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Friday, December 03, 2010

ACESSIBILIDADE NA VIA PÚBLICA – CALÇADA

Ana Carolina Araujo Pereira
Arquiteta e Urbanista do Ministério Público
do Estado de Minas Gerais



O direito de todos à igualdade e à segurança, sem distinção de qualquer natureza, é garantido pela Constituição Federal. Entretanto, numa simples caminhada pelas calçadas das cidades brasileiras, verificamos que estas não garantem esses direitos fundamentais a todos indistintamente, principalmente às pessoas que possuem algum tipo de dificuldade de locomoção.
Com o grande crescimento das cidades no último século, principalmente dos grandes centros urbanos, o automóvel ganhou espaço de destaque nas vias públicas, sendo por vezes considerado “o maior urbanista do século XX”. As vias públicas são projetadas para o automóvel e o pedestre fica cada vez mais sem importância. “Nossas calçadas e passeios públicos, destinados à mobilidade básica dos cidadãos, tornam-se cada vez mais estreitas e congestionadas.” (PASSAFARO, 2003)
“Caminhar a pé é uma das atividades mais fundamentais do ser humano. Em princípio é uma atividade disponível a partir dos 2 anos de vida até a morte.” (GOLD, 2003) Além disso, praticamente, todos os deslocamentos envolvem pelo menos um percurso a pé, sendo que, em algum momento, todo mundo é pedestre.
Não basta lutarmos para implementar a acessibilidade nas edificações e meios de transporte, se as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, aqui incluídos os idosos, não conseguem chegar até eles. As calçadas são o principal acesso às edificações e aos meios de transporte.
A construção de vias e espaços públicos acessíveis é obrigatória, segundo a Lei Federal 10 098/2000, e o Decreto 5296/2004.
“Art. 3º O planejamento e a urbanização das vias públicas, dos parques e dos espaços de uso público deverão ser concebidos e executados de forma a torná-lo acessíveis para as pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.” (Lei Federal 10098/2000).
No caso de Belo Horizonte, a legislação municipal de acessibilidade, assim como o Código de Posturas, Lei 8616/2003, e o decreto que o regulamenta, Decreto 11601/2004, também garantem a execução de vias e espaços públicos acessíveis.
Entretanto, o que encontramos na maioria dos casos são calçadas em mau estado de conservação, cheias de buracos, desníveis e obstáculos. Essas não são construídas conforme os critérios determinados pela legislação vigente e pelas normas técnicas de acessibilidade.
“A qualidade da calçada para pedestre pode ser definida e medida, principalmente, em termos de três fatores: fluidez, conforto e segurança.” (GOLD, 2003)
Segundo Wright (2001), uma calçada construída segundo os critérios de acessibilidade e de acordo com os princípios de desenho universal atende às necessidades de todos, de crianças e a idosos, inclusive pessoas com deficiência.
Uma calçada acessível deve atender vários critérios definidos pela norma técnica “Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos” (NBR 9050/2004), da Associação Brasileira de Normas Técnicas, e à legislação vigente.
A largura das calçadas deve compreender a faixa livre de passagem, a faixa de mobiliário e arborização e, em áreas comerciais e de serviços, a faixa de interferência dos imóveis. A faixa livre de passagem é a mais importante, sendo destinada ao trânsito de pedestres, devendo ter sua largura definida de acordo com o fluxo médio de pessoas. Recomenda-se uma faixa livre de passagem com largura mínima de 1,50m. Todo tipo de mobiliário público e vegetação deve-se concentrar na faixa de mobiliário e arborização, que deve ficar próxima ao meio-fio. Esta faixa funciona também como área de separação entre a via de tráfego e o espaço destinado ao pedestre, proporcionando maior segurança. Nas áreas comerciais e de serviços, recomenda-se prever também uma faixa de interferência dos imóveis, destinada à transição entre o passeio e as edificações lindeiras.
Na faixa livre de passagem não deve haver nenhum tipo de obstáculo, como desníveis e mobiliário, e qualquer tipo de interferência aérea sobre a faixa livre de circulação deve ter altura mínima de 2,10m.
O piso das calçadas, principalmente da faixa livre, deve ser antiderrapante e resistente, além de possuir superfície contínua, sem ressalto ou depressão. Segundo Gold (2003), considerando fluidez, conforto e segurança dos pedestres, concreto é a superfície preferida para passeios, sendo indicado o uso de blocos de concreto intertravados. As calçadas devem ser livres de qualquer obstáculo, como desníveis, buracos e mobiliário urbano na faixa livre de passagem, sendo proibido o uso de cunhas no alinhamento para acesso às edificações. Eventuais desníveis existentes no acesso às edificações devem ser eliminados no interior do lote.
