terça-feira, 7 de junho de 2011

Ação de Prestação de Contas - Sentença

Prezado Lojista

Segue abaixo sentença emitida pela juíza Marisa Cardoso de Mederios, referente a ação movida contra o Condomínio Civil Pró-Indiviso do Balneário Camboriú Shopping, que solicita a prestação de contas aos lojistas.


Autos n° 005.09.008870-5
Ação: Prestação de Contas/Especial de Jurisdição Contenciosa
Autor: RMI Rio Merchants Comércio de Modas e Ótica Ltda EPP
Réu: Condomínio Civil Pró-Indiviso do Balneário Camboriú Shopping



SENTENÇA


VISTOS etc.

RMI Rio Merchants Comércio de Modas e Ótica Ltda. - EPP propôs a presente ação de prestação de contas contra Condomínio Civil Pró-indiviso do Balneário Camboriú Shopping ao argumento de ser locatária do salão n. 15, localizado no Balneário Camboriú Shopping Center, em virtude de cuja avença locatícia comprometeu-se ao pagamento dos alugueres e demais encargos, os quais vem quitando regularmente. Com o intuito de verificar detalhadamente as quantias desembolsadas no tocante às cotas condominiais e fundo de promoção, solicitou as informações junto à administração da requerida, pleito que lhe foi negado, motivo pelo qual objetiva a exigência de contas, com amparo no art. 54, §4º, da Lei 8.245/91.

A inicial veio acompanhada dos documentos de fls. 10-121.

Citado, o requerido apresentou resposta em forma de contestação (fls. 127-137), arguindo, em prefacial, decadência do direito de exigir contas em relação ao período anterior a 60 dias do ajuizamento da ação, na forma do art. 54, § 2º, da Lei do Inquilinato; falta de interesse de agir sob dois aspectos: as contas já teriam sido apresentadas, uma vez que as receitas, despesas, saldo e o balanço são repassados aos lojistas a cada três meses, e inadequação da via eleita, uma vez que a autora objetiva discutir a exigibilidade desses encargos, o que não se harmoniza com a finalidade da demanda em foco.

Meritoriamente, reiterou o argumento de que as contas são apresentadas trimestralmente, e que no boleto encaminhado a cada locatário consta um resumo das despesas.

Enfatizou que ao contrário do que possa pretender a autora, não há saldo credor a seu favor originado do rateio das despesas, as quais são rigorosamente partilhadas em conformidade com o contrato celebrado.

Houve réplica (fls. 196-209).

Na sequência, vieram conclusos os autos.

Relatados, decido.

O feito encontra-se apto para receber julgamento, porquanto a matéria sob apreciação é unicamente de direito, sendo desnecessária a produção de prova em audiência, nos termos do art. 330, I, do CPC.

Trata-se de ação de prestação de contas por meio da qual a requerente busca a exigência de contas relativas ao contrato de locação celebrado, em especial no que se refere ao detalhamento da quantia desembolsada em relação às cotas condominiais e ao fundo de promoção, dentre outras especificidades do contrato.

Inicialmente, cumpre afastar a prefacial de decadência suscitada pelo requerido, porquanto desprovida de plausibilidade jurídica.

Dispõe o §2º do artigo 54 da Lei 8.245/1991:

"2º As despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas".

A interpretação que se extrai do dispositivo em apreço não autoriza a conclusão de que o prazo de sessenta dias ali contemplado seja decadencial ou extintivo do exercício do direito de exigir contas. A toda evidência, a intenção do legislador foi de apenas estipular a regularidade ou frequência mínima com que o locatário possa exigir a comprovação administrativa das despesas, evitando-se a proliferação de solicitações a qualquer tempo pelos locatários, tudo para facilitar as atividades do administrador do empreendimento.

