RACISMO, IDENTIDADES E A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO BRASIL

Racismo, identidades e a influência da mídia no Brasil.


Resumo
Aborda o racismo no Brasil como uma instituição, mascarado por uma falsa idéia de democracia racial baseada na miscigenação. Levanta o desenvolvimento desta visão de democracia racial, sob uma abordagem histórica e política. Discute a concepção política de raça, identidade e etnia no Brasil, usando como objeto de estudo reportagens que escancaram o racismo presente na sociedade através da mídia enquanto instituição social.

Palavras-chaves: Racismo; Identidade; Raça; Negro; Mídia

1 INTRODUÇÃO

O racismo no Brasil é uma instituição. Apresenta-se nas atitudes, no linguajar, nos gestos, nas políticas, na religião e no modo de pensar do brasileiro. A tentativa de omitir o racismo, baseada no argumento de que somos um povo miscigenado e, portanto, vivemos em uma democracia racial, é mais uma forma de racismo que pretende excluir a diferença racial, excluindo o negro enquanto etnia. Nesse sentido, a formação da identidade do afro-descendente e sua cultura sofrem abusos da mídia e das instituições brasileiras. O Movimento Negro, enquanto militância política vem lutando e ganhando forma neste processo, buscando, através de ações afirmativas, a democracia racial.

Este trabalho tem como principal objetivo, discutir algumas questões sobre o racismo à brasileira, utilizando reportagens como objetos de estudo, analisando como os temas raça, racismo, cultura afro-brasileira, identidade negra e etnia têm sido abordados pela sociedade e pela mídia. Como embasamento teórico, utilizou-se estudos de autores como: Dalmir Francisco, Muniz Sodré, Michael Banton, Oliveira Viana e Gilberto Freyre.

2 RACISMO NO BRASIL

O surgimento do racismo na Europa, ganha forma com a publicação e divulgação da obra A Origem das Espécies de Charles Darwin, em 1859. Neste período, a discussão sobre o conceito de raça ganha uma conotação bastante original, que escapa da biologia para adentrar questões de cunho político e cultural. Conceitos como “competição”, “seleção do mais forte”, “evolução” e “hereditariedade”, utilizados por Darwin para explicar fenômenos biológicos de animais e plantas, passaram a ser aplicados aos mais variados ramos do conhecimento, explicando as diferenças entre seres humanos, determinando suas relações sociais. Neste momento, o conceito de raça que explicava a diferença entre os povos, ganha uma conotação que tornou a diferença uma desigualdade (raças superiores e raças inferiores).

Esse saber sobre as raças implicou um “ideal político”, diagnosticando a submissão ou até mesmo eliminação das raças consideradas inferiores, que se converteu em prática avançada do darwinismo social – a eugenia -, cuja meta era intervir na reprodução das populações. O termo “eugenia” foi criado por Francis Galton em 1883. Ele buscava provar, a partir de um método estatístico e genealógico, que a capacidade humana era função da hereditariedade e não da educação, visando um maior equilíbrio genético através da identificação precisa “das características físicas que apresentavam grupos sociais indesejáveis”. Este aparato científico tornou-se fundamento para o desenvolvimento de um racismo de caráter político. A palavra “racismo” parece ter sido introduzida na Inglaterra no final dos anos 30, para identificar um tipo de doutrina que, em essência, afirma que a raça determina a cultura.

Por racismo entendemos a aplicação de decisões e políticas em função da raça com o propósito de subordinar um grupo racial e manter o controle sobre este grupo (...). Prevalece um sentimento de grupo associado a uma posição superior: os brancos “são melhores” que os negros e, portanto, os negros devem estar subordinados aos brancos. Esta é uma atitude racista e ela impregna a sociedade a nível individual e institucional, camuflada e abertamente. (CARMICHAEL e HAMILTON, 1967, p.19-21) .

