quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Resenha Cultura Organizacional e Cultura Brasileira

Nome do Livro: Cultura Organizacional e Cultura Brasileira
Editora: Atlas
Edição: 1ª edição (1997), 7ª Tiragem
Organizadores: Fernando C. Prestes Motta (foi professor titular na Escola de Administração de Empresas de São Paulo – FGV e professor livre-docente da Universidade de São Paulo; seus campos de pesquisa e docência têm sido Administração de Empresas, Administração Pública e Administração da Educação, pelos quais já publicou cerca de 50 trabalhos entre livros, artigos, comentários e resenhas) e Miguel P. Caldas (é graduado em Administração pela UnB, mestre e doutor em Administração pela EAESP – FGV, de onde é professor).
Preço: entre R$ 60,00 e R$ 70,00.
Após uma pausa para as comemorações de Natal e Réveillon e para a análise do que foi feito no ano que terminou, além de projeções do que queremos realizar nesse novo ano, nada melhor do que iniciar 2010 enriquecendo nosso conhecimento, já que estamos em plena Era da Informação, onde só se desenvolvem plenamente como pessoas e profissionais aqueles que obtêm os conhecimentos adequados e, mais importante que isso, sabem utilizá-los da melhor forma. Por isso, irei comentar um pouco sobre o livro Cultura Organizacional e Cultura Brasileira, obra organizada por Fernando C. Prestes Motta e Miguel P. Caldas. Li o livro em setembro de 2009, movido, em primeiro lugar, pelo meu interesse por cultura (que ficou excitado ao verificar o quanto a cultura de uma organização brasileira é influenciada pelas manifestações da cultura nacional) e, como segunda motivação, mas não menos importante, por ter utilizado conceitos apresentados no livro na elaboração de um projeto de pesquisa que busca analisar os resultados gerados pelo Programa de Qualidade na Gestão do Estado do Pará (PQG) à luz das influências da cultura nacional sobre a maneira como é direcionada a administração pública no Brasil.
A obra, dividida em seis partes, totaliza 19 textos e conta com a participação de 25 autores, além de Caldas e Motta, seus organizadores. Nela, é apresentada uma análise de como o contexto social e cultural nacional influenciam na construção do comportamento presente nas organizações brasileiras em seus diferentes níveis hierárquicos. Rico em conhecimento, o livro apresenta todo um contexto histórico-social de criação da sociedade brasileira e dos traços que a caracteriza, estabelecendo de que forma tais traços adentram nas organizações e como se manifestam. Porém, antes de me aprofundar na análise da obra, convém apresentar um pouco do tema e destacar sua importância, sobretudo para estudantes e profissionais das Ciências Sociais.
       Estudos sobre cultura organizacional são relativamente recentes, passando a aparecerem com maior frequência no mundo a partir dos anos 1980, quando a globalização passou a se intensificar, sobretudo com o maior acesso a novos mercados pelas empresas multinacionais, embora no final da década de 1960 e durante a década de 1970 terem se destacado os trabalhos de Geert Hofstede e Edgard Shein, que utilizavam conceitos e pressupostos da psicologia social e da antropologia para analisar e gerar conclusões sobre a formação e manifestação do comportamento organizacional. A influência exercida pela globalização nessa perspectiva organizacional que foi vista, em seu início, como mais um modismo dentro do estudo das organizações, consolidando-se mais tarde como importante linha de pesquisa, foi a necessidade de conhecer questões relacionadas à cultura de determinadas regiões para assim poder conceber os melhores modelos de gestão, tornado eficiente os procedimentos adotados na prática gerencial e gerando os melhores resultados, lógica e razão de ser da Administração. Entretanto, o Brasil só veio atentar para a importância do tema a partir do final da década de 1980 e inicio de 1990, e mesmo assim ainda com fraca aplicabilidade no contexto nacional, pois nessa e em muitas áreas ainda predomina a dominação de teorias e técnicas estrangeiras não adaptadas às nossas peculiaridades, quando aquelas deveriam servir apenas como ponto referencial para podermos construir conhecimentos voltados para nossa realidade, ponto onde a obra aqui analisada constitui-se rara exceção.
