SE PERDESSE TODAS MINHAS CAPACIDADES, TODAS ELAS MENOS UMA,

ESCOLHERIA FICAR COM A CAPACIDADE DE COMUNICAR, PORQUE COM ELA DEPRESSA RECUPERARIA TUDO O RESTO…


Daniel Webster

Friday, November 03, 2006

“O Uso de Tecnologias de Apoio à Comunicação Aumentativa e Alternativa (Julho de 2000)

INTRODUÇÃO

O uso de tecnologias de apoio nas diversas áreas da reabilitação tem vindo a crescer nas últimas décadas. Também na área da afasia o mesmo se observa. O aparecimento de novas perspectivas de intervenção visando não apenas Reabilitar mas também Habilitar o indivíduo com afasia, levou á crescente utilização/desenvolvimento de diversas tecnologias de apoio especificas ás necessidades/características da patologia. Com este trabalho propõe-se fazer uma reflexão acerca das tecnologias de apoio utilizadas nesta área, procurando, com algum sentido critico, perceber da sua eficácia na “diminuição” da desvantagem produzida por esta deficiência.
Considerou-se pertinente fazer uma breve explicação da terminologia utilizada ao longo do trabalho, nomeadamente o que se entende por tecnologias de apoio, deficiência, incapacidade, desvantagem e afasia.

TECNOLOGIAS DE APOIO




Deve considerar-se que o termo tecnologia não indica apenas objectos físicos, como dispositivos ou equipamento, mas antes se refere mais genericamente a produtos, contextos organizacionais ou "modos de agir" que encerram uma série de princípios e componentes técnicos. Por outro lado, o termo de apoio é aplicado a uma tecnologia, quando a mesma é utilizada para compensar uma limitação funcional, facilitar um modo de vida independente ás pessoas de um modo geral mas também aos indivíduos com deficiência, de forma a concretizarem todas as suas potencialidades. Algumas destas tecnologias, se bem que não especificamente concebidas para pessoas com deficiência, podem ser ajustadas por forma a preencherem a função de apoio, quando necessário. Em qualquer dos casos, falamos de Tecnologias de Apoio (EUSTAT, 1999 ).

Existem várias classificações para as tecnologias de apoio existentes, interessando apenas referir que em todas elas estão previstas ajudas referentes á comunicação ou seja, a área de estudo deste trabalho. São consideradas tecnologias de apoio á comunicação (EUSTAT, 1999):

· sistemas de comunicação com e sem ajuda
· dispositivos de baixa tecnologia, tais como quadros de comunicação
· dispositivos de alta tecnologia, tais como computadores
· saída de voz: digitalizada e sintetizada
· técnicas de selecção (directa, varrimento, codificada)
· técnicas de aumento de velocidade de comunicação e de predição
· outros.


DEFICIÊNCIA/INCAPACIDADE/DESVANTAGEM

Segundo a Organização Mundial de Saúde (1980) deve entender-se como (no domínio da saúde):

- “Deficiência”: qualquer perda ou alteração de uma estrutura ou de uma função psicológica, fisiológica ou anatómica. Estas perdas ou alterações podem ser temporárias ou permanentes, representando a exteriorização de um estado patológico, reflectindo, em princípio, perturbações a nível orgânico.

- “Incapacidade”: restrição ou falta da capacidade para realizar uma actividade dentro dos moldes e limites considerados normais para o ser humano. Caracteriza-se por excessos ou insuficiências no comportamento ou no desempenho de uma actividade que se tem por comum ou normal, derivando geralmente de uma deficiência.

- “Desvantagem”: condição social do prejuízo sofrido por um dado indivíduo, resultante de uma deficiência ou de uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de uma actividade considerada normal para esse indivíduo, tendo em atenção a idade, o sexo e os factores sócio culturais do mesmo. Representa a expressão social de uma deficiência ou incapacidade, pelo que reflecte as consequências culturais, sociais, económicas e ambientais provocadas por estas.


AFASIA


Imagem - National Aphasia Association


O que se entende por afasia tem sido tema de grande controvérsia para muitos investigadores, dependendo muitas vezes do próprio conceito de linguagem que estes defendem e que está na base desta perturbação. A definição dos conceitos de deficiência, incapacidade e desvantagem definidos pela O.M.S (1980) levou muitos clínicos e investigadores a tentar pôr em prática este modelo, no seu trabalho, levando ao aparecimento de novas concepções de Afasia (Garcia.L.J e col. 2000). Segundo Wahrborg e Borenstein (1990), “a afasia não é apenas uma quebra na capacidade de usar e compreender linguagem. É algo social, biológica e psicologicamente mais abrangente do que aquilo que se tem acreditado”. Por outro lado interessa referir uma definição mais funcional da afasia segundo a qual : “A afasia é a dificuldade temporária ou permanente de satisfazer as necessidades comunicativas de uma pessoa, através de um discurso normal” (Aten, 1986, citado por Horner, Loverso & Rothi, 1994); Nestas concepções, o indivíduo com afasia passou a ser considerado como um todo, tendo-se em conta os seus interesses, necessidades, gostos pessoais, familiares e sociais, ou seja, passou a olhar-se para a afasia de uma forma mais funcional e mais holistica. Olhar para a Afasia desta forma, permitiu uma nova perspectiva de intervenção nesta área, levando ao aparecimento de diversos Métodos Compensatórios de Intervenção (Casanova, 1995) com a consequente necessidade de utilização de diversas Tecnologias de Apoio.