Os modelos deterministas raciais foram bastante populares, em especial no Brasil, até os anos 30. Aqui se fez um uso inusitado da teoria original. O modelo racial servia para identificar as diferenças e hierarquias, mas, feitos certos rearranjos teóricos, não impedia pensar na viabilidade de uma nação mestiça. A interligação entre raça e classe passou aqui, a ser um instrumento analítico,

(...) que permite a Gilberto Freyre tecer a proposta da metarraça, e da democracia racial e permite, também, Octávio Ianni declarar a questão racial como falso problema. Ou, ainda, a dialética marxista-gramiciana-sartreana de Fernando Henrique Cardoso e o estrutural-funcionalismo de Carlos Alfredo Hasenbalg conduziram ambos os autores a uma mesma conclusão: o caráter político do preconceito racial. (FRANCISCO, 1998).

Essa forma de pensar o negro é a base da recriação do racismo à brasileira, que propõe o controle da mobilidade de classe e a ideologia racista de direção de classe, como política racial. Ocorre um esforço no sentido de despolitizar as relações e as diferenças de classe. Nesse sentido, “a miscigenação racial é uma narrativa – defendida tanto por Viana, como por Freyre – e é institucionalizadora da política racial de controle da mobilidade de classe e na ideologia racista de direção de classe”. (FRANCISCO, 1998). Sob esta perspectiva, as elites queriam tomar o Brasil como herança (patrimônio) e a si mesma, como herdeira do colonizador lusitano, conformado com uma nova nação, que dirigida por esta elite, unificaria todas as raças em termos políticos, ideológicos e culturais. Nesta imposição, as particularidades étnico-culturais e de classe do negro (como grupo social, econômica e politicamente desvalorizado) e, as do branco (como grupo econômica, social e politicamente valorizado), são mascaradas. Pois através de um discurso identitário de mestiçagem e sincretismo cultural de homogeneização, que unificaria todos os brasileiros, falar em negro, em racismo, tentar afirmar e organizar-se etnicamente, consistiria em extremismo, que colocaria em risco a unidade territorial e o ideal de nação que prevê um futuro com uma população racialmente homogeneizada, uma meia raça (meta-raça). Esses ideais de identidade nacional, unidade política e homogeneidade racial encontraram sua síntese no Estado Novo, que, após o golpe de 37, serão encontrados nos discursos de Getúlio Vargas.

O crescimento da participação política dos trabalhadores e dos estratos médios, apesar de acirrar a luta de classes, defrontar-se-á com um Estado preocupado em construir uma identidade nacional, um projeto de desenvolvimento para a Nação e que combina com a tentativa de controlar e administrar conflitos e contradições sociais. Assim, o pensamento racista e etnocêntrico objetiva normalizar as relações raciais, através da estimulação de políticas de miscigenação que possibilitem a ascensão de talentos não-brancos, engendrando a democracia racial. Desta forma é que se desdobram as ações políticas de Vargas no sentido de proteger o trabalhador nacional, criando o Ministério do Trabalho e estimulando a criação normatizada de sindicatos de representação profissional. “Essas ações mascaram, efetivamente, o objetivo de despolitizar as conflitivas relações sociais e raciais – além de explorar a divisão racial e os conflitos étnicos-nacionais existentes no seio do proletariado”. (FRANCISCO, 1998). E ainda,

(...) esse modo de ver o negro e o mulato (excluídos como diferença absoluta ou incluídos como seres assimiláveis e diluíveis em termos raciais e culturais) é etnocêntrico porque a homogeneidade racial e cultural é meta a ser alcançada: isto tem um significado: não admite que o povo possa ser ou vir a ser unido ou unitário, mantendo a pluralidade racial e culturalmente. (FRANCISCO, 1998).

