A arbitragem como meio de solução de conflitos no âmbito 
do Mercosul e a imprescindibilidade da Corte Comunitária

Sálvio de Figueiredo Teixeira Ministro do Superior Tribunal de Justiça. 
Professor universitário. Diretor da Escola Nacional da Magistratura.
Vice-presidente da Escola de Direito Comunitário do Mercosul.


SUMÁRIO: 1. A ordem jurídica. Os sistemas jurídicos e suas "famílias". A evolução histórica na composição dos litígios individuais; 2. Os conflitos de interesse na sociedade. O processo; 3. Composição particular, estatal e paraestatal; 4. A arbitragem histórica e a arbitragem moderna; 5. A arbitragem no direito interno e no âmbito internacional; 6. A arbitragem no Brasil no sistema anterior; 7. A Lei nº 9.307, de 23/09/1996; 8. A arbitragem brasileira e sua constitucionalidade; 9. A arbitragem no mundo atual; 10. O Direito Processual supranacional; 11. O modelo da União Européia; 12. O sistema embrionário do Mercosul; 13. Conclusão.


1. A ordem jurídica. Os sistemas jurídicos e suas "famílias". A evolução histórica na composição dos litígios individuais

Segundo a clássica colocação de ARISTÓTELES, como já assinalado em outra oportunidade, é o homem um animal político, cívico (zoon politikon), mais social que as abelhas e outros animais que vivem juntos, aduzindo MATA MACHADO que "onde há o homem, há a sociedade; onde há a sociedade, há o direito; logo, onde o homem, aí o direito" (ubi homo, ibi societas, ubi societas, ibi jus; ergo, ubi homo, ibi jus).

Para os antigos jurisconsultos, de outra parte, era no Direito, "arte do bom e do justo" em sua definição mais célebre, que se descortinavam as regras do viver honestamente, não ofender a outrem e dar a cada um o que é seu (honeste vivere, neminem laederem, suum cuique tribuere). E é com ele que, ainda hoje, o homem procura realizar a Justiça, um dos pilares do bem comum e da felicidade que todos buscamos.

Se povo algum, na Antiguidade, excedeu o romano no culto ao Direito e na formulação dos institutos jurídicos, é de notar-se, entretanto, que as suas primeiras concepções têm origem na Grécia, onde se destacou como uma das mais antigas doutrinas a do Direito Natural, "fruto de um pensamento cosmológico, no qual as especulações sobre razão e natureza aparecem indissoluvelmente ligadas", bastando recordar, descrita por SÓFOCLES, a passagem de Antígona, quando inquirida pelo Rei Creonte.Se o Direito Natural se justifica na própria condição do ser humano, pelo direito deste à liberdade, à educação, à segurança, à subsistência, aos bens da cultura, à vida, enfim o Direito Positivo, por sua vez, se exprime através das normas que compõem o ordenamento jurídico, formando, com os princípios que lhes dão as diretrizes, os sistemas jurídicos que presidem a sociedade mundial.Aglutinam-se esses sistemas, por sua vez, em três grandes famílias, em sua classificação mais difundida (RENÉ DAVID, "Les grands systèmes de droit contemporaines", DALLOZ), a saber, a romano-germânica, a do common law angloamericana e a dos direitos socialistas, figurando em um quarto grupo os outros sistemas, nos quais os africanos e os orientais (muçulmanos, etc).

Buscam elas a disciplina da convivência humana, a possibilitar a vida em sociedade, compondo pelos meios jurídicos hábeis os litígios que desta emergem pelo embate dos interesses conflitantes.
O nosso sistema encontra habitat no primeiro desses grupos, conhecido como civil law, regido preponderantemente pelo normativismo e tendo suas origens no antigo direito romano.Os romanos, porém, somente no final do século III d.C., já no período pós-clássico, imperial, quando da chamada cognitio extraordinaria (ou extra ordinem), viriam a estabelecer a Justiça oficial, e com ela o juiz estatal, o que se deu no momento em que o magistrado romano, alto funcionário, mas até então sem poder jurisdicional, houve por bem chamar a si a responsabilidade de solucionar o litígio entre as partes em nome do Estado, missão que até então era exercida por um terceiro, particular, árbitro portanto, escolhido pelos próprios contendores ou por indicação do magistrado.

Concentraram-se, então, na pessoa desse magistrado, já aí como juiz estatal, as duas etapas (in iure e in iudice) do incipiente processo romano de solução de litígios.Esse mecanismo, diga-se de passagem, atravessou séculos sem maior evolução, somente vindo a progredir a partir da Revolução Francesa de 1789. Foi ela que lhe injetou princípios até hoje consagrados, como o da publicidade dos atos em juízo e o da igualdade – refletido este nos princípios hoje rotulados de contraditório e da ampla defesa.

A atividade processual, no entanto, somente veio a definir-se como ramo do direito em meados do século passado, na Europa Central, com o denominado "processualismo científico", de onde tiveram início as grandes construções doutrinárias, até desaguar na fecunda fase atual do processo contemporâneo, com suas "ondas", suas tendências e busca de soluções mais rápidas e eficazes, hoje uma inquietação mundial, ante a triste realidade da ineficiência das decisões judiciais, ensejada sobretudo pelo arcaísmo das organizações judiciárias e pela inexistência de órgãos permanentes de planejamento e reflexão no universo estatal do Judiciário.

