Ainda falta o brevê

por Christina Abelha

 

 Quem já experimentou, sabe. O simulador de vôo, mais do que um simples game, é um excelente treinamento para quem aspira pilotar uma aeronave de verdade. Aliás, chamá-lo de jogo é a forma mais fácil de irritar os pilotos virtuais, uma turma que mescla idades e profissões diversas. Enquanto sonha com o brevê, essa gente que vive à cata de novos modelos de aeronaves e cenários na Internet acumula experiência aprendendo a voar utilizando instrumentos de navegação.

 Antes que a confusão se instale, os veteranos no assunto explicam. Existem o game de simulação de vôo de aeronaves de guerra — este sim, pode ser chamado de jogo —, e o simulador de vôo civil, que não estabelece competição. Apenas permite que os apaixonados por aviação sintam o gostinho do que é pilotar.

 Eles elegem o Microsoft Flight Simulator como o melhor do gênero, por sua versatilidade. E é bom que se diga "eles", pois os aficionados por simuladores de vôo formam um verdadeiro Clube do Bolinha. Reúnem-se em listas de discussões e ampliam cada vez mais o quadro de associados das companhias aéreas virtuais na Rede mundial de computadores. No Brasil, uma se destaca: a Virtual Brazilian Airline (VBA), com mais de quinhentos pilotos ativos.

 — É um lazer com a finalidade de aprendizado. Num jogo você supõe que haja um vencedor, situação que existe nos games de guerra. O simulador de vôo civil Flight Simulator, entre outros, tem a proposta de aproximar você, ao máximo, da condição de um piloto comercial ou privado, sem estabelecer competição. A palavra jogo não é bem aceita pelos pilotos virtuais — explica o estudante capixaba de Ciência da Computação, Wanthuyr Zanotti Filho, 20 anos.

 Apaixonado por aviação e informática, Zanotti treina no simulador em seu PC — hoje, um Pentium 100 — desde 1992. Em setembro do ano passado lançou sua home page em http://www.geocities.com/capecanaveral/5006, onde disponibiliza informações sobre aviação.

 Como sonha em tirar brevê, Wanthuyr associou-se a duas companhias aéreas virtuais, a brasileira VBA e a americana Noble Air (NA). "Associado a uma dessas companhias, o piloto virtual passa a ter rotas a cumprir, tornando mais real a sua condição", explica.

 Às segundas-feiras, acessa o endereço http://www.ecv.ufsc.br/~vba e entra no Flight Roster (tabela de vôos onde fica registrada sua tarefa semanal: rotas de um vôo obrigatório e um opcional). "Através de um software disponível na companhia, cadastro meus vôos com dados como data, hora de partida e de chegada, consumo de combustível e matrícula do avião. Enfim, um verdadeiro relatório de vôo", assegura.

 O mesmo endereço serve para quem pretende associar-se à VBA. Para fazê-lo, o pretendente precisa apenas entrar no site e enviar um e-mail com seu nome e sigla do estado no qual reside. A partir daí, fará parte do quadro de "empregados" da companhia e receberá as rotas semanais.

 O mesmo acontece com as outras cerca de vinte companhias aéreas virtuais existentes na Internet. A VBA tem, inclusive, um plano de cargos e salários virtuais e o piloto é classificado pelo número de horas de vôo computados nos relatórios. Wanthuyr é, atualmente, Senior Flight Pilot e o segundo piloto da companhia, com 1.117 horas e quinze minutos de vôo.

DICAS — Para fazer parte desse seleto clube, uma condição é fundamental: ser apaixonado por aviação. Wanthuyr recomenda que, antes de iniciar sua aventura, o aspirante a piloto virtual acesse o site ftp://areia.ecv.ufsc.br/pub/fsim-br/cursoufr. Ali encontrará uma apostila, em português, esclarecendo sobre o uso de instrumentos de navegação.

 O piloto virtual Sérgio Reblin Portela, 43 anos, técnico em mecânica da Aracruz Celulose na vida real, usa o Microsoft Flight Simulator. "Os próprios usuários criam novos cenários, aviões e uma infinidade de aplicativos para o game, disponibilizando-os gratuitamente na Internet", observa.

 A segunda recomendação é um PC com configuração mínima de um Pentium 100, 16 MB de memória RAM e placa de vídeo de 2 MB, além do Windows 95 instalado. Isso dará maior realismo ao vôo, agilizando as manobras. O "piloto" poderá usar o próprio teclado para voar, comprar um joystick ou ainda um manche — o máximo em aproximação com o real.

 A versão 6.0 do Flight Simulator veio com problema no sistema de pouso por instrumento. Mais que depressa, a Microsoft disponibilizou em seu site (http://www.microsoft.com/games/FSIM/default.htm) um software para corrigi-lo. Quem possui essa versão tem também disponível para download um conversor no site http://www.microsoft.com/games/fsim/converter.htm.

 As situações de risco são as preferidas dos pilotos virtuais. Já que a intenção é o aprendizado, a emoção está em se sair bem dos obstáculos que eles mesmo criam. Sérgio Portela gosta de simular situações que mais se aproximem daquelas vivenciadas em vôos comerciais. "Posso simular pane, baixa visibilidade, ventos fortes, tudo que encontro em um vôo comum. É nessa hora que coloco em prática o meu aprendizado", garante.

 Da primeira experiência com simuladores, em 1983, até o Flight Simulator, Portela confessa que nunca arriscou pilotar de verdade. "Em 1977 fiz um curso de pára-quedismo, minha única experiência de vôo real", conta. Sem frustração, supre a paixão pela aviação voando em seu micro. "Mas, um dia, ainda terei tempo para tirar o meu brevê", arrisca.

PRIMEIRA VIAGEM Para quem está iniciando, Portela aconselha a participação nas listas de discussão sobre o assunto. "Nelas a gente aprende muito. Os mais experientes passam informações para os novatos, o que é uma grande força", orienta. Para participar de uma dessas listas em português, basta enviar uma mensagem para o listproc@ecv.ufsc.br. Na mensagem, deve-se escrever SUB FSIM-BR e o seu nome.

 O capixaba Felipe Paradizo de Lima, 20 anos, faz Engenharia da Computação e, como não poderia deixar de ser, quer tirar brevê algum dia. A possibilidade de aprender a voar por instrumentos com ajuda do Flight Simulator e a idéia de construir seus próprios cenários vêm adiando o encontro real com os aviões dos aeroclubes.

 — Sempre fui apaixonado por aviação e o simulador é o que mais se aproxima dessa experiência. Um dia, quero ser piloto. Na VBA já sou o 17º piloto virtual, com 48 horas e 26 minutos de vôo — soma. Nos fins de semana, Felipe faz pousos de emergência e enfrenta condições climáticas ruins. Voa preferencialmente pelo Brasil, país que conhece quase todo através dos cenários virtuais que coleciona. "Os melhores cenários são os do Norte e Nordeste. É uma sensação maravilhosa sobrevoar esses cenários com tantos detalhes. A emoção está no vôo todo. A gente segue as rotas traçadas, contorna obstáculos e muda de cenário. É muito interessante", diz bem-humorado.

 O humor só muda quando alguém chama suas viagens de jogo. "É simulador, jogo é outra coisa", reforça a birra da turma virtual pela classificação que considera indevida. Como muitos dos aficcionados pelos simuladores de vôo, Felipe também tem sua página pessoal na Net: http://www.geocities.com/capecanaveral/4305. Nela, óbvio, tem tudo sobre o assunto.

 

Reportagem publicada no jornal A Gazeta (Vitória/ES), impresso e site, no dia 24/06/1997.