Contrato administrativo. Boa-fé. Proibição de venire contra factum proprium. Diferença entre revisão e reajuste.

Caros leitores, já examinei diferentes causas, contudo no blog tenho procurado colocar post sobre sentenças que já foram examinadas na superior instância. Acho legal colocar a sentença e o recurso da sentença porque isto  transmite um panorama interessante do caso. Particularmente, gosto de acompanhar o julgamento dos meus casos na superior instância, através do diário eletrônico e a minha maior satisfação é ver que um caso que julguei não demorar três meses para ser pautado e julgado. Este, sem dúvida, é um dos casos. Chegou no final de 12/2010 e em 03/2011 o acórdão já havia sido publicado.

Aproveitando para dar umas dicas, digo o seguinte: o relatório é muito peculiar. Tem juiz que fala em 1ª ou na 3ª pessoa. Utiliza-se o trata-se ou cuida-se de ação disso e etc. Particularmente, gosto de utilizar na 3ª pessoa e na forma direta. Gosto de fazer um relatório mais detalhado porque facilita na hora de concatenar as idéias no momento de decidir. Existem colegas que fazem um relatório mais sucinto, mas não há problema nenhum, desde que as questões sejam enfrentadas na sentença.  Outra questão é que gosto de dissociar as alegações de fato da de direito. Agora, isto nãoo é uma regra perempetória porque quando se está diante de uma demanda meramente de direito é melhor juntar tudo.

Assim, no meu modelo, a minha introdução é a seguinte:

– nome das partes

– ação sob o rito ordinário, sumário e etc. (faço observação que o termo correto seria demanda, pois a ação é o exercício do direito constitucional, contudo utilizo o vocábulo por estar consagrado)

– “requerimento de antecipação dos efeitos da tutela” (não gosto de utilizar pedido porque pedido é utilizado para significar o “bem da vida” enquanto o requerimento se referem a demais coisas)

– adoto a expressão “em face” porque o direito de ação é exercido perante o Juízo que repercute na esfera de alguém (evito usar perante o juízo porque já está subtendido)

– por fim, faço um resumo do que a parte pediu

A causa hoje versa sobre contrato administrativo, a distinção da figura da revisão e da repactuação e etc. A sentença foi de improcedência, sendo mantida em grau de recurso pelo TRF da 5ª Região.

Chega de conversa. Segue a sentença:

XXX ajuizou ação ordinária em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL visando o seguinte: 1) a repactuação da contratação vigente entre as partes, referente aos períodos anuais de agosto de 2001 a janeiro de 2005 e de janeiro de 2005 a janeiro de 2006; 2) o repasse de R$ 14.798,73 relativo ao período da contratação correspondente a julho de 2006 a 15 de agosto de 2006, data final da contratação, devidamente corrigido.

Afirmou, em síntese, que: 1) venceu licitação na modalidade pregão nº 008/2001 – GISUP/SA realizada pela ré para prestação de serviços de transporte, recolhimento, suprimento, tratamento, preparação, custódia, guarda e emalotamento de valores para as unidades da CAIXA no Estado de Sergipe; 2) firmou contrato de nº 02022/2001 vigente desde o ano de 2001, sem que até a presente data tenha havido repactuação contratual, o que contraria a Lei 8.666/93 no que tange à manutenção das condições efetivas da proposta, bem como disposição contratual expressa.

Com a inicial, junta documentos. (f. 58-526)

Antecipação dos efeitos da tutela indeferida. (f. 527)

Citada (f. 534), a Caixa Econômica Federal apresentou contestação (f. 536-575), alegando que: 1) a repactuação não constitui um reajuste automático e que o ato deve ser devidamente motivado, com fundamentação pormenorizada e clara, acompanhada de planilha de custos e documentos que comprovem analiticamente o aumento de custos, exigência esta não cumprida pela parte autora nas solicitações administrativas apresentadas; 2) a repactuação com base no Acordo Coletivo somente poderia retroagir até a data-base da categoria, que segundo a ré foi fixada no acordo em 1º de maio de 2005 e não 1º de janeiro como afirma a autora, caso o pedido de repactuação fosse feito até 60 dias após ser firmado o acordo. Não sendo assim, a data da repactuação deve ser a de entrada do pedido na CAIXA. Além disso, alegou que após pesquisa realizada pela CETES – Gestor Operacional do contrato junto a outros bancos (Brasil e Bradesco) houve manifestação desfavorável à repactuação para os Municípios de Estância, Lagarto, Tobias Barreto, Propriá e Simão Dias; 3) em 22/03/2006, enviou correspondência para a autora apresentando sua contraproposta, que não foi aceita pela contratada, em razão da não retroatividade e da não aplicação do percentual aos municípios acima citados.

Em réplica (f. 578-611), a autora refutou a alegação da ré de que estaria inovando a
sistemática de reajustamento. Afirmou que a CEF não apresentou à contratada os métodos indexadores e referenciais utilizados na pesquisa que concluiu pela ausência de direito à repactuação, além de não ter se manifestado sobre as condições propostas pela autora. Por fim, alegou que a ré equivocadamente tratou do pedido de repactuação como pedido de revisão, o que gerou ausência de contestação quanto ao mérito da lide.

