referência sugerida

BOTELHO, André. Anatomia do medalhão. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 17, n. 50, Oct. 2002.
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13 de abril de 2009

Aula: 1930, 1937

[Brazil's Pres. Getulio Vargas talking with Francisco Campos, Minister of Justice. Palacio Catete, 1939. J. Phillips. Life]

ref. MARTINS, Luciano. A revolução de 1930 e seu significado político. In: CPDOC/FGV. A revolução de 1930: seminário internacional. Brasília : Ed. UnB, 1983, p. 669-689.

OBJETIVOS DO TEXTO:

1) “desenvolver [...] algumas observações sobre o significado político da Revolução de 30, considerando-se os interesses nela envolvidos e as mudanças políticas operadas no país” (pp. 672-673) ; e

2) desenvolver algumas observações “sobre a natureza da relação, em 30, entre a dimensão política (conflito ao nível do Estado) e a dimensão econômica (expansão das atividades industriais)” (p. 673);

HIPÓTESES:

a) “a Revolução de 30 só se define e se ‘consuma’ politicamente através do Estado Novo — o que abre espaço para questionar o caráter ‘liberal’ ou ‘democrático’ atribuído a ela enquanto processo”;

b) “o conflito político-ideológico explicitado pela Revolução de 30 ou a ela subjacente tem fraca relação coma expansão industrial então em curso na sociedade — o que certamente dará margem a que se discuta o problema das relações entre a ordem econômica e a ordem política em situações de capitalismo tardio e dependente” (p. 673);

PARTI-PRIS:

- não existem contradições, no nível econômico, “entre as classes dominantes brasileiras no período em questão”, o que não exclui a possibilidade de “conflitos políticos entre elas, mas [...] determina o alcance da mudança social ‘possível’ nos desfechos contidos em tais conflitos” (p. 673, grifos meus).

Por que manter a expressão “revolução”?
R: Ainda que o episódio político específico seja um caso típico (tanto na sua gênese, como em seu desenvolvimento) de negociação entre elites, o processo que ela inicia é, ele sim, indicador de rupturas significativas. Certos eventos são um atestado dessa ruptura que põe fim à crise do sistema oligárquico. (cf. p. 672).

A TESE DO AUTOR:

“A questão central e que dá, a meu ver, a dimensão da mudança política ocorrida — e não da ruptura, que não há — é a seguinte: a convergência de forças heterogêneas que fazem a ‘revolução’ torna-se possível porque o que se joga em 30, o que está em crise, não é a dominação oligárquica mas a confederação oligárquica, através de uma crise de uma determinada forma de Estado que era sua expressão política em plano nacional — e de uma dada forma de Estado com a qual praticamente se confundia o sistema político. O que se contesta, em síntese, é a oligarquia enquanto elite dirigente e não enquanto classe dominante. É a tanto que, a meu ver, se reduz em 30 a ‘crise da oligarquia’’’ (p. 678-679).

Por que o sistema político oligárquico passa a ser contestado por certas facções da própria oligarquia? Basicamente em função da sua rigidez para admitir a representação do eleitorado urbano e dos estados economicamente mais atrasados.

citar p. 677
“Na medida que o sistema oligárquico retirava sua legitimação menos do livre exercício do voto do que das negociações entre as oligarquias regionais estribadas no coronelismo, duas áreas potenciais de conflito se criavam. De um lado, a predominância do voto rural retirava dos setores urbanos toda possibilidade de representação política condizente com seu crescimento e sua recém-adquirida importância; de outro, retirava dos setores oligárquicos dos estados eleitoralmente mais fracos toda possibilidade de sobrevivência em oposição ao poder central.

Assim, a manutenção da confederação oligárquica dependia, politicamente, de duas condições:

a) da aceitação, por parte das oligarquias estaduais, da estratificação política regional, por intermédio da qual conferia-se a certos estados o direito de elegerem rotativamente o Presidente da República em troca da ‘soberania’ dos demais;
b) da capacidade do sistema de incorporar ao processo político as novas elites urbanas e de atender aos reclamos de uma burocracia militar que começava a reivindicar o monopólio dos meios de violência (disputando-os às polícias militares estaduais que constituíam o braço armado das oligarquias).

