jump to navigation

La Intrusa [A intrusa] 13 outubro, 2008

Posted by Alysson Amorim in Uncategorized.
trackback

La Intrusa é um conciso conto no qual Borges demonstra com a própria pena a tese por ele sustentada de que uma obra prima não exige muitas páginas.

Não resumirei aqui o enredo da já curta narrativa, o que seria um crime. Apenas aponto, para me tornar compreensível, que se trata da história de dois irmãos, genuínos vikings portenhos (Borges se deliciava com as sangrentas narrativas nórdicas) unidos por um laço de fraternidade viril. Entre eles se interpõe uma intrusa, a prostituta Juliana Burgos, pela qual ambos desgraçadamente se apaixonam (e apaixonar-se, para homens tão viris, constitui-se motivo de vergonha).

A crítica interpretou o conto como homossexual, o que me parece uma distorção. Nada há de infame, é claro, no fato de uma obra literária ser homossexual – Tônio Kroger, novela de Thomas Mann, o é confessadamente, o que não a torna menos primorosa. Ocorre que não é a homossexualidade que define o destino do triângulo amoroso de La Intrusa, e sim uma dificuldade em parte universal e em parte latina de conciliação entre mundos tão radicalmente diferentes como o masculino e o feminino. A incomunicabilidade entre esses dois universos, cuja melhor expressão artística que conheço encontra-se não na literatura, mas no cinema (na obra monumental de Michelangelo Antonioni), é levada ao extremo nesse conto de Borges.

Os dois irmãos dividem Juliana como dois amigos repartem uma garrafa de vinho; entre eles a moça não passava de “una cosa” a ser consumida. Apaixonar-se por uma mulher era um pouco mais que vergonhoso: “en el duro suburbio, un hombre no decía, ni se decía, que una mujer pudiera importarle, mas allá del deseo y la posesión, pero los dos estaban enamorados. Esto, de algún modo, los humillaba.” [No duro subúrbio, um homem não dizia, nem sequer para si mesmo, que uma mulher pudesse importar-lhe, além do desejo e da posse, mas os dois estavam apaixonados. Isto, de algum modo, humilhava-os]. Aquela paixão minava silenciosamente os laços fraternos – Caín andaba por ahí – e deveria ser afastada para que voltassem “las trucadas, al reñidero, a las juergas casuales” [as trucadas, as rinhas, os jogos casuais]. Uma mulher é capaz de danar irreversivelmente o universo masculino e seus interesses.

Davi, que aparece na epígrafe do conto de Borges declamando seu amor fraterno a Jônatas, “mais caro do que o amor das mulheres”, tempo depois de declará-lo, compra a filha de Saul, Mical, por “cem prepúcios de filisteus” (não há no universo paga mais covardemente masculina), retirando-a de seu marido, que chorou frouxamente a perda da esposa. Também aos olhos de Davi, “um homem segundo o coração de Deus”, mulheres não logravam ser mais do que cartas de baralho ou dados no tabuleiro.

Em um ponto luminoso da história, do ventre de uma mulher imaculada, nasceu aquele que “como nenhuma outra figura masculina da Antiguidade ocidental – seja no domínio da realidade ou da ficção – sentiu-se mais à vontade entre as mulheres.” [1] Ele sentava-se desembaraçadamente entre elas, fundia dois universos distintos sem demasiado esforço, comunicava onde a incomunicabilidade parecia imperativa – ele demonstrava uma coragem que nenhum guerreiro viking demonstrou.

[1] Paulo Brabo, na Bacia das Almas

Comentários»

1. rubens osorio - 13 outubro, 2008

Manter a virilidade e tratar as mulheres como elas gostariam de ser tratadas é um desafio! E tanto!!!

2. Roger - 13 outubro, 2008

Alysson,

sempre nos inspirando e desafiando!

mada mais,

Roger

3. Janete Cardoso - 13 outubro, 2008

Uma intrusa entre dois irmãos? E teve que ser sacrificada porque minava o relacionamento dos dois? 😦 hunf! Bem disse Nelson Rodrigues: “só as mulheres pecam” 😛

4. Felipe Fanuel - 16 outubro, 2008

Alysson,

Excelente ensaio!

O parágrafo final me surpreendeu… Como sempre, nós, homens, estamos buscando um referencial que salve a masculinidade. Para os cristãos que somos, é fácil. Apela-se para Jesus, o homem ideal… Não é à toa que minha professora de Teologia Feminista disse que as teólogas consideram esta busca pelo Jesus histórico uma revelação da recorrente crise máscula. (Este seu texto, Alysson, é a prova disso!)

Um abraço.

5. Clarissa Marinsek de Castilhos - 31 julho, 2011

Realmente nada existe de homossexual neste conto.
Qualquer análise seja literária ou até mesmo psicanalítica é passível de entendimentos tendenciosos, defendendo este ou aquele pensamento.
O que vale mesmo é a perversidade e a lascividade desta triangulação
que privilegia o desejo animal e coloca o homem e a mulher num universo sem palavras, instintivo do inicio ao fim, onde o que perturba
deve ser eliminado. Dentro dos nossos conceitos e preconceitos, desde que o homem se entende simbólico, alguém deve ser julgado e
punido. Nada de fazer apologias a favor desta ou aquela maioria ou minoria da raça humana. No momento vale constatar o que é absurdo
para nós, ainda. A verdade é absoluta sempre privilegiando a relatividade fenomenológica do que acontece. E assim tudo se torna
cabível na mente humana. A capacidade de suportar a dor, física ou mental varia de acordo com o mundo fantasmático de cada um.Sugiro,
portanto, menos especulações e mais sentimento nas críticas sobre este conto.
Um abraço. Clarissa ( clarissamarinsek@gmail.com)

6. Clarissa Marinsek de Castilhos - 16 setembro, 2011

Parece que ninguem se habilita a falar sério.Tudo tornou-se efemero.O p róprio conto em questão já teve seu momento na mídia. Agora basta, abra espaço para outro que o carrossel do descartável não pode parar.
Já perdeu a vez.
Abraço, Clarissa


Deixe um comentário