Nas f. 618-619 dos autos foi determinada a realização de perícia contábil a fim de definir os preços praticados no mercado para a prestação dos serviços objeto do contrato.

O perito judicial nomeado apresentou proposta de honorários (f. 631-632) que foi impugnada pela autora (f. 646-648), sendo então nomeada nova perita (f. 685) que apresentou laudo pericial, acostado às f. 719-813.

Intimados sobre o laudo pericial, a autora apresentou quesitos complementares (f. 824-825) e a CEF apresentou manifestação (835-839). Nas f. 847-851, a perita do juízo respondeu aos quesitos complementares formulados pela autora. Intimadas sobre o laudo complementar, ambas as partes quedaram-se inertes (fl.865).

Em decisão (f. 867-870), foram definidos os pontos incontroversos e os controvertidos, determinando-se a complementação da perícia de acordo com os parâmetros ali fixados.

Nas f.873-875, a perita reformulou a proposta de honorários advocatícios e informou a documentação necessária para responder aos quesitos complementares, no que houve concordância da autora (f. 889-890).

Laudo pericial complementar (f.903-964).

Intimada sobre o laudo (f.969), a CEF reitera que o contrato não prevê reajuste, mas somente repactuação tendo havido confusão da perícia, o que tornou inconsistente o laudo. Já a autora afirmou que não cabe discussão sobre o percentual de reajuste, que já teria sido aceito pela CEF como 60,08%. Alega que comprovou, com a documentação pertinente, os aumentos dos insumos ocorridos durante a vigência do contrato, e que tais índices são aplicáveis tanto aos serviços
urbanos quanto aos interurbanos, apresentando quesitos suplementares (f.979-983).

Indeferida a apresentação de novos quesitos, por já restar precluso o direito da autora de elaborar questionamentos à perita.

Verificada a ocorrência de equívocos no laudo pericial, foi determinada a intimação da perita para adequá-los aos parâmetros da decisão de f. 867/870.

Elaborado novo laudo (f.1003-1056), as partes forma intimadas para se manifestarem.

A CEF ratificou o conteúdo das manifestações anteriores de 25/07/2008 e 04/03/2010 no que se refere a questões específicas relativas à repactuação de preços mencionada através do laudo pericial. Com relação ao laudo complementar, afirmou não ter conhecimento do acordo pactuado que fixou em 60,08% o percentual para variação de valores das apanhas urbanas e para os Municípios de Maruim e Itabaiana, como também dos percentuais apresentados para reajuste das apanhas dos demais municípios e para os serviços de preparação de milheiros de cédulas/moedas.

Intimadas para apresentar suas razões finais, a CEF ratificou, in totum, os termos de sua defesa, ressaltando a ausência de provas que justifiquem a pretensão autoral, pugnando pela improcedência do pedido (f.1081-1082). A autora, por seu turno, também ratificou o conteúdo das manifestações anteriores, requerendo a procedência da ação (f.1086/1089).

É o relatório. Passo a decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

(…)

Sem preliminares, examino o mérito.

2.1. Mérito

A questão de mérito consiste em examinar se parte autora possui direito à repactuação do contrato firmado com ré em 2001 para prestação de serviços de transporte, custódia e emalotamento de valores para as unidades da CAIXA no Estado de Sergipe e, em caso positivo, a partir de quando seria devido o reajuste.

Para tanto, é mister examinar os seguintes pontos: 1) a distinção entre reajuste e revisão; 2) se estão presentes os requisitos; 3) a partir de quando é devida a repactuação.

Inicialmente, destaque-se que embora ambas as partes sejam pessoas jurídicas de direito privado, a relação jurídica sub judice submete-se ao direito administrativo, considerando que a CEF, empresa pública federal, integra a administração indireta federal e está obrigada, por força de norma constitucional e da Lei 8666/93, a realizar licitação para celebrar contratos de serviços fora de sua atividade fim. A propósito, transcrevo os artigos da CF/88 e da Lei 8.666/93 que prevêem a necessidade de licitação.

CF/88, Art. 37.  A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

(…)

III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Lei 8.666/93, Art. 1o Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Parágrafo único.  Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Por outro lado, antes de analisar os fatos que fundamentam a demanda, é necessário por termo na discussão acerca dos institutos jurídicos de revisão, reajuste e repactuação dos contratos administrativos, que embasam a pretensão autoral.

Como é sabido, vários fatores podem alterar o equilíbrio do contrato, impondo a uma das partes obrigação por demais onerosa e tornando quase inexeqüível o objeto contratual. Tal desequilíbrio é ainda mais freqüente em contratos de longa duração ou de prestações sucessivas, por se prolongaram no tempo.

Atento a tal situação, o legislador criou diversos institutos com vistas a reequilibrar as obrigações impostas às partes. Entre eles, destacam duas espécies de instrumentos de reequilíbrio contratual, quais sejam: 1) a alteração que decorre de fatos previsíveis, e que pode ser realizada por meio de fixação no contrato de índices de correção ou através de análise efetiva de aumento de custos; 2) a alteração que decorre de fatores imprevisíveis ou de previsíveis, mas de conseqüências incalculáveis.