É exatamente a incapacidade de fazer face a essas duas áreas de conflito que põe em cheque o sistema político em 30” (p. 677, grifos meus).

“A convergência dessas duas ordens de contestações não deve fazer esquecer, entretanto, que é o conflito político que se manifesta ao nível [sic] das oligarquias — e não a contestação tenentista e urbana — que de fato abre a primeira brecha no sistema político” (p. 677).

É preciso desfazer os seguinte “mitos”:
1) o de que existe, no caso da América Latina, uma contraposição entre ‘campo’ e ‘cidade’ e uma relação direta (de determinação) entre (a) decadência do agrarismo, (b) impulso da industrializaçao, e (c) urbanização (no quadro mais geral de uma teoria da ‘modernização’) (p. 673);

2) o de que a “oligarquia agrária” seria “constituída por camadas sociais mais ou menos homogêneas, economicamente retrógradas e uniformemente identificadas ou aferradas a um mesmo estilo de dominação” (p. 674);
3) o de que existe uma relação necessária de simultaneidade “dos processos de mudança social no plano da estrutura agrária, no da urbanização e no da industrialização” (p. 674).

citar:
“Se é evidente que existe algum tipo de interação entre esses processos, como partes integrantes que são do processo global de transformação da sociedade, não é nada evidente que a dinâmica da transformação de cada um deles (sobretudo do primeiro [a estrutura agrária]) dependa direta e necessariamente da dinâmica dos demais. Ter presente esse fato é particularmente importante para o caso brasileiro, no qual, pelo menos em suas etapas iniciais, cada um desses processos evolui de forma relativamente independente. Mais importante: a simultaneidade dessas mudanças é mais fator de convergência política do que de conflito entre as forças sociais por elas engendradas [...]. [...] Para dimensionar o que se costuma designar como ‘crise da oligarquia’, é importante considerar o papel dos atores oriundos de cada um desses três planos em que se manifesta a mudança social, para em seguida verificar como seus interesses concretamente se articulam à luz da Revolução de 30” (p. 674, grifos meus).

Evidências desta tese:
1) disjunção entre interesses econômicos e discurso político no que tange ao comportamento político dos setores agrários;

2) mudança política a par com a conservação da estrutura fundiária:
F citar:
“qualquer mudança devia ser contida nos limites da manutenção da estrutura de propriedade da terra. Tais limites, de resto, não eram nem postos em risco, nem contestados em 30 por nenhuma força social com capacidade política para fazê-lo — inclusive, ou sobretudo, não eram contestados pelos interesses vinculados à industrialização. É essa circunstância que justamente vai possibilitar a coalizão de interesses diferenciados (agrários, urbanos e industriais) em torno dos anseios de ‘modernização’ política já claramente explicitados no curso da década de 20” (p. 675-676);

3) os “setores urbanos, que só saem às ruas para exprimir seus anseios de participação política uma vez seguros do declínio das agitações operárias que marcam a primeira década do século, tinham eles interesses sociais (ou corporativos, como no caso dos militares), assim como horizontes políticos, perfeitamente compatíveis com os interesses e os horizontes daqueles setores da oligarquia que vão, em 30, transformar seu descontentamento em práticas 'revolucionárias'” (p. 676);

4) “Quanto aos setores propriamente industriais, não há qualquer evidência de que constituíssem em 30 um segmento dotado de capacidade política autônoma, que tivessem interesses conflitantes com o setor agrário ou, ainda, que tivessem desempenhado papel importante na derrubada da Primeira república” (p. 676).

Mas o que reivindicavam as “elites urbanas”?
“Na verdade, o que reivindicavam as novas elites urbanas, em suas vertentes civil ou militar, era apenas uma coisa: que se abrisse o espaço necessário à representação de seus interesses a nível do [sic] sistema político, de modo a que pudessem — e é isso que é importante — estruturar seu esquema de dominação nas cidades” (p. 676).

