Revista ESMAC
Revista
Escola Superior da Magistratura do Acre
______________________________
Ano I - Volume I - 2009
COLETÂNEA DE TRABALHOS
DE CONCLUSÃO DE CURSO
APRESENTADOS AO PROGRAMA
DE CAPACITAÇÃO EM PODER JUDICIÁRIO
- FGV DIREITO RIO -
Rio Branco - Acre
2009
COLEÇÃO - REVISTA ESMAC - VOLUME I
COLETÂNEA DE TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE CURSO APRESENTADOS AO PROGRAMA DE
CAPACITAÇÃO EM PODER JUDICIÁRIO
- FGV DIREITO RIO EXPEDIENTE
Publicação do Tribunal de Justiça do Estado do Acre - Escola Superior da Magistratura
Autores:
Denise Castelo Bonfim - Juíza de Direito Titular da 2ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, Graduada em Direito pelo Centro Superior de Ciências Sociais de Vila Velha e Especialista em Poder Judiciário.
Eva Evangelista de Araújo Souza - Juíza de Direito desde 1975, Desembargadora, promovida em 1984, Graduada
em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário.
Elcio Sabo Mendes Júnior - Juiz de Direito Titular da Vara de Delitos de Tóxico e Acidentes de Trânsito do Tribunal
de Justiça do Estado do Acre, com competência prorrogada à Auditoria Militar, Graduado em Direito pela Universidade São Francisco e Especialista em Poder Judiciário.
Fernando Nóbrega da Silva - Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Família da Comarca de Rio Branco, com competência prorrogada à Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Rio Branco, Graduado em Direito pela Universidade de Rondônia e Especialista em Poder Judiciário.
Giordane de Souza Dourado - Juiz de Direito Titular da Vara Criminal da Comarca de Brasiléia e Presidente da Associação de Magistrados do Acre – ASMAC, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista
em Poder Judiciário.
José Augusto Cunha Fontes da Silva - Juiz de Direito Titular do 1º Juizado Especial Criminal, Graduado em Direito
pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário.
Laudivon de Oliveira Nogueira - Juiz de Direito Titular da 1ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Acre,
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário.
Maha Kouzi Manasfi e Manasfi - Juíza de Direito Titular da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco,
com competência prorrogada à Comarca de Bujari, Graduada em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário.
Mirla Regina da Silva Cutrim - Juíza de Direito Titular do 3º Juizado Especial Cível e respondendo pela Justiça Comunitária Itinerante, Graduada em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário.
Olívia Maria Alves Ribeiro - Juíza de Direito Titular da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário.
Raimundo Nonato da Costa Maia - Juiz de Direito Titular da 3ª Vara Criminal, Graduado em Direito pela Universiade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário.
Solange de Souza Fagundes - Juíza de Direito Titular do 1º Juizado Especial Cível e respondendo pelo Juizado de
Trânsito. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário.
Thaís Queiroz Borges de Oliveira Abou Khalil - Juíza de Direito Titular da Vara Criminal da Comarca de Sena Madureira, com prorrogação de jurisdição à Comarca de Santa Rosa, Graduada em Direito pela Universidade Federal
de Urbelândia - UFU e Especialista em Poder Judiciário.
E 74 c
ESMAC, Escola Superior da Magistratura do Acre – Coletânea de Trabalhos de Conclusão
de Curso Apresentados ao Programa de Capacitação em Poder Judiciário – FGV Direito
RJ Rio Branco, Ac – Parque Gráfico do TJ/AC – 2009.
643 f
1 – Coletânea – Direito Penal – Direito Cível – Administração - Judiciária – Monografias.
CDU 34: 347.98
Revista ESMAC
TRIBUNAL PLENO
BIÊNIO 2009-2011
Desembargador PEDRO RANZI
Presidente
Desembargador ADAIR JOSÉ LONGUINI
Vice-Presidente
Desembargador SAMOEL MARTINS EVANGELISTA
Corregedor Geral da Justiça
MEMBROS
Desembargadora EVA EVANGELISTA
Diretora da Escola Superior da Magistratura do Acre
Desembargadora MIRACELE DE SOUZA LOPES BORGES
Desembargador FRANCISCO DAS CHAGAS PRAÇA
Desembargador ARQUILAU DE CASTRO MELO
Desembargador FELICIANO VASCONCELOS DE OLIVEIRA
Desembargadora IZAURA MARIA MAIA DE LIMA
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ACRE
BIÊNIO 2009-2011
CONSELHO CONSULTIVO
Desembargadora EVA EVANGELISTA
Diretora
REGINA CÉLIA FERRARI LONGUINI
Membro
LAUDIVON DE OLIVEIRA NOGUEIRA
Membro
ELCIO SABO MENDES JÚNIOR
Membro
CLOVES AUGUSTO ALVES CABRAL FERREIRA
Membro
OLÍVIA MARIA ALVES RIBEIRO
Membro
MIRLA REGINA DA SILVA CUTRIM
Membro
MAHA KOUZI MANASFI E MANASFI
Membro
Revista ESMAC
APRESENTAÇÃO
A Escola Superior da Magistratura do Acre centrada na feição acadêmica complementa sua atuação, no exercício de 2009, com a publicação da Revista ESMAC, nº
01/2009, passados onze anos da última edição similar.
Assim, o número 01/2009, vol.01, desta Revista, tem como objetivo disseminar a
divulgação dos Trabalhos de Conclusão de Curso, apresentados ao Programa de
Capacitação em Poder Judiciário, objeto do convênio formalizado entre o Governo
do Estado do Acre, o Tribunal de Justiça do Estado do Acre e a Escola de Direito
da Fundação Getúlio Vargas.
Nesta edição (volume 01), treze temas convergem para os diferentes aspectos da
atuação dos magistrados. Decerto que o rigor e a abordagem científica de cada assunto objetivam motivar a reflexão e o repensar do saber jurídico e, notadamente, a
busca da excelência no exercício da prestação jurisdicional.
Portanto, a realçar o empenho e a construção científica dos trabalhos firmados em
práticas de gestão, do novo pensar e atuar, no Judiciário Acreano.
Por derradeiro, importa consignar o reconhecimento à Administração do Tribunal
de Justiça pela disponibilidade das condições necessárias à Escola de Magistratura,
como instrumento de eficiência da jurisdição.
Em especial, o tributo aos Desembargadores Samoel Evangelista, Izaura Maia e Pedro Ranzi, ao primeiro por instituir o MBA em Administração do Poder Judiciário,
à segunda pela continuidade imposta ao curso de pós-graduação, e ao terceiro, atual
Presidente desta Corte de Justiça, por que, passados 23 (vinte e três) anos de criação
da ESMAC, destinou uma sede a este Órgão de Ensino, um referencial de capacitação continuada dos magistrados.
Eva Evangelista
Desembargadora
Diretora da ESMAC
SUMÁRIO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: ASPECTOS DE INEFICÁCIA
PRÁTICA DA LEI MARIA DA PENHA - Denise Castelo Bonfim ............................... 008
O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO
ACRE COMO INSTRUMENTO DE QUALIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA
Eva Evangelista de Araújo Souza ..................................................................................... 051
PODER DESCENTRALIZADO NOVAS PERSPECTIVAS ORÇAMENTÁRIAS
Elcio Sabo Mendes Júnior ................................................................................................ 107
TRANSAÇÃO PENAL E SUA INTERPRETAÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL - Fernando Nóbrega da Silva .................................................................................. 139
APERFEIÇOAMENTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS COMO FATOR TÉCNICO E
PSICOLÓGICO DE EFICIÊNCIA: PROPOSTA PARA A IMPLEMENTAÇÃO NAS UNIDADES JUDICIÁRIAS DO ESTADO DO ACRE DE PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO
PERIÓDICA DOS SERVENTUÁRIOS
Giordane de Souza Dourado ............................................................................................. 181
O MAIOR APROVEITAMENTO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS NAS MODALIDADES DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À
COMUNIDADE (...) José Augusto Cunha Fontes da Silva ............................................. 233
INFORMAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA
Laudivon de Oliveira Nogueira ........................................................................................ 291
DA IMPLANTAÇÃO DO PROCESSO ELETRÔNICO JUNTO À VARA DE EXECUÇÕES
PENAIS - Maha Kouzi Manasfi e Manasfi ...................................................................... 347
A AGILIZAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL NO TERCEIRO JUIZADO ESPECIAL
CÍVEL DA COMARCA DE RIO BRANCO
Mirla Regina da Silva Cutrim ........................................................................................... 407
A INEFICIÊNCIA DO JUDICIÁRIO E A MEDIAÇÃO COMO MECANISMO ALTERNATIVO DE PACIFICAÇÃO SOCIAL NO ÂMBITO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Olivia Maria Alves Ribeiro .............................................................................................. 455
A UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E DO PROCESSO VIRTUAL/ELETRÔNICO COMO FERRAMENTAS PARA OTIMIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL NA TERCEIRA VARA CRIMINAL DE RIO BRANCO – AC
Raimundo Nonato da Costa Maia .................................................................................... 493
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O PODER DE GESTÃO DO JUIZ EM RELAÇÃO ÀS ASTREINTES EFETIVADAS
Solange de Souza Fagundes ............................................................................................. 540
CONSIDERAÇÕES SOBRE A GESTÃO DE CARTÓRIO DE VARA CRIMINAL
GENÉRICA, INSTALADA EM PEQUENA COMARCA DO INTERIOR DO ESTADO
DO ACRE, NO QUE SE REFERE A PROCESSOS DE EXECUÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE, NOS REGIME FECHADO E SEMI-ABERTO, VISANDO ALCANÇAR AS FINALIDADES DAS PENAS
Thais Queiroz Borges de Oliveira Abou Khalil ............................................................... 607
VIOLENCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER:
ASPECTOS DE INEFICÁCIA PRÁTICA DA LEI MARIA DA PENHA
DENISE CASTELO BONFIM
1. INTRODUÇÃO
Uma vez determinadas legalmente as diretrizes para o combate à violência contra
a mulher, faz-se necessário um levantamento minucioso para determinação dos motivos impeditivos da plena eficácia desses ditames.
Falhas de direcionamento ou emprenho exacerbado com erro de foco podem gerar
resultados diretamente opostos dos pretendidos, ou, no mínimo, dados não satisfatórios para
a pretensão da Lei tendo em vista seu alvo pluridirecionado.
Eficácia é palavra que reflete a competência ou ineficiência de uma tarefa. Em
se referindo a um texto legal, a ineficácia dirimirá se aquela lei está sendo cumprida no
cotidiano social da população ou serve apenas de espelho do que seria ideal, mas na prática
tornou-se utópico, inalcançável, inatingível.
Sem ser extremamente pessimista em relação à aplicabilidade da Lei, esta pode ter
sua eficácia limitada tendo em vista os obstáculos culturais, sociais ou econômicos de um
povo. Não que é isso seja problemática do texto legal não adequado à realidade, mas tendo
em vista sua não efetivação de modo correto ou sua aplicação de modo diverso do pretendido
ou determinado no texto, em que pese que esta meia eficácia já seria de bom grado à uma
sociedade carente em todos os aspectos.
Em suma, se as normas legais fossem seguidas de forma linear e literal, pelo menos
em suas intenções sócio-econômicos, a população sentiria a magnífica sensação de justiça
em seu viver diário.
2. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
2.1. Conceituação
Conceituar a violência contra a mulher é, ao mesmo tempo, defini-la e determinar
seus limites, daí sua dificuldade e delicadeza, tendo em vista que se deve, em tese, abranger
todas suas formas.
Geralmente conceitos de violência contra a mulher restringiam-se às violências
física ou sexual, entretanto este conceito, principalmente legal, a partir da entrada em vigor
da Lei Maria da Penha, foi ampliado para incluir outros tipos de violência, como a moral
e a patrimonial, modalidades antes não identificadas como de prejuízo à mulher, vítima de
violência.
Este conceito foi ampliado através dos estudos das conseqüências que a violência
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deixava nas vidas das mulheres em momentos pós agressão, afinal não se resumiam às marcas ou escoriações, mas se refletiam também psicológica e materialmente.
Nos termos da Lei 11.340/2006 a violência contra a mulher se dividiria em cinco
modalidades:
Violência física: qualquer conduta que ofenda integridade ou saúde corporal da
mulher;
Violência psicológica: qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da
auto-estima à mulher ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise
degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir
ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
Violência sexual: qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter
ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso
da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que
a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez,
ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que
limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
Violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos pertences à mulher, instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
Violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Apesar de certas modalidades de violência serem preliminares, por exemplo a violência psicológica, ou posteriores, por exemplo a violência patrimonial, há tipos de violência
mais contundentes, como a física ou a sexual. Entretanto todas merecem igual tratamento na
temática da violência contra a mulher, pois, embora as mais brandas não deixem resquícios
ou marcas físicas, são as que mais denigrem ou humilham o sexo feminino (ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, insulto, chantagem, ridicularização,
retenção, subtração, destruição de objetos, documentos pessoais, bens, valores e direitos
ou recursos econômicos, etc.), sustentando e alimentando a errônea cultura de domínio machista presente no nosso País.
Logo, atualmente, a conceituação mais correta de violência contra a mulher deve,
obrigatoriamente, abranger todas as modalidades acima descritas, afinal, a preservação da
integridade da mulher não deve se restringir apenas a seu corpo físico, mas abranger todas as
possíveis conseqüências advindas de um to de violência, a qual não se emerge, como já dito,
apenas de forma física.
Neste sentido, a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher feita
pela Organização das Nações Unidas definiu a violência contra a mulher como:
“qualquer ato de violência com base no gênero, sexo, que resulta em ou que é provável
resultar em dano físico, sexual, mental ou sofrimento para a mulher, incluindo as ameaças
de tais atos coerção ou privação arbitrária de liberdade, ocorrida em público ou na vida
particular”.
Lei 11.340/2006, artigo 7º.
CEDAW - Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979).
Ratificando essa postura, o Brasil também assim conceituou a violência contra a mulher:
“Artigo 1º - Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher
qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico,
sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.
Artigo 2º - Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e
psicológica:
§1. Que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação
interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher
e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual:
§2. Que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de
mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como
em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e
§3. Que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.”.
O dimensionamento mais amplo desta conceituação trouxe à realidade o englobamento de todos aos fatores prejudiciais às mulheres vítimas de violência, e, pelo menos
à princípio e de modo conceitual, preencheu as lacunas assistenciais outrora existentes e
remete à satisfação dos anseios da classe.
2.2 Panorama Mundial:
Os verbos típicos da violência (agredir, matar e estuprar) praticados em desfavor de
meninas ou mulheres não são incomuns ao longo da história em praticamente todos os países
ditos civilizados e dotados dos mais diferentes regimes econômicos e políticos. O que será
fator variável, nestes casos e países, será a potencialidade ou dimensão desta violência.
Essa realidade nunca foi apenas mera expectativa ou alarde, mas foi severamente
estudada e assumida a partir da década 70, época em que estouraram situações dantes inimagináveis e em que a escabrosidade dos fatos chocou o mundo. A partir daí, vários organismos
internacionais iniciarão uma mobilização mundial contra este tipo de violência, e em 1975,
a ONU realizou o primeiro Dia Internacional da Mulher. Mesmo assim, a Comissão de Direitos Humanos da própria ONU, somente há quinze anos incluiu um capítulo de denuncia
e propõe medidas para coibir a violência de gênero, o que ocorreu mais precisamente na
Reunião de Viena em 1993.
Os fatos originários do Dia Internacional da Mulher datam de 1857, ano em
que operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade de Nova Iorque, fizeram uma
grande greve. Elas, como forma de protesto, ocuparam a fábrica e reivindicaram melhores
condições de trabalho, tais como, redução na carga diária de trabalho, isonomia de salários
com os homens e tratamento digno no ambiente de trabalho. Como já era de se esperar para
o comportamento da época, a manifestação foi reprimida com extrema violência e de forma
Convenção de Belém do Pará (1994) - Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher.
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contumaz, de modo que as manifestantes foram trancadas dentro da fábrica e, em um ato de
desumanidade, esta foi incendiada, causando a morte de mais de 125 tecelãs por carbonização. Apenas 53 anos após os fatos, mais precisamente no ano de 1910, durante uma conferência na Dinamarca, determinou-se que o dia 08 de março tornar-se-ia o “Dia Internacional
da Mulher”, em homenagem póstuma às exemplares mulheres que foram assassinadas em
1857, data esta que foi reconhecida pela ONU em 1975.
Segundo relatório específico da ONU sobre o tema, a violência contra a mulher é
mais freqüente em países de uma dominante cultura masculina, e mais rara em culturas que
buscam soluções igualitárias para as diferenças de gênero.
Dentre outros dados, o relatório conclui que:
¨(a) as mulheres são mais da metade (52%) dos 5 bilhões de habitantes do planeta e formam
73% da população mundial de miseráveis, estimada em 1,3 bilhão; (b) a violência contra a
mulher é maior na América Latina, África, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia, (c)
mais de 114 milhões de mulheres no mundo sofreram algum tipo de mutilação sexual, o que
conta seis mil por dia, cinco por minuto ; (d) nos EUA, a violência doméstica atinge de 2 a
4 milhões de mulheres, de modo que a cada 18 minutos uma mulher é espancada e a cada
6 minutos, uma é estuprada; (e) na Índia, 9 mil mulheres são assassinadas ao ano porque o
dote não é suficiente; (f ) na França, 95% das vítimas de violência são mulheres e 51% sofrem
agressões dos próprios maridos; (g) em Lima (Peru), 90% das mães entre 12 e 16 anos foram
estupradas; (h) na China, um terço das mulheres diz apanhar dos maridos e nas zonas rurais,
as mulheres são vendidas para casar com desconhecidos.¨
Mais aterrorizantes ainda foram os dados divulgados pela Anistia Internacional em
2004, os quais asseveraram que um bilhão de mulheres já foram espancadas ou estupradas e
20% das mulheres do mundo é alvo de estupro, além de, em cada cinco mulheres no mundo,
uma será vítima ou sofrerá uma tentativa de estupro até o fim de sua vida.
Irene Khan, secretária-geral da Anistia Internacional, naquele ano em Londres,
concedeu entrevista ao Jornal ¨Le Monde¨, alarmando o mundo sobre a realidade numérica
da violência em desfavor das mulheres:
¨Pergunta - A AI lançou uma campanha de combate à violência contra as mulheres. Qual é
a amplitude desse fenômeno?
Irene Khan - Trata-se de uma doença grave, que atinge todas as sociedades, e de um escândalo revoltante. Uma mulher em cada três no mundo sofre agressões sérias, como estupro
ou agressão sexual. É um mal muito difundido, que não conhece fronteiras geográficas, raciais ou sociais. As sociedades o ignoram, os governos fecham os olhos para ele, as próprias
mulheres mantêm o silêncio, pois são estigmatizadas. As que falam sobre o assunto, longe
de encontrarem uma solução para o mal, têm sérios problemas.
Pergunta - Há exemplos?
Khan - No Paquistão, segundo uma pesquisa do governo, 42% das mulheres vêem a violência como parte de seu destino, 32% se acham impotentes demais para resistir, 19% protestam, e apenas 4% se rebelam. Nos EUA, uma mulher é agredida a cada 15 segundos. Nos
países desenvolvidos, a violência é a principal causa da morte das mulheres dos 16 aos 44
anos, passando à frente do câncer e das doenças cardíacas.
Sexto Relatório Global sobre Crime e Justiça/ONU - 1990.
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Pergunta - Como explicar essa violência?
Khan - Ela resulta, em parte, da desigualdade e das discriminações que vigoram em diversas
sociedades. Estas são dominadas pela exploração econômica e por relações sociais que criam
armadilhas. A violência se explica também pela impunidade da qual gozam os agressores. A
polícia intervém pouco. Na Rússia, 14 mil mulheres morrem todos os anos em conseqüência
de atos violentos cometidos por seus parceiros. Até hoje, nenhum país do mundo conseguiu
proteger as mulheres dentro de suas casas. Desde seu quarto até o campo de batalha, as
mulheres correm perigo. Em situações de conflito, a violência contra as mulheres constitui
uma arma de guerra. Vimos isso nos Bálcãs há pouco. A mesma coisa se repete hoje, por
exemplo, na República Democrática do Congo [ex-Zaire], onde estive em outubro. Numa
única região em torno de Goma, foi registrada a média de 40 estupros por dia durante o
período de um ano.¨
Em que pese a magnitude numérica em relação à violência contra a mulher, a frieza
dos números não reflete com clareza material a realidade vivida pelas mulheres em todo o
mundo, geralmente basilados em culturas sociais machistas, religiosas xiitas ou políticas.
Citemos por exemplo o caso da jovem etíope Kamilat Mehdi, de 21 anos, que
vinha sendo perseguida por um homem que lhe assediava há pelo menos 4 anos, o qual, em
certa noite quando ela voltava do trabalho com as irmãs, após ser encurralada, teve sua face
desfigurada por ácido jogado em seu rosto.
O passar das décadas é testemunha da luta mundial no combate à discriminação
ou violência contra a mulher. As vitórias foram, aos olhos de hoje mínimas, mas, à época
marcos inesquecíveis e franqueadores de novos tempos, por exemplo: em 1788 o político
e filósofo francês Condorcet reivindicou publicamente os direitos de participação política,
Entrevista concedida a Jean Pierre Langellier, do Jornal “Le Monde”, Londres, 2004 - publicada pelo Jornal
Folha de São Paulo, 06/03/2004.
BBC News, Addis Ababa, Wednesdey, 28 March 2007.
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emprego e educação para as mulheres; em 1840, Lucrécia Mott lutou pela igualdade de
direitos para mulheres e negros dos Estados Unidos; em 1859 surgiu na Rússia, na cidade
de São Petersburgo, um movimento de luta pelos direitos das mulheres; em 1862, durante
as eleições municipais, as mulheres puderam votar pela primeira vez na Suécia; em 1865,
na Alemanha, Louise Otto, cria a Associação Geral das Mulheres Alemãs; em 1866, no Reino Unido, o economista John S. Mill escreve exigindo o direito de voto para as mulheres
inglesas; em 1869 é criada nos Estados Unidos a Associação Nacional para o Sufrágio das
Mulheres; em 1870, na França, as mulheres passam a ter acesso aos cursos de Medicina; em
1874 é criada no Japão a primeira escola normal para moças; em 1878 é criada, na Rússia,
uma Universidade Feminina; e em 1901, o deputado francês René Viviani, defende o direito
de voto das mulheres
Em sendo um problema histórico, a violência contra a mulher não será estirpada
ou banida do planeta em algumas décadas, mas o amadurecimento mundial quanto a este
assunto afrontará as práticas mais severas e pressionará os governos à tomarem medidas
mais enérgicas a seu favor, como ocorreu com o Brasil, que apenas após manifestação da
OEA posicionou-se no caso da Sra. Maria da Penha, como veremos a seguir (item 4.1).
Hoje em dia, todos os países do mundo, em seus panoramas cultural, social ou
político, merecem ser respeitados quando o fazem em relação aos entes participantes de
suas sociedades. Respeitar as crenças étnicas, religiosas, morais ou culturais em detrimento
de parte da população, quanto mais quando esta é mutilada, explorada ou indignificada, não
se sustenta nos tempos atuais e merece severa crítica mundial e políticas regradas ao seu
combate, sendo estas condutas as mais assumidas na história moderna da humanidade pela
maioria dos países.
2.3 Panorama Nacional
2.3.1 Machismo
Culturalmente e historicamente o Brasil é um país machista e preserva essa vertente como se dela se orgulhasse. No cotidiano nacional as relações entre casais, pais e filhas,
amigo e amiga, etc., espelham-se em comportamentos ultrapassados de ironia e piadas jocosas de inferioridade feminina. A Autoridade paterna mais severa, a obrigação de submissão
da mulher em relacionamentos ou as piadas machistas nas conversas atingindo a capacidade
intelectual ou aptidões femininas, são exemplos diários da pseudo-superioridade masculina
e denotam a passividade de suas aceitações tácitas.
Dentro do contexto cultural dos últimos anos, a mulher é peça fundamental do
imaginário brasileiro, fazendo suas vezes na história, meio social, revistas, notícias de jornal, dramaturgia, literatura, novelas de televisão, música popular, etc. Nestes meios, predomina-se o papel de coadjuvante da mulher brasileira ou sua dependência masculina, quer
seja financeira, afetiva, emocional, ou de qualquer outra forma, sempre na procura de um
esteriótipo já existente.
A perduração dessa realidade, apesar de atualmente já modificada em termos, dáse pela persistente cultura de subordinação da mulher ao homem de quem ela é considerada
uma inalienável e eterna propriedade, pela alimentação da mídia à fatores familiares machis13
tas, pela falta de visibilidade da mulher como cidadã em contraponto à sua imagem erotizada
e apelativa, imagem esta tão utilizada para fins de audiência ou financeiros.
Por exemplo, na música Cabocla Teresa de Raul Torres e João Pacífico, a realidade
trágica das mulheres é relatada pormenorizadamente, e, por pura aceitação popular, como
ocorre com diversas outras músicas de mesmo contexto, fez sucesso:
¨Vancê, Tereza, descansa/ Jurei de fazer vingança/ Pra mordi de nosso amor/ Há tempos eu
fiz um ranchinho/ Pra minha cabocla morar/ Pois era ali nosso ninho/ Bem longe desse lugar/
No alto lá da montanha / Perto da luz do luar/ Vivi um ano feliz/ Sem nunca isso esperar/ E
muito tempo passou/ Pensando em ser tão feliz/ Mas a Tereza, doto/ Felicidade não quis/ Pus
meus sonhos nesse olhar/ Paguei caro meu amor/ Por mordi de outro caboclo/ Meu rancho
ela abandonou/ Senti meu sangue ferver/ Jurei a Tereza matar/ O meu alazão arriei/ E ela fui
procurar/ Agora já me vinguei/ É esse o fim de um amor/ Essa cabocla eu matei/ É a minha
história doto.¨
Exaustivamente as crianças e jovens são bombardeados diariamente com ritmos
frenéticos, tipo funk, dance, boate, pagode, forró, ou programas televisivos, os quais, por
gosto e aceitação popular, exaltam as festas, bebidas, e o adultério generalizado com apologia à poligamia branca e aos erotismo do tipo feminino.
Tudo isso não reflete apenas nossa cultura consumida atual, mais o que permitimos
que se passe educacionalmente através destes meios e que, indubitavelmente, servirão de
valores aos receptores das mensagens. Uma cultura machista repassada e absorvida obstaculariza a conscientização antiviolência e alimenta sua perduração.
No contexto social e nas relações afetivas a situação ainda fica mais grave: para o
homem, a mulher é um objeto de posse e de mando, onde pode e deve exercer seu domínio
sem ser contrariado.
O exercício deste mando, se possível em público, é puro combustível ao ego machista e motivo de glória pessoal ou aprovação social, comportamento ostensivo e permanente que, apesar de violento, não recebe críticas ou é desmotivado comumente.
Os casamentos e os relacionamentos estáveis há décadas vem se transformando em
direção à igualdade da partes. Escolas estritamente femininas e direcionadas para o ensino
exclusivo de tarefas domésticas apenas saíram definitivamente do contexto nacional há cerca
de vinte anos. A criança ou adolescente era educada e criada para tornar-se uma ideal esposa
e dona de casa, e nunca uma mulher, quando não era superestimada e apreciada pela capacidade procriativa em larga escala.
A ótica dos relacionamentos tende a mudar, como de fato vem ocorrendo. Casais
modernos que dividem as tarefas domésticas ou maridos que atendem aos anseios e necessidades de suas esposas são mais comuns nos dias atuais, porém estes homens não estão
isentos de serem adjetivados com palavras que os definem como inferiores às esposas ou
que não possuem poder de mando ou de decisão nas relações afetivas, como se isso fosse o
diferencial ou o ponto basilar da relação.
Opiniões do passado são ainda presentes nos dias atuais, aplicadas e repassadas dentro
dos próprios lares por pais, avôs, filhos, irmãos, esposos ou companheiros, porém não cabem mais
no contexto modernizado social, onde a mulher pode ser independente como esposa ou companheira, pilar financeiro do lar ou atividade essencial, e possuir plena liberdade sobre si mesma.
14
Revista ESMAC
2.3.2. Lutas Feministas e Conquistas
Com início na metade do século XIX até depois da Primeira Guerra Mundial, a
situação econômica e cultural do Brasil sofreu bruscas mudanças. A industrialização e a urbanização alteraram a vida de toda a população, particularmente das mulheres, que passaram
a, cada vez mais, ocupar o espaço das ruas, a trabalhar fora de casa, a estudar, etc., enfim
exercer de fato seus direitos.
Refere-se a socióloga Susan Besse sobre o começo do século XX:
¨A nova mulher ideal foi “liberada” da ignorância, mas os educadores projetaram currículos
destinados a prepará-la antes de mais nada, para desempenhar seu papel“natural”como gerente racional da vida doméstica e como socializadora inteligente da geração futura.¨
A nova vida moderna (infra-estrutura econômica, mais alfabetização, cinema,
meios de transporte, substituição de bens produzidos em casa pelos industrializados) alterou
inteiramente o ritmo de vida e os contatos que as mulheres e homens passaram a usufruir
entresi,conjuntamenteouindependentemente.Essasmudançastrouxeramciênciaecontato
com os comportamentos e os valores estrangeiros, os quais passaram a ser comparados e
confrontados com os costumes patriarcais nacionais, ainda vigentes embora enfraquecidos.
Dentre as novidades e assuntos discutidos, o casamento teve destaque: mulheres
de classes alta e média, uma vez educadas e com acesso ao trabalho remunerado, adquiriram
poder social e econômico e passaram a protestar contra o machismo no casamento, a infidelidade, a brutalidade, o abandono, temas cotidianamente abordados pelas escritoras, jornalistas e feministas dos anos de 1920, como Cecilia Bandeira de Melo Rebêlo de Vasconcelos,
a qual escrevia sob os pseudônimos de Chrisanthème, Elizabeth Bastos, Iracema, Amélia de
Resende Martins ou Andradina de Oliveira..
Ressalte-se que naquela época, por norma legal do Código Civil de 1916, a mulher deveria ter autorização do marido para poder trabalhar. Concomitantemente promotores
públicos como Roberto Lyra, Carlos Sussekind de Mendonça, Caetano Pinto de Miranda
Montenegro e Lourenço de Mattos Borges fundaram o Conselho Brasileiro de Hygiene Social, com pretensão de coibir e punir os crimes passionais, um dos mais graves problemas da
época, então tolerados pela sociedade e pela Justiça.
O movimento conjunto das feministas e promotores alcançou certo êxito, embora
os assassinatos por amor continuassem a ocorrer e os assassinos a serem absolvidos.
Já na década de 70, um forte movimento pela defesa da vida das mulheres e pela
punição dos assassinos voltou a ocorrer, com seu apogeu após 30 de dezembro de 1976,
quando a atriz Angela Diniz foi morta pelo seu então namorado Doca Street, de quem ela
desejava se separar, crime que marcou época.
Doca Street foi condenado à dois anos com sursis no primeiro julgamento, ocorrido em 1979, baseado em uma tese de legítima defesa da honra do polêmico criminalista
Evandro Lins e Silva. A morte de Angela Diniz e a libertação de seu assassino judicialmente
levantaram um forte clamor das mulheres que se organizaram e lançaram o lema“quem ama
não mata”. Pela segunda vez na história brasileira, repudiava-se com veemência e publica Susan Besse, 1998 apud Blay, 2002.
15
mente que o amor justificasse um crime contra a mulher. Sob os árduos protestos feministas,
de volta ao tribunal em 1981, Doca Street foi condenado a 15 anos de detenção, ficou preso
por 3 anos e meio e passou para o regime semi-aberto, até ser solto em 1987 em liberdade
condicional.
O repórter Carlos Heitor Cony, na revista Fatos e Fotos – Gente, assim descreveu o
crime em sua visão masculina à época:
¨Eu vi o corpo da moça estendido no mármore da delegacia de Cabo Frio. Parecia ao mesmo
tempo uma criança e boneca enorme quebrada... Mas desde o momento em que vi o seu
cadáver tive imensa pena, não dela, boneca quebrada, mas de seu assassino, que aquele
instante eu não sabia quem era. (...) A chamada privação de sentidos provocada pela paixão
pode fazer do mais cordial dos homens um assassino.”
Durante as décadas de 1960 e 1970, ao mesmo tempo lutando e defendendo direitos diferentes mas assemelhados, uniram-se feministas, militantes políticos contra a ditadura
militar, intelectuais, sindicalistas e trabalhadores de diferentes setores. A partir daí a formação de entidades voltadas a abrigar mulheres vítimas de violência doméstica era uma questão
de tempo, o que de fato ocorreu. Em todo território nacional, as ativistas e as voluntárias
procuravam enfrentar todos os tipos de violência contra a mulher, como estupros, maus tratos, incestos e inclusive perseguição a prostitutas. De forma diferente ao início do século, as
denúncias tornaram-se cada vez mais comuns e públicas, as quais foram, aos poucos, sendo
reconhecidas pela mídia em geral.
Ante as profundas mudanças políticas ocorridas com a anistia de 1979 e a eleição
direta de governadores em 1982, a prática feminista tomou rumos partidários, mas não perdeu força e empenho social. Em 1983 foi criado, em São Paulo, o primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina. Já em 1985, criou-se a primeira Delegacia de Defesa da Mulher.
Mesmo com a criação das Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) o processo foi de
muito treinamento e conscientização para formar profissionais, pois as próprias mulheres que
prestavam serviço nas DDM´s foram criadas numa cultura machista e agiam de acordo com
tais padrões, de modo que relutaram em entender que meninas e mulheres tinham o direito de
não aceitar a violência cometida por pais, padrastos, maridos, companheiros e outros.
Com o passar dos anos e o desenvolvimento sócio-econômico a situação se estabeleceu definitivamente em prol das mulheres, porém os crimes de gênero continuaram e estudos verificaram que não eram apenas maridos os autores da violência, mas outros parceiros
também agrediam e matavam as mulheres sob os mais diversos e frívolos pretextos.
Na década de 90 o combate à violência contra a mulher ganhou atenção mundial
e autonomia, vários acontecimentos internacionais relativos ocorreram: o VIII Congresso
das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes aprova,
em Setembro de 1990, uma Resolução sobre a Violência Doméstica; em 1992, o Comitê
para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres adota uma Recomendação sobre
Violência contra as Mulheres, no quadro da aplicação da Convenção de 1979; em Junho de
1993, a Conferência Mundial de Direitos Humanos, segunda na história das Nações Unidas,
sublinha a importância de estudar e eliminar as situações de violência contra as Mulheres,
Revista Fatos e Fotos - Gente - 1976
16
Revista ESMAC
que qualifica de contrárias à dignidade e ao valor da pessoa humana; em Dezembro de 1993,
a assembléia geral aprova, sob proposta inicial da Comissão sobre o Estatuto da Mulher,
uma Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres (Resolução 48/104); no
mesmo mês a Comissão de Direitos Humanos, reunida em Genebra, decide estabelecer um
Relator Especial sobre violência contra as Mulheres, incluindo as suas causas e conseqüências (Resolução 1994/45).
Seguindo-seaordemmundialdecomportamentoeatitudespolítico-adminstrativas
de combate à violência contra a mulher, em 6 de Junho de 1994, na Capital Paraense, foi
aprovada a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a
Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, que ratificou e ampliou a Declaração
e o Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena no
ano de 1993, que, como é de domínio público, reconheceu, pela primeira vez, na história da
humanidade que os direitos das mulheres são direitos humanos. A Convenção de Belém do
Pará foi ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995, quando então ela adquiriu força
de lei nacional, conforme artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal.
Segundo a Convenção de Belém do Pará:
¨Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato
ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.
Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica:
a. ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal,
quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se,
entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;
b. ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o
estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio
sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou
qualquer outro local; e
c. perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.¨
Desde então, mais precisamente a partir do ano 2000 até os dias atuais, a violência
contra a mulher virou causa social e política de importância nacional, com efetivação das
políticas de combate, unidades de apoio às vítimas, surgimentos de ONG´s e entidades particulares, direcionamento de recursos públicos, empenho administrativo e reconhecimento
como ordem de saúde pública.
Convenção de Belém do Pará (1994) - Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher.
17
3. RAZÕES COMUNS À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
O combate efetivo à violência doméstica não se resume à medidas remediativas ou
repressivas como a legislação específica deu ênfase em grande parte de seu texto. As mazelas
sócio-econômicas são as principais causas desta violência ante a total desestrutura de relacionamento, familiar e pessoal da vítima, em todos os aspectos.
Fatores pessoais, econômicos e sociais são fundamentalmente causas da violência
contra a mulher, pois caracterizam as dificuldades diárias de sobrevivência das pessoas de
baixa renda, pouco escolarizadas, dependentes economicamente ou com o dever de sustento
de vários filhos, perfil básico das vítimas em geral.
A necessidade de identificação dessas causas e seu combate é tão ou talvez mais
importante que as medidas de remediação ou repressivas aos agressores. Sem determinar-se
uma causa não há como combatê-la, inclusive quanto a evitar a ocorrência de seus resultados, no caso qualquer tipo de violência contra a mulher.
Todo tipo de violência contra a mulher sempre possui mais de uma causa, que
podem estar relacionadas à pessoa da vítima, seu relacionamento, sua classe social, sua
condição econômica, dentre outros. Para dirimir esses fatores faz-se necessário um levantamento de campo, realizado pessoalmente com as vítimas em potencial ou as que já sofreram
violência. Dentre os vários meios de levantamento, as pesquisas que tratam o perfil da vítima
são as que mais refletem a realidade.
As pesquisas de vitimização surgiram nos Estados Unidos em meados da década
de 60, no intuito de descobrir uma estimativa da quantidade de crimes sofridos pela população e não comunicados aos órgãos governamentais.
Atualmente, em diversos países do mundo, os governos ou institutos independentes realizam, em espaços de tempo variáveis, as denominadas pesquisas de vitimização com
amostras da população, sempre na intenção de traçar o perfil da criminalidade e suas conseqüências sociais.
Apesar de ser mais viável financeiramente consultar as estatísticas oficiais para se
conhecer a quantidade de crimes a que está sujeita a sociedade, bem como se esta quantidade vem diminuindo ou aumentando no tempo, acontece que, por uma série de motivos,
principalmente culturais ou pessoais, os dados oficiais nem sempre refletem com fidelidade
os números da realidade. As estatísticas oficiais seriam perfeitas e reflexas da realidade caso
todos as cidadãs vitimizadas relatassem os crimes de que foram vítimas aos órgãos oficiais,
entretanto isto não ocorre.
No Brasil, exatamente pela característica sócio-econômica das vítimas, essas
amostragens são imprescindíveis para a caracterização fidedigna da criminalidade, de seus
índices e dos perfis dos envolvidos.
A Fundação Perseu Abramo realizou uma pesquisa em 2001, sobre a mulher nos
espaços públicos e privados, e nos dados relativos à violência, apareceram os tipos de violência e propostas para o combate a estas violências:
¨A projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao menos
uma vez. Considerando-se que entre as que admitiram ter sido espancadas, 31% declararam
que a última vez em que isso ocorreu foi no período dos 12 meses anteriores, projeta-se
18
Revista ESMAC
cerca de, no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no país (ou em 2001, pois
não se sabe se estariam aumentando ou diminuindo), 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/hora ou
4/minuto – uma a cada 15 segundos.
Como proposta de combate à violência contra a mulher, a criação de abrigos para mulheres
e seus filhos, vítimas de violência doméstica, é a que merece maior adesão (43% na primeira
resposta, 74% na soma de 3 menções), dentre oito ações políticas públicas sugeridas.
Criação de Delegacias Especializadas no atendimento a mulheres vítimas de violência (21%)
aparece como segunda principal medida de combate à violência contra a mulher, seguida
por um serviço telefônico gratuito – SOS Mulher e um serviço de atendimento psicológico
para as mulheres vítimas de violência (propostas empatadas tecnicamente com 13% e 12%,
na ordem).¨10
Segundo demais pesquisas nacionais as vítimas se caracterizariam da seguinte forma: a) a maioria das mulheres tem uma união consensual (57%), seguida da legal (42%); b)
65% delas têm filhos com este parceiro; c) Cerca de 40% são do lar e 60% trabalham fora;
d) sua idade varia de 15 a 60 anos, mas a maioria é jovem (21 e 35 anos- 65%); e) elas são
brancas. O tempo de união varia de menos de 1 a 35 anos, sendo as concentrações no período
de 1 a 3 anos (38,%) e de 4 a 7 anos (26%), havendo uma diminuição gradativa a partir dos
7 anos.
No tocante ao agressor: a) ele é branco; b) a maioria está empregado, prevalecendo
a profissão de pedreiro; c) possui no máximo 8 anos de escolaridade; d) sua idade varia de
16 e 80 anos.
Quanto à Percepção da mulher sobre seu relacionamento: a) predomina a visão de
que ele é ruim, marcado por desentendimentos (91%); b) o agressor é visto como ignorante,
implicante, grosseiro, violento, bruto e ciumento (cerca de 13% para cada característica
negativa).
