02 agosto 2011

Amy Winehouse e a liberdade

Na FSP de ontem, o psiquiatra Jairo Bouer, (“Dependência não é uma questão de escolha”) escreveu sobre a morte de Amy Winehouse. Abaixo, a parte do artigo que quero comentar.

A morte de uma artista brilhante aos 27 não é nem romântica nem libertária. É triste! Aquela história de que mais vale viver dez anos a cem do que cem anos a dez, usada para justificar a partida precoce de tantos gênios, para mim, não cola! Não quando você não tem opção de escolher! E, na dependência, você não escolhe. A droga fala mais alto. A fissura, o desejo de repetir a experiência prazerosa, é soberana. Nesse processo, as escolhas são bem poucas.

Acho que pode ser sim romântica essa morte. Repito o que disse alhures. A morte dela foi bela, assim como sua vida foi bela. Ela levou a vida que quis com um grau de intensidade admirável. Claro que precisaríamos apertar os parafusos dessa palavrinha “romântica”. Mas no sentido popular, acho que foi morte romântica. Libertária? Se isso significar uma morte que resultou da afirmação da sua liberdade, sim foi libertária. Romântica, libertária, palavrinhas que aqui precisam ser tomadas num sentido plebeu. Por certo foi triste. Isso em nada depõe contra a suposta natureza romântica e libertária da morte. E a história dos gênios que vivem intensamente para mim cola. Nem precisa ser gênio. Viver com intensidade é o que provavelmente muitas pessoas almejam (segundo Hemingway, “ninguém vive com a intensidade que deseja, exceto os toureiros” – a frase é boa). Acredito que isso seja um anelo bem razoável. Claro, claro, claro, meu camaradinha que cada um faz o que quiser da sua vida. Mas me agrada mais olhar para alguém que vive com intensidade do que alguém preocupado se o arroz é integral ou não, me agrada mais olhar para alguém que vive com intensidade do que alguém preocupado em viver seus queridos 80 anos sem nenhuma doençazinha.

Mas vamos ao ponto mais importante, ligado ao libertário. Amy Winehouse era livre? Admitamos que fosse uma dependente química. Um dependente químico não é livre? Ele usa craque, cocaína, heroína como um autômato? Ele não faz o que quer? Ou melhor, ele não escolhe as máximas das ações de busca e consumo de drogas? Não? Tenho certa resistência em admitir isso. De todo modo, parece razoável admitir que, no início, ela exerceu sua liberdade de arbítrio. Produziu livremente uma máxima para começar a usar drogas. Sim? Sim. Ora, se sim, então seria preciso que os partidários da tese de que ela não era mais livre concordassem que ela escolheu livremente deixar de ser livre. Não, não, não. Por que não? Ela tampouco era livre quando começou? Não, meu camaradinha, ela era. Acontece que ela não sabia que, escolhendo as drogas, ela estaria escolhendo um caminho sem volta. Ah, ta. Não sabia? Agiu por ignorância? Difícil engolir essa. Ademais, as pessoas não a tratavam como um mero autômato. Elas tentavam persuadi-la a se tratar. Admitindo que ela não fosse livre para deixar de consumir drogas, ela seria livre para pedir ajuda para parar de consumir drogas? Sim, penso que essa admissão tem de ser feita. (o Sr. Jairo diz que você não escolhe, mas também que as escolhas são poucas – legal, não?).

Minha hipótese é de que ela era livre sim para consumir drogas. Ou que alguém seja caridoso comigo e me ensine direitinho o que significa essa história de dependência das drogas.

Outra coisa que me incomoda. Se ela não era livre, estariam justificados atos de coerção contra sua ação de consumir drogas? Aonde você vai, Amy? Vou buscar uma pedra. Não, não vai. Mas com que direito alguém poderia usar coerção contra as ações dela?

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