Um segundo modo de ver o negro no Brasil, baseado em uma reflexão e estudos científicos, desdobra-se em três correntes principais: historicista e funcionalista, estrutural-funcional e de tradição marxista. Todas elas, abordam a concepção do negro ou mestiço, como indivíduo de cor, isolado social e politicamente e como ser sem história, numa abusiva identificação, pela qual o negro é igual à raça e raça é igual à cor. A experiência coletiva do negro, enquanto grupo étnico-cultural que luta pela vida, recria e reelabora sua identidade não é levada em consideração. Ocorre ainda, a crença na democracia racial que, embora ainda inexistente, seria um ideal desejado. Reduz a concepção de classe social ao econômico (estruturalmente ou de mobilidade social). Aborda uma concepção a-histórica e a-crítica do preconceito de cor, deduzindo o preconceito da divisão social do trabalho, da riqueza e do poder, na sociedade capitalista, dispensando o questionamento sobre quem discrimina e quem é discriminado.

Uma outra forma de ver o negro no Brasil, surge nos anos 70, ordenada por lideranças religiosas e culturais negras e por cientistas sociais que não aceitam ver o negro apenas como um ser dilacerado pelas contradições sociais, pela discriminação e que rejeitam o olhar sobre o negro como ser humano que poderia ser subsumido à própria cor. Sob este modo de ver, o negro foi e é sujeito de sua história e de seu destino e da possibilidade de destinação. O negro, apesar de imerso em condições sócio-econômicas e políticas adversas, logrou preservar, reelaborar e sustentar sua cultura e desdobrar a herança africana (tradição é o que se entrega e se recebe). Isto deu possibilidade ao negro, coletiva e individualmente, de recriar e restabelecer no Brasil sua identidade humana. Essa identidade e a criação de traços de identificação orientam o afro-descendente no processo de afirmação e, em decorrência dessa afirmação, no processo de resistência e/ou de acomodação. Assim,

(...) as relações raciais têm de ser entendidas não como o resultado de qualidades biológicas, mas como o modo de os indivíduos em diferentes situações alinharem com aqueles que percebem como aliados, e em oposição a outros. A maneira como alinham depende de muitos fatores, e não exclusivamente de oposições políticas, interesses econômicos, crenças a respeito da natureza dos grupos sociais e outras circunstâncias gerais. Depende também das escolhas humanas, da liderança e da responsabilidade em situações críticas que marcam os princípios de novos períodos na história política. (BANTON, 1977, p. 18).

Nesse sentido, o negro constroe-se como parceiro da sociedade diferenciando-a, de modo que a brasilidade só ganha sentido ser for compreendida como diversidade cultural e pluralidade étnica. Encara-se o conceito de cultura como “o modo pelo qual um agrupamento humano se relaciona com o real – relacionamento esse que lhe outorga identidade”. (SODRÉ, 1988 / B: 156).

O conceito de cultura como modo de relação de um agrupamento humano com o real possibilita compreender o negro e o não-negro como seres que compartilham a igualdade dos que se fazem e se identificam como negro e como não-negro ao estatuir uma relação com o real ou afirmando-se homem, hominizando o mundo – ao mesmo tempo em que afirmam a diferença - insurgindo com diverso, sustentando a diversidade cultural como condição humana, universalidade que não apaga nem subsume a particularidade. (FRANCISCO, 1998).

Sob esta ótica, a existência da cultura negra e as ações do negro brasileiro, construindo sua identidade, afirmação política e revelando-se como sujeito social é possível de reconhecer. Torna-se mais compreensível a universal troca de experiências entre os seres humanos, de diversas etnias, trocas que não implicam em sincretismo ou hibridismo cultural, mas em permutas selecionadas de experiências, que alimentam e enriquecem a experiência dos seres humanos em sua manifesta diversidade. Entendendo por etnia “o grupamento humano que, para além de suas características biológicas e físicas, tem uma base histórica, social (ou coletiva) e cultural comum e compartilhada”. (FRANCISCO, 1998).