UMA NOVA PERSPECTIVA DE INTERVENÇÃO

A perspectiva mais tradicional de intervir na afasia centra-se ao nível da deficiência, ou seja ao nível das perturbações de linguagem apresentadas. Os objectivos estão relacionados com uma melhoria da compreensão e uso da linguagem. São efectuadas tentativas de ultrapassar os défices e capitalizar as capacidades preservadas (Blackstone, 1991).
Uma perspectiva mais funcional de intervenção foca os seus objectivos ao nível da incapacidade, procurando melhorar a participação do indivíduo em actividades da vida diária e ao nível da desvantagem, procurando melhorar a percepção da patologia pela Sociedade onde este pertence, no sentido de aumentar as suas oportunidades. Os objectivos serão aumentar a participação do indivíduo, ensinando-lhe e aos seus parceiros de comunicação capacidades de interagir nas suas casas e na sua comunidade, melhorando desta forma a sua qualidade de vida ( Blackstone, 1991), ou seja pretende-se “Habilitar” por um lado o indivíduo, tentando pôr em prática medidas dirigidas a compensar a perda de uma função ou limitação funcional para que este seja capaz de realizar uma determinada actividade, embora com a persistência da deficiência (Soro Camats, 1998) e “Habilitar” o Meio por outro, modificando o espaço físico, as prestações sociais e atitudes, conhecimentos e habilidades de todos os membros da Sociedade, com o objectivo de suprimir os obstáculos físicos, as barreiras de comunicação e as atitudes desfavoráveis que limitam o crescimento pessoal e a qualidade de vida destes indivíduos (Basil, 1998).
Esta nova perspectiva de intervenção levou a um interesse crescente numa área onde pouco tinha sido feito neste sentido, a comunicação aumentativa e alternativa (C.A.A) em adultos afásicos.

USO DE TECNOLOGIAS DE APOIO Á COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA NO INDIVÍDUO COM AFASIA SEVERA

Há a tendência a considerar, de forma errada, que os computadores, quadros de comunicação e símbolos gráficos, entre outros, são sinónimos de C.A.A. Estas contudo, não se tratam de soluções, mas sim respostas humanas á frustração e aos problemas. São um meio de atingir um fim e não um fim por elas mesmas. São ferramentas (Blackstone, 1991). A comunicação é um processo complexo e é este processo que deve ser tido em conta e não apenas as ferramentas usadas para o atingir. Ainda segundo Blackstone (1991) os indivíduos com afasia severa, poderão aprender a utilizar estas ferramentas de forma a resolver alguns problemas de comunicação, aprendendo simultaneamente técnicas e estratégias especificas de C.A.A.
Arlene Kraat (1990), apresentou em revista, uma revisão histórica da aplicação de ajudas á C.A.A, técnicas, símbolos e estratégias utilizadas na intervenção em indivíduos com afasia. Segundo esta, o interesse dos clínicos e investigadores nesta área, terá tido inicio nos anos 60 e 70, com a utilização/ensino de símbolos gráficos e signos manuais a indivíduos com afasia severa. Nos anos 80, a sua expansão continuou e começaram a ser usados livros/quadros de comunicação, gestos Amer-ind, símbolos Bliss e alguns dispositivos para a comunicação. Na mesma altura, os mesmos investigadores, começaram a questionar-se acerca da utilização e eficácia destas técnicas na comunicação do dia-a-dia, assim como acerca dos limites dos indivíduos afásicos na capacidade de utilização de formas não verbais para a comunicação. Foram efectuados diversos estudos e os seus relatórios clínicos começaram a referir que os indivíduos afásicos não só não usavam as ajudas, símbolos e técnicas fora dos contextos terapêuticos, como possuíam dificuldade em utilizar um número elevado de símbolos para a C.A.A. No início dos anos 90 e em consequência destas conclusões/insucessos, a sua utilização decresceu e muitos se questionavam sobre se a C.A.A teria lugar na reabilitação do indivíduo com afasia. Foram muitos os factores referidos para justificar estes insucessos. De referir, o tipo de tecnologias de apoio usadas nestas experiências e as características especificas da população. Segundo Blackstone (1991), “os dispositivos utilizados…. não foram desenhados para indivíduos com afasia severa” assim como, ” a primeira barreira para a comunicação não é a ausência de fala (como no caso da maior parte dos utilizadores de C.A.A.) mas os défices de linguagem severos que eles apresentam”.
No seguimento destes estudos, Garrett e Beukelman (1993), definiram um conjunto de princípios de intervenção á C.A.A aplicáveis na reabilitação da afasia (anexo 1), assim como um modelo de intervenção especifico para estes indivíduos, baseado nas dificuldades de comunicação apresentadas por cada indivíduo, visualizando uma intervenção integrada que encoraja o uso, tanto de modalidades comunicativas naturais, como de técnicas de comunicação alternativa. Foram ainda definidas algumas características especificas a ter em consideração no desenho das tecnologias de apoio (anexo 1) a utilizar com esta população (Blackstone, 1991). Na última década tem-se verificado novamente um crescer na utilização de intervenções baseadas no uso de C.A.A, assim como no desenvolvimento de tecnologias de apoio especificas para a população estudada. Beukelman e Mirenda (1998), referem que “ com uma planificação adequada, as intervenções C.A.A podem enriquecer as opções de comunicação para os indivíduos e seus parceiros de comunicação em todos os estádios do seu ajustamento á vida com afasia”.

