Chacal

Chacal (Ricardo de Carvalho) nasceu no Rio de Janeiro,

neste 24 de maio, em 1951. Mais conhecido como músico e

letrista — com parcerias célebres com Lulu Santos, 14 Bis,

Blitz e outras bandas e compositores de sucesso —,

Chacal é também, e sobretudo, um poeta criativo, original,

irreverente.  Surgiu com Muito Prazer , Ricardo (1971) e

desde então colabora em antologias, revistas impressas e

eletrônicas, em performances, como autor e editor de

livros, cronista, guionista, o escambau.

Recentemente reaparece  na Antologia comentada da

poesia brasileira do século 21, organizada por Manuel da

Costa Pinto, em edição da Publifolha (2006).

LIVROS PUBLICADOS:

1971 (RJ) – Muito Prazer, Ricardo (Ed. do Autor);

1972 (RJ) – Preço da Passagem ( Ed. do Autor);

1975 (RJ) – América ( Ed. do Autor);

1977 (RJ) – Quampérius (Nuvem Cigana);

1979 (RJ) – Olhos Vermelhos (Ed. do Autor);

1979 (RJ) – Nariz Aniz (Ed. do Autor);

1979 (RJ) – Boca Roxa (Ed. do Autor);

1982 (RJ) – Tontas Coisas (Ed. Taurus);

1983 (SP) – Drops de Abril (Ed. Brasiliense);

1986 (SP) – Comício de Tudo (Ed. Brasiliense);

1994 (RJ) – Letra Elétrika (Ed. Diadorim);

1998 (RJ) – Posto Nove (Ed. Dumará/ Rioarte);

2002 (RJ) – A Vida é curta pra ser pequena (Ed.Frente);

2007 (SP) – Belvedere (Cosacnaify e 7 Letras)

PRÊMIOS:

2008 ( SP ) – APCA ( Associação Paulista de Críticos de Artes );

pelo livro BELVEDERE – poesia reunida;

2004 (RJ) – Prêmio URBANIDADE 94

(Instituto de Arquitetos do Brasil)  pelo CEP 20.000.

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Chacal e a Nova Linguagem da Poesia Brasileira

Por Ricardo Silvestrin

silvestrin.blogspot.com

Em 2007, a editora brasileira Cosac Naify lançou uma reunião com a produção do poeta Chacal. O volume contém as obras editadas de 1971 a 2002, além do inédito Belvedere, com uma série de novos poemas. O conjunto mostra a força e a originalidade desse autor que está no centro da transformação da poesia brasileira do final do século XX até os nossos dias.
Chacal, Ricardo Carvalho Duarte, nasceu no Rio de Janeiro, em 1951. Aos vinte anos, lançou Muito prazer, Ricardo. Em seguida, O preço da passagem e América. Os três livros foram produções independentes, com tiragens pequenas, distribuídas de mão em mão nos bares, portas de cinema e teatros. Em 1975, lançou a narrativa em versos Quampérios pelo grupo Nuvem Cigana, uma produtora de eventos e inventos que uniu escritores, artistas plásticos, músicos, atores e pirados em geral. Em 1979, colocou na rua, novamente de forma independente, a trilogia Olhos vermelhos, Nariz aniz e Boca Roxa. Em 1983, esses livros foram reunidos em Drops de abril, coletânea distribuída em todo o Brasil pela grande editora Brasiliense.
O impacto desse resgate foi enorme na produção dos jovens poetas do início da década de oitenta. O verso de Chacal, dialogando com as cenas rápidas, o humor, a fala telegráfica de um dos mais inventivos modernistas brasileiros, Oswald de Andrade, constrói um poema que deixa velho o que vinha se fazendo até então. A fala sem cerimônia, a gíria, o rock, a contracultura, a festa, as drogas, tudo isso que estava fora da poesia entra como sangue novo dessa nova linguagem. O poema não fica apenas nos livros (embora se sustente como poema escrito, com lances visuais pelo corte do verso no espaço, pelo artesanato sonoro, pelos neologismos, pelo prazer da palavra grafada que se revela a cada página), mas é falado em bares, shows de rock, peças de teatro, espetáculos, integrando-se às diversas artes. O poema e o poeta também são indissociáveis na voz de Chacal dizendo ao vivo seus textos. Com ele e seus colegas de geração, a “rapaziada” passou a curtir e a consumir poesia. É um poeta “na idade do rock”, como se lê num dos seus poemas.
Entretanto, todos esses atributos de época, mesmo sendo importantes, não dão conta da totalidade de Chacal. Todo grande autor que traz uma novidade para seu tempo, se sua obra perdura é porque ele tem algo que vai além e aquém da sua época. A linguagem sempre nova de seus poemas, mesmo os escritos já há mais de trinta anos, resistindo a virar redundância, mostra uma sabedoria criativa com as palavras que só possuem os que conhecem os mistérios da expressão poética. Sua visão do mundo, do ser humano, da sociedade, do poder, da sexualidade, da linguagem confere uma verticalidade ao que é dito, encontrando e tateando, mesmo no clima de festa do seu texto, camadas menos aparentes da existência.
Chacal está sempre na contramão. Tem um olhar enviesado sobre tudo. As verdades são postas em cheque, assim como a literatura, a postura de literato ou de autor, a poesia, as palavras, a edição, o livro, a vaidade. Sua origem de esportista, de garoto de praia traz um ar bom de respirar para o texto. Mas mesmo esse garoto rockeiro, hoje já com 58 anos, está com um pé na festa e outro num espaço próprio, crítico e, sobretudo, reflexivo. Enquanto afirma a vida, afirma a dúvida. Até porque a palavra vida está dentro da palavra dúvida. Como ele mesmo afirma num poema: “sempre deixei as barbas de molho”.
Em 1986, Chacal lançou Comício de tudo, também pela Brasiliense, livro de crônicas e poesias – textos inquietos e inventivos em prosa e/ou verso. Em 1994, vem Letra elétrica. Em 2002, A vida é curta pra ser pequena. Por fim, Belvedere, 2007. Lendo do fim ao princípio, como propõe a ordem dos poemas no livro, ou voltando a fita e ampliando o foco sobre a produção mais recente, fica uma certeza: sua palavra continua caminhando em cima da difícil lâmina da surpresa. Sutilezas sonoras, como achar a luz dentro do nome de Lúcifer e outros tantos lances estéticos que não vou enumerar para não estragar a aventura da sua descoberta, prezado leitor. Com vocês, um pouco da poesia de Chacal.

