sexta-feira, novembro 26, 2004

Arbitrariedades na interpretação da lei sobre prioridades no atendimento em serviços públicos. O que é uma "criança de colo"?

INTROITO 1:
O ponto 1. do Artigo 9.º ("Prioridades no atendimento") do D.-L. n.º 135/1999 publicado no D.R. nº 94, I-B Série de 1999.04.22 estipula que "Deve ser dada prioridade ao atendimento dos idosos, doentes, grávidas, pessoas com deficiência ou acompanhadas de crianças de colo e outros casos específicos com necessidades de atendimento prioritário". Tal prioridade aplica-se, diz o ponto 2. do Artigo 1.º do mesmo D.-L. "a todos os serviços da administração central, regional e local, bem como aos institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado ou de fundos públicos". Parece claro não? Ora bem, o que são "crianças de colo"?

INTROITO 2:
Todos sabemos que as lei portuguesas quer por especificidades de sintaxe, redacção, conveniências pessoais ou institucionais ou novas realidades a que o legislador não se apercebeu ou esforçou por actualizar, presta-se a diferentes interpretações. Surgem, então, os famigerados pareceres jurídicos onde os doutos juristas ou meros causídicos peroram sobre o que consideram ser o "espirito da lei" quando formulada pelo legislador, isto é, o que o legislador teria em mente quando a redigiu. Neste país, tais pareceres, por vezes regiamente pagos, conseguem, aqui e ali, ter alguma jurisprudência e atingir os seus fins. Na maior parte dos casos, a administração central ou local, caso o parecer seja contrário às suas intenções, "faz orelhas moucas" ao conteúdo dos textos, sucedendo-se, por vezes, um processo legal que demora longos meses

Ora ocorre que o mencionado D.-L. não especifica o que são "crianças de colo". Parecendo consensual que um bébé de poucos meses é uma "criança de colo", já que manifestamente, pela tenra idade, não aparenta ter meios para se deslocar senão pelo colo de um adulto ou pelo carrinho de bébé, o que dizer de uma criança que, não se enquadrando na categoria, sempre subjectiva de "bébé", já dá alguns passos e equilibra-se, autonomamente, de pé? O que dizer de uma criança de 18, 19, 20 e até 24 ou mais meses de idade? É uma "criança de colo"?

Vem isto a propósito de duas visitas que tive que fazer recentemente às instalações da Segurança Social e do Centro de Emprego da minha área. Tendo assuntos a tatar em cada um deles, reservei dois dias seguidos para o fazer. Como o meu filho de 19 meses não tem estado no infantário por estes dias, tive que leva-lo comigo. Ora, o pimpolho dá uns passos e caminha autonomamente mas numa velocidade incompatível com a pressa que caracteriza os meus afazeres diários e tropeça constantemente se não for amparado pela mão. Pelo que transporta-lo ao colo não é, por estas dias mas desejavelmente cada vez menos, uma realidade que me seja estranha. Pensei: "Pelo menos com o miúdo não estarei sujeito às longas demoras de horas que, fatalmente, caracterizam as visitas aos serviços supra-citados, já que me será dada prioridade". E estar horas à espera- já de si um suplício - agrava-se se estivermos com uma criança impaciente, ensonada e, eventualmente, esfomeada...

Visita ao Centro de Emprego. Bem afixado está o aviso das prioridades e a referência ao D.-L.. Assevera: "Terão prioridade de atendimento: (...) mães que transportem crianças ao colo". Mães?? Então e eu?? Sou um pai?! Pulularam-me, às volutas, três pensamentos:

a) de como é espalhada uma imagem de que só o homem é que é o agressor nos casos de violência conjugal e/ou mulheres vitimas de violência;

b) de como os juízes - dizem - tendencialmente escolhem as progenitoras nos casos de atribuição do poder ("paternal"??) sobre os filhos em detrimento dos progenitores;

c) se deveria ir a casa, vestir-me de mulher, maquilhar-me e regressar ao Centro de Emprego.

Envergonhadamente, dirigi-me ao segurança de plantão e inquiri-o se, no meu caso poderia beneficiar de prioridade no atendimento já que tinha, obviamente, o par de cromossomas errado. A questão do género do pai foi rapidamente esclarecida: "diz mães mas também poderia dizer pais...". "Ah... pois, está bem...", pensei, "muito esclarecedor". Mas a coisa não ficava por ali. Restava saber se o meu filho se tratava de uma "criança de colo"... e eis que surge o que me leva a escrever este blog: o funcionário zeloso inquiriu onde estava o catraio, observou-o por longos segundos e, numa, alocução hesitante afirmou: "sim... venha comigo...". E pronto. Fez-se luz... lei, aliás. Beneficiei do postulado na lei. Mas estranhei... "então o meu filho ficou sujeita ao arbitrio subjectivo de um segurança para verificar se se enquadrava nos cânones de criança de colo?". Pronto. Tendo beneficiado de atendiento prioritário não pensei mais nisso.

Visita ao centro local da Segurança Social. Chegado cedo e constatado a existência de uma fila de dezenas de pessoas, lá estava o aviso sobre as prioridades. Rezava: Terão prioridade de atendimento: (...) os portadores de crianças ao colo". Que felicidade! Já não segregava os progenitores mas antes, ainda que sob uma forma masculinizada, o que eu pensava ser, qualquer pessoa que se faça acompanhar por uma "criança de colo". Dirigi-me, desta vez mais decididamente, ao segurança de plantão, e invoquei, educadamente, a posse do atributo de prioridade. E eis que nova avaliação do pimpolho foi necessária! Não entrei em pânico. O miúdo não estava no meu colo mas sossegadamente sentado numa cadeira. O funcionário zeloso mirou o pirralho... aproximou-se... dobrou o tronco e virando-se para mim inquiriu: "Já anda?". "Bem...", retorqui eu, algo pasmado, "Dá uns passos...". Eis que o amarfanhado homem vira-se de costas para mim e diz, pronta e afirmativamente: "Tem que esperar" Tem que esperar!". Como é?? Já não é uma "criança de colo"?? Eis como se aplica, aqui e ali, a lei nos nosso serviços públicos: sujeita à mais subjectiva arbitrariedade de funcionários! E esperei 3 horas para ser atendido.

E assim vai o nosso Portugal dos pequeninos...

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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março 06, 2013 10:43 da manhã  

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