Ora, o conceito consagrado para cultura sugere esta como sendo um sistema de crenças, costumes, ideologias, valores, leis, rituais, símbolos e estilos de vida que contém uma série de significações e interpretações da realidade, sendo compartilhado por um grupo de pessoas. Na verdade, essa cultura é formada por um determinado grupo de subculturas que interagem entre si dentro de um grupo definido de pessoas, como, por exemplo, a cultura brasileira, que possui suas particularidades regionais, mas no seu todo apresenta traços fortes e bem definidos que caracterizam a maioria dos brasileiros, servindo, inclusive, de meios pelos os quais uma pessoa se assume brasileiro, sendo este o ponto de partida para a explanação, ou melhor, para as explanações apresentadas no livro.
Motta e Caldas consideraram a importância de se compreender a diversidade cultural para após usá-la na geração de valor para a organização, seja esta pública ou privada. Para possibilitar tal compreensão, eles utilizam-se da análise da cultura nacional, pois é bem demonstrado no livro como esta influencia na cultura de uma organização. O conceito de cultura organizacional parte do axioma de que uma organização é formada por um conjunto de pessoas que compartilham objetivos comuns ou, pelo menos, dependentes. Assim, uma organização não existe sem pessoas e estas possuem culturas próprias, adquiridas no meio onde vivem e por suas experiências de vida, que são levadas para dentro da organização e, uma vez dentro desta, interagem com outras culturas presentes originando a cultura organizacional, que é a reunião de traços culturais presentes na organização que passam a ser compartilhadas pelas pessoas por meio de rituais, valores e crenças disseminadas, além de normas, linguagens, formas de comunicação e símbolos, que ajudam a afirmar e reafirmar a cultura adotada pela organização.
            Caldas e Motta utilizam-se do pressuposto de que os indivíduos adotam traços particulares da cultura brasileira para se enxergarem como brasileiros e tais traços são transferidos para seu ambiente de trabalho, o que influencia diretamente a formação da cultura organizacional, criando assim estilos brasileiros de administrar e também de ser gerenciado. Segundo eles, esses traços possuem como origem todo um desenvolvimento histórico, econômico e antropológico que se deu desde a chegada dos colonizadores em nosso solo, passando pelo tráfico negreiro, Proclamação da República, Golpe Militar, entre outros fatos. Destaca-se nesse processo de formação da cultura brasileira e, posteriormente, da cultura de nossas organizações, o papel do português, raça que exerceu influência por um longo período de tempo, principalmente com o que é considerado no livro como falta de orgulho de raça (capacidade de hibridização portuguesa ocasionada pelo constante contato dos povos da Península Ibérica com diversos outros povos, principalmente mouros, e que encontrou em solo brasileiro condições propicias à sua continuidade), com a inclinação para exaltação da sexualidade e com o paternalismo herdado a partir da vinda da Coroa portuguesa em 1808, trazendo consigo uma legião de pessoas que eram alocadas em cargos específicos apenas para manterem seu status quo e receberem uma fatia do Tesouro sem nenhuma contribuição efetiva para o reino que se instalava, hoje refletindo no repudiado nepotismo e apadrinhamento de aliados políticos.
            Nas diversas fases passadas pelo “Impávido Colosso”, verifica-se uma alternância na detenção do poder, nos objetivos das políticas públicas e nos referenciais adotados (no príncipio em Portugal, depois França e Inglaterra e, relativamente mais recente, Estados Unidos). Tais fatos influenciaram cabalmente a formação do imaginário nacional, que é apresentado no livro pela maneira como vemos as figuras do estrangeiro e do pai, por nossa flexibilidade e criatividade (exemplificadas no jeitinho brasileiro e na maneira como encaramos o termo “malandro”) e, também, por nossos paradoxos. Segundo o livro, o brasileiro é caracterizado por traços como a distância do poder, o personalismo, a malandragem, o sensualismo, o espírito aventureiro e o formalismo, que são apresentados em seis partes: Cultura, cultura organizacional e cultura brasileira; Cultura organizacional brasileira e figuras recorrentes: o "estrangeiro" e o "pai'; Imaginário brasileiro e cultura organizacional; A cultura organizacional e o cotidiano nas organizações brasileiras; Cultura organizacional e cultura popular brasileira: futebol, samba e Salvador da Bahia; e Reflexões: cultura organizacional e nossas organizações.
