sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

samba de uma nota só, tom jobim e newton mendonça.

 Tom Jobim e convidados - Samba de uma nota só


Samba de uma nota só

Eis aqui este sambinha feito numa nota só.
Outras notas vão entrar, mas a base é uma só.
Esta outra é conseqüência do que acabo de dizer.
Como eu sou a conseqüência inevitável de você.

Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada,
Ou quase nada.
Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou nada,
Não deu em nada.

E voltei pra minha nota como eu volto pra você.
Vou contar com uma nota como eu gosto de você.
E quem quer todas as notas: ré, mi, fá, sol, lá, si, dó.
Fica sempre sem nenhuma, fique numa nota só.


Mais uma grande parceria entre Jobim e Mendonça.
Um sambinha, criado em 1960, moldado em uma nota só.

Mendonça foi um dos maiores parceiros de Tom no início da Bossa. Apesar de sua morte muito precoce em 22 de novembro de 1960 com 33 anos, no ano da composição de Samba de uma nota só, ele deixou, como letrista, quatro músicas significativas pra Bossa e pra decolagem da carreira de Tom: Desafinado, já aqui analisada; Meditação; Discussão e o seu Samba de uma nota só.

Os dois conseguem brincar de forma inteligente e com muita maestria com notas que entram e saem, obedecendo à letra. Eles mostraram como fazer algo genuinamente brasileiro, no estilo, claro, Bossa Nova.

Essa música é tida, como inúmeras outras da Bossa, como algo perfeitamente arquitetado.
Tudo o que se passa na música, na melodia, acontece na letra e vice-versa.
Perceba logo no primeiro verso:

"Eis aqui este sambinha feito numa nota só.
Outras notas vão entrar, mas a base é uma só.
Esta outra é conseqüência do que acabo de dizer.
Como eu sou a conseqüência inevitável de você."


Escute ela.
Perceba que as duas primeiras frases de verso são cantadas com apenas uma nota, obedecendo ao que se fala nelas.
Na segunda frase ele anuncia o que está por vir: "Outras notas vão entrar, mas a base é uma só"

Então, entra a outra nota, após o prenúncio e como uma consequência do que ele acabara de dizer na letra:
"Esta outra é conseqüência do que acabo de dizer"

O refrão, se é que se tem refrão essa música, é a punhalada nas músicas carentes de qualidade, cantado subindo e descendo na escala do acorde em questão, mostrando de certa forma a quantidade de notas que estão à disposição do compositor mas que não são usadas.
E ele utiliza toda a escla de notas do seu acorde no exato momento em que a letra diz:
"Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou nada,
Não deu em nada."


No terceiro verso não é diferente.
A música volta pra nota inicial, no momento em que se fala na letra que o cidadão irá voltar pra sua mulher.
"E voltei pra minha nota como eu volto pra você."
Newton ainda faz uma adaptação na "ordem" da escala (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si), colocando o dó no final pra que rime com o "só" da última frase, cantando todo o verso em uma única nota.

Eles dão uma aula de como fazer uma música de verdade, com relevante complexidade de composição, uma rica melodia e com uma letra que ainda fala de amor.
Samba de uma nota só é uma facada no banal, porque aliás...

"Quanta gente existe por aí que fala fala e não diz nada, ou quase nada, já me utilizei de toda escala e no final vai dar em nada... ou quase nada."

Espetáculo de Tom Jobim e Newton Mendonça.

5 comentários:

  1. Caraca!
    O q mais tem é:
    gente existe por aí que fala fala e não diz nada, ou quase nada, já me utilizei de toda escala e no final vai dar em nada!
    Essa época, esses caras, sei ñ viu, isso é uma vez na vida outra morte, fico até com medo de escrever, depois deles!
    Tudo aqui como sempre de altissima qualidade.
    bços
    Ps.
    é minha sim a poesia de hj.

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  2. Eis aqui este sambinha, feito numa nota só!

    Começa em um I - I - I pra um IV V que cai no I.

    Simplicidade e maestria de dois mestres da bossa!