No que tange à alteração decorrente de fatores imprevisíveis ou de previsíveis, mas de conseqüências incalculáveis, entendo ser o caso de revisão contratual, em que exsurge o direito do contratado de revisar os termos do contrato, sempre que ocorram fatos imprevisíveis, tais como alterações unilaterais do contrato por parte da Administração, que comprometam o equilíbrio econômico-financeiro, onerando demasiadamente uma das partes.

Com relação aos fatos previsíveis, destacam-se os institutos do reajuste e da repactuação. Na lição de Lucas Rocha Furtado, assim é possível definir o reajuste:

O reajuste de preços está relacionado a variação dos custos de produção que, por serem previsíveis, poderão estar devidamente indicados no contrato. (…) As cláusulas que prevêem o reajuste de preços tem o único objetivo de atualizar os valores do contrato em face de situações previsíveis (…). A bem da verdade, o reajuste de preços deve ser visto como meio e reposição de perdas geradas pela inflação. [1]

Por outro lado, assim se define a repactuação:

Modalidade especial de reajustamento de contrato, aplicável tão-somente aos contratos de serviços contínuos, corresponde à denominada repactuação que se destina a recuperar os valores contratados da defasagem provocada pela inflação e se vincula não a um índice específico de correção, mas à variação dos custos do contrato.[2]

Em verdade, há na doutrina confusão acerca da nomenclatura aplicável a cada um
desses institutos (revisão, reajuste ou repactuação), confusão esta reproduzida nas manifestações de ambas as partes. Trata-se meramente de confusão terminológica, tendo em vista que, cotidianamente, ambos os termos são utilizados como sinônimos. Contudo, para análise da lide em comento, o que se faz necessário esclarecer é a natureza do reajuste pleiteado pela autora e qual seu o fundamento jurídico.

A lei 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, e que rege o contrato em tela, em seu art. 65 prevê:

Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

(…)

II – por acordo das partes:

(…)

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) (grifo nosso)

O contrato de prestação de serviços, por sua vez, prevê em sua cláusula sexta, parágrafo terceiro:

Parágrafo Terceiro. Com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, poderá ser promovida revisão contratual, desde que eventuais solicitações nesse sentido estejam acompanhadas de comprovação da superveniência de fato imprevisível ou previsível, porém de conseqüências incalculáveis, bem como de demonstração analítica de seu impacto nos custos do contrato. (grifo nosso)

Da simples leitura dos dispositivos acima, depreende-se que não é este o caso dos autos. A repactuação é, em verdade, um reajuste decorrente do aumento dos custos dos insumos envolvidos na prestação dos serviços, que exige previsão expressa no contrato, e não revisão contratual, baseada em fato superveniente e
imprevisível.

A lei 8.666/93, prevendo a possibilidade de estipulação deste tipo de repactuação no próprio instrumento contratual dispôs:

Art. 65.

§ 8o A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento. (grifo nosso)

Tal possibilidade foi ainda regulamentada pelo art. 5º do Decreto nº 2.271/97:

Art 5º Os contratos de que trata este Decreto, que tenham por objeto a prestação de serviços executados de forma contínua poderão, desde que previsto no edital, admitir repactuação visando a adequação aos novos preços de mercado, observados o interregno mínimo de um ano e a demonstrarão analítica da variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada.

Seguindo tal orientação, o contrato em tela previu tal a possibilidade de repactuação em sua cláusula sexta, parágrafo primeiro nos seguintes termos:

Parágrafo primeiro. Os preços propostos são irreajustáveis, admitindo-se, anualmente, repactuação, que deverá ter como parâmetros básicos, a qualidade e os preços vigentes no mercado para a prestação dos serviços objetos dessa licitação. (grifo nosso)

Verifica-se, portanto, que não existe qualquer óbice à possibilidade jurídica do pedido autoral. Ao contrário, existe autorização legal, e ainda, no caso concreto, previsão contratual da repactuação, razão pela qual passo analisar a plausibilidade do direito invocado.

Tratando do regime jurídico aplicável aos contratos administrativos dispõe o art. 54 da Lei 8.666/93, in verbis:

Art. 54.  Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.

A intelecção do dispositivo acima é  de que o direito administrativo não afasta a teoria geral dos contratos, mas estabelece uma ordem de preferência e de supremacia das regras publicísticas em detrimento do direito privado. A aplicação do direito privado será compatível para suprir omissões e desde que não seja contrária ao regime jurídico administrativo.

Embora silente a Lei 8.666/93, a boa-fé é aplicável para aferir a lealdade das partes antes, durante e após o contrato. Nos casos dos contratos administrativos, a
possibilidade de aplicação é mais evidente porque o regime jurídico administrativo reduz o espaço da autonomia privada, mas não chega a eliminá-la.

