quinta-feira, 22 de maio de 2008

De quem é essa Floresta Amazônica, afinal?

De Alexei Barrionuevo (publicado no New York Times)

Pelo período que a maioria consegue se lembrar o Brasil tem olhado nervosamente para o mapa do vasto e desabitado território da floresta tropical da Amazônia.


No anos 60 e 70, os generais aqui viam a colonização da Amazônia brasileira, que tem o tamanho da metade da Europa, como uma prioridade da segurança nacional.


'Ocupar para não entregar' era o slogan de então. Estradas foram construídas, os brasileiros receberam incentivos para conquistar a terra da Amazônia e transformá-la em nome do desenvolvimento.


Havia mais por trás do nervosismo do que uma teoria conspiratória.


Mesmo então, um depósito tão vasto de riquezas mexia com a imaginação em todo o mundo. Herman Khan, o estrategista militar e futurista, promoveu a idéia de fazer um lago de água doce na Amazônia para transformá-la num centro de produção agrícola.


Agora, com o mundo de olho nas promessas da biodiversidade e nos perigos do aquecimento global, um coro de líderes internacionais declaram cada vez mais abertamente que a Amazônia é parte de um patrimônio muito maior do que o das nações que dividem o seu território. "Ao contrário do que pensam os brasileiros, a Amazônia não é propriedade deles, pertence a todo nós", Al Gore, então senador, disse em 1989.


Tais comentários não são descartados aqui. De fato, eles reacenderam atitudes antigas de protecionismo territorial e de alerta sobre invasores estrangeiros (agora incluindo os bioinvestigadores).


O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apóia uma lei que restringiria acesso à floresta tropical, exigindo de estrangeiros e brasileiros uma licença especial para entrar nela. Autoridades brasileiras dizem que isso separaria ONGs ruins de boas e bloquearia os assim chamados "biopiratas" - aqueles que querem patentear substâncias únicas descobertas na floresta.


"A Amazônia é nossa", disse o secretário de Justiça Romeu Tuma Jr., em uma entrevista. "Queremos saber quem vai lá e o que vão fazer. É uma questão de soberania nacional."


Mas essa questão não é tão simples quanto parece. O salvador da soberania de um pode ser o destruidor da floresta de outro.


E muitos especialistas na Amazônia dizem que as restrições propostas estão em conflito com as próprias tentativas do sr. da Silva de conseguir voz nos debates sobre a mudança climática - um reconhecimento implícito de que a Amazônia é crítica para o mundo como um todo. Além disso, os críticos usam um relatório de janeiro demonstrando um aumento no desflorestamento como prova de que o governo não está cuidando bem da região.


Na semana passada, Marina Silva, uma firme defensora da preservação da floresta tropical, renunciou como ministra do meio ambiente do sr. Silva depois de uma série de derrotas em batalhas políticas com ele sobre programas de desenvolvimento.


Em um contexto global, as restrições refletem um debate maior sobre direitos soberanos versus o patrimônio mundial. Companhias internacionais, por exemplo, disputam com nações o direito de desenvolver recursos no território virgem do Ártico, num momento em que o gelo em derretimento revela vastos depósitos de petróleo e minerais em potencial. Também há uma disputa sobre quem tem o direito de dar acesso a cientistas internacionais e ambientalistas que tentam proteger tais áreas, e às companhias que querem explorá-las. É uma disputa que deve se tornar mais espinhosa nos próximos anos, em face de duas tendências conflituosas: a maior demanda por energia e a maior preocupação com a mudança climática e a poluição.


Aqui no Brasil, que detém 60% do território da Amazônia, esse novo debate é colocado em termos reconhecidos no passado - notavelmente a longa suspeita de conservadores e militares de que o verdadeiro objetivo de estrangeiros é controlar as riquezas da floresta tropical do Brasil.


A importância global da Amazônia está estabelecida. Atua como reguladora do clima, afetando diretamente os padrões de chuva no Brasil e na Argentina. Os seus ventos, de acordo com estudos recentes, podem até mesmo afetar as chuvas na Europa e na América do Norte. A queima e decomposição de árvores para desenvolvimento fazem a parte brasileira da Amazônia responsável por cerca de metade das emissões de gases estufa anuais do mundo, diz Meg Symington, diretora para a Amazônia do World Wildlife Fund nos Estados Unidos.


O temor dos brasileiros de que a Amazônia seria ocupada por ladrões estrangeiros é de pelo menos 1876, quando Sir Henry Alexander Wickham levou sementes das seringueiras do Brasil para Londres, de onde elas foram enviadas para o que hoje é a Malásia, além da África e outras regiões tropicais, acabando com o boom da boracha na Amazônia.


Desde então, houve apenas alguns casos documentados do que os brasileiros pensam ser biopirataria. A companhia farmacêutica Bristol-Myers Squibb, por exemplo, descobriu que o veneno da cobra jararaca poderia ajudar a controlar pressão alta e o usou para criar a droga Captopril. Mas, em geral, disse Thomas Lovejoy, presidente do Heinz Center, que apóia pesquisa ambiental, "biopirataria é um verdadeiro red herring". [Expressão idiomática que se refere a um peixe inexistente].


Ainda assim, o Brasil tem sido extremamente sensível para estrangeiros que fazem trabalho científico na Amazônia. Marc van Roosmalen, um primatologista nascido na Holanda e cidadão naturalizado, foi preso em 2002 e condenado a 16 anos por manter macacos em cativeiro sem a devida autorização, de acordo com jornais brasileiros. Ele está apelando da sentença.


O sr. Lovejoy e outras organizações se preocupam com o fato de que as restrições na Amazônia podem desencorajar a ciência, prejudicar o ecoturismo e proteger o Brasil de escrutínio. "O governo não está interessado em permitir que mais gente vá para a Amazônia para constatar a incompetência que demonstrou em reduzir o desflorestamento", afirmou Marcelo Furtado, diretor de campanhas do Greenpeace Brasil.


O sr. Tuma disse que autorizações para acesso serão dadas por autoridades da Justiça e de Defesa. Estrangeiros sem permissão ficariam sujeitos a multas de 60 mil dólares ou mais.


"Não estamos tentando criminalizar a atividade das ONGs", ele disse. "Queremos dar prestígio às ONGs sérias, aos grupos internacionais sérios que têm contribuições a fazer para o Brasil e o mundo."


Mas José Goldemberg, um ex-secretário de meio ambiente do estado de São Paulo, ecoou muitos ambientalistas ao chamar a estratégia de "paranóica", e lembrou como o Kremlin da guerra fria isolou áreas inteiras de olhos investigadores.


"Se você tentar controlar tudo, isso vai acabar como a União Soviética", ele disse."

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá,

Problemática essas rotulações. Não agimos por muito tempo, agora qualquer medida restritiva corre o risco de ser chamada de paranóa. Lá no fim da fila, claro, estão as paranóias de verdade.

Por enquanto, nossos besouros brilham literalmente nos laboratórios do mundo, comprados pela internet diretamente de Bélgica. Haja paranóia.

Abraços,
Moisés.