3 MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO

Entende-se por movimento negro:
Um conjunto de esforços políticos de organização social e cultural dos negros ou dos afro-brasileiros, que abrange as associações civis como a Frente Negra Brasileira (1931/37) ou o Movimento Negro Unificado (1978) ou, ainda, Geledés – movimento das mulheres negras, criado em são Paulo, em 1988, inspirado na tradição de organização político-religiosas das mulheres iorubanas; as Instituições Religiosas (Comunidades-terreiro de Umbanda e de candomblé, como a Federação espírita-Umbandista do Estado de Minas Gerais (1955), as instituições civis representativas de comunidades-de-terreiro (INTECAB – Instituto nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira, fundado em 1987, em Salvador) e as instituições culturais (escolas de samba, blocos-afro, afoxés, maracatus). (FRANCISCO, 1998).

O Movimento Negro brasileiro é diretamente ligado à retomada do movimento dos trabalhadores, movimento social feminista, movimento pró-indígena e movimento dos homossexuais.

Por consciência negra e Movimento Negro entende tratar-se da firma oposição ao racismo e a todas as formas de opressão, consubstanciada na busca coletiva de uma nova sociedade. Significa a compreensão de um novo cidadão negro, que deveria assumir sua condição racial, combater o racismo, valorizar sua origem africana e que, para além de sua particularidade, deveria convidar todos os brasileiros para a transformação geral da sociedade. (MANIFESTO PELO 20 DE NOVEMBRO, Belo Horizonte mimeo, 1980).

Atualmente, o Movimento Negro mantém reivindicações que a comunidade negra vem fazendo há mais de 100 anos. Reivindica o pleno reconhecimento da cultura negra, sua religião, monumentos e sítios históricos referentes à comunidade negra, revisão dos currículos escolares, a valorização do negro na História (considerada distorcida), inclusão do estudo da História da África e uma educação anti-racista – que não leve o negro a negar sua identidade pelo branqueamento cultural. Ganhou sua legitimidade, conseguindo ver atendidas algumas de suas reivindicações.

Legitimado na sociedade brasileira, o Movimento Negro, ao mesmo tempo em que reafirma e atualiza a identidade do negro ou do afro-brasileiro, propõe avanços no rumo da superação do racismo e contribui, decididamente, para o aprofundamento da democracia, participando do esforço coletivo de diminuir a desigualdade e ampliar a justiça social. (FRANCISCO, 1998).

4 RACISMO NA MÍDIA

Antes de partir para a análise comparativa das reportagens usadas como objetos de estudo, cabe aqui uma consideração sobre a mídia (neste caso jornalística) e sua influência como instituição social capaz de permear o racismo.

A mídia (especialmente o jornalismo) escreve sobre a história, referenciada nos fatos do cotidiano, valorizando arquivos, estatuindo continuidades ou descontinuidades que permitem constituir um discurso sobre algo. Não será o racismo arquivo e dispositivo ou equipamento que permite uma certa escrita sobre o negro ou o afro-descendente ? (FRANCISCO, 1998).