A respeito, extraem-se as conclusões adotadas no julgamento da Apelação Cível n. 2004.012735-9, j. em 09/09/09:

"[...] explica Gildo dos Santos:
De qualquer forma, o locatário, diretamente ou por meio de entidades de classe, como as associações dos lojistas existentes em quase todos os shopping centers, pode verificar as despesas realizadas, que lhe são exigíveis, a cada sessenta dias. Não tendo previsto como se conta esse prazo, tem-se que entender que cada lojista, depois de examinar os comprovantes das despesas a pagar ou já pagas por ele, somente poderá realizar novo exame decorridos sessenta dias (Locação e Despejo. 3. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 280).
Conforme se vê, o prazo estipulado neste dispositivo pelo legislador tem função tão-somente administrativa, servindo apenas para impedir que o locatário possa, a todo instante, querer consultar novamente as contas prestadas pelo administrador do empreendimento, o que tornaria, sem dúvida, bastante dificultosa a sua função, especialmente se for considerado o grande número de lojas que locam espaços nos shopping centers.
Aliás, não seria muito razoável que o administrador do shopping centers pudesse se eximir de prestar contas de todo o período de sua administração.
A fim de por uma pá de cal sobre o assunto, são bastante oportunos os ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, que, citando jurisprudência da Corte de Justiça Paulista, afirmaram taxativamente que o prazo do § 2º do artigo 54 da Lei de Locação não é decadencial, in verbis:
Shopping center. Ação de prestação de contas. Decadência. O prazo do art. 54, § 2º, da Lei n. 8.345/91 não é decadencial por se tratar de simples possibilidade do locatário postular a apresentação de contas no prazo ali referido, sem que tanto se constitua num dever a ser exercitado no lapso temporal de 60 dias (2.º TACivSP., 2ª Câm., Ap 504184, rel. Juiz Vianna Cotrim, j. 16.2.1998)(Código Civil Anotado e legislação extravagante. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p.1.291)".

De outro giro, a preliminar de falta de interesse de agir, articulada sob dois enfoques distintos, confunde-se com o mérito da demanda, razão pela qual será conjuntamente com ele apreciada.

Impõe-se acentuar que nos termos do artigo 914 do Código de Processo Civil, a ação de prestação de contas competirá a quem tiver o direito de exigi-las ou a obrigação de prestá-las.

Pressupõe, em regra, a divergência para o acerto de contas e tem por finalidade a fixação de um saldo devedor ou credor, por parte de quem as exige ou de quem as presta.

Seu procedimento encontra-se dividido em duas fases bem distintas: na primeira, cabe analisar se o autor tem direito ou não à obtenção das contas; sendo positiva a conclusão, inicia-se a etapa seguinte, em que se examinará o conteúdo das contas fornecidas, apurando-se eventual saldo em favor do autor ou do réu - dada a natureza dúplice da ação de prestação de contas.

Assim delimitado, mostra-se despropositada a alegação de que a via eleita estaria equivocada, ao argumento de que a autora pretende discutir a exigibilidade de encargos, porquanto o caráter bifásico da demanda permite a verificação das contas e do eventual saldo existente em favor de qualquer dos sujeitos da relação jurídica material no decorrer da segunda fase, caso assentada a existência da obrigação de prestá-las.

Sobre as peculiaridades e a destinação da prestação de contas, importante a lição de Humberto Theodoro Júnior:

"Consiste a prestação de contas no relacionamento e na documentação comprobatória de todas as receitas e de todas as despesas referentes a uma administração de bens, valores ou interesses de outrem, realizada por força da relação jurídica emergente da lei ou do contrato.
Seu objeto é liquidar dito relacionamento jurídico existente entre as partes no seu aspecto econômico de tal modo que, afinal, se determine, com exatidão, a existência ou não de um saldo, fixando, no caso positivo, o seu montante, com efeito de condenação judicial contra a parte que se qualifica como devedora.
[...]
A obrigação de prestar contas, derivada de qualquer relação jurídica patrimonial, pode ter caráter unilateral, ou seja, pode sujeitar uma só das partes como se dá com o mandatário, o administrador do condomínio, o síndico, o curador etc. ou pode ter o caráter bilateral a teor do que se dá no contrato de conta corrente.
Qualquer um, porém, dos sujeitos da relação patrimonial que envolve a obrigação de prestar contas dos atos praticados no interesse comum ou de outrem pode ser forçado ao procedimento da ação de prestação de contas.
[...]
O importante é, na espécie, a indagação no que concerne aos termos da relação material, de existência efetiva do poder daquele que se diz credor das contas de sujeitar o demandado a prestá-los. (in: Curso de Direito Processual Civil: procedimentos especiais. Vol. III. 37. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 92 e 96).