Os Motivos da agressão são vários, porém destacaram-se: bebida (28%), ciúmes
(14%), não aceitação da separação (16%), presença da amante (5%), sem motivo (12%),
desemprego (3%), mulher trabalhar fora (2%), por motivo banal (3%) e sexo (4%).
Em 2004 foi feito um minucioso estudo sobre o perfil da mulher agredida e da
violência sofrida11 e seu resultado não foi nada além do esperado, ou seja, as mazelas sociais
e pessoais imperam no perfil da mulher vítima de violência.
Segundo este estudo a mulher agredida que registrou queixa na Delegacia da Mulher teria
o perfil jovem, casada, católica, com filhos, pouco tempo de estudo e baixa renda familiar,
com tempo de relacionamento em torno de 10 anos, e um histórico de agressões sofridas há
cinco anos.
Segundo este estudo a mulher agredida que registrou queixa na Delegacia da Mulher teria o perfil jovem, casada, católica, com filhos, pouco tempo de estudo e baixa renda
familiar, com tempo de relacionamento em torno de 10 anos, e um histórico de agressões
sofridas há cinco anos.
10 A mulher brasileira nos espaços públicos e privado - 2001 - Fundação Perseu Abramo
11 Rev. Saúde Pública v.39 n.1 São Paulo fev. 2005, Qualidade de vida e depressão em mulheres vítimas
de seus parceiros - Faculdade de Medicina da UFCE (2004), de Vanessa Gurgel Adeodato, Racquel dos Reis
Carvalho, Verônica Riquet de Siqueira e Fábio Gomes de Matos e Souza, da Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil, e Departamento de Medicina Clínica. Faculdade de Medicina.
Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil
19
Osresultadosapresentados mostraram uma relaçãoopostaentretempodeestudoe
tempo de agressão, ou seja, quanto mais escolarizada a mulher, menor o tempo de agressão.
De outra banda o estudo comprovou que as mulheres mais agredidas são as que possuem
mais tempo de relacionamento com o agressor.
Quanto aos agressores, anteriormente às agressões, 70% dos parceiros ingeriam álcool e 11% consumiam drogas ilícitas. Já após as agressões, 44% costumavam pedir perdão
pelas agressões. O agressor é pessoa violenta também com outras pessoas (58%), inclusive
com os filhos (50%). A ingestão de bebida alcoólica é fator preponderante para a violência,
inclusive com os filhos.
Consubstanciandoosmotivosapresentadosemescalanacional,oestudoespecífico
mostrou como principais fatores que desencadearam as agressões o álcool e o ciúme. A associação desses dois fatores estava presente em 30% do total da amostragem.
20
Revista ESMAC
Quanto à freqüência das agressões, foi constatado o seguinte resultado: semanalmente (49%), diariamente (27%), esporadicamente (15%) e primeira vez (5%), sendo 83%
agressões verbais e físicas (83%).
Uma amostragem interessante realizada nesse estudo foi o motivo das vítimas
terem permanecido com o relacionamento com o agressor após a efetivação da violência: o
principal motivo verificado foi o fato dos agressores prometerem melhorar (58%), seguido
do fator filhos (48%). Os demais motivos para a mulher não ter deixado o parceiro foram:
dependência financeira (38%), paixão pelo parceiro (27%) e medo (27%). Segundo os dados
obtidos quando a mulher aponta o item dependência financeira como motivo de não ter deixado o agressor, normalmente este vem associado ao fato de ter filhos.
O Governo Federal, através da sua Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM, recebeu neste primeiro semestre de 2008, 121.891 denúncias via o disque
denúncia que disponibiliza à população, o que reflete um aumento de 107,9% em relação ao
mesmo período de 2007 (58.417).
Em todos os Estados da Federação houve número significativo de denúncias, conforme. Tabela abaixo com número de denúncia por 50.000 mulheres:
UF
Atendimento
UF
Atendimento
DF
132,8
PR
46
SP
96,4
RN
45,4
PA
79,5
MG
40,6
GO
71,3
PB
39,2
AL
70,7
AP
38,1
RS
66,8
SE
34,2
RJ
65,4
SC
34,1
BA
64,5
RR
31,7
TO
62,3
RO
29,6
MS
57,4
CE
27,4
ES
53,9
AM
26,3
MT
50,9
MA
22
PE
47,7
AC
21,5
PI
5,8
21
Na maioria das denúncias de violência auferidas neste disque-denúncia (disque
180), as vítimas usuárias do serviço declararam sofrer agressões diariamente (61,5%) e semanalmente (17,8%), sendo que dos relatos de violência (9.542), mais da metade (5.879) foi
de violência física e outra parcela considerável de ameaças (2.278).
Os agressores citados geralmente eram os próprios companheiros (63,9%) que,
muitas vezes, utilizaram drogas e/ou álcool (58,4% dos casos relatados).
Tipo de Violência
1º Semestre 2008
Violência Física
5.879
Violência Psicológica
2.502
Violência Moral
717
Violência Sexual
213
Violência Patriomonial
152
Cárcere Privado
79
Total
9.542
Traçando-se o perfil das vítimas, apurou-se que a maioria é negra (37,6%), tem
entre 20 e 40 anos (52,6%), é casada (23,8%) e cursou parte ou todo o ensino fundamental
(32,8%).
Conforme citado acima nas três análises apresentadas, verifica-se a unanimidade
das características da ocorrência da violência doméstica em todo o País.
Primeiramente percebe-se que o problema tem enfoque nacional e realidade
significativa em cada Estado, de importância extrema ao ponto de ser considerado de saúde
pública.
O fator sócio-econômico é o mais refletido nos números apresentados, e isto não
é de estranhar em ambas as partes da relação de violência, em que pese os gravames serem
sofridos mais diretamente pelas mulheres.
Verifica-se que a vítima de violência doméstica é pessoa predominantemente de
classe baixa, com filhos, em plena idade laborativa, de pouca escolaridade e dependente economicamente. Perfil este que é o pior ante a gama de necessidades e o aspecto da legislação
atual específica.
A Lei Maria da Penha, apesar de conter em seu texto medidas protetivas e amparo
multidisciplinar, não abrangeu as necessidades integrais das vítimas, principalmente à longo
prazo. A mulher vítima de violência precisa de imediato de apoio para sair da classe verificada como maioria nas pesquisas, devendo integrar as menores porcentagens citadas.
Conforme dados pesquisados junto às vítimas de violência, número significativo de
mulheres que permanecem em relacionamentos marcados por situações de violência (física
ou verbal), alega não ter condições de se manter ou manter seus filhos, se saírem da relação
com o agressor. Essa situação de dependência reflete a realidade machista da sociedade onde
o homem tem no dinheiro uma forma de controle sobre a mulher. Geralmente ocorre desde a
fase do namoro e a tem origem na família da vítima, onde sua liberdade era controlada pelo
dinheiro.
22
Revista ESMAC
Até em certos casos a mulher ocupa certa cumplicidade na mantença do comportamento agressivo do parceiro. Mulheres nascidas e criadas em famílias violentas, onde a
violência ou os castigos físicos faziam parte do dia-a-dia, possuem falhas na sua estrutura
educacional interna, que na vida adulta refletem na aceitação de situações agressivas, pois,
inconscientemente, buscam repetir situações primitivas em suas relações.
Estas falhas educacionais familiares influenciam inclusive na escolha do parceiro,
pois este tipo de mulher tende a optar por parceiros propensos a agressividade, como forma
de solucionar problemas. Na etapa do namoro chegam a admirar a agressividade masculina
como virtude, e namorados valentes acabam sendo vistos como protetores e a atitude agressiva do parceiro contra os outros, como forma de proteger-se a si mesma. Até parceiros mais
ciumentos acabam sendo prediletos como se o ciúme exacerbado reflita a maior intensidade
do amor.
Nas famílias mais tradicionais a educação sempre se moldou na fragilidade feminina e da necessidade de sua proteção. Em alguns casos, na infância, o apanhar transmudava-se como forma de afeto, como se o existisse como meio de ensino e proteção sobre os
próprios erros. Uma vez adulta, esta mulher pode sentir as atitudes agressivas como estar
sendo querida ou protegida, ou então tardiamente ensinada.
Existem também casos que a aceitação da violência se dá por necessidade de mantença da imagem ou do casamento, como forma de não ser esteriotipada como fraca, perdedora ou derrotada. Parte das mulheres que permanecem em relações agressivas, sentem-se
culpadas por não ter realizado um casamento tido como ideal, e, muitas acabam escondendo
que apanham dos parceiros para não quebrar a impressão passada à família ou à sociedade,
as quais atrelaram essa condição ao sucesso ou à felicidade. Algumas mulheres foram educadas para cumprir um papel de esposa e dona-de-casa, de modo que se sentem incapazes
de aceitar o fato de que erraram na escolha ou que o casamento/relacionamento está ruindo.
Um bom casamento ou relacionamento torna-se objetivo de vida em primeiro momento, e
posteriormente meio de sustento. Falhar nesses intentos acaba sendo pior que sustentar uma
falsa realidade perante terceiros ou mascarar uma verdade violenta no seio familiar.
Por óbvio que os exemplos dados não constituem regras, mas remetem a mulheres
portadoras de problemas emocionais que precisam de ajuda psicológica para exorcizar estes
males e traumas de infância.
Apesar de existirem órgãos públicos e particulares de apoio à mulher agredida,
seus respaldos não tem eficácia à médio ou longo prazo, de modo que a vítima retorna a
sua anterior condição e a violência tende a ser reiterada, pelo mesmo ou novo agressor. A
ressocialização efetiva da mulher é essencial nesse contexto de combate à violência. Darlhe respaldo econômico e educacional, básico ou profissional, dar-lhe sustentação física e
habitacional com seus filhos, dar-lhe oportunidade de ingresso no mercado de trabalho são
os pontos basilares dessa reconquista, sem a prática de uma política nestes termos, as medidas emergenciais ou paliativas posteriores à agressão sucumbirão ante a realidade da vítima
verificada e comprovada pelos números.
Neste sentido a própria atividade social, por meio de seus profissionais e estudiosos, assevera:
¨O serviço social encontra muitos desafios como consolidar uma rede de atendimento que
seja capaz de atender as demandas, não só físicas, mais também psicológicas, destas mu23
lheres, não trabalhar somente com as demandas explícitas, mas também com as demandas
implícitas que vão além do primeiro olhar, especialização para as assistentes sociais, capacitação continuada para melhor atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica.¨
(SILVA. M. 2008:3)12 .
¨Creio que o serviço de assistência social deve estar em sintonia com o serviço de psicologia,
para fazer com que a mulher se sinta mais segura. A assistência social não deve, entretanto,
servir apenas como um paliativo para resolução de situações que se apresentem. Deve levar a
mulher a caminhar com as próprias pernas, ajudando-a na independência emocional e material, dando-lhe condições de alcançar sua autonomia. O relatório do assistente social pode
embasar Inquéritos Policiais, decisões de juízes sobre casos como, por exemplo, guarda de
filhos, entre outros (SILVA, M., 2008:14).¨ 13
¨É necessário que o profissional envolvido em trabalhos interdisciplinares funcione como um
pêndulo, que ele seja capaz de ir e vir: encontrar no trabalho com outros agentes, elementos
para a (re)discussão do seu lugar e encontrar nas discussões atualizadas pertinentes ao seu
âmbito interventivo, os conteúdos possíveis de uma atuação interdisciplinar (MELO E ALMEIDA, 1999: 235).¨ 14
4.LEI MARIA DA PENHA
4.1 Caso Maria da Penha
Em 1998, o CEJIL-Brasil - Centro para a Justiça e o Direito Internacional, e o
CLADEM Brasil - Comitê Latino-americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, juntamente com uma senhora chamada Maria da Penha Maia Fernandes, até então
desconhecida nacionalmente por seu nome, encaminharam à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da OEA, uma petição/denúncia em desfavor do Estado Brasileiro no tocante ao dirimidor caso de violência doméstica sofrido pela mesma (caso Maria da Penha n.º
12.051).
A Sra. Maria da Penha, durante todo seu período de casamento, sofreu agressões
e ameaças por parte de seu marido Sr. Marcos Antônio Heredia Viveiros, permanecendo
casada por medo.
Seus receios das coisas se agravarem tornaram-se realidade quando, em 1983, seu
marido tentou matá-la atirando em suas costas, o que lhe causou paraplegia permanente.
Na ocasião, o então marido tentou eximir-se de culpa alegando para a polícia que se tratava
12 Silva, Madalena Ferreira da, 1967- Violência contra a mulher: o papel do Serviço Social na rede de
enfrentamento a violência contra a mulher em Rio Branco / Madalena Ferreira da Silva -- Rio Branco :
IESACRE, 2008.
13 Silva, Madalena Ferreira da, 1967- Violência contra a mulher: o papel do Serviço Social na rede de
enfrentamento a violência contra a mulher em Rio Branco / Madalena Ferreira da Silva -- Rio Branco :
IESACRE, 2008
14 MELO, A. I. S. C. de et ALMEIDA, G. E. S. de. Interdisciplinaridade: possibilidades e desafios para o
trabalho profissional. In: Capacitação em Serviço social e Política Social, Módulo 4: Brasília: NED/Cead
– Universidade de Brasília, 1999.
24
Revista ESMAC
de um caso de tentativa de roubo. Apenas duas semanas após a tentativa de homicídio, seu
marido tentou matá-la novamente, desta vez tentando eletrocutá-la durante o banho. Na ocasião, ela tinha 38 anos e três filhas, entre 6 e 2 anos de idade
Verificado o risco de vida iminente, a Sra. Maria da Penha resolveu separar-se e
denunciar o marido.
O caso foi a julgamento pela primeira vez em 1991. O júri, por seis votos a um,
decidiu que ele era culpado pelo crime, sendo condenado a 15 anos de reclusão. Seus advogados entraram, então, com recursos que anularam a decisão judicial. Eles alegavam que havia má formulação de um dos quesitos do julgamento. Depois de três adiamentos, o segundo
julgamento aconteceu no dia 14 de março de 1996, com uma nova condenação de Marcos
Antônio, desta vez com uma pena menor de 10 anos e 6 meses de reclusão. Novamente os
advogados do réu entraram com um pedido de anulação da condenação, porque esta ia contra
as provas dos autos. No processo judicial, ficou comprovado testemunhalmente, que o Sr.
Heredia Viveiros agiu de forma premeditada, pois dias antes dos crimes tentou convencer a
vítima a contratar um seguro de vida e obrigou-a a assinar um recibo em branco de venda de
seu veículo.
Posteriormente à agressão, a Sra. Maria da Penha, já separada, descobriu que seu
esposo teria outra família com filhos na Colômbia, país de origem deste.
Passados quinze anos das agressões o Estado Brasileiro ainda não tinha decidido o processo
da Sra. Maria da Penha, e o agressor ainda se encontrava solto. Inércia que prevaleceu até a
apresentação do caso ante a OEA, onde foi denunciada a tolerância da Violência Doméstica
contra a vítima por parte do Estado Brasileiro.
Neste sentido, assim se manifestou a Comissão:
“considera conveniente lembrar aqui o fato inconteste de que a justiça brasileira esteve mais
de 15 anos sem proferir sentença definitiva neste caso e de que o processo se encontra, desde
1997, à espera da decisão do segundo recurso de apelação perante o Tribunal de Justiça do
Estado do Ceará. A esse respeito, a Comissão considera, ademais, que houve atraso injustificado na tramitação da denúncia, atraso que se agrava pelo fato de que pode acarretar
a prescrição do delito e, por conseguinte, a impunidade definitiva do perpetrador e a
impossibilidade de ressarcimento da vítima (...)”.
Importante destacar que, à época, o Estado Brasileiro não respondeu à denúncia
perante a Comissão.
No ano de 2001, através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Informe n.º 54 de 2001), o Estado Brasileiro foi responsabilizado pela negligência, omissão
e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres, recomendando-se, entre
outras medidas: a finalização do processamento penal do responsável da agressão; proceder
a uma investigação a fim de determinar a responsabilidade pelas irregularidades e atrasos
injustificados no processo, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias correspondentes, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o responsável civil da agressão, a reparação simbólica e material pelas violações sofridas por
Maria da Penha por parte do Estado Brasileiro por sua falha em oferecer um recurso rápido
e efetivo; e a adoção de políticas públicas voltadas a prevenção, punição e erradicação da
violência contra a mulher.
O caso Maria da Penha foi o primeiro caso de aplicação da Convenção de Belém do
25
Pará, e, quase vinte anos depois, em cumprimento às orientações internacionais, o agressor
foi preso. No dia 15 de outubro, foi dada a ordem de prisão pela Justiça Brasileira. No dia
29 de outubro, munidos por uma carta precatória assinada pelo juiz Henrique Jorge Holanda
Silveira, responsável pela 1ª Vara do Júri, policiais da delegacia de capturas e Polinter de
Natal prenderam Marcos Antônio quando este dava aulas na Universidade Potiguar.
4.2 Projeto de lei e Exposição de Motivos
Explícita a intenção social descrita no texto da exposição de motivos do Projeto
da Lei Maria da Penha. Esse caráter, deveras já discutido no item das causas da violência
doméstica (item 3), reflete não somente a intenção remediativa da Lei ou sua preocupação
punitiva, mas visou o combate à violência em suas causas, dando total apoio à vítima nos
aspectos necessários para sua retirada dos números estatísticos.
¨19. O artigo 8° tem por objetivo definir as diretrizes das políticas públicas e ações integradas
para a prevenção e erradicação da violência doméstica contra as mulheres, tais como implementação de redes de serviços interinstitucionais, promoção de estudos e estatísticas, avaliação dos resultados, implementação de centros de atendimento multidisciplinar, delegacias
especializadas, casas abrigo e realização de campanhas educativas, capacitação permanente
dos integrantes dos órgãos envolvidos na questão, celebração de convênios e parcerias e a
inclusão de conteúdos de eqüidade de gênero nos currículos escolares.
20. Somente através da ação integrada do Poder Público, em todas as suas instâncias e esferas, dos meios de comunicação e da sociedade, poderá ter início o tratamento e a prevenção
de um problema cuja resolução requer mudança de valores culturais, para que se efetive o
direito das mulheres à não violência.¨15
A proteção da família e sua mantença ou integralidade também foi ponto chave
tratado nos motivos. A manutenção da família deveria ser primeiro plano em detrimento da
prática inquisitória e judicial, fatores práticos estes que minam sua subsistência, ao ponto de
vítimas de violência, mesmo por crimes mais brandos (calúnia, injúria, difamação, ameaça,
etc.), verem suas famílias desestruturadas ou desfeitos seus vínculos ante o vigor punitivo da
Lei.
¨5. A Constituição Federal, em seu art. 226, § 8º, impõe ao Estado assegurar a “assistência à
família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações”. A Constituição demonstra, expressamente, a necessidade
de políticas públicas no sentido de coibir e erradicar a violência doméstica.¨
No tocante ao combate às causas e conseqüências da violência perpetrada em desfavor de mulheres, o projeto hiper-dimensionou as necessidades, mas não de modo exagerado, mas sim em plena concordância aos fatores cotidianos e reais, apesar de, na prática,
esta estrutura multifuncional não ser efetivada, deixando as raízes intactas deste mal.
15 Projeto de Lei nº 4559/2004 - Não-violência contra a Mulher, Exposição de Motivos
26
Revista ESMAC
¨24. É de fundamental importância o atendimento por equipe multidisciplinar, conforme
prevê os artigos 14 a 17 da proposta de projeto de Lei. A equipe multidisciplinar deverá
ser formada por profissionais de diversas áreas de conhecimento, inclusive externa ao meio
jurídico, tais como psicólogos, assistentes sociais e médicos. Esse sistema viabiliza o conhecimento das causas e os mecanismos da violência. A implementação deste sistema em
alguns Juizados Especiais Criminais tem se mostrado eficaz no enfrentamento à violência
doméstica contra as mulheres.
30. O artigo 27 inova ao propor o encaminhamento das mulheres e seus dependentes, em
situação de violência, a programas e serviços de proteção às mulheres, resguardando seus
direitos relativos aos bens e a guarda dos filhos. Imputa ao agressor a responsabilidade
econômica pela provisão alimentar e determina a recondução da mulher e seus dependentes,
ao domicílio, após o afastamento do agressor.
37. O atual procedimento inverte o ônus da prova, não escuta as vítimas, recria estereótipos,
não previne novas violências e não contribui para a transformação das relações hierárquicas
de gênero. Não possibilita vislumbrar, portanto, nenhuma solução social para a vítima. A
política criminal produz uma sensação generalizada de injustiça, por parte das vítimas, e de
impunidade, por parte dos agressores.¨
Apesar desta fundamentação valorativa da família e do direcionamento da Lei para
o combate efetivo da violência desde a sua fonte, a realidade prática deixa a desejar quanto
aos resultados pretendidos pela assinante do Projeto. A simples intenção não produz resultados quando não alicerçada em compromisso político-econômico. A implementação das
idéias do Projeto não se restringe apenas às atividades ora praticadas ou aos escassos órgãos
engajados, mas transpassam as medidas de curto prazo previstas na Lei.
Enfim, os valores citados e textualizados no Projeto são os mesmo tratados no texto
constitucional há duas décadas, são unanimidades nos julgamentos familiares em todo o
País, definem-se como característica de uma sociedade, porém, na aplicação prática do texto
legal, deixa a desejar em sua efetividade de resultado conforme veremos a seguir.
27
5. INEFICÁCIA PRÁTICA DA LEI MARIA DA PENHA
A Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, inaugurou uma nova fase
na história das ações afirmativas em prol da mulher brasileira. Uma lei que congrega um conjunto de regras penais e extrapenais, contendo objetivos, princípios, diretrizes, programas e
conceituação de condutas, entre outras normatizações, com o propósito precípuo de reduzir
a morosidade processual, introduzir medidas de caráter social, diminuir a impunidade e, na
ponta, como desiderato maior, proteger a mulher e a entidade familiar.
Entretanto, para a Lei 11.340/06 funcionar e produzir os efeitos desejados exige-se
do aparelho estatal, especialmente do Poder Judiciário e consonância com o Poder Executivo, um esforço concentrado, sobretudo com a implantação imediata dos Juizados de Violência Doméstica.
A criação destes juízos especializados oferecerá maior presteza na busca da Tutela
Jurisdicional, visto que, por sua área de atuação (competência) está adstrita aos crimes relacionados à violência doméstica ou familiar contra a mulher, a análise dos autos se dará de
forma mais célere, dando, assim, maior agilidade a resolução dos casos que, por vezes, são
bastante delicados, indo além das partes envolvidas (agressor e agredida), vindo a afetar, na
maioria dos casos, os filhos e familiares mais próximos, diante de um constante ambiente
nebuloso, revolto, inseguro e traumatizante.
Além disso, mesmo atingindo o objetivo de um menor no período de duração do
processo criminal, é imprescindível a atuação de uma equipe multidisciplinar dedicada ao
atendimento dessas mulheres (comprovadamente vítimas de violência no lar), buscando entender com profundidade o drama familiar que se esconde atrás de cada folha ou documento
encostado aos autos do processo.
Corroborando com isso, a prática tem demonstrado que medidas isoladas, como o
simples aumento das penas ao agressor tem tão somente anestesiado a problemática, visto
que, de fato, em muitos casos a violência praticada dentro dos lares esconde em seu bojo
muito mais uma grave crise moral e econômica vivida em nossa sociedade do que um simples reflexo da natureza perversa e criminosa entrelaçada a personalidade desses homens que
praticam violência física psíquica e moral contra suas próprias companheiras.
Diante do reconhecimento da influência de mazelas sociais e econômicas nos
números medidores da violência praticada contra a mulher, a saída está no combate direto
das reais causas que provocam a maior parte desse tipo de crime, isto é, enquanto o Estado
não encarar os problemas sociais com a mesma atenção que dar ao mercado financeiro ou
aos percentuais de aceitação do seu governo, as estatísticas nunca atingirão níveis aceitáveis
a qualquer sociedade desenvolvida.
Entretanto, na contramão dessa realidade, alguns dispositivos da Lei 11.340/06
têm, na prática, provocado verdadeiros óbices ao adimplemento dos objetivos fundamentais que embasaram sua idealização por parte do legislador. Talvez o desejo de assegurar a
punibilidade do agressor e a cede de justiça das mulheres, sufocada por séculos de opressão
física, moral, emocional, social e econômica, fez esse legislador equivocar-se em alguns
pontos cruciais deste diploma legal.
Esses equívocos acabam, indiretamente, prolongando a vida desses processos e,
conseqüentemente, gerando uma indesejada morosidade na resolução dos casos que restam
28
Revista ESMAC
congestionados nas prateleiras do judiciário, causando ainda mais consternação as partes
envolvidas. Por sua vez, as famílias deixam de ser amparadas pelo Estado quanto ao oferecimento de condições à manutenção de sua estrutura, muitas vezes apenas atingida por
motivos insignificantes e fáceis de serem combatidos por programas sociais especializados.
O novel diploma protetor da mulher traz a lume alguns aspectos que têm causado embaraços
nos reais anseios da sociedade de modo geral.
5.1 Fase Policial
A mudança em torno da idéia de representação, nas ações penais públicas condicionadas à representação da vítima, ou seja, aquelas que necessitam da expressa autorização
da parte ofendida para que possa haver a persecução criminal, transformou substancialmente
a realidade das delegacias especializadas no atendimento a mulher, visto que, outrora, havendo ainda a necessidade do registro de ocorrência por parte da vítima com sua representação
para que houvesse a ação ministerial, a grande maioria dos casos acabava não prosseguindo
à fase judicial, pois a própria vítima requeria o arquivamento do inquérito alegando os mais
variados motivos.
Esse fenômeno definido com renúncia ao direito de representação era comum mesmo nos casos encaminhados aos juizados especiais criminais, pois a tentativa de reconciliação nas audiências preliminares, com o escopo de evitar futuras ações penais, era largamente
estimulada tanto pelo legislador como pelo próprio Poder Judiciário, que, através de seus
agentes (conciliador), tentava, pautado nos mais diversos argumentos, conciliar as partes.
Entretanto, o que se verificava corriqueiramente nos corredores das delegacias (e
mesmo nas secretarias dos JECrim’s) eram as inúmeras reincidências de violências praticadas contra a mulher por seus companheiros (como agressões, ameaças, perseguições, danos
morais e materiais), sobretudo nas classes economicamente hipossuficiente e menos instruídas, as quais não possuíam recursos financeiros para buscarem o auxílio e acompanhamento
de profissionais especializados que ajudassem o casal a restabelecer o convívio harmonioso,
ainda que não restasse a possibilidade de dar continuidade a relação matrimonial, ou mesmo
nem tinham a consciência da importância do trabalho de tais profissionais.
Deste modo, a ineficácia da lei 9.099/95, quanto a sua tentativa de diminuir os
casos de violência doméstica dando mais celeridade processual diante dos crimes praticados
com menor potencial ofensivo, estimulando a conciliação entre as partes ante as benesses
de um convívio pacífico e harmonioso, e, outrossim, possibilitando penas alternativas como
a prestação pecuniária ou pagamento de cestas básicas, foi mais um propulsor à criação da
chamada Lei Maria da Penha, que, no que tange à fase inquisitória, mitiga a capacidade da
própria mulher agredida em relação a abertura ou continuidade do inquérito policial.
Nesse sentido, a nova lei protetiva veio para impor uma maior certeza de punição
aos agressores e obstáculos a tentativa da própria vítima de resguardá-lo do Jus Puniendi estatal, ao passo que após tomar conhecimento da violência doméstica ou a simples suspeita de
sua iminência, a autoridade policial detém o poder-dever de adotar todas as medidas legais
cabíveis para proteger a mulher, ainda que esta se recuse a colaborar.
29
Sendo assim, o artigo 10 da Lei Maria da Penha dispõe:
Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a
mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as
providências legais cabíveis.
Pelo dispositivo acima citado, constata-se que, a autoridade policial ao conhecimento da notitia criminis, terá o poder de agir de ofício, como ocorre nas ações penais públicas incondicionadas, visando de forma mediata a manutenção da ordem pública e, como
objetivo imediato, a proteção da integridade física, psíquica ou moral da mulher face um
agressor que, por vezes, domina e manipula emocional e psicologicamente a vítima.
Nesse contexto, a atuação da autoridade policial não depende da manifestação expressa da vítima, ou da denúncia de um terceiro, sendo suficiente a sua ciência acerca da
situação crítica e ilegal que vive aquela mulher para, então, a adotar todas das medidas
prevista em lei, podendo inclusive agir preventivamente com o fito de evitar maiores conseqüências tanto em relação a mulher bem como em relação a seus filhos menores.
5.1.1 Atuação Preventiva
A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo um renovado celeiro de valores e
princípios que propõem assegurar e promover, em primeiro plano, a dignidade da pessoa humana, colocando o operador do Direito diante da obrigação de se dedicar ao estudo dos mais
variados institutos jurídicos, a fim de congregá-los à ordem constitucional então vigente.
Dentre as garantias fundamentais do indivíduo, albergadas no artigo 5º da Carta
Magna, encontram-se positivados, dentre outros, os direitos à intimidade e à vida privada, os
quais podem ser vislumbrados como elementos da integridade moral de cada ser humano.
Nesse contexto, a família surge como o alicerce para a formação social e moral de
cada indivíduo, onde, como ensina Pietro Perlingieri:
¨(...) a tutela constitucional se dá não por ser portadora de um direito superior ou superindividual, mas por ser o local onde se forma as características mais intrínsecas à pessoa
humana.¨16
Diante disso, a instituição familiar ganha fundamental importância na ordem jurídica da sociedade brasileira, de modo a encontrar inúmeros instrumentos capazes de promover sua manutenção e proteger modo de vida.
Deste modo, os aspectos preventivos desta lei cria na sociedade uma sensação de
instabilidade, visto que a qualquer momento a autoridade policial poderá intervir no convívio familiar, mesmo em detrimento da figura feminina, objeto da proteção estatal. Pensando acerca dessa situação, muitos juristas têm alegado que a vida íntima e familiar poderá
ser afetada pela intervenção do Estado, através de seus agentes.
16 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 243.
30
Revista ESMAC
5.1.2 Colheita de Provas e Verificação de Tipicidade
O artigo 12 (inciso II) da lei em comento17, determina que em todos os casos de
violência doméstica e familiar contra a mulher, (isto é, do mais irrelevante ao mais gravoso),
a autoridade policial deverá adotar todos os procedimento legais possíveis para colher o
número máximo de evidencias (provas) que servirem para o esclarecimento do fato e de suas
circunstâncias.
Isso, sem dúvida, demonstra a preocupação do legislador em respeitar o princípio
da Presunção de Inocência, conceituado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, como sendo aquele onde todo acusado é presumido inocente até que se comprove a
sua culpabilidade, mesmo na fase inquisitória onde privilegia-se, inicialmente, a busca de
indícios capazes de identificar a materialidade e autoria do crime, em tese, praticado.
Sendo assim, todo pessoa acusada de algum crime, ainda que disciplinado pela lei
11.340/06, terá a garantia de ser inicialmente considerado inocente até que as evidências
(provas) convençam a autoridade policial do contrário, o que para tanto necessitaria de sua
verdadeira disposição em buscar, pelas vias legais, conhecer os reais esclarecimentos dos
fatos antes de encaminhar a peça inquisitória ao órgão do Ministério Público competente
para denunciar o acusado.
É certo que o inquérito policial não possui em seu bojo princípios comumente
inerentes à esfera judicial, como a ampla defesa e o contraditório, porém, as delegacias especializadas no atendimento a mulher em situação de risco devem ter como primazia a busca
da justiça, o que de sobremodo se adequa aos pilares de sua atividade policial, ainda que ao
final da investigação, reste comprovada a inocência do acusado de agressão.
Nesses moldes, não há o que se questionar quanto aos princípios que norteiam a
atividade policial, visto ser um braço estendido da ação do Estado-administração no seio
da sociedade, portanto, atrelado aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e
publicidade de seus atos.
Sendo assim, verifica-se que a autoridade policial não poderá jamais dar tratamento diferenciado aos acusados, levando em consideração interesses individuais ou causas
apaixonadas relacionadas à histórica luta entre os sexos; mais ainda, não podendo utilizar a
máquina estatal para servir de escudo e lança protetora das militâncias feministas contra o
sexo masculino, criando, de tal modo, uma verdadeira discriminação por questões de gênero,
o que acabaria por contrariar o que fortemente é combatido pelos próprios organismos feministas.
Noutros termos, embora o inquérito policial tenha caráter inquisitivo, onde as atividades caracterizam-se pela presidência de uma única autoridade, agindo de ofício ou quando
provocada, sem a necessidade de observância aos princípios do contraditório e ampla defesa,
a busca pelo real esclarecimento dos fatos e circunstancias devem nortear o seu trabalho,
visto que função do delegado restringe-se, em suma, às atividades probatórias, com o escopo de embasar futura e casual ação penal, e não um simples trabalho de secretariado onde
recebe-se a reclamação e repassasse ao conhecimento do promotor para a posterior análise
do caso.
17 II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
31
Nesse compasso, a investigação criminal surge como instrumento essencial da
justiça, verificando previamente a existência de indícios que possam provar da tipicidade
dos fatos e sua autoria, servindo, se for o caso, de subsídios a uma eventual ação penal.
Na prática, o levantamento probante, na fase policial, é escasso e baseado em versões soltas
no contexto fático. A palavra da vítima tem imenso valor na configuração do ilícito, muitas
vezes sem está sustentada por algum forte indício, o que prejudica enormemente o bom andamento da justiça, principalmente nos crimes onde se tem a necessidade de comprovação
material.
Não é raro, em um procedimento de medidas protetivas, antecessor do processo
crime do tipo propriamente dito, haver tão somente a palavra da vítima como sustentáculo de
uma dezena de petitórios urgentes. Nesses casos, inclusive nos procedimentos disponibilizados e/ou requeridos pela vítima (como o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local
de convivência com a ofendida), não são poucas as vezes que posteriormente verifica-se a
medida aplicada foi infundada ou desnecessária.
5.1.3 Prescindibilidade De Representaçao Da Vítima
Em relação aos crimes de ação penal pública condicionada à representação da vítima, a Lei Maria da Penha trouxe uma polêmica inovação, como já fora dito, a desconsideração da manifestação expressa da vontade da vítima em ter assegurada a ação policial a fim
de protegê-la, podendo dela se dispor a qualquer momento da fase inquisitorial, ampliando,
assim, o conceito de representação, ao instituir a figura da representação tácita.
Sendo assim, a autoridade policial prescindirá da anuência da mulher agredida
para efetuar os procedimentos previstos na referida Lei protetiva, mesmo com a recusa da
vítima em colabora ou mesmo preventivamente, quando o fato ilícito ainda não tiver sido
consumado, o que será abordado posteriormente com maior profundidade.
Essa permissividade legal à atuação policial restringe a liberdade da própria vítima
e amplia o poder de ação do agente público, que passa a ter sobre si a responsabilidade de
agir de forma mais ostensiva e, em muitos casos, invasiva, levantando, destarte, questionamentos acerca de sua real capacidade e preparo para saber discernir o liame entre o uma
situação de grave tensão e um simples conflito de doméstico e/ou familiar, para, com isso,
não intervir indistintamente na vida íntima e privada dos cidadãos.
Por esses motivos, muito se tem discutido acerca da aplicabilidade deste dispositivo, que, na verdade, transporta o poder discricionário da parte ofendida (que decidia acerca
da necessidade ou não de socorre-se da intervenção estatal na sua vida familiar) para as
autoridades policiais, pondo dúvida sobre até que ponto os dispositivos deste diploma legal
se unem aos reais anseios do interesse de nossa sociedade de forma geral.
À revelia da realidade vivida por muitas famílias brasileiras, onde os reais motivos
que ajudam a compreender o aumento dos graves índices de violência contra a mulher residem na desagregação dos valores mais íntegros e premissos que preenche os fundamentos de
qualquersociedade,formandoocarátereapersonalidadedapessoahumana,afetadosgrandemente por fatores socioeconômicos, a Lei Maria da Penha se deteve sobremaneira na criação
de meios que obstacularizasse o arquivamento do caso antes mesmo da devida ação penal.
32
Revista ESMAC
Com isso, a chamada representação tácita deixou de lado questões sociais altamente complexas e que, em muitos casos, prescindem da atuação da justiça. Casos que
muitas vezes são resolvidos apenas com o acompanhamento de profissionais especializados,
os quais poderiam ser encaminhados pela própria autoridade policial, evitando assim muito
desperdício de tempo e constrangimentos nos corredores dos fóruns criminais.
Nesse sentido, Damásio de Jesus assevera:
“A lei disciplinou as atitudes da vítima da violência doméstica, familiar ou íntima que mais
ocorrem no dia-a-dia: inicialmente, ainda sob o impulso de revolta que a move no ambiente
emocional de flagrância da agressão, ela procura a delegacia de polícia e “dá parte” do ofensor; depois, serenados os ânimos e conscientizada dos efeitos da sua ação, “retira a queixa”.
Não se disciplinou a hipótese de a mulher, antes do exercício da representação, manifestar
vontade de não acionar a autoridade pública para fins de iniciar a persecução penal. Se o art.
16 tratasse desse caso incomum, estaríamos diante de um incrível excesso de formalismo:
a autoridade pública notificando a ofendida para que, perante o Juiz, em audiência especialmente designada com tal objetivo, manifestasse a vontade de não representar contra o
ofensor, ouvido depois o Ministério Público. Não seria o caso de a autoridade respeitar essa
vontade, deixando de intervir em um lar no qual o sujeito passivo da agressão não tenciona
processar o agressor? Não estaria essa medida infringindo o princípio da Lei n. 11.340/2006
que, em seu art. 3.º, assegura à mulher o direito à convivência familiar?”18
O excesso de anseio do legislador em proteger a mulher, alegando a incapacidade da mesma de decidir sobre a sua renuncia ao direito representação ainda na fase de inquérito policial, acabou por criar outros problemas sociais quiçá ainda maiores, visto que a
impossibilidade de se renunciar à representação antes de encaminhado o inquérito ao juiz
e ao Ministério Público, têm congestionado inutilmente o andamento das audiências com
muitos conflitos que poderiam ser resolvidos por outros meios que não os que rumam ao
judiciário.
Essa discussão tem levado a sociólogos e jurista de todo país a refletir até que ponto
a atividade discricionária da autoridade policial milita em favor ou detrimento da vítima, da
sua vontade e da integralidade da sua família. Mais ainda, em detrimento da vontade e da
opinião da vítima, a sociedade anseia mais por medidas legais que contribuem mais com as
melhorias sociais ou apenas com a repressão e punição aos agressores.
Por óbvio a capacidade técnica superior da autoridade policial é colocada em
cheque, pois o que se faz notório é que não raras vezes as ciências jurídicas e as sociais não
andam em consonância, se afastando cada vez mais da realidade familiar.
Nesse sentido, entende-se que a família não é apenas uma instituição de origem
biológica, mas, sobretudo, um organismo com nítidos caracteres culturais e sociais.
Nas palavras da Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, família é:
“E uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da
história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da
própria história através dos tempos (...); a história da família se confunde com a história da
própria humanidade.” 19
18 JESUS, Damásio de. A questão da renúncia à representação na ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica ou familiar contra a mulher (Lei n. 11.340, de 07 de gosto de 2006).
São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, set. 2006. disponível em: www.damasio.com.br.
19 Família e casamento em evolução, in Revista Brasileira de Direito de Família, p. 7
33
5.1.4 Atendimento Multidisciplinar
Nos últimos anos a sociedade tem entendido que a presença de violência na família implica muito mais em fatores sociais e econômicos do que em simples razões isoladas
e sem conexões, reconhecendo que, sem dúvida, há um grande desequilíbrio nas relações
familiares. Destarte, destacam-se três principais fatores que levam ao aumento significativo
dos índices de violência doméstica, a saber, cultural, social e pessoal.
O cultivo de uma proteção aos acontecimentos no seio de uma família, oferece
estereótipos quanto a questões de gênero, impondo situações consideradas de caráter aceitável no que concerne aos papéis masculinos e femininos, onde ao homem cabe a função de
provedor do lar, sustentáculo da família, de forma que seus sentimentos devem ser sufocados
e reprimidos para não demonstrar fraqueza ante as dificuldades e não aceitações que ele
enfrenta.
Deste modo, o não acesso aos seus sentimentos de tristeza, medo, ansiedade, validam a agressividade como o meio mais aceitável de demonstrar sua masculinidade, virilidade e brio. Nesse contexto, a cultura machista e patriarcal reforça o peso sobre os ombros
do homem impondo de forma velada a necessidade de alcançar também o sucesso profissional, mormente ante a ascensão feminina nesse ponto em particular.
Já nas mulheres a cultura estimula o acesso aos sentimentos de aceitação de sua
posição de “inferioridade” frente o pseudopoderio masculino, adaptando-se aos desejos e
anseios de seu companheiro, e colocando a felicidade e aos interesses da família acima de
sua realização pessoal. Embora estejam ocorrendo mudanças nestas questões, muitas famílias ainda reproduzem estes estereótipos de forma mais intensa que outras.
As razões de cunho social, através do desemprego, do risco de demissões, surgimento de doenças e dificuldades econômicas, aumentam o stress das pessoas, elevando a
frustração e o sentimento de incompetência, provocando momentos de tensão e desespero
que muitas vezes cuminam em violência doméstica.