Seguindo esta visão, este trabalho analisa duas reportagens: a primeira, intitulada “O Que a Bahia Tem”, retirada da Revista Veja, de 09 de dezembro de 1998, da seção de Turismo, aborda a Bahia como “principal destino turístico do Nordeste, caldeirão cultural e grande exportadora de modismos(...)”. A reportagem, discorre sobre a Bahia, suas manifestações culturais, seu povo, sua natureza, suas políticas de fomento ao turismo, com um enfoque voltado para o consumidor (turista), com um intuito de “vender o Estado” como um produto turístico para este consumidor, aparentemente enaltecendo as supostas “qualidades” baianas. As principais frases com teor racista e estereotipado em relação ao negro, ao baiano e à cultura afro-brasileira estão grifadas na reportagem. No primeiro e segundo parágrafos da reportagem, nota-se uma abordagem que enxerga o afro-descendente, o baiano e suas manifestações culturais (como sua religiosidade, por exemplo), com vocábulos altamente desrespeitosos e estereotipados: mistérios, magia dessa terra, rufar dos tambores, rebolado, festa baiana, sedução baiana, ritmos e cores, exotismo, simpatia. Refere-se à Bahia como um tabuleiro onde qualquer um pode fartar-se... Tudo muito bem misturado, como as raças e as religiões que ali convivem, e servido por uma gente alegre e cordial, que chama qualquer desconhecido de meu rei ou minha linda. Percebe-se aqui, uma referência à falsa idéia de democracia racial, explicada na primeira parte deste trabalho, seguida por um modo infantilizador de enxergar o baiano (gente alegre e cordial que chama qualquer um de meu rei e minha linda). Nota-se ainda a falta de respeito em adotar a Bahia como um lugar onde qualquer um pode se fartar. Tentando, com fracasso, enaltecer o povo baiano, prossegue dizendo ser ele que dá vida e esse Estado, que já seria suficientemente convidativo se contasse apenas com seu litoral e as cachoeiras de sua chapada. Ou seja, a Bahia sem seu povo já é suficientemente atrativa (como pensar Bahia sem seu povo?). Prossegue dizendo sobre o baiano: dono de uma auto-estima sem igual no resto do país, e justifica com uma consideração simplista sobre a auto-estima do baiano, dizendo ainda que essa auto-estima é exibida, no sentido sutil de mania, de exibicionismo (“mania ou gosto de ostentação ou exibição”, de acordo com Ferreira ): ...pelo simples fato de ter nascido na Bahia, orgulhoso de sua cultura, o baiano sente prazer em exibi-la ao visitante. Aonde quer que vá, o turista estará em contato com seus ritmos e cores. Reduz a cultura do baiano à idéia de mania, fazendo alusão a ritmos e cores para camuflar a referência ao afrodescendente visto sob uma ótica de exótico, de apenas espetáculo.