Poemas do livro Belvedere (Cosac Naify, São Paulo, 2007)

COMO ERA BOM

o tempo em que marx explicava o mundo
tudo era luta de classes
como era simples
o tempo em que freud explicava
que édipo tudo explicava
tudo era clarinho limpinho explicadinho
tudo era muito mais asséptico
do que quando eu nasci
hoje rodado sambado pirado
descobri que é preciso
aprender a nascer todo dia

SETE PROVAS E NENHUM CRIME

Havia a mancha de sangue no jaleco
E nenhum corpo
Havia o olhar rútilo, o rosto crispado
E nenhum motivo
Havia o cheiro impregnado no corpo
E nenhuma digital
Havia o vírus, o bilhete, a arma branca
E nenhum assassinato
Havia em vão uma confissão
E nenhum ilícito
Havia a cadeira de rodas vazia
E nenhum suspeito
Havia um gato emborcado no aquário
E peixe nenhum

LÚCIFER LÚCIFER

no princípio,…….
e o que não estava, assim ficou.

areia na ampulheta
tempo ao tempo
tempão

até que um ponto pintou
uma partícula luziu ali no nenhum nenhum
quando o escurão se ameaçava eterno
um fóton espocou

flash selvagem
cavalo vertigem
onda que estoura

– lúcifer! lúcifer! inflamai minha candeia!
cremai essa mortalha que me amortece os membros!
flambai tudo, fogaréu!

o que era ponto, esfera virou.
o que era onda se expandiu e o sol meianoiteceu.
ali onde tudo era penhasco, secura, aridez.
a luz se fez.

– lúcifer! lúcifer! erguei-vos, anjo! daí as cartas!
dai linha para que tudo em mim se movimente
e eu possa, apaziguados meus fantasmas,
me levantar em vossa luz.
lúcifer! lúcifer! imperai!

O BEIJO

todo mundo precisa de beijo
o ascensorista a vitrinista
o judoca o playboy
o zagueiro o bombeiro o hidrante

o hidrante precisa também
de cuidados água farta
analgésicos e dinheiro

todo mundo precisa de dinheiro
o maracanã o pavilhão de são cristóvão
o cristo a pedra da gávea o dois irmãos

quem não precisa de dinheiro?
todo mundo precisa de beijo

VENTO

grafar uma música
é como querer
fotografar o vento

a música existe no tempo
a grafia no espaço
o vento no vento

VIDA DE ARTISTA

sempre deixei as barbas de molho
porque barbeiro nenhum me ensinou
como manejar o fio da navalha

sempre tive a pulga atrás da orelha
porque nenhum otorrino me disse
como se fala aos ouvidos das pessoas

sou um cara grilado
um péssimo marido
nove anos de poesia
me renderam apenas
um circo de pulgas
e as barbas mais límpidas da Turquia

ALMA DE ÍNDIO

das pessoas que a gente gosta
o que dá vontade é quando se
encontra dar uma barrigada
um abraço um grande beijo.
mas a mórbida catequese se
instala na alma desse índio
sem cerimônia.

É PROIBIDO PISAR NA GRAMA

o jeito é deitar e rolar

“UM POETA NÃO SE FAZ COM VERSOS”

o poeta se faz do sabor
de se saber poeta
de não ter direito a outro ofício
de se achar de real utilidade pública
no cumprimento da sua missão sobre a terra
escrevendo tocando criando

o que pesa é não se achar louco
patético quixote inútil
como quem fala sozinho
como quem luta sozinho

o que pesa é ter que criar
não a palavra
mas a estrutura onde ela ressoe
não o versinho lindo
mas o jeitinho dele ser lido por você
não panfleto
mas o jeito de distribuir

quanto a você meu camarada
que à noite verseja pra de dia
cumprir seu dever como água parada
fica aqui uma sugestão:
– se engavete com os seus sonetos
porque muito sangue vai rolar e não
fica bem você manchar tão imaculadas páginas.

DESABUTINO

quem quer saber de um poeta na idade do rock
um cara que se cobre de pena e letras lentas
que passa sábado a noite embriagado
chorando que nem criança a solidão

quem quer saber de namoro na idade do pó
um romance romântico de cuba
cheio de dúvidas e desvarios
tal a balada de neil sedaka

quem quer saber de mim na cidade do arrepio
um poeta sem eira na beira de um calipso neurótico
um orfeu fudido sem ficha nem ninguém para ligar
num dos 527 orelhões dessa cidade vazia

(Publicado originalmente na revisa Lamás medula, Argentina)

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1 Responses to Chacal

  1. thaynara disse:

    qual é o entendimento dessa poesia um poeta nao se faz com versos/

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