A jurisprudência admite a aplicação do princípio da boa-fé objetiva no âmbito do direito administrativo, seja como um aspecto da moralidade administrativa, seja como um princípio autônomo. Ressalte-se que esta última parece ser a opção do legislador que, após a Lei 8.666/93, editou a Lei 9.784/99 com o seguinte comando:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

(…)

IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

Neste sentido, é o escólio de Cláudio Ari Mello:

“Giacomuzzi mostra que o princípio da moralidade administrativa manifesta-se em uma dupla feição. Por um lado, ele tem uma expressão subjetiva a qual permite a punição de agentes públicos em face do elemento subjetivo da suas condutas. O dever de probidade administrativa e a punição da improbidade administrativa resultam dessa feição subjetiva da moralidade administrativa. Essa feição é muito semelhante à concepção de boa fé subjetiva tão comum no direito privado, que permite a sanção a atos caracterizados pela má-fé do agente. Por outro lado, o princípio da moralidade administrativa assume uma expressão objetiva quando implica a emergência de deveres de condutas decorrentes do telos especifico à administração pública, independentemente do elemento subjetivo das ações dos envolvidos nas relações jurídico administrativas. Essa feição objetiva da moralidade administrativa equipara-se à função moralizadora que o princípio da boa fé objetiva passou a exercer nas relações obrigacionais ao longo do século XX.
Ambos os princípios destinam-se a superar as insuficiências do princípio da legalidade e a resgatar o respeito à ética nas relações jurídicas.

A doutrina brasileira tem examinado a associação entre moralidade administrativa e boa fé, eventualmente afirmando que, no direito público brasileiro, o princípio da boa fé contratual é uma derivação do princípio constitucional da moralidade administrativa prescrito no art. 37, caput, da Constituição Federal. Juarez Freitas assinala que o princípio da confiança ou da boa fé recíproca nas relações de administração é “manifesto resultado da junção dos princípios da moralidade e da segurança jurídicas”. Essa mesma vinculação da boa fé, no âmbito do direito público, ao princípio constitucional da moralidade administrativa é encarecida por José Guilherme Giacomuzzi, para quem “da moralidade insculpida no art. 37 da Constituição Federal de 1988 se deve – não só, mas sobretudo – extrair deveres objetivos de conduta administrativa a serem seguidos, proibindo-se a contradição de informações, a indolência, a leviandade de propósitos”.

Os autores citados têm, a esse respeito, inteira razão. Vimos que a idéia de boa fé nas relações jurídicas em geral é resultado de um movimento de “remoralização” de negócios jurídicos no tráfico social, movimento esse que encontra sólido amparo normativo no cânone constitucional mencionado. Com efeito, o conteúdo das relações negociais não está limitado aos estritos direitos e deveres expressamente previstos na lei ou no instrumento contratual. Um contrato não é algo moralmente neutro nem é indiferente em relação aos valores éticos subjacentes à espécie negocial. Ao contrário, ele se deixa permear por exigências morais que determinam o surgimento de deveres de condutas destinados a fazer respeitar a confiança, a transparência, a lealdade a fidelidade e a honestidade da parte em face da outra parte e do próprio objeto contratual.

Entre os deveres objetivos de conduta¸ fundados na moralidade administrativa, Egon Bockmann Moreira, examinando a vinculação do princípio da boa fé à moralidade administrativa, cita os seguintes: 1) proibição do venire contra factum
proprium
(conduta contraditória, dissonante da anteriormente assumida, à qual havia se adaptado a outra parte, que tinha assumido legítimas expectativas); 2) proibição à inação inexplicada e desarrazoada, vinculada a exercício de direito, que gera legítima confiança da outra parte envolvida; 3) lealdade ao fator tempo (proibição ao exercício prematuro de direito ou dever; ao retardamento desleal do ato e à fixação de prazos inadequados); 4) respeito aos motivos determinantes do ato (imutabilidade das razões que o geraram); 5) dever de sinceridade objetiva (não só dizer o que é verdade, mas não omitir qualquer fato ou conduta relevantes no caso concreto, nem tampouco valer-se de argumentos genéricos ou confusos); 6) dever de informação, no sentido de não omitir qualquer dado relevante na descrição da questão controversa ou que possa auxiliar na sua resolução”.[3]

Neste sentido também, destaca-se a lição do Prof. Edilson Pereira Nobre Jr., atualmente Desembargador do TRF da 5ª Região:

“(…) a boa-fé, mesmo se ela é uma característica das relações entre particulares, exprime uma regra de honestidade aplicável para todos, no direito privado como no direito público. A mais forte razão à aplicação desse princípio é justamente necessária quando a Administração age em posição de supremacia, a fim de conter esta última nos limites da razão, da equidade e da justiça.

No particular da boa-fé, a justificativa para a sua recepção no seio do direito administrativo advém da sua qualidade de princípio geral do direito, de forma a ser possível o reconhecimento de que não se contém nos lindes do direito civil.

(…)

Feitas essas considerações, cabe descortinar quais as funções que a boa-fé poderá alcançar quando manejada perante os institutos do direito administrativo. Para tanto, não vislumbro incompatibilidade no transplante da operatividade funcional desenvolvida no direito privado. Absolutamente. Apenas se torna indispensável que tal se faça com a as adaptações necessárias, ditadas em virtude das peculiaridades do liame jurídico administrativo.

