segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Jesus de Nazaré de Bento XVI

Jesus de Nazaré de Bento XVI

Quem não ouviu falar do livro, escrito pelo Papa Bento XVI, com o título Jesus de Nazaré? Dele já foram tirados milhares, digo, milhões de exemplares, em muitas línguas. Vale à pena favorecer aos leitores alguma notícia desse preciosíssimo livro. Estou com a edição Planeta do Brasil, de maio de 2007, tradução de José Jacinto de Farias, SCJ.
Antes de tudo, entendi que, se queremos acompanhar bem as meditações que o Papa faz, no esforço de aclarar o sentido da vida e da pregação de Jesus, ajuda muito partir de um princípio metodológico por ele constantemente usado.
Tal princípio consiste nisto: De um lado, devemos ver Jesus como o ponto de unidade de toda a Bíblia e, sobretudo, do Novo Testamento. Sua pessoa centraliza todas as palavras e acontecimentos narrados na Bíblia. De outro lado, Jesus só será entendido se tudo o que ele falou e fez for referido à unidade de seu “mistério”. Como, pois, se entende essa centralidade?
Bento XVI, desde a introdução, chama atenção para o Deuteronômio que termina com uma confissão ‘melancólica’: “Não se levantou mais em Israel profeta comparável a Moisés, com quem o Senhor conversava face a face” (Dt 34,10). Essa afirmação, tanto representa manifestação de desânimo, como também e, mais que tudo, de esperança e promessa da vinda daquele que, não só iria “conversar com Deus face a face”, mas inclusive seria a própria face de Deus. Igual ao Pai, “ele nos mostra o rosto de Deus, e assim nos mostra o caminho que devemos seguir...; caminho para o autêntico ‘êxodo’...” (p.23). Eis o novo e incomparavelmente mais sublime que Moisés, que “caminha à nossa frente” (Ex 32,1) para um novo e bem diverso êxodo. Quem é ele e em que consiste esse novo êxodo, manifestado em seu agir?
Primeiro, quem é ele? O Papa cita um livro escrito por um autor judeu, com o título Um Rabino fala com Jesus. Há nesse livro um diálogo sobre o que Jesus trouxe de novo em relação ao Antigo Testamento e que caracteriza bem a postura de um legítimo judeu: “... – Era isto que Jesus, o Mestre, tinha para dizer? – Não, propriamente... – O que foi que ele omitiu? – Nada! – O que foi que ele acrescentou? – A si mesmo!”.
Bento XVI explica: “... esta é a razão central por que o crente judeu não quer seguir Jesus”. É por causa da “centralidade de Jesus... que a tudo dá uma nova direção” (p.103), sobretudo ao Antigo Testamento.
Noutras palavras, Jesus não é qualquer profeta, é diferente, muito mais do que profeta. O profeta fala em nome de Deus. Jesus fala em nome próprio. Por isso, é verdade que Jesus acrescentou ao Antigo Testamento “a si mesmo”. Ele não diz “oráculo de Deus”, mas sim: “Eu vos digo...”. Pois, “ele ensina não como fazem os Rabinos, mas como alguém que tem ‘autoridade’ (Mt 7,28; Mc 1,22; Lc 4,32). O povo, diz o Evangelho, ficava não só admirado, mas “espantado” (p.101), porque Jesus se dizia Deus e falava com a autoridade de Deus.
A mãe de Santa Edith Stein, judia convicta, na discussão com a filha convertida ao cristianismo, argumentava: “Mas ele se dizia Deus...!”. Coisa que um adepto do judaísmo não consegue aceitar. E, entretanto, é esse mesmo um dos núcleos do livro de Bento XVI: Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, igual a Deus: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30).
Jesus tinha razão de se dizer Deus. De fato, no capítulo oitavo do Evangelho de João, ele se define exatamente como Deus se definiu a Moisés: “EU SOU” (Ex 3,14). Por exemplo, começa dizendo aos fariseus: “... não sabeis absolutamente de onde é que eu venho nem para onde vou... Vós não me conheceis nem ao meu Pai (Jo 8,14,19). Termina dizendo: “... se não crerdes que EU SOU, morrereis no vosso pecado” (Jo 8, 24).
Essa não parece uma definição. Mesmo porque Deus não pode ser definido, pois, a definição, nos ensina a Lógica, se faz “pelo gênero próximo e a diferença específica”, a espécie. Mas Deus não pertence a nenhum gênero de ser, como nós pertencemos ao gênero animal, e nem a nenhuma espécie de ser, como somos da espécie dos animais racionais. Como espécie somos muitos. Deus, porém, não são muitos, é único. Daí que sua definição a Moisés só podia ser esta: “EU SOU AQUELE QUE SOU! Ou, simplesmente sou! Não sou isto ou aquilo,entre muitos (p.291s).
Com tal identidade Jesus é, em pessoa, o próprio Reino de Deus. O Reino de Deus não é apenas um conceito genérico, referente a todas as pessoas de boa vontade, mas “em primeiro lugar, encontramos a dimensão cristológica. A partir da leitura das suas palavras, Orígenes caracterizou Jesus como a autobasiléia, isto é, como o Reino de Deus em pessoa. Jesus mesmo é o “Reino”; o reino não é uma coisa, não é um espaço de domínio como o reino do mundo. É pessoa: o Reino é ele” (p 59).
Junto com tratar da identidade de Jesus de Nazaré, Bento XVI se pergunta: como caracterizar o agir de Jesus? A resposta aparece em muitos lugares do livro: o agir de Jesus se encontra iluminado pelo mistério da Cruz. Todo o Evangelho converge para esse mistério e nele se unifica.
Por conseguinte, o que vem antes da cruz não constitui um conjunto à parte de conselhos e normas morais, mas deve ser visto na luz do mistério da Cruz. Pois, “esse tipo de explicação, que faz de Jesus um moralista, um mestre de moral... não se aproxima de modo nenhum da figura real de Jesus” (p 167).
Mostra-nos o Papa de como a pregação de Jesus e, sobretudo, as parábolas apontam para esse mistério. Lê-se: “Na cruz, as parábolas são decifradas... Assim... as parábolas falam do mistério da cruz... porque elas permitem abrigar o mistério divino de Jesus, levam à contradição (cf 1Cor 1,17s) É justamente onde elas alcançam uma máxima inteligibilidade como na parábola dos vinhateiros infiéis (Mc 12,1-12), tornam-se estações para a cruz... Jesus não é apenas o semeador... mas também é a semente, que cai na terra para morrer e assim produzir frutos” (p.171).
Quem é Jesus e qual foi seu agir, constituem, no meu entender, dois momentos centrais do livro Jesus de Nazaré de Bento XVI. Considero-os como importantes para quem quer ter uma primeira notícia do valor dessa obra. Porém, mais vale lê-la e, melhor ainda, estudá-la...
Achylle Aléxio Rubin / achyllerubin@yahoo.com.br

3 comentários:

Gustavo disse...

Parábens pela excelente análise. Estou querendo ler esse livro. Tenho um exemplar de 2007 em minha casa e percebi que é apenas a primeira parte da obra. Parecem ser dois volumes. É isso mesmo? Ou já foi lançado um volume único que contempla toda a vida e ressurreição de Jesus?

Gustavo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gustavo disse...

Parábens pela excelente análise. Estou querendo ler esse livro. Tenho um exemplar de 2007 em minha casa e percebi que é apenas a primeira parte da obra. Parecem ser dois volumes. É isso mesmo? Ou já foi lançado um volume único que contempla toda a vida e ressurreição de Jesus?