sexta-feira, abril 29, 2005

CECÍLIA MEIRELES


CECÍLIA MEIRELES

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por Sonia Rodrigues

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Cecília Meireles nasceu e morreu na cidade do Rio de Janeiro.
Nasceu em 7 de novembro de 1901, filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles e de Matilde Benevides. Seu pai era funcionário do Banco do Brasil e sua mãe, professora municipal. Aos três anos perdeu o pai e passou a ser criada pela avó, Dona Jacinta Garcia Benevides.
A este respeito, refere-se a poetisa: “Essa e outras mortes ocorridas na família... deram-me desde pequenina, uma tal intimidade com a morte, que docemento aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno”... “a noção de transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo de minha personalidade”.
Cecília estudou na Escola Técnica Estácio de Sá, onde recebeu, aos nove anos, o diploma primário das mãos do então diretor Olavo Bilac. Formou-se professora pelo Instituto de Educação, tendo estudado, paralelamente, Inglês e Música
Em 1919 edita seu primeiro livro, Espectros, escrito aos 16 anos.
De 1919 a 1923 participou do grupo de escritores católicos, a chamada ‘corrente espiritualista’, que expunha suas idéias em três revistas: Árvore Nova, Festa e Terra do Sol.
Casou-se em 1922 com o artista plástico português Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas: Maria Elvira, Maria Matilde e Maria Fernanda.
Em 1923 publica Nunca Mais e Poema dos Poemas , este último ilustrado pelo marido.
Em 1925 escreve Balada para El-Rei, e em 1027, seu livro Criança, meu amor é indicado oficialmente como livro de leitura nas escolas.
De 1930 a 1934 dirigiu a página dedicada à educação do Diário de Notícias do Rio de Janeiro. Em 1934 fundou a primeira Biblioteca Infantil Brasileira no Pavilhão Mourisco, no Rio de Janeiro. Este centro foi fechado após breve período de funcionamento por conter a obra As Aventuras de Tom Sawer, considerada ‘obra perigosa’. Sinal dos tempos.
Em 1935 seu marido suicida-se.
Em 1938 recebeu o prêmio da Academia Brasileira de Letras por seu livro Viagens, livro que lhe valeu a consagração como escritora. Cecília Meireles assim descreve sua meta de escritora:

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“Acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica de salvação _ mas por uma contemplação poética afetuosa e participante”.
Casou-se em 1940 com Heitor Grilo. Neste mesmo ano, a convite do governo norte-americano foi para a Universidade do Texas onde lecionou Literatura e Cultura Brasileira.
Inicia-se um período de intensa produção literária: Vaga Música (1942); Mar Absoluto (1945); Retrato Natural (1949)
Em 1951 secretaria o Primeiro Congresso Nacional do Folclore.
Em viagens ao exterior, apaixona-se pelas coisas do Oriente. Foi à Índia a convite do Primeiro Ministro Neru, para participar de um simpósio sobre a obra de Gandhi. Escreve em 1962 Poemas Escritos na Índia. A Universidade de Nova Delhi concedeu-lhe o título de doutor honoris causis.
O Chile a homenageou concedendo-lhe o grau da Ordem do Mérito.
Outras obras da autora são: Giroflê, Giroflá, Ou Isto ou Aquilo, Olhinhos de Gato, Escolha o seu Sonho, Vozes da Cidade, O Argonauta, 12 noturnos da Holanda, Metal Rosicler, Solombra, Romanciero da Inconfidência.
Em 1958 o reconhecimento editorial de seu valor artístico ocorre por ocasião da publicação de sua Obra Poética.
Em Cecília Meireles o excesso de técnica não prejudica a mensagem poética; ela está empenhada ematingir a perfeição valendo-se de todos os recursos, tradicionais ou modernos. Em Romanceiro da Inconfidência, por exemplo, Cecília faz uma reconstituição bem pessoal e dramática do desenrolar dos fatos da malograda Conspiração Mineira. Nesta obra a palavra romance ganha o sentido de épico pírico. Citemos um trecho:

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“Liberdade ainda que tarde, ouve-se em redor da mesa/

E a bandeira já está viva/

e sobe, na noite imensa./

E os seus tristes inventores/

já são réus_ pois se atreveram/

a falar em Liberdade/ (que ninguém sabe o que seja).
Liberdade_ esta palavra/

que o sonho humano alimenta:/

que não há ninguém que explique,/

e ninguém que não entenda!/

E a vizinhança não dorme:/

murmura, imagina, inventa/

Não fica bandeira escrita/

mas fica escrita a sentença.”