Não totalmente despreendido do direito administrativo, Fernando Sainz Moreno propõe, sem pretensão exaustiva, duas funções para o princípio da boa-fé no direito administrativo, consistente na qualidade de limitar o exercício dos direitos subjetivos, ou de poderes jurídicos (norma ordenadora de conduta), juntamente com a sua utilização como norte exegético.
Ideal que a tais relevantes papéis se acresçam o mister informador e, com o objetivo de contribuir para que seja traçada a fisionomia dos demnais institutos integrantes do sistema jurídico-administrativo, sem, para tanto, perde-se de vista o de integração, voltado para suprir a fala de normas necessárias à solução dos casos concretos”.[4]

O importante é que o parâmetro da boa-fé objetiva, ou seja, de conduta leal e honesta, respeitadora das expectativas legítimas, também incide no direito público, constituindo uma via de mão dupla a vincular a Administração e particular, com as adaptações necessárias.

Pegando de empréstimo a diretriz do direito privado, tem-se que a boa-fé significa
uma atuação refletida, pensando no parceiro contratual, respeitando os seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes.

A boa-fé objetiva não só constitui um paradigma de conduta das partes (as partes estão obrigadas a agir desta forma) como também de valoração de conduta das partes (o juiz deve valorar se agirem desta forma considerando as circunstâncias do caso concreto). Com efeito, não gera para as partes apenas o direito/dever em relação à obrigação principal, mas também submete os contratantes a deveres anexos, os quais, como já se disse, variam de acordo com a natureza de cada negócio jurídico.
No caso dos autos, o contrato foi firmado inicialmente em agosto de 2001, com um prazo de 24 meses, conforme f. 71-81 dos autos. Em agosto de 2003, foi celebrado o primeiro termo de aditamento ao contrato, prorrogando-o por mais 24 meses, sem qualquer alteração das condições estabelecidas inicialmente no contrato, inclusive o preço do serviço. O aditamento de f. 87-88 assim dispunha:

CLÁUSULA PRIMEIRA – DA PRORROGAÇÃO

A CAIXA E A CONTRATADA resolvem prorrogar em mais 24 (vinte e quatro) meses, a contar de 16/08/2003, o contrato originário, firmado em 16/08/2001, tendo por objeto o transporte, recolhimento/suprimento, tratamento/preparação, custódia/guarda e emalotamento de valores para as unidades da CAIXA no âmbito do estado se Sergipe.

CLÁUSULA SEGUNDA – DA RATIFICAÇÃO

Permanecem em vigor todas as demais cláusulas e condições estabelecidas pelo contrato original, salvo naquilo que contrariar o disposto no presente instrumento.

Durante o prazo de vigência do 1º aditamento, foi realizado um segundo, em 05/11/2003, somente para alterar a razão social da empresa autora (f. 90/91).

Findo o prazo da primeira prorrogação, as partes firmaram 3º aditamento em 12/08/2005 (f.94/95), dessa vez com a prorrogação do contrato por mais 12 (doze meses) e determinando-se um acréscimo de 25% do quantitativo do contrato, com
especificação do valor mensal a que corresponderia esse aditamento. Além disso, constou no referido termo uma cláusula que salvaguardou a possibilidade de repactuação, em conformidade com a legislação vigente:

CLÁUSULA QUARTA – DA REPACTUAÇÃO

Será salvaguardado o direito da empresa em obter a repactuação, em conformidade com a legislação vigente.

Neste ponto, é preciso distinguir se as razões que fundamentam o pedido de repactuação são anteriores ou posteriores à assinatura do termo de prorrogação do contrato.

Caso os motivos alegados pela parte que faz o requerimento sejam posteriores ao aditamento, não é cabível a repactuação, uma vez que a empresa já tinha conhecimento dos custos do contrato e, ainda assim, anuiu com a prorrogação.
Comportamento contrário viola a boa-fé sob o prisma da proibição do venire contra factum proprium, que também é aplicável ao particular. Seria contraditório e desarrazoado reconhecer situação de fato administrativamente e contestá-la judicialmente, em razão princípio do venire contra factum
proprium
. Na lição de Anderson Schreiber:

O comportamento contraditório é abusivo, no sentido de que é um comportamento que, embora aparentemente lícito, se torna ilícito, ou inadmissível. E isto justamente porque seu exercício, examinado em conjunto com um comportamento anterior, afigura-se contrário à confiança despertada em outrem, o que revela, no âmbito normativo, contrariedade à boa-fé objetiva[5].

A invocação do princípio em tela requer a presença dos seguintes pressupostos:

Além da existência de duas condutas (ou mesmo comportamentos concludentes) de uma mesma pessoa (ou de quem a represente ou suceda), a segunda contrariando a primeira, é preciso que: a) haja identidade de partes, ainda que por vínculo de sucessão ou representação; b) a situação contraditória se produza em uma mesma situação jurídica ou entre situações jurídicas estreitamente coligadas; c) a primeira conduta (factum proprium) tenha um significado social minimamente unívoco, a ser averiguado segundo as circunstâncias; d) que o factum proprium seja suscetível de criar fundada confiança na parte que alega o prejuízo, confiança essa a ser averiguada segundo as circunstâncias, os usos aceitos pelo comércio jurídico, a boa-fé, os bons costumes ou o fim econômico-social do negócio. É ainda requerido: e) o caráter “vinculante” do factum proprium, no sentido de ser um comportamento ocorrido no âmbito de determinada situação jurídica que afete uma esfera de interesses alheia, de tal modo que tenha induzido (ou possa ter induzido) a outra a parte a confiar em que tal conduta fosse “índice ou definição de uma certa atitude do seu parceiro frente a essa mesma situação jurídica[6]

Ao prorrogar o contrato com a CEF nas condições previstas no próprio termo de aditamento, a empresa contratada assumiu a responsabilidade de prestar os serviços nas condições ali previstas e o fez porque a manutenção do contrato, em tais condições, lhe era favorável. Por outro lado, ao prorrogar o contrato com a empresa autora, a CEF ficou dispensada de realizar novo processo licitatório, porque os preços ofertados pela NORDESTE ainda lhe beneficiavam.