Além disso, questões pessoais e sem nexos comuns, resultantes principalmente das
experiências infantis e/ou adolescência refletem de forma intensa na forma com que as relações familiares são vividas. Não são raros os casos que numa análise mais profunda revelam
traumas e patologias oriundas de tempos remotos e, muitas vezes, guardados inconscientemente na memória desses agressores.
De certo, a família é o lugar de socialização e educação do indivíduo, possibilitando a emergência de significados, valores e critérios de conduta, onde o sujeito pode
adquirir experiência sobre a convivência humana e daí, ter base para estabelecer relações
interpessoais de forma sadia ou não. É na família onde existe a possibilidade de aprender o
enfrentamento e superação de conflitos, disputas, e ausências ou mesmo de criar traumas que
causam reflexos por anos a fio, mesmo nem adultos de avançada idade.
As mudanças oriundas da globalização e pós-modernidade derrubaram múltiplos
valores em que antes se pautava a sociedade. A família, enquanto instituição, foi fortemente
abalada com a ascedência dos divórcios, a constituição de novas famílias (onde até mesmo
sua formação natural, tem sido questionada). Nesse sentido, o artigo intitulado Família pósmoderna, construção de subjetividade e escolha profissional20, assinado por Inalda Dubeux
20 Trabalho apresentado no IV Simpósio de Orientação Vocacional e Ocupacional e I Encontro de Orientadores do Mercosul
34
Revista ESMAC
Oliveira21 e Cristina Maria de Souza Brito Dias22, traz a baila um pouco do que psicologia
tem entendido acerca da família em tempos hodiernos, conforme se verifica in verbis:
“A revista Veja, traz um artigo de capa, Unidos pelo Divórcio, que aborda o relacionamento
de 14 milhões de famílias brasileiras formadas por segundos e terceiros casamentos. Uma
adolescente de 18 anos, citada no artigo, passou por 5 famílias até o presente momento
e, em cada uma delas, ganhou e perdeu pais e irmãos. Por outro lado, temos os filhos do
divórcio, que, segundo o artigo, já somam 200.000 por ano no Brasil. Souza (1997) refere
que as famílias monoparentais (e nelas incluímos também as produções independentes), que
são, predominantemente, constituídas por mãe e filho(os), tendem a estabelecer relações
fechadas que dificultam o desenvolvimento da individualidade do(s) filho(s) pela ausência da
figura do pai e a conseqüente triangulação estruturante. Outras organizações familiares já são
freqüentes na realidade atual, cada uma com suas especificidades psicodinâmicas e sociais,
gerando efeitos na construção da subjetividade. Temos os casais homossexuais que já possuem ou adotam filhos, cujas dificuldades no ajustamento com o meio social pode refletir-se
no relacionamento com as crianças. Nesse tipo de relacionamento, pode existir uma dificuldade no casal em manter a individualidade, por tender a ser uma dupla fusional que, muitas
vezes, não abre o espaço para a criança. A ausência de um modelo de casal que atenda às suas
peculiaridades também pode vir a dificultar o processo identificatório. Encontramos, ainda,
os bebês de proveta, constituindo situações nas quais os pais biológicos, algumas vezes, são
ignorados. As mães de aluguel, as adoções por solteiros, casais já na idade avançada que se
tornam pais e uma multiplicidade de organizações trazem, segundo Katz e Costa (1996),
idéias de fusão, de indiscriminação que implicam perda de singularidade.”
A desagregação familiar dificulta a integração de um ambiente social capaz de
orientar seus membros para o crescimento das noções de civilidade. A crescente situação
de crianças carentes, menores abandonados, menores infratores, a crescente marginalidade
(já existentes em todas as classes sociais) denuncia a presente incapacidade da família em
cumprir com sua tarefa básica de socialização, convergindo em situações de vulnerabilidade
que, juntamente com outros fatores, podem gerar a marginalidade e a violência.
A sociedade brasileira caracteriza-se por um alto índice de violência familiar que
recai sempre sobre as mesmas vítimas (mulheres, crianças ou idosos), o que deve ser considerado a fim de que se possa compreender a sua rotinização.
Entendendo esse caráter de urgência, a Lei 11.340/06, veio claramente dispor acerca do papel de suma importância das equipes multidisciplinares, formadas por profissionais
de vários ramos ligados as ciências humanas, com o objetivo de auxiliar não só a mulher
agredida, mas também seus filhos e até mesmo o agressor, demonstrando, assim, o interesse
do legislador de dar condições a famílias desestruturadas de ter reais possibilidades de se
restabelecer, combatendo, assim, o foco real do problema, a fim de diminuir consideravelmente os altos números de violência doméstica registrados nas delegacias, conforme se
verifica no artigo 30, in verbis:
em Florianópolis, realizado entre os dias 03 a 05 de setembro de 1999, e publicado na Revista Symposium, podendo ser
encontrado no sítio eletrônico: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/2534/2534.PDF.
21 Inalda Dubeux Oliveira: psicóloga clínica e orientadora profissional, professora e supervisora em Clínica Analítica e
Orientação Profissional na Faculdade de Filosofia do Recife, mestranda em Psicologia Clínica na Universidade Católica de
Pernambuco.
22 Cristina Maria de Souza Brito Dias: doutora em Psicologia Social, professora e coordenadora do Mestrado em Psicologia
Clínica, da Universidade Católica de Pernambuco.
35
“Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem
reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público
e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida,
o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.”
Assim sendo, a implementação de uma equipe multidisciplinar trabalhando diretamente em sede policial de maneira mais ostensiva é a imperiosa necessidade para obtenção
dos resultados almejados pela Lei específica, em tela, do contrário não restará ao Estado
nada mais que números e estatísticas a serem apuradas.
Há de se estabelecer uma justiça social com reais significados na vida dos cidadãos,
de forma a ser vista não como uma força punitiva e severa em resposta as assustadoras estatísticas, mas sim como instrumento da sociedade a fim de restabelecer a paz social, através
da proteção aos lares e manutenção, sempre que possível, da relação familiar entre os casais,
o que sem dúvida contribui para a formação das crianças e diminuição dos demais índices de
criminalidade.
Uma vez verificada alguma situação violenta ou ameaçadora à mulher, ainda em
fase policial ou nas residências das vítimas, independente das medidas protetivas oferecidas
pela autoridade policial, ou da representação ou não por parte da vítima, ou sua renúncia à
representação futura, é neste momento que o papel social se faz mais evidente e imperioso.
Quando uma situação de risco está explícita, a atividade social é imprescindível
para, primeiramente, identificar sua causa, e, por conseguinte, fazer saná-la, remediá-la ou
evitar sua reincidência, principalmente quando a vítima desiste de efetivar o procedimento
policial ou judicial.
Diante disso, o papel da assistência social, ainda na fase inquisitória, é de suma
importância, pois esses casos, em sua imensa maioria são sobremodo complexos e delicados,
precisando de uma atenção especial da equipes multidisciplinares, não só as vítimas bem
como sua prole, que também se vê em condições impróprias, muitas vezes num nível muito
mais gravoso do que o da própria mulher agredida.
A atuação dessas equipes de assistência social e psicológica deverá ocorrer junto
nos lares, verificando in loco a real situação que vivem essas mulheres com seus dependentes, de modo a fazer um apurado perfil social das suas condições financeiras e psicológicas,
fazendo, então, os devidos encaminhamento as políticas publicas de amparo específico a
mulheres vítimas de violência e àquelas que cuidam de criança e adolescentes em situação
de risco.
Atualmente o atendimento imediato em sede policial, quando ocorre, trata apenas
de questões emergenciais de lapso temporal curto (dias), quando a causa problema perdurará
ao longo do relacionamento desta vítima com seu agressor.
Vale, entretanto, lembrar que não bastam as ações dessa equipe ou mesmo o ávido interesse do Poder Judiciário em dar soluções eficazes aos casos de violência desse gênero, a luta por
uma real sensação de segurança dentro dos lares requer uma ação conjunta entre os órgãos estatais,
a iniciativa privada o terceiro setor e a própria sociedade, do contrário teremos apenas valiosas leis
quenãopossuemaplicabilidadeemuitomenosproduzemreaisefeitosnanocotidianodaspessoas.
36
Revista ESMAC
6. FASE JUDICIAL
6.1 Renúncia Ao Direito De Representação
Como já dito, nos crimes de ação penal pública condicionada à representação da
vítima, houve um pomposa a ampliação do conceito de representação, instituindo a figura da
representação tácita, enquanto permissivo legal para a atuação tanto da autoridade policial
quanto do Ministério Público, sendo, de fato, uma grande inovação trazida a lume pela nova
lei. Entretanto muito se tem discutido acerca da aplicabilidade destes dispositivos e sua plena
eficácia no interesse de alcançar os reais objetivos deste diploma legal.
Diantedessenovoinstituto,muitosdoutrinadorestêmlevantadoquestionamentos,
sobretudo quanto a utilização do termo renúncia no artigo 16 da afamada lei e seus reflexos
ante o direito da vítima de não permitir a persecução criminal em face do agressor. Sobre o
tema, escreveu Damásio de Jesus23 acerca da redação do art. 16 na denominada “Maria da
Penha”, verbis:
“Retratação significa, no caso, retirada da manifestação de vontade da ofendida de que o
ofensor venha a ser objeto de inquérito policial ou de ação penal, o que é impossível depois
de oferecida a denúncia, isto é, depois de apresentada ao Juiz (art. 102 do CP; art. 25 do
CPP). A renúncia à representação, no entanto, expressão já empregada no art. 74, parágrafo
único, da Lei n. 9.099/95, indica abdicação do direito da ofendida manifestar vontade de
movimentar a máquina da Justiça Criminal contra o agressor. Como ficou consignado nos
termos do art. 16 da Lei n. 11.340/2006, a renúncia ao direito de representação só é admissível até “antes do recebimento da denúncia.”
Destarte, a parte final do artigo 1624 da referida lei conferiu ao Ministério Público o
poder-dever de decidir pela continuidade do feito mesmo com a renúncia expressa da vítima,
manifestada em audiência preliminar especialmente designada para isso perante o Juiz, antes
do recebimento da denúncia, ou, então, promover pelo arquivamento dos autos, baseado nas
próprias alegações ou mesmo nos demais fatos analisados.
Essa mudança brusca nos procedimentos adotados deve-se em muito a militância
dos organismos ligados a proteção dos direitos da mulher, que, aguerridos por um feroz e
quase incontrolável desejo de punir severa e duramente homens que violentam e agridem suas
companheiras física, psíquica e moralmente, utilizando-se da vantagem física, acabam por
inflamar e propagar a idéia de que há a necessidade de serem criados mecanismos que protejam mulheres agredidas de si mesmas, alegando que a maior parte das renúncias ao direito de
representação ocorrem por medo e opressão, provocados por constantes ameaças.
Portanto, retirando a capacidade jurídica dessas mulheres de decidir acerca do acionamento
ou não da Tutela Jurisdicional, como garantia da devida proteção aos seus direitos e/ou a conseqüente
punição aos agressores, estariam por fim as protegendo. Como reza o ditado: os fins justificam os meios.
23 JESUS, Damásio de. A questão da renúncia à representação na ação penal pública por crime de lesão corporal resultante
de violência doméstica ou familiar contra a mulher (Lei n. 11.340, de 07 de gosto de 2006). São Paulo: Complexo Jurídico
Damásio de Jesus, set. 2006. disponível em: www.damasio.com.br
24 “(...) e ouvido o Ministério Público.”
37
Diante disso, dispõe a Lei Maria da Penha em seu artigo 16, o seguinte:
¨Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata
esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério
Público.¨25
Sem muitas controvérsias, o artigo sob comento, em verdade, restringiu a capacidade da vítima de decidir, única e exclusivamente, acerca de sua vontade de não movimentar
a máquina da Justiça Criminal contra o agressor, pondo fim a persecução criminal. De modo
que somente perante o juiz, em audiência preliminar antes do recebimento da denúncia, designada especialmente para isso, e havendo anuência do órgão do Ministério Público, é que,
então, a renúncia poderá ser admissível.
Em suma, a discricionariedade ministerial, em conluio com a decisão judicial, é a
parte decisória inicial do feito, subjugando e prejulgando a decisão da vítima em efetivar a
persecução criminal ou obstá-la. Diante deste mérito decisório, a vítima passar a ser coadjuvante nesse cenário onde cabe ao Ministério Público atuar de forma decisiva.
Sendo, nasce no direito uma verdadeira “usurpação” legal da capacidade da mulher de decidir fundamentalmente quanto ao destino do feito, podendo inclusive ocasionar
maiores problemas do que o já existente pelas razões que provocaram a ação penal. Deste
modo, não há dúvidas de que a restrição ao direito de renúncia à representação deve ser profundamente analisado pelos operadores do direito face ao cotidiano vivido nos corredores do
Poder Judiciário.
6.1.1 Posição do STJ
A Lei Maria da Penha define o crime de violência doméstica e familiar contra
a mulher como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão
corporal, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito
da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas,
com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; no âmbito da família,
compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; ou em qualquer
relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,
independentemente de coabitação.26
Sendo assim, praticado o crime definido nesta lei, nasce no mundo jurídico o direito de acionamento da máquina estatal contra o agressor. Esse acionamento se dá através
da ação penal pública, quer seja incondicionada, aquela que não necessita que a vítima impulsione a sua investigação ou o ajuizamento da devida ação penal e que pode ser movida
pelo Ministério Público ou, na falta desse, pela própria parte interessada, quer seja condicionada, onde a ação criminal só é ajuizada com o consentimento expresso da vítima.
25 Lei Maria da Penha (11.340/2006).
26 Artigo 5º da Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006.
38
Revista ESMAC
Com o surgimento da chamada Lei Maria da Penha, muitas controvérsias têm se
levantado com o objetivo de se estabelecer qual espécie de ação penal pública é cabível nos
crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher.
Em sede de habeas corpus (HC 96.992-DF) impetrado contra acórdão que deu
provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal, determinando que a denúncia, antes rejeitada pelo juiz de 1º grau, fosse recebida
contra o paciente pela conduta de lesões corporais leves contra sua companheira, mesmo
tendo ela denegado o interesse de representá-lo em audiência especialmente designada para
tal finalidade, na presença do juiz, do representante do Parquet e de seu advogado, visto que,
após o advento da Lei n. 11.340/2006, grandes debates têm se travado nos fóruns e tribunais
no sentido de definir qual é a espécie adequada de ação penal a ser aplicável no caso de
crime de lesão corporal leve qualificada, relacionado à violência doméstica, isto é, pública
incondicionada ou pública condicionada à representação.
A 6ª Turma do STJ, ao prosseguir o julgamento, por maioria, denegou o pedido,
por entender que se trata de ação penal pública incondicionada, como anotou a MINISTRA
JANE SILVA, em seu voto de Relatora:
“(...) A intenção do legislador ao criar a nova figura típica, na realidade uma nova modalidade de lesão corporal leve qualificada, tendo em vista o novo montante de pena
estabelecido, foi atingir os variados e, infelizmente, numerosos casos de lesões corporais
praticados no recanto do lar, local em que deveria imperar a paz e convivência harmoniosa
entre seus membros e, jamais, a agressão desenfreada que muitas vezes se apresenta, pondo
em risco a estrutura familiar, base da sociedade.
(...)”
No mesmo e sentido do Sr. Ministro Paulo Galloti, bem elucida a posição majoritária do
STJ:
“(...)
A própria lei indica diretrizes para sua exegese, ao estabelecer, no art. 4º, que “na interpretação desta lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as
condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.
E sob um enfoque sociológico, é inegável reconhecer que grande parte das mulheres vítimas
de violência doméstica, especialmente aquelas de classes econômicas menos favorecidas,
quando levam seus casos ao conhecimento das chamadas“autoridades”, acabam por ser coagidas a se retratar, sofrendo intimidação de todos os tipos por parte dos infratores, inclusive
físicas, morais, psicológicas, financeiras etc.
Casos há, por certo, em que as mulheres retratam-se por livre e espontânea vontade, dada
a reconciliação da família. Mas no confronto entre os dois cenários, deve prevalecer o que
melhor atenda ao interesse social, isto é, que efetivamente contribua para a preservação da
integridade física da mulher, historicamente vítima de violência doméstica e tida como elo
mais fraco na relação conjugal e familiar.
Esse, aliás, o motivo que levou à criação da legislação de proteção, considerada uma importante conquista dos direitos humanos das mulheres, amparada no art. 226, § 8, da Constituição Federal, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a
Mulher, na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher e em outros tratados internacionais.
A prescindibilidade da representação da vítima, de outra parte, não impede a reconciliação
39
da família. Muito refleti sobre os argumentos de que o processo criminal poderia prejudicar
a restauração da paz no lar, de que poderia se converter em um mal maior para a própria
mulher, de que é mais benéfico a ela ter um instrumento de barganha para negociar com o
agressor, de que há muito vem sido tolhida sua liberdade de escolha e de que o Estado deve
intervir nas relações individuais de forma mínima. Não me convenceram, todavia.
O princípio da intervenção mínima deve ser observado em situações de normalidade. Situações extremas exigem medidas rigorosas e maior intervenção estatal. Se o quadro fático é de
alto índice de violência contra a mulher no âmbito familiar, sem que ela, sozinha, consiga
enfrentá-la, cabe ao Estado desenvolver políticas que visem a garantir os seus direitos, o que
certamente se teve em vista com a edição do diploma em exame.
O argumento de que não se deve retirar da mulher o poder de decisão sobre a situação de violência em sua família, com todo o respeito aos que pensam de modo diverso, termina por não
solucionar o grave problema, mantendo a possibilidade de serem vítimas de inaceitável coação na busca de impunidade, circunstância que acaba por estimular a reiteração criminosa.
Se for possível restabelecer a paz no âmbito familiar, melhor, e que isso realmente se concretize. Mas o agressor deve estar consciente de que responderá a um processo criminal e
será punido se reconhecida sua culpabilidade.
(...)”
De forma geral, os ministros do STJ têm argumentado que o art. 88 da Lei n.
9.099/1995 foi derrogado em relação à Lei Maria da Penha, em razão de o art. 41 deste diploma legal ter expressamente afastado a aplicação, por inteiro, daquela lei ao tipo descrito
no art. 129, § 9º, CP, isso devido ao fato de que as referidas leis possuem escopos diametralmente opostos, visto que, enquanto a Lei dos Juizados Especiais busca evitar o início
do processo penal, que poderá culminar em imposição de sanção ao agente, a Lei Maria da
Penha procura punir com maior rigor o agressor que age às escondidas nos lares, pondo em
risco a saúde de sua família.
Além disso, os membros do STJ alegaram que a Lei n. 11.340/2006 procurou criar
mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres nos termos
do § 8º do art. 226 e art. 227, ambos da CF/1988, assim sendo, não seria possível falar em
representação quando a lesão corporal culposa ou dolosa simples atingir a mulher, em casos
de violência doméstica, familiar ou íntima. Ademais, até a nova redação do § 9º do art. 129
do CP, dada pelo art. 44 da Lei n. 11.340/2006, impondo pena máxima de três anos à lesão
corporal leve qualificada praticada no âmbito familiar, corrobora a proibição da utilização
do procedimento dos Juizados Especiais, afastando assim a exigência de representação da
vítima. Entretanto, há quem defenda a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, pelo
fato de homens e mulheres serem iguais perante a lei, o que possivelmente baseou a tese
adotada pelo juízo de primeiro grau.
6.1.2 Análise Objetiva da Renuncia
A celeuma jurídica criada em torno da possibilidade ou não de renúncia da vítima
poderia facilmente ser resolvido ante a estipulação de critérios objetivos a serem analisados
pelo Ministério Publico e pelo Juízo.
Desta forma se retiraria do crivo ministerial e do magistrado a decisão unipessoal
quanto ao caso em concreto, cujas conseqüências não seriam suportadas pelas figuras de
firmadas condições financeiras e bem estruturadas presentes em audiência, mas pela parte
40
Revista ESMAC
hipossuficiente e carente de assistência social, ou seja, a vítima.
A estipulação de critérios objetivos vincularia as decisões e ensejaria a obrigação
de cumprimento de certos requisitos para tanto. Esta análise objetiva não seria simples ou
por amostragem, mas taxativamente estipularia fatores de convicção de decisão, até porque
futuras conseqüências poderiam ocorrer em decorrência de uma má análise dos critérios.
Primeiramente a gravidade do delito já seria ponto paradigma para nortear a aceitação ou não da renúncia da vítima, o que de certa forma já ocorre nos termos da Lei Maria
da Penha. Obviamente casos mais severos em termos de tipo penal, mesmo com a expressa
vontade da vítima não mereceriam ter suas renúncias acatadas ante o nível de dependência
da vítima em relação ao agressor.
É exatamente neste ponto que adentraria mais um critério objetivo. As vítimas,
apesar de um perfil nacional determinado em amostragens, possuem realidades familiares,
classes econômicas, níveis sociais e educacionais diferenciados. Uma aferição desta realidade da vítima é extremamente necessário para se ter o conhecimento se a vítima está em
condições de decidir acerca da renúncia ou não da representação.
O agressor também seria analisado por seu comportamento atual e pretérito. Maus
antecedentes,reincidências,comportamentosagressivosoudesordemsocialtambémpoderiam ser utilizados na definição dos critérios objetivos, o que traria conhecimento dos fatos
ocorridos anteriormente ao caso judicial presente bem como resguardaria a vítima de novamente sofrer alhures violências.
Enfim, em se determinando a pessoas alheias à situação fática a decisão acerca da
aceitação ou não da renúncia da vítima retira desta sua capacidade decisória, quando em
muitos casos ainda a resta e de modo precípuo à proteção familiar. Ao revés, para se evitar
pecados ou excessos, a criação de critérios objetivos supriria esta dúvida na prática cotidiana
das audiências judiciais nos casos de violência doméstica.
6.2 Parcial Vedação às Penas Alternativas
Com o advento da lei 9.099/95 (que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais),
o Estado oferecia penas alternativas ao acusado de crimes de menor potencial ofensivo, com
o arquivamento dos autos e a conseqüente extinção do processo ao final do cumprimento da
pena. Deste modo, o acusado livrava-se do enfretamento processual e da possibilidade de
perder a primariedade em processos criminais.
No entanto, o legislador entendeu que algumas penas alternativas não provocavam
os efeitos esperados tanto pelo Estado como pela vítima, vindo então a, com a nova lei, estabelecer restrições a aplicação de certos tipos de penas alternativas, buscando encontrar mais
formas de dar à lei um caráter cabalmente punitivo.
Sendo assim, o legislador vedou, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, as penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa, conforme se verifica no artigo
17 da lei sob análise:
41
¨Art. 17 É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher,
de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena
que implique o pagamento isolado de multa.¨27
Entretanto, muitos operadores do direito têm questionado essa vedação, entendendo que a lei não pode impor indistintamente a todos o mesmo rigor, sem dar possibilidade
para a análise de cada caso, tendo em vista suas peculiaridades. Deste modo, surgem no
cenário nacional, diversos posicionamentos e apontamentos acerca dessa vedação, que ao
serem refletivos pelos membros do congresso nacional, talvez modifique essa falta de flexibilidade e pouca confiança no trabalho dos órgãos ministeriais, responsáveis por propor a
melhor medida a ser aplicável ao caso concreto, seja esta a reclusão ou as demais em caráter
alternativo.
6.2.1 Possibilidade e Criterios Objetivos
Diante do exposto, urge a necessidade de retirar a proibição à aplicação das penas
de prestação pecuniária, bem como o pagamento de cestas básicas ou mesmo a imposição de
multas, ainda que isoladamente, tendo em vista as peculiaridades de cada caso como explanado anteriormente.
Para isso, algumas soluções têm sido encontradas no sentido de, no mínimo, flexibilizar a aplicação dessas medidas, a fim de equilibrar os efeitos da sanção penal nos casos
não tão relevantes, porém que mesmo assim requerem punição. Tem-se apontado a idéia da
criação de mecanismos objetivos à análise do caso concreto, de forma a balizar a decisão
quanto a mais adequada medida penalizadora a ser aplicada.
Deste modo, citam-se a adoção do critério de análise de possíveis reincidências do
tipo, mesmo que durante um lapso de tempo maior, para estabelecer a possibilidade ou não
a aplicação de penas alternativas menos gravosas.
Outrossim, o exame da vida pregressa do autor dos fatos e a gravidade do delito,
sem dúvida são de imenso valor no momento de decidir sobre essa possibilidade, de forma
que tanto o magistrado quanto o representante do ministério público terão mais base para
entender a possibilidade de aplicar uma sanção mais adequada.
Além disso, ainda baseado na própria lei, faz-se extremamente necessário a utilização de profissionais tanto da área de psicologia, responsáveis por elaborar relatórios que
definam as reais condições psicológicas que se encontram tanto o agressor quanto a vítima,
além de uma apurada investigação social realizada por uma equipe de assistentes sociais,
capazes de informar ao juízo as condições sociais e econômicas, além de outras que desvendem como se encontra a relação familiar.
Desse modo, o juízo terá mais subsídios que apontem para uma melhor decisão
quanto as medidas a serem adotadas em cada caso e, quando couber, a efetiva pena a ser
aplicada.
27 Lei Maria da Penha (11.340/2006)
42
Revista ESMAC
6.3 Desídia da Vítima
Embora muito se tenha falado acerca dos meios de proteção a mulher vítima de
violência dentro do seu próprio lar ou, por vez, no convívio com pessoas de sua confiança ou
de suas relações íntimas, um fato interessante de analisado é a incompreensível falta de compromisso e responsabilidade da vítima na relação processual que se estabelece justamente
para protegê-la e dar ao acusado, caso se comprove a conduta típica, a devida punição.
A esse fenômeno nada incomum dá-se o nome de desídia, visto o descaso da vítima
em relação ao processo. Não raras vezes as vítimas faltam às audiências designadas para oitiva de seu depoimento perante o magistrado, deixam de prestar esclarecimentos ou informações essenciais ao prosseguimento do feito, requeridos muitas vezes pelo Ministério Público
e, portanto, de seu próprio interesse, visto ser parte integrante do processo, principalmente
quanto aos meios probantes, por exemplo nominação de testemunhas.
A desídia da vítima não pode ser confundida com a renúncia do direito à representação ou mesmo a retratação, visto que a primeira, quando manifestada, ocorre antes
do recebimento da denúncia, por tratar-se, como já explanado anteriormente, do expresso
desejo da vítima pela não persecução penal, e a segunda, embora ocorra dentro do processo
já em curso, trata-se da manifestação do interesse da vítima de arquivar os autos e extinguir
o processo, nos casos em que a lei permitir.
A desídia no processo penal, portanto, é provocada única e exclusivamente pela
falta de responsabilidade da vítima ou seu representante em atuar no processo de forma
satisfatória, pois embora haja o interesse em punir o réu, a mesma pouco deixa de atuar de
praticados os atos necessários ao prosseguimento do feito, fazendo com que o magistrado
determine o arquivamento dos autos, visto que o processo não poderá esperar até que a parte
interessada, ao seu bel prazer, estabeleça o tempo para seu retorno a atuação na relação processual.
Como espeque ao que fora dito, Lopes jr. e Badaró, asseveram que, ocorrendo
excesso de prazo irrazoável, a melhor solução compensatória à violação do direito a um processo sem dilações indevidas seria a extinção do feito, como no suso comentado acórdão:
“(...) a extinção do feito é a solução mais adequada, em termos processuais, na medida em
que, reconhecida a ilegitimidade do poder punitivo pela própria desídia do Estado, o processo deve findar. Sua continuação, além do prazo razoável, não é mais legítimo e vulnera o
Princípio da Legalidade, fundante do estado de Direito, que exige limites precisos, absolutos
e categóricos – incluindo-se o limite temporal – ao exercício do poder penal estatal” (2006,
p. 123 a 126).
43
7. EFETIVIDADE DAS AÇÕES SOCIAIS PREVISTA EM LEI
Em que pese toda e qualquer punição que o Estado venha a aplicar àqueles que
praticarem os crimes previstos na Lei 11.340/06, a sociedade de forma alguma conseguirá
vislumbrar, em sua realidade fática vivenciada no dia-a-dia, o alcance de índices ínfimos ou
mesmo o sensível declínio do número de mulheres que dão entrada nos hospitais de pronto
atendimento, vítimas das mais brutais violências, desagregando famílias inteiras e gerando
para sociedade mais caos, como conseqüência do crescimento de crianças em ambientes tão
hostis como estes.
Para tanto, as políticas públicas que visam reduzir sensivelmente a violência doméstica e familiar praticada contra a mulher, devem implementar, articulado com organismos do terceiro setor, programas sociais que efetivamente conscientizem toda a sociedade,
sobretudo a própria mulher, acerca dos valores relativos a dignidade da pessoa humana, a
erradicação da discriminação em razão do sexo e a equidade entre os gêneros, isto é, a igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Sendo assim, além das medidas preventivas determinadas na lei sob análise, a sociedade tem reivindicado, através de movimentos em defesa da mulher, a criação de projetos
com atribuições específicas no esteio desse tipo de violência, conforme prevê a chamada lei
“Maria da Penha”, de forma ampla a atender todos os membros da família, inclusivo o acusado de conduta violenta contra a mulher, ainda que o fato ainda não tenha sido consumado.
Para tanto, necessita-se que haja uma ação enérgica do estado em parceira com
a sociedade, disponibilizando os recursos necessários para a implementação de programas
voltados a esse tipo de atendimento. Esses recursos serão aplicados na instalação e manutenção de prédios que abriguem as equipes multidisciplinar, formada por psicólogos, assistentes sociais, advogados e estagiários, preparando tecnicamente todos para boa presteza no
atendimento e acompanhamento não só das mulheres tutelada por este diploma legal, como
também àquelas famílias que procurarem ajuda para restabelecer o bom convívio familiar.
Esses programas especializados no combate à violência contra a mulher terão por
objetivo combater a violência doméstica e prestar todo auxílio possível para tentar proporcionar aos envolvidos a possibilidade de continuação da relação familiar, porém, noutros
moldes, primando pela harmonia e segurança na relação.
A obtenção de bons resultados nesta área está sujeita, além da ação estatal, à ação
dos mais variados movimentos criados para promover proteção dos direitos femininos, à
criação de conselhos, a criação de delegacias da mulher composta por agentes capacitados
para atender circunstâncias delicadas, sem falar no apoio as casas-abrigo para mulheres vítimas de violência.
É de se destacar que a Lei Maria da Penha, em que pese seu caráter preventivo deixa a desejar na efetividade dessas praticas. Conforme já relatado o perfil da mulher vítima
de violência é tipicamente da classe baixa brasileira, com todos seus caracteres: baixo nível
educacional, dependência financeira, prole dependente e ausência de experiência profissional.
Como fator preponderante impeditivo de eficácia da Lei Maria da Penha, a dependência econômica é uma das mais importantes. A mulher sem sustentação financeira fica
à mercê dos ditames do marido/companheiro enquanto perdurar o relacionamento. Saliente44
Revista ESMAC
se que a situação de dependência, em vários casos, é provocada pelo próprio agressor de
modo a impedir o estudo ou o emprego da vítima, exatamente para não quebrar esse vínculo
de subordinação.
Ademais, os filhos também exercem indireto amparo a esta realidade. Uma vez
desfazendo o vínculo com o agressor a vítima não terá meios financeiros eficazes para sustento dos filhos, que, também na maioria dos casos, ficam sob o poder familiar da genitora,
que dependerá, possivelmente, da pensão judicial extremamente guerreada.
Nesse ponto, a eficácia da Lei teria um sentido mais amplo se conseguisse romper
com esse fator, de modo a propiciar, à vítima de violência, meios eficazes educacionais e
profissionais, com garantida de reinserção social. Se existem no meio educacional básico e
técnico escolas supletivas para alunos em defasagem, por que não criar apenas uma exclusivamente direcionada para este público especial.
Além do caráter educacional básico (ler e escrever), seriam ministradas aulas do
ensino normal continuado e, por exemplo, seriam ensinadas as técnicas das profissões mais
populares (cabeleireiro, manicure, cozinheira, servente, costureira,etc.).
Ainda no intuito de obter-se a perfeição da prestação estatal neste ponto, os órgãos
de governo, por via de suas secretarias específicas, deveriam celebrar convênios com empresas ou estimular a criação de cooperativas, de modo a absorver esta mão-de-obra qualificada
que estaria à disposição do mercado, composta exclusivamente de vítimas de violência com
necessidade de meio remuneratório.
Em conjunto com a atividade acima, até pelo ponto de impossibilidade prática do
projeto, também se deve atenção aos filhos da vítima de violência. Uma vez perdido o pilar
financeiro de sustentação familiar e em estando a genitora em processo de educação e/ou
profissionalização, os filhos da vítima ficariam à disposição da marginalidade ou do ócio.
Neste caso, do mesmo modo do item anterior, seria criada uma creche específica para os
filhos de vítimas de violência, ou seja, a educação seria concomitante entre filhos e mães, se
possível até em espaços físicos contíguos.
A moradia da vítima de violência geralmente é a residência própria ou alugada do
agressor, deste modo torna-se inviável fisicamente que a vítima se afaste da situação agressiva por total direcionamento abrigacional de médio ou longo prazo.
É de conhecimento público a existência de casas de abrigos em todos os Estados do
Brasil, porém as suas características de emergência, rotatividade e não amparo permanente,
tornam-nas imprestáveis para os fins duradouros previstos em Lei.
Não existe nenhuma medida, quer seja social, política, pública ou privada, que
respalde a vítima de violência domestica fisicamente à médio ou longo prazo. Os programas
habitacionais não as englobam e não direcionam vagas para esta categoria de necessitados
de moradia, o que poderia ocorrer mediante a estipulação de percentuais.
Todas as estatísticas sobre a violência contra a mulher tratam de paradigmas conseguidos ou verificados após a efetivação da violência. Na contra-mao desta idéia está amplo
texto da Lei Maria da Penha de cunho preventivo:
¨Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher
far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria
Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e
45
habitação;
II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com
a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à
freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas
adotadas;
III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da
família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência
doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do
art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;
IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular
nas Delegacias de Atendimento à Mulher;
V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica
e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão
desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceriaentreórgãosgovernamentaisouentre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;
VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo
de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I
quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;
VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito
respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos
relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da
violência doméstica e familiar contra a mulher.¨28
Mais uma vez em insistência neste tema, o apoio psico-social à vitima de violência
domestica, ou mais precisamente neste ponto à potencial vítima, deve ocorrer anteriormente
à sua ocorrência.
Os estudos sociais de campo permanentemente vistam lares periféricos, adentram
os bairros mais pobres, entrevistam pessoas mais humildes, e, nesta tarefa, identificam de
pronto as causas mais comuns da violência domestica. Uma política especifica e não genérica de combate às causas da violência teria resultado amplamente verificado principalmente
na diminuição dos índices de criminalidade, no numero de registros policiais e processos
judiciais.
As pesquisas de vitimização identificam os pontos pessoais inerentes às vítimas
e agressores conjugais. O álcool e o ciúme são os primeiros causadores da violência, destarte, essas causas poderiam ser combatidas por meios preventivos, quer sejam de encaminhamento de tratamento de dependentes, homens ou mulheres, ou de sustento psicólogo ou
psiquiátrico.
A sociedade há de reconhecer o valor do trabalho social em todas suas especificidades e
focos, como nas causas e conseqüências dos males sociais. Esse reconhecimento, principalmente em termos de consecução de resultados práticos, também deveria ocorrer politicamente com maiores direcionamentos de verbas neste sentido.
28 Lei Maria da Penha (11.340/2006), Da Assistência à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, Capítulo I, Das Medidas Integradas de Prevenção.
46
Revista ESMAC
CONCLUSAO
A realidade da vida para as mulheres, dentro de um contexto sócio-cultural
brasileiro, não gerou condições de pleno desenvolvimento e reconhecimento. Dos mais
primitivos e simples aos mais delicados e estudados fatores, todos tiveram sua parcela de
participação neste atraso ou subdesenvolvimento feminino. Os estudos transparecem as realidades diárias através dos números e a expectativa de mudança é refletida no comportamento atual de intolerância à violência contra a mulher.
Derrubar tabus ou barreiras sociais, desmistificar situações, assumir responsabilidades, sustentar profissional e economicamente os sonhos não são tarefas fáceis e aceitáveis,
porém somente através destas e de forma uníssona, as mulheres farão vingar definitivamente
seus anseios.
Muitas palavras devem ainda sair do papel e deixarem de ser apenas letras escritas,
mas devem se transformar em ações sociais, obras físicas e atendimentos diretos em favor da
mulher. O texto legal deve ser aplicado em todas as suas vírgulas e pontos, não deixando a
desejar em nenhum aspecto pretendido pelo legislador, afinal, de leis teóricas sem aplicação
prática o mundo jurídico já está farto.
Que o Estado assuma seu papel legal e cumpra com suas atividades taxadas na
legislação, sempre de modo amplo e geral, não visando apenas resultados numéricos ou
expressivos à curto prazo. As causas sociais devem ser combatidas a priori de modo a evitar
os eventos violentos futuros.
Remediar não é o verbo exclusivo da temática da violência contra a mulher, ao
revés é ponto final da situação onde a violência já se efetivou. A palavra de ordem é evitar, de
modo que os malefícios de uma vida de desemprego, falta de educação básica, desestrutura
familiar e dependência econômica seja invertida e transformada em independência pessoal
total, caso queira a vítima.
A entidade familiar sempre foi o pilar mestre da sociedade, o berço da educação
primeira, a fonte do caráter do cidadão. Uma vez perdido esse conceito ante a desestruturação do lar, todos seus entes sofrerão as catastróficas conseqüências da ausência de uma base,
de um norte, da união e da convivência entre si. A estrutura familiar é sagrada e deve ser
preservada da busca desenfreada pela justiça, na tardia tarefa de querer igualar valores há
décadas propositadamente diferenciados.
O reconhecimento do valor feminino deve ser fruto de um longo trabalho e não
apenas de uma questão de justiça imediata social para compensar anos de discriminação.
A normatização desta reviravolta é gradativa, de contrapesos, respeitando o ordenamento
jurídico. Vários fatores práticos devem ser levados em conta, sobejamente nas condições
sócio-econômicas que se encontram atualmente a típica mulher vítima de violência.
Para esta típica mulher vítima de violência não bastam modificações legais ou
políticas sociais paliativas, mas a efetivação de uma idéia duradoura, permanente, que atinja,
concomitantemente, as causas e as conseqüências da violência.
De igual modo, a atividade corriqueira policial ou judicial não deve, com as vendas
que lhe dão as Leis, tornar-se inapto ou inerte às realidades sociais e às pessoas que mais
sofrem com as mesmas. A adequação fática e legal é imprescindível, no mínimo para o resultado de uma justiça básica, sem almejar perfeições.
47
A aplicabilidade e a eficácia da Lei não se dão em palanques, tribunas ou congressos, mas devem se de forma interpessoal e para as vítimas da violência contra a mulher e
suas famílias, exclusivamente.
Que a beleza do discurso social, que o ideal moral difundido e que o objetivo
salvador da Lei se cumpram e perdurem na eternidade, mesmo ante os percalços cotidianos
sociais presentes nas vidas das vítimas e seus familiares e ante a aplicação das normas de
acordo com os ditames da Lei e não plenamente coma realidade.
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VICTIM OF VIOLENCE - LA MUJER COMO VÍCTIMA DE LA VIOLENCIA DOMESTICA, Mirian Botelho Sagim, Zélia Maria Mendes Biasoli-Alves, Vanessa Delfino, Fabiola
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http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Onu/Mulher/texto/texto_3.html
Portal da violência contra a mulher – www.violenciamulher.org.br;
Abong – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais;
AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras;
Casa da Mulher Renasce Companheira;
Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento;
49
Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria;
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM;
Ipas Brasil (violência);
Ministério da Justiça do Brasil;
Movimento Nacional de Direitos Humanos;
Mulher Governo – portal governamental sobre a mulher brasileira;
Musa – Mulher e Saúde – Centro de Referência de Educação em Saúde da Mulher;
Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da Universidade de São Paulo
(NEMGE/USP);
Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – NEIM/UFBA;
Núcleo de Pesquisa das Violências - NUPEVI/UERJ;
Pró-Mulher, Família e Cidadania;
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres;
Ser Mulher – Centro de Estudos e Ação da Mulher Urbana e Rural;
Serviço à Mulher Marginalizada;
SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia.
50
Revista ESMAC
O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA CORREGEDORIA GERAL DA
JUSTIÇA DO ACRE COMO INSTRUMENTO DE QUALIDADE
DO ACESSO À JUSTIÇA.
Eva Evangelista de Araújo Souza
INTRODUÇÃO
A Corregedoria Geral da Justiça do Acre, órgão do Tribunal de Justiça, tem por finalidade orientar e fiscalizar a Justiça Estadual, a teor das competências delineadas no art. 28
da Lei Complementar nº 47/95 (Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do
Acre) e art. 54, itens I a XXVIII, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, todas envolvendo medidas de natureza administrativa para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional
tempestiva e eficiente capaz de atender as expectativas da sociedade.