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Cecília deixou inacabado um poema épico lírico em comemoração do 4° Centenário do Rio de Janeiro, falecendo em 9 de novembro 1964. Para Cecília, criar foi a razão de viver, como ela mesma testemunha em versos como este de “Aceitação”:

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“não tenho inveja às cigarras; também vou morrer de cantar”.

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Bibliografia:
Antologia da Literatura Brasileira – MEC
GOLDSTEIN, Norma Seltzer & BARBOSA, Rita de Cássia. Literatura Comentada. Abril Educação Editora.
MENEZES, Raimundo. Dicionário Literário Brasileiro. Ed. Saraiva, 1969.
TUFANO, Douglas. Estudos de Literatura. Ed. Moderna Brasileira, 1974.

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LIVRO ON LINE: . . . DIAS DE OUTONO . . .

parte 6 - @ da autora

neste diário interior, onde as datas não importam, a vida que está oculta sob a pele, não vivida, mas pensada...
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1998

BHC _ SIM!
Assim que a percebi, parei e retrocedi, não fosse a barata voar em minha direção. Às sete da manhã, há de se convir, é ousadia demais!
Nos corredores do ambulatório, ela bailava em zigue-zague. Emitindo reflexos castanhos-dourados à luz que se infiltrava pelo corredor. Visão até poética, fosse outra a bailarina. Essa apenas denunciava a nossa decadência. Convenhamos: baratas são arredias, vivem escondidas; quando surpreendidas parecem ter mais medo dos humanos que o inverso. Para cada barata dançarina, adivinho todo um corpo de baile oculto nos consultórios.
Há anos trabalhar no Ministério da Saúde significa fazer jus ao adicional de insalubridade. No verão passado, convivi bem com a explosão demográfica das cigarras, que estavam por toda parte – nas paredes, na maca, na balança, até nas gavetas. Eu as recolhia em caixas, cuidadosamente, e as soltava no jardim. Elas agradeciam encantando-me com sua orquestra de violinos.
E no verão anterior houve a invasão dos mosquitos. Fiquei “ dengosa”, apesar de acampar no trabalho besuntada de repelente.
Estoicamente, vou levando...mas...baratas? Começo a desconfiar que se trata de um plano maquiavélico de FHC contra nós, os federais, pois há seis anos ele tenta acabar conosco, sem o conseguir.
Não adianta, FHC. Resistirei!



Voltando de viagem de férias, registro aqui as confusões provocadas por:

