terça-feira, 1 de abril de 2008

Ar-condicionado ecológico

Morar em uma casa verde e usar a tecnologia como aliada na preservação dos recursos naturais. Foi esse o sonho que o engenheiro Sérgio Cordeiro cultivou durante anos. Quando resolveu se casar com a arquiteta Consuelo Jorge, a idéia saiu do papel. Planejar tudo foi mais trabalhoso do que pôr a casa em pé. "Passamos mais de um ano pensando no projeto e foram dez meses de obra", conta Sérgio.
Logo na entrada fica a parte mais visível do projeto, que transformou a água na alma da casa. Uma cascata ajuda a resfriar chapas de aço. Por trás, corre uma tubulação que leva para dentro da sala ar fresco e úmido. É um ar-condicionado ecológico, que reduz a temperatura da casa em até 5 graus Centígrados. E o melhor: tudo é feito com água da chuva.
Este é só um dos mecanismos que permitem o uso mais inteligente da água. Para o casal, o líquido que deixa as roupas mais limpas e que escorre pelos chuveiros e pelas pias de cada banheiro é precioso demais – não pode simplesmente escapar pelo ralo. A água é sempre reaproveitada.
"Toda água vai para um reservatório, é filtrada, recebe um tratamento adequado e é bombeada para cima, onde é reutilizada na bacia sanitária", explica Consuelo.
O cérebro que comanda a operação ecológica fica escondido no quintal, em um emaranhado de canos e caixas d'água. Mas Sérgio não se perde no labirinto. "A água, após o uso no chuveiro e lavatório, passa por dois filtros que ficam enterrados", conta.
A filtragem é para retirar os resíduos de sabão em pó, xampu e sabonete. Depois, a água é bombeada para uma caixa d'água exclusiva, que abastece todos os vasos sanitários da casa. Mas o reservatório maior, fechado com uma tampa branca, armazena água de chuva, para ser usada na irrigação do jardim, na cascata, na lavagem do quintal e de toda a área externa. Com isso, a conta da água caiu em 40%. E Sérgio não precisa fazer força para manter a caixa sempre abastecida.
"Em dias de chuva de verão, aquelas bem fortes, que duram em torno de 40 minutos, são colocados 20 mil litros d'água dentro da caixa. Uma única chuva enche totalmente a caixa. Essa água dura mais ou menos 25 dias", diz ele.
Olhando de fora, não parece uma solução ao alcance de todo mundo, mas Sérgio garante que há projetos para todo tipo de bolso. "Pode-se colocar uma caixa d'água próxima a um condutor que vem do telhado. Com um pouco de cloro, a água pode ser utilizada com uma bomba", diz o arquiteto.
A água da chuva também foi uma preocupação na hora de planejar um condomínio em São Paulo. Uma lei recente obriga a construção de reservatórios para conter a água da chuva. A medida é para evitar enchentes, mas os engenheiros resolveram dar um passo a mais.
"A lei nos obriga a captar uma hora ininterrupta de chuva. Depois, podemos lançar a água nas ruas. Preferimos reaproveitar a água, ou seja, ela é bombeada para uma caixa elevada e, uma vez armazenada, é utilizada em torneiras espalhadas pelas residências", explica o engenheiro Alberto du Plassis Filho.
E o sistema, para cada morador, não saiu tão caro: menos de 0,5% do valor da casa. As torneiras com água da chuva são marcadas com uma canopla verde. Um alerta para que a água da chuva não seja usada no consumo humano.
A economia não é a única satisfação dos moradores, que já aproveitam a novidade. "Não devemos esperar só das autoridades o planejamento para o uso correto da utilização da água, da luz. Acho que nós também temos que fazer a nossa parte", comenta a produtora Desirreè Sposito de Carvalho
A Sabesp, companhia de saneamento de São Paulo, já oferece água de reúso para os consumidores. Ela custa um terço do preço da água tratada, que normalmente chega às torneiras, não pode ser bebida nem usada na cozinha ou na higiene pessoal. Quem compra, basicamente, são as prefeituras para lavagem de ruas e praças e para limpar toda a sujeira deixada pelas feiras-livres.
É em tanques que a Sabesp transforma esgoto em água de reúso. Por mês, são produzidos 20 milhões de litros. A companhia poderia multiplicar por quatro o fornecimento, mas aí seria preciso construir uma rede de distribuição só para essa água reaproveitada, o que custaria caro demais.
Por isso, dizem os técnicos, a saída é fazer o reaproveitamento da água diretamente nos locais onde há grande concentração de gente, como aeroportos, escolas, prédios comerciais e empresas.
O professor Ivanildo Hespanhol, da Universidade de São Paulo (USP), é especialista em reúso de água. Ele acredita que o brasileiro precisa mudar a relação com esse bem que vai se tornar cada vez mais escasso. É necessário acabar com a cultura da abundância. Muitas empresas já perceberam isso.
"Há dez anos, a indústria não se preocupava com a água. A água era abundante, não tinha custo. Grande parte das indústrias não sabe nem onde usa água. Elas vão ter que começar a setorizar o consumo: ver onde gastam a água e depois tentar economizar", comenta o professor.
Uma indústria de pequeno porte em São Paulo já fez as contas: reutilizar água faz bem para o bolso. É uma fábrica de semicondutores – peças ultra-sensíveis, produzidas a partir do silício.
"O material chega cinza e é preciso água para todo processo químico de transformação. É uma purificação do silício, que começa com uma limpeza, que consome um monte de água", explica o gerente de produção Eduardo Marzano.
Antes, a água usada na limpeza do silício era simplesmente descartada. A empresa hoje consome dez vezes menos porque reaproveita a água.
"A água usada para limpar o silício passa de um tanque maior para outro, onde é feito o tratamento", conta Eduardo.
O tratamento é simples, feito por apenas um funcionário. No fim, uma lama branca é retirada da água que está pronta para voltar à fabrica, em outras fases da produção. Usando bem a água, a empresa economiza cerca de R$ 8 mil por mês.
"Nós, como empresa pequena, temos sempre a idéia de reduzir custos. E essa foi uma maneira de utilizar a água de uma forma mais inteligente e econômica", avalia Eduardo.

Reportagem acessada em:
http://redeglobo6.globo.com/Globoreporter/0,19125,VGC0-2703-5013-1-80502,00.html

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