2. Os conflitos de interesse na sociedade. O processo

Sem embargo da afirmação de que os conflitos de interesse alimentam em parte a competitividade criadora na sociedade, inquestionável é que tais conflitos, inócuos para o Direito enquanto embate de meros interesses não levados à reivindicação prática, se mostram como elementos perturbadores da paz social, ao se transformarem em lides, conflitos de interesses marcados pela pretensão resistida ou não satisfeita, segundo a clássica conceituação de CARNELUTTI.

Em sua evolução, a humanidade tem conhecido, como meios de solução desses conflitos, a autotutela, a autocomposição, a arbitragem e a decisão judicial.
Desde os tempos históricos da Justiça de mão-própria, em que o lesado, por si ou por intermédio do grupo, vingava a ofensa a direito próprio, a técnica de composição dos conflitos de interesses vem se sofisticando e ganhando novas dimensões, com o Estado sendo erigido árbitro do uso lícito da força na composição dos conflitos e no extermínio do germe da desagregação social representado pela subsistência da lide.Para a composição desses conflitos, todavia, em qualquer das suas dimensões, tornou-se de rigor a experimentação da via organizada do processo: seja para a autocomposição por intermédio da submissão à pretensão alheia; seja pela desistência, por abandono da lide; seja por intermédio da transação, em que as partes abdicam parcialmente dos seus interesses em prol da supressão da lide; seja pela composição jurisdicional da lide, via Estado, modernamente Estado de Direito. 

Assim, a base da composição da lide, desse ponto de vista, passou a ser o processo.Processo, como observou LOPES DA COSTA, talvez o mais profundo dos processualistas brasileiros, é toda atividade visando a um determinado efeito que não se alcança com um ato único.
 Em Direito, no entanto, a expressão ganha conotação científica mais restrita para significar instrumento de realização da função jurisdicional ou meio ético de efetivação das garantias constitucionalmente asseguradas.Presente em todos os povos civilizados, uma vez que cada um o tem, influenciado por fatores culturais, históricos, sociológicos, econômicos e políticos, o processo judicial reflete o estágio histórico vivido pela comunidade e o sistema em que inserido.
Como conjunto de atividades
instrumentalizadas no sentido da solução da lide, afirma-se e legitima-se pelo próprio desenvolvimento como encadeamento de atos – donde a palavra processo = pro + cedere: pender para a frente, ir adiante, caminhar, progredir.Esse processo devido (due process of law), variado que é, alimenta-se do próprio fato de ser do processo, de modo que o sistema legal apenas vem a atribuir-lhe força sancionatória suplementar. 

Está-se, aqui, bem no âmago da técnica de decisão romana dos primórdios, em que a litiscontestatio significava apalavramento de obedecer ao decisum, por parte do cidadão romano insubordinável ao Estado pela sua própria condição de cidadão romano: a litiscontestatio obrigava, porque a palavra nela empenhada vinculava o processo de solução de litígios, que o Estado de então não tinha como vincular.Nesse sentido é que se deve entender ELIO FAZZALLARI, quando o eminente professor da Universidade de Roma, para quem "il processo civile, nei vari tipi, è sempre coordinato all diritto sostanziale", pondo à parte a teoria do processo como relação jurídica, afirma que o processo vale pelo próprio fato do processo, como técnica de composição de manifestações em conflito, como existe no processo judicial, mas não só nesse, visto também, v.g. nas negociações de pretensões laborativas, na construção de vontade em meio ao debate assemblear nas empresas ou na formação da vontade colegiada.Vê-se o processo judicial, também sob essa perspectiva, como uma instituição vinculada ao meio social, como acentuou FRANZ KLEIN há um século, conceituando-o como "norma do Poder para proteção dos interesses da comunidade e dos bens jurídicos individuais", em harmonia com a linha hoje mais avançada do processualismo, que o identifica não só com a técnica científica, mas também com os escopos sociais e políticos, em sua feição instrumentalista. 

Visão voltada para a efetividade, com preocupações de celeridade, eficiência, eficácia e acesso à ordem jurídica justa, centrada na advertência chiovendiana de que "o processo deve dar, a quem tem um direito, tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter".As variadas formas de processo, enquanto técnica de solução de conflitos, explicam a persistência histórica de mecanismos tão diversos quanto idênticos no produto final, que é a composição do conflito, como a solução pela arbitragem e pela decisão judicial.

3. Composição particular, estatal e paraestatal

O processo pode realizar-se à margem de qualquer atividade estatal, como ocorre com a chamada mediação, que leva à conciliação espontânea, em que relevante a atividade dos interessados na busca da solução comum (ou mesmo a provocada, como a resultante do projeto argentino denominado "Libra"). Pode, também, realizar-se à custa da intervenção estatal, materializada na decisão judicial, dotada de sanção típica das manifestações de qualquer dos poderes do Estado. E pode, em meio aos dois pólos, situar-se na forma paraestatal, ou seja, sob os auspícios e a garantia do Estado, mas com a decisão delegada a particular, cujas decisões se estatizam uma vez proferidas, inclusive com sanções típicas da solução estatal.