As calçadas devem ser construídas acompanhando o greide da rua, sendo proibida a construção de degraus em vias com declividade de até 14%. A inclinação transversal dos passeios deve ser máxima de 3% em direção ao meio-fio, de modo a garantir o escoamento das águas superficiais.
Nas esquinas e travessias de pedestres, deve haver rebaixos de meio-fio e rampas ou faixa de travessia elevada, de modo que a rota acessível não seja interrompida. Existem vários tipos de rebaixo de meio-fio para travessia de pedestres, os quais devem ser escolhidos de acordo com as características da via e da calçada. As rampas para acesso de pessoas portadoras de deficiência devem ter inclinação máxima de 8,33%, devem estar alinhadas quando localizadas em lados opostos da via e devem atender aos demais critérios da norma NBR 9050/2004, da ABNT.
Outro ponto importante a ser observado nas calçadas é a sinalização tátil, para a adequada circulação de pessoas portadoras de deficiência visual com segurança e autonomia. Há dois tipos de piso tátil, um de alerta, que deve ser usado nos desníveis, faixas de travessias e sobre o mobiliário urbano, e outro direcional, que deve ser usado em locais amplos indicando uma direção preferencial.
“As leis municipais normalmente responsabilizam cada proprietário pela manutenção das boas condições do trecho de calçada em frente a sua edificação.” (GOLD, 2003). O poder público fica responsável somente pela execução dos canteiros centrais.
“Art. 12 Cabe ao proprietário de imóvel lindeiro a logradouro público a construção do passeio em frente à testada respectiva, a sua manutenção e a sua conservação em perfeito estado.” (Código de Posturas do Município de Belo Horizonte).
Esse fato, muitas vezes, resulta em uma grande variedade de tratamentos, com a mudança de pavimentação a cada lote, desníveis na interseção entre calçadas vizinhas e diferentes níveis de manutenção. Além disso, na maioria das vezes, os proprietários de imóveis não têm conhecimento da legislação e dos parâmetros técnicos e o poder público não fiscaliza as calçadas existentes.
“As condições das calçadas brasileiras variam muito, entre cidades e entre diferentes áreas e ruas de cada cidade” (GOLD, 2003). Entretanto o que se verifica, na maioria das vezes, são calçadas e passeios públicos em precário estado de conservação, com buracos e desníveis, além de possuírem piso escorregadio. Os rebaixos de meio-fio e rampas nas travessias de pedestre são insuficiente e também não atendem aos critérios de acessibilidade determinados pela norma técnica.
Para melhorar as condições de segurança e acessibilidade das calçadas faz-se necessário uma mudança de postura. O poder público municipal deve se responsabilizar pela construção e conservação de todas as calçadas do município, ou adotar uma política eficiente de fiscalização e orientação dos proprietários para uma correta execução.


Referências Bibliográficas:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2004. 97p.
BELO HORIZONTE. Lei 8616, de 14 de julho de 2003. Contém o Código de Posturas do Município de Belo Horizonte.
BELO HORIZONTE. Decreto 11601, de 9 de janeiro de 2004. Regulamenta a Lei 8616, de 14 de julho de 2003, que contém o Código de Posturas do Município de Belo Horizonte.
BELO HORIZONTE, Lei 9078, de 19 de janeiro de 2005. Estabelece a política da pessoa com deficiência para o Município de Belo Horizonte e dá outras providências.
BRASIL. Senado Federal. Secretaria-Geral da Mesa. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
BRASIL. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
BRASIL. Decreto 5296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis 10048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências
COMISSÃO PERMANENTE DE ACESSIBILIDADE – CPA. Guia para mobilidade acessível em vias públicas. São Paulo: PMSP, 2003. 83p.
GOLD, Philip Anthony. Nota técnica: Melhorando as condições de caminhada em calçadas. Perdizes, 2003.
WRIGHT, Charles L. Limitações ao direito de ir e vir e o princípio do desenho universal. In: WRIGHT, Charles L. (Editor). Facilitando o transporte para todos. Washington: Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2001. 92p.

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