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SIMPLES PALAVRAS

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-São sessenta dólares e dez...
Eu entreguei ao motorista sessenta dólares e uma moeda de dez centavos.
Não entendi porque o homem ficou nervoso e desandou a falar muito rápido e muito bravo. Repetia continuamente a palavra dez.
-Pois então! Eu lhe dei os dez.
Meu tio apareceu, deu dez dólares ao motorista e resolveu a questão.
A meu lado, minha irmã ria até as lágrimas. Eu não entendia:
-Pois não eram dez centavos? Ten cents?
-Eram dez por cento.
-Mas...
Meu tio, que só falava inglês, mostrou-nos a casa e disse que teríamos tudo o que precisássemos, sem preocupações e....
Eu me sentia tão orgulhosa de meu inglês! Entendi a palavra tip. Na lição nove de meu livro, havia uma lista de tips – dicas de viagens que um amigo dava a outro: tenha sempre à mão um mapa e um dicionário de bolso, coisas assim.
Respondi a meu tio que certamente eu contava com seu auxílio para me dar todas as dicas necessárias. Minha irmã desandou a rir novamente e meu tio arregalou os olhos.
-Você acabou de dizer ao tio que espera que ele pague todas as suas gorjetas – e minha irmã tranqüilizou o tio, em seu inglês impecável.
-Mas... tip não é dica?
-Oh, poupe-me! E o contexto?
-Mas que contexto?
Assim passaram-se dez dias. Eu dizia, por exemplo:
-Nós iremos ao lago Louise depois do feriado se não chover.
-Bem, como o guia falou em inglês, existe sempre a possibilidade de ele ter dito alguma coisa completamente diferente – e minha irmã, sempre bem humorada, completava – Nós iremos ao lago Heloísa antes do feriado mesmo que continue chovendo, por exemplo.
Que dias terríveis! Eu entendia todas as palavras-chave: lago, almoço, chuva – e perdia todos os elementos de ligação: antes, depois, mesmo que, somente se etc.
-Pedi à tia ‘roupas de cama’, por medo de errar na pronúncia da palavra lençol e acabar falando um palavrão.
-Shit, explicou minha irmã, com sua elegante entonação.
Mas na excursão para as Montanhas Rochosas as coisas mudaram. Havia canadenses de Quebec e suíços que só falavam francês e foi minha vez de servir de intérprete para minha irmã. E, como ela estava em companhia do namorado, eu me sentei ao lado de uma irlandesa, muito doce e atenciosa, que viajava sozinha. Ela me fazia perguntas e mais perguntas sobre o Brasil e por sua vez contava-me sobre a Irlanda.
Eu me sentia cada vez mais segura de meu inglês e orgulhosa de meu progresso. Minha irmã, lá do seu canto, lançava-me olhares de aprovação e incentivo.
Todas as noites, no quarto, eu resumia para minha irmã as longas conversas que tinha com a irlandesa. Eu estava realmente muito satisfeita com a facilidade com que me comunicava com a nova amiga.
Então houve aquele almoço, em que perguntei para minha companheira se ela nos acompanharia na gôndola. Falei devagar, mas firme, pronunciando cada sílaba dom clareza:
-Do you go to the top of the mountain by gondola after lunch?
Seus encantadores olhos azuis me sorriram com simpatia:
-Oh, yes! My tomato soup is delicious! and yours?
(Oh. Sim, minha sopa de tomate está deliciosa! E as sua?)



Julho passou, com seus dias claros e seu céu límpido fazendo a alegria das crianças e das donas de casa. Estas porque o pesadelo da roupa suja que não tem como ser lavada, pois recusa-se a secar quando a cidade se transforma numa nuvem úmida, e tudo nos armários fica cheirando a ‘cachorro molhado’, não aconteceu. E aquelas brincaram até fartar empinando pipas, correndo pela areia da praia e até tomando sorvetes - que estava quente e os pais não tinham porquê proibir.
Julho passou perfeito para férias, ensolarado, quente, lindo.
Inverno sem frio, no entanto, não tem graça nenhuma. Fiquei, frustrada, a esperar pela minha estação do ano preferida.
Inverno, afinal, tem seu jeito próprio, seus aromas, seus sabores: o caldo verde, o fumegante cozido português, o chocolate quente com marshmallow, o vinho quente, o fondue...
Pinhões tem gosto especial quando queimamos nossos dedos gelados no ingrato trabalho de descascá-los; as mãos ficam vermelhas e o estômago, aquecido.
Até mesmo as prosaicas pipocas são mais saborosas nas noites frias em que nos enrolamos em cobertores em volta de uma mesa, como escoteiros acantonados, para um joguinho de cartas.
Inverno é poder vestir-se com elegância; desfilar de blazers, casacões, túnicas e sofisticadas botas.
Inverno mesmo é quando dois cobertores não são suficientes e o companheiro pula quando lhe encostamos nossos pés - e a gente dorme soterrada entre montanhas de edredons, meias, gorros e cachecóis.
Inverno mesmo é quando a gente perde a hora porque a manhã é tão escura, o soninho tão bom e a chuva grossa nos embala como uma canção de ninar.
Inverno perfeito é quando a gente, semicongelada, espera um dia inteiro pelo namorado carinhoso que nos envolve em um abraço daqueles tão aconchegantes que nosso coração se aquece, o mundo torna-se agradável e a felicidade, possível.



