18 de maio de 2010

Homenagem a Dani Alves - Craque ex-Bahia na Copa 2010

 

Daniel Alves deixa de ser figurante no cinema para virar protagonista da bola

Lateral-direito deixa o sertão baiano e vira um dos principais nomes do Barcelona. Jornal Nacional exibe série especial sobre os convocados por Dunga para a Copa

Por GLOBOESPORTE.COM Rio de Janeiro
Enxada na mão, sol de 40 graus na cabeça. Na terra seca do sertão baiano, plantar melão e cebola para vender era o principal sustento da família de Domingos Silva. Mas um dos cinco filhos era diferente. A começar pelos olhos verdes, um sucesso na região, que herdou do avô paterno. Sempre que podia, Daniel Alves esquecia a roça e corria para um campinho de terra batida, cheio de pedras, que existia em Salitre, distrito do interior da Bahia, a 30km de Juazeiro. Entre cabras e jumentos, se destacava da garotada e já até ensaiava um futuro de sucesso.
- Com seis anos, ele riscava a parede (de casa) dizendo que era o autógrafo para quando ficasse famoso. Ele riscava até os nossos cadernos do colégio. O Daniel sempre almejou isso para a vida dele - lembra o irmão Júnior.

De brincadeira de criança à representante nordestino na seleção brasileira. Aos 27 anos, Daniel Alves vai disputar a primeira Copa do Mundo. O lateral é o quinto personagem de uma série de reportagens especiais do Jornal Nacional sobre os 23 convocados por Dunga para a África do Sul.
O sonho era quase impossível. Daniel Alves cresceu no povoado de Umbuzeiro, no distrito de Salitre. Longe de qualquer centro esportivo.
- É o interior do interior da Bahia (risos) – disse Daniel Alves.
- A vida lá é complicada. É agricultura. Um ano dá dinheiro, outro ano não dá. E lá tem problema da seca. Seis meses de água e seis meses de seca. É complicado. Eu trabalhava de tudo. Era agricultor, comerciante, tudo o que pintava eu fazia – garante o pai Domingos.
Lá, as crianças vão cedo para a plantação ajudar a família. Mas havia um campo poeirento logo atrás da casa de Daniel Alves.
- Era cheio de terra. Em vez de grama só tinha pedra. A gente limpava todo dia. Mas no dia seguinte... Não sei de onde surgia tanta pedra (risos).
ARQUIVO PESSOAL DE DANIEL ALVES
Daniel Alves, infância com amigos
Daniel Alves (de chupeta) ao lado dos irmãos
Daniel Alves, juventude
Com amigos em Juazeiro, no interior da Bahia
Daniel Alves, palmeiras, várzea
Campeão na várzea pelo Palmeiras de Juazeiro
Daniel Alves, e bebês
Jogando junto com adultos em campeonatos amadores
Daniel Alves, infância
Campo de terra que jogava na infância
Daniel Alves, escola
Daniel Alves e a cara séria na escola
Daniel Alves, mula
Jumento passeia no campo dos primeiros chutes de Daniel
Daniel Alves, juventude
Daniel Alves com a família em Juazeiro
Daniel Alves vivia em uma pequena casa. A cama em que dormia era feita de cimento. A jornada era pesada. Junto com os irmãos, acordava às 4h da madrugada. Às 10h voltava para casa, tomava banho e ia para o colégio. De onde só retornavam às 18h.
- Era uma vida dura, difícil, mas feliz. Apesar de trabalhar no campo, plantando coisas com o sol de 40 graus na cabeça, a gente era feliz. A minha família era uma das que tinha mais possibilidades de viver na região. Ajudei o meu pai na roça. Desde os dez anos ajudava o meu pai no trabalho. Ele precisava contar muito com a gente. Foi um esforço válido. A casa era simples, mas uma das melhores da região. Era um cuidado que os meus pais tinham. Quando chovia não caia água em cima. Eles conseguiram fazer uma boa estrutura.
- A gente tinha pouco, mas graças a Deus não faltava nada. Trabalhava muito, de domingo a domingo – lembra Domingos.
Seu Domingos montava times de futebol para jogar pela região. Daniel Alves sempre jogava no ataque do “Palmeiras de Juazeiro”. Não fazia muitos gols, mas alguém teria coragem de reclamar?
Foi muita luta, muita dificuldade. Mas o básico a gente sempre deu para os nossos filhos. Foi tudo simples, mas não faltou. "
Maria Lúcia, mãe de Daniel Alves
- Como eu era o filho do treinador eu sempre jogava. Foi bastante divertido. Sempre que havia um torneio o meu pai colocava um time para disputar. Ele gostava do Palmeiras pra caramba. Por isso o time se chamava Palmeiras. E ele sempre me colocava de atacante. A gente fazia o que podia. E pouco a pouco fui indo para trás. E acabei como lateral-direito. Uma posição que hoje eu adoro – lembra.
Os jogos rendiam muitas histórias engraçadas. O amigo Elenilton dos Santos, conhecido como Lelito, lembra de uma delas.