Aqui se colocam os parâmetros em função dos quais surgem as três formas de solução de conflitos essenciais ao entendimento do que ora se expõe:

a)
a mediação, como técnica de negociação processualizada, em que se chega ao acordo de vontades mediante o trabalho técnico de dirigi-Ias a um ponto comum;

b)
a arbitragem, que significa decisão por árbitro eqüidistante entre as partes, mas desprovido de poder estatal e não integrante do quadro dos agentes públicos jurisdicionais;c) a sentença judicial, provinda de magistrado inserido entre os agentes públicos da atividade jurisdicional do Estado.Tipicamente, pois, composição particular, composição paraestatal e composição estatal da lide.

4. A arbitragem histórica e a arbitragem moderna

Historicamente, a arbitragem se evidenciava nas duas formas do processo romano agrupadas na ordo judiciorum privatorum: o processo das legis actiones e o processo per formulas. 
Em ambas as espécies, que vão desde as origens históricas de Roma, sob a Realeza (754 a.C.) ao surgimento da cognitio extraordinaria sob Diocleciano (século III d.C.), o mesmo esquema procedimental arrimava o processo romano: a figura do pretor, preparando a ação, primeiro mediante o enquadramento na ação da lei e, depois, acrescentando a elaboração da fórmula, como se vê na exemplificação de GAIO, e, em seguida, o julgamento por um iudex ou arbiter, que não integrava o corpo funcional romano, mas era simples particular idôneo, incumbido de julgar, como ocorreu com QUINTILIANO, gramático de profissão e inúmeras vezes nomeado arbiter, tanto que veio a contar, em obra clássica, as experiências do ofício.

Esse arbitramento clássico veio a perder força na medida em que o Estado romano se publicizava, instaurando a ditadura e depois assumindo, por longos anos, o poder absoluto, em nova relação de forças na concentração do poder, que os romanos não mais abandonaram até o fim do Império.

Nesse novo Estado romano, passa a atividade de composição da lide a ser completamente estatal. Suprime-se o iudex ou arbiter, e as fases in iure e apud iudicem se enfeixam nas mãos do pretor, como detentor da auctoritas concedida pelo Imperador – donde a caracterização da cognitio como extraordinaria, isto é, julgamento, pelo Imperador, por intermédio do pretor, em caráter extraordinário.

Foi nesse contexto, como visto, que surgiu a figura do juiz como órgão estatal. 
E com ela a jurisdição em sua feição clássica, poder-dever de dizer o direito na solução dos litígios.

A arbitragem, que em Roma se apresentava em sua modalidade obrigatória, antecedeu, assim, à própria solução estatal jurisdicionalizada. 

Com as naturais vicissitudes e variações históricas, veio ela também a decair de importância no direito europeu-continental, ou civil-law, persistindo forte a técnica de composição puramente estatal dos conflitos. Mas subsistiu como técnica, em razoável uso, paralelamente à negociação e à mediação, no âmbito do common law, o direito anglo-americano – marcado por profunda influência liberal, fincada no empirismo de FRANCIS BACON e de juristas do porte de BLACKSTONE, MADISON, MARSHALL, HOLMES e CARDOZO, aos quais jamais seria infensa a utilização de válida forma de solução de litígios, como o arbitramento –, até chegar aos tempos contemporâneos, em que retoma força e passa a ser verdadeiro respiradouro da jurisdição estatal, como observou com a acuidade de sempre SIDNEI AGOSTINHO BENETI, para quem "a arbitragem vem sendo largamente utilizada no âmbito do comércio internacional, que dela atualmente não poderia prescindir em sua modalidade contratual, à vista da inexistência de jurisdição estatal que sobrepaire sobre as relações internacionais", experimentando-se desenvolvimento extraordinário do instituto no âmbito interno de cada país ("A arbitragem: panorama e evolução". JTACSP, Lex 138/

Nesse sentido as experiências de utilização da arbitragem nos Estados Unidos, bem relatadas em coletânea de estudos especialmente a ela destinados pelo The Justice System Journal (vol. 14/2, 1991), a exibir as várias formas de arbitramento, inclusive as denominadas Court-Annexed Arbitration e Court Ordered Arbitration, vale dizer, com determinação judicial de uso do arbitramento, realizada pela própria Corte, em substituição ao próprio julgamento (sobre suas principais características e sucesso, por todos, BENETI, op. cit., pp. 10/11). Daí, o rental judge ( "juiz de aluguel"), a mostrar, segundo o relato norte-americano, o acerto das partes em torno da submissão do conflito ao julgamento de cidadão contratualmente investido na função de dirimir-lhes o conflito – atuando, ao que se noticia, nesses casos, profissionais respeitáveis do direito, entre os quais advogados, promotores e juízes aposentados.

Está-se, no âmbito do direito anglo-americano, no campo da A.D.R. (Alternative Dispute Resolution), isto é, mecanismos paraestatais de solução de controvérsias jurídicas ou, se se quiser, o encaixe na pura doutrina processual de filiação peninsular, mecanismos paraestatais de composição da lide, já se falando até mesmo na substituição da expressão "meios alternativos de soluções de conflitos" por "meios propícios a soluções de conflitos" (Judicial Reform Roundtable ll. Williamsburg, Va., Estados Unidos, maio, 1996).

5. A arbitragem no direito interno e no âmbito internacional

Arbitragem e arbitramento, em última análise, são expressões equivalentes. Para alguns, no entanto, haveria uma distinção, sendo a primeira a roupagem contemporânea da segunda.