Ademais, vale lembrar que a própria autora, nas f.19 dos autos, afirma estar assumindo o ônus de 41 meses sem repactuação, in verbis:

Registre-se que tempo despendido pela autora no pleito de REPACTUAÇÂO, que não ocorreu por desmando administrativo, não ocasiona nenhuma perda para a ré, pelo contrário, a empresa autora é que está assumindo o ônus desses 41 (quarenta e um) meses sem reajuste, o qual deveria ocorrer em 2002 (primeiro ano da contratação),2003 (segundo ano da contratação) e 2004 (terceiro ano da contratação). Nos dias atuais, o quarto ano da contratação completou-se em agosto de 2005, pelo que, agora, também devido o reajuste, referente a este exercício.

Se havia defasagem nos preços desde o ano de 2002 e a autora já tinha conhecimento do impacto que os elementos arrolados na f.237/238 como fundamentos para a repactuação causariam no contrato, deveria ter, naquela oportunidade se manifestado pela impossibilidade de continuidade dos serviços em tais condições. Ao contrário, concordou com a prorrogação do ontrato por duas vezes, sem que fosse requerido o reajustamento dos preços, de modo que a empresa autora assumiu o ônus de prestar o serviço em tais condições.

Permitir que somente após a prorrogação a empresa autora majore seus preços com base em condições já eram conhecidas anteriormente, ofende o interesse público e a isonomia do processo licitatório, além da boa-fé objetiva que deve ser guardada em todos os contratos, não podendo ser aceita pelo ordenamento jurídico.

Especificamente no que tange ao Acordo Coletivo como fundamento para a majoração, caso o mesmo fosse posterior à prorrogação, a autora poderia requerer a repactuação, respeitado o interstício mínimo da anualidade nos termos previstos no contrato. É desta forma que se deve interpretar a cláusula quarta de salvaguarda constante do termo de aditamento.

Isto porque o Acordo é celebrado pelo Sindicato das categorias econômicas envolvidas (empregadores e empregados), não tendo a participação direta da empresa autora. Por sua vez, tal convenção constitui norma jurídica, desde que seja mais favorável, sendo aplicável obrigatoriamente à empresa autora, ainda que esta tenha se oposto ao seu conteúdo sem sede de negociação coletiva.

Não obstante, reconheço que a jurisprudência majoritária entende que convenção coletiva, independentemente do momento de sua celebração, não constitui motivo para a repactuação do contrato por se tratar de fato previsível. Nesse sentido, destaco os precedentes jurisprudenciais:

ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. FORNECIMENTO DE MÃO DE OBRA. DESAJUSTE. MAJORAÇÃO DA ALÍQUOTA DE FGTS. AUMENTO DA REMUNERAÇÃO DOS EMPREGADOS. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. DESEQUILÍBRIO ECONÔMICOFINANCEIRO. NÃO COMPROVADO. APELO NÃO PROVIDO.

1. Cinge-se a controvérsia recursal à insurgência do Recorrente contra decisão judicial singular que julgou improcedente o pedido de revisão do contrato firmado com a Caixa Econômica Federal, sob o fundamento de que o desequilíbrio econômico financeiro proveniente da execução do instrumento obrigacional decorreria da majoração da alíquota para recolhimento do FGTS, bem como do aumento da remuneração da categoria empregada responsável diretamente pelo cumprimento da obrigação contratada.

2. Em relação ao primeiro fundamento para obter a revisão contratual almejada, o Recorrente aponta a majoração da alíquota para fins de recolhimento do valor devido pelo empregador a título de FGTS. Entretanto, a incidência do novo percentual como se pode deduzir logicamente, apesar de ensejar um aumento na carga tributária incidente sobre o empregador se comparado ao que vinha sendo cobrado, decorre de mera interpretação e incidência legal.

3. Neste diapasão, igualmente não encontra guarida a pretensão de tentar reformar o instrumento contratual com base na alteração do valor da remuneração dos empregados (digitadores) em função de convenção coletiva da categoria envolvida que acordou a elevação dos salários respectivos, porque não se trata de evento incerto ou imprevisto a ocorrência do referido acordo coletivo, como pretende demosntrar o Recorrente, já que estas espécies de reuniões de classes ocorrem em períodos regulares, já que sempre se almeja o aumento dos salários, quando o acordo antecessor já se exauriu no tempo.