CONCLUSÃO

Esta é uma área extremamente vasta e interessante sobre a qual haveria muito mais a dizer. São imensas as tecnologias de apoio em desenvolvimento, muitas delas em projectos apoiados e subsidiados pela União Europeia, dada a sua importância. Á semelhança do que aconteceu com outras Patologias, foi necessário observar o insucesso na utilização de diferentes Tecnologias de Apoio á Comunicação para concluir que nenhuma funcionará, se vista isoladamente como sendo a solução para os problemas de comunicação existentes. Procurou-se ainda alertar para a necessidade de ter em consideração outros factores como sejam as características/necessidades específicas do indivíduo em questão e do Meio em que este se encontra inserido, assim como da necessidade dos diferentes parceiros de comunicação, nos diferentes contextos, terem presentes um conjunto de estratégias básicas de comunicação, que visam facilitar todo o processo de interacção comunicativa e consequente melhor utilização das Tecnologias de Apoio. Neste sentido, urge a necessidade de uma intervenção terapêutica mais alargada, que visa não apenas o indivíduo com as suas incapacidades e desvantagens, mas os diferentes contextos em que este movimenta, capacitando-os para uma resposta mais adequada ás suas necessidades. A confirmar esta tendência vem a nova classificação da Organização Mundial de Saúde (ICIDH-2 – International Classification of Functioning and Disability, 1999) que reforça a importância da responsabilização dos factores contextuais no sentido de facilitar a inclusão e participação do indivíduo com deficiência nos diferentes contextos sociais em que se move. Só atendendo a todos estes factores as Tecnologias de Apoio poderão cumprir cabalmente a função a que se destinam.


BIBLIOGRAFIA

· Beukelman, D.R., Mirenda,P. (1998) – Augmentative and Alternative Communication – Management of Severe Communication Disorders in Children and Adults, 2ªed., Baltimore, Paul H. Brookes Publishing Co., Inc.

· Blackstone, S. W. (1991) – Aphasia and A.A.C: The nature of the relationship, Approaches to intervention for people with severe aphasia, AAC technology for individuals with aphasia, Augmentative Communication News, 4(1), pp 1-7.

· Borenstein, P., Wahrborg, P. (1990) – The aphasic person and his/her family: What about the future ? in Aphasiology. Vol. 4, Suécia, p. 371-378.

· EUSTAT (1999) - Educação em Tecnologias de Apoio para Utilizadores Finais – Linhas de Orientação para Formadores – Projecto DE 3402 – Deliverable DO6.3, Portugal.

· Garcia, L.G., Barrette, J. Chantal, L. (2000), Perceptions of the obstacles to work reintegration for persons with aphasia- Aphasiology, vol .14, no.3, 269-290.

· ICIDH – 2 : International Classification of Functioning and Disability. Beta – 2 draft, Full version. Geneva. World Health Organization, 1999.

· Peña - Casanova, J., Pamies, M. (1995) – Reabilitation de la afasia y transtornos associados,
2ª ed., Barcelona, Masson, S.A.

· Sandt, M. (1997) - PCAD – Portable Communication Assistant Device, Telematics Applications Project DE 3211 - Project Deliverable, Holland.

· S.N.R. (1989) – Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Devantagens, Lisboa, Secretariado Nacional de Reabilitação.

· Soro-Camats. E., Basil. C., Rosell. C (1998) - Sistemas de Signos y Ayudas Técnicas para la Comunicación Aumentativa y la Escritura – Principios Teóricos e Aplicaciones, Barcelona, Masson, S.A.

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