Para outros, o arbitramento, do âmbito do direito interno, encontraria similar na arbitragem, no campo do direito internacional. Ambas as formas de composição de litígios, entretanto, baseiam-se na força da vontade dos litigantes que contratam, submetendo o caso ao julgamento de um ou mais árbitros.

No campo do direito internacional, aliás, como cediço, excetuando-se a incidência em ordem jurídica comunitária, essa sanção nem mesmo se apresenta com especial força vinculante, chegando, por vezes, a tênue conseqüência puramente moral, pois não haverá como invocar a força do Estado para a impor a outro.

Em larga utilização na solução das dissensões entre as noções, a arbitragem presta-se à solução de litígios também de direito privado, com conotação internacional, porém, sendo de aduzir-se que se tem hoje por arbitragem internacional a que é destinada a produzir efeitos no exterior, quer por pertencerem as partes a Estados diversos, quer pelo litígio ocorrer em território de países diversos.

6. A arbitragem no Brasil no sistema anterior

Legalmente reconhecida no Brasil desde os tempos da colonização portuguesa (Jurgen Samtlebem – "Arbitragem no Brasil"), ao contrário do que normalmente se pensa, a arbitragem já existiu como obrigatória em nosso direito. Assim, o Código Comercial de 1850, ainda hoje vigente, estabelecia em alguns de seus dispositivos o arbitramento obrigatório, como, v.g. no art. 294, nas causas entre sócios de sociedades comerciais, "durante a existência da sociedade ou companhia, sua liquidação ou partilha, regra que era reafirmada no art. 348. O Regulamento 737, daquele ano, conhecido como o primeiro diploma processual brasileiro codificado, por sua vez previa em seu art. 411 que seria o juízo arbitral obrigatório se comerciais as causas. A Lei nº 1.350, de 14/09/1866, no entanto, revogou aqueles dispositivos, sem contestação à época, como atestam JOSÉ CARLOS DE MAGALHÃES e LUIZ OLAVO BAPTISTA (Arbitragem comercial. Freitas Bastos, 1986, p. 7; ainda no tema, CÉZAR FIÚZA. Teoria Geral da Arbitragem. Del Rey, 1995, cap. III, e CLÁUDIO VIANA DE LIMA. Arbitragem, a solução. Forense, 1994).

No plano internacional, melhor exemplo não se poderia ter que aqueles nos quais participou com tanto êxito o BARÃO DO RIO BRANCO, ampliando em muito as nossas fronteiras, pacificamente.

Tendo o Brasil assinado o "Protocolo de Genebra", de 1923, sendo um dos contratantes do "Código de Bustamante" e signatário, igualmente, da "Convenção lnteramericana sobre arbitragem comercial internacional" (Panamá, 1975 – promulgada, finalmente, no Brasil, para ser executada e cumprida, em 09/05/1996, DOU de 10/05/96), os nossos códigos unitários de processo civil, de 1939 e 1973, adotaram a arbitragem em sua modalidade facultativa de "juízo arbitral"(a propósito, PAULO FURTADO. Juízo Arbitral. 2ª ed., 1995, ed. Nova Alvorada), pelo qual as partes podiam submeter seu litígio a árbitro(s), mediante compromisso, que o instituía, observados determinados requisitos. O(s) árbitro(s), sempre em número ímpar, podia(m) decidir secundum ius ou secundum equitatem, apreciando tanto as questões de fato quanto as de direito. A decisão, contudo, a exemplo do procedimento, sujeitava-se, quanto aos seus aspectos formais, à homologação judicial que lhe dava a eficácia executiva, sendo de salientar que, no Brasil, enquanto o compromisso arbitral se apresentava indispensável à instauração do juízo arbitral, o mesmo, porém, não se dava com a "cláusula arbitral" ou "compromissória", que, embora comum na prática brasileira (Samtlebem, op. cit., II.3, p. 196), constituía mera promessa de contratar (pactum de contrahendo, obrigação de fazer), a não ensejar execução específica mas condenação em perdas e danos em caso de inobservância do pactuado (NELSON NERY JR., "Princípios do Processo Civil na Constituição Federal", RT, 3ª ed., 1996, nº 13).

Por outro lado, MAGALHÃES e BAPTISTA, após afirmarem que a resistência à expansão da arbitragem no Brasil não poderia ser atribuída a óbices opostos pelo Judiciário,(1) concluíram que o tratamento dado até então à arbitragem no Brasil, seja no âmbito interno, seja o proveniente do exterior, vinha sendo, todavia, o "reflexo de arraigada mentalidade jurisdicionalista" (op. cit., pp. 13 e 16), o que explicaria, de certa forma, a resistência brasileira aos tratados e convenções internacionais sobre arbitragem (Samtlebem, op. cit.).

Por sua vez, a recente Lei nº 9.099/95, ao dispor sobre os "Juizados Especiais Cíveis e Criminais", implantados por comando constitucional (Constituição de 1988, art. 98,I),(2) nas causas sob sua incidência, veio admitir o julgamento através de "juízo arbitral", com o árbitro, escolhido pelas partes, podendo decidir por eqüidade (art. 25), sujeitando o laudo à homologação judicial por sentença irrecorrível (art. 26), na qual se deverá observar (Marotta. Del Rey, 1996, 8.2, p. 49) se:

"1. Não foi ele proferido fora dos limites, ou em desacordo, com o seu objeto; 2. se julgou toda a controvérsia submetida ao juízo; 3. se emanou do árbitro efetivamente escolhido; 4. se é exeqüível, isto é, se contém os fundamentos mínimos da decisão e o seu dispositivo".