Na segunda parte da reportagem, fala que férias em bons hotéis da Bahia voltou a ser um programa mais barato do que ir ao Caribe, justificando que por R$700,00 compra-se um pacote por período e acomodação semelhante a um para Cancun (México), para Porto Seguro. Cita ainda a opção um pouco mais cara e luxuosa (...) em dois dos melhores resorts brasileiros, ambos situados na Bahia, saindo por R$ 1500. Curioso observar, que a maioria da população brasileira (ou seja, que não é a elite), formada por trabalhadores assalariados, entre eles, afrodescendentes, que não possuem condições financeiras, em sua maioria, para realizar esse tipo de turismo. Isto implica que a reportagem é destinada a uma elite branca de classe social elevada, utilizando o afrodescendente e também o baiano, como atrativos turísticos potenciais para esta elite, de forma estereotipada, desrespeitosa e que transforma uma cultura exclusivamente em show, em produto para turista (branco e rico) ver. Dentro desta perspectiva, a reportagem segue falando sobre ações políticas para fomento do turismo em Salvador, citando a reforma do Pelourinho: era uma das maiores áreas de prostituição da cidade (...) hoje abrigam lojas (as antigas residências), consulados, restaurantes e bares. (...) o principal ponto turístico e mais badalado agito noturno da cidade. (...) lugar seguro, onde os turistas costumam passear sem correr o risco de serem assaltados. Sem esquecer que o turismo também possui impactos positivos para uma comunidade (geração de renda, empregos, impostos, etc.), este trabalho aborda o enfoque preconceituoso e excludente que opera sobre o afrodescendente na mídia (nesse caso, na revista). Nota-se que a jornalista não faz referência à participação do baiano no processo de formação destas políticas de fomento ao turismo. E, quando a faz, cita os agentes sociais da seguinte forma: em relação ao trabalho social desenvolvido por Carlinhos Brown na favela do Candeal: jovens de classe média se equilibram em meio aos moradores dos barracos nos ensaios da banda Timbalada. (..) é uma idéia do padrinho dos timbaleiros, o cantor performático Carlinhos Brown, ele próprio um produto multicultural tipicamente baiano. Graças a iniciativas como essa, a Bahia é capaz de produzir em escala industrial ritmos e grupos musicais que se transformaram no principal produto local. Percebe-se a minimização do sujeito social, encarado como um produto, reduzindo a cultura baiana e afrodescendente a ritmos, grupos musicais que são produtos. Interessante observar as considerações da jornalista sobre o preconceito racial na Bahia: Como em todo o Brasil, na Bahia existe um profundo preconceito racial. É um preconceito mascarado pelas festas e manifestações de sincretismo religioso, que dão a quem chega a falsa impressão de total congraçamento de raças e classes sociais. Inicia a frase como que justificando a existência do preconceito como uma coisa natural no Brasil. Depois, utiliza um discurso baseado em uma justificativa que procura amenizar o preconceito na Bahia, finalizando com uma abordagem que coloca o turista (branco) como único observador que vivenciará uma falsa democracia racial, como algo externo enquanto condição de turista, e, como externo, não responsável por essa falsa democracia racial. Continua assim: A diferença entre ser negro na Bahia e em outras regiões do Brasil é que, lá, o tambor, a dança, a música e outras manifestações culturais têm servido como um forte meio de ascensão social e são elementos que contribuem para o sentimento de satisfação do negro consigo mesmo. Como as manifestações atuais da cultura africana são assimiladas por todo o mundo, até mesmo em outros Estados, há um reforço ainda maior do orgulho de raça exibido por muitos grupos negros baianos. Perceba a confusão entre cultura afrobrasileira, cultura africana (atual?), identidade do negro reduzida a tambor, dança e música. Além disso, observa-se que em nenhum momento da reportagem utiliza-se uma fala de um afrodescendente baiano sobre esse suposto sentimento de satisfação do negro e esse orgulho de raça.

Enfim, a reportagem segue com essa mesma visão etnocêntrica, de um racismo cordial camuflado em cultura afro-brasileira como atrativo turístico. Quando ocorrem citações de autores sociais, só aparecem falas de políticos, pertencentes à elite. E finaliza assim: São essas peculiaridades que tornam a Bahia uma espécie de universo paralelo dentro do Brasil. E um paraíso para os turistas.

A segunda reportagem, intitulada “Salvador (BA): uma cidade movida a sol”, foi retirada do caderno Especial Turismo (Intitulado: “Encantos Capitais: um passeio pelos cenários naturais e pela beleza do patrimônio histórico de 13 capitais brasileiras”), da Revista Isto É, de 06 de julho de 2005. A Revista Isto É, trata-se de uma publicação semanal, produzida em São Paulo, distribuída exclusivamente em bancas para todo o Brasil e também para Portugal, através da Vasp Distribuidora de Publicações em Queluz (Portugal). No Brasil, é vendida a R$ 6,90 (preço em julho de 2005). A reportagem procura abordar, resumidamente, os atrativos turísticos de Salvador, citando para o turista “O que fazer” e “Aonde ir”, também com intuito de “vender” a cidade para este consumidor turístico. Seguindo a mesma linha racista da reportagem anterior, de 7 anos atrás, inicia-se assim: Salvador, terra de todos os santos, do sincretismo religioso, da beleza da democracia racial e do poder de sedução (...). Resume os atrativos turísticos da Bahia em atrativos naturais, gastronômicos, monumentos históricos e manifestações culturais, sem, em nenhum momento, fazer referência aos agentes sociais produtores desta cultura, que convivem neste ambiente, resumindo o turismo unicamente a uma atividade de consumo, e o turista, a um predador e consumidor alienado, que não reconhece e interage com a comunidade local.

