quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

WANDERSON LIMA X ISABELA BOSCOV


VEJA, MAS COM CUIDADO!




Sob o título “Implosão Criativa”, Isabela Boscov, da revista Veja, escreveu as seguintes palavras (cito na íntegra) sobre o mais recente filme de Almodóvar:

"Dezesseis anos atrás, Pedro Almodóvar chegou a um estrangulamento criativo. O espanhol vinha de uma fase vivíssima, durante a qual, com Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, Ata-me! e De Salto Alto, se firmara como um comediante do absurdo e o mais original dos diretores europeus. Em Kika, seus temas e estilo habituais tornaram-se pesados e estéreis. Almodóvar deu a volta por cima: em 1999, com Tudo sobre Minha Mãe (e, depois, Fale com Ela e Volver), iniciou outra fase extraordinária, de um olhar intensamente revelador sobre as pulsões que outros considerariam desvios ou aberrações. Agora a história se repete. Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos, Espanha, 2009), desde sexta-feira em cartaz no país, trata de um roteirista (Lluís Homar, um ator opaco) que antes de ficar cego era diretor e tinha um romance com sua musa (Penélope Cruz). A qual, antes de ser atriz, era garota de programa e amante de um magnata sórdido. Dito assim, o enredo parece dar continuidade à etapa atual da carreira do espanhol – mas é sua implosão. Como Kika, é um filme desgracioso, absorto em si mesmo e algo raivoso. Agora, é esperar que Almodóvar reinicie um novo ciclo. E que também este venha a ser extraordinário".

Não tenho o menor desejo de analisar a fundo esta nota de Boscov. Quero, porém, chamar a atenção dos leitores deste blog para dois pontos: 1º) Como saiu na Veja, esta será a opinião padrão da maior parte dos “brasileiros bem informados” (argh!). Você não vai esperar muito: no trabalho, no boteco, no clube, no shopping ou até dentro de sua casa, logo aparecerão ventríloquos e papagaios para regurgitar essa interpretação capenga; 2º) Assim como Isabela Boscov, estes brasileiros bem informados não precisarão explicar por que Abraços Partidos se parece comKika (!!!), sendo ambos desgraciosos,absortos em si mesmo e algo raivosos.

O sentido, como predica a Análise do Discurso, não é imanente ao discurso, pelo contrário depende de uma gama fatores extra-textuais que podemos reunir, segundo a pesquisadora Eni Orlandi, sob a noção de “condições de produção”. Condições de produção: as condições pragmáticas de enunciação, o lugar social e discursivo do sujeito da enunciação, o contexto sócio-histórico, o veículo em que o discurso foi veiculado, a imagem que os leitores fazem do enunciador, enfim, tudo que tenha implicação, direta ou indiretamente, na produção do sentido e que não esteja situado na estrutura interna do texto. A força de um texto fraco como “Implosão Interna” vem, pois, de fatores extrínsecos a ele. Bem, mas nem precisamos ser analistas do discurso para saber que há diferença entre uma imbecilidade dita, por exemplo, no blog O Fazedor e outra imbecilidade dita na revista Veja. A mesma diferença entre riscar um palito de fósforo e jogá-lo na água ou jogá-lo num tanque de gasolina.