Ainda no plano constitucional, é de anotar-se que a Constituição de 1988 deu significativo passo na direção de reintroduzir no país, como autêntico pressuposto processual, o arbitramento obrigatório, ao estabelecer no seu art. 217:

"§ 1º. O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei.

§ 2º. A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final".

7. A Lei nº 9.307, de 23/09/1996

Com a recentíssima Lei nº 9.307, de 23/09/96, altera-se profundamente a história do instituto da arbitragem em nosso país. Após diversas tentativas, que se frustraram, logrou aprovação no Congresso Nacional iniciativa do "Instituto Liberal de Pernambuco", que, unindo-se ao empresariado e a instituições jurídicas nacionais, no Legislativo teve o alto patrocínio e inspiração do então Senador MARCO MACIEL, hoje Vice-Presidente da República, homem de fina sensibilidade política e sólida vinculação à comunidade jurídica.

Elaborado por uma comissão de juristas especializados na área, o Projeto nº 78/92, que na Câmara tomou o nº PLS 4.018/93, não só inova na matéria, mudando substancialmente o quadro até então existente, como também reflete o esmero científico que se lhe buscou dar, dentro de um figurino moderno e afinado com os modelos mais atualizados da técnica contemporânea.(3)

Assim cuidou a nova lei não apenas de substituir o ineficiente modelo de "juízo arbitral", até então previsto em nossa legislação, por uma nova regência, dentro de padrões atuais, disciplinando notadamente a convenção de arbitragem e prestigiando a manifestação da vontade, como também, a par do resguardo dos bons costumes e da ordem pública (art. 2º, § 1º), se ocupou de adaptar o novo diploma aos textos legais conexos (arts. 41/42), de explicitar o acesso ao Judiciário aos eventualmente prejudicados (art. 33), da eficácia dos tratados internacionais na matéria (art. 34) e até mesmo da postura ética dos árbitros, equiparando-os, para efeitos da legislação penal, aos funcionários públicos, a ensejar o enquadramento dos mesmos na tipologia criminal em ocorrendo deslizes de comportamento.

8. A arbitragem brasileira e sua constitucionalidade

Conhecido é o prestígio que o constituinte brasileiro tem dado ao princípio consagrado no art. 5º, inciso XXXV da atual Constituição, segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Cuida-se de comando constitucional que o Judiciário brasileiro cultiva com justificado zelo e que tem merecido da doutrina acentuado relevo. Daí a defesa que a cultura jurídica do país dele faz, posto na Constituição de 1946 em proteção do cidadão e como advertência ao legislador, a espelhar o repúdio do constituinte de então às arbitrariedades do período ditatorial que se findara, como anotou PONTES DE MIRANDA ao qualificá-lo de "princípio da ubiqüidade da Justiça", "a mais típica e a mais prestante" criação do constituinte de 1946.

A exemplo do que também ocorreu em relação ao modelo anterior, não faltarão vozes, e respeitáveis, como já estão a ser ouvidas aqui e acolá, de que o novo instituto poderia representar uma fenda na solidez dessa garantia.

Tenho não se justificar, contudo, esse temor, mais que inquietação, na medida em que o modelo de arbitragem adotado pela Lei nº 9.307/96 dele não exclui o Judiciário. E isso por múltiplas razões.

A uma, porque a nova lei é explícita (art. 33) em assegurar aos interessados o acesso ao Judiciário para a declaração da nulidade da sentença arbitral nos casos que elenca, em procedimento hábil, técnico e de maior alcance do que o criticado procedimento homologatório do sistema anterior.

A duas, pela igual possibilidade de argüir-se nulidade em embargos à execução (art. 33, § 3º, c/c art. 741, CPC).

A três, porque a execução coativa da decisão arbitral somente poderá ocorrer perante o Judiciário, constituindo a sentença arbitral título executivo judicial, assim declarado na nova redação dada (pelo art. 41) ao inciso III do art. 584 do Código de Processo Civil.(4) De igual forma, a efetivação de eventual medida cautelar deferida pelo árbitro reclamará a atuação do juiz togado, toda vez que se fizerem necessárias a coercio e a executio.

A quatro, porque, para ser reconhecida ou executada no Brasil (art. 35), a sentença arbitral estrangeira se sujeitará à homologação do Supremo Tribunal Federal (ou de outro órgão jurisdicional estatal – v.g. o Superior Tribunal de Justiça – se a Constituição, reformada, assim vier a determinar).

A cinco, porque do Judiciário é o controle "sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento".

A seis, porque também caberá ao Judiciário decidir por sentença acerca da instituição da arbitragem na hipótese de resistência de uma das partes signatárias da cláusula compromissória (art. 7º).(5)

Como se nota, prevê a nova lei a presença do Judiciário para responder à convocação da parte que eventualmente se sentir lesada. Essa, aliás, é uma das características do modelo arquitetado, limitando-se "o Judiciário a ser convocado quando da presença de lesão".(6) Em outras palavras, "apenas no confronto é que se busca o Judiciário".

Outras objeções ainda poderão ser levantadas, tais como o comprometimento da garantia do devido processo legal e dos princípios do juiz natural, da ampla defesa e do direito à via recursal (Constituição, art. 5º, LV). Indevidas, também aqui, smj. essas objeções, tomando-se por fundamentação os mesmos argumentos acima deduzidos e a natureza peculiar da arbitragem.