Na realidade brasileira, até a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o
Poder Judiciário era conhecido pela multiplicidade de órgãos, desvinculados entre si denotando falsa noção de independência, cada um realizando a prestação jurisdicional ao seu
modo, como se no Brasil vários judiciários existissem.
A visão ainda corrente é a de que no Brasil existem vários judiciários.
A propósito, a recente pesquisa Barômetro de Confiança nas Instituições Brasileiras, apresentada pela AMB (10.06.2008), registrou que somente 8% dos entrevistados disseram conhecer bem o funcionamento do Poder Judiciário, 45% afirmaram conhecer mais
ou menos sua forma de atuação, e 18% a desconhecem totalmente sua forma de atuação.
Portanto, de tudo resulta que a população não conhece o funcionamento do Poder
Judiciário e sua missão constitucional.
Entretanto, não há comparação possível entre as condições estruturais da atividade
jurisdicional dos Estados da Federação dotados de estrutura material e de pessoal necessários, inclusive da tecnologia da informação, e outros, tal qual o Estado do Acre, com localidades somente alcançadas por táxi aéreo ou barcos motorizados (de pequeno porte), com
expressiva população residente na zona rural, nos seringais, às margens dos rios e aldeias
indígenas, locais distanciados dos prédios de fórum, juizados e tribunais, acrescendo que as
comarcas do Estado do Acre ainda não se encontram integralmente informatizadas.
Razão disso, a aplicação do princípio introduzido pela Emenda Constitucional nº
45/2004 – teoria de base deste trabalho de conclusão de curso MBA em administração de
Poder Judiciário – depende da necessidade de conjugar a construção coletiva da reflexão
estratégica envolvendo juízes e servidores para não somente possibilitar o acesso do cidadão
à Justiça, mas tornar efetivos seus direitos.
Nesta perspectiva, imprescindível conhecer a organização, estabelecer metas e objetivos
ajustados às demandas do Poder Judiciário.
No caso do Poder Judiciário do Estado do Acre, o Tribunal de Justiça ainda não
possui um planejamento estratégico formal embora as iniciativas neste sentido adotadas em
51
1996 e pela atual administração mediante oficinas para o traçado das metas do biênio 20072009.
Decerto que a Corregedoria Geral da Justiça – Órgão Censório integrante do Tribunal de Justiça – para a construção de seu planejamento estratégico deveria ater-se às diretrizes do órgão de cúpula da administração do Tribunal.
Todavia, a falta de planejamento estratégico do Tribunal de Justiça não obsta a
produção pelo Órgão Censor do Tribunal conforme demonstração a ser feita no curso deste
trabalho que pretende realçar a importância das Corregedorias da Justiça sob a orientação
do Conselho Nacional de Justiça, Órgão Censor Nacional criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004 como instrumento indispensável para assegurar a razoável duração do
processo e demonstrar a possibilidade de construir um novo pensar estratégico e a conseqüente produção de um plano aliado às estratégias e metas da administração do Tribunal de
Justiça.
52
Revista ESMAC
1. A CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA NO SISTEMA JUDICIAL BRASILEIRO
1.1 Breve relato histórico da Administração Judicial brasileira e do Órgão Correcional
dos Tribunais de Justiça
A Administração Judicial brasileira e a inserção das Corregedorias de Justiça na
sua estrutura passa, necessariamente, pela história da Justiça no Brasil a partir das Ordenações que, ao tempo do descobrimento do Brasil, consistiam no direito vigente em Portugal.
Assume relevância as Ordenações Filipinas de 1603, nome dado em homenagem
ao monarca Filipe II, que no Brasil tiveram vigência até a edição do Código Civil de 1916,
pois a partir dela começa a estruturar-se a Justiça no País.
Consoante o magistério de Vladimir Passos de Freitas, Desembargador Federal
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a História da Justiça no Brasil divide-se em três
grandes fases: do período colonial, da independência e o da república.
No período colonial, o sistema judiciário de segundo grau de jurisdição era composto pela Relação do Brasil e pela Casa de Suplicação, sendo que a presidência da primeira
era afeta ao Governador, que não julgava, mas assemelhada sua atividade ao regedor da Casa
de Suplicação, título do qual veio o de corregedor. Pode parecer estranho esta composição,
mas àquela época não era adotada a separação dos poderes, somente implementada com a
Revolução Francesa em 1789.29
Com a proclamação da independência do Brasil em 1822 e a entrada em vigor da
constituição de 1824, reestruturou-se o Poder Judiciário brasileiro.
No ponto, adverte Vladimir Passos que, embora a Carta Magna de 1824 tenha assegurado independência ao Poder Judiciário, tratava-se de atributo relativo, pois o Imperador,
fazendo uso de seu Poder Moderador, podia suspendê-la30.
A implantação dos cursos jurídicos no Brasil e a conseqüente formação da cultura
jurídica nacional (1827), criou o ambiente propício para o Poder Judiciário brasileiro passar por uma profunda transformação a partir da proclamação da república (1889), a fim de
considerá-lo um terceiro poder que possuiria as seguintes características:
i) unitário quanto à estrutura administrativa (ou seja, sem jurisdição administrativa,
como na França);
ii) dualista quanto à organização, possuindo duas justiças, uma federal e outra estadual.31
Nos períodos seguintes, manteve o Poder Judiciário basicamente a mesma estrutura, referindo-se como inovações a mudança de titulação quanto aos Tribunais de Relação,
que passaram a ser chamados Tribunais de Apelação, a criação da Justiça do Trabalho em
1932 (Era Vargas), a extinção da Justiça Federal pelo Estado Novo em 1937 (posteriormente
restabelecida em 1967) e a criação do Tribunal Federal de Recursos32. Após, com algumas
29 PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Corregedorias do Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
p.19
30 Ibidem, p.22.
31 PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Corregedorias do Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
p.22-23.
32 Ibidem, p.24
53
modificaçõe33, a Constituição Federal de 1988 reformulou o Poder Judiciário, assegurando-o
autonomia administrativa e financeira.
Retornando no tempo, à época das Ordenações Filipinas existia a figura do regedor,
que era o Presidente da Casa de Suplicação, antecessora do Supremo Tribunal de Justiça.
Vladimir Passos leciona que o regedor “além de presidir a Casa de Suplicação
(desse nome vem o hábito do autor dizer-se suplicante), cabia-lhe fiscalizar os Tribunais da
Relação, estes sucedidos pelos Tribunais de Justiça)”34.
Não obstante a função de corregedor tenha existido no período das Ordenações
Afonsinas e Manuelinas, somente com as Ordenações Filipinas suas atribuições tornaram-se
mais claras. Demais disso, como reflexo da inexistência do modelo de separação dos poderes, naquela época:
Havia, além de corregedores, ouvidores-gerais, ouvidores de comarca, provedores,
juízes de fora, alcaides, vereadores (uns nomeados pelo rei e outros eleitos pelos
“homens bons” do povo), todos representando a primeira instância.35
Representa um marco para a atividade censória a lei de 03/12/1841, publicada após
a proclamação da independência, regulamentada passados dez anos pelo Decreto n.º 834,
de 02/10/1851, dispunha sobre o Regulamento das Correições, que disciplinava o “tempo e
forma das correições, dos empregados a ela sujeitos, dos autos, livros e demais papéis, que
devem ser apresentados, das atribuições do juiz de direito em correição [...] e das penas disciplinas e da responsabilidade”.36
Anota Vladimir Passos que ao passar dos tempos as atribuições das Corregedorias
passaram a constar de leis estaduais, regimentos internos dos tribunais, atos administrativos
editados pelo Conselho da Magistratura ou pelos próprios corregedores, apontando os dispositivos mais importantes aplicáveis à função, quais sejam, os art. 99 e 105 da Lei Orgânica
da Magistratura (LC n.º 35/79) pois, conquanto aplicáveis somente às Justiças estaduais,
passaram a ser adotados por outras justiças.37
O primeiro dispositivo apenas reconhece a Corregedoria Geral de Justiça como
órgão dosTribunais Estaduais, enquanto o segundo remete à lei a fixação de número mínimo
de visitas às comarcas a serem realizadas pelo Corregedor, sem precisar a respeito de suas
atribuições.
Com acerto, o vazio legislativo de regular a atuação das Corregedorias Gerais da
Justiça fomenta comportamentos inadmissíveis no âmbito do Poder Judiciário. A respeito,
Vladimir Passos pontua com severa critica:
Há Tribunais que colocam no seu Regimento Interno um percentual mínimo de Varas a serem visitadas; [...] Outros nada dispõem a respeito. O que acontece é que cada corregedor
33 Dentre elas, a extinção do TFR e a criação do Superior Tribunal de Justiça.
34 PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Corregedorias do Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
p.28.
35 PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Corregedorias do Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
p.30
36 Ibidem, p.30.
37 Ibidem, p.31-32
54
Revista ESMAC
atua da forma que lhe parece mais adequada, uns procedendo a correições ordinárias em
todas as Varas do Estado ou Região, outros não fazendo uma sequer. É mais uma questão de
aptidão do que outra coisa.38
Resulta, pois, que a inexistência de normas gerais de alçada federal visando uniformizar a atuação das Corregedorias Gerais da Justiça revela a fragilidade da legislação
nacional em disciplinar tema apto à racionalização e efetividade do serviço judiciário. Nesta
vertente, Vladimir Passos exalta a troca de experiências propiciada nos Encontros de Corregedores – Encoges:
No campo da troca de experiências, louvável iniciativa tomaram os corregedores gerais da
Justiça dos Estados, promovendo mais de 20 (vinte) encontros nacionais (Encoges), onde
são debatidos temas de interesse comum fixadas diretrizes de conduta e celebrados acordos
visando a agilização da Justiça.39
Por tais razões, a Administração Judicial brasileira, embora encontre sua gênese no
regedor da Casa de Suplicação das Ordenações Filipinas, caminhou a passos lentos, de vez
que, até pouco tempo inexistia um Sistema de Administração Judicial brasileira.
Não se olvida que a existência jurídica da função de Corregedor Geral da Justiça se
afirmou com a Lei Orgânica da Magistratura (LC n.º 35/79), todavia, a criação de um órgão
sem emprestar-lhe conteúdo funcional não basta ante a magnitude do tema e a complexidade
dos serviços que lhe são próprios.
Assim, em bom momento o Conselho Nacional de Justiça inaugurou um verdadeiro Sistema de Administração Judicial, assegurando poder normativo e correicional, conforme será delineado adiante.
1.2 Aspectos do direito comparado e a contribuição para o aperfeiçoamento da atividade censória
A falta de efetividade ocasionada pelo mal da morosidade estimulou o debate no
cenário político nacional a respeito da implantação, em solo tupiniquim, de um sistema de
controle administrativo do Poder Judiciário nacional, ao menos que mitigasse os efeitos
negativos do tempo no processo. Para tanto, buscou-se inspiração nos ordenamentos alienígenas. Desde logo, Alexandre de Moraes faz a seguinte ressalva, in verbis:
[...] não deve existir verdadeiro complexo de inferioridade institucional no Brasil, pela, até
então, inexistência de um órgão de controle central do Poder Judiciário, seja porque nos
diversos países democráticos não se encontram órgãos com tanta ingerência na função jurisdicional que possam abalar a independência e autonomia dos juízes, seja porque a realidade
dos países que passaram, após a Segunda Grande Guerra, a adotar Conselhos Nacionais
da Magistratura é muito diversa da realidade nacional, a começar pelo regime de governo
adotado. Os países europeus que adotaram fórmulas semelhantes [...] são parlamentaristas
38 Ibidem, p.34
39 PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Corregedorias do Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
p.33.
55
ou semi-presidencialistas [...] e o fizeram para ampliar a autonomia dos magistrados, diminuindo a ingerência política do parlamento e do Primeiro Ministro sobre o Judiciário, a partir
da constitucionalização do regime parlamentar de governo, como, por exemplo, Portugal,
Espanha, França, Grécia e Itália.40
Apenas a titulo ilustrativo, Portugal possui três conselhos, quais sejam: Conselho
da Magistratura, Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e Conselho Superior do Ministério Público. Já a Grécia possui Conselho Superior da Magistratura e Conselho Superior do Tribunal de Contas41.
De outro lado, a Espanha adota o Conselho Geral do Poder Judiciário integrado
pelo Presidente do Supremo Tribunal e composto por 20 membros nomeados pelo Rei para
exercício da função por período determinado, sendo:
“doze entre magistrados, quatro indicados pela Câmara, quatro pelo Senado. Em relação
às indicações políticas, exigem-se que recaiam sobre advogados ou juristas de reconhecida
competência e com mais de 15 anos de exercício de profissão (art.122)”42.
O sistema adotado pela Espanha é assemelhado ao do Brasil, no qual a composição
é formada por membros do judiciário, ministério público, advocacia e cidadãos indicados
por órgãos políticos, assegurando, desta forma, participação plural no controle dos atos administrativos e funcionais da magistratura nacional (art.103-B, incisos I a XIII).
Consoante exposição adiante, a participação plural no órgão de controle do Poder Judiciário
nacional não afeta a independência deste poder, pois, além de ter o ordenamento nacional
adotado o sistema de checks and balances:
[...] os Conselhos são órgãos do Poder Judiciário, tendo por finalidade, basicamente, o controle administrativo e disciplinar da magistratura, jamais o controle, ou qualquer ingerência
na independência de julgar e representaram uma grande conquista para a magistratura, pois
substituíram o controle que era realizado diretamente pelo Gabinete, e, indiretamente pelo
Parlamento, ou seja, permitiram uma ampliação nas garantias institucionais da magistratura.43
Concernente ao sistema de checks and balances do sistema norte-americano, a realçar que os Estados Unidos não adotam qualquer órgão de controle administrativo do Poder
Judiciário, por três motivos:
1) consciência de que tal controle é realizado pelo Executivo e Legislativo;
2) possibilidade de impeachment de todos os funcionários civis, inclusive magistrados;
3) todos os juízes federais são escolhidos pelo Presidente da República e a maioria
dos Estados e distritos adotam sistema eleitorais de escolha de juízes locais com mandato
fixo.44
40 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.477-478
41 Ibidem, p.478.
42 Ibidem, p.478
43 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.477-478.
44 Ibidem, p.478.
56
Revista ESMAC
De outra banda, principalmente em razão da vitaliciedade dos magistrados, consagrada no Brasil, necessário a adoção de um sistema próprio de controle administrativo da
magistratura nacional a fim de evitar desvios graves que possam comprometer a entrega da
prestação jurisdicional.
Resulta, pois, que o direito estrangeiro, em especial o Europeu, constituiu fonte
de inspiração para a implantação do Conselho Nacional de Justiça no Brasil, ente central do
sistema de controle administrativo da magistratura nacional, cuja relevância e atribuições
será objeto de exame no decorrer desta abordagem.
2. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E
SEUS REFLEXOS NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
2.1 Origem do princípio da razoável duração do processo
A Emenda Constitucional n.º 45/2004, a par de outras alterações, introduziu no
título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” o princípio da razoável duração do processo
no âmbito judicial e administrativo (art. 5, inciso LXXVIII).
Concernente aos direitos fundamentais, os relatos da doutrina evidenciam que tais
direitos decorrem dos direitos humanos, que tiveram impulso para um reconhecimento lento
e gradual a partir do Cristianismo mediante o ensinamento de que“o homem é criado à imagem e semelhança de Deus e a idéia de que Deus assumiu a condição humana para redimi-la
imprimem à natureza humana alto valor intrínseco, que deve nortear a elaboração do próprio
direito positivo”.45
Todavia, somente entre o fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea
aflora o processo de positivação dos direitos humanos, primeiramente com a Declaração de
Direitos da Virgínia, em 1776 e, logo a seguir, com a Declaração Francesa, de 178946.
A respeito, Samuel Miranda defende que a evolução histórica desses direitos deixa
às claras “a existência de fases, gerações ou dimensões: primeiros dos direitos humanos e,
posteriormente, dos modernos direitos fundamentais, agora constitucionalizados”47.
Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Gonet, traçam a distinção básica entre direitos humanos e fundamentais, da seguinte forma48:
a) direitos fundamentais dizem respeito aos direitos consagrados em preceitos de
ordem jurídica; direitos humanos consistem em postulados de bases jusnaturalistas, logo não
possuem como característica a positivação;
b) direitos humanos são direitos supranacionais, relacionados a pretensões de respeito à pessoa humana, geralmente inseridos em documentos de direito internacional; já
45 FERREIRA MENDES, Gilmar; MÁRTIRES COELHO, Inocência; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de
Direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.232.
46 Ibidem, p.232.
47 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília
Jurídica, 2006. p.28.
48 FERREIRA MENDES, Gilmar; MÁRTIRES COELHO, Inocência; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de
Direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.244
57
os direitos fundamentais são direitos positivados em diplomas normativos de cada Estado,
garantidos e limitados no espaço e tempo.
No entanto, os doutrinadores chamam a atenção acerca da existência de uma interação entre os direitos humanos e direitos fundamentais, sendo corriqueiro os Estados
introduzirem nos seus catálogos de direitos fundamentais direitos humanos consagrados em
declarações internacionais49.
Assim, afirma-se que o marco para o reconhecimento ao direito do speedy trial50
surgiu com a Declaração de Direitos da Virgínia, em 1776, quando, pela primeira vez num
documento genérico consagrado na sua inteireza à declaração dos direitos de um povo, fezse consignar que todo cidadão acusado em um processo criminal teria direito a um julgamento célere.51
Não se olvida que o Habeas Corpus Act de 1679, na Inglaterra, veio conferir maior
eficácia às impetrações relacionadas ao direito de liberdade. Todavia, “a configuração plena
do habeas corpus não havia, ainda, terminado, pois até então somente era utilizado quando
se tratasse de pessoa acusada de crime, não sendo utilizável em outras hipóteses”52. Neste
ponto reside a diferença entre o Habeas Corpus Act de 1679 e a Declaração de Virginia de
1776, visto que:
Não se quis apenas afirmar o direito à celeridade em um específico tipo de procedimento,
como fazia o Habeas Corpus Act. Na declaração de Virgínia foi afirmado o direito ao speedy
trial em todo e qualquer procedimento criminal. O alcance da norma é imensamente alargado, inclusive no que diz respeito aos titulares e destinatários.53
Deste modo, enraizado na Inglaterra e nos Estados Unidos o direito fundamental à razoável
duração do processo.
2.2 Pré-existência na ordem constitucional, natureza jurídica e conceito
A Constituição Brasileira de 1934 continha dispositivo específico que manifestava
clara preocupação com o rápido andamento dos processos, consoante decorre do art.113, 35,
que assim preconiza: “A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições
públicas”.54
Samuel Miranda chama atenção para a localização do dispositivo acima mencionado na Constituição pretérita, ao posicioná-lo no capítulo “Dos Direitos e Garantias Indi49 FERREIRA MENDES, Gilmar; MÁRTIRES COELHO, Inocência; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de
Direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.244.
50 Julgamento rápido, célere. Tradução pelo aluno.
51 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília
Jurídica, 2006. p.37.
52 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.108
53 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília
Jurídica, 2006. p.37.
54 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm>. Acesso em: 03 out. 2008.
58
Revista ESMAC
viduais”, assim como o faz a atual Carta Política da Nação, revelando a importância, desde
antes,“de dar ao estatuto jus-fundamental a garantia de adequada temporalidade processual,
não se limitando a constitucionalizá-la”55.
Posteriormente, o Brasil assinou, ratificou e introduziu no ordenamento jurídico
infraconstitucional, por meio do Decreto n.º 678/92, a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rita), cujo art.8º dispõe que “toda pessoa tem direito
a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável”.56
Entretanto, a razoável duração do processo já resultava de preceitos constitucionais
cristalizados na Carta Magna de 1988, tais como o princípio do acesso à justiça (5º, XXXV),
do devido processo legal (art.5º, LIV) e o princípio da dignidade da pessoa humana, erigido
como fundamento do estado democrático de direito (art.1º, III).
Na espécie, a Constituição Federal de 88 (CF/88) preconiza no seu art.5º, XXXV,
que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Não
obstante o termo “lei” aqui previsto possa conduzir, por meio de uma interpretação literal, ao entendimento de que o comando somente se aplica ao Poder Legislativo, pacífico a
abrangência a todos indistintamente. Na espécie, assertoa Nelson Nery:
Embora o destinatário principal desta norma seja o legislador, o comando constitucional
atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que
o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão.57
Entretanto, não basta garantir o acesso ao Poder Judiciário se não for proferida em
tempo hábil a tutela por ela devida.
Assim, o princípio do acesso à justiça somente alcançará completude desde que
assegurado ao jurisdicionado uma proteção judicial efetiva. A respeito disso, a doutrina:
Finalmente, a manifestação judicial deve ser proferida em tempo hábil. À efetividade da atuação judicial liga-se de forma inequívoca o tempo da intervenção. É evidente que a impossibilidade de uma resposta rápida às questões que lhe são colocadas acaba por tornar a função
jurisdicional incapaz de cumprir o papel que lhe é destinado. Caracteriza a inefetividade da
tutela, frustrando a garantia.58
Ainda tocante ao ponto, merece destaque a reflexão do Ministro Presidente do
Superior Tribunal de Justiça, Cesar Asfor Rocha, reportando-se ao aniversário de 20 (vinte)
anos da Constituição Federal de 1988, in verbis:
O ministro Cesar Rocha enaltece a ampliação do acesso à justiça promovida pela atual Constituição, mas expressa uma preocupação constante. “Ampliamos o acesso à justiça, mas
pouco fizemos para alargar sua saída. Sabemos que a demanda começa, mas não sabemos
quando o processo termina”, afirmou.59
55 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília
Jurídica, 2006. p.43.
56 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 03 out. 08
57 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. p.130..
58 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília
Jurídica, 2006. p.74.
59 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.
59
Portanto, inequívoco que a razoável duração do processo já encontrava fundamento de existência no princípio do acesso à justiça em sua acepção ampla. Com efeito, o acesso
a justiça apenas revela-se atendido quando garantida a proteção judicial efetiva. E, por proteção judicial efetiva, de ser entendida aquela tutelada em tempo hábil.
Por sua vez, Nelson Nery Junior, antecedendo a abordagem acerca da forma bipartida do princípio do devido processo legal (substantive due process e procedural due
process) defende a cláusula due process of law como um preceito genérico, no qual a maioria
dos princípios processuais arrolados no art. 5º, da Constituição Federal estariam nele englobados, in verbis:
Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process
os law para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos
litigantes o direito a um processo e uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual
todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies.60
Com asserção, a razoável duração do processo pode ser visualizada tanto no sentido material quanto processual como decorrência do princípio do devido processo legal.
No sentido processual (procedural), o due process of law é observado quando assegurado aos litigantes um juiz imparcial, o direito ao contraditório e ampla defesa com
participação efetiva em todo o desenrolar de atos processuais até a pacificação social com a
prolação da sentença. É, segundo a doutrina, expressão com significado restrito, especificamente processual61.
De outra parte, ao sentido material (substantive) do devido processo legal conferese interpretação mais ampla, que passa pela análise do que seria um processo justo, tendo em
vista que “o só cumprimento dos direitos processuais explicitamente constitucionalizados
não é necessariamente suficiente à configuração do devido processo legal”62.
Deste modo, independente da vertente adotada, a observância à razoável duração
do processo é medida que se impõe, pelos seguintes motivos:
a) ao analisar o processo sob sua ótica processual, “devido processo legal” somente assim poderá ser conceituado se implementados mecanismos que possam emprestar
agilidade à marcha processual, seja conferindo novos instrumentos de tutela aos litigantes
ou ampliando os poderes dos juízes. É dizer: a consecução da razoável duração do processo
passa necessariamente por uma reformulação dos mecanismos de tutela, ainda que parcial;
b) no sentido material, o processo legal somente poderá ser considerado justo desde que implementado em tempo razoável, privilegiando-se, de maneira mais ampla, dentre
outros, os direitos de liberdade, vida, propriedade e dignidade da pessoa humana dos litigantes.
A propósito, a razoável duração do processo encontra igual fundamento de existência na ordem constitucional brasileira como decorrência do princípio da dignidade da
pessoa humana (art.1, III, CF/88), pois, ao conferir solução aos conflitos de interesses em
wsp?tmp.area=398&tmp.texto=89475&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=acesso%20a%20justi%E
7a>. Acesso em: 06 out. 08.
60 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. p.70.
61 Ibidem, p.60.
62 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília
Jurídica, 2006. p.89.
60
Revista ESMAC
tempo razoável, o Estado enaltece a qualidade de ser humano. A respeito, Gilmar Mendes,
Inocêncio Oliveira e Paulo Gustavo Gonet com precisão habitual pontuam:
A duração indefinida ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a
idéia de proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que permite a transformação do ser humano em
objeto de processos estatais.63
Com isso, por meio da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana,
tenta-se evitar que o indivíduo seja transformado em “objeto de processos e ações estatais
indefinidas”, buscando-se mitigar as ofensas e humilhações que um processo sem solução
em tempo razoável poderia acarretar.
Decorre, pois, que a ordem constitucional brasileira já albergava o princípio da
razoável duração do processo de maneira implícita, como conseqüência dos princípios do
acesso à justiça, due process of law e dignidade da pessoa humana. No ponto, merece reflexão o magistério de Nelson Nery (embora atendo-se ao princípio do devido processo
legal, nada obsta a aplicação do entendimento aos demais princípios):
De todo modo, a explicitação das garantias fundamentais derivadas do devido processo legal,
como preceitos desdobrados dos incisos do art.5º, CF, é uma forma de enfatizar a importância dessas garantias, norteando a administração pública, o legislativo e o judiciário para que
possam aplicar a cláusula sem maiores indagações.64
Ademais, não resta dúvida que a titulada “Reforma do Judiciário”, promovida pela
Emenda Constitucional n.º 45/2004, bem como as sucessivas atualizações do estatuto processual civil (Leis n.º 8.952/94, 10.444/02, 11.232/05, 11.280/06, 11.382/06, 11.418/06 e
11.672/08) vieram conferir efetividade ao princípio da razoável duração do processo.
Com relevo, a Emenda Constitucional n.º 45/2004 criou diversos mecanismos de
celeridade e controle da qualidade da atuação jurisdicional. Vejamos: a) vedação de férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau (art.93, XII); b) proporcionalidade do
número de juízes à demanda judicial e à respectiva população (art.93, XIII); c) possibilidade
de delegação aos servidores da prática de atos de administração e de mero expediente sem
caráter decisório (art.93, XIV); d) distribuição imediata de processos, em todos os graus de
jurisdição (art.93, XV); e) necessidade de demonstração da repercussão geral das questões
constitucionais como requisito para a admissibilidade do recurso extraordinário (art.102,
§3º); f ) súmula vinculante (art.103-A); e g) a criação do Conselho Nacional de Justiça.
De outro lado, as sucessivas atualizações do Código de Processo Civil propiciaram
as seguintes inovações: a) criação do instituto da tutela antecipada (Lei 8.952/94); b) transformação do processo sincrético relativamente ao cumprimento da obrigações da fazer ou
não fazer (Lei n.º 8.952/94) e entregar coisa (Lei n.º 10.444/02), relegando a fase de cumprimento da sentença somente para as obrigações de pagar quantia (Lei n.º 11.232/05); c)
63 FERREIRA MENDES, Gilmar; MÁRTIRES COELHO, Inocência; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de
Direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.500.
64 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. p.68.
61
possibilidade de conhecimento de ofício da prescrição (Lei n.º 11.280/06); d) reformulação
do processo de execução de titulo executivo extrajudicial (Lei n.º 11.382/06); e) disciplinamento do requisito da repercussão geral das questões constitucionais (Lei n.º 11.418/06) e f )
regulação dos recursos repetitivos no âmbito do recurso especial (Lei n.º 11.672/08).
De fato, embora o princípio da razoável duração do processo tenha localização
topográfica no rol de direitos fundamentais plasmados na Constituição Federal (art.5º, LXXVIII), deve ser enquadrado como norma de eficácia limitada, eis que depende de atuação
positiva do legislador para criar mecanismos de tutela diferenciados e aptos a emprestar
agilidade à marcha processual.
Conquanto dependa de atuação legislativa para efetivar-se no mundo jurídico,
sua aplicação imediata é adequada como vetor interpretativo para as decisões judiciais,
bem como para condicionar a legislação futura à observância de seus ditames (art.5, §1º,
CF/88).
Ad conclusum, o princípio da razoável duração do processo é uma garantia fundamental de eficácia limitada que propicia uma gradativa atualização do modelo processual para adaptá-lo aos novos parâmetros constitucionais de prestação jurisdicional, visando
atender em razoável duração os reclamos da sociedade, em especial a vida, liberdade, propriedade, dignidade da pessoa humana, dentre outros bens jurídicos, como expressão de um
processo justo.
2.3 Importância do Conselho Nacional de Justiça e da Corregedoria Geral da Justiça
para o controle do tempo do processo
Consoantemencionadoalhures,mesmoantesdareformaconstitucionalpromovida
pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, a razoável duração do processo encontrava guarida
em princípios constitucionais já positivados na Carta Magna, em especial o duo process of
law, o acesso à justiça e a dignidade da pessoa humana.
Assim, o legislador constitucional somente positivou o princípio da razoável duração do processo para afastar qualquer dúvida acerca da preocupação sobre o fator tempo
como critério inafastável para aferir a qualidade da atuação jurisdicional.
Com efeito, a necessidade de soluções dos litígios em tempo razoável gravitava nas mentes
dos operadores forenses e da própria sociedade como um objetivo a ser alcançado, embora o
arcabouço jurídico não oferecesse os mecanismos e os meios para atingir essa finalidade.
Daí exsurge a importância da Reforma do Judiciário promovida pela Emenda
Constitucional n.º 45/2004, de vez que, a par de introduzir o princípio da razoável duração
do processo como matriz idealizadora das recentes atualizações processuais, promoveu uma
mudança ideológica-estrutural do Poder Judiciário brasileiro.
A um só tempo o legislador constitucional introduziu o espírito a ser aplicado pelos magistrados, consistente na fidelidade ao princípio da razoável duração do processo na
condução de suas atividades jurisdicionais, e promoveu as alterações estruturais necessárias
para minimizar os efeitos do tempo na solução dos litígios. Neste aspecto o magistério pontual de Paulo Hoffman:
62
Revista ESMAC
Independentemente do resultado prático que venha a ser efetivamente alcançado, não se
pode minimizar a relevância e a importância da EC n. 45, aprovada pelo Congresso Nacional. Trata-se de um verdadeiro marco na história recente do Judiciário que, apesar das
dificuldades iniciais de implementação e das críticas que se possa fazer à emenda, deve
colaborar para o aprimoramento do sistema como um todo.65
Diante da necessidade de aprimorar o sistema, merece relevo a criação pela EC
n.º 45/2004 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e seu respectivo posicionamento como
órgão da estrutura do Poder Judiciário brasileiro (art.92, I-A, da CF/88).
O Conselho Nacional de Justiça, embora situado como órgão da estrutura do Poder Judiciário, não possui atribuições jurisdicionais, mas administrativas, conforme resulta da dicção
do art.103-B, §4º, CF/88, ao estabelecer que “compete ao Conselho o controle da atuação
administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais
dos juízes”.
Portanto, o Conselho Nacional de Justiça assume posição sui generis na estrutura
do Poder Judiciário brasileiro, apresentando semelhanças ao extinto Conselho Nacional da
Magistratura – CNM, introduzido na Constituição Federal de 1967 pela Emenda Constitucional n.º 07/77. A diferença entre um e outro é que o CNM possuía somente competência
correcional dos atos praticados pelos magistrados66, ao passo que o CNJ cumula as atribuições de controle administrativo, financeiro e correcional, logo, ampliou consideravelmente o leque de funções.
Não há olvidar que os tribunais pátrios possuem sistemas próprios de organização
administrativa e financeira, todavia, mesclam tais atividades com o desempenho de atividade
jurisdicional. No ponto, a diferença do CNJ, dado concentrar seus esforços exclusivamente
na atividade administrativa e financeira, sem espaço para sustentar exercício de atividade
jurisdicional propriamente dita.
Neste aspecto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3367/DF, que encerrava questionamento quanto à violação da independência do Poder Judiciário em face da criação do CNJ, pacificou que:
“a composição híbrida do CNJ não compromete a independência interna e externa do Judiciário, porquanto não julga causa alguma, nem dispõe de atribuição, de nenhuma competência, cujo exercício interfira no desempenho da função típica do Judiciário, a jurisdicional”67
Ainda quanto a suposta fragilização à independência do Poder Judiciário, corrente
que a Constituição Brasileira de 1988 adotou o sistema de checks and balances do sistema
norte-americano, no qual os poderes desempenham função de mútua supervisão e controle,
conforme Manoel Gonçalves Ferreira Filho denominaria de “interpenetração entre os po65 HOFFMAN, Paulo. O Direito à razoável duração do processo e a experiência italiana. Disponível em <http://
www.hoffmanadvogados.com.br/web/artigos_view.asp?IDArtigo=17>. Acesso em 13 out. 2008.
66 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.499..
67 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/informativo/verInformativo.
asp?s1=conselho%20nacional%20de%20justi%E7a%20e%20independ%EAncia&numero=383&pagina=5&base=I
NFO> Acesso em 13 out. 2008.
63
deres”68. Sobre o tema, a jurisprudência do Supremo Tribunal pontua:
“o constituinte desenhou a estrutura institucional desses Poderes de forma a garantir-lhes a
independência no exercício das funções típicas, por meio da previsão de autonomia orgânica,
administrativa e financeira, temperando-a, no entanto, com a prescrição de outras atribuições,
muitas de controle recíproco, cujo conjunto forma um sistema de integração e cooperação
preordenado a assegurar equilíbrio dinâmico entre os órgãos, em benefício da garantia da
liberdade, consistindo esse quadro normativo em expressão natural do princípio na arquitetura política dos freios e contrapesos”69
Desta feita, a criação do Conselho Nacional de Justiça não fragiliza a independência do Poder Judiciário, eis que a inserção deste órgão em sua composição decorre de um
sistema concebido e aceito pela ordem jurídico-constitucional brasileira que visa, nada menos, aprimorar a qualidade da atividade jurisdicional, ou seja, o “serviço” esperado pelos
jurisdicionados e por toda a sociedade, consoante as palavras de Cappelletti, in verbis:
Em outros termos, a responsabilidade judicial deve ser vista não em função do prestígio e
da independência da magistratura enquanto tal, nem em função do poder de uma entidade
abstrata como “o Estado” ou “o soberano”, seja este indivíduo ou coletividade. Ela deve
ser vista, ao contrário, em função dos usuários, e, assim, como elemento de um sistema de
justiça que conjuge a imparcialidade – e aquele tanto de separação ou isolamento político
e social que é exigido pela imparcialidade – com razoável grau de abertura e sensibilidade
à sociedade e aos indivíduos que a compõem, a cujo serviço exclusivo deve agir o sistema
judiciário.70
Sob o viés de aperfeiçoar o sistema judiciário no qual inserido o Conselho Nacional de Justiça como órgão máximo de supervisão e controle da atividade administrativa dos
tribunais pátrios, sua atuação abrange todo território nacional (art.1º, Regimento Interno do
CNJ71).
Hodiernamente tem-se o modelo de sistema administrativo-judiciário brasileiro a
seguir descrito:
i) a atividade administrativa e financeira dos tribunais pátrios (lato sensu) é exercida diretamente pelos seus órgãos internos, quais sejam, Presidência, Vice-Presidência e
Corregedoria Geral de Justiça;
ii) como órgão máximo de controle da atuação acima delineada surge o Conselho
Nacional de Justiça, com atuação em todo território nacional. No ponto, a assinalar que o
Conselho Nacional de Justiça não possui competência administrativa sobre a Suprema
Corte, mas, unicamente sobre os órgãos e juízos a ela inferiores, in verbis:
68 FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 31.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 135.
69 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/informativo/verInformativo.
asp?s1=conselho%20nacional%20de%20justi%E7a%20e%20independ%EAncia&numero=383&pagina=5&base=I
NFO> Acesso em: 13 out. 2008
70 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis? Tradução: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989. p.91.
71 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_conten
t&task=view&id=18&Itemid=84>. Acesso em 14 out. 2008.
64
Revista ESMAC
Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições
de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho,
cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos art. 102,
caput, inc. I, letra “r”, e § 4º, da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do
Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito.72
Portanto, o Conselho Nacional de Justiça exerce o controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura de hierarquia inferior ao Supremo Tribunal
Federal, ao passo que este exerce o controle dos atos daquele.
Na espécie, Alexandre de Moraes73 destaca que o STF tornou-se não somente a
cúpula jurisdicional do Poder Judiciário, mas também a cúpula administrativa, financeira e
disciplinar, pois todas as decisões do CNJ são passíveis de controle via ação originária na
Suprema Corte (art.102, I, “r”, CF/88).
Todavia, embora a argumentação do professor Moraes, o controle exercido pelo
Supremo Tribunal Federal sobre o Conselho Nacional de Justiça tem natureza jurisdicional,
não administrativa propriamente dita, conforme explicitado a seguir.
Em parênteses, percebe-se, a grosso modo, que o controle exercido pelo Conselho
Nacional de Justiça – CNJ em relação aos tribunais pátrios assemelha-se à fiscalização exercida pelo Congresso Nacional, com auxílio do Tribunal de Contas da União – TCU, em
relação à União. Mas há diferenças:
i) o âmbito de atuação do CNJ é mais amplo do que o do Poder Legislativo Federal,
pois enquanto o primeiro se submete ao controle de atividade administrativa dos tribunais
pátrios (à exceção da Suprema Corte), o segundo atém-se em fiscalizar tão somente a União
Federal, embora a atuação desta tenho reflexos em todo o Pais (fato que certamente influenciou a jurisdição do TCU sobre todo o território nacional – art.73, caput, CF/88);
ii) enquanto o CNJ controla a atividade administrativa e financeira do Poder Judiciário Nacional bem como a atuação funcional dos juízes, o Congresso Nacional procede
à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das
entidades da administração direta e indireta (art.70, caput, CF/88); e
iii) o CNJ é da própria estrutura do Poder Judiciário nacional, ao passo que o Congresso Nacional e a União Federal representam poderes distintos. Assim, o CNJ não consiste
em expressão de controle externo do Poder Judiciário, mas, sim de natureza interna.
Apesar disso, o que interessa é a semelhança de ideologia de controle, inspirada
pelo sistema de freios e contrapesos.
Retornando ao tema“atribuições do Conselho Nacional de Justiça”, consabido que
a Constituição Federal, com espeque na cláusula genérica de exercer o “controle da atuação
administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos
juízes”, enumerou uma série de competências específicas ao mencionado órgão (art.103-B,
§4º, CF/88).
72 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 3367/DF. Relator: Ministro Cezar Peluso. J. 13/4/05. Tribunal Pleno.
DJ 17/3/06, p.00182.
73 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.483.
65
Da análise superficial da mencionada cláusula genérica não resta dúvida que o
Conselho Nacional de Justiça representava o elo estrutural faltante para mitigar a crise de
inefetividade do Poder Judiciário por meio da separação das funções jurisdicionais das atividades administrativas. Explica-se:
Se é certo que o sistema recursal é o meio adequado para manifestar insatisfação
contra as decisões judiciais, sistema algum existia (a não ser o sistema interno de cada tribunal) capaz de levar ao conhecimento de uma instância“ad quem”os desvios perpetrados por
uma corte de justiça relativamente a sua atuação administrativa, financeira e funcional.
Certamente o princípio do acesso à justiça (ou inafastabilidade da jurisdição) poderia prejudicar a afirmação sobredita. No entanto, prudente separar controle sobre atividade
jurisdicional propriamente dita do controle da atividade administrativa, até mesmo para evitar o acúmulo de processos no Poder Judiciário.
Desta forma, a atual estrutura judicial brasileira culminou por fracionar a atividade
jurisdicional da atividade administrativa, cada uma seguindo o seu modelo de atuação e
controle próprio.
Decerto que, a atividade administrativa dos tribunais sempre foi destacada da
atividade jurisdicional, todavia, antigamente, as duas convergiam para o mesmo sistema de
controle, qual seja, o jurisdicional, o que culminava por abarrotar ainda mais as estantes de
processos nos tribunais.
Hodiernamente, qualquer desvio grave na atuação administrativa ou financeira dos
tribunais pátrios (inclusive do STJ, TST e STM, exceto do STF), bem como sobre a atuação
funcional dos juízes e serviços auxiliares, poderá ser, primeiramente, questionada no próprio
sistema interno de controle de cada corte. Caso não solucionada, poderá ser levada ao conhecimento do Conselho Nacional de Justiça por meio da utilização dos mecanismos previstos
em seu Regimento Interno, órgão censor ao qual caberá solucionar a questio, com eventual
manejo de ação ao Supremo Tribunal Federal (art.102, I, “r”, CF/88). Mas, note-se, a partir
daí importará em controle jurisdicional por via de ação pelo Supremo Tribunal Federal.
Eis, pois, uma das facetas do sistema de controle da estrutura do recente “Poder
Judiciário Administrativo propriamente dito”, formado pelas Cortes de Justiça (à exceção do
STF) e o Conselho Nacional de Justiça.