4. Nenhum dos referidos argumentos autorizam a possibilidade de se verificar um desequilíbrio econômico financeiro do contrato que pudesse ensejar enriquecimento indevido do outro contratante, visto que tal alegação não restou devidamente comprovada por aquele quem alega

5. Apelação conhecida mas não provida.[7]

ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CONDENAÇÃO EM JUÍZO TRABALHISTA POR NÃO PAGAMENTO DE SEGURO DE VIDA. BENEFÍCIO INTRODUZIDO EM CONVENÇÃO ANTERIOR À CELEBRAÇÃO DO CONTRATO. REVISÃO CONTRATUAL NEGADA. INDENIZAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO.

1. A Lei nº 8.666/93 prevê a possibilidade de alteração contratual, por acordo entre as partes, quando da superveniência de fatos imprevisíveis ou previsíveis, mas de conseqüências incalculáveis, para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.

2. Na hipótese, se as Convecções Coletivas de Trabalho que conferiram aos empregados o direito a seguro de vida datam de 14/10/1999 e 01/05/2000, respectivamente, e o contrato de prestação de serviços com a União (Justiça Federal – Seção Judiciária de Sergipe) fora firmado em 28/01/2002, não há que se falar, pois, de fato superveniente ou de imprevisibilidade da alteração contratual, já que tal despesa era previsível pela empresa contratada, o que desautoriza a incidência do art. 65, II, “d”, da Lei n.º 8.666/93  revista antes mesmo da assinatura do contrato pelas partes.

3. Não cabe à UNIÃO responsabilizar-se pela condenação trabalhista imposta à apelante, eis que esta decorreu do não cumprimento das cláusulas contratuais e não da negativa de revisão contratual, incabível no caso.

4. Recurso improvido.[8]

ADMINISTRATIVO. MANUTENÇÃO DA EQUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DO CONTRATO. CONVENÇÃO COLETIVA. AUMENTO SALARIAL RETROATIVO ALCANÇANDO OS MESES DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.

1. A empresa contratada, ao firmar três contratos consecutivos com a CEF, cuja vigência se operou de 30.05.01 a 10.09.01, estimou os custos da prestação de seus serviços com base nos salários que os seus empregados percebiam à época da apresentação de suas propostas, não podendo prevê, quando já finda a sua contratação, um aumento salarial determinado em Convenção Coletiva, realizada no mês de setembro do mesmo ano, com efeitos retroativos ao mês de maio; tal hipótese configura-se, portanto, prevista no art. 65, II, d da Lei 8.666/93, viabilizando a alteração contratual, a fim de que se re-estabeleça a equação econômico-financeira do contrato inicialmente pactuado, evitando-se o indesejável
enriquecimento ilícito de um dos contratantes em função do outro que se viu prejudicado.

2. Apelação da CEF improvida.[9]

Com a devida vênia, os acórdãos acima citados desconsideram que o contratante não tem como prever quais cláusulas irão fazer parte da convenção coletiva, salvo se fizer um juízo de futurologia. Tal entendimento implica numa majoração artificial do valor a ser contratado porque o particular, para se precaver desta situação, elevará o valor do contrato para cobrir eventuais custos e não restar prejudicado. Anuir com tal conduta representaria uma das mais graves contradições na licitação, vale dizer, a administração almeja selecionar a proposta mais vantajosa, mas acaba pagando por uma mais cara quando comparada com o mesmo serviço prestado no setor privado.

Contudo, no caso dos autos, na data em que foi firmado o terceiro termo aditivo (12/08/2005), já estava em vigor o Acordo Coletivo, celebrado em 30/12/2004, que fixou a data-base da categoria dos trabalhadores em segurança e vigilância para o dia 1º de maio de cada ano, sendo a próxima data-base em 1º de maio de 2006, conforme cláusula segunda do citado acordo acostado às f. 474-485.

Considerando que o contrato em tela foi prorrogado em 12/05/2005 pelo prazo de doze meses e que é necessário respeitar o interstício de um ano a partir do aditivo, só existiria o direito à repactuação após um ano a contar desta data, isto é, 12/05/2006, data em que houve a extinção do contrato, razão pela qual não há que se falar em direito à repactuação.

3. DISPOSITIVO

Diante do exposto, julgo improcedente o pedido com resolução de mérito (art. 269, inciso I, do CPC).

Condeno a parte autora ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes últimos arbitrados em R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos do art. 20, §4º, do CPC, valores estes que deverão ser atualizados até o efetivo pagamento.

Expedir alvará de levantamento em favor da perita judicial, no valor dos 50% dos honorários depositados restantes, com as cautelas de praxe.

Sentença não sujeita ao reexame necessário.

Publicar.  Registrar.  Intimar.

Aracaju, 03 de setembro de 2010.

Segue o link do acórdão do TRF da 5ª Região, cujo relator foi o Desembargador Federal Francisco Barros Dias:

http://www.trf5.jus.br/archive/2011/03/200685000032550_20110317_3839894.pdf


[1] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 616.

[2] Idem.

[3] MELLO, Cláudio Ari. Fragmentos Teóricos sobre a moralidade administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 235, p. 93-116, jan./mar. 2004.

[4] NOBRE JR., Edilson Pereira. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito administrativo brasileiro. Porto Alegre : SAFE, 2002. p. 127, 139, 152 1.

[5] SCHREIBER. Anderson. A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 114.