Nesse raciocínio, sendo a arbitragem espécie de justiça privada, e sendo o árbitro (art. 18) "juiz de fato e de direito" (embora não integrante do Poder Judiciário), exerce ele jurisdição sob certa perspectiva, no sentido lato, na medida em que contribui para a pacificação social dirimindo conflitos de interesses.

A propósito, colhe-se de CÂNDIDO DINAMARCO, em prefácio:(7)

"Justificava-se a rígida distinção entre arbitragem e jurisdição estatal, quando da jurisdição e do próprio sistema processual como um todo dizia-se que apenas tinham o mero e pobre escopo de atuação da vontade do direito ou de estabelecer a norma do caso concreto. Superada essa visão puramente jurídica do processo, todavia, e reconhecidos os escopos sociais e políticos muito mais nobres, cai por terra a premissa em que se legitimava a rígida distinção. Se o poder estatal é exercido, sub specie jurisdictionis, com o objetivo de pacificar pessoas e eliminar conflitos com justiça, e se afinal a arbitragem também visa a esse objetivo, boa parte do caminho está vencido, nessa caminhada em direção ao reconhecimento do caráter jurisdicional da arbitragem (ou, pelo menos, da grande aproximação dos institutos, em perspectiva teleológica)."

Assegurado, assim, ao cidadão, o acesso à jurisdição, tem-se que, no novo quadro, em face das várias precauções tomadas pelo legislador, não se pode falar em exclusão do acesso à via judicial, garantida que esta está, e explicitamente, nas hipóteses já mencionadas.

9. A arbitragem no mundo atual

Na moldura dos tempos atuais, quando se aproxima a virada do século, e coincidentemente do milênio, muitas das reflexões sobre a evolução da humanidade, seus acertos e desacertos, avanços e retrocessos, ganham cores e maior nitidez.

Vê-se, por exemplo, que o século XX, não obstante as duas Grandes Guerras da sua primeira metade e a desigualdade social desta segunda fase, se caracterizou pelo avanço extraordinário da tecnologia, notadamente no campo das comunicações, com o desenvolvimento dos transportes, da cibernética, da televisão, da telefonia e da informática.

Por outro lado, enquanto lutas de origens econômicas, raciais, étnicas, ideológicas e políticas pontilham o mapa mundial, povos de histórias, tradições e costumes tão diversificados se agregam formando comunidades e aproximando fronteiras, na busca de uma integração econômica, social e cultural.

No âmbito da Justiça, e em dimensões mundiais, a realidade está a demonstrar a insatisfação generalizada com a ineficiência da solução jurisdicional estatal, o que tem levado estudiosos e organizações, oficiais ou não, a buscar soluções, instituindo órgãos de planejamento permanente, criando escolas de formação e aperfeiçoamento, promovendo seminários locais e internacionais, investindo em pesquisas e em meios alternativos de resolução de conflitos.

Nenhum desses mecanismos alternativos, entretanto, tem a eficácia, a aceitação e a tradição da arbitragem, destinada às grandes causas e às causas de grande complexidade, que tem como virtudes a informalidade, o sigilo, a celeridade, a possibilidade do julgamento por eqüidade e a especialização dos árbitros. Consoante salientou ARTHUR FLIEGER, ao discorrer sobre a arbitragem no âmbito do Mercosul, "a arbitragem tem o mérito de permitir confiar litígios técnicos complicados ao julgamento de peritos competentes, em vez de a magistrados que confiam cegamente no julgamento de peritos designados por eles".

O Brasil, no entanto, talvez por força de suas vinculações com o civil law e pela sua herança cultural portuguesa, a ela sempre se mostrou arredio, assim como à solução por eqüidade, de inegável sucesso nos países mais desenvolvidos. Nossos textos legais, a propósito de um formalismo exacerbado, e ineficaz, sempre refletiram temor, preconceito e atraso, criando nessa área uma cultura de resistência ao progresso sob os mais diversos e infundados argumentos.

A realidade social pujante em que vivemos não se contenta mais com o modelo individualista das soluções judiciais de antanho. Desde o final do século passado vem-se construindo um novo perfil, alicerçado na prevalência do interesse social sobre o individual. Daí exigir-se um Judiciário mais participativo e ativista, na busca de uma sociedade mais justa, humana e solidária, contando para isso com instrumentos processuais mais eficientes, a exemplo da ação civil pública, das ações coletivas, dos juizados especiais, do mandado de segurança coletivo, das ações de controle da constitucionalidade. Mecanismos hábeis e eficazes que suplementem a atividade estatal, priorizando o social.(8) Se assim é, não há também porque excluir desses mecanismos a arbitragem, em atenção aos interesses de importantes segmentos sociais, aos quais a Justiça oficial não tem dado abrigo satisfatório.

Fazendo coro com o prof. CARLOS ALBERTO CARMONA,(9) "o Brasil não pode ficar alheio aos ventos que sopram em outros países". Em outras palavras, e repetindo BENJAMIN CARDOZO, em sua evocação a ROSCOE POUND, "o direito deve ser estável mas não pode permanecer estático";(10) "o jurista, como o viajante, deve estar pronto para o amanhã".

10. O Direito Processual supranacional

As formas de solução de conflitos de interesse supramencionadas – arbitragem e decisão estatal – vão se oferecer à eleição do instrumento de composição da lide no novo âmbito do Direito Processual supranacional.