De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"A ação de prestação de contas consubstancia a medida judicial adequada para aquele que, considerando possuir crédito decorrente da relação jurídica consistente na gestão de bens, negócios ou interesses alheios, a qualquer título, para sua efetivação, necessite, antes, demonstrar cabalmente a existência da referida relação de gestão de interesses alheios, bem como a existência de um saldo (como visto, a partir do detalhamento das receitas e despesas), vinculado, diretamente, à referida relação (REsp n. 1.065.257/RJ, j. 20-4-10).

No caso concreto, a existência de vínculo obrigacional entre as partes é inequívoca, tanto que o requerido não refutou o seu dever legal de prestar contas na condição de locador/administrador do shopping center onde está instalada a empresa autora, justificando tão-somente que já o teria feito de forma trimestral durante todo o período da contratualidade.

Sobre a obrigação de prestar contas em situação similar decidiu-se:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - PRIMEIRA FASE - RECONHECIMENTO DO DEVER DE PRESTAR CONTAS - ALEGAÇÃO DE PEDIDO GENÉRICO - HIPÓTESE AFASTADA - INDICAÇÃO DAS DESPESAS E DO PERIODO COMPREENDIDO - RELAÇÃO JURÍDICA OBRIGACIONAL DEMONSTRADA.
"Não há se falar em pedido genérico de prestação de contas, quando o autor aponta o vínculo jurídico existente com o réu e especifica o período digno de esclarecimentos." (REsp n. 1060217/PR, rel. Massami Uyeda, j. em 11-11-2008).

Ocorre que os balancetes sintéticos trimestrais anexados aos autos pelo demandado não passam de meros demonstrativos elaborados de maneira unilateral, em que estão discriminadas apenas as despesas e seus valores, dados que já eram de conhecimento da autora, o que os torna imprestáveis para a finalidade almejada..

Noutras palavras, não foram acostadas notas fiscais, faturas, recibos ou outros documentos para comprovar o lastro das quantias ali apontadas, e tampouco foram fornecidas as informações solicitadas pela requerente por ocasião da inicial (fls. 06-08), o que inviabiliza a análise detalhada sobre o efetivo emprego do dinheiro recolhido.

Além disso, a documentação apresentada não se afigura satisfatória, tendo em vista que não foi observada a forma mercantil, assim exigida em lei (art. 917 do CPC).

A corroborar esse entedimento, confira-se:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - PRIMEIRA FASE - CONTRATO DE PARCERIA - ADMINISTRAÇÃO DE RESTAURANTE - DEVER DE PRESTAR CONTAS EVIDENCIADO - LIVROS DE CAIXA APRESENTADOS JUNTO À CONTESTAÇÃO - DESCRIÇÃO DESORGANIZADA DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA - OBRIGAÇÃO NÃO SATISFEITA - CPC, ART. 917 - NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO NA FORMA MERCANTIL - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE VULNERAÇÃO AO DEVER DE PROBIDADE PROCESSUAL (CPC, ART. 14) - INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO OU DOLO PROCESSUAL. [...]
'II - Consoante os termos do art. 917 do CPC, o obrigado a prestar contas deve fazê-lo na forma mercantil, com documentos capazes de justificar o conteúdo apresentado. Por "mercantil" deve-se entender uma organizada planilha contendo campos destinados às receitas e às despesas, especificando-se, ao final, se determinado período resultou em lucro ou prejuízo. Desse modo, se o responsável pela prestação de contas trouxe juntamente com a contestação diversos documentos, mas deles restar impossibilitado de se extrair lógica contábil, deve o magistrado considerá-los imprestáveis e determinar a apresentação de novas contas, observando-se o disposto no ordenamento processual. [...]" (AC n. 2007.027557-4, j. em: 07.02.2008).

Dessarte, não tendo o requerido prestado as contas na forma devida – e reconhecido o direito da autora de exigi-las – tenho que a pretensão deduzida na inicial merece amparo.

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente o pedido formulado na inaugural, condenando o requerido a prestar as contas detalhadas solicitadas pela autora no prazo de 48 horas, as quais devem abranger todo o período de contratualidade, a partir de 12/05/08 até os dias atuais, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que a autora apresentar, de acordo com o art. 915, 2º, do Código de Processo Civil. Condeno o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do artigo 20, § 3o, do CPC.

P. R. I.

Balneário Camboriú (SC), 06 de junho de 2011


MARISA CARDOSO DE MEDEIROS
Juíza de Direito

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