sustentabilidade.
A ausência de conhecimentos explica a elevada mortalidade dos micro e pequenos empreendimentos que surgem a cada ano. Mesmo quando, muitas vezes, estão presentes as condições materiais para o êxito do negócio. No caso dos ambulantes, que não constituem empresas, o efeito colateral é a baixa rentabilidade e a perpetuação da condição de pobreza.

Estado

Assim, tão importante quanto a infra-estrutura para o cozimento do amendoim, a qualificação da mão-de-obra permanece como um desafio para o poder público. Essa qualificação envolve aspectos diversos – às vezes detalhes – que podem ser cruciais para o sucesso da atividade.
O mais óbvio é a estocagem e o transporte do produto. Padronizar o manuseio, garantindo higiene e qualidade pode assegurar maior clientela, aumentando a renda das famílias que sobrevivem do comércio do amendoim cozido.
O mesmo se aplica à informação disponível sobre fontes de crédito e ao acesso ao crédito. O capital de giro para momentos de aperto financeiro pode ser vital para a continuidade da atividade. Muitos trabalhadores informais sofrem severos desequilíbrios quando, numa eventualidade, o capital de giro (a popular “guia”) se dilui.
Uma terceira dimensão do foco nas pessoas está no fomento à associação e à cooperação entre os trabalhadores. Unidos, obtêm conquistas que o esforço coletivo consolida. A ajuda coletiva nos momentos de dificuldade para um indivíduo, lá adiante, se reverte em solidariedade desse indivíduo aos esforços do grupo, produzindo sinergia.
É claro que os vendedores de amendoim não vão produzir saltos espetaculares no PIB municipal, nem revolucionar a matriz produtiva do município: é lógico que não se trata disso.
Trata-se apenas do reconhecimento respeitoso do Estado para com aqueles que optam pela vida honesta, gerando o próprio emprego e reduzindo as tensões sociais. E trata-se também da valorização de pessoas, o que, sem dúvida, constitui a mais importante riqueza dessa terra. As sugestões acima focam as pessoas, não sangram o erário porque podem ser aplicadas em parceria com a sociedade civil e também não esgotam o tema...

Comentários

  1. Olá André!

    Sou feirense e resido em São José dos Campos-SP há 4 anos. Descobri seu blog através da minha tentativa de encontrar algum lugar que venda amendoim que sirva para cozinhar (aqui ele é torrado na casca). Enfim, acabei por ler seu texto e achei interessante a criação do Galpão para o preparo do amendoim cozido.
    Aqui em São José dos Campos existe as feiras livres, porém de forma muito organizada. Em cada bairro um dia por semana há uma feira livre. Logo cedo ela é montada e após às 14h ela já está desfeita e com a rua sem nenhum vestígio de sujeira. Isso acontece porque as feiras livres têm apoio da prefeitura que fornece o transporte das mercadorias e efetua a limpeza do local logo após o término da feira, (nem parece que ali se vendia peixe). E há também o fornecimento de água para a higienização dos produtos. Ali os feirantes oferecem seus produtos agregando valores como: vender verduras já descascadas, cortadas e ensacadas, hortaliças picadas.... além da venda tradicional. Porém, não tem amendoim cozido para a tristeza de uma feirense em pleno mês de junho...

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  2. Rapaz, Sou de Recife e morei 1 ano em Feira... fiquei viciaaaado nesse amendoim. Gostaria muito de com fazer em casa pra ficar assim, cozido e bem sequinho !!! Grato e parabéns pelo Blog.

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  3. Rapaz, Sou de Recife e morei 1 ano em Feira... fiquei viciaaaado nesse amendoim. Gostaria muito de com fazer em casa pra ficar assim, cozido e bem sequinho !!! Grato e parabéns pelo Blog.

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