Não são novidades o Direito Processual nacional e o Direito Processual internacional, visto, este, como a faceta extranacional daquele, ou seja, como imissões decorrentes da jurisdição nacional sobre o território não-nacional – estrangeiro, portanto – sobre o qual, em princípio, não são válidas ou executáveis as decisões dos tribunais nacionais, circunscritas às lindes da soberania territorial.

Novidade, e da maior importância para os tempos atuais, é o Direito Processual supranacional, resultante do entrelaçamento dos Estados, a compor novos blocos de soberania, mediante a associação de Estados interdependentes, em que conservam, estes, a própria soberania, mas se submetem à decisão de ente supranacional, nos limites a este concedidos, executando-lhe, os próprios tribunais nacionais, bem como outros tribunais extranacionais, a normação jurídica ("O Tribunal de Justiça das Comunidades Européias" e "O ABC do Direito Comunitário", textos oficiais da CEE – "Documentação Européia"). E tudo isso em uma etapa da civilização humana na qual países se desagregam em conseqüência de lutas internas decorrentes de divergências políticas, étnicas e até mesmo religiosas.

O instituto da arbitragem presta-se admiravelmente às etapas iniciais de construção desse novo Direito Processual supranacional.

11. O modelo da "União Européia

"A "União Européia", constituída atualmente de quinze países, é um passo de excepcional importância na nova formatação do Estado. Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Itália, Portugal e os demais países que a integram formam como que uma confederação às avessas, no que diz respeito aos assuntos reservados ao âmbito da União – marcantemente econômico-tributários (PIERRE CONSTANTINO/MARIANNE DONY. Le droit communautaire. A. Colin, Paris, 1995).

Remonta, a União Européia, aos tratados das Comunidades Européias Primitivas – a "CECA", o "Euratom" e a "Comunidade Européia" – e aprofunda-se, atualmente, na sofisticação monetária, após o "Tratado de Maastricht", de 1995.

O Direito é supranacional. Vale em todos os países, implantando princípios e normas de regência, os quais devem ser aplicados por toda e qualquer jurisdição nacional, indo, apenas por sobejar do nacional, a questão, às Cortes da "União Européia", sediadas em Luxemburgo.

Tais Cortes são compostas de dois Tribunais – o "Tribunal das Comunidades Européias" e o "Tribunal de 1ª Instância".Esses Tribunais julgam as questões surgidas no âmbito do cumprimento do Tratado da União Européia. Decisões como os
casos "Bosmann" (referente à liberação de passe de jogadores de futebol), "Cassis Dijon" (referente à concorrência), "Seimnenthal" (relativa à obrigação dos juízes nacionais de aplicar o direito comunitário), "Costa/Enel" (sobre a primazia do direito comunitário em relação ao direito nacional) e outras, que demonstram a importância de se possuir uma Corte jurisdicional de caráter supranacional, com decisões dotadas de coactividade, executada por intermédio dos tribunais nacionais.

Trata-se de um sistema jurisdicional bem estruturado, de Normatização da decisão judicial, aplicável em todos os países integrantes da "União Européia".Para se chegar a um direito estável no âmbito supranacional, de que no futuro participará o Mercosul, inclusive devido ao relacionamento deste com a "Comunidade Européia", em virtude do "Tratado de Madri", será necessária, porém, a evolução para um sistema jurisdicional propriamente dito, por intermédio de decisões proclamáveis por órgãos supranacionais, que trabalhem harmonicamente com as jurisdições nacionais.Os modos alternativos de composição de conflitos, no âmbito supranacional, desempenham papel relevante, mas não prescindem de um sistema jurisdicional.A propósito, não obstante o Mercosul, segundo ARTHUR FLIEGER, ainda não ser uma ordem jurídica, estando sustentado basicamente pelo "Tratado de Assunção", os Anexos e Protocolos a esse vinculados(como o de "Brasília", de 17/12/91), não dispondo, até o "Protocolo de Ouro Preto", de personalidade jurídica internacional, não se pode negar a sua acentuada evolução nesse sentido, inclusive pela força obrigatória e vinculante de suas decisões.Se o Mercosul optou pela arbitragem (e no seu âmbito, é internacional, haja vista que entre Estados, como lembra FLIEGER), é de recordar-se, com LUIZ OLAVO BAPTISTA ("Solução de divergências no Mercosul", RJE, 1º TACSP, 3/79), que até a instituição de uma Corte de Justiça comunitária o natural é que se passe pelas fases de uma Corte Arbitral ad hoc e de uma Corte Arbitral permanente (pp. 100/101). É de assinalar-se, no entanto, que sem sua Corte de Justiça o Mercosul não avançará muito, dada a indispensabilidade desta.(11)

A propósito da composição da Corte supranacional do Mercosul, sugere-se que essa pretendida Corte tenha obrigatoriamente a participação de juízes nacionais, selecionados entre os integrantes dos tribunais superiores de cada um dos países participantes do Grupo Mercosul. Por intermédio dessa participação das magistraturas nacionais, haveria, sem dúvida, e a exemplo da "União Européia", maior harmonia com as decisões dos próprios tribunais nacionais, harmonia essa que deve ser buscada sobretudo em área desacostumada com eventual contrastamento à soberania nacional por intermédio de órgãos supranacionais.Em não ocorrendo a participação de juízes nacionais no(s) tribunal(ais) supranacional(ais) do Mercosul, pode-se antever longo período de desgastantes dissensões entre as decisões supranacionais e as decisões das jurisdições nacionais, dissensão que pode significar considerável ponto de desagregação do sistema.No Brasil, no âmbito do Direito interno, essa integração, embora por outras razões, inclusive por sua dimensão de território, se vê presente, e com geral aceitação, na composição de sua mais alta Corte de Justiça no plano infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça.