5 CONCLUSÃO

O racismo institucionalizado no Brasil é escancarado nas atitudes cotidianas, nos gestos, na mídia – outra instituição social. O processo de construção de uma suposta democracia racial, formada pela miscigenação, acabou por despolitizar os grupos de minorias - étnicas ou não –, sendo assim, estratégia de controle político na luta de classes pela igualdade de mobilidade social e respeito às diferenças. Dizer que o Brasil é o país da democracia racial é, no mínimo, alimentar o racismo e a desigualdade, camuflando-os.

O Movimento Negro brasileiro tem buscado, com alguns sucessos, através da luta político-social, ações que acabem com o racismo, ou que no mínimo, permitam uma mobilidade social e igualdade entre negros e não-negros.

É preciso que a mídia, o governo, as instituições privadas, ONGs, universidades, escolas públicas e privadas, a comunidade em geral, discutam soluções para o problema da desigualdade racial e de classe no Brasil, de uma forma não-racista, que venham de lideranças internas das comunidades de identidade afrodescendente, em um espaço de discussão que não seja permeado apenas por uma elite brancarana de interesses racistas e de controle político. Nesse sentido, diferença não pode ser encarada como desigualdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANTON, Michael. A Herança Intelectual. In: BANTON, Michael. A idéia de raça. Lisboa: Edições 70, 1977. Cap. I, p.11-23.
FRANCISCO, Dalmir. Imprensa e Racismo no Brasil (1988/1998): a construção mediática do negro na imprensa escrita brasileira. Rio de Janeiro: UFRJ / ECO, 2000, 280p. il. Tese. Doutorado.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala – formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.
SALVADOR (BA) – uma cidade movida a sol. Revista Isto É, São Paulo, 06 de jul. 2005. Especial Turismo, p. 69.
SCHWARCZ, Lilia Mortiz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Editora Schwarcz, 1995.
SETTI, Adriana. O que a Bahia tem. Revista Veja, São Paulo, p. 106-118, 09 dez. 1998.
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida. Rio de Janeiro: F. Alves, 1988.
VIANA, Oliveira. Evolução do povo brasileiro. São Paulo: Editora Nacional, 1933, p. 154,155 e 160.

Comentários

  1. Como eu posso obter a reportagem mencionada?
    Gostaria de saber também se o autor tem interesse em colaborar em um documentário que estou produzindo (fase de planejamento), mas cujo teor é o racismo contra os nordestinos, que, embora possuam um perfil racial definido, este não é tão marcante quanto aquele que caracterizam o negro como raça. Os nordestinos, cafuzos ou caboclos, são hoje em dia completamente excluídos de todos os meios de comunicação de massas e a sociedade brasileira, que já avançou positivamente em relação ao problema dos negros, embora em escala minúscula, esconde os nordestinos. Há negros em comerciais de bancos ou do governo. Há negros no horário eleitoral (apresentadores, além dos candidatos). Há negros em papéis de qualidade na produção áudio-visual brasileira, inclusive em novelas de TV.
    Mas não há nordestinos. Em nenhum meio.
    Não sou nordestino, embora seja descendente, com muito orgulho.
    A idéia de fazer o documentário me ocorreu logo que constatei que milhões de brasileiros são invisíveis.
    Gostei muito do teu blog e me sentiria muito honrado em poder trocar idéias contigo. Não tenho tua bagagem acadêmica mas sou esforçado e gosto de ler.
    Com esperança e simpatia me despeço,

    Romeu Lourenção Neto

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    Respostas
    1. Oi Romeu, estive um tempo sem atualizar o Blog e só agora (muito tempo depois da sua postagem vi seu comentário). Tente consultar os sites das revistas Isto É e Veja (ou pesquise no Google) a partir dos títulos das reportagens e datas mencionadas no texto. Agradeço o convite para a realização do vídeo documentário e sua participação aqui no Blog também! Desejo sucesso no desenvolvimento do vídeo-doc! Abraço!

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