Sonho: uma casa ruim, totalmente desarrumada; sigo minha filha até umquarto atulhado de fiapos de ráfia, caixas e coisas; lá encontro meu piano, com teclas descascadas e começo a tocar; ele se transforma em um tear com um padrão de mosaico preto e branco, que manuseio espantada. Tocam a campainha; um bando de palhaços diz que alugou a casa, que vão mudar-se e que eu devo sair. Eu afirmo meus direitos de locatária, eles acampam no corredor. Fico assustada, agora não poderei sair de casa para que eles não invadam tudo em minha ausência’.
Acho que minha vida voltou a ficar uma bagunça – desorganização emocinal e mental. Palhaços são fantasias, ilusões, loucura. Devo impedir que fantasias loucas tomem casa de minha casa mental.


Se ‘na casa de meu Pai há muitas moradas, deve haver um lugar PARA MIM!!!’
Meus pés ciganos, inquietos, procuram novos caminhos. Morei em vinte lugares diferentes sem nunca sentir-me ‘em casa’. Aqui há sol demais, lá venta em demasia, acolá chove de embolorar a alma, ou há barulho demais ou há privacidade de menos. Meus móveis nunca estão bem: falta espaço, não encontro posição para dormir, experimento todas as combinações possíveis de decoração, troco tudo de lugar e é o mesmo desconforto, nunca estou bem em lugar algum!
Ah, que saudade da biblioteca de minha infância, com a cadeira de balanço de papai! Eu me aninhava nela em sua ausência e viajava em livros de aventuras. Que saudades da rede na varanda em frente à frondosa acácia que atapetava o chão com folhinhas miúdas e pétalas douradas! Meus pesadelos são povoados de casas desarrumadas, em ruínas, entulhadas de objetos e uma profusão de cacarecos estranhos, e eu atravesso estas casas por portas escancaradas a procurar, procurar sei lá o quê, ano após ano.
Em certo sonho, eu passeava a cavalo, apreciando uma mansão linda, ampla, clara e agradável, e exclamava: Ah, existem casas de pessoas felizes!
Em outro sonho encontrei minha própria casa toda bem arrumada, recém-pintada e bem mobiliada. Operários se retiravam a dizer: ‘a casa está pronta, é só entrar e morar’
Não tive coragem de encara aquela casa silenciosa e afastei-me. Noite após noite, ao dormir, prossigo em minha buscas solitárias pelas ruas e pelas multidões, olhando atentamente cada rosto, quase sem esperança. Meus pés ciganos, inquietos, gostariam de enraizar-se, desabrochar e florir, mas para isso seria preciso que meu coração encontrasse um lar.

Esta é outra das historinhas acontecidas em meu trabalho.
Como se sabe, fila é ótimo local para sociólogo estudar povo – pobre povo brasileiro, como poderia ser diferente, se lhe falta o básico: a casa, o emprego, a escola.
Na fila do INAMPS, por exemplo, há quem procure o especialista em figos, surdos em busca do Dr. Rino e o homem que quer porque quer marcar consulta com o ginecologista por estar com ‘doença de mulher’. Também há os que não desejam consulta nenhuma. Absolutamente! Querem tão somente uma receita ou um pedido de exames. E quando a balconista tenta explicar que só o médico pode fazer estes pedidos, das duas uma: ou recomeça a ladainha ou põe-se a reclamar do funcionário público vagabundo que trata mal o público.
Um dia desses um fiscal do INAMPS que, vistoriando o posto, percorria os vários setores, na louvável intenção de compreender in locu todos os entretantos, chegou-se ao balcão de marcação de consultas e cortou o primeiro da fila, dirigindo-se diretamente ao funcionário atrás do balcão:
- Com licença, eu sou fiscal do INAMPS e preciso de umas informações.
- Pois não. Aguarde na fila.
- Eu sou um fiscal do INAMPS.
- Está certo, mas aguarde na fila.
- Você não entendeu? Eu sou um fiscal!
- Próximo, por favor. Meu senhor, mesmo sendo um fiscal, o senhor tem de aguardar sua vez na fila.
- Eu não vim marcar consulta.
Furioso, o fiscal escreveu um relatório a quem de direito, solicitando a imediata suspensão do funcionário, que, para surpresa do fiscal, explica-se administrativamente, através de uma carta, com um trecho mais ou menos assim:
‘todo dia agendo consultas para várias especialidades, inclusive psiquiatria. Em minha rotina diária atendo todo tipo de gente importante: o presidente do Brasil, o prefeito, Jesus Cristo, artistas e cantores famosos, e, recentemente, dirigiu-se a mim um fiscal do INAMPS’.
Mas, afinal, porque o sujeito não apresentou suas credenciais? Simples, não?