12. O sistema embrionário do Mercosul

O Mercosul, que congregou, a princípio, em tratado apenas destinado a questões tributárias e aduaneiras, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, tendendo a expandir-se, não possui forma jurisdicional supranacional de solução de conflitos de interesse.

A forma de solução dos conflitos de interesse é estabelecida pelo "Tratado de Assunção" e, atualmente, regulada pelo "Anexo III do Protocolo de Brasília" – o qual assegura aos interessados a invocação do "Secretário do Grupo do Mercosul" para a dirimência de pendências.Se o "Secretário do Grupo do Mercosul" resolver encaminhar a questão à solução, terá ela de ser referendada por um dos países signatários do "Tratado de Assunção". Vale dizer: está-se no estrito âmbito da arbitragem internacional entre países diversos. Se não houver o apoio de um dos países participantes, a questão estará frustrada e será arquivada.No âmbito da arbitragem internacional, ter-se-á a decisão nos moldes normais da solução de disputas entre os Estados, nos termos da regulagem do "Tratado de Viena". Não há jurisdição, nem atividade processual supranacional, mas, sim, atividade processual nacional recíproca, visando à composição, que, se impossilitada, não terá sucedâneos.

13. Conclusão

A evolução dos fatos está a impor a discussão do modelo a ser utilizado pelo Mercosul. Na medida em que os interesses se aprofundam surge a necessidade da criação de uma Corte Internacional, à moda da Corte de Luxemburgo, reservada ao cumprimento do Tratado do Mercosul.

A arbitragem internacional, modalidade, como se disse, paraestatal de composição de conflitos, não obstante o seu relevo, não se mostra suficiente. Só a jurisdição supranacional, socorrida pelas jurisdições nacionais, poderá assegurar a aplicação eqüidistante das normas supranacionais. Para ver a inviabilidade, no futuro, da solução puramente transacional ou paraestatal, basta considerar-lhe a
vulnerabilidade, no caso de descumprimento da decisão por alguma das jurisdições nacionais.O sistema de composição particular ou paraestatal de conflito de interesse, por intermédio da composição ou de arbitramento – ainda que na modalidade internacional da arbitragem – está fadado a ter especial importância no Mercosul. Arbitragem e composição solucionarão, sem dúvida, muitos conflitos, pois são, como de início se frisou, também "processos" hábeis ao encaminhamento da legitimação de soluções, nos termos já antes ressaltados. Mas o futuro da composição de conflitos no Mercosul forçosamente passará ao campo da competência de uma Corte supranacional, à moda da Corte que se criou para a atual "União Européia".Caminha-se, assim, para a exigência de criação de um sistema judiciário supranacional do Mercosul, podendo, nesse ponto, as Cortes de Luxemburgo virem a servir-lhe de exemplo e paradigma.

Notas:

1) A propósito, REsp 15.231, RS, 4ª T., Lex-STJ 37/194. Não se pode negar que alguns pronunciamentos, por vezes, são feitos por magistrados em desfavor da arbitragem, o que é compreensível em um universo considerável de juízes. Tais manifestações isoladas não espelham, todavia, desconforto da magistratura brasileira em relação à arbitragem.
2) "A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão Juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau".
3) Alguns "descuidos", no entanto, causados sobretudo pela demora na tramitação legislativa, são evidentes. Assim, v.g.: a) no art. 33, § 2º, II, ao referir a "laudo"; b) no art. 41, ao não atentar para a alteração havida no inciso III do art. 584, CPC, pela Lei nº 8.953/94; c) a inclusão da "dúvida" no pedido de esclarecimentos da sentença arbitral (art. 30-II).
4) Que, aliás, involuntariamente incidiu no equívoco de alterar inovação recente promovida pela "Reforma processual", que passará a reclamar exegese teleológica no ponto.
5) Segundo uma corrente, conforme já anotado, ainda seria de se considerar que o comando do inciso XXXV se dirige ao legislador, aduzindo-se o argumento segundo o qual quem pode renunciar ao direito também pode renunciar à respectiva tutela, em respeito ao princípio da autonomia da vontade, desde que ressalvados os bons costumes e a ordem pública.
6) Como bem lembrou o Deputado REGIS DE OLIVEIRA, relator do projeto na Câmara dos Deputados.
7) A arbitragem no processo civil brasileiro. CARLOS ALBERTO CARMONA, Malheiros, 1993.
8) A respeito, MIGUEL REALE, "Privatização da Justiça", O Estado de São Paulo, 05/10/96.
9) Op. cit., nº 1.2, p. 14.
10) BENJAMIN CARDOZO. A evolução do direito (The growth of law), p. 1; ROSCOE POUND. lnterpretation of legal history. p. 1.
11) Como, aliás, têm proclamado os estudiosos e os diversos conclaves que a respeito têm se realizado, a exemplo do de Ouro Preto (IX/96).

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