Grupo Anima Grupo Anima


Foto: Daniel Bittar

 

2018/2019

“ENCANTARIA”

 

Em comemoração aos seus 25 anos de atuação (1988-2013), o Grupo ANIMA de música de câmara, traz o programa musical “ENCANTARIA”.

ANIMA que se notabilizou por colocar sobre o palco da música de câmara a diversidade musical do Brasil, por meio de suas versões inovadoras do repertório de música medieval e da música do Renascimento, principalmente a ibérica, interpretando-o pelas lentes da tradição oral brasileira, desenvolve um trabalho camerístico diferenciado pelas intersecções de linguagens, épocas e ações artísticas.


“ENCANTARIA” trafega no espaço imaginário entre fronteiras: mito/história; tradição oral brasileira/música medieval e da renascença europeias; erudito/popular.  Através do diálogo musical entre culturas distantes no tempo e no espaço, este roteiro dramatúrgico musical conta, por meio de referências musicais e de alusões imagéticas e sonoras, a história do Rei Dom Sebastião, desaparecido na Batalha de Alcácer Quibir, no Marrocos, em 1578. O programa deste trabalho que abarca diferentes tradições musicais referentes à figura histórico-mitológica de Dom Sebastião, o “Rei DESEJADO”, também chamado de o “Rei Encantado”, é inédito e propõe uma abordagem multidisciplinar, tecendo diálogo entre as seguintes áreas: música (direção: grupo ANIMA), literatura (orientação: Walnice Nogueira Galvão). A pesquisa do repertório para a elaboração deste roteiro musical traz à tona importantes intersecções entre o mito do Rei Desejado e culturas e épocas aparentemente desconexas. Dessa maneira o Grupo ANIMA traça um perfil mnemônico da música do imaginário brasileiro que lança seus rizomas nas múltiplas tradições formadoras nossas: indígena, africana, islâmica e ibérica. Neste projeto, o ANIMA enfatiza a mesma prioridade de seus trabalhos anteriores, que é a importância dos encontros da linguagem musical com outras áreas, traçando um caminho peculiar por intermédio de:

1) conexões mitológicas, sociológicas, políticas e históricas tecidas por meio do repertório,


2) um roteiro conceitual, sobre o eixo comum das intersecções entre cultura popular e cultura erudita, música antiga e música contemporânea, mundo letrado e mundo iletrado. Este roteiro é gerado por um trabalho coletivo de criação, embasado na pesquisa de repertório das culturas africana e indígena-brasileira, com a cultura popular brasileira, relacionando-as com a Idade  Média e o Renascimento europeus. A partir dessa roteirização musical tem início a construção de uma ação cênica que conduz o ouvinte a uma concretização contemporânea do mito, onde o tempo linear e histórico é diluído.


3) o levantamento da identidade cultural brasileira, seja através do uso de instrumentos musicais provenientes de culturas díspares, seja pelo entrelaçar de linguagens artísticas distantes no tempo e no espaço. Para este espetáculo, o músico Paulo Dias adicionará uma réplica de um “organeto” da Idade Média ao instrumentário atual do Grupo ANIMA composto de rabecas tradicionais brasileiras, viola de arame (viola barroca brasileira), percussão afro-brasileira, harpa medieval, flautas doce medievais, renascentistas e indígenas brasileiras.


Para elaboração do roteiro musical do espetáculo “ENCANTARIA”, o Grupo ANIMA parte de processo preliminar de pesquisa e contextualização histórica e cultural do mito do "sebastianismo", a partir do desaparecimento do Rei Dom Sebastião (1554-1578). Este desaparecimento gerou no imaginário popular ibérico e brasileiro a esperança de seu retorno. Desde então se alia à figura de Dom Sebastião variados arquétipos impressos em ambas as culturas, principalmente o arquétipo da representação milenarista, daquele que “está por vir” para a redenção dos oprimidos; o arquétipo do mistério e o do encantamento. Ao se investigar os relatos históricos da batalha de Alcácer Quibir (Marrocos) e o movimento anti-islâmico existente na Península Ibérica do Renascimento, o Grupo tece pontos de contato com os movimentos milenaristas ocorridos no Brasil, como a Guerra de Canudos como início de seu roteiro dramatúrgico-musical. Os relatos de sacrifícios de Pedra Bonita (A Tragédia da Pedra Bonita, que ocorreu num lugar localizado na Serra Formosa, no município de São José do Belmonte, sertão de Pernambuco), assim como as toadas do “Boi do Maranhão”, da Ilha de Lençóis, que cantam o encantamento e o desencantamento do Rei Encoberto, serviram também ao Grupo ANIMA como pontos nucleares da construção do repertório e da seleção das músicas. Do entrecruzamento de épocas e lugares diferentes entre si, surge um roteiro dramatúrgico musical onde as linhas comuns e os pontos de contágio existentes entre o tempo, o espaço, o mito, a história, a imaginação e as culturas são tecidos através de arranjos elaborados coletivamente pelo Grupo ANIMA. 