- Um volante lá de Petrolina, o Lilo, uma vez jogou o Daniel dentro do mato e ele saiu de lá cheio de carrapicho. Foi massa demais. A resenha naquele dia foi boa por conta desse lance - conta.

Daniel Alves deixou de ser atacante quando caiu nas mãos de Bartolomeu Monteiro, mais conhecido entre a garotada como Caboclinho. Ele treinou muitos meninos ao longo da vida que sonhavam deixar o sertão e brilhar no mundo da bola.

- Ele era um garoto de atitude, que não se conformava com a reserva. Não tínhamos condições de trabalho e não poderíamos ter certeza de que ele seria um dos melhores do Brasil ou do mundo. Se eu falasse isso estaria mentindo. O Daniel é um cara iluminado. É um orgulho para todos nós. O pai dele me disse quando eu o busquei no Salitre: "esse garoto vai me dar o que estou necessitando, mais um quilo de feijão". Ele deu bem mais do que isso – lembra Caboclinho.
Daniel Alves, casa antigaAntigo quarto de Daniel Alves em Salitre
- Eu queria jogar. E em uma escolinha todos querem ser atacantes. E ele me colocou de lateral para eu jogar. Foi uma decisão acertada. Ele não se equivocou, não – conta Daniel – que sempre encontra Caboclinho quando vai a Juazeiro visitar a família.
Aos 13 anos, Daniel Alves saiu de casa e foi morar com o irmão. Na época, Ney jogava no juvenil do Juazeiro. E abriu as portas.
- Comecei a jogar e pedi para o meu irmão vir também. Eles aceitaram. O time profissional aqui de Juazeiro disputava a segunda divisão do Campeonato Baiano. Quando subiram para a Primeira Divisão foi necessário criar as divisões de base - lembra.
Antes de se exibir nos palcos da Europa e vestir a camisa da seleção brasileira, Daniel Alves tentou a sorte em outra profissão. Com as filmagens do longa “Guerra de Canudos”, em Juazeiro, ele conseguiu um emprego temporário como figurante da produção dirigida por Sérgio Rezende. Pela pequena participação, ele ganhou R$ 5 por dia de gravação.
Daniel Alves, canudosDaniel Alves, figurante no filme sobre Canudos
- Eles estavam gravando lá o filme e precisavam de pessoas para trabalhar como figurantes. E pelo trabalho eles davam a alimentação e R$ 5 ou R$ 10 por dia. Então ninguém queria perder essa boquinha. Consegui sair no filme. Mas acho que ninguém vai me conhecer porque eu estava ali no meio de todo mundo. Mas foi muito legal – contou o jogador, que é fã de Will Smith e Julia Roberts e gosta de filmes de terror.
Os irmãos moravam em um quarto alugado em Juazeiro. Daniel Alves estudava no Colégio Estadual Pedro Raimundo Rego, no bairro Piranga. Ou, pelo menos, deveria.
- Ele enganou a gente que estava estudando. Ele tinha que treinar todos os dias de manhã e à tarde. Senão o treinador falava que ele não seria aproveitado. Só que ele não falou nada para a gente. Aí fui lá uma vez em maio e olhei o caderno dele. Estava todo em branco. As aulas tinham começado em fevereiro – lembra a mãe Maria Lucia.
Mas Daniel Alves era um filho querido. Era difícil brigar com ele. O lateral gostava de inovar nos presentes que costumava dar à mãe. Sem dinheiro, uma vez ele escreveu uma carta e entregou à dona Maria Lúcia. Tinha 13 anos.
- Ele sempre queria me dar os melhores presentes. Queria me dar as melhores coisas. Em um Dia das Mães, ele escreveu essa carta para mim: “Mãe, esse nome para mim é símbolo de vida, de amor. Devemos tudo isso a ela. Por estar aqui neste mundo maravilhoso. Por isso devemos muito a ela. Nós não devemos magoar a nossa mãe. E sim cuidar dela igual ela cuidou da gente. Ou melhor. Mãe, feliz Dia das Mães. Do seu filho, Daniel” – relembrou Maria Lúcia.
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Daniel Alves, cartaCarta escrita por Daniel Alves para mãe aos 13 anos
Mas não foram apenas as cartas que marcaram as datas festivas para Maria Lúcia. Dois anos depois, um novo presente. Desta vez, marcado na pele. Fiel aos seus princípios, Seu Domingos costumava impor alguns limites aos filhos. Tatuagens e brincos eram proibidos na família. Mesmo assim, o garoto não se importou com a bronca do pai e quebrou as regras.
- O Daniel foi jogar no Bahia e quando chegou aos profissionais me ligou pedindo uma foto de nossa mãe. Em sua volta para casa, ele foi logo mostrando o desenho para a família. A minha mãe aprovou, e o meu pai não falou nada. Alguns dias depois, coloquei o brinco – relembrou Júnior.
- Foi um presente que quis dar pela admiração que tenho por ela. Não sabia direito o que fazer, mas queria que fosse algo que ficasse marcado pelo resto da vida. Tinha uma foto e levei para fazer uma tatuagem.