    Grande abraço!

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  3. Senhores, Newton Mendonça nunca foi letrista. Isto foi uma declaração infeliz do Tom em 1968, que cretinizou várias gerações de pseudocronistas e "historiadores". Newton foi músico, músico, músico. Apenas pianista e compositor. O negócio do Newton era música, fotografia, cinema e política. Foi o primeiro comunista da Bossa Nova. De carteirinha do PCB. Ao contrário, Tom, que, além de músico e arranjador (nunca foi maestro, nunca regeu na vida), foi excelente letrista e sonhava em ser poeta como o pai, como Thiago de Mello, amigo da família, e como Vinicius, seu ídolo. Newton Mendonça foi o mais importante compositor da Bossa Nova, a ruptura, a ousadia, a vanguarda, atitudes só existentes em Tom, até 1960, quando ele está com Newton. Tom com outros parceiros, até 1960, é conservador: samba-canção, canção, balada, toada, samba tradicional etc. Newton estruturou o estilo, criou, com Tom, as canções (caminhos melódicos, preciosas harmonias e insinuações ritmicas) que permitiram a João Gilberto criar a batida revolucionária: Foi a noite, Só saudade, Desafinado, Samba de uma nota só, Meditação, Caminhos Cruzados, O domingo azul do mar, entre outros clássicos. Ao lado de Newton, e abaixo dele, Tom e Johnny Alf. Este último, o precursor, o primeiro a ousar. Tudo na década de 1950, tempo da criação e estruturação da estética. A década seguinte foi de consolidação e divulgação. A dupla New-Tom foi a principal parceria da Bossa Nova. Os dois faziam tudo juntos, música e letra. Nunca houve um letrista do Newton, ou um letrista do Tom. Duas exceções: Newton fez sozinho a primeira parte do Samba de uma nota só, música e letra, no inverno de 1954. Nem se sonhava com Bossa Nova. Em 1958, eles fizeram a segunda parte. E a música de Meditação é exclusivamente de Newton, sem Tom. E a letra de Meditação é exclusivamente de Tom, sem Newton. À disposição para conversar e debater, Marcelo Câmara (ilhaverde@ilhaverde.net e tel. 21-2523-5989)

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  4. Marcelo,

    Eu era músico profissional em Porto Alegre de 56 a 60. Comecei com treze anos. Vivi exatamente o início da Bossa Nova, até um pouco antes, com os sambas-canções de Dolores/Antônio Maria e Dolores/Tom. Mas o que eu sabia à época era que o Newton (o maior injustiçado da bossa nova) fez algumas composições completas. Pois fazia letras sim, embora nunca tenha sido poeta. Poucas mas fazia. Mas não era exclusivamente pianista, não.
    O que achas de "Mente Pra Mim"? Essa apareceu há alguns anos no filme "Os Desafinados", cantada pela Branca Lima (filha do Diretor Walter Lima Jr. e da cantora Telma Costa). Ainda não vi ninguém creditar essa música ao acervo do Newton e sempre soube que era toda dele...
    Gostaria que me confirmasses.
    Falei na injustiça para com o Newton Mendonça e lembro do que dizem do João Gilberto. Alguns chegam a dizer que ele foi um dos maiores nomes da bossa. Coisa nenhuma. Quando a bossa começou ele perambulava por Porto Alegre, tentando uma boquinha em alguma boite. A única coisa que sei, desde aquela época, é que ele desarmou a "dedada" que os violonistas de samba faziam, trocando-a por um arpejo sincopado, talvez, diziam, por não saber levar um sambão quadrado daquela época.... E só. A grande música dele é aquela do tal Baião que só tem Bim Bom... E hoje é cultuado como grande compositor da bossa nova. Enquanto isso o Newton Mendonça, pra mim tão bom quanto o Tom, é esqueciso até nos créditos de suas músicas nos discos, desde há muito tempo.
    E eu pergunto, quem seria João Gilberto sem Newton Mendinça?

    As coisas são assim no Brasil analfabeto musical onde vivemos.

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