O núcleo do espetáculo “ENCANTARIA” trata de um dos mitos mais significativos nacionais portugueses, o Rei “Desejado” Dom Sebastião, seu desaparecimento na Batalha de Alcácer Quibir, no Marrocos (04 de agosto de 1578) e a possibilidade de seu ressurgimento na “Ilha Encoberta”, ou nas “Ilhas Afortunadas”, saindo da condição de “Encantado”, de “Encoberto”, para a condição de “Salvador do Mundo e da Nação”. O mito do Rei Encantado, do Rei Desejado, manifesta-se em algumas regiões do Brasil, imprimindo-se no imaginário musical e na poesia oral brasileira, fundindo-se aos surtos de messianismo espalhados pelo Brasil ao longo dos tempos.


Como citado acima, Dom Sebastião surge no Brasil no episódio de Pedra Bonita (Pernambuco 1836-1838), no sertão do Pajeú (GALVÃO: 2010), “assolado periodicamente pelo flagelo da seca, onde um surto messiânico sublevou a população pobre de Pedra Bonita. Seus rituais incluíam sacrifícios humanos, fiados em que o sangue vertido sobre a Pedra Bonita (um rochedo duplo, simbolização das duas torres da cátedra de Dom Sebastião) desencantaria D. Sebastião, que surgiria de dentro dela. Em seu advento, ele instauraria uma Idade de Ouro, trazendo prosperidade para todos aqueles pobres miseráveis. Chegaram a sacrificar 87 pessoas, e consideravam, o sangue das crianças especialmente cheio de virtude.” (...)


Outra manifestação de Dom Sebastião na cultura brasileira é documentada em Os Sertões, de Euclides da Cunha, encontrando-se nos “escombros [de Canudos] (...) duas quadrinhas e uma profecia falando de Dom Sebastião.” (...) Embora se trate de um movimento “messiânico e milenarista” (qualidades do “sebastianismo”), o movimento “não pode ser chamado de sebastianista porque nem Antonio Conselheiro se identificava a D. Sebastião, nem seus fiéis nele viam o rei.” (...) (GALVÃO: 2010)


A Guerra Santa do Contestado, conflagrada em parte dos estados do Paraná e Santa Catarina (1914-1916), teve vários líderes, envolveu um número enorme de pessoas. “A Guerra Santa, como era chamada, criou uma ‘Monarquia Celeste’, onde o rei, ao mesmo tempo o líder e D. Sebastião ou S. Sebastião, era acolitado por uma guarda de honra de 24 cavaleiros, chamados os ‘Pares de França”, por influência da saga de Carlos Magno. Eram contra a República, a que se referiam como a ‘Lei do Diabo’. Suas hostes eram conhecidas como Exército Encantado de São Sebastião (ou Dom Sebastião). Quando obtivessem a vitória, Dom Sebastião se desencantaria.”(...) (GALVÃO: 2010)


No Estado do Maranhão, especificamente na Ilha dos Lençóis o “sebastianismo” é fartamente impresso na música e em demais manifestações populares, como nas “toadas de bois, no bumba-meu-boi com a estrela na testa que “recorda a lenda do touro encantado: um grande touro negro, com uma estrela brilhante na testa, que aparece em noites de sexta-feira, na Ilha dos Lençóis. (...) Dizem alguns que Dom Sebastião costuma aparecer principalmente em junho, durante as festas do bumba-meu-boi, e em agosto, época do aniversário da batalha de Alcácer-Quibir. (em:http://pt.fantasia.wikia.com/wiki/touro_encantado)


Na comunicação “Dom Sebastião, o santo e o rei na Encantaria e no folclore maranhense”, Sérgio Ferretti resume a lenda encontrada no Estado do Maranhão, da seguinte maneira:


“Afirma-se que as dunas de areia da Ilha dos Lençóis têm semelhanças com o campo de Alcácer-Quibir, onde El rei Dom Sebastião desapareceu. Lençóis é considerada uma ilha encantada, que serve de morada a Dom Sebastião. Seu reino está oculto no fundo do mar, próximo àquela ilha. O rei vive em seu palácio submerso e seu navio nunca encontra a rota para Portugal. Dizem que nas noites de sexta-feira Dom Sebastião aparece na praia na forma de um touro negro, com uma estrela de ouro na testa. Se alguém atingir a estrela e ferir o touro, o reino será desencantado, a cidade de São Luís irá submergir e aparecerá uma cidade encantada com os tesouros do rei.” (FERRETTI: 2001)

 

Grupo ANIMA

GISELA NOGUEIRA – viola de arame
LUIZ FIAMINGHI – rabecas brasileiras, vielle
MARLUI MIRANDA – voz, violão e percussão (convidada especial)
PAULO DIAS – percussão, organeto
SILVIA RICARDINO – harpa medieval
VALERIA BITTAR – flautas doce históricas e flauta yãkwá
CECILIA ARELLANO - canto (convidada especial)

 

Pesquisadores-colaboradores do Grupo ANIMA


Paulo Dias, Marlui Miranda, Valeria Bittar, Luiz Fiaminghi, Silvia Ricardino, Gisela Nogueira.


Pesquisadores-colaboradores convidados pelo Grupo ANIMA para o Projeto de elaboração do espetáculo “ENCANTARIA”


Walnice Nogueira Galvão e Mundicarmo Ferretti.

 


ENCARTE (pdf) | MÚSICAS:


 

clique para
Montagem de CD e Espetáculo MAR ANTERIOR |
IMAGINÁRIO SONORO BRASILEIRO