Fechei-me para balanço.
Uma pessoa nunca deve esquecer-se de lembrar-se das mágoas passadas. É só a gente ficar feliz, abrir a guarda e – touché!
Um artigo meu é publicado em uma revista de saúde de distribuição nacional e eu vou, idiotamente feliz, repartir a alegria com a minha mãe, como uma filha razoavelmente normal.
Ela pega a revista, lê e então comenta:
Acho que tem um errinho aqui, nesta linha, escreveram duas vezes a palavra para.
Eu pego a revista de volta, guardo. Ela ajeita os vasos de flores na janela.
Eu posso perdoar-lhe esta pequena desatenção porque a escolha de ser indelicada é dela. Mas devo lembrar, para nunca mais mostrar-lhe coisa nenhuma de minhas pequenas alegrias, nunca mais contar-lhe sobre meus pequenos triunfos.
Quando eu era pequena, vinha para casa com o boletim cheio de dez e ficava com os olhos cheios de lágrimas quando o elogio tão desejado não vinha. Papai dizia a ela: não vai dar os parabéns para sua filha inteligente? E ela dava de ombros: Por que? Ela não fez mais que a obrigação.
Eu devo ter sido uma filha indesejada. Nasci em uma hora ruim. Ou chorei por madrugadas inteiras por semanas a fio até enlouquecer minha mãe. Não sei ou não lembro.
Se eu ganhasse o ouro olímpico, minha mãe diria que em algum lugar do planeta alguém com um recorde melhor que o meu deixou de concorrer, só para transformar minha medalha em um prêmio sem valor.
Para ela nada está suficientemente bom. Para mim, há muito está bastante ruim.





Lá estávamos, os primos em segundo e terceiro graus, os que se reúnem esporadicamente nos casamentos e batizados da vida, após anos de ausência, com o mesmo nostálgico sorriso de ‘lembra-se de como brincávamos juntos na casa do avô?’ e com o mesmo suspiro fatigado de ‘ah! esta vida corrida que a gente leva!’
Cada festa em família reacende o desejo de compartilhar, pois, afinal, esta é a finalidade da família; durante alguns dias pensamos em promover uma churrascada ou um passeio, mas logo o cotidiano empurra rotina abaixo nossas boas resoluções.
Aí passam-se dois ou três anos até que alguém se case ou batize um filho e é aquela alegria do reencontro, aquela sucessão de calorosos abraços e as trocas de confidências, piadas e receitas.
A última reunião, contudo, foi bem diferente.
Os abraços até que forma mais calorosos, os sorrisos mais amigos, as conversas mais prolongadas, mas havia aquele incômodo constrangimento no ar.
É que a reunião familiar, inesperada, urgente, era um velório. E o primo que falecera nem era o mais velho de sua geração. Os sussurros, aqui e ali, estremeciam os ouvintes:
- Eu o carreguei no colo.
- Brincamos juntos.
- Eu me lembro bem de quando ele nasceu.
- Tão moço... tão bonito...
Agora, à medida que o tempo vai passando, dia um, dia outro, dá o seu recado: hoje um telefonema, amanhã uma rápida visita, e o primeiro que aniversariou levou um susto: a casa cheia de parentes.
Tenho certeza de que de agora em diante será assim: aniversários concorridos no decorrer do ano, por duas razões. A primeira é que nos demos conta de que a morte não escolhe idade. A segunda é como diz o avô:
- “Não quero saber de flores sobre a minha tumba. Quem quiser demonstrar o seu amor por mim, trate de fazê-lo enquanto eu estou vivo.”


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