            Os autores do livro consideram que no Brasil as organizações apresentam alta distância do poder quando analisamos a relação líder-liderado, fruto, principalmente, do sistema escravocrata adotado no passado, onde o senhor convivia constantemente com seus escravos, porém existia a separação dos dois mundos, representada pelo simbolismo da casa-grande e da senzala. Também citam como exemplo o carnaval, manifestação de origem popular que a elite passou a adotar e onde as diversas classes sociais, embora compartilhem o mesmo espaço, estão separadas, distantes: a elite como destaque no alto dos carros alegóricos e os menos abastados abaixo, desfilando na avenida, formando um de nossos tantos paradoxos. O personalismo também apresenta antíteses, pois, sendo a busca por relações pautadas no afeto, no domínio moral e econômico, é o avesso da distância de poder, porém não tem pretensão e condições de extingui-la. Na verdade, é a busca pela aproximação por meio de gostos em comum, laços afetivos, morais ou econômicos para estabelecimento de uma rede de relacionamentos capaz de nos trazer benefícios, que se manifesta no paternalismo, apadrinhamento, nepotismo, coronelismo e desigualdade no tratamento dos indivíduos, pelo lado negativo, e pela nossa celebrada hospitalidade e solidariedade, na outra face da moeda.
            Na análise apresentada pelo livro, tem espaço especial um traço que é exaltado por uns e condenado por outros: a malandragem, ou, na sua forma eufemística, o jeitinho brasileiro, utilizado para adquirir vantagens, apresentar soluções e, mais ainda, como meio de navegação social, pelo o qual nos adaptamos às situações e, geralmente, as revertermos a nosso favor, as vezes de maneira benéfica, outras em forma de corrupção. Aliás, o jeitinho implica no formalismo, que é a necessidade de colocar todos os assuntos com defesa em lei, uma vez que a malandragem cria mecanismos para burlar leis, ocasionando a necessidade de sanção de novas legislações, originando o enorme número de leis existentes no papel sem efeitos na prática. Ademais, somos apresentados com maior inclinação para os sonhos do que para a disciplina e com grande tendência à aversão ao trabalho metódico ou manual, o que caracteriza nosso espírito aventureiro, herdado, em grande parte, dos colonizadores portugueses, que eram grandes navegadores e escravocratas. Um exemplo é a nossa consideração de que trabalhos braçais são menos nobres e dignos do que outros tipos de atividades, herança do sistema escravocrata, onde tais atividades eram exercidas pelos escravos.
            Pelo o que foi apresentado até agora, o leitor pode formar uma opinião de que o livro destaca apenas os lados negativos de nossa cultura, o que não é verdade. Acredito que o principal objetivo de Caldas e Motta ao organizarem os artigos que compõem o livro era apresentar argumentos e fatos observados que nos permitam desenvolver nosso senso crítico e analítico, refletindo sobre a realidade e a forma como esta se formou para, a partir daí, poder agir sobre ela e modificá-la, utilizando nossa capacidade de lidar com o ambíguo e com o miscigenado para transformar problemas em soluções, pontos fracos em pontos fortes e ameaças em oportunidades, não só adaptando ou dando um “jeitinho” nos fatos e situações, mas agindo ativamente sobre a realidade. Para tanto, destaco os capítulos 5 (Gerência e autoridade nas empresas brasileiras: uma reflexão histórica e empírica sobre a dimensão paterna nas relações de trabalho, Eduardo Paes Barreto Davel e João Gualberto M. Vasconcelos), 13 (Cultura brasileira e organização cordial: ensaio sobre a Torcida Gaviões da Fiel, André Lucirton Costa), 14 (A cultura brasileira revelada no barracão de uma escola de samba: o caso da Família Imperatriz, Sylvia Constant Vergara, Cintia de Melo Moraes e Pedro Lins Palmeira) e 19 (Compreendendo as organizações latino-americanas: transformação ou hibridização?, Marta B. Calás e Maria Eugenia Arias) como excelentes pontos referenciais nesse processo de compreensão da sociedade brasileira.

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