domingo, 1 de junho de 2008

Cassandra's Dream - O Sonho de Cassandra (DVD)

O filme estreado a 10 de Janeiro deste ano não me podia deixar indiferente. Apesar de não o ter ido ver ao cinema, foi com alguma ansiedade que esperei o seu lançamento em DVD para finalmente o poder ver. Para além do mais, era um Woody Allen, um dos últimos grandes cineastas vivos.

Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell) são dois irmãos que, oriundos de uma modesta família de Londres, sonham em ter uma vida melhor. Enquanto Terry vive sob o peso dos vícios (apostas e bebida), Ian tenta levar uma vida de luxo em alta sociedade a partir do momento em que conhece Angela (Hayley Atwell). De maneira a resolver os seus problemas financeiros – Ian não consegue sustentar a sua ostensiva vida e Terry endividou-se num jogo de poker - recorrem à ajuda financeira do tio Howard (Tom Wilkinson), o exemplo familiar de sucesso constantemente citado nas conversas da mãe (para ódio do pai). Howard acede ao pedido mas com uma condição: quer que os rapazes assassinem um ex-colega de trabalho que, de convicção inabalável, pretende testemunhar contra ele pela sua falta de ética no seu negócio (cirurgias plásticas). Estupefactos pela proposta, os dois irmãos terão agora de lidar com o quanto realmente precisam do dinheiro.


Uma das características de Woody Allen, enquanto cineasta, é a sua meticulosa maneira de escrever. No entanto, o guião de Cassandra’s Dream pode ser considerado como um caso extraconjugal do realizador . São páginas seguidas de diálogos, em que a escolha de algumas palavras seria o suficiente. O objectivo de Allen não é escolher palavras valorosas mas sim, através delas, reproduzir um ambiente vertiginoso de confusão e relutância, numa abordagem semi-teatral que põe Ian e Terry em permanente diálogo, a debater todos os seus pequenos impulsos. Ewan e Colin são os violinos desta orquestra. Pode-se dizer que Colin Farrell apresenta-se no seu melhor, conseguindo convencer uma profunda angústia simplesmente por uma nervosa expressão facial. Com Ewan McGregor, no papel de eterno optimista, há uma interacção familiar espantosa entre os dois irmãos, por vezes fazendo brilhar a prosa de Allen.


A brilhar, mas à sombra do triunfo de 2005, o mórbido e violento Match Point (a meu ver, a sua última obra-prima), Woody Allen continua fascinado com a fraqueza humana em nome da sobrevivência individual. Tal como em Scoop, não deixa de dar duplos sentidos e referências icónicas aos elementos da sua obra. Não é por acaso que Cassandra é o nome do barco dos irmãos. À parte a origem mitológica, ser Cassandra nos tempos modernos é ser considerado modelo referente à tragédia, o arquétipo de uma personagem profética aterrorizada por uma obscura insanidade. O recheio do filme – a discussão ética que levará ao homicídio – não é mais do que um cânone clássico de uma tragédia grega, reproduzido por Allen com o intuito de revelar os aspectos mais negros da natureza humana. A interpretação de Colin Farrell não é mais do que a representação amoral de uma consciência pesada. Os pontos fortes do filme estão escondidos no processo de decisão do homicídio, no trauma psicológico e na escolha de uma saída de fuga à culpa.

Woody Allen é um génio na comédia, embora com uma ou outra costela com gosto pelo escuro e pelo macabro. Cassandra’s Dream não é o seu trabalho mais forte, mas oferece ao espectador uma atitude paranóica recheada de suspense.





Pedro Xavier

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