sábado, 13 de novembro de 2010

ABAIXO A DITADURA


Antonio Luceni
aluceni@hotmail.com


Há algumas semanas acompanho uma polêmica criada em Araçatuba a partir de algo bastante simples, no meu modo de pensar: uma pintura em grafite num dos muros do I.E. (Instituto Educacional Manoel Bento da Cruz).
Tomei conhecimento das discussões por meio do jornal que dedicou vasto espaço em suas páginas a fim de problematizar o irrelevante. E foi acompanhado por promotor, professores, artistas e tudo o mais.
Uns se posicionaram contra: “Onde já se viu, pintar um muro com folhas de maconha?”, “Isso não deveria estar pintado no muro de uma escola, onde é que nós vamos parar?”...
Outros refutaram a polêmica: “Todos temos direito de dizer, tocar, dançar e pintar o que quer que seja, estamos em um país livre”, “Querem nos fazer calar, mas não vão conseguir.”...
E os próprios grafiteiros, depois de terem sua obra violada, não deixaram por menos: “O graffiti nasceu sem algemas, não é você quem irá colocá-las”, respondendo ao promotor de justiça que agora acompanha o caso.
Dias depois conversava com um diretor de uma outra escola estadual da cidade e não entramos num acordo com relação ao acontecido. Ele insistia que a pintura não deveria estar num muro de escola porque era forte propaganda e incitação para os jovens. Tentei argumentar dizendo que todos os assuntos e temas são, por natureza, de interesse da escola. Afinal, se não tivermos liberdade de pensamento e reflexão na escola, onde mais os teremos?
Achei adequada a preocupação do promotor e da direção da escola de quererem privar a integridade dos adolescentes e jovens daquela instituição. É verdade que isso deve ser a meta de todos que se relacionam com a infância e a juventude... com o ser humano. Mas fiquei pensando numa frase proferida pelo grande artista Pablo Picasso quando foi interpelado por um General em uma de suas exposições em que o conhecido painel “Guernica” era exibido. Com tom de desdém o general lhe perguntou, referindo-se à obra: “Quem fez isso?”, e na mesma intensidade de ironia Picasso respondeu: “Vocês!”.
E não estava respondendo a verdade? Picasso não fez guerra nenhuma. Não tinha autonomia para iniciá-la. O que ele fez foi simplesmente retratá-la e, a partir do momento em que a obra ficou pronta, provocando ideias tantas a despeito dos horrores que a guerra provoca e tudo mais.
Quando os grafiteiros – ou quaisquer outros artistas – colocam em suas obras os horrores sociais (entre os quais as drogas) será que estão produzindo-os ou apenas REproduzindo-os? A discussão do uso e do estímulo ao uso das drogas atravessam outras questões bem mais intensas e nocivas do que uma linda e provocativa pintura: entram questões de controle de fronteiras, por onde as drogas entram; pela questão de segurança social, equipando, treinando e pagando policiais para que prestem um serviço de qualidade; pelo controle do capitalismo desenfreado, uma vez que a indústria do álcool e do tabagismo ainda impera em nosso meio levando adolescentes, jovens e adultos cada vez mais cedo para o vício de tais drogas; passa pelo exemplo – certamente alguns dos que criticaram e apagaram o grafite feito no muro da escola fumam e bebem na frente de filhos e alunos: será que isso não é estímulo pior e mais direto?
Se há problemas com a falta de exemplo nas escolas brasileiras, há que se começar dentro dos muros e depois ir para fora deles. Se há preocupação verdadeira com adolescentes e jovens araçatubenses, então que se revejam sua presença nos faróis da cidade (que a cada dia estão mais cheios), no alto da Avenida Brasília, com adolescentes e jovens se prostituindo, nas bocadas de muitos bairros periféricos de nossas cidades que intoxicam crianças, adolescentes e jovens no percurso de casa para a escola, chegando drogados nas instituições para que o professor “se vire” com eles.
Vamos cuidar da raiz do problema, para que a árvore possa dar frutos.


Antonio Luceni é escritor e professor. Diretor de Cultura de Araçatuba entre os anos 2005 e 2008.

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