Nesse ponto, a ressalvar que na expressão “Poder Judiciário Administrativo propriamente dito”somente há lugar para as Cortes de Justiça e o Conselho Nacional de Justiça,
sendo que a atuação do Supremo Tribunal Federal tem natureza jurisdicional, conforme a
dicção do art.102, I, “r”, da CF/88, ao prever competência originária à Corte Suprema para
processar e julgar as ações propostas contra o Conselho Nacional de Justiça. Aqui, embora
tratando-se de controle sobre os atos do CNJ, não dúvida que encerra controle jurisdicional.
Concernente à atuação das Corregedorias Gerais de Justiça no âmbito dos tribunais
de justiça estaduais, em termos gerais, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional confere três
atribuições de suma importância, quais sejam:
i) exercer o controle sobre os feitos em andamento na jurisdição do respectivo tribunal, especialmente sobre os prazos para despacho ou decisão, bem como sobre o número
de sentenças proferidas no mês (art.39, LC n.º 35/79); e
ii) realização de correições gerais ordinárias e extraordinárias nas comarcas
(art.105, LC n.º 35/79);
66
Revista ESMAC
iii) supervisão e controle sobre a atuação funcional dos magistrados vinculados ao
tribunal respectivo.
Portanto, a Corregedoria Geral de Justiça é o órgão da estrutura de cada tribunal de
justiça estadual responsável pelo controle de qualidade da atividade jurisdicional, especificamente sobre o fator tempo, eficiência e atuação funcional.
Incumbe às Corregedorias Gerais de Justiça zelar pela efetiva aplicação do princípio
da razoável duração do processo na jurisdição de sua respectiva corte, por meio da fiscalização da atuação funcional dos juízes que incide sobre a condução dos processos, aferindo
o tempo que leva para proferir um despacho, decisão ou sentença e coligindo os dados da
produtividade de cada mês.
Uma vez coletados esses dados, servirão de parâmetro para a definição de critérios
uniformes (ou não74) a serem seguidos pelas comarcas ou circunscrições com a finalidade de
incrementar progressivamente a produtividade e diminuir o tempo da atuação jurisdicional.
Nada mais do que a implementação de um plano estratégico com a definição de diretrizes e metas a serem alcançados com o exercício da jurisdictio, sempre visando à redução
dos custos e do tempo da entrega do “serviço”, na feliz expressão de Cappelletti75.
Por decorrência de suas atribuições constitucionais, o Conselho Nacional de Justiça
tem o dever de:
i) elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e outros indicadores pertinentes à atividade jurisdicional (art.19, inciso XI, do Regimento Interno do CNJ);
ii) elaborar relatório anual que deve integrar mensagem do Presidente do Supremo
Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão
legislativa, versando sobre avaliação de desempenho de Juízos e Tribunais, com publicação
de dados estatísticos sobre cada um dos ramos do sistema de Justiça nas regiões, nos Estados
e no Distrito Federal, em todos os graus de jurisdição, discriminando dados quantitativos
sobre execução orçamentária, movimentação processual, recursos humanos e tecnológicos
jurisdicional (art.19, inciso XII, alínea “a”, do Regimento Interno do CNJ);
III) definir e fixar, com a participação dos órgãos do Poder Judiciário, podendo ser
ouvidas as associações nacionais de classe das carreiras jurídicas e de servidores, o planejamento estratégico, os planos de metas e os programas de avaliação institucional do Poder
Judiciário, visando o aumento da eficiência, da racionalização e da produtividade do sistema,
bem como ao maior acesso à Justiça art.19, inciso XIII, do Regimento Interno do CNJ);
Resulta, pois, que o sistema judiciário introduzido pela EC n.º 45/2004 criou um
verdadeiro ente central administrativo que exerce amplo controle sobre as atividades administrativas, financeiras e funcionais do Poder Judiciário.
Certo é que a atribuição de elaborar relatórios estatísticos sobre processos, avaliação de desempenho de juízos e tribunais, definição e fixação de plano estratégico, plano de
metas e programas de avaliação institucional do Poder Judiciário, bem como a possibilidade
de expedir atos regulamentes, todas conferidas ao Conselho Nacional de Justiça, a todas as
luzes evidencia um novo parâmetro de Administração Judicial brasileira, focada, principalmente, no princípio da razoável duração do processo, na eficiência e no acesso à justiça.
74 A depender das vicissitudes de cada comarca. Por exemplo: distância da capital que ocasiona a demora no cumprimento de uma carta precatória; lugares inóspitos; carência de servidores e estrutura à consecução das atividades
jurisdicionais, entre outras.
75 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis? Tradução: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989. p.91.
67
É a outra faceta do “Poder Judiciário Administrativo propriamente dito”, que tem o
Conselho Nacional de Justiça como ente central, embora seus atos e decisões estejam sujeitos ao controle jurisdicional do Supremo Tribunal, conforme mencionado alhures.
Apesar da posição do Conselho Nacional de Justiça como ente central no
sistema de Administração Judicial brasileira, salvo melhor juízo, não ocorreu esvaziamento da independência das Cortes de Justiça relativamente à condução administrativa e financeira, tampouco sobre o controle do exercício funcional de seus
membros.
O próprio texto constitucional é claro ao disciplinar que o CNJ pode receber e conhecer de reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, sem
prejuízo da competência concorrente dos tribunais (art. 103-B, §4º, III, CF/88 c/c
art. 19, III, Regimento Interno do CNJ).
Em outro aspecto, compete aos próprios tribunais locais definir seus objetivos e metas relativamente à condução administrativa e correspondente alocação
de recursos financeiros para atingir suas finalidades institucionais, haja vista que
somente eles possuem noção exata das necessidades e deficiências do sistema judiciário de sua respectiva jurisdição.
Sendo assim, deveras temeroso sustentar que a atribuição do CNJ de fixar
plano estratégico e de metas teria tolhido a independência dos tribunais pátrios na
definição do modo e âmbito de atuação.
Na realidade, o Conselho Nacional de Justiça tem por competência definir
metas e objetivos a serem alcançados a longo prazo por todo o judiciário nacional.
Assim, o planejamento estratégico a cargo do CNJ consiste em um instrumento de controle administrativo do Poder Judiciário Nacional.
Mas tal não esvazia a competência, tampouco restringe a independência
do Poder Judiciário local, pois consoante o balizamento definidos pelo CNJ caberá
a cada tribunal traçar as metas e prioridades a serem alcançadas de acordo com as
necessidades os anseios da sociedade local.
Em caso de desvio dos contornos definidos pela Corte de Justiça, surge a
competência do Conselho Nacional de Justiça, que poderá expedir atos regulamentares ou recomendar providenciais (art.103-B, §4º, I, CF/88), bem como desconstituir atos administrativos, revê-los ou fixar prazo para que se adotem providencias
necessárias ao exato cumprimento da lei (art.103-B, §4º, II, CF/88).
Demais disso, do texto constitucional decorre que o Conselho Nacional
de Justiça tem o dever de zelar pela observância do art.37 da Constituição Federal
(art.103, §4º, II). Já o art.37, caput, da Carta Magna estabelece postulados fundamentais que inspiram o modo de agir da administração pública, quais sejam, os
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Portanto, o Conselho Nacional de Justiça, dentre outras atribuições, tem
por escopo zelar pela obediência ao princípio da eficiência, que possui inequívoca
relação com o princípio da razoável duração do processo.
68
Revista ESMAC
Isso porque o princípio da eficiência na administração pública visa a boa
qualidade do serviço de modo mais simples, rápido e econômico.
A respeito da relação do princípio da eficiência com a razoável duração do
processo, Carvalho Filho leciona:
A Emenda Constitucional n.º 45, de 8.12.2004 (denominada de “Reforma do Judiciário”,
acrescentou o inciso LXXVIII ao art.5º da Constituição, estabelecendo: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios
que garantam a celeridade de sua tramitação”. O novo mandamento cuja feição é de direito
fundamental, tem por conteúdo o principio da eficiência no que se refere ao acesso à justiça
e estampa inegável reação contra a insatisfação da sociedade pela excessiva demora dos processos, praticamente tornando inócuo o princípio do acesso à justiça para enfrentar lesões ou
ameaças a direito (art.5, XXXV, CF).76
Assim, em caso de insurgência dos juízes de instância singela ao princípio da
eficiência − expressa na demora excessiva para a resolução e conseqüente pacificação dos
conflitos sociais − caberá às Corregedorias Gerais de Justiça adotar providências que espelhem compromisso com a rapidez e economicidade da prestação do “serviço”, competindo
em última instância administrativa ao Conselho Nacional de Justiça o controle dessa atividade.
Inequívoca natureza de res publica da a Justiça brasileira. Daí porque caminha em
sentido favorável o legislador constitucional quando aplica à administração da justiça os
mesmos princípios da administração pública.
Portanto, inserida a administração da justiça no âmbito da administração pública,
exalta-se a importância da elaboração de planos estratégicos de iniciativa de cada Corregedoria Geral de Justiça, direcionando sua atuação para o atingimento de objetivos e metas que
pacifiquem os reclamos dos jurisdicionados e da sociedade.
Ressai, portanto, que a adoção de planos estratégicos privilegia o princípio da
eficiência, à medida em que racionaliza e empresta maior qualidade à prestação do serviço.
Não somente as Corregedorias Gerais de Justiça e o Conselho Nacional de Justiça
têm a atribuição de elaborar e executar planos estratégicos, mas, de igual modo os juízos de
ins-tância singela devem implementar um plano de ação, ainda que singelo, pois certamente
refletirá em maior eficiência na prestação do serviço jurisdicional. Acerca disso, apropriada
a doutrina de Samuel Miranda:
No mais das vezes o julgador, enquanto pessoa física, nem mesmo tem um tão efetivo e
decisivo poder de influência na duração dos procedimentos a seu cargo [...] embora seja
desejável que os magistrados absorvam a necessidade de proferir em tempo razoável as
decisões que lhescompetem,demaneiraqueadotemesquemas de trabalho compatíveis com
esse desiderato.77
76 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 19.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008. p. 25.
77 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília
Jurídica, 2006. p.265.
69
Por essas razões, o plano estratégico representa instrumento fundamental para o
planejamento das atividades do Poder Judiciário, pois nele serão alocados objetivos a serem
alcançados em determinado período de tempo, tendo em vista que o direito à razoável duração dos feitos pressupõe uma eficiente administração judicial78.
Por fim, o planejamento estratégico, instrumento indispensável ao atingimento da
razoável duração do processo e ao controle dos planos e ações do Poder Judiciário Nacional,
deve ser elaborado e executado por todas as esferas da administração judicial brasileira.
2.4 Medidas de quantificação da Corregedoria Geral da Justiça do Acre quanto ao
tempo da razoável duração do processo.
Mecanismo interessante para o controle e efetivação da razoável duração do processo é a promoção por merecimento de magistrados. Embora a previsão em ordenamento
jurídico, especialmente na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Magistratura, através
dos tempos, deveras tormentosa a formulação de critérios objetivos para a promoção por
merecimento de magistrados bem como o acesso ao Tribunal de Justiça.
Preconiza a Constituição Federal em seu art. 92, II, letra ‘c’ que a promoção de
magistrado por merecimento atém-se à “... aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela
freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento;”.
Também a Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN – Lei Complementar
Federal n. 35, de 14.03.1979, encerra disposição a respeito em seu art. 90, inciso II, segundo
o qual: “... para efeito da composição da lista tríplice, o merecimento será apurado na entrância e aferido com prevalência de critérios de ordem objetiva, na forma do Regulamento
baixado pelo Tribunal de Justiça, tendo-se em conta a conduta do Juiz, sua operosidade no
exercício do cargo, número de vezes que tenha figurado na lista, tanto para entrância a prover, como para as anteriores, bem como o aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento;”.
Por sua vez, a Lei Complementar Estadual n.º 47/95 (Código de Organização e
Divisão Judiciárias do Estado do Acre), disciplina a matéria em seu art. 110, “c”, da seguinte
forma: “A promoção do Juiz de Direito faz-se de Entrância a Entrância, alternadamente
por antigüidade e por merecimento, observada a ordem de vacância da Vara, atendidas as
seguintes normas: (...) c) a indicação para promoção por merecimento será organizada pelo
Tribunal em lista tríplice, quando praticável, considerados os critérios da presteza e de segurança no exercício da jurisdição, a freqüência e o aproveitamento em cursos, oficiais ou
reconhecidos, de aperfeiçoamento”.
De sua parte, o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado Acre, contemplou o modus operandi da promoção de magistrado por merecimento (arts. 270 a 273).
Com a criação do Conselho Nacional de Justiça pela Emenda Constitucional n.
45/2004, adveio a Resolução n. 15, de 20.04.2006, do CNJ, dispondo sobre a regulamentação do Sistema de Estatística do Poder Judiciário (que fixa prazos e dá outras providências),
tratando no “Capítulo III” dos Indicadores Estatísticos Básicos (arts. 15 a 23). Em conseqüência, o Conselho Nacional de Justiça, determinou aos Tribunais a disciplina dos critérios
de promoção por merecimento, conforme Resolução CNJ n.º 6, de 13.09.2005.
78 Ibidem, p.125.
70
Revista ESMAC
Assim, por iniciativa da Corregedoria Geral da Justiça, em 06.06.2006, a Comissão
de Organização Judiciária, Regimento, Assuntos Administrativos e Legislativos deste Tribunal de Justiça acolheu proposta de Resolução – posteriormente submetida ao Pleno Administrativo – resultou aprovada a Resolução nº 125/07, em 16.05.2007, conferindo nova redação
aos “arts. 270, 271, 272, 273, 274, 275, 276, 277, 278, 279, 280 e 304, bem como revogou o
art. 303 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça.”
Estabelece a predita Resolução TJ/AC nº 125/2007, em seu art. 276-B, item V, que
a produtividade do magistrado candidato à promoção será aferida mediante os seguintes
critérios estatísticos que indiquem:“.... o posicionamento frente às metas definidas pela Corregedoria”. E, ainda, no art. 276-E, atribui à Corregedoria Geral da Justiça a regulamentação
do art. 276 -B, inciso V, mediante Provimento ad referendum do Pleno.
Assim, para elucidar uma situação concreta editou-se Provimento utilizando medidas estatísticas, admitindo fundadas dúvidas relativas à quantificação do tempo do processo,
tendo em vista a variação encontrada nos dados estatísticos das diversas unidades judiciárias
do Estado, asserindo, todavia, que para tal quantificação deverá ser adotada a mediana, atendo-se ao padrão e à dispersão.
Em conseqüência, o Provimento nº 12/2007 da Corregedoria Geral da Justiça define as metas para promoção por merecimento de magistrados, consistindo na baliza para
avaliação de desempenho funcional e conseqüente tempo do processo, consoante apêndice
colacionado.
71
3. O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E A VISÃO CONTEMPORÂNEA DA NOVA
GESTÃO PÚBLICA.
3.1 Conceito de planejamento estratégico
No Brasil contemporâneo, é significativo o número de órgãos que aproveitam algum modismo ou oportunismo de mercado existente para justificar a implantação de tendências de gestão administrativa. Todavia, para o êxito de empreendimento dessa natureza, necessário aplicar uma das ferramentas mais importantes em qualquer organização que almeja
o sucesso dos propósitos perseguidos e metas, ou seja, o planejamento.
Essa ferramenta, no mundo organizacional moderno, constitui a principal estratégia de trabalho para uma organização pública ou privada que deseja crescer, utilizando-se de
métodos e meios conforme sua disponibilidade. Em outras palavras, crescer e expandir ações
com poucos recursos e condições de pequena repercussão.
Daí porque a busca incessante por dividendos e pela eficiência na prestação de serviços ou fornecimento de produtos a custos operacionais reduzidos, surgem elidindo fatores
importantes, a exemplo do planejamento estratégico e da gestão avançada.
Neste passo, se o órgão busca dividendos, sobrevivência, retorno sobre investimento, metas de crescimento ou participação de mercado, tal deve estar bem definido em
qualquer que seja o nicho negocial.
Assim, o planejamento estratégico é o processo que efetivamente mobiliza as pessoas e o órgão/empresa para construir e escolher o tipo do futuro que deseja e que não pode
ser ignorado tão facilmente como ocorre hoje.
Com efeito, a visão do negócio ocorrerá quando estratégias não-convencionais,
desconhecidas e contra-intuitivas forem consideradas, exigindo que sejam levados em consideração quatro componentes fundamentais de uma boa estratégia: clientes, fornecedores,
concorrentes e a empresa.
Uma estratégia pró-ativa freqüentemente começa com objetivos de negócio e com
requisitos de serviço aos clientes. Cada elo da companhia deve ser planejado e balanceado
com todos os outros, num processo integrado de planejamento. O projeto do sistema de
gestão e controle deverá completar o ciclo de planejamento da empresa.
Existem vários níveis de planejamentos. Porém, impende responder os seguintes questionamentos: O quê? Quando? Como? E onde? Seja no aspecto estratégico, tático ou operacional.
O verdadeiro planejamento estratégico é considerado como sendo aquele de longo
alcance, no qual o horizonte de tempo é maior do que um ano, constituindo lugar comum nas
empresas brasileiras a existência de planejamentos da ordem de cinco anos, em conseqüência, nesta modalidade planejamento temporal longo, o planejamento estratégico opera com
dados continuamente incompletos e imprecisos.
Por sua vez, o planejamento tático envolve um horizonte de tempo intermediário
– geralmente um ano ou menos.
Já o planejamento operacional representa na tomada de decisão de curto prazo,
normalmente feita em horas, dias ou semanas. Neste último tipo, usual a existência de dados
72
Revista ESMAC
acurados e precisos, e seus métodos devem ser capazes de manipular um grande volume de
dados.
Nessa perspectiva científica reside a pretensão de solucionar a indagação posta como objeto
de trabalho no módulo de MBA em Poder Judiciário, qual seja: É possível implementar o
Planejamento Estratégico na Corregedoria da Justiça do Estado do Acre?
3.2 Considerações preliminares: estratégia de planejamento
Estratégia é um termo transportado das aplicações bélicas para a administração, em
sua acepção original adstrita à arte de planejar e executar movimentos e operações visando
alcançar ou manter posições relativas. A partir dessa idéia, inicialmente, necessário fixar os
objetivos para, a partir destes, definir os meios para obtê-los (VALERIANO, 2001, p.5455).
Todavia, a definição de estratégia no campo da administração, também admite outras perspectivas.
Além de planejamento, relacionado à idéia de futuro, do que a organização pretende ser, o conceito de estratégia também traz em si a idéia de padrão, isto é, a consistência
em um comportamento ao longo do tempo, caracterizando a preocupação organizacional
com a sua imagem presente a sociedade.
Ademais, estratégia pode ser entendida como uma posição, ou seja, a colocação
da empresa perante novos mercados, dado o interesse em competir nesse novo campo ou,
ainda, como uma perspectiva, traduzida na maneira fundamental de uma organização fazer
as coisas. Por fim, definida a estratégia como um truque, ou seja, uma manobra específica
da organização para enganar um concorrente no mundo globalizado (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.19-21)79.
Apesar dessas várias definições, a estratégia não se confunde com a tática, outro
termo trazido para a administração a partir de idéias militares, de vez que a tática diz respeito
às ações no plano mais imediato, dispondo os meios e conduzindo os processos para alcançar os objetivos do plano estratégico. Já as decisões estratégicas diferem daquelas tomadas
no aspecto tático por serem abrangentes e de alta importância, delas decorrendo todas as
ações a serem realizadas, além da aplicação de recursos durante longo tempo e por serem de
difícil alteração ou reversão (VALERIANO, 2001, p. 55)80
Mesmo não sendo tarefa fácil a definição da estratégia, existem algumas áreas
gerais de concordância no que diz respeito à natureza:
- a estratégia está ligada tanto à organização quanto ao ambiente;
- a essência da estratégia é complexa;
- a estratégia envolve questões de conteúdo e de processo; e
- a estratégia envolve vários processos de pensamento, sendo distinta em diferentes níveis corporativos (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.19-21)81.
Embora distinta a estratégia nos diversos níveis da organização, necessário a com79 MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégias. Porto Alegre: Bookman, 2000.
80 VALERIANO, D.L. Gerenciamento Estratégico e Administração por Projetos. São Paulo: Makron Books, 2001.
81 MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégias. Porto Alegre: Bookman, 2000
73
preensão de gerenciamento ou planejamento estratégico. É esse planejamento que formula,
implementa e avalia linhas de ação multidepartamentais, levando a organização a atingir
seus objetivos de longo prazo. A não ser que as orientações, mudanças e decisões sejam
realizadas de forma descoordenada, é possível afirmar que muitas organizações possuam um
gerenciamento estratégico, ainda que de natureza informal (VALERIANO, 2001, p. 65)82.
Assim, importa evidenciar “que a estratégia é mais do que uma só decisão, mas
o padrão global de decisões e ações que posicionam a organização em seu ambiente e tem
o objetivo de fazê-la atingir seus objetivos a longo prazo” (SLACK; CHAMBERS; JOHNSTON, 2002, p.87)83. Esse conceito traz em si as idéias de padrão, planejamento, posição e
perspectiva estratégica.
Reconhecendo que o Judiciário não é um poder uniforme e que não apresenta as
mesmas características em todo o território nacional, existindo vários poderes em um só
– federal, estadual, trabalhista, eleitoral, juizados especiais, primeira e segunda instâncias,
tribunais superiores – (RENAULT, 2004, p.96)84 todavia, necessário a criação de uma estratégia para a Administração Judiciária, mediante produção de um Planejamento Estratégico
visando alcançar os objetivos propostos na conformidade dos anseios da sociedade.
A Administração Judiciária deve ser observada mediante seus aspectos macro e
micro, complementados e coordenados entre si.
Ademais, tocante à natureza macro, a administração dos tribunais apresenta dificuldades organizacionais, a exemplo da burocratização e da independência dos seus órgãos judiciais, representando dificuldade para o traçado de seu modus administrativo.
Por sua vez, no aspecto micro, a questão reside na complexidade das organizações
judiciais, em geral com magistrados exercendo a dupla função de entrega da tutela jurisdicional e administração da organização concernente ao funcionamento estrutural (LEÃO,
2004, p.28)85.
Portanto, impõe-se o traçado do rumo a ser seguido pela Administração Judiciária
brasileira de forma coordenada para que seja alterada a visão de que existem vários judiciários no Brasil. Para tanto, há que se realizar trabalho pautado na mudança de cultura
na administração, na quebra de paradigmas, exigindo o aprimoramento da área de gestão,
vinculada a uma política global do Judiciário (LEÃO, 2004, p.36)86. Tal política global pode
ser traduzida na estratégia do Judiciário, no planejamento e gerenciamento da forma de administrar a prestação jurisdicional.
Segundo o Mestre Paulo Motta (1996, p.86)87 “o Planejamento Estratégico significa a conquista da visão de grande escopo e longo prazo na determinação dos propósitos
e caminhos organizacionais”. Com efeito, tal conquista tem seu marco nas mudanças conceituais que resultam em novos modelos de comportamento administrativo, além de novas
técnicas e práticas de planejamento, controle e avaliação.
Vários são os modelos de planejamento estratégico, entretanto, a maior parte pode
82 VALERIANO, D.L. Gerenciamento Estratégico e Administração por Projetos. São Paulo: Makron Books, 2001
83 SLACK, N.; CHAMBERS, S.; JOHNSTON, R Administração da Produção. Trad. Maria Teresa Corrêa de Oliveira. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002.
84 RENAULT, S.RT. O Poder Judiciário e os Rumos da Reforma. Revista do Advogado, São Paulo, n. 75, p. 96-103,
abr. 2004
85 LEÃO, E. A Realidade Vigente na Administração de Tribunais. In: LEÃO, E. (Org.) Qualidade na Justiça. São
Paulo: INQJ, 2004.
86 Ibidem, p.36.
87 MOTTA, P.RM. Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro: Record, 1996
74
Revista ESMAC
ser concedida nas idéias concernentes ao modelo SWOT e a fixação de objetivos (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.45)88.
Segundo o modelo SWOT (meio bastante difundido para realização do diagnóstico estratégico da empresa) busca-se definir as relações existentes entre os pontos fortes
(strenghts) e fracos (weaknesses) da empresa com as tendências mais importantes do ambienteorganizacional,tantointerno,quantoexterno,delimitandoasoportunidades(opportunities) e ameaças (threats) para a empresa. Neste caso: ‘’A idéia é que o empresário descubra
como, por exemplo, usar suas forças para minimizar as suas fraquezas, aumentar as suas
oportunidades e diminuir as ameaças que estão ao seu redor” (CLEMENTE, 2004)89.
Nesta direção, o Planejamento Estratégico parte da premissa de que o ambiente no
qual inserida a organização está em constante mutação e turbulência, exigindo um processo
contínuo de formulação e avaliação de objetivos, calcado no fluxo de informações entre
ambiente e organização (MOTTA, 1996, p.85)90.
Tratando-se da Administração Judiciária, o planejamento estratégico deve ater-se à
discussão de qual rumo deve o Poder Judiciário – de forma coordenada e controlada – adotar
para atingir a demanda da sociedade de vez que o foco do Judiciário não reside na concorrência ou no mercado ante sua atribuição exclusiva por força legal, mas, corresponder às
expectativas dos cidadãos tocante à prestação jurisdicional.
Decorre, portanto, que além da idéia de planejamento, gerenciamento e controle
estratégico, diversas outras escolas trabalham a questão da estratégia empresarial sobre os
mais variados aspectos. Tanto que Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000, p.14)91 apresentam
dez escolas estratégicas, agrupadas em três grupos: no primeiro, as escolas de natureza prescritiva; no segundo, as escolas de natureza descritiva e, por fim, um grupo que possui uma
única escola: a configuração da estratégia.
De sua parte, as escolas prescritivas centram a preocupação em como as estratégias
devem ser formuladas, e não com o que elas realmente são.
Por sua vez, as escolas descritivas por sua vez, pretendem demonstrar como as
estratégias são formuladas e não se ocupam da prescrição do comportamento estratégico.
Já a escola de configuração combina as demais, agrupando vários elementos.
Importa salientar que tais escolas surgem em diferentes estágios do desenvolvimento da administração estratégica sendo imprescindível que a organização avalie qual o
seu estágio e a escola que mais se adapta à sua necessidade (MINTZBERG, AHLSTRAND
e LAMPEL, 2000, p.15)92.
Trata-se, pois, de abordagem às modernas idéias de gerenciamento estratégico,
diversas escolas e novos modelos de organização.
Ocorre que todos esses elementos devem ser analisados em cada cenário para que
se extraia a melhor solução a ser adotada. Necessário o entendimento dos administradores de
que qualquer situação pode ter múltiplas interpretações. Um simples aspecto da cultura organizacional pode abranger muitas dimensões: traduzir uma forma mecanicista de organiza88 MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégias. Porto Alegre: Bookman, 2000
89 CLEMENTE, A. Sem planejamento estratégico, não há investidor que se arrisque a colocar dinheiro em sua
empresa. UniversiaBrasil, São Paulo, out. 2002. Disponível em: <http://www.universiabrasil.net>. Acesso em:
15/11/2004.
90 MOTTA, P.RM. Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro: Record, 1996.
91 MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégias. Porto Alegre: Bookman, 2000.
92 MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégias. Porto Alegre: Bookman, 2000
75
ção, refletir a cultura empresarial, explicitar quem exerce o poder no departamento. E todos
esses aspectos estão presentes simultaneamente. Pense em“estrutura”da organização e terás
estrutura, pense em“cultura”empresarial e apareceram todas as dimensões culturais, pense
em “política’ organizacional e surgirão os aspectos políticos de cada instituição (MORGAN,
2002, p.25)93.
O Poder Judiciário apresenta uma estrutura piramidal e uma forma burocrática de
administração.
Neste aspecto, o modo de atuação do Judiciário, de forma estratificada, mediante
conhecimento cada vez mais especializado e individualizado, não permite a integração da
problemática em termos do todo, mas em fragmentos de gestão. Assim, ante a função burocratizada da Administração Judiciária, tanto no que concerne à atividade meio quanto a
atividade fim, reina uma situação de conformismo e estagnação intelectual que dificulta a
transformação de qualquer modelo (LEÃO, 2004, p.19)94.
Ressai, portanto, que na realidade descrita no parágrafo anterior, a mudança no
modelo de gestão é um processo que tende a ter resistências naturais e deve ser implementado com acuidade, de forma planejada e controlada, por meio de indicadores que apontem
o sucesso ou não das atitudes adotadas.
Por isso, mais do que o simples planejamento, necessário à gerência estratégica,
ou seja, estabelecer metas e objetivos ajustados às demandas da organização está inserida,
reforçando a idéia de processo contínuo, inovação e adaptação.
É preciso a clareza de que o planejamento racional, centralizado, restrito ao topo
da organização não se confunde com o planejamento estratégico. Este último busca incorporar a visão estratégica aos diversos níveis gerenciais, instituindo o processo contínuo e
sistemático de tomada de decisão de acordo com alternativas de futuro, criadas a partir de
cenários em função das mudanças no ambiente organizacional (MOTTA, 1996, p.88-90)95.
Dessa forma, não basta que um ou outro órgão jurisdicional pretenda atuar na
conformidade dos anseios e expectativas da sociedade, mas torna-se imperativo a atividade
do Judiciário a partir das idéias, pautadas nos novos princípios da administração pública
gerencial.
Desavisadamente, é possível imaginar que o produto do planejamento estratégico
reside em um plano ou conjunto de planilhas e tabelas.
Além disso, o produto do planejamento estratégico consiste no resultado compatível à missão
e aos objetivos organizacionais. A proposta desse tipo de iniciativa é estabelecer um sentido
e direção para organização, e não aumentar é burocracia (MOTTA, 1996, p.92)96.
Impende,sobretudo, para o sucesso da elaboraçãodeumplanejamentoestratégico,
o rompimento das barreiras das vaidades humanas.
Frise-se, o sistema Judiciário não pode ser visto como um emaranhado de órgãos
desvinculados entre si, cada qual realizando a prestação jurisdicional a seu modo. Claro que
medidas isoladas, quando não se tem uma unidade possível, podem surtir algum efeito. Mas
são insignificantes para o todo da população que prescinde dos serviços daquele Poder.
Daí porque o desenvolvimento do planejamento estratégico no âmbito do Judi93 MORGAN, G. Imagens da Organização. trad. Geni Goldschmidt. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002.
94 LEÃO, E. A Realidade Vigente na Administração de Tribunais. In: LEÃO, E. (Org.) Qualidade na Justiça. São
Paulo: INQJ, 2004
95 MOTTA, P.RM. Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro: Record, 1996.
96 Ibidem, p.92
76
Revista ESMAC
ciário deverá ocorrer a partir do consenso daqueles que detêm o poder para decidir sobre
os rumos da organização. Mais do que isso, é necessário sedimentar a preocupação dos
envolvidos com a questão administrativa do Poder Judiciário (de natureza técnica e política),
exigindo o envolvimento de pessoas que conheçam as nuances do Poder Judiciário.
3.3 Planejamento Estratégico
A implementação de um planejamento estratégico no âmbito do Poder Judiciário
Acreano ou mais especificamente da Corregedoria Geral da Justiça, reside, em primeiro
lugar na definição de premissas como Missão, Estratégias e Políticas, mediante as premissas a seguir delineadas:
Inicialmente, uma política de Planejamento Estratégico seria instituída partindo da
premissa de humanização da Justiça por meio de uma administração compartilhada visando
o crescimento e o desenvolvimento envolvendo investimentos financeiros, transformações
físicas e modificações nas estruturas administrativas.
Assim, expectativas poderiam ser criadas pelo planejamento estratégico quais sejam: antecipação dos acontecimentos; preocupação com o futuro da organização; tomada de
decisões de forma organizada; preocupação com a eficácia; correta utilização dos recursos
internos: preocupação com a cultura organizacional; e consolidação de um processo interno
de mudanças consubstanciado no aprendizado institucional.
Para implementação do planejamento de todo fundamental o comportamento e a
participação dos dirigentes, dispostos a colaborar e incentivar o processo introdutório do
sistema.
Neste tocante, o objeto deste ensaio, poderia ser subdividido em etapas de 10 a 12
por exemplo, incluindo a mobilização da cúpula, a sensibilização e o envolvimento de todos
os servidores, além de ter como antecedente a elaboração de um diagnóstico institucional e
pelas definições estratégicas, culminando com os planos operacionais e o acompanhamento
de projetos.
3.4 Etapas vitais para implementação do projeto
A primeira das etapas consistiria na sensibilização, tendo por objetivo fornecer
dados aos magistrados e servidores do Poder Judiciário sobre o que é e como pode ser implementado um processo de planejamento estratégico, bem como a forma como uma instituição
trabalha com essa ferramenta, apresentando casos concretos.
Neste sentido, promover-se-ia um encontro dos integrantes da Secretaria doTribunal de Justiça e de regionais (unidades judiciais do interior do Estado), que poderiam ser denominadas de ouvidorias, nas comarcas do Vale do Acre e Vale do Juruá. Contando todos os
eventos com a participação de membros do Conselho de Administração do Poder Judiciário
acreano.
De igual modo, os eventos teriam a participação dos juízes e servidores, compreen77
dendo os escrivães, diretores de foro, assistentes sociais, técnicos de suporte operacional,
bem como representantes da Associação dos Magistrados Acreanos, do Ministério Público,
da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Acre e do Sindicato dos Servidores do Poder
Judiciário do Estado do Acre.
Tais encontros poderiam ser marcados por palestras de sensibilização e ouvidorias
com as categorias presentes.
A segunda etapa do projeto consistiria na elaboração de um diagnóstico de modo
a possibilitar a análise do ambiente interno da organização e forneceria uma visão do ambiente, quais são e onde estão localizadas as forças e fraquezas da organização bem como as
causas dessa situação.
A importância do diagnóstico destina-se a fixar a posição estratégica, vez que permite a identificação de medidas internas que possibilitam o ajuste às tendências esperadas
para o ambiente externo.
A metodologia utilizada poderia ser calcada na aplicação de questionários, envolvendo questões objetivas e subjetivas, com espaço para manifestações de opiniões, idéias e
sugestões.
Na seqüência, para a convalidação do diagnóstico seria implementada a validação
das sugestões e propostas coletadas das informações solicitadas e pesquisadas (questionários, caixas de sugestões, correio eletrônico, propostas de gestão da Presidência, e dos desembargadores).
Ultrapassada esta fase, adviria a sistematização das informações, ou seja, elaboração de um relatório contendo diagnóstico da situação do Poder Judiciário de primeiro grau,
com entrega de cópias dos documentos a cada um dos integrantes visando a construção
coletiva do planejamento estratégico.
Dessa forma, o conhecimento das sugestões e idéias apresentadas pelo público
interno e externo da instituição servirão para serem implementadas e englobadas no planejamento estratégico da Corregedoria Geral da Justiça.
Ultimadas as fases precedentes ocorreria a reunião de planejamento estratégico
propriamente dita, que deverá envolver o Juízes de Direito e servidores da Corregedoria
Geral de Justiça para a definição dos objetivos, metas, indicadores e recursos objetivando a
implementação das estratégias operacionais, com a conseqüente definição das ações para a
consecução dos projetos de gestão.
Sobreleva, também, o alinhamento e o controle das etapas definidas, ou seja, o
acompanhamento,avaliação,replanejamentoourealinhamentodaexecuçãodoplanejamento.
Impende também destacar a relevância do planejamento tático-operacional, no
qual o corpo diretivo apresentaria planos de ação para suas respectivas áreas, classificados
em programas caracterizados por grandes linhas de ação voltadas a objetivos comuns.
Ademais, os programas que integrariam a macro atividade da Corregedoria Geral
da Justiça deverão estar alinhados tanto quanto possível aos programas e projetos do Tribunal de Justiça, assim distribuídos: adequação da estrutura organizacional e quadro de pessoal; ampliação dos serviços de informações ao público; atualização de normas internas e
inovação de sistemas jurídicos; capacitação de magistrados e servidores; construção e reformas das edificações; implantação da qualidade no Judiciário; melhorias na infra-estrutura
do Poder Judiciário; instalação e manutenção dos Centros Integrados de Cidadania; me78
Revista ESMAC
lhorias nos controles internos; melhorias na infra-estrutura de informática e comunicação;
modernização de sistemas de publicações do Poder Judiciário; otimização dos procedimentos administrativos; preservação e divulgação do patrimônio histórico e cultural do Poder
Judiciário Acreano; racionalização dos arquivos deste Poder; reestruturação das bibliotecas
do Poder Judiciário; preservação da saúde de magistrados e servidores; e valorização dos
talentos humanos.
Para viabilizar os mencionados programas, diversos projetos poderiam ser planejados e posteriormente executados.
No caso de grande quantidade de projetos a serem implementados um método de
trabalho seria escolhido para impor dinamismo e organização ao detalhamento e monitoramento das operações e ações desses projetos. Assim, mediante consulta a especialistas no
assunto, optar-se-ia por método especifico e existente/consolidado em outras unidades da
federação.
Resta, definir, agora, a ferramenta para monitoramento. Neste ponto para melhor
gerenciar os projetos, sistema específico com tal finalidade seria desenvolvido pela Diretoria
de Planejamento do Tribunal de Justiça, possibilitando o cadastro dos programas, projetos,
operações e ações, além da montagem do orçamento do Tribunal que, a partir da implementação, passaria a ser compilado no conceito de orçamento-programa.
Outro aspecto a merecer destaque atém-se à inserção automática das informações
no Sistema de Controle disponibilizadas na intranet – rede privada de comunicação do Poder
Judiciário do Acre –, consistindo em um registro histórico dos projetos, com informações
armazenadas no banco de dados do Tribunal, de tal sorte que o Sistema documentaria inúmeras informações consideradas como de conhecimento tácito, ou seja, experiências vivenciadas no curso da implantação dos projetos que serviriam como referenciais futuros.
Por derradeiro, vital a formulação de proposta da Corregedoria Geral da Justiça
para o orçamento anual e plurianual, bem como sua forma de execução, antecedendo ao
cadastramento dos projetos no Sistema, com a indicação dos graus de prioridade, fixados em
reuniões com a alta administração.
Atendo-se a essa cronologia, o orçamento seria elaborado no âmbito do Sistema,
com campos específicos para vinculação aos programas, projetos e atividades previstos em
leis orçamentárias anuais e plurianuais, viabilizando o conceito de orçamento-programa, que
permite o gerenciamento financeiro calcado em projetos.
3.5 Breve arremate
O planejamento estratégico diz respeito a atividades que levam ao conceito da
missão da organização, em estabelecer objetivos e o desenvolvimento de estratégias que
possibilitem o sucesso no ambiente respectivo.
A missão organizacional identifica a função que a organização pretende desempenhar na sociedade. Em geral, a missão identifica os produtos, serviços, mercados e clientes
da organização, daí porque, uma missão definida com clareza permite estabelecer objetivos
gerais.
Os objetivos consistem em parte importante do planejamento estratégico, que se
79
tornam o ponto nodal do direcionamento das estratégias. Necessitam as empresas de objetivos nas áreas-chave de mercado, produtividade, recursos físicos e financeiros, lucratividade,
inovação, desempenho e desenvolvimento de administradores, desempenho e atitudes dos
trabalhadores, responsabilidade pública e social.
Pressupondo que se o objetivo principal das empresas resida na lucratividade a
todo custo − especialmente a curto prazo − a conseqüência será o enfrentamento de problemas, pois o eventual sacrifício do desempenho a longo prazo implicará na baixa qualidade
do serviço, subtraindo a pesquisa e o desenvolvimento, em razão do custo, e outros assemelhados. Devem as empresas, portanto, devem estabelecer o equilíbrio de objetivos.
Diversas variáveis importantes, internas e externas, afetam a estratégia de uma
organização. Com efeito devem ser fixadas as premissas ou suposições do planejamento em
relação às condições futuras pois afetam o ambiente da organização. Também devem ser
analisadas as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças.
De sua parte a matriz crescimento/participação que indica a porção relativa do
mercado e o crescimento da organização em cada unidade estratégica conduz à avaliação dos
diversos setores e linhas diversificadas de uma empresa.
Neste passo, delineadas as sete opções estratégicas amplas, disponíveis para as empresas: concentração, integração horizontal, integração vertical, diversificação, dar a volta/
restringir os gastos, despojamento/liquidação, fusão e alianças estratégicas.
Assim, o Planejamento Tático - de alcance temporal mais curto em relação ao
planejamento Estratégico - tem a finalidade de otimizar parte do que foi planejado estrategicamente.
Tocante ao Planejamento Operacional – em geral de curto e médio prazo envolve
decisões mais descentralizadas, repetitivas e de maior reversibilidade - visa maximizar os
recursos da empresa aplicados em operações de determinado período.
Portanto, em digressão a tais espécies de planejamento, as empresas, organizações
ou instituições incapazes de desenvolver um plano estratégico mediante uma visão clara
de como estabelecer o diferencial, únicas no que fazem, inevitavelmente serão aniquiladas
pelos concorrentes.
Conclui-se, pois que em face de tantas transformações da sociedade do conhecimento e da informação, para alcançar o sucesso, a empresa será compelida à reflexão estratégica e partir para a construção coletiva do efetivo planejamento.
