quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O ULTRAMAR E A GUERRA. AINDA!

15/12/08

            Ainda, porque as coisas estão longe de estar arrumadas e no são.
            No dia 10 de Dezembro o órgão de expressão escrita de carácter militar, de publicação ininterrupta, mais antigo em todo o mundo - a Revista Militar - levou a efeito uma jornada de reflexão sobre as últimas campanhas africanas em que as FAs combateram. A sessão decorreu na Academia Militar - minha vetusta escola -, e destinava-se sobretudo aos cadetes e tinha como objectivo principal a recolha de ensinamentos derivados das operações então realizadas. Foi pena que a comunicação social, onde se lê, ouve e vê, tantos desacertos relativos ao tema primasse uma vez mais pela ausência.
            Nestas coisas nunca há tempo nem oportunidade para se falar de tudo e como no período das perguntas e respostas não pode haver debate, é fatal haver assuntos que ficam mal burilados. Por isso entendi respigar alguns pontos que me parecem pertinentes realçar e complementar.
            Sendo a Academia Militar uma Escola com maiúscula onde se formam os futuros oficiais do Exército e da GNR é mister falar verdade. Ora a verdade deve ser escorada em factos e na correcta percepção das intenções dos protagonistas.
            Felizmente que sobre as últimas campanhas ultramarinas já se começam a ouvir vozes equilibradas, há divergência de opiniões, são ditas coisas caladas até há pouco tempo e deixou de haver tanta preocupação com o politicamente correcto. Mas os constrangimentos psicológicos, má consciência e temores vários, são ainda enormes.
            O General CEMGFA entendeu honrar a audiência com a sua presença, mas ao dirigir-se à assembleia e nomeadamente aos cadetes presentes preferiu despir-se da função e falar apenas como um soldado que é há 45 anos. A mais alta figura da hierarquia é um profissional com tarimba, hábil, com boa presença, verbo fácil e cabeça arrumada. Fez uma boa intervenção, mas no fim pareceu-me divisar uma pequena contradição, ao fazer um amplo elogio ao modo como as FAs se comportaram na guerra que sustentaram durante 13 anos afirmando que “Portugal e as FAs podem orgulhar-se do que fizeram”, vem logo a seguir defender que o 25 de Abril deve ser considerado como “afirmação de serviço ao país”, sabendo-se que o golpe de estado teve como consequência imediata o fim do “orgulho” citado anteriormente. Um assunto certamente a ser explicitado, caso o discurso pudesse ter sido sujeito a interacção com a audiência.
            Finalizou dando uma nota de optimismo, moralizadora dos futuros oficiais presentes, afirmando que se hoje tivesse 17 anos voltaria a correr para os portões da Academia novamente. É bonito. Mas, lamentavelmente, já não é a sua geração que tem que se alistar agora, mas a actual. E esta tem da Instituição Militar, uma ideia pouco mais do que vaga. Bem andaria o Conselho de Chefes a que preside se apresentasse ao governo e a S. Exª o PR - únicas entidades que têm meios para actuar sobre o problema - as razões pelas quais as coisas se passam assim. De preferência com a veemência adequada.
            Já estou habituado a não ver respondidas cabalmente, ou simplesmente não ver respondido de todo, as perguntas que coloco em eventos deste género. Desta vez houve excepções.
            Não estando em causa o valor, a competência e os serviços prestados às FAs e ao País por todos os ilustres oradores e membros da mesa foram feitas algumas afirmações que peço vénia para complementar ou até contestar.
            Entre vários assuntos abordados levantei a magna questão da justiça da guerra, isto é, se a guerra que fizemos era justa ou não. Questão esta que, de um modo geral, toda a gente foge a tratar como o diabo da cruz e que é bom lembrar foi considerada oficialmente como “injusta” a luta que travámos, e assim ficou no discurso político, na grande maioria dos “media” e nos livros escolares, desde os idos de 1974/75.
            Ora a justiça da guerra – e ninguém gosta de combater numa guerra injusta – tem a ver com o direito natural, o direito internacional, com questões éticas tais como a recta intenção e, sobretudo, com o direito à legítima defesa. Ora estamos em crer que Portugal tem neste campo uma soma indestrutível de argumentos a seu favor. E tem que se olhar para esta questão com olhos portugueses, independentemente de se dever ter consciência da “justiça” inimiga.
Depois é preciso não fazer confusões com um comboio de coisas: a justiça da guerra não tem nada a ver com a sua sustentabilidade, ou com estratégias a seguir, ou com o falso argumento de que a solução para a guerra era política e não militar. É interessante elaborar um pouco mais sobre este jargão amiúde esgrimido como uma sentença definitiva, em que ninguém até hoje, explicou concretamente o que quer dizer com isso. E a verdade simples é que todas as guerras têm uma solução política, assim como a decisão de as iniciar também é política.
E ainda esquecendo-se que a guerra é a continuação da política por outros meios. O aparelho militiar, como o diplomático, a economia, as finanças a acção psicológica, etc., são meios usados pela estratégia para a obtenção de objectivos políticos. Cabe é ao poder político facultar os meios e as orientações para que os diferentes sectores do poder nacional desenvolvam a sua acção. Mas isso é outra história.   
            O conhecimento da teoria da estratégia é sem dúvida, indispensável para a boa condução da política e das operações militares. Mas a sua prática não depende só da teoria nem se faz a régua e esquadro, pois está sujeita àquilo que o Almirante Botelho de Sousa chamou de “factores imponderáveis na guerra”, onde inclui a Liderança, o Moral, a Fé, as virtudes militares, etc., e onde também se devem ter em conta, por exemplo, o desaparecimento físico de lideres importantes, a mudança de alianças, alterações político-militares noutros cenários, até catástrofes naturais, etc.
            A guerra é sobretudo uma luta de vontades e o facto de se acreditar que ela é justa é um factor multiplicador dessa vontade, importantíssimo.
            Quanto à citação aduzida de que a “guerra que é necessária pode-se considerar justa” atribuída a Maquiavel, mas de facto da autoria do cidadão da antiga Roma, Tito Lívio, para ilustrar que a guerra quando começou em Angola (o que dizer da Índia?), era justa porque era necessária, e depois deixou de ser justa (quando e porquê?) é ela sim “maquiavélica”. Não parece, porém, que Maquiavel seja um bom argumento, ou um bom autor para se falar de justiça…
            E assim se passou mais um dia.

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