A ida para o Bahia aconteceu por meio do técnico José Carlos Queiroz. Ele treinava o Juazeiro, mas foi chamado para trabalhar no time da capital. Queria levar o zagueiro Ney junto, mas o clube não o liberou. Então, o técnico pediu pelo irmão mais novo: Daniel Alves.
Aos 15 anos, ele foi morar nos alojamentos do Bahia. Estava no juvenil. E sofreu muito com a cidade grande. Tudo era novidade. Era preciso ficar esperto rapidamente para sobreviver.
- Nas divisões de base você tem que ter cuidado com as coisas. Eu tive essa infelicidade (de ser assaltado). Mas rapidinho eu aprendi e passei a ter mais cuidado com as coisas. Porque o pessoal lá era bastante ligeiro (risos) – lembra Daniel Alves, que teve o armário do alojamento roubado.
Ele sempre foi bem nordestino mesmo. É guerreiro, não desiste nunca. São as maiores virtudes dele. As oportunidades na vida são poucas para o povo aqui. E tem que aproveitar. Ele sempre
teve isso com ele.
"
Ney, irmão de Daniel Alves
- Levaram a roupa que eu tinha (risos). Eu tinha levado uma praticamente e a do corpo. Usava uma e lavava a outra. Aí levaram uma e eu tive que me virar.
Se a história gera risos atualmente, na época deixou Daniel Alves assustado. Ele pensou em desistir e voltar para o interior da Bahia.
- Ele me ligou e falou que pensava voltar. Ele queria desistir e vir embora. Roubavam as roupas dele e ele não tinha mais nada. Mas o objetivo sempre era maior – lembra o irmão Ney.
A chegada aos profissionais caiu do céu. Daniel Alves se preparava para uma viagem com o time de juniores quando recebeu a notícia de que seria integrado aos profissionais. Os dois laterais do time tinham se machucado.
- Eu ia jogar a Copa Nordeste da categoria, em Recife. Arrumava as minhas coisas para viajar. E veio o coordenador me avisar que eu não iria e deveria me apresentar ao técnico Evaristo (de Macedo) nos profissionais. Mas como as pessoas lá sempre brincavam assim e ele veio me falar isso rindo, pensei que era brincadeira. E continuei arrumando a minha mala pensando... “pô, para de sacanagem... não se brinca com essas coisas”. E ele falando que era verdade, que era verdade. Até que veio outra pessoa confirmando a história. E quando cheguei lá na concentração os dois laterais (titular e reserva) tinham se machucado e o Evaristo (de Macedo, técnico do time na época) me disse que iria me colocar para jogar - lembra o lateral.
A estreia nos profissionais foi contra o Paraná, na reta final do Campeonato Brasileiro de 2001. Não poderia ter sido melhor. Vitória por 3 a 0, com o lateral sofrendo um pênalti e dando um passe para outro gol. No fim da partida, escutou os torcedores gritando: "Ah! Ah! Ah! Daniel é titular".
- Deu tudo certo. Dei uma assistência e sofri um pênalti. Foi perfeito para mim.
Daniel Alves, finalmente, passou a usar as diversas assinaturas que testava na infância. Desde aos seis anos, o garoto treinava em casa como seria dar autógrafos.
- Nunca imaginei que iria passar por isso. Ficava treinando como eu iria fazer (risos). São coisas interessantes da vida da gente – disse Daniel Alves.
Autógrafo Daniel AlvesAutógrafo Daniel Alves (Foto: Site Oficial)
Hoje, o ensaio nas paredes da pequena casa onde a família Silva vivia passou a figurar em centenas de papéis, fotos ou agendas que o jogador costuma assinar após os treinos do Barcelona ou da seleção brasileira. Para o lateral, os fãs merecem a atenção que ele, quando criança, não teve de alguns profissionais da bola.
- Para mim não é chato porque eu estive do outro lado. Eu admirava muitos jogadores de futebol e eu sempre pedia (autógrafos). Quando eles não me davam eu ficava chateado. Como eu vivi o outro lado da moeda eu não tenho problema. Às vezes tenho um pouco de pressa porque tenho outros compromissos e não dá para atender a todos. Mas normalmente sempre paro para todos – contou o jogador.
Após muitos testes quando garoto, ele aperfeiçoou o autógrafo e passou a escrever apenas Dani Alves, como é conhecido na Espanha. Além disso, a assinatura ainda ganhou uma identidade. Dentro da letra “D”, o lateral costuma colocar um rosto e finalizar com o número 2, camisa que veste no Barcelona.
DANIEL ALVES DO BAHIA ATÉ O SUCESSO NA EUROPA
Daniel Alves, infância
No começo de carreira no Bahia
Daniel Alves, com trajes típicos
Trajes típicos no mundial sub-20 em 2003 nos Emirados
Daniel Alves e bebês
Daniel Alves com os filhos Daniel Filho e Vitória
daniel alves, atenas
Daniel Alves dando uma de turista em Atenas