Razão disso, torna-se imprescindível a construção coletiva do planejamento estratégico no Poder Judiciário Acreano, especificamente na Corregedoria Geral da Justiça como
instrumento de qualidade do acesso à Justiça.
80
Revista ESMAC
4. A REFLEXÃO E A CONSTRUÇÃO COLETIVA DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ACRE
4.1 Considerações preliminares
O pressuposto para a reflexão estratégica de um órgão institucional ou empresa,
passa, em primeiro lugar, pelo necessário conhecimento da natureza dos serviços, da organização e de sua missão, ou seja, indispensável conhecer a organização, o que somos no
presente para projetar o futuro – o que seremos, assim melhor pensar o Poder Judiciário.
(MOTTA, p. 1397.
O Conselho Nacional de Justiça, na publicação Justiça em Números 2003, traçou o
primeiro diagnóstico do Poder Judiciário brasileiro.
Segundo a mesma publicação, o panorama de 2003 a 2006 consistia em 17,3 milhões de
processos recepcionados (Casos Novos) pelo Poder Judiciário e 12,5 milhões de processos
julgados.
Por sua vez, o Ministério da Justiça estimou em R$ 1.848,00 o custo médio de cada
processo julgado em 200 (média nacional), sendo a Paraíba o estado que apresentou o menor
valor por processo: R$ 973, e o valor máximo o estado do Amapá: R$ 6.839.
Em 2004 foram distribuídos 20,5 milhões de processos (Casos Novos) e Casos
Pendentes de Julgamento 57,3 milhões. Ao tempo contava o Judiciário com 13.727 juízes,
um total de 14,7 milhões de sentenças foram prolatadas. O custo total da justiça em 2004
alcançou a cifra de 20,6 milhões de reais.
Conforme dados do CNJ – Justiça em Números/2005, sobre os casos novos incidiu
uma pequena redução: de 20,5 milhões em 2004, para 18,5 milhões em 2005. Porém cresceram os casos pendentes de julgamento: de 57,3 milhões em 2004 para 60,481 milhões em
2005.
A despesa total do Judiciário em 2005 aumentou cerca de 10% em relação a 2004,
em torno de 22,9 milhões de reais em 2005.
Registrou o Conselho Nacional de Justiça na publicação Justiça em Números de
2006, a pendência de 43 milhões de processos para julgamento no Poder Judiciário brasileiro,
sendo que deste total 33 milhões de processos na 1ª instância.
Somente a Justiça Estadual concentrava a maior parte destes processos algo em
torno de 32 milhões à espera de julgamento.
No Poder Judiciário de São Paulo, na justiça comum, 12,4 milhões de processos
aguardavam decisão.
No caso do Estado do Acre, em fevereiro de 2007, ao início do mandato da atual
administração do Tribunal de Justiça (biênio 2007 a 2009) constatou-se a inexistência de dados suficientes da atividade jurisdicional das unidades judiciais e extrajudiciais do primeiro
grau de jurisdição consistindo em comarcas de 1ª e 2ª entrâncias e especial (Rio Branco),
Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Turmas Recursais.
Sequer consolidados em sua inteireza no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça
97 MOTTA, PAULO ROBERTO, org., Disciplina Planejamento Estratégico. Programa de MBA em Poder Judiciário.
Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas
81
o quantitativo real de processos judiciais cíveis e criminais e dos Juizados Especiais de igual
modo em relação às taxas de congestionamento, instrumento de medida introduzido pela
Resolução nº 15/2006, do Conselho Nacional de Justiça.
Tanto é que ao tempo do I Fórum de Debates sobre prestação jurisdicional da
Região Norte, realizado em 30 de março de 2007 em Belém - PA, a partir de dados parciais
então coligidos, traçou-se um primeiro retrato situacional da prestação jurisdicional no Estado do Acre, na ocasião integradas apenas 7 (sete) comarcas pelo Sistema de Automação
do Judiciário (SAJ), quais sejam: Rio Branco, Brasiléia, Epitaciolândia, Xapuri, Capixaba,
Plácido de Castro e Acrelândia, restando coletados os dados estatísticos das demais comarcas de forma artesanal (manual), aliás, circunstância que perdura até a data da produção
deste trabalho pois somente mais 3 (três) Comarcas foram integradas pelo SAJ-5: Senador
Guiomard, Bujari e Sena Madureira.
Eis, pois, o quadro da situação das Comarcas do Estado quanto à prestação jurisdicional:
Comarcas Integradas com o Sistema de Automação do Judiciário – SAJ-5
Comarcas em fase de Integração com o Sistema de Automação do Judiciário – SAJ-5
82
Revista ESMAC
Perfil das Comarcas e Municípios do Estado do Acre, contendo dados da população (IBGE, censo2007), meios de acesso tendo como parâmetro a Capital do Estado: Rio
Branco.
Municípios
População
Distância da Capital
Meios de Acesso:
Parâmetro Capital
Rio Branco
305.731
-
Rodoviário: BR-364 e
Aéreo*
Acrelêndia
11.451
105 km
Rodoviário: BR 364 e AC
40 e AC 401*
Plácido de Castro
16.691
97 km
Rodoviário: AC 40 e AC
401*
Capixaba
7.067
77 km
Rodoviário: BR 317 *
Epitaciolândia
13.782
227 km
Rodoviário: BR 317 *
Xapuri
13.693
153 km
Rodoviário: BR 317 *
Brasiléia
17.721
237 km
Rodoviário: BR 317 *
Assis Brasil
5.063
344 km
Rodoviário: Estrada do
Pacífico *
Senador Guiomard
20.505
24 km
Rodoviário: BR 317 *
Porto Acre
12.085
57 km
Rodoviário: AC 010*
Bujari
8.423
28 km
Rodoviário: BR-364*
Sena Madureira
32.989
145 km
Rodoviário: BR-364*
Manuel Urbano
7.636
238 km
Rodoviário: BR-364,
aéreo e fluvial**
Santa Rosa
3.395
405 km
Aéreo e Fluvial
Feijó
38.241
384 km
Rodoviário: BR-364,
aéreo e fluvial**
Tarauacá
30.335
406 km
Rodoviário: BR-364,
aéreo e fluvial**
Jordão
4.633
344 km
Aéreo e Fluvial
Marechal
Thaumaturgo
8.455
819 km
Aéreo e Fluvial
Porto Walter
4.962
743 km
Aéreo e Fluvial
Cruzeiro do Sul
84.335
648 km
Rodoviário: BR-364,
aéreo e fluvial**
Rodrigues Alves
9.796
679 km
Rodoviário: BR-364,
aéreo e fluvial**
Mâncio Lima
12.747
700 km
Rodoviário: BR-364,
aéreo e fluvial**
Total do Estado
669.736
* Rodovia Totalmente Pavimentada.
** Rodovia não Pavimentada.
83
Taxa de Congestionamento
Justiça Comum
76,00%
75,81%
75,50%
75,00%
74,50%
T ax a de C ongestionam ento
74,00%
73,42%
73,50%
73,00%
72,50%
72,00%
A no 2005
A no 2006
Taxa de Congestionamento
Juizados Especiais
50,00%
49,00%
48,60%
48,00%
47,00%
46,00%
45,00%
T ax a de C ongestionam ento
44,00%
43,19%
43,00%
42,00%
41,00%
40,00%
A no 2005
A no 2006
84
Revista ESMAC
Movimento Processual
Justiça Comum
de 2005 a 2006
70.000
62.014
63.464
60.000
50.000
38.853
40.000
A no 2005
33.548
A no 2006
31.706
30.000
26.607
25.463
23.117
22.010
20.000
17.340
10.000
0
SENTENÇAS
A U D IÊ N C IA S
CASOS NOVOS
A R Q U IV A D O S
ESTOQUE
Movimento Processual
Juizados Especiais
de 2005 a 2006
60.000
50.000
48.584
44.160
41.890
40.000
38.216
37.787
38.718
39.231
36.559
30.863
31.691
30.000
A no 2005
A no 2006
20.000
10.000
0
SENTENÇAS
A U D IÊ N C IA S
CASOS NOVOS
85
A R Q U IV A D O S
ESTOQUE
Taxa de Congestionamento
Juizados Especiais
60,00%
50,00%
48,60%
43,19%
40,00%
30,00%
Taxa de Congestionam ento
27,85%
22,28%
20,00%
10,00%
0,00%
Ano 2005
Ano 2006
Ano 2007
ago/08
Decorre, pois, do exercício de 2005, o elevado índice da taxa de congestionamento
de processos em curso na justiça comum, conforme análise do Conselho Nacional de Justiça,
na ordem de 75,81%, incluído no 12º (décimo segundo) lugar entre os estados da federação
com maiores índices de taxa de congestionamento, reduzindo para 73,04% em 2006, figurou
o Acre em 9º (nono) lugar em taxa de congestionamento do país.
Também consoante dados obtidos do CNJ, nos anos de 2005 e 2006 a taxa de congestionamento nos Juizados Especiais do Estado do Acre atingiu os percentuais de 48,60%
e de 41,17%, no ranking geral, em comparação aos estados brasileiros, classificado em 14º
(décimo quarto) e 10º (décimo) respectivamente.
Tocante ao primeiro grau de jurisdição além da estatística processual inexistiam
dados consolidados do quadro situacional relativos à estrutura de pessoal e material indispensáveis ao desempenho da atividade jurisdicional.
Ademais, entre outras deficiências estruturais anota-se a deficitária informatização
das comarcas do Estado do Acre.
Decorre ainda, o reduzido quadro de Juízes de Direito (33 juízes), pois do contingente de 23 (vinte e três) empossados no último concurso realizado em 2001, 10 (dez)
deles pediram exoneração após aprovação em outros concursos públicos, mostrando falta de
interesse na Carreira da Magistratura Acreana.
De igual modo, também verificou-se a evasão relativa ao quadro de servidores do
Poder Judiciário haja vista que no último concurso público realizado em 2002 – destinado ao
86
Revista ESMAC
provimento de cargos de servidores de níveis superior e médio - atraídos os servidores pela
melhoria salarial oferecida pelos cargos federais e estaduais, a exemplo do cargo de gestor
de políticas públicas do Poder Executivo e outros do Tribunal de Contas.
Razão disso constatou-se a necessidade de um esforço de gestão de um organismo
governamental, no caso, do Poder Judiciário do Estado do Acre, conforme delineado em
ensaiodenominadoesforçodeconceituaçãodealtodesempenhodeumÓrgãoGovernamental – Poder Judiciário do Estado do Acre, apresentado na Disciplina: Gestão e Orçamento,
ministrado pelos Professores: Armando Cunha e Roberto Beviláqua.
A sociedade atual – tendo em vista sua complexidade – é denominada sociedade
do conhecimento e da informação.Trata-se, portanto, de uma sociedade denominada Era do
Conhecimento e da Informação, na qual prevalece a força da dominação ao invés da cooperação e da solidariedade, situado o conflito na base das relações sociais, exigindo, cada vez
mais, a regulação da vida jurídica social haja vista o aumento da complexidade da vida e dos
riscos envolvidos.
Assim, não é possível ignorar que a imagem do Brasil é a de um país de acentuada
discrepância social, representando potencial obstáculo ao seu pleno desenvolvimento social e econômico, daí porque, necessário implementar ações governamentais para reduzir a
desigualdade social.
Para tanto, exsurge a necessidade da reforma da gestão pública, a ser conferida
com maior ênfase do que a mera reforma administrativa.
Todavia, para a reforma da gestão pública, fundamental a alteração do sistema
político brasileiro, posto que aquela (a gestão pública) não sensibiliza os políticos, por vezes
afeitos à corrupção – mal de natureza extrínseca que permeia outros núcleos da sociedade
– estabelecendo uma conexão entre o nível político, o sistema público e o empresarial.
Urge, portanto, implementar a reforma política, que deverá integrar a agenda
política dos governantes, formando uma consciência coletiva da necessidade de uma mudança pela reengenharia do setor público (mediante reformas política e tributária) centrada
em providências para evitar o desperdício (wastefull), os custos (expensive), e a falta de
resposta às demandas da sociedade (unresponsive).
Tocante ao Poder Judiciário, deve a alta direção dos Tribunais estabelecer uma
postura estratégica em sua gestão, de forma integrada, mobilizando pessoas para as mudanças, repensando a postura conservadora de seus integrantes, em geral avessa a mudanças,
consciente seus dirigentes da responsabilidade social em realizar a justiça com eficiência,
eficácia, presteza e efetividade, oferecendo serviços e decisões técnica e eticamente justas,
deste modo, legitimado o Poder Judiciário com a inserção plena no processo democrático do
Estado de Direito.
Segundo Paulo Motta, “o Planejamento Estratégico significa a conquista da visão
de grande escopo e longo prazo na determinação dos propósitos e caminhos organizacionais”.
Já para Philip Kotler98, um dos precursores do planejamento estratégico: “O Planejamento Estratégico é uma metodologia gerencial que permite estabelecer a direção a ser
seguida pela Organização. Visando maior grau de interação com o ambiente”
No dizer de Kenneth Andrews99, “Estratégia é um fluxo de decisões tomadas ao
98 KOTLER, Philip. Administração de marketing. 5. ed. São Paulo : Atlas, 1998.
99 ANDREWS, Kenneth R. O conceito de estratégia empresarial. In: MINTZBERG, Henry; QUINN, James Brian.
87
longo do tempo, que reflete os objetivos da organização e os meios pelos quais ela atinge
suas metas.”
Portanto, a nova gestão pública (new public manager) a ser construída no Poder
Judiciário, atém-se a um movimento teórico conceitual, que adota experiências que deram
certo na iniciativa privada.
Assim, os elementos estratégicos da gestão pública contemplam: a produtividade
(mecanismos de mercado – competitividade); prestação de serviços; descentralização; políticas públicas; e, resultados.
No caso do sistema judicial, especificamente, da demanda resulta a inserção dos
produtos, o resultado e, em conseqüência, a satisfação do cliente, ou seja, do jurisdicionado.
Atualmente, como política para melhoria da gestão pública, notadamente do
sistema judicial, necessário eleger o foco em resultados, desapaixonados os dirigentes das
organizações pelos seus produtos e apaixonados pelos resultados, reconhecendo, no caso
específico do Poder Judiciário, que não é fácil tratar com privilégios e relações de força
existentes.
A estabelecer, portanto, um programa estratégico adstrito às palavras de domínio
da gestão, qual seja, ao resultado, ao efeito, ao impacto e à efetividade no sistema da organização judiciária.
Deste modo, impende sedimentar o compromisso do Poder Judiciário com os valores democráticos calcados nos resultados, ou seja, o compromisso do gestor com os valores intrínsecos, de natureza democrática, produzindo accountability, expressão que define
um compromisso, valor intrínseco do gestor público com os valores democráticos nas relações entre a administração pública e o administrado.
Assim, deve a alta direção dos Tribunais estabelecer uma postura estratégica em
sua gestão, de forma integrada, mobilizando pessoas para as mudanças.
Para tanto, a conquista de metas estratégicas, depende de três fatores: organização,
cultura e liderança.
No caso do Poder Judiciário do Estado do Acre, necessária a construção de um
pensamento estratégico, ou seja, a percepção das pessoas e da organização sobre o futuro,
pensando, planejando, atuando no presente com vistas no futuro, mediante análise e diagnósticos para identificar os objetivos que a organização como um todo precisa atingir.
O atendimento às reais necessidades do cidadão (jurisdicionado), necessariamente
passa pela definição de três grandes objetivos estratégicos: melhorar o atendimento ao cidadão; agilizar a prestação jurisdicional; e, reduzir o número de processos em tramitação.
Tocante à missão do Judiciário acreano, estabelece o art. 2º, da Lei Complementar
nº 47/95 (Código de Organização e Divisão Judiciárias): “... assegurar a paz e a ordem social,
bem como proteger e restaurar direitos no âmbito de sua competência.”
Não obstante, com vistas à nova gestão do Judiciário, a missão deverá passar por
uma redefinição, voltada para responder questões fundamentais atinentes ao sistema.
De igual modo, tocante à visão, ou seja, como queremos ser reconhecidos pelos
elos do alto desempenho de nossa missão, e os valores, consistindo estes nos princípios
norteadores da prática ou tudo que se faz na organização, em alinhamento com a missão
institucional, em adstrição à missão e à visão, destacando-se, entre outras: a qualidade da
O Processo da Estratégia. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2001
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Revista ESMAC
prestação do serviço; a igualdade das partes no processo; a ética; a integração entre a 1ª e 2ª
instância; a satisfação do cliente (jurisdicionando); o resgate da auto-estima do servidor; e, a
promoção da paz social.
Para alcançar tal desiderato, o planejamento estratégico deverá estabelecer metas
(redução de número de feitos em tramitação, instituindo percentuais ao ano), promovendo
ações outras de modo a possibilitar uma prestação de serviços com qualidade, eficiência e
efetividade, destacando-se: redução de número de feitos e dos custos do processo; criação
de grupos de trabalho para atuação nas unidades judiciárias com excesso de contingente
processual; reavaliar as necessidades das unidades judiciárias acarretando a reestruturação
do quadro de servidores do Poder Judiciário; realizar concurso para Juiz de Direito Substituto; promover a capacitação, atualização e formação contínua de magistrados; informatizar
e interligar todas as unidades jurisdicionais do Estado; selecionar estagiários para atuação
em Varas e Comarcas; promover a capacitação continuada de servidores com foco no atendimento ao público; elaboração de novo plano de cargos e salários dos servidores; planejamento orçamentário participativo; e, estabelecer parcerias públicas e privadas objetivando a
resolução alternativa de conflito, proporcionando o acesso do cidadão à justiça.
A assinalar, ainda, que não basta a formulação de um planejamento estratégico,
posto que deve ser incorporada a avaliação e a mensuração de desempenho nos seus planos
estratégicos quer sejam anuais ou a longo prazo, desenvolvendo metodologia visando os
indicadores de desempenho das unidades judiciárias e administrativas, bem como de seus
programas, norteados pelas declarações de missão e objetivos de longo prazo, possibilitando
a relação entre as metas e os indicadores de desempenho, bem assim, estabelecendo uma
hierarquia de missões e de indicadores de desempenho.
Notadamente, os esforços para mensuração do desempenho devem enfatizar os
aspectos relacionados à satisfação do cidadão (a clientela do Judiciário), desta forma adimplindo um dos objetivos do sistema – o aumento da responsabilidade pelos resultados do
administrador público perante a sociedade (accountability), e da confiança pública na prestação de serviços.
De tudo resulta a necessidade premente da construção de um planejamento estratégico para o Poder Judiciário do Estado do Acre e, em conseqüência da Corregedoria
Geral da Justiça – no dizer de Dror, produzindo o redesenho da governança, assumindo
compromisso com razões éticas ou de humanidade – embora os mais diversificados desafios
a serem enfrentados por seus dirigentes, mas, que serão recompensados pelas vantagens da
eficiência da prestação jurisdicional, colhendo a satisfação do cidadão, quer sejam aqueles
das sedes das Comarcas (das cidades) ou residentes nas localidades mais distantes e isoladas,
nos seringais, às margens dos rios e nas aldeias indígenas, obtendo, ainda, contrapartida da
melhoria da imagem e da credibilidade da população no Poder Judiciário.
Ante o quadro então vivenciado (fev-2007), vislumbrou-se a necessidade da construção do esboço de um planejamento estratégico para a Corregedoria Geral da Justiça no
biênio 2007/2009, embora, sem desconhecer a impossibilidade de formulação de um planejamento estratégico individual, isolado, já que o Tribunal de Justiça não possui um plano
formal de planejamento estratégico.
Razão disso, na ausência de plano formal do Tribunal de Justiça, adotou-se a decisão instintiva centrada em fatos e previsões de um esboço de um planejamento estratégico.
89
Todavia, o conhecimento efetivo das unidades judiciais e extrajudiciais somente
restou implementado com a efetivação das atividades da correição geral ordinária de 2007, e
nas extrajudiciais de 1ª e 2ª entrâncias, sendo implementada a correição geral ordinárias dos
serviços extrajudiciais de Rio Branco no período de abril a maio\2008.
A realçar a feliz iniciativa da presidência do Tribunal de Justiça na realização da
primeira oficina destinada à reflexão estratégica do Poder Judiciário com a administração do
Tribunal de Justiça (biênio 2007/2009) e representantes dos principais setores administrativos em 29/03/2007 (experiência renovada ao inicio do exercício de 2008) que, embora sem a
produção de um documento formal importou no traçado de metas da administração do Poder
Judiciário.
No tocante à COGER, ainda que de forma individualizada, refletiu-se no âmbito
do órgão censor do Poder Judiciário, sobre a missão (incluídos valores), visão de futuro e as
ações estratégicas deste órgão censor. Senão vejamos:
MISSÃO: Orientar, disciplinar e fiscalizar a administração da Justiça de primeiro
grau, na capital e no interior do Estado, zelando pela prestação jurisdicional mediante serviços judiciais e extrajudiciais de qualidade, atendendo a demanda de acesso à Justiça, promovendo a paz social.
VALORES:
1. Alinhamento à missão do Tribunal de Justiça;
2. Gestão democrática;
3. Ética;
4. Responsabilidade social;
5. Transparência à sociedade;
6. Valorização de magistrados e servidores;
7. Estratégias de Planejamento na COGER.
VISÃO DE FUTURO: Tornar-se um Órgão Correicional centrado em missão e
valores, em gestão compartilhada de magistrados e servidores capacitados e motivados, estabelecendo parcerias com outros órgãos essenciais à administração da Justiça, utilizando
processos de trabalho racionalizados e integrados, promovendo a comunicação e informação
com a garantia de fluxo qualitativo, respondendo às expectativas da sociedade traduzidas em
índices de satisfação pela eficiência, eficácia e efetividade na distribuição da Justiça, como
resultado de uma atuação calcada na transparência e na responsabilidade social da gestão
judiciária.
As estratégias ater-se-ão aos seguintes aspectos:
1. Implementar a Justiça de resultados;
2. Promover o relacionamento institucional e a imagem da COGER;
3. Desenvolver a gestão avançada de pessoas (magistrados e servidores);
4. Foco na excelência da gestão;
5. Instituir a gestão de processos e melhoria da infra-estrutura.
Eis as balizas a serem definidas para a elaboração de um planejamento estratégico
no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça.
90
Revista ESMAC
4.2 Estratégias:
Na seqüência, dada a importância das estratégias, segue o detalhamento de cada uma delas.
4.2.1 Estratégia 1: implementação da justiça de resultados
O primeiro passo consiste na fixação de metas, da seguinte forma:
1) Censo Judiciário: Consolidação de todo o acervo de processos do primeiro grau
de jurisdição, pela natureza das ações, por tempo de duração do processo, região e perfil dos
jurisdicionados;
2) Padrão de excelência no atendimento ao cidadão: Procedimentos para promover
a prestação jurisdicional com foco no cidadão, mediante instrumentos de medida (dados estatísticos) consistindo o primeiro passo em uma pesquisa de satisfação dos clientes usuários,
com identificadores de desempenho da gestão judiciária;
3) Controle da produtividade: Mecanismos para agilizar a tramitação dos processos, afastando o reclamo da morosidade com a fixação de prazos ideais, a relação entre
servidores e processos, e a publicação de informativos ao público, implementando-se ações
prioritárias para controle da produtividade e a uniformização das rotinas da atividade-fim;
4) Instalação da Ouvidoria na COGER: meio moderno para consolidar a organização junto aos clientes. Tratando-se do Poder Judiciário, a designação de um ouvidor-geral
no Tribunal e um ouvidor-auxiliar em cada direção de foro possibilitará melhor acesso da
população às atividades judiciais e extrajudiciais;
5) Processo Digital: necessidade de utilização dos modernos recursos da tecnologia da informação;
6) Atitude de Resultados: metas: criar a consciência da necessidade de direcionar o
desempenho dos envolvidos na gestão judiciária (magistrados e servidores) para a prestação
jurisdicional efetiva e eficiente.
4.2.2 Estratégia 2: Fortalecer o relacionamento institucional e a imagem da Corregedoria
Para o fortalecimento do relacionamento institucional e a imagem da Corregedoria,
necessário fomentar os seguinte pontos:
1) Imagem da Justiça Estadual: Consiste em estruturar ações voltadas para o conhecimento da atuação do Poder Judiciário pelo público externo;
2) Reforma do Poder Judiciário: Participar de todos os debates inerentes à reforma
do Poder Judiciário introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45/2004, especialmente
quanto ao tempo da razoável duração do processo;
3) Relacionamento institucional: Participação em eventos, encontros, seminários e
outras formas de interação institucional com o objetivo de aproximar a Justiça Estadual das
demais instituições públicas e privadas do estado;
91
4) Atos normativos de outros poderes: Acompanhamento dos debates acerca da tramitação de atos normativos relacionados à organização judiciária, de iniciativa do Tribunal
de Justiça;
5) Democratizar a informação: Disponibilizar à sociedade em geral os meios de
comunicação existentes no Tribunal de Justiça, via internet, folders, painéis, e outros.
6) Sustentabilidade econômico-financeira: Participar da elaboração da proposta
orçamentária do Poder Judiciário com justificativas adequadas acerca das necessidades da
prestação jurisdicional quanto à estrutura de pessoal e de material.
4.2.3 Estratégia 3: Desenvolver a Gestão Avançada de Pessoas
O desenvolvimento da gestão avançada de pessoas deve, necessariamente, ater-se
aos seguintes aspectos:
1) Capacitação e desenvolvimento de pessoas: Propor a capacitação dos envolvidos
na atividade judicial e extrajudicial para as estratégias básicas;
2) Avaliação de desempenho e sistema de conseqüências: Uma característica básica de uma organização conceituada reside na avaliação do desempenho dos integrantes e o
reconhecimento da excelência promovendo o destaque respectivo;
3) Valorização das pessoas: Promover ações diversas para a retenção dos talentos,
mensurando o empenho organizacional, propondo a criação de programa de saúde, cultura e
esportes, assim como programa de sugestões e premiação de criatividade;
4) Sistema e processos de trabalho: Envolver as pessoas na força de trabalho (magistrados, servidores, terceirizados e estagiários) mediante proposta de adequação do quadro
de pessoal às necessidades vivenciadas.
4.2.4 Estratégia 4: foco na excelência da gestão
O foco na excelência da gestão deve ser calcado nas seguintes atividades:
1) Disseminar a necessidade de estruturação do planejamento estratégico: Consiste
na multiplicação dos conceitos do planejamento estratégico de sua importância tanto noTribunal de Justiça, na COGER, quanto nos órgãos diretivos e no primeiro grau de jurisdição;
2) Desdobramento do planejamento estratégico: Cada unidade judiciária e administrativa do primeiro grau deverá conceber o seu próprio plano de gestão, com metas, cronogramas e indicadores, em alinhamento ao planejamento estratégico global doTribunal de
Justiça e da Corregedoria Geral da Justiça;
3) Sistema de análise crítica do planejamento estratégico: Instituir fórum interno
de debates para avaliar o progresso das ações do plano de gestão;
4) Critérios de excelência da gestão: Implementar a auto-avaliação gerencial das
unidades organizacionais e a formulação do relatório da gestão geral de todas as unidades
judiciárias, extrajudicial e administrativa;
5) Reestruturação organizacional: Implementar ações para tornar a estrutura organizacional mais célere e alinhada com os modelos contemporâneos de gestão;
92
Revista ESMAC
6) Programa de referenciais comparativos: Conhecido como benchmarking, consiste na adoção de uma série de atividades destinadas a conhecer as melhores práticas de
gestão realizadas em organizações públicas e privadas.
4.2.5 Estratégia 5: Desenvolver a gestão de processos e melhoria da infra-estrutura.
A gestão de processos e a melhoria da infra-estrutura da organização funda-se nos
seguintes programas:
1) Uniformização de rotinas: A base dos programas de certificação reside na padronização, ou na uniformização das rotinas;
2) Sistemas informatizados: Estruturar a rede interna, avaliar os sistemas existentes, desenvolver ou adquirir novas soluções;
3) Organização dos espaços físicos: Reestruturar o espaço físico de modo planejado e funcional para todas as unidades judiciárias;
4) Programa 5S: Preparar as pessoas para uma mudança organizacional, com foco
na qualidade;
5) Racionalização dos custos: Mediante estratificação de todos os custos e receitas
orçamentárias, além da utilização de novas técnicas e métodos gerenciais;
6) Sistema de comunicação: Propor a estruturar de um sistema de informações
visando a interação de todos os envolvidos no sistema do Poder Judiciário Estadual.
4.3 Considerações finais
Persiste o desafio em oferecer uma prestação jurisdicional que reúna a efetividade,
a eficácia e a eficiência, em tempo razoável, na conformidade do preceito constitucional (art.
5º, LXXVIII, da Constituição Federal).
Segundo dados coligidos da estatística processual do Estado do Acre relativo ao
mês de agosto/2008, a taxa de congestionamento, alcança 37 % assim distribuída: Justiça
Comum: 49 %, e Juizados Especiais 22%.
A justiça comum (cível e criminal) alcançou em agosto/2008 patamar inferior a
50% (taxa considerada administrável), conforme meta traçada para o final deste exercício
(dez/2008).
Todavia, a realidade das unidades judiciais e extrajudiciais somente restou efetivamente conhecida com a efetivação dos atos correicionais afetos à COGER – a Correição
Geral Ordinária de 2007 em todas as unidades judiciais do Estado, e nas extrajudiciais de
1ª e 2ª entrâncias, restando implementada a Correição Geral dos Cartórios Extrajudiciais de
Rio Branco, nos meses de abril e maio de 2008, em conseqüência, aferidas as verdadeiras
causas da morosidade processual, conforme descrição da síntese a seguir:
A Correição Geral Ordinária de 2007 possibilitou a análise de morosidade do curso
processual e suas causas assim como as deficiências de estrutura física e de pessoal que
ensejam obstáculo à efetiva prestação jurisdicional e à conseqüente produtividade dos ma93
gistrados titulares bem como daqueles em exercício nas unidades judiciárias.
Tocanteàsserventiasextrajudiciais,constatou-seirregularidades,emmaiorincidência nos livros obrigatórios, expedindo-se as recomendações devidas quando necessário.
Após a Correição Geral Ordinária os Relatórios pormenorizados de cada unidade
judiciária e extrajudicial foram encaminhados às respectivas Comarcas, reunidos os fatos
mais relevantes em diagnóstico contendo as verdadeiras causas da morosidade processual:
1) Elevada incidência de processos suspensos a pedido das partes à falta de localização de bens penhoráveis;
2) Processos sem tramitação aguardando cumprimento de mandado de prisão;
3) Deficiência da gestão jurisdicional e administrativa à falta de Juiz de Direito
ante a vacância de cargos;
4) Morosidade na movimentação processual pela Escrivania;
5) Falta de destinação de transporte pela administração do Tribunal de Justiça para
cumprimento de mandados judiciais na zona rural;
6) Retardo na movimentação processual pela Escrivania.
No desiderato de reduzir a 1/3 a taxa de congestionamento, adotou-se práticas de
gestão conforme descrito em trabalho apresentado na disciplina gestão de serventias sob o
tema: A Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Acre – Medidas de gestão para a razoável duração do processo – O desafio da formação de um consistente banco de dados da
estatística processual, Professor: Luiz Umpierre de Mello Serra, conforme a seguir delineado:
A Emenda Constitucional n. 45, de 30/12/2004, introduziu como primado constitucional a garantia da razoável duração do processo, todavia, noção ou conceito ainda indeterminado na doutrina e na ordem prática, pois, embora unificada a legislação processual,
necessário compatibilizar a diversidade encontrada nas cinco regiões do País.
A par da existência de unidades judiciárias dotadas de acesso por rodovias asfaltadas, recursos humanos capacitados e os mais modernos equipamentos da tecnologia da
informática, em contrapartida, comarcas situadas na Amazônia, somente alcançadas pela
via fluvial (barcos de pequeno porte) ou aérea (táxi aéreo), ao tempo (fevereiro/2007) sequer dispunham de cartuchos de tinta para impressoras ou acesso à internet, ocasionando a
impossibilidade de realização dos atos processuais (audiências), tornando vãos os esforços
antecedentes para citação e intimação de partes e testemunhas residentes nos seringais, às
margens dos rios e aldeias indígenas.
Certo é que o Estado Brasileiro muito tem a dever a essa massa da população, excluída de políticas publicas em geral abrangendo o sistema de justiça.
Tocante ao Poder Judiciário ressoa o clamor da população pela humanização da
Justiça, possibilitando não somente o acesso, mas, fundamentalmente, a garantia da solução
do conflito.
Assim, visando implementar a gestão judiciária, o Conselho Nacional de Justiça
editou a Resolução n. 15, de 20.04.2006, que instituiu a taxa de congestionamento – um
indicador estatístico ou medida de aferição de produtividade do Poder Judiciário – tendo
em conta os processos em estoque (processos pendentes de julgamento) os casos novos e os
processos julgados (sentenças e acórdãos que põem fim ao processo), tanto no 1º quanto no
2º grau de jurisdição, resultando consolidados tais dados estatísticos na publicação Justiça
94
Revista ESMAC
em Números, a partir do exercício de 2005, apresentando o retrato da situação do Poder
Judiciário no País, mediante indicadores os mais diversificados.
Segundo a nova onda imposta pela Constituição Federal de 1988, o Poder Judiciário é dotado de natureza política, portanto, co-responsável pelas políticas públicas, consoante impregnado em inúmeros dispositivos, entre eles a garantia do acesso à Justiça e à
razoável duração do processo (art. 5°, XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal).
Em conseqüência, o Juiz é instado diuturnamente a decidir matérias relacionadas à
saúde, à proteção do idoso, do consumidor, da cidadania e do meio ambiente, contribuindo
para consolidar novos desafios dos chamados direitos de terceira geração, produzindo julgamentos que afetam o coletivo.
Nestas circunstâncias, não mais se concebe o Juiz do primeiro ou do segundo grau
de jurisdição como mero interprete da lei (a boca da lei), uma figura neutra (anódina), distanciado das mazelas sociais vivenciadas pela população no dia a dia.
Portanto, o Juiz é compelido a construir uma identidade, atendendo à transformação da sociedade contemporânea.
Necessário, portanto, uma mudança na atuação do magistrado para possibilitar o
acesso do cidadão à Justiça e a eficiente solução da causa, ultrapassando o conflito em si
– que atinge o relacionamento e contribui para o incremento da violência – contribuindo o
juiz para tornar efetivo o trabalho de construção de uma justiça de natureza preventiva ou
alternativa de solução do conflito para a construção da paz social.
Todavia, não é possível desconhecer que a principal e generalizada justificativa da
morosidade processual é centrada no reduzido contingente de Juízes a ocasionar excessiva
carga de trabalho.
Neste aspecto, a realçar que o Brasil passa pela crise do processo após o advento
da Constituição Federal de 1988 haja vista o incremento da judicialização, abarrotando de
processos foros e tribunais.
Necessário, pois, a utilização de mecanismos para minorar o panorama fantasmagórico que não reflete o acesso da população ao sistema de justiça.
A questão a responder é como fazê-lo. E com as mesmas condições de estrutura
material e humana do Poder Judiciário. Fazer muito com o pouco. Como?
Para tanto, os Tribunais devem introduzir medidas de gestão centradas na criatividade e motivação de juízes de direito e servidores, tanto quanto possível utilizando a
medição do tempo necessário a cada atividade para domar a cultura da morosidade processual respondendo aos reclamos do cidadão com eficiência e eficácia.
Em fevereiro/2007, ao início do biênio (2007/2009), no que concerne à política de
gestão de processos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Acre, constatou-se a inexistência
de uma amostragem das causas do retardo da prestação jurisdicional então vivenciada ou de
providências relacionadas a medidas de gestão.
Este, pois, o desafio enfrentado pela COGER-AC no biênio: estabelecer medidas
de gestão e metas para alcançar a redução da taxa de congestionamento processual no 1º
grau de jurisdição – de 75,81% e 62%, nos exercícios de 2005 e 2006, respectivamente
– abrangendo a justiça comum e os juizados especiais, conforme dados coligidos da publicação Justiça em Números, do CNJ, ano de 2006.
Daí porque, desconhecida a realidade dos dados atinentes ao acervo processual do
Estado, como precedentemente assinalado – pois das 15 (quinze) comarcas instaladas, em
95
fevereiro de 2007 apenas 7 (sete) eram beneficiadas pelo Sistema de Automação do Judiciário – subsumida a consolidação de dados pelo setor específico deste órgão correicional
aos relatórios do tramite processual encaminhados pelas próprias unidades judiciárias até o
dia 10 de cada mês.
Destarte, verificou-se imprescindível, no meado de 2007 (julho), realizar uma Correição Geral Ordinária nas Comarcas do Estado do Acre, de natureza descritiva, mesmo
naquelas unidades judiciárias abrangidas pelo SAJ (Sistema de Automação do Judiciário),
restando implementado o ato correicional geral no período de 30/julho a 21/dezembro/2007,
nas Serventias Judiciais e Extrajudiciais da 1ª e 2ª Entrâncias, com previsão desta modalidade de Correição Geral, desta feita nas Serventias Extrajudiciais da Comarca de Rio Branco
com início no mês de abril/2008.
Assim, apenas 07 (sete) Comarcas do Estado eram dotadas do sistema SAJ, daí
porque tanto em relação aos exercícios anteriores (2005/2006) quanto a 2007, as informações procedem das próprias unidades judiciárias, a bem da verdade, em caso de informações
complementares, mesmo no caso das unidades judiciárias providas do SAJ (uma vez defasado o sistema anterior não oferecia resposta às principais informações para uma consolidação
de dados efetiva, a exemplo do tempo do processo), também não permitindo olvidar que as
informações estatísticas dependem da alimentação de dados pelos servidores.
Daí porque, neste (realidade processual estatística) e noutros aspectos, destacandose o aperfeiçoamento da comunicação da Corregedoria com os magistrados e servidores, a
Correição Geral Ordinária em todas as Comarcas e unidades judiciárias do Estado tornou-se
instrumento eficaz para aferir a realidade do contingente processual, haja vista a divergência
encontrada na contagem manual de processos, a exemplo da Comarca de Manoel Urbano
quando da Correição Geral Ordinária em julho/2007 e também ocorrendo em relação às
Turmas Recursais dos Juizados Especiais.
Portanto, realizada em 2007, da Correição Geral Ordinária no Estado Acre, nas
Serventias Judiciais e Extrajudiciais (quanto a estas somente as do interior do Estado), tendo
como base o mês de dezembro/ 2007, verificou-se a evolução do fluxo processual e da taxa
de congestionamento, no período de janeiro a dezembro/2007.
Ademais, da Correição Geral Ordinária Judicial, de natureza descritiva, realizada
nas Comarcas do Estado do Acre (período de 30 de julho a 17 de dezembro/2007), aferiu-se
diversas causas de retardamento processual, seguindo-se as recomendações e medidas de
gestão, e tratando-se de ordenação de despesas, a necessária solicitação de providências à
Presidência do Tribunal de Justiça.
Verificou-se, entre outros fatores, a morosidade da escrivania para cumprimento
de atos de movimentação, processos apresentando retardo contendo alegação de férias dos
magistrados e de serviço eleitoral.
Constatou-se ainda, a inexistência de medidas administrativas e de ordenação de
despesas quanto à disponibilidade de transporte (aluguel de barcos), e diárias à Oficiais de
Justiça para cumprimento de mandados judiciais de partes e testemunhas residentes na zona
rural, seringais e às margens dos rios, notadamente nas Comarcas de Sena Madureira, Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, entre outras.
Por derradeiro, conforme estabelece a Resolução 125/2007 de 16.05.2007, do
Pleno do Tribunal de Justiça, seguiu-se a edição do Provimento n. 12, de 17.07.2007, da
COGER-AC, tendo em consideração o quadro diminuto de magistrados, restando fixado em
96
Revista ESMAC
dois anos o tempo médio geral de tramitação do processo contencioso no primeiro grau de
jurisdição.
Portanto, adstrita ao percentual elevado da taxa de congestionamento da Justiça
comum (feitos cíveis e criminais), na ordem de 60% (processos cíveis e criminais) quanto
ao exercício de 2007, tem-se como meta prioritária da COGER até o mês de dezembro/2008
– após a investidura de 10 (dez) Juízes de Direito Substitutos (mês de julho/2008) – atingir
percentual aquém de 50% de taxa de congestionamento em processos da justiça comum,
situação considerada administrável, a ensejar, em janeiro/2009, a reformulação do Provimento n. 12 de março/2006, da COGER-AC, com a redução do tempo razoável ou tempo/
médio geral de duração do processo contencioso de dois anos para um ano.
Para tanto, urge construir o planejamento estratégico da COGER-AC, alinhado ao
da administração do Tribunal de Justiça visando uma resposta efetiva da realidade processual consoante os termos preconizados pelo Conselho Nacional de Justiça ( Res. 49, de
18.12.2007), que instituiu a organização de Núcleo de Estatística e Gestão Estratégica nos
órgãos do Poder Judiciário, desta forma, possibilitando o traçado de metas de curto, médio e
longo prazo.
