PEDALAR É PRECISO!

segunda-feira, 19 de julho de 2010

NOVOS UNIFORMES


Homens de calça escura, camisa branca mangas compridas, gravata vermelha, todos vestidos de igual na hora da pausa vão tomar café ao centro comercial, em geral andam aos pares, devem ser gestores de qualquer coisa, andam aos pares como os polícias, talvez seja para se vigiarem.

São os novos uniformes do capital financeiro, são o emblema do estado a que isto chegou, o capital não produz, só especula, brinca com a vida do pessoal. Com a ajuda dos seus uniformizados servidores, o que é que se há-se fazer?

Dantes havia os operários com os seus fatos-macaco de cor celeste carregada, as lancheiras que as mulheres aviavam em casa, à hora do almoço sentavam-se em grupos faziam os possíveis por esquecer, divertiam-se com patacoadas, davam palmadas nas costas uns dos outros, empurravam-se, metiam-se com quem passava, rigolavam nos seus uniformes proletários.

Hoje temos os gajos da gravata vermelha e camisa branca com mangas compridas com o seu ar falsamente circunspecto, não devem andar a fazê-la boa.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

DECÍNIO DEMOGRÁFICO E DIREITO DE PROCRIAR (*)


O Estado português descobriu recentemente que a baixa natalidade é a principal causa do envelhecimento demográfico e decidiu, em consequência, tomar medidas de ajuda às famílias. As medidas são positivas mas parecem paninhos quentes face à gravidade e à complexidade do problema.

Vale a pena relembrar alguns indicadores relativos à evolução da fecundidade em Portugal. Em 1982, o indicador conjuntural de fecundidade desceu pela primeira vez abaixo de 2,1 filhos por mulher, em 1986 atingiu 1,6 e nos anos seguintes foi descendo até ao valor de 1,3.

Esta evolução foi acompanhada de outras mudanças demográficas estruturais que se aprofundaram durante a última década.

Em primeiro lugar, inverteram-se as diferenças entre Norte e Sul, com a fecundidade a atingir valores muito mais baixos no Norte (0,9 filhos por mulher em Tràs-os-Montes em 2009) do que no Sul (1,7 no Algarve na mesma data).

Ao mesmo tempo, o nascimento do primeiro filho passou a ser bastante mais tardio (em média, aos 28,6 anos das mães em 2009, contra 25,6 em 1995).


Estas mudanças não podem deixar de ser relacionadas com o facto de mais de metade dos homens e das mulheres não se casarem e de se casarem cada vez mais tarde. Ora, esta crise da nupcialidade tem a ver principalmente com o adiamento e as dificuldades da entrada dos jovens na vida activa e adulta.

Em 27 de Abril de 2006, José Sócrates foi à Assembleia da República defender que, para se assegurar a sustentabilidade da segurança social, era necessário “ligar as pensões de reforma à evolução da esperança de vida”. Justificou essa opção dizendo que “há cada vez menos pessoas a trabalhar para garantir o pagamento dessas reformas”.

É verdade que há cada vez menos pessoas a trabalhar, mas isso não tem necessariamente a ver com a baixa natalidade. A principal origem do défice de contribuintes da Segurança Social está na anemia do mercado do emprego.

Teoricamente, havendo cada vez menos jovens devido à baixa natalidade, deveria também haver menos concorrência na entrada no mercado do trabalho.

Ora, pelo contrário, o desemprego juvenil tem aumentado continuamente, assim como a proporção de jovens trabalhadores precários, o que tem levado ao adiamento e à diminuição das uniões e da maternidade e, em muitos casos, à impossibilidade de muitos jovens poderem algum dia constituir uma família.

A baixa natalidade é responsável pelo declínio da população portuguesa e, principalmente – do meu ponto de vista – é o sintoma incontestável de que em Portugal existem descriminações no exercício do direito de procriar.


Estando embora plenamente consagrado e reconhecido, o direito à contracepção só estará completo quando toda a gente puder beneficiar de condições sociais e económicas para decidir responsavelmente ter um filho.

Ora existe entre nós um ambiente hostil que descrimina e diminui esse direito: os baixos salários, o desemprego e a precariedade profissional, a insuficiência dos apoios e dos equipamentos para a infância, a guerra que a esmagadora maioria das empresas faz à maternidade.

A natalidade portuguesa é uma das mais baixas do mundo e isso confirma o nosso atraso social, económico e cultural. Deste atraso não se pode culpar apenas o Estado e os Governos.

Na primeira linha dessa culpa estão muitos senhores da economia, que não têm consciência social, que não criam emprego, que pagam baixos salários, que não são solidários para com o país e que assobiam para o lado face aos óbvios sintomas de decadência e declínio de Portugal.


(*) Escrevi este texto para o Diário de Notícias, que o publicou hoje na rubrica Fórum