Da terra da carranca para o mundo
O ano de 2003 foi marcante na carreira de Daniel Alves. Após a conquista do Mundial sub-20 com a seleção brasileira, competição na qual foi eleito o terceiro melhor jogador, ele foi contratado em definitivo pelo Sevilha. Foi nessa época que o jogador ligou para o irmão Júnior e pediu a sua presença na Espanha.
- O Daniel pediu para eu tirar o passaporte porque eu iria morar com ele na Espanha. No entanto, ele me deu um dia para pensar se eu gostaria de morar na Europa ou fazer faculdade. Preferi ficar em Salvador e estudar. Estou quase me formando. Era o meu sonho – contou Júnior.
No Sevilha, Daniel Alves conquistou a Liga Europa em duas oportunidades (2005/2006 e 2006/2007), a Supercopa da Espanha (2007), a Supercopa da Uefa (2006) e a Copa do Rey (2006/2007). Em 2006, o jogador prorrogou o seu contrato até meados de 2012. Porém, dois anos depois, a saída foi inevitável. O Barcelona pagou € 35 milhões (cerca de R$ 76 milhões) pelo lateral-direito.
Daniel Alves troféu Mundial de ClubesDaniel Alves e o troféu do Mundial de Clubes
No Camp Nou, Daniel Alves conquistou todos os títulos possíveis. Rapidamente, ele se tornou titular e parceiro de Lionel Messi, principal jogador do clube catalão. Ele levantou as seguintes taças em pouco mais de dois anos de Barcelona: Campeonato Espanhol (2008/09 e 2009/2010), Copa do Rey (2008/2009), Liga dos Campeões (2008/2009), Supercopa da Espanha (2009), Supercopa da Uefa (2009) e o Mundial de Clubes da Fifa (2009).
Na seleção brasileira, Daniel Alves só teve oportunidades com o técnico Dunga. O lateral-direito participou de 34 jogos e marcou três gols (um na final da Copa América, em 2007, contra a Argentina, na Venezuela; um na semifinal da Copa das Confederações, em 2009, na África do Sul, diante dos donos da casa; e o outro no duelo com o Uruguai, no ano passado, pelas eliminatórias, em Montevidéu).
Nunca imaginei que iria jogar na Europa, em um dos maiores clubes do mundo, em conquistar tantos títulos. Tive que superar muitas dificuldades para estar onde estou. Por isso valorizo muito tudo o que tenho na vida."
Daniel Alves
No gol diante dos sul-africanos, Daniel Alves correu para cobrar a falta na entrada da área. O relógio marcava 42 minutos do segundo tempo. Era um lance decisivo.
- Quando saiu a falta fui correndo pegar a bola. Essa é minha, ninguém tira. E fiquei muito concentrado. Por isso aquela cara feia. Sabia que era a hora. O jogo estava muito difícil. E graças a Deus fiz o gol e nos classificamos para a final - revelou.
Como não poderia deixar de ser diferente na família Silva, a cara feia do lateral gerou brincadeiras entre os irmãos.
- Cara de vampiro baiano (risos). Foi concentração mesmo. Nunca o vi tão focado em um lance como naquela falta. Ele sempre foi um cara iluminado. Estava no lugar, na hora certa. E quando as oportunidades surgem, ele não deixa passar. O Daniel dá tudo como se fosse a única oportunidade – contou.
Ney, inclusive, largou o futebol para se dedicar à música. Ao lado de um parceiro, ele gravou algumas canções e apostou no sertanejo da dupla Vítor e Léo. E é justamente o ritmo que vai servir de trilha sonora para a história que Daniel Alves vai tentar escrever a partir do dia 11 de junho na África do Sul.

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