O ESTADO NOVO

Para o A., a Revolução de 30 só se consuma politicamente, de fato, com o advento do Estado Novo. Isso significa que:

a) é sob o Estado Novo que se vai encontrar uma solução para três questões-chave que surgem na década de 20 e que estão na base da Revolução de 30:

1. “como assegurar a integração dos subsistemas regionais no sistema nacional, de forma a assegurar a conservação de diferentes estruturas de dominação [coronelismo, mandonismo] e, simultaneamente, garantir a unidade nacional” ? (p. 686);

R.: fórmula político-econômica: “Essa integração, que [...] as práticas políticas desenvolvidas pela confederação oligárquica [República Velha] já eram incapazes de continuar a garantir, se fará através da centralização (ditatorial) promovida pelo Estado Novo e a conseqüente redefinição dos termos da autonomia dos estados” (p. 686, grifos meus).


2. “como organizar a representação política das elites [...] de forma a fazer com que o processo de diferenciação natural de seus interesses fosse resolvido no âmbito do universo das elites e, simultaneamente, não pusesse em xeque a coalizão básica existente entre elas enquanto estrutura de dominação”? (p. 686);

R.: fórmula político-institucional: “Como se sabe, esse problema não será resolvido através do fortalecimento de um sistema de partidos, ou de outra forma de representação de interesses que implicasse em mobilização política ou no recurso ao voto eleitoral [sic], como propunha o discurso dos revolucionários de 30 [portanto, não através da democracia liberal], mas através da adoção, sob o Estado Novo, de formas ‘corporativistas’ de representação de elites no aparelho do Estado e no sistema de decisões” (p. 686, grifos meus).


3. “como estruturar a dominação [nas] cidades, em face da emergência de um proletariado em início de expansão e em face das novas formas de estratificação das ‘camadas médias’”?

R.: fórmula político-ideológica: “Serão os controles e as práticas populistas estabelecidos e desenvolvidos pelo Estado Novo que, aliados à manutenção do coronelismo onde ele ainda fosse possível no campo, vão ‘resolver’ essa questão maior” (p. 686, grifos meus).

b) não é acidental o fato de que essas três questões só encontrem solução sob um regime autoritário; esse fato, aliás, “explicita um dado padrão de mudança social que se diferencia substancialmente dos modelos de transição capitalista de cunho democrático” (p. 685);

A FÓRMULA POLÍTICA É O AUTORITARISMO (Estado Novo)


c) “é em função desse contexto não democrático de transição social que deve ser examinado — e decodificado — o discurso liberal e democratizante dos revolucionários de 30” (p. 685).

Essa reinterpretação do sentido político da Revolução de 30 tem alguns riscos, admite o A.:

1) ao reconhecer que os problemas colocados em 30 só serão resolvidos em 37 não se estaria endossando o uso ideológico que o Estado Novo fez da Revolução de 30 na medida em que o primeiro se apresentava, e essa era sua via de legitimação, como a “continuação natural” da segunda?

R: A idéia de continuidade do processo não pode se esgotar na manipulação ideológica que se fez dele.

2) ao adotar a Revolução de 30 como um marco na periodização na história política brasileira não se estaria supervalorizando o episódio e não o processo que se abre com ele?

R: Desde que não se tome o discurso (episódico e superficial) liberal e democratizante dos atores da época e se transfira ao processo aquilo que é episódico, não há problema. É preciso ver no episódio o que há de permanente e estrutural (p. 687).

obs.: a bib. complementar desta aula deve ser:

MARTINS, Luciano. Pouvoir et développement économique. Formation et évolution des structures politiques au Brésil. Paris, Antropos, 1976, Chapitre II.

Para a discussão do tópico ‘modelos de desenvolvimento’ e ‘modos de produção’, ver:
MARTINS, Luciano. Estado e burocracia no Brasil pós-64. RIo de Janeiro: Paz e Terra, 1985, cap. I.

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