[6] MARTINS-COSTA, Judith. Os campos normativos da boa-fé objetiva: as três perspectivas do direito privado brasileiro. Revista Forense – Vol. 376, p. 121.

[7] TRF – 5ª Região. APELAÇÃO CÍVEL Nº 461944/CE Segunda Turma Relator:
Desembargador Federal Francisco Barros Dias.

[8] TRF – 5ª Região. Apelação Cível Nº 471978/SE. Relator: Desembargador Federal Francisco Wildo

[9] TRF – 5ª Região Apelação Cível 340.233-Pe Relator : Desembargador Federal
Ridalvo Costa.

Sobre FCL

Sou juiz federal da Seção Judiciária de Sergipe. Trabalhei como: 1) Juiz Substituto da 1ª Vara/SE ao da lado da Juíza Federal Telma Maria Santos Machado - no período de 06.2008 a 12.2012 2) Juiz Federal da 6ª Vara/SE - Subseção Judiciária de Itabaiana no ano de 2013. Atualmente, estou como titular da 2ª Relatoria da Turma Recursal de Sergipe. Eventuais perguntas deverão versar sobre esclarecimentos acerca dos fundamentos da decisão. Não responderei a casos concretos.
Esse post foi publicado em Sem categoria. Bookmark o link permanente.

7 respostas para Contrato administrativo. Boa-fé. Proibição de venire contra factum proprium. Diferença entre revisão e reajuste.

  1. Hendrikus disse:

    Sentença muito bem fundamentada. Deixei um comentário no título Imposto de Renda que aguarda aprovação do moderador. Voltando a sentença, a parte da boa-fé é muito interessante porque o autor citado é examinador…rsss

    • FCL disse:

      Dr. Edilson é um monstro de inteligência. Tive oportunidade de conhecê-lo, pessoalmente, já como Juiz, mas já conhecia a sua obra quando estava na Faculdade de Direito e, desde então, sou seu fã. Acho que já escreveu um pouco de tudo. Gosto tanto de Edilson que a minha esposa chegou a falar para ele que eu era o seu idolo, o que me deixou com uma certa vergonha. Tive oportunidade de conversar certa vez com um professor da UFRN, colega dele, que, naquele tempo, já dizia que Prof. Edilson é uma verdadeira enciclopédia. Sua promoção foi uma ótima aquisição para o TRF da 5ª Região. Boa sorte, nos estudos.

  2. Hendrikus disse:

    Por tudo que tenho lido dele nos últimos meses: artigos, acórdãos, etc. já era para Dr. Edilson estar no STJ há muito tempo. Tenho acompanhado Navarro pelo Twitter e é outra pessoa com conhecimento jurídico extraordinário, além de transparecer ser uma excelente pessoa para o convívio do dia a dia. Se tudo der certo, em breve, terei o prazer de trabalhar junto contigo aí em Aracaju/SE. Aí aprendo mais um pouco contigo. Abraço

  3. FCL disse:

    Hendrikus, continue estudando porque cedo ou tarde a pessoa alcança o nosso objetivo.Abs.

  4. Helio disse:

    Oi Fábio, você prefere e recomenda fazer alusão ao reexame necessário mesmo no caso da sua não sujeição? Abs

  5. FCL disse:

    Segue um acórdão do STJ que examinou a mesma questão sob a ótica do direito privado:

    CIVIL. CONTRATOS. DÍVIDAS DE VALOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. OBRIGATORIEDADE. RECOMPOSIÇÃO DO PODER AQUISITIVO DA MOEDA. RENÚNCIA AO DIREITO. POSSIBILIDADE. COBRANÇA RETROATIVA APÓS A RESCISÃO DO CONTRATO. NÃO-CABIMENTO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS. SUPRESSIO.
    1. Trata-se de situação na qual, mais do que simples renúncia do direito à correção monetária, a recorrente abdicou do reajuste para evitar a majoração da parcela mensal paga pela recorrida, assegurando, como isso, a manutenção do contrato. Portanto, não se cuidou propriamente de liberalidade da recorrente, mas de uma medida que teve como contrapartida a preservação do vínculo contratual por 06 anos. Diante desse panorama, o princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente, de exigir retroativamente valores a título de correção monetária, que vinha regularmente dispensado, frustrando uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual.
    2. A correção monetária nada acrescenta ao valor da moeda, servindo apenas para recompor o seu poder aquisitivo, corroído pelos efeitos da inflação. Cuida-se de fator de reajuste intrínseco às dívidas de valor, aplicável independentemente de previsão expressa.
    Precedentes.
    3. Nada impede o beneficiário de abrir mão da correção monetária como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual. Dada a natureza disponível desse direito, sua supressão pode perfeitamente ser aceita a qualquer tempo pelo titular.
    4. O princípio da boa-fé objetiva exercer três funções: (i) instrumento hermenêutico; (ii) fonte de direitos e deveres jurídicos; e (iii) limite ao exercício de direitos subjetivos. A essa última função aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios, como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais, daí derivando os seguintes institutos: tu quoque, venire contra facutm proprium, surrectio e supressio.
    5. A supressio indica a possibilidade de redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.
    6. Recurso especial a que se nega provimento.
    (REsp 1202514/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 30/06/2011)

Deixe um comentário