Eis pois, as metas da COGER-AC para o exercício de 2008, de forma resumida:
1. Redução da taxa de congestionamento de processos da justiça de primeiro grau
– justiça comum – para o patamar de 45%, considerada administrável (em dezembro de
2007, no montante de 62%), após ultimado o concurso público para Juiz de Direito – com
a nomeação de mais dez magistrados, prevista a conclusão do certame para julho/2008,
providência que suprirá em parte a deficiência de prestação jurisdicional;
2. Proposta à Presidência do Tribunal de Justiça para abertura de concurso público
destinado a provimento de cargos de servidores do Poder Judiciário, principalmente de oficiais de justiça, assistentes jurídicos e auxiliares judiciários, nas vagas existentes;
3. Proposta à Escola da Magistratura de formação e capacitação continuada de
Juízes de Direito;
4. Proposta à Presidência do Tribunal de Justiça para capacitação de servidores
pelo Centro de Capacitação, mediante oitiva prévia dos magistrados acerca das deficiências
e necessidades específicas de cada unidade judiciária;
5. Alinhamento do planejamento estratégico da COGER às metas da administração
doTribunal de Justiça objetivando medidas para disponibilidade de garantia de cumprimento
de mandados judiciais pendentes (citação e intimação) de réus e testemunhas residentes nos
locais de difícil acesso: seringais, zona rural, às margens dos rios e outros sítios;
6. Construção de medidas de gestão de natureza jurisdicional e administrativa compartilhada com os Juízes de Direito e servidores das unidades judiciárias para solução dos
processos mais antigos (a maioria criminais), entre os cíveis figurando inventários que remontam a 1956, e processos criminais com retardo (entre outras causas à falta de citação dos
acusados e de intimação de testemunhas residentes na zona rural), ensejando a impunidade
tão combatida e o descrédito do Poder Judiciário;
7. Construção compartilhada de uniformização de rotinas e procedimentos (manuais) destinados às Serventias Judiciais e Extrajudiciais bem como aos Juizados Especiais;
8. Redução do tempo fixado no Provimento n. 12 de 17.07.2007, COGER-AC, da
razoável duração do processo contencioso, de dois anos para um ano, e do processo sumário
para seis (06) meses bem como o tempo para realização da audiência, de seis meses para três,
97
no máximo, em todos os casos;
9. Concluir a operacionalização do grupo de trabalho instituído para cumprimento de mandados judiciais em estoque na Central de Mandados de Rio Branco, em dezembro/2007 no importe de 7.711;
10. Contribuir para a implementação efetiva da transição prevista para dezembro
de 2008 dos serviços extrajudiciais de natureza pública para a privada;
11. Implementar pesquisa de satisfação do usuário nos Foros de Justiça Comum e
dos Juizados Especiais do Estado;
12. Instituir Núcleos de apoio permanente da COGER-AC para orientação e fiscalização dos serviços judiciais e extrajudiciais do Estado.
Todavia, as medidas de gestão afetas à COGER-AC, dependem substancialmente
das providências inerentes à ordenação de despesas quanto à disponibilidade dos recursos
materiais e de pessoal às unidades judiciárias do Estado mediante dotação orçamentária e
financeira indispensáveis envolvendo a prestação de serviços com a formação de núcleos
específicos de servidores seja na Presidência do Tribunal ou na COGER (órgão responsável
pela consolidação dos dados estatísticos da primeira instância) para a consecução da atividade permeada das especificidades da nova gestão judiciária.
Segundo dados coligidos da estatística processual do Estado do Acre, relativa ao
mês de agosto/2008, a taxa de congestionamento geral alcança 37%, assim, distribuída:
Justiça Comum: 49% e Juizados Especiais: 22%.
A justiça comum (cível e criminal) atingiu, em agosto/2008, patamar inferior a
50%, taxa considerada administrável, conforme meta traçada para o final deste exercício
(dez/2008).
Eis, portanto, o quadro estatístico da evolução processual e taxa de congestionamento de janeiro de 2005 a agosto de 2008.
Taxa de Congestionamento
Juizados Especiais
60,00%
50,00%
48,60%
43,19%
40,00%
30,00%
Taxa de Congestionam ento
27,85%
22,28%
20,00%
10,00%
0,00%
Ano 2005
Ano 2006
Ano 2007
98
ago/08
Revista ESMAC
Taxa de Congestionamento
Justiça Comum
80,00%
75,81%
73,42%
70,00%
60,45%
60,00%
49,30%
50,00%
Taxa de C ongestionam ento
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
A no 2005
A no 2006
A no 2007
ago/08
Movimentação Processual
anos de 2005 e 2006
Justiça Comum
Juizados Especiais
Resumo Geral
Ano
2005
Ano
2006
Ano
2007
Ago
2008
Ano
2005
Ano
2006
Ano
2007
Ago
2008
Ano
2005
Ano
2006
Ano
2007
Ago
2008
SENTENÇAS
23.117
26.607
33.745
22.534
38.216
41.890
48.024
32.190
61.333
61.333
81.769
54.724
AUDIÊNCIAS
17.340
22.010
25.776
18.532
44.160
48.584
49.349
32.398
61.500
61.500
75.125
50.930
CASOS
NOVOS
33.548
38.853
42.490
32.035
37.787
38.718
41.433
31.541
71.335
71.335
83.923
63.576
ARQUIVADOS
25.463
31.706
38.454
25.083
30.863
31.691
56.288
29.561
56.326
56.326
94.742
54.644
ESTOQUE
62014
63.464
59.741
62.334
36.559
39.231
23.635
25.247
98.573
98.573
83.376
87.581
99
Movimento Processual
Justiça Comum
de 2005 a agosto/2008
70.000
62.014
63.464
62.334
59.741
60.000
50.000
42.490
38.853
40.000
33.745
30.000
26.607
23.117
38.454
32.035
25.776
22.534
20.000
A no 2005
A no 2006
33.548
A no 2007
31.706
ago/08
25.463
25.083
22.010
18.532
17.340
10.000
0
SENTENÇAS
A U D IÊ N C IA S
CASOS NOVOS
A R Q U IV A D O S
ESTOQUE
Movimento Processual
Juizados Especiais
de 2005 a agosto/2008
60.000
56.288
50.000
48.024
48.584
49.349
44.160
41.890
40.000
41.433
38.718
37.787
38.216
32.190
32.398
39.231
36.559
31.541
30.000
31.691
30.863
Ano 2005
29.561
Ano 2006
25.247
23.635
20.000
10.000
0
SEN TEN Ç AS
AU D IÊN C IAS
C ASO S N O VO S
100
AR Q U IVAD O S
ESTO Q U E
Ano 2007
ago/08
Revista ESMAC
Evolução Movimento
Resumo Geral do Estado do Acre
de 2005 a agosto/2008
120.000
100.000
94.742
80.000
71.335
63.576
61.500
61.333
60.000
77.571
75.125
70.594
68.497
54.724
87.581
83.376
83.923
81.769
102.695
98.573
50.930
Ano 2005
Ano 2006
Ano 2007
ago/08
63.397
56.326
54.644
40.000
20.000
0
SENTENÇAS
AUDIÊNCIAS
CASO S NO VO S
ARQ UIVADO S
ESTO Q UE
Entretanto, persiste a necessidade de uma reflexão estratégica coletiva, com apoio
da administração do Tribunal de Justiça e ajuda interna e externa, inclusive o envolvimento
de pessoas de fora na qualidade de consultores, a contrapor o aprendizado baseado em praticas internas que se manifesta em forma repetitiva, pois conforme assertoa Paulo Motta:
“O diálogo estratégico é uma forma privilegiada de reconstruir integração no trabalho a
partir do conhecimento externo sobre demandas e necessidades do mercado, entendendo
justificado o exercício estratégico para encontrar o melhor ponto de chegada e o melhor
caminho para empresa, identificando alternativas e hipóteses de trabalho que se revelam em
determinado momento as opções mais apropriadas circunstâncias especificas. Neste exercício, é de grande valia toda a ajuda, interna e externa. São essenciais as perspectivas dos
dirigentes, dos setores organizacionais e, principalmente, dos que lidam com fornecedores e
clientes externos. O envolvimento de pessoas de fora, como consultores, ajuda a contrapor
o aprendizado, baseado em práticas internas que se manifestam em formas repetitivas de
comportamento. Conhecimentos sistematizados por acadêmicos e os acumulados pela experiência de consultores enriquecem o patrimônio gerencial da instituição. O patrimônio gerencial, se permanentemente atualizado e desenvolvido, é um excelente recurso estratégico.
(MOTTA, p. 11)100 .
100 MOTTA, PAULO ROBERTO, org., Disciplina Planejamento Estratégico. Programa de MBA em Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas.
101
Tal encontra ressonância no conteúdo de ato normativo editado pelo Conselho Nacional de Justiça que determina aos Tribunais de Justiça a criação de núcleos de gestão
estratégica e de estatística destinados a auxiliar o Tribunal de Justiça na racionalização do
processo de modernização institucional, bem como subsidiar o processo decisório dos magistrados conforme princípios estritamente profissionais, científicos e éticos (Resolução
CNJ nº 49, de 18 de dezembro de 2007).
Assim, a necessidade da construção do planejamento estratégico do Tribunal de
Justiça necessariamente refletirá na execução dos diversos programas e projetos em andamento e outros em fase de implantação no Poder Judiciário com foco no primeiro grau de
jurisdição para atendimento ao cidadão. Senão vejamos:
1. Projeto Cidadão (instituído em 1995), visa a promoção de cidadania e inclusão
social, emissão de documentos às populações urbana e rural;
2. A Justiça Comunitária (em funcionamento desde 2002), consiste na resolução de
conflitos por Agentes Comunitários de Justiça e Cidadania (cidadãos das comunidades\bairros em que vivem e ali atuam) capacitados em noções de direito e técnicas de mediação e
conciliação;
3. Centros Integrados de Cidadania, espaços destinados ao atendimento do cidadão, mediante a prestação de serviços de emissão de documentos e assistência jurídica,
situados nos municípios de Assis Brasil, Brasiléia, Epitaciolândia, Porto Acre, Porto Walter,
Marechal Thaumaturgo e Rodrigues Alves;
4. Central de Penas Alternativas, destinada à fiscalização e controle dos reeducandos, visando reduzir os índices de reincidência e promover a reinserção social por meio de
capacitação e profissionalização (em funcionamento nas comarcas de Rio Branco, Brasiléia,
Cruzeiro do Sul);
5. MBA em Administração de Poder Judiciário para Magistrados Convênio: Tribunal de Justiça/Governo do Estado/Fundação Getúlio Vargas, em fase de conclusão: elaboração do TCC;
6. Juizado de Trânsito, com atuação somente em Rio Branco, funciona na modalidade de Juizados Especiais;
7. Conselhos de Conciliação/Núcleos de Conciliação e Mediação instituídos pelo
Provimento nº 01/2007;
8. Sistemas de Gravação de Audiência para agilização do tempo de duração da
audiência;
9. INFOSEG, rede nacional que integra informações dos órgãos de Segurança
Pública, Justiça e de Fiscalização em todo o País, como dados de pessoas com inquéritos,
processos, mandados de prisão, além de dados de veículos, condutores e armas;
10. BACENJUD, sistema de atendimento às solicitações do Poder Judiciário ao
Banco Central do Brasil, permite bloqueio e desbloqueio de contas bancárias e ativos financeiros;
11. PROCESSO VIRTUAL: O Tribunal de Justiça do Estado do Acre, em parceria
com o Conselho Nacional de Justiça, em 29 de fevereiro, implantou o Sistema de Processo
Virtual – PROJUDI, no Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, possibilitando o trâmite eletrônico dos processos relativos à Lei Maria da Penha (Lei Federal Nº
11.340. de 07 de agosto de 2006);
12. Capacitação de Magistrados em Mediação e Conciliação - à Distância;
102
Revista ESMAC
13. Programa Conciliar (estender a todas as comarcas do Estado);
14. More Legal (regulamentação de loteamentos urbanos irregulares);
15. Novos Núcleos de Justiça Comunitária (Convênio Prefeitura Municipal de Rio
Branco e Secretaria da Reforma do Judiciário);
16. Comunicação da Corregedoria – Informativo, Internet (site);
17. Redução da taxa de congestionamento de processos da Justiça Comum a um
terço.
Para tanto, sobreleva a necessidade de construção de planejamento estratégico coletivo para a Corregedoria Geral da Justiça como ponto de partida para elaboração de documento formal, pois, conforme Peter Drucker assinala:
Cada organização precisa embutir o gerenciamento das mudanças em sua própria estrutura.
Os gestores devem aprender a fazer, a cada dois ou três anos, a seguinte pergunta a respeito
de cada serviço, processo de trabalho, procedimento e política: Se já não fizéssemos isto,
será que começaríamos a fazer agora, sabendo aquilo que sabemos?”. (DRUCKER, 1995,
pg. 46)101
101 DRUCKER, Peter. Administração em Tempos de Grandes Mudanças. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1995
103
CONCLUSÃO
Eis pois, consubstanciada neste trabalho a relevância do Planejamento Estratégico
das Corregedorias Gerais da Justiça para assegurar o princípio constitucional da razoável
duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal).
Para tanto, imprescindível construir uma nova visão para o pensamento e a gestão
estratégica, mediante uma consultoria para estabelecer o diálogo estratégico, considerado
pelo professor Paulo Roberto Motta como uma forma privilegiada de reconstruir a integração no trabalho a partir do conhecimento externo sobre as demandas e as necessidades do
mercado.
Daí porque, considera Paulo Motta de grande valia toda ajuda, interna e externa,
tendo como essenciais as perspectivas dos dirigentes, dos setores organizacionais e, principalmente, dos que lidam com fornecedores e clientes externos.
Neste passo, adiro à convicção do envolvimento de pessoas de fora, na qualidade
de consultores, como ajuda a contrapor o aprendizado, calcado em práticas internas que se
manifestam em formas repetitivas de comportamento, de vez que os conhecimentos sistematizados por acadêmicos e os acumulados pela experiência de consultores enriquecem o
patrimônio gerencial da instituição.
Especialmente, conforme pontua Motta, o diálogo estratégico não pode ser jamais
o simples somatório ou a consolidação de opiniões isoladas e metas de um grupo pequeno.
Deve, sim, resultar em um plano consensual sobre as prioridades coletivas e as obrigações e
compromissos.
No caso da Corregedoria Geral da Justiça do Acre impende refletir sobre uma nova
visão para o pensamento e a gestão estratégica centrados nos denominados três momentos
fundamentais: missão, visão e estratégias. (Paulo Motta, p. 13)102.
Certo é que o improviso e a informalidade não mais têm lugar na administração judiciária.
Tanto é que, o Conselho Nacional de Justiça editou ato normativo − Resolução nº
49, de 18.12.2007 – que determina aos Tribunais de Justiça a criação de núcleos de gestão
estratégica e de estatística destinados a auxiliar o Tribunal de Justiça na racionalização do
processo de modernização institucional bem como subsidiar o processo decisório dos magistrados conforme princípios estritamente profissionais, científicos e éticos.
Na mesma perspectiva, no Encontro Nacional do Judiciário, realizado na cidade
de Brasília-DF, em 25.08.2008, os Presidentes do Supremo Tribunal Federal e do Conselho
Nacional de Justiça, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior do Trabalho e do
Conselho Superior da Justiça do Trabalho, o Coordenador-Geral a Justiça Federal e os Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho, dos Tribunais Regionais Eleitorais, dos Tribunais de Justiça, dos Tribunais de Justiça Militar e do
Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça firmaram a Carta do Judiciário, assumindo o
compromisso com o planejamento e com a execução, de forma integrada, de um conjunto de
ações voltadas ao aperfeiçoamento da instituição e à efetividade da prestação jurisdicional.
Por tudo isso, ad conclusum, a formulação do Planejamento Estratégico da Corregedoria Geral da Justiça contribuirá decisivamente para a modernização dos serviços judi102 MOTTA, PAULO ROBERTO, org., Disciplina Planejamento Estratégico. Programa de MBA em Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas.
104
Revista ESMAC
ciais e extrajudiciais de um Poder Judiciário melhor, apto a servir à sociedade de forma mais
eficiente, transparente e efetiva, em cumprimento ao primado constitucional da razoável
duração do processo, tornando concretos os direitos e as garantias fundamentais inscritos na
Constituição Federal.
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Brasília: Brasília Jurídica, 2006.
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www.universiabrasil.net>. Acesso em: 15/11/2004.
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VALERIANO, D.L. Gerenciamento Estratégico e Administração por Projetos. São Paulo:
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106
Revista ESMAC
PODER DESCENTRALIZADO
NOVAS PERSPECTIVAS ORÇAMENTÁRIAS
Elcio Sabo Mendes Júnior
INTRODUÇÃO
Há muito tempo o Poder Judiciário brasileiro é alvo de vorazes e exacerbadas
críticas e questionamentos, notadamente, em face de alegada morosidade de suas decisões
e gestão pouco eficiente, exigindo de seus administradores rápida adoção de novas políticas
públicas de reforma desse sistema. A par de tais deficiências, é sumamente importante o
estudo de Sistemas Judiciários Comparados, o que, certamente, trará subsídios importantíssimos para eventuais propostas de aperfeiçoamento da Justiça Brasileira.
Diante das premissas supramencionadas, a metodologia estabelecida neste estudo
visou um delineamento do caminho percorrido pelo Poder Judiciário nos âmbitos mundial,
nacional e estadual, tudo, no sentido de melhor subsidiar no fornecimento de ferramentas de
gestão, sempre com os olhos voltados para as situações já erigidas ao sucesso.
Portanto, o estudo de variedades culturas e sistemas complexos judiciais, fazem
com que tenhamos necessidade de modernização das estruturas arcaicas as quais somos
submetidos, propiciando, daí, a real necessidade do Poder Judiciário estabelecer métodos de
planejamento de gestão a altura de um melhor atendimento aos Jurisdicionados.
Com efeito, é fato notório que a comparação é o método primordial e ferramenta
indispensável para a pesquisa, pois é através dela que se aperfeiçoa a análise estratégica, evitando-se a mera e simples imitação, dando, com certeza, um horizonte de luz nas reformas
preponderantes e necessárias ao nosso Sistema Judiciário.
Na mesma esteira de raciocínio se encontra a necessidade de estudos organizacionais comparativos para que com uma visão preponderante de melhor atendimento encontremos o melhor caminho para a construção de um Poder Judiciário, onde a missão seja sempre
no sentido de buscar aprimoramentos nas ferramentas cotidianas de instrumentalização e
construção de rotinas administrativas.
As rotinas administrativas coligidas nos métodos de estudos servem para dar toda
a estrutura de fomento organizacional, no sentido de melhor gerir o Poder Judiciário, isso de
forma gradativa e quebrando as amarras da centralização existentes e criadas cotidianamente
no seio do Poder em questão.
Por derradeiro, é importante ressaltar que diversos fatores, dentre os quais, os sócio-culturais, econômicos ou políticos, influenciam sobremaneira nos aspectos intrínsecos
de Gestão do Poder Judiciário, temas estes, que, também, serão abordados neste singelo
estudo.
107
1. PODER JUDICIÁRIO – GESTÃO – DESCENTRALIZAÇÃO –
AMPLITUDE MUNDIAL
Não há como esconder que o fenômeno da globalização exerce forte influência no
estudo de uma melhor Gestão do Poder Judiciário, conforme será fartamente demonstrado
no estudo a seguir alinhavado.
Os entes públicos, já há alguns anos, vêm-se confrontando com as intervenções
empresariais na sociedade global e delas consegue arrancar modelos de gestão que, objetivando eficiência, primam pelo “downsiging”, pela descentralização decisória e, sobretudo,
pela racionalização orçamentária e administrativa de inadiável aplicação à Administração
Pública.103
Não se pode mais focar o serviço judicial como era há algumas décadas em que a
sociedade movia-se mais lentamente. Hoje, as telecomunicações e a sociedade de informação integram-se a uma era virtual. Atualmente, não é mais cidadão de uma província ou de
um burgo. Pagamos tarifas“globais”e nos comunicamos com qualquer pessoa em qualquer
lugar do mundo, desembolsando, ou melhor, debitando em uma conta corrente, desde alguns centavos ou dólares, para custear um serviço interativo que nos é prestado. Vivemos,
também, a era do tele-trabalho e dos serviços personalizados. Do lado dos excluídos ou dos
que ainda não ingressaram nesse nicho sofisticado da sociedade de serviços, a visão é que se
mantém distanciada do sentido de transformações do tempo e do espaço.104
Quando discorremos sobre Gestão do Poder Judiciário, esta se busca numa amplitude a fugir do alcance da visão, pois a maior celeridade do Poder em questão caminha
desde uma melhor legislação, abrangendo, assim, aspectos de celeridade, métodos de aplicabilidade de modelos novos, até chegar numa melhor destinação dos recursos financeiros
aplicáveis na órbita interna.
Por sua vez, o planejamento contém um componente indescartável que é a objetividade. A fixação de metas pressupõe métodos que a ciência nos fornece, a partir da contribuição dos que pararam para refletir nos objetivos propostos ou almejados. E o método
facilita quem o emprega e pode ser transmitido por uma educação voltada para que ele, a
partir da experiência, seja utilizado pela e em favor de uma maior parcela de pessoas e atividades.105
103 FREIRE, Alexandre Costa de Luna – Juiz Federal – Administração Judiciária - Tom Peters, em “Conheça os modelos de
empresa antes de reinventar a sua”, Folha Managent, n. 16, de 27.11.1995 –
104 FREIRE, Alexandre Costa de Luna – Juiz Federal – Administração Judiciária – A Lentidão e a Estatística..
105 FREIRE, Alexandre Costa de Luna – Juiz Federal – Administração Judiciária.
108
Revista ESMAC
1.1. Modelo de Gestão - Estados Unidos
Somente à guisa ilustrativa, a Justiça Americana, em regra, serve de modelo, e
pode, precisamente, ser atribuída à adoção de outras formas de solução de conflitos, como a
arbitragem, mediação e o sistema do rent-a-judge. A arbitragem e mediação têm sido aplicadas no Brasil com grande sucesso nos Juizados Especiais e Tribunais Arbitrais.
A Universidade de Harvard desenvolve um Projeto de Estudo de Negociação (The
Harvard Negotiation Project), mediante acordo sem concessões (Agreement without Giving
In), com a participação da figura do negociador, que é um terceiro, um assessor, que orienta
as partes litigantes sobre a melhor forma de fazer o acordo.
Ao se comparar o sistema judicial brasileiro com o sistema judicial norte-americano, por exemplo, emerge a clara necessidade de adotarmos algumas mudanças que permitam
maior acesso ao jurisdicionado, bem como mais democratização do sistema e melhor divisão
de competências.
Nos Estados Unidos da América às decisões da Suprema Corte (U.S. Supreme
Court) vinculam o Judiciário e valem para todo o País e para todos, podendo ser reformuladas para adaptar a aplicação dos princípios a novos tempos. O mesmo ocorre relativamente
à Corte Federal de Apelação (Federal Court os Appeals).
Já o nosso Supremo Tribunal Federal – STF, de acordo com a competência que lhe
foi atribuída pela Carta Política de 1988, concentra grande quantidade de demandas, o que
vulnera a sua função precípua de Guardião da Constituição.
Com o advento da Legislação de n° 11.418, a qual modificou a nossa Lei Adjetiva
Civil, no sentido de melhor adequá-la à exigência da demonstração da repercussão geral
das questões constitucionais. Na mesma esteira a Emenda Regimental nº 21, de 30 de abril
de 2007, completou a normalização da matéria, alterando a redação de diversos artigos do
Regimento Interno do Supremo.
Construiu-se, assim, o famoso filtro recursal ao Recurso Extraordinário, possibilitando, que o Supremo Tribunal Federal utilize-se do direito comparado para invocar o requisito da transcendência, exigido pela Suprema Corte Argentina e o writ of certiorari adotado
pela Suprema Corte Norte-Americana.
Vale lembrar, ainda, o stare decisis, forma abreviada da expressão latina stare decisis et non quieta movere (ficar com o que foi decidido e não mover o que está em repouso),
constitui-se na pedra angular do sistema do Common Law, por força do qual “a decision
by the highest court in any jurisdiction is binding on all lower courts in the same jurisdiction”.106
E não pára por aí, pois existe, ainda, o Judicial Council, cuja função primordial é o
planejamento estratégico das políticas públicas do Poder Judiciário.
No Brasil, caminhamos a passos lentos com a SúmulaVinculante, caso copiássemos integralmente o modelo do stare decisis, como é praticado nos EUA, estabelecendo o primado do precedente
judicial, que contribui para a diminuição de demandas já reiteradamente decididas no Judiciário, certamenteseporiafimàscausasprevidenciáriasreiteradas,àsindenizatóriaseasdeplanoseconômicoscontraoEstado,quesãoasquemaisentulhamecontribuemparaamorosidadetãoproclamadadoJudiciário
brasileiro.
106 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Sérgio Antônio Fabris
Editor, Porto Alegre, 1984, pág. 80.
109
1.2. Modelos de Gestão - Instituições Mundais
Nota-se, que os modelos supramencionados servem de arcabouços lógicos a estruturar qualquer modelo mundial de Gestão de Poder Judiciário, somente a título de exemplos,
entretanto, isso não é suficiente, já que nos Estados Unidos, o assunto é prioritário, como
deveria o sê-lo em qualquer outra nação.
Naquele País, há dezenas de anos existem órgãos públicos e privados que se dedicam, com exclusividade, ao aperfeiçoamento do Poder Judiciário. No âmbito federal, existe
em Washington, D.C o Federal Judicial Center; que promove permanentes cursos de atualização para os magistrados, além de realizar estudos constantes de técnicas de administração judiciária. Na esfera estadual, em Williamsburg, Estado de Virgínia, encontra-se o
National Center for States Courts, que é uma entidade privada financiada pelos Tribunais dos
50 estados norte-americanos. Seu objetivo, da mesma forma, é o aperfeiçoamento da Justiça,
inclusive com um laboratório experimental da Justiça do futuro. No Estado de Nevada funciona o Judicial National College, também destinado à magistratura dos estados. Localizado
em uma área de grandes proporções, recebe Juízes para cursos que vão desde atualização
em determinadas áreas até o mestrado. Suas acomodações permitem que os magistrados
se façam acompanhar das famílias, conciliando, assim, a dedicação aos estudos e ao lazer
familiar107.
Mais próximo, temos o CEJA — Centro de Estudos de Justiça das Américas -, entidade autônoma vinculada à Organização dos Estados Americanos, com sede em Santiago do
Chile, que tem por objetivo a reforma e a modernização dos sistemas judiciais do continente,
vem promovendo congressos e publicações sobre a matéria.108
Na Argentina, a Organização Não-Governamental FORES – Foro de estúdios sobre La administración de justicia -, promove, há mais de 30 anos, congressos, concursos,
publicações e outras atividades com grande sucesso109.
Depois deste breve apanhado, chega-se a conclusão que não basta pequenas alterações na legislação, novos modelos, contudo, sem adentrarmos no cerne da problemática,
qual seja a utilização adequada de recursos públicos numa melhor estruturação do Poder
Judiciário para o atendimento ideal aos jurisdicionados, sob pena de se assim não o fizermos,
estaremos, com certeza, edificando algo que dificilmente poderá ser destruído.
107 FREITAS, Vladimir Passos – A eficiência da Administração da Justiça – Revista da AJUFFERGS/03 – p. 79.
108 FREITAS, Vladimir Passos - Gestão do fórum como parte da administração da Justiça - http://groups.google.com.
br/group/gustavorochainforma/browse_thread/thread/4b9c32ad97c25f4d
109 CARDENAS, Chayer, 2005
110
Revista ESMAC
2. PODER JUDICIÁRIO – GESTÃO – DESCENTRALIZAÇÃO
AMPLITUDE NACIONAL
As dificuldades destes tempos foram bem retratadas nos Sermões do Padre Antonio Vieira. Nas palavras de Arno e Maria José Wehling, o principal obstáculo para a
ineficiência portuguesa e colonial era, na denúncia de vieira, o espírito cartorial, com
seus tortuosos meandros, e a massa de documentos que exigia: petições, patentes, certidões, justificações, folhas corridas. aí esta a origem do nosso poder judiciário110.
Com o advento do Sistema Republicano, o nosso Poder Judiciário procurou grande
aproximação com o modelo implementado nos Estados Unidos.
Somente à guisa de comentário, é importante frisar que após a Revolução Francesa e a Declaração da Independência dos Estados Unidos, ressalvadas tímidas exceções,
como na Inglaterra, ganhou o Judiciário status de Poder, e mesmo assim com fortes
restrições, inclusive nas Constituições Francesas deste século, não menos verdadeiro é
que nesta mudança de século e milênio está ele a assumir postura ainda mais relevante,
colocando-se como guardião da cidadania e, via de conseqüência, da própria sociedade,
perfil que lhe dão as próprias leis básicas, a exemplo da Constituição brasileira de 1988,
que capitaneia, entre nós, um rico acervo de leis de grande expressão social, quer em
relação ao direito material, quer no que tange ao direito instrumental111.
Daí a grande pergunta que insiste em provocar celeumas: - O Poder Judiciário
Brasileiro está preparado para enfrentar a problemática administrativa/orçamentária
no seu arcabouço estrutural?
A “crise” das instituições no Brasil e no mundo moderno advém da chamada “crise
de valores”. A existência humana é descrita, antes de tudo, a partir da luta pela sobrevivência. Desde ocasiões imemoriais o homem apenas transpôs, em algumas nações, a consciência da selva propriamente dita, para a selva de pedra, de aço, de silício, de silicone, de chips
ou de qualquer outra que a tecnologia venha a proporcionar112.
110 A eficiência na Administração da Justiça – Vladimir Passos de Freitas citando WEHLING, Arno e Maria José, Direito e
Justiça no Brasil Colonial, p. 101.
111 TEIXEIRA, Sálvio da Figueiredo - O JUDICIÁRIO E AS PROPOSTAS DE UM NOVO MODELO - http://www.neofito.
com.br/artigos/art01/jurid185.htm
112 FREIRE, Alexandre Costa de Luna – Juiz Federal – Administração Judiciária
111
2.1. Poder Judiciário - Expressão da Soberania Nacional
Primeiramente, entendo de bom alvitre trazer lições do Saudoso Tancredo Neves:
“O Poder Judiciário é a expressão de nossa soberania, de nossa cultura, de nossa dignidade
cívica. Enquanto tivermos Poder Judiciário vigilante, a Democracia do Brasil poderá sofrer
eclipses, mas jamais entrará em colapsos definitivos.”
Poder-se-ia, ainda, iniciar a explanação sobre o âmbito administrativo do Poder Judiciário, atualmente guarnecido pelo art. 96 da Carta Magna, o qual transcrevo na íntegra:
“Art. 96. Compete privativamente:
I - aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das
normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e
o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados,
velando pelo exercício da atividade correicional respectiva;
c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva
jurisdição;
d) propor a criação de novas varas judiciárias;
e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no
art. 169, parágrafo único, os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de
confiança assim definidos em lei;
f ) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores
que lhes forem imediatamente vinculados;
II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor
ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:
a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores;
b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos
que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes,
inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 41, 19.12.2003)
c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores;
d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;
III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios,
bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade,
ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.”
E quanto ao orçamento, eis o seu texto:
“Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, siste-
ma de controle interno com a finalidade de:
I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas
de governo e dos orçamentos da União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão
orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem
112
Revista ESMAC
como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e
haveres da União;
IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.
§ 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de
responsabilidade solidária.
§ 2º - Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na
forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da
União.”
Já o art. 93, XIV, da nossa Lex Mater, nos traz lapidares ensinamentos e com
certeza servirá de parâmetro para todo o deslinde da discussão que versa sobre tal assunto:
“os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero
expediente sem caráter decisório.”
Portanto, ao se falar em Administração Judiciária, as duas faces se transformam,
em realidade, em faces fugazes como uma moeda em movimento. É esta a figuração que se
transporta à subjetividade do raciocínio judicial diante do ¨cliente-cidadão”. Intermitentes
“juízos” – seja uma única “ação” contida nos “autos do processo”, sejam múltiplas, individuais ou coletivas –diante da estrutura legislativa existente e da demanda avassaladora das
pretensões à tutela judicial, no quadro da diversa e difusa balcanização (balcão de atendimento; neologismo, oficioso, limitado às carências coletivas de direitos individuais mínimos, que acomete ao Poder Judiciário Brasileiro do Século Vinte e Um113.
2.2. Modelos de Administração da Justiça Brasileira
“No Brasil, como é sabido, os Juízes que administram os fóruns não são preparados
para exercer tal função. Normalmente, são escolhidos pelos órgãos de cúpula dos tribunais,
tendo em vista a antiguidade, a respeitabilidade de que gozam na sua comarca (subseção
judiciária ou unidade judiciária, na Justiça Federal e do Trabalho) ou mesmo a afinidade com
o presidente do tribunal. Assim, assumem atribuições para as quais não estudaram e, de um
dia para outro, deixam os seus processos (ou continuam com eles, cumulativamente) e passam a preocupar-se com os conflitos entre funcionários, as vagas no estacionamento, a necessidade urgente de consertar o telhado e coisas semelhantes.
Aqui é preciso que se esclareça um detalhe pouco conhecido. O diretor do foro
da seção judiciária da Justiça Federal em um estado é o gestor administrativo de todos os
serviços judiciários na unidade da federação. Seu orçamento é expressivo, seu poder e responsabilidades imensos. É por isso que, na maioria das seções judiciárias, o diretor do foro
se afasta da jurisdição, já que é praticamente impossível ser juiz e administrador a um
só tempo.
No interior de alguns estados, existem as subseções judiciárias, equivalentes às comarcas de Justiça Estadual. As subseções também têm os seus diretores, porém seus poderes
são mínimos, quase que exclusivamente de representação.
113 FREIRE, Alexandre Costa de Luna – Juiz Federal – Administração Judiciária
113
Na Justiça do Trabalho, o diretor do fórum (ou do foro, conforme o hábito local)
é escolhido pelo presidente do Tribunal Regional do Trabalho, pelo período de dois anos,
não tem autonomia administrativa e financeira e nada recebe a tal título. Atuam nas áreas de
jurisdição de suas unidades judiciárias, termo equivalente às comarcas da Justiça Estadual.
Na Justiça Estadual, regra geral, o diretor do fórum (termo usado na maioria dos
estados) não tem autonomia administrativa e financeira. Age por delegação do tribunal, tem
poderes restritos à sua comarca e, conseqüentemente, menos independência funcional”114.
No Tribunal de Justiça de Rondônia, os diretores dos fóruns são ouvidos na elaboração de seu orçamento e, com isto, podem externar algumas necessidades que a administração central desconhece. Além disto, a Lei Estadual 271, de 19 de maio de 2005, e a Resolução 09/05, permitem a contratação de administrador do fórum para auxiliar o juiz nesta
função115.
Nota-se, cristalinamente, a forma simplória de enfrentamento por parte do Poder
Judiciário, quando se depara com o tema da Administração da Justiça, entretanto, recentemente, tem-se deparado com ares de seriedade sobre o assunto.
Portanto, a administração judiciária, enquanto habilidade pessoal necessária aos
operadores do Direito é uma idéia muito recente. Os cursos jurídicos no Brasil não contemplam em seus currículos nem mesmo a disciplina de Introdução à Administração. Por certo,
é a finalidade de prestar a jurisdição que norteia o recrutamento dos magistrados.
No entanto, tendo ingressado na magistratura, o juiz tem diante de si desafios que
extrapolam o direito e a jurisdição. Percebe que, diante do vultoso número de processos a
serem apreciados, a necessidade e o dever lhe imputam atividade diversa daquela para a qual
sua formação acadêmica o habilitou: a de administrar os meios necessários para prestar a
jurisdição. À frente da vara, da seção judiciária, de seu gabinete ou na presidência do
tribunal, o magistrado administra recursos humanos e materiais, administra o tempo,
delega atribuições [e estabelece os procedimentos mais adequados para o bom funcionamento de sua unidade jurisdicional.116
O Ministro Mário Guimarães ao discorrer sobre a autonomia do Poder Judiciário,
pontificou:
“A admissão do Judiciário como poder autônomo, representa, por conseguinte, indeclinável garantia dos direitos dos cidadãos, sem o qual não é possível o florescimento da vida
democrática e assinala um marco avançado na evolução jurídica dos povos.”
2.3. Das Reformas Instituídas pelo Conselho Nacional de Justiça
Não se olvide que o Brasil deu inicio a recentes reformas no sistema judiciário, visando
à democratização do Poder, com a criação de um órgão de controle das suas atribuições administrativas e financeiras, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o qual conta, inclusive, com membros
oriundos de outras instituições da sociedade civil, alheios ao Poder Judiciário, fato que foi alvo de acirradas críticas iniciais, mas que, depois, acabou por ter boa aceitação junto à própria magistratura.
114 Freitas, Vladimir Passos - Gestão do fórum como parte da administração da Justiça http://groups.google.com.br/group/
gustavorochainforma/browse_thread/thread/4b9c32ad97c25f4d
115 Freitas, Vladimir Passos - Gestão do fórum como parte da administração da Justiça http://groups.google.com.br/group/
gustavorochainforma/browse_thread/thread/4b9c32ad97c25f4d
116 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062
114
Revista ESMAC
Nota-se, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça veio de forma a exigir uma
maior Prestação de Contas no sentido lato de todos os Tribunais do Brasil, onde fica patente
a busca no Direito Comparado da expressão accountability (prestação de contas), embora
pouco conhecida na administração pública brasileira, é bastante valorizada no sistema judicial americano, inclusive na estrutura dos órgãos que fazem parte da administração da
justiça, haja vista que possibilita a fiscalização de planos de metas e avaliação periódica do
funcionamento da Instituição.
Em 30 de agosto de 2006, o Conselho Nacional de Justiça, deu o primeiro passo
quanto a necessidade de melhor administrar a Justiça, quando a Ministra Ellen Gracie asseverou:
“O magistrado precisa ser um grande administrador, com visão moderna”117.
Para viabilizar a construção de um método de planejamento estratégico para o
sistema judiciário, o ideal seria a criação de um centro de estudos de administração judiciária
acobertado pelo Conselho Nacional de Justiça, para, partindo da metodologia proposta por
Carlos Matus, desenvolver um método de planejamento específico para o sistema judiciário.
Um planejamento estratégico nesses moldes significaria o envolvimento gradativo das várias
estruturas necessárias à realização da Justiça em torno de objetivos comuns, tendo em vista
terem sido consensualmente estipulados118.
O inciso XIII, do art. 19 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça
estabelece, para a definição e fixação do planejamento estratégico do Poder Judiciário:
“a participação dos órgãos do Poder Judiciário, podendo ser ouvidas as associações nacionais de classe das carreiras jurídicas e de servidores”.
A análise das metodologias de planejamento estratégico é realizada no contexto da
formulação de um plano de reforma do sistema judiciário brasileiro. Esse tema ganha relevância na medida em que serve como análise das opções metodológicas a serem adotadas
pelo Conselho Nacional de Justiça em sua missão de definir e fixar o planejamento estratégico do Poder Judiciário119.
Na mesma linha de raciocínio, o 42° Encontro Nacional do Colégio de Corregedores-Gerais da Justiça, criou a CARTA DE VITÓRIA/ES, nos seguintes termos:
“O Colégio Nacional de Corregedores-Gerais da Justiça do Brasil, reunido na cidade de
Vitória - Capital do Espírito Santo, entre os dias 09 a 12 de Agosto de 2006, constantemente
preocupado com o funcionamento e a atualização do Poder Judiciário, deliberou, por unanimidade, o seguinte:
I - RECOMENDAR aos órgãos do Poder Judiciário dos Estados e do Distrito Federal:
a) a adoção de mecanismos eficazes no sentido de instruir os agentes judiciais a melhor
administrarem os bens móveis judicialmente depositados;
b) a elaboração de projetos capazes de incentivar maior aproximação do Judiciário com os
jurisdicionados, proporcionando-lhes acesso fácil à Justiça;
II - APOIAR o Conselho Nacional de Justiça na iniciativa de elaborar normas para a uniformização dos procedimentos disciplinares envolvendo magistrados e de estabelecer estra117 http://www.cnj.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2463&Itemid=42
118 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062
119 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062
115
tégias visando à melhoria da prestação jurisdicional;
III - SUGERIR aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal que assegurem às
Corregedorias dotações orçamentárias, conferindo-lhes autonomia financeira;
Vitória/ES, 11 de Agosto de 2006”.
Em matéria recente, publicada no site da CONJUR, restou demonstrado o NOVO
ROSTO, por qual o Judiciário avança com práticas inovadoras de Gestão, da lavra de Gláucio Milício:
“O Judiciário brasileiro está mudando de rosto. Muitos juízes do século XXI perceberam que não basta mais apenas dar despachos e sentenças. Agora, há espaço para uma
nova figura na Justiça: o juiz administrador. Prova disso são as práticas inovadoras de gestão
que muitos deles vêm apresentando para agilizar os julgamentos dos processos.
A idéia de despertar o juiz gestor surgiu, no ano passado, quando o Conselho
Nacional de Justiça fez uma parceira com a Associação dos Magistrados Brasileiros e com
o Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça para discutir e divulgar as melhores práticas de gestão, eficiência e qualidade da administração judiciária.
Desde então, integrantes do CNJ foram a campo conferir novos projetos de gestão,
conhecer propostas de tribunais e varas e criar uma rede de metas comuns nacionais e locais.
