sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Quando surge a consciência?

A consciência é constituída por circuitos neurocerebrais e pode ser descrita como um emaranhado perceptivo-cognitivo permeado pela subjetividade. Ultimamente, vários estudos nas áreas de psicologia e neurociências têm investigado fases cada vez mais precoces do desenvolvimento humano na tentativa de decifrar esse processo.

Mas quando começa a viagem mágica rumo à aquisição da consciência? Sua formação requer uma sofisticada rede de células neurais inteconectadas. Seu substrato físico, o complexo talamocortical que fornece conteúdo altamente elaborado, começa a se constituir entre o 24. e a 28. semana de gestação. Aproximadamente dois meses depois, já é possível acompanhar esse processo em ambos os hemisférios corticais e o início da integração neuronal global por meio de exame eletroencefalográfico (EEG). Por volta do terceiro trimestre de vida do feto, estão em formação vários elementos necessários para a consciência. Nessa fase, prematuros podem sobreviver fora do útero sob cuidados médicos especiais, e é muito mais fácil observar um bebê nessas condições, bem como interagir com ele, do que fazer o mesmo com um feto da mesma idade no útero. A criança na barriga da mãe, é considerada um futuro bebê. Mas essa noção não leva em conta o ambiente muito específico e incomparável: flutuando numa bolha aquecida e escura, ligado à placenta que bombeia seu corpo e cérebro em crescimento, o feto está acordado.

Estudos baseados em observação usando ultrassom e registros elétricos em humanos mostram que um feto no terceiro semestre está quase sempre num de dois estados de dormência. Chamados de sono ativo e sono calmo, esses estados podem ser identificados por meio de eletroencefalografia. As diferentes marcações do EEG estão sempre associadas a comportamentos distintos: respiração, deglutição, capacidade de lamber e movimento dos olhos no sono ativo. No sono calmo não há respiração, movimento ocular ou atividade da musculatura tônica. Esses estágios correspondem ao movimento rápido dos olhos (sono REM) e sno de ondas lentas, comum em todos os mamíferos. No final da gestação o feto está num desses dois estados de sono 95% de tempo, intercalados por breves transições.

O mais interessante nessa descoberta é que o feto está efetivamente sedado pela baixa pressão de oxigênio (equivalente à do topo do monte Everest) e pelo ambiente uterino, aquecido e acolchoado, além de exposto a uma série de substâncias neuroinibidoras e indutoras do sono produzidas pela placenta e pelo próprio feto. Surge, porém, uma complicação. Quando aspectos na fase REM do sono, geralmente relatam sonhos nítidos com narrativas longas e detalhadas. Embora a consciência durante o sonho não seja a mesma que a da vigília, e insights notáveis e autorreflexão estejam ausentes, os sonhos são consicentemente vividos e sentidos.

Depois do nascimento, o conteúdo onírico é formado por memórias recentes e antigas. Estudos longitudinais - buscam encontrar correlação entre variáveis, por meio do acompanhamento de uma mesma população por um longo período - de sonhos de crianças realizadas pelo psicólogo americano David Foulkes sugerem que sonhar é fundamental para o desenvolvimento cognitivo gradual e está fortemente vinculado à capacidade de imaginação visual e as habilidades visuoespaciais. Por isso, os sonhos de meninos e meninas em idade pré-escolar geralmente são estáticos e planos, sem elementos ou personagens que se movimentam ou agem, dificilmente envolvem sentimentos e raramente se baseiam em memórias. Mas o que seria sonhar para um organismo que passa o tempo todo suspenso numa espécie de tanque de isolamento, sem memórias e sem ter como imaginar qualquer coisa?

No entanto, acontecimentos violentos que ocorrem durante o parto natural exigem que o cérebro desperte abruptamente. Assim, o feto é forçado a abandonar sua existência paradisíaca protegida no refúgio aquoso e aquecido para viver em um mundo hostil e frio que agride seus sentidos com sons, odores e visões totalmente estranhos, um evento por si só, bastante estressante.

O pediatra Hugo Lagercrantz, do Instituto Karolinska, em Estolcomo, descobriu há duas décadas que uma descarga maciça de norepinefrina mais poderosa que a liberada pelo organismo durante qualquer salto de paraquedas que aquele bebê possa vir a realizar na vida adulta, a liberação do estado de anestesiamento e a sedação ocorrida quando o feto se desprende da placenta o despertam para as novas circunstâncias que terá que enfrentar. Então ele respira pela primeira vez, acorda e começa a sentir a vida.


Fonte: Revista mente & cérebro - Setembro/2010.



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