Tudo isso na busca de uma prestação jurisdicional efetiva. Nos últimos meses, o Conselho
promoveu encontros em diversas regiões do país.
Recentemente, a Justiça estadual do Rio Grande do Sul apresentou propostas
inovadoras. O encontro regional aconteceu no dia 13 de outubro. O foco foi o papel de
liderança dos juízes com o conhecimento em gestão. Foram apresentados práticas de gestão
compartilhada, processo virtual, gravação de depoimentos em CD, leilão virtual e soluções
para demandas de massa.
O Modelo de Gestão Compartilhada foi apresentado pelo juiz José Luiz Leal
Vieira. Ele foi criado enquanto o magistrado fazia parte da Comarca de Casca, no interior
do Rio Grande do Sul. O juiz, hoje na Comarca de Frederico Westphalen, disse à revista
Consultor Jurídico que a necessidade surgiu depois de a demanda processual ser quadruplicada na Comarca. A equipe fez um mapeamento das ações em tramitação e o seu tempo de
solução. Logo depois, foram padronizados e adotados procedimentos que conferiram maior
celeridade aos processos.
O primeiro passo adotado foi melhorar o ambiente de trabalho, com medidas para
potencializar a saúde física e mental da equipe. Isso com o reconhecimento das boas iniciativas e uma efetiva participação de cada um. Ele destacou que o modelo de gestão, onde todos
participam, pode ser adotado por qualquer unidade jurisdicional.
Segundo Vieira, no momento da implementação do projeto, a equipe se comprometeu com a filosofia da qualidade. Iniciou-se, então, uma padronização de acordo com
fluxos ajustados a cada tipo de ação. Assim, aqueles despachos judiciais que aparentemente
facilitavam o trabalho judicial e cartorário foram revistos. O juiz disse que houve, por exemplo, a exclusão da chamada réplica automática sem o processo ser concluso ao juiz. “Aboliuse uma prática que até então era considerada um ganho em termos de tempo e trabalho. Com
isso, obteve-se, de imediato, redução nos prazos de tramitação desses processos em 60%”,
disse.
Segundo ele, foi feita uma pesquisa de opinião da sociedade em relação ao Judiciário local. Para o juiz, os resultados foram “extremamente positivos” e “balizarão as
próximas ações do Judiciário”. Com o trabalho, a comarca tornou-se referência por causa de
seu atendimento diferenciado, espírito de equipe e trabalho social junto à comunidade.
116
Revista ESMAC
Ainda no Rio Grande do Sul, o juiz Vancarlo André Anacleto, da Comarca de
Igrejinha, começou a utilizar o Processo Virtual para dar celeridade na prestação jurisdicional. Lá, diversos atos processuais são comunicados por e-mail, procedimento que a Corregedoria-Geral da Justiça já estendeu para todo o estado.
Em 2006, a virtualização foi estendida para ações de Execução Fiscal no município, reduzindo 68% dessas demandas. Em março de 2007, havia 9.545 execuções. Em
junho deste ano, o número foi reduzido para 6.165. Ações de separação e divórcio, dissolução da união estável e alimentos também tramitam pela internet.
Qualidade na Gestão
Vieira destacou que hoje o magistrado tem duas funções importantes: julgar e
administrar. Ele ressaltou, contudo, que a principal função é a de prestação jurisdicional e a
de dar andamento nos processos. A função de gestor é secundária, diz o juiz, mas não menos
importante.
“A qualidade da sua gestão vai repercutir na prestação jurisdicional. O juiz pode
ter a mesa limpa, sem nenhum processo para despachar, mas a Comarca dele — aos olhos do
cidadão — pode não ser boa”, registrou.
Questionado pela ConJur se existe um modelo ideal de boas práticas, o juiz explicou que o Judiciário atua em diversas áreas e com diferentes realidades. E que, por isso, não
existe um modelo padrão de inovação.
Por fim, o juiz ressaltou que a gestão compartilhada com servidores e funcionários
é simples e não depende de grandes conhecimentos em administração. “É preciso sair da
resposta de que é necessário mais juízes, mais servidores e mais computadores. É preciso
força de equipe para enfrentar a demanda que só tende a crescer”, ressaltou.
Outro canto do país
Na segunda feira (20/10), outras práticas de gestão mostraram como imprimir
celeridade à Justiça. O Encontro Regional de Planejamento do Poder Judiciário aconteceu
em Cuiabá (MT). No final do encontro, foram apresentadas 40 sugestões de boas práticas do
Judiciário.
O Tribunal de Justiça da Bahia deve copiar algumas delas, ainda este ano, para
agilizar o julgamento de seus processos. De acordo com dados recentes do CNJ, há mais de
100 dias, 40.950 processos estão conclusos à espera de sentença na Justiça da Bahia.
O TJ de Mato Grosso, para racionalizar o atendimento e o gerenciamento de processos, mudou e padronizou as escrivaninhas para somente um servidor atender o público,
enquanto os outros ficam cada um em outra função.
O juiz auxiliar da Corregedoria de Justiça do TJ de Mato Grosso, Luis Aparecido
Bertolucci, afirmou na ocasião que nas varas em que foram substituídos carimbos e documentos por registro de atos processuais em formulários padronizados houve bons resultados.
Segundo ele, evitou-se a perda de tempo e o volume dos autos foi reduzido, em média, 25%.
O presidente do TJ-MT, Paulo Lessa, destacou também da criação da Central de Conciliação
de Precatórios, inspirada no TJ de Minas Gerais.
Encontros marcados
OspróximosencontrosregionaisdevemaconteceremPernambuco(27/10),RioGrandedo
Norte (29/10), Bahia (3/11), São Paulo (6/11) e Santa Catarina (11/11).
Nodia8dedezembro,haverámaisumencontronacionalparaconsolidartodasaspropostas
estaduais.Asboaspráticasdegestãoeplanejamentoapresentadasserãocompiladastambémparainserção
117
no Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça de 2008 a ser enviado ao Congresso Nacional”120.
Gilmar Ferreira Mendes traz lapidares ensinamentos sobre a real necessidade de
novos tempos no arcabouço estrutural do Poder Judiciário:
“No Judiciário, a antiga estrutura processual e administrativa consubstancia desafio a ser enfrentado a partir da perspectiva do planejamento estratégico de todos os tribunais,
coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça, dirimindo o renitente problema de lentidão
processual, bem como aumentando a transparência e o acesso dos cidadãos -sobretudo dos
mais carentes- à prestação de justiça.
Tal racionalização está em andamento com a informatização de todos os órgãos.
Não se trata de mera opção técnica, mas de escolha inspirada nos direitos humanos. No caso
das varas de execução criminal, a informatização permitirá o controle adequado da situação
dos presos e evitará a manutenção da prisão além do tempo determinado e fora das condições
impostas pela condenação judicial.
A Justiça brasileira realmente tornou-se mais forte com a autonomia administrativa e financeira obtida a partir da Carta de 1988, cujos 20 anos coincidem com os 200 anos
da criação do primeiro órgão de cúpula da Justiça nacional, hoje personificado no Supremo
Tribunal Federal, corte que vem a ser a própria representação da constitucionalidade, da
ordem institucional”121.
O CNJ quer construir um modelo de planejamento estratégico nacional. Ele será
apresentado à sociedade no dia 8 de dezembro, Dia Nacional da Justiça. O conselheiro Antônio Antonio Umberto de Souza Júnior lembrou que a intenção do CNJ é inverter a lógica
de atuação. Ele disse que, no começo, a relação entre o CNJ e os tribunais foi de guerra por
causa do combate ao nepotismo.“Agora, pela primeira vez, há uma agenda organizada para
o auto-conhecimento do Judiciário. É uma fase de cooperação judiciária. Os TJs que não
conheciam práticas dos tribunais vizinhos passam a conhecê-las”, disse122.
Na mesma esteira, a Carta de Cuiabá traz propostas inovadoras para melhorar o Poder
Judiciário Brasileiro:
“CARTA DO ENCONTRO REGIONAL EM CUIABÁ
(Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás)
Os Presidentes dos Tribunais de Justiça de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul,
o Vice-Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, representantes dos Tribunais Regionais Eleitorais de Mato Grosso do Sul e de Goiás, os Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho da 18ª e 24ª Região, o Presidente em exercício do TRT da 23ª Região, a
Juíza-Auditora da 9ª CJM, os Presidentes da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho – AMATRA XXIII, da Associação dos Magistrados Estaduais ASMEGO e AMAM e o
Delegado da Associação dos Juízes Federais – AJUFE do Mato Grosso, em reunião regional
promovida pelo Conselho Nacional de Justiça e realizada na cidade de Cuiabá - MT, no dia
20 de outubro de 2008, após a discussão dos assuntos constantes da pauta, apresentaram as
seguintes sugestões de boas práticas do judiciário e propostas de objetivos estratégicos:
120 Revista Consultor Jurídico, 23 de outubro de 2008
121 Mendes, Gilmar – A Constituição e a estabilidade democrática – Site do CNJ
122 Revista Consultor Jurídico, 20 de outubro de 2008 - Pinho, Débora - Cooperação Judiciária
118
Revista ESMAC
- Implantar e fazer a gestão do planejamento estratégico institucional participativo, compatibilizando-o com o orçamento.
- Desenvolver planejamento de longo prazo, na perspectiva de continuidade das ações nas
mudanças de gestão, como forma de comprometimento com a instituição Judiciário.
- Aperfeiçoar a sistematização dos dados estatísticos no Tribunal a fim de que sejam monitorados e produzam insumos para a gestão.
- Implantar o escritório de projetos disseminando a cultura de gerenciamento de projetos.
- Otimizar os processos de trabalho através da normatização, padronização de procedimentos
e uso da tecnologia como iniciativa para promover a entrega da prestação jurisdicional em
tempo razoável.
- Adotar metodologia de organização do espaço de produção, racionalização do processo de
produção, com vistas a melhorar a produtividade nos gabinetes e nas secretarias.
- Promover a capacitação contínua dos magistrados e servidores, inclusive na área de gestão
e de orçamento, se valendo do EAD para treinar um maior número de servidores e implantando a Escola de Servidores.
- Focar na valorização e bem estar dos recursos humanos através de práticas dirigidas à saúde
dos servidores e dos magistrados e ao plano de cargos e salários dos servidores.
- Promover ações de responsabilidade sócio-ambiental.
- Proporcionar a justiça itinerante para atendimento da justiça nos lugares mais longínquos,
promovendo o acesso à justiça.
- Investir em projetos da justiça comunitária.
- Desenvolver a consciência de princípios e conceitos relacionados à cidadania e aos direitos
fundamentais por meio de parceria com a Secretaria da Educação e outras entidades, utilizando como subsídio cartilhas e capacitação de instrutores.
- Prevenir as infrações disciplinares no Poder Judiciário através de sistema e políticas de
controle acompanhando cada servidor para identificar práticas obsoletas e inadequadas
inovando com o ajustamento de conduta, em caso de falta leve, sem que seja instaurado
processo administrativo.
- Gerenciar a informação sob as perspectivas da qualidade, da transparência e da segurança.
- Implantar a gestão documental para agilizar os processos de trabalho, o trâmite processual
e proporcionar a modernização de arquivo.
- Celebrar convênios com outras entidades (por exemplo INCRA, Juntas Comerciais, Procuradoria Geral da Fazenda, OAB, RENAJUD, INFOJUD, BACENJUD) para otimizar a
execução e a prestação jurisdicional.
- Implantar o setor de praças e leilões que concentre a expropriação de bens e tem se mostrado como instrumento de elevado resultado.
- Utilizar a estatística por meio de relatório eletrônico como mecanismo de gerenciamento
da informação e identificação de anomalias que precisam ser enfrentadas pela administração
do Tribunal.
- Implementar o processo eletrônico, inclusive com gabinete virtual, de modo que o magistrado possa exercer suas atividades em qualquer lugar por meio de certificado digital.
- Conscientizar os advogados acerca da adequação aos procedimentos eletrônicos.
- Perceber a importância da transparência não só do trâmite processual, mas também, da
gestão administrativa e orçamentária.
- Promover a integração entre os magistrados e engajá-los no processo de planejamento e
gestão estratégica do Tribunal.
- Avaliar o desempenho de magistrados e servidores através de critérios objetivos.
- Implantar a Ouvidoria e o Controle Interno nos Tribunais.
- Criar central de conciliação de precatórios no Tribunal.
- Formar comissão permanente de conciliação, com possibilidade de realização de mais de
119
uma semana de conciliação por ano em Câmara Permanente de Conciliação.
- Utilizar a tecnologia da informação para otimizar os processos administrativos e o trâmite processual.
- Investir na capacitação dos servidores que realizam o atendimento ao usuário.
- Implementar o Diário da Justiça Eletrônico.
- Divulgar aos jurisdicionados os resultados alcançados pelos Tribunais na implementação
das boas práticas de gestão.
- Utilizar indicadores que meçam o nível de satisfação dos usuários internos.
- Divulgar no site do Tribunal a produtividade de todos os magistrados.
- Implantar a comunicação de atos com a sociedade por meio eletrônico.
- Desburocratizar as atividades do judiciário diante do cenário das novas tecnologias, no
sentido de rever práticas desnecessárias atualmente.
- Desenvolver política de segurança institucional e do magistrado.
- Firmar parceria com Receita Federal a fim de receber veículos e equipamentos apreendidos.
- Pensar em políticas que regulamentem os pedidos de remoção a fim de que os Tribunais
possam repor a vaga do servidor removido.
- Buscar a unicidade e a integração das unidades judiciárias, tendo em vista que a sociedade
percebe a justiça como um todo, independente da esfera de atuação.
- Criar estímulos de permanência de magistrados e servidores nas unidades judiciárias de
difícil provimento.
- Sensibilizar o Poder Executivo quanto à cultura da conciliação como meio de solução
rápida dos litígios.
Cuiabá – MT, 20 de outubro de 2008”.
Por derradeiro, entendo não ser por demais trazer lições cristalinas da lavra de
Claudia Dantas Ferreira da Silva, quando asseverou que “ao tempo em que intenta lançar algumas bases para a construção de uma teoria de administração judiciária, este
estudo constitui um ensaio acerca das possíveis contribuições que as modernas teorias e técnicas administrativas, principalmente as teorias de planejamento estratégico,
poderiam oferecer para uma modernização do sistema judiciário. Inclui conceitos administrativos e jurídicos, propondo efetuar um diálogo entre esses dois campos, identificando-lhes as intersecções e trazendo propostas para aplicações práticas e novas
reflexões teóricas”123.
123 http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062
120
Revista ESMAC
3. PODER JUDICIÁRIO – GESTÃO – DESCENTRALIZAÇÃO
AMPLITUDE ESTADUAL
Justificando suas deficiências com a escassez de recursos materiais e com a incompreensão dos ocupantes do Poder, o Judiciário no Brasil, talvez esquecido de que também é
governo, pouco tem feito de efetivo para transformar o quadro em que se insere, em posição
cômoda e irreal, quando notórias são as falhas que poderiam ser superadas com determinação e criatividade124.
De outra banda, o Estado do Acre por ter uma Magistratura reduzida em números
tem se dado ao luxo de implementar mudanças estruturais, contudo, sem o devido estudo de
um adequado planejamento estratégico.
Com efeito, tais iniciativas são visíveis quando da formatação do Projeto Cidadão,
Justiça Comunitária e outros, os quais acarretaram uma maior aproximação do Poder Judiciário com as pessoas carentes, dando, assim, nova forma de se fazer Justiça, entretanto,
esquecendo-se de um Planejamento Estratégico aplicável à cada situação nova vivenciada
nos referidos Projetos de alcance plenamente Social.
No Acre, tal preocupação com qualquer espécie de Planejamento Estratégico na
seara do Poder, ocorreu somente com a estruturação do MBA em Poder Judiciário, onde
os Juízes passaram a se preocupar na elaboração de estratégia para otimizar a gestão da
Unidade Jurisdicional, algo de suma importância na criação de novas rotinas administrativas
com o fito precípuo de estabelecer metas na entrega da Prestação Jurisdicional.
Diante de tal situação, exigiu-se o engajamento de todos os Servidores para o
sucesso da nova empreitada, pois mecanismos tecnológicos existiam à disposição – SAJ
– Serviço de Automação Judiciária -, faltando tão somente um melhor manuseio e incentivo.
A idéia de melhor desempenho está inserida na visão do conjunto organizacional, com estabelecimento de metas e objetivos a serem alcançados num determinado lapso
temporal, sempre, tendo, como foco primeiro o resultado no servidor, com olhos finais no
usuário.
A partir de então, adequasse as principais funções visando o alcance dos objetivos
e metas, com o acompanhamento constante de desempenho, avaliação e reavaliação dos
resultados e da eficiência.
No setor público, a busca pelo alto desempenho do setor público passa pela
divisão da gestão pública em duas facetas: a tática e a estratégica. A tática, anteriormente mais aplicada, concentra decisões de caráter operacional que se destinam ao
cumprimento dos objetivos. A estratégica, por outro lado, denota o esforço de definição
dos objetivos e dos resultados que devem ser atingidos, sempre com perspectivas temporal de médio ou longo prazo. Ou seja, o planejamento estratégico passou a ser uma
ferramenta crítica também para o alto desempenho das organizações públicas125.
124 TEIXEIRA, Sálvio da Figueiredo - O JUDICIÁRIO E AS PROPOSTAS DE UM NOVO MODELO - http://www.neofito.
com.br/artigos/art01/jurid185.htm
125 CARVALHO, Rodrigo Moreira de Souza – Ensaio sobre as políticas de segurança e saúde dos trabalhadores no Brasil
e nos Estados Unidos
121
3.1. Modelo de Gestão - Vara de Delitos de Tóxicoa e Acidentes de Trânsito
Utilizando-se como exemplo a Vara de Delitos de Tóxicos e Acidentes de Trânsito
da Comarca de Rio Branco-Acre, partindo daquela premissa maior, qual seja o aspecto da
União dos servidores, realizou-se no ano de 2007 a primeira reunião para se saber o grau de
dificuldade enfrentado pelos funcionários, bem como descobrir a capacidade de cada um no
desempenho preciso das tarefas cartorárias, a fim de dar celeridade à prestação jurisdicional.
Detectaram-se várias situações que contribuíam sobremaneira para o acúmulo de
processos, com destaque para o elevado grau de dificuldade no arquivamento de feitos e a não
realização de audiências dos processos antigos, razão pela qual foram estabelecidas diversas
rotinas administrativas, dentre as quais: “mutirão de audiências de processos antigos”; “nova
forma de condução no arquivamento de feitos”; “designação de audiência de instrução nos
processos novos, com prazo máximo de 30 (trinta) dias do oferecimento da Denúncia, sempre
obedecendo que, no referido prazo, o processo devia estar sentenciado”;“divisão de tarefas”;
“rodízio de servidores em cada setor”, objetivando o aprendizado geral, para evitar a concentração de conhecimento de determinadas tarefas em um único serventuário, o que resultou
nos quadros evolutivos, a seguir demonstrados:
ANO DE 2007
SENTENÇAS/2007
500
475
450
J A NEIRO
FEVEREIRO
400
M A RÇO
A B RIL
M A IO
300
J UNHO
250
A GOSTO
J ULHO
SETEM B RO
200
OUTUB RO
NOVEM B RO
150
DEZEM B RO
100
TOTA L
62
43
59
56
45
53
47,5
122
IA
ÉD
L
M
TA
TO
M
M
DE
ZE
BR
O
BR
O
RO
VE
NO
O
M
TE
SE
MESES
UT
UB
O
O
BR
ST
O
LH
O
AG
JU
O
0
NH
O
AI
59
JU
27
M
RI
L
AB
ÇO
36
FE
VE
RE
IR
IR
O
O
0
AR
0
35
M
50
JA
NE
QUANTIDADE
350
M ÉDIA
Revista ESMAC
AUDIÊNCIAS REALIZADAS/2007
700
687
600
J A NEIRO
FEVEREIRO
M A RÇO
QUANTIDADE
500
A B RIL
M A IO
J UNHO
400
J ULHO
A GOSTO
SETEM B RO
300
OUTUB RO
NOVEM B RO
200
DEZEM B RO
TOTA L
M ÉDIA
100
0
88
39
5
JA NE IRO
85
48
M A RÇO
95
93
0
M A IO
JULHO
61
S E TE M B RO
84
45
68,7
44
NO V E M B RO
TO TA L
MESES
DESPACHOS E DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS/2007
2500
2400
J A NEIRO
2000
FEVEREIRO
M A RÇO
QUANTIDADE
A B RIL
M A IO
1500
J UNHO
J ULHO
A GOSTO
SETEM B RO
1000
OUTUB RO
NOVEM B RO
DEZEM B RO
TOTA L
500
162
102
172
212
228
0
JA NEIRO
MA RÇO
MA IO
166
173
JULHO
ME S E S
123
237
226
SETEMBRO
267
M ÉDIA
273
NOV EMBRO
240
182
TOTA L
EVOLUÇÃO DA QUANTIDADE DE PROCESSOS EM TRÂMITE/2007
J A NEIRO
FEVEREIRO
900
M A RÇO
8 0 0 851
700
QUANTIDADE
A B RIL
825
M A IO
717
600
719
695
J UNHO
694
669
644 615
500
574
591
J ULHO
613
A GOSTO
SETEM B RO
OUTUB RO
400
NOVEM B RO
DEZEM B RO
300
200
100
BR
O
DE
ZE
M
BR
O
VE
M
NO
BR
O
TO
UB
RO
UT
O
SE
TE
M
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AG
OS
JU
JU
NH
AI
O
L
M
AB
RI
O
RO
AR
Ç
M
EI
IR
JA
NE
FE
VE
R
O
0
MESES
PROCESSOS DISTRIBUÍDOS E ARQUIVADOS/2007
1200
1048
1000
QUANTIDADE
800
processos
distribuídos
736
600
processos
arquiv ados
400
200
0
108
61
JANEIRO
186
41
68
43
MARÇO
60
55
63
52
MAIO
68
71
67
109
96
65
69
55
JULHO
MESES
124
SETEMBRO
75
100
88
95
NOVEMBRO
87
61,3
54
35
TOTAL
Revista ESMAC
Atos do Juiz Elcio Sabo Mendes Junior
SENTENÇAS/2008
0
45
391
0
40
JANEIRO
FEVEREIR
O
M ARÇO
QUANTIDADE
0
35
ABRIL
0
30
M AIO
0
25
JUNHO
0
20
AGOSTO
JULHO
SETEM BR
O
TOTA L
0
15
M ÉDIA
0
10
67
52
50
64
52
0
JAN
O
EI R
IRO
RE
VE
FE
R IL
AB
O
RÇ
MA
O
LH
JU
O
NH
JU
IO
MA
35
34
17
14
56
AG
TO
OS
43,44
L
TA
TO
RO
MB
TE
SE
D IA
MÉ
Atos do Juiz Elcio Sabo Mendes Junior - Audiências Realizadas/2008
350
333
JANEIRO
FEVEREIRO
M ARÇO
NÚMERO DE AUDIÊNCIAS
300
ABRIL
M AIO
JUNHO
250
JULHO
200
M ÉDIA
AGOSTO
SETEM BRO
TOTAL
150
100
50
61
48
55
J AN
E IR
O
FE
VE
RE
IR O
MA
RÇ
O
AB
R IL
MA
IO
JU
NH
O
JU
LH
125
O
AG
37
25
10
6
0
57
43
28
OS
TO
SE
TE
MB
RO
TO
TA
L
MÉ
DI A
Atos do Juiz Elcio Sabo Mendes Junior - Despacho/Decisão Interlocutória/2008
2500
2371
JANEIRO
2000
FEVEREIRO
QUANTIDADE
M ARÇO
ABRIL
1500
M AIO
JUNHO
JULHO
AGOSTO
1000
SETEM BRO
TOTA L
M ÉDIA
500
262
238
246
237
272
235
370
259
252
263
0
O
EIR
J AN
IRO
RE
VE
FE
R IL
AB
O
RÇ
MA
IO
MA
O
NH
JU
O
LH
JU
TO
OS
AG
L
TA
TO
RO
MB
TE
SE
DIA
MÉ
EVOLUÇÃO DA QUANTIDADE DE PROCESSOS EM TRÂMITE/08
700
600
575
546
500
497
475
430
400
407
398
392
373
300
200
100
126
O
BR
M
TE
SE
AG
OS
TO
O
LH
JU
HO
JU
N
O
AI
M
L
RI
AB
ÇO
AR
M
O
IR
RE
VE
FE
JA
N
EI
RO
0
Revista ESMAC
QUANTIDADE DE PROCESSOS DISTRIBUIDOS E ARQUIVADOS-2008
1800
1600
937
1400
processos
arquiv ados
1200
1000
processos
distribuídos
800
636
600
400
200
108
85
0
O
EIR
J AN
O
EIR
ER
F EV
87
67
M
ÇO
AR
126
97
65
64
R IL
AB
IO
MA
124
110
125
77
79
82
HO
J UN
HO
J UL
TO
OS
AG
58
46
O
BR
T EM
SE
102
104
71
71
T
AL
OT
M
IA
ÉD
Concomitante ao melhor desempenho das atividades tem que se destacar que a boa
administração está diretamente ligada a boas instalações. É possível dizer que se trata de um prérequisitodaquela.Instalaçõeslimpas,arejadas,bemdistribuídas,sãofatoresquerefletemumaboa
justiça. Tudo isso faz parte da arquitetura judiciária, tema praticamente ignorado no Brasil126.
O Avanço na área funcional ocorreu de forma crescente, simultaneamente, com a aquisição de
equipamentos adequados para o melhor desempenho das atividades internas, isso, sempre, com
uma busca incessante pela adequação da arquitetura judiciária e o apoio de um Sistema de Automação, tudo ajustado à nova realidade, conforme se depreende da taxa decrescente de congestionamento:
126 FREITAS, Vladimir Passos - Gestão do fórum como parte da administração da Justiça http://groups.google.com.br/
group/gustavorochainforma/browse_thread/thread/4b9c32ad97c25f4d
127
Entretanto, não adianta progredir um alicerce, esquecendo-se de outro, qual seja,
a estruturação física necessária para uma melhor prestação jurisdicional, com amparo num
Planejamento Estratégico dentro da realidade Orçamentária, onde a Vara de Delitos de Tóxicos e Acidentes de Trânsito não seja utilizada somente como o fim do elo da corrente, mas,
também, como início, ou seja, com trabalhos destinados a prevenção e acompanhamento de
dependentes químicos.
3.2. Novas Técnicas de Planejamento Estratégico
Por sua vez, estudos são necessários, no que diz respeito às técnicas de planejamento, que se desenvolveram muito entre os militares, os diplomatas, os economistas
e os administradores empresariais, todos por força da competitividade do mundo contemporâneo, passam agora a ocupar o espaço jurídico. Uma difusão de técnicas e métodos importados da administração empresarial vai se incorporando gradativamente à
administração dos Tribunais e à cultura jurídica. Como resultado, as práticas jurídicas
começaram a desfrutar de uma maior eficiência na execução de suas atividades127.
Chiavenato e Sapiro apresentam um modelo geral do processo estratégico em cinco partes:
1) Concepção estratégica: declaração da missão, da visão, definição dos públicos de interesse e seu potencial de conflito e construção da ideologia central da organização (princípios
e valores);
2) Gestão do conhecimento estratégico: diagnóstico estratégico externo, diagnóstico estratégico interno e construção de cenários (previsões que estimulam a percepção de possíveis
problemas para ensaiar possíveis respostas);
3) Formulação estratégica: determinação dos fatores críticos de sucesso, definição dos modelos de apoio à decisão e das políticas de relacionamento.
4) Implementação da estratégia: definição dos objetivos, elaboração das estratégias, gestão
do conhecimento, sistemas de informação, desempenho organizacional, definição do sistema de planejamento estratégico (formulação, implementação e controle das estratégias, que
compreende as etapas de criação, avaliação e escolha e implementação);
5) Avaliação estratégica: mensuração de desempenho por indicadores, auditoria de resultados e avaliação estratégica128.
127 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062
128 CHIAVENATO, Idalberto & SAPIRO, Arão. Planejamento estratégico. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 2003.
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 5ª ed., 1999
128
Revista ESMAC
3.3. Inovações adotadas pelo Poder Judiciário Acreano
Diante de diversas inovações adotadas pelo Poder Judiciário Acreano, restou por
parte dos Jurisdicionados maior procura pela Justiça, que, certamente, não estava preparado
para tamanha carga de trabalho.
Agora, o Poder Judiciário Estadual chegou naquele momento, o qual classificamos
no adágio popular: “ENTRE A CRUZ E A ESPADA”; qual seja, entre a falência do sistema
judicial ou a estruturação de uma nova Justiça.
A busca crescente de soluções para a crise da Justiça é um dos principais fatores
que contribuíram para que ganhassem relevância os temas referentes a administração aplicada ao Direito. Isso porque, para lidar com a crescente demanda e na tentativa de minimizar
a morosidade, tem-se incentivado, cada vez mais, ações criativas que possam otimizar os
recursos humanos e materiais disponíveis, bem como o tempo dos magistrados e dos órgãos
julgadores, e que possam, dentro dos limites legais, dar celeridade ao andamento dos processos. Para isso, os operadores do Direito têm se utilizado dos métodos e técnicas desenvolvidos pela Administração129.
Partindo desses precedentes, salta aos olhos de qualquer leigo as necessárias mudanças estruturais para um melhor atendimento aos Jurisdicionados, e isto só se efetivará
com a descentralização gradativa, dando termo àquela formatação arcaica de estabelecer
uma centralização do Poder junto à Administração Superior, esta com destaque para a pessoa
do Presidente.
Com efeito, a transformação do Judiciário brasileiro é tarefa complexa e difícil,
especialmente porque, além de interesses que eventualmente serão contrariados vícios e
anomalias vêm de séculos. Mas é viável e imperiosa. Se quisermos todos, poderemos realizá-la, com determinação e idealismo. A mesma determinação e o mesmo idealismo que de
tempos em tempos têm mudado os horizontes do mundo em que vivemos130.
A aplicação de muitos dos métodos e técnicas administrativas, no entanto, requer
adaptações cuidadosas, visto que a administração judiciária tem pressupostos muito diferentes dos que ditam a administração pública afeta aos Poderes Legislativo e Executivo.
A Professora Cláudia Maria Barbosa ao comentar sobre o momento atual por qual
passa o Poder Judiciário, aduz com muita propriedade que a “(...) cada etapa exigiu uma
atuação diferente do Poder Judiciário, e nesse momento verifica-se a inadequação entre o que a sociedade dele exige e aquilo que lhe é oferecido”131.
Perguntar-se-ia: Como seriam feitas essas mudanças estruturais no âmbito do Poder Judiciário Acreano?
De fácil resposta num primeiro momento, mas, com certeza, de difícil compreensão aos pessimistas de plantão.
Esta mudança de papel do Poder Judiciário está fazendo com que ele seja cada vez mais cobrado
em termos de ética e eficiência, sendo comum as reinvindicações de mudança de suas antigas estruturas. O
fato é bem descrito por Eugenio Raúl Zaffaroni, ao comentar a situação da América Latina: “(...) em quase
todo o continente destaca-se a necessidade de se reformarem as estruturas judiciárias, particularmente no
129 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062
130 TEIXEIRA, Sálvio da Figueiredo - O JUDICIÁRIO E AS PROPOSTAS DE UM NOVO MODELO - http://www.neofito.
com.br/artigos/art01/jurid185.htm
131 BARBOSA, Cláudia Maria, Crise e Reforma do Poder Judiciário Brasileiro.
129
que diz respeito à sua direção ou governo, à seleção dos juízes e à sua distribuição orgânica. Inobstante, não
subiste clareza quanto ao sentido dessas reformas”132.
Em uma sociedade de massa, complexa, competitiva e altamente veloz, a engrenagem estatal já
não satisfaz. O Judiciário, nesse contexto, por suas características e dependência orçamentária, que se aliam
a um modelo desprovido de modernidade e sem planejamento eficaz, reflete ainda com mais eloqüência
essedistanciamento,apresentando-secomoumamáquinapesadaehermética,semasdesejáveisdinâmicas,
transparência e atualidade133 .
A resposta se finda com outra pergunta, qual seja: Por que, cada vez mais, o Poder Executivo
consegue descentralizar as suas atividades?
Poderia socorrer-se em estudos mirabolantes sobre estruturação de Secretarias de Estados em
cotejo com Varas Criminais e Cíveis, quanto a autonomia administrativa e financeira, entretanto, com absolutacerteza,arespostaestáemalgosimplesediantedosolhosdetodos,tudoescoradonumPlanodeAção
Estratégico.
Atransformaçãoemodernizaçãodosistemajudiciáriopassanecessariamentepelaconcepçãode
um plano, seja ele implícito ou explícito, consciente ou inconsciente, objetivo ou subjetivo. O plano, com
vistas a ser um norteador das ações de administração judiciária, envolve técnicas administrativas e ainda
componentesjurídicosepolíticos.Seusefeitos,contudo,sãosentidosnoplanodarealidadesocialenaesfera
dos direitos dos jurisdicionados134.
3.4. Plano de Ação Anual
A mudança mais simplista adotada pelo Poder Executivo Estadual se deu com a edição da
Lei n° 1569, de 23 de Julho de 2004, onde foi instituída o Programa de Autonomia Financeira das
Escolas Públicas Estaduais, a qual pode ser perfeitamente adaptada às peculiaridades do Poder Judiciário, senão vejamos:
PROJETO DE LEI N°
“Institui o Programa de Autonomia Financeira das Varas Cíveis e Criminais
integrantes do Poder Judiciário do Estado do Acre.”
Art. 1º Fica instituído o Programa de Autonomia Financeira das Varas Cíveis e Criminais no âmbito do
Poder Judiciário do Estado do Acre, com a finalidade de promover a transferência de recursos financeiros em favor da melhoria da qualidade da prestação jurisdicional.
Art. 2º Os Juízes de Direito Titulares e Substitutos das Varas Cíveis e Criminais atuarão como Unidades
Executoras,recebendo,executandoeprestandocontasdosrecursosrepassadospelaAdministraçãodo
Poder Judiciário do Estado do Acre.
Art.3ºOsrecursostransferidosdestinam-seàcoberturadedespesascomo:pagamentosdosJuízes,Servidores,Estagiários,conformeLotacionograma135,aluguéis,consumosdeenergia,águaetelefone,bem
como aquisição de materiais e, impostos, prestação de serviços com pessoas físicas e/ou jurídicas.
132 FREITAS, Vladimir Passos de – A Eficiência da Administração da Justiça – Revista da AJUFERGS/03 – p.78
133 TEIXEIRA, SÁLVIO DE FIGUEIREDO - O JUDICIÁRIO E AS PROPOSTAS DE UM NOVO MODELO - http://www.
neofito.com.br/artigos/art01/jurid185.htm
134 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062
135 Resolução n. 06/2006 – Tribunal de Justiça do Estado do Acre – Conselho de Administração – Adequação a nova realidade exigida.
130
Revista ESMAC
Varas Cíveis
Varas Criminais
1 (um) Escrivão (DAS-101.4)
1(um) Escrivão (DAS-101.4)
1 (um) Escrivão Substituto (DAS-101.2)
1 (um) Escrivão Substituto (DAS-101.2)
1 (um) Assistente Jurídico com FC-5
1 (um) Assistente Jurídico com FC-5
2 (dois) Assessores Jurídicos
2 (dois) Assessores Jurídicos
6 (seis) auxiliares judiciários, sendo 3 (três) deles
com FC-1
6 (seis) auxiliares judiciários, sendo 3 (três) deles
com FC-1
1 (um) Servidor com FC5 para a função de Escrivão Auxiliar
1 (um) Servidor com FC5 para a função de Escrivão Auxiliar
2 (dois) Oficiais de Justiça
2 (dois) Oficiais de Justiça
1 (um) Motorista
1 (um) Motorista
2 (dois) Estagiários
2 (dois) Estagiários
Art. 4º O Programa de Autonomia Financeira consistirá em 1% (um por cento) da dotação
orçamentária para cada Varas Cível e Criminal.
Art. 5º O Programa será financiado com recursos administrados pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Acre, através de sua Administração, a quem caberá a sua regulamentação, mediante Resolução do Tribunal Pleno.
I – Execução dos recursos de acordo com o Plano de Ação aprovado;
II – Prestação de contas do Plano de Ação até o dia 31 de dezembro de cada ano.
Art. 6º Fica o Poder Judiciário do Estado do Acre autorizado a deixar de efetuar o repasse
dos recursos para as Unidades Jurisdicionais que não cumprirem com os seguintes procedimentos:
I - Não efetuarem o cadastramento no Plano de Ação até o dia 31 de janeiro de cada ano;
II – Não executarem os recursos na forma estabelecida no Plano de Ação;
III – Não apresentarem a prestação de contas na forma e nos prazos estabelecidos no Plano
de Ação.
Art. 7º Na hipótese de a prestação de contas do Plano de Ação não ser aprovado ou não ser
encaminhada no prazo convencionado, o Poder Judiciário estabelecerá o prazo máximo de
trinta dias para sua regularização ou apresentação.
Parágrafo único. A autoridade responsável pela prestação de contas que inserir ou fizer inserir documento ou declaração falsa ou diversa da que deveria ser inscrita, com o fim de
alterar a verdade sobre o fato, será responsabilizada civil, penal e administrativamente.
Art. 8º A fiscalização dos recursos é de competência da Administração do Poder Judiciário e
dos Órgãos de controle interno e será feita mediante a realização de auditorias, inspeções e
análise dos processos que originarem as respectivas prestações de contas.
Art. 9º Qualquer pessoa física ou jurídica poderá denunciar ao Poder Judiciário ou aos órgãos
de controle interno irregularidades identificadas na aplicação dos Recursos do Programa.
A idealização do Projeto Lei em comento tem em seu art. 1º a forma de instituição
do Programa de Autonomia Financeira das Varas Cíveis e Criminais no âmbito do Poder
131
Judiciário do Estado do Acre. Aqui o legislador buscará dar subsídios jurídicos no sentido de
uma melhor qualidade na Prestação Jurisdicional.
O Art. 2º deixa evidenciado as Unidades Executoras do Poder Judiciário Acreano,
enquanto o Art. 3º procura tratar dos recursos transferidos para gestão de cada Vara.
Já o percentual estabelecido no Art. 4º, qual seja, 1% (um por cento) da dotação
orçamentária para cada uma das Varas Cível e Criminal, utilizou-se como parâmetro o orçamento anual do Poder Judiciário, em cotejo com o número diminuto de Juízes que atuam
no Estado do Acre. É evidente que tal índice é perfeitamente adequável a qualquer situação
específica.
Com efeito, o Art. 5º delimita a forma de regulamentação dos recursos a serem
administrados pelas respectivas Varas, entretanto, o disposto no art. 6º procura criar alguns
regramentos necessários a boa aplicabilidade dos recursos financeiros.
Os arts. 7 º e 8º se referem precipuamente sobre a Prestação de Contas e a respectiva fiscalização dos recursos.
Por derradeiro, o art. 9º traz exigência necessária, no que concerne ao gerenciamento de recursos públicos.
Além dessas situações explicitadas, o atual modelo autorizativo de orçamento público, e não impositivo, contribui sobremaneira para o seu descrédito. Isso significa que o
Poder Judiciário pode fazer o que está previsto na Lei Orçamentária, mas não é obrigado a
segui-lo, diferentemente, quando o modelo orçamentário tiver o caráter impositivo.
Por causa desse famigerado orçamento autorizativo, nós tivemos um escândalo
enorme na época dos anões do orçamento e que passaram a cobrar“taxas de êxito”, toda vez
que conseguiam liberar dinheiro. Escritórios de lobby proliferam em Brasília, especializados
em liberações de dinheiro público.
A mudança proposta, ou seja, tornar o orçamento obrigatório, tem muitas vantagens para nossa economia. A primeira delas é a de acabar com esse tráfico de influência,
praticado por políticos, funcionários públicos e empresas. É uma medida moralizadora, portanto136.
O que mais sensibiliza a análise do Orçamento Público na atualidade brasileira é
a qualidade das decisões orçamentárias, onde o prejuízo na aplicação do erário público se
torna cada vez mais evidente, diante da visão macro dos Gestores, além dos penduricalhos
orçamentários.
Com efeito, não é por demais trazer à baila o que disse Joaquim Falcão, Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao Jornal Correio Braziliense137, 24 de outubro de
2008, que, em artigo denominado “A inverdade Orçamentária”, afirma que o orçamento do
Judiciário incorpora custos dos demais poderes e de outras instituições do Estado brasileiro.
Como exemplo, cita os precatórios que, em sua maioria, são despesas do Executivo e, que
portanto, “não podem ser debitados no orçamento do Judiciário”.
Aduz, ainda, o renomado Conselheiro:
“Quanto custa a Justiça nacional? Não é fácil calcular, embora uma resposta mais
precisa seja cada vez mais necessária. Se vamos entrar - e vamos - em fase de estrito controle
de gastos públicos para enfrentar a crise de crédito que se avizinha, mais do que nunca a ver136 Diário do Vale – 26.08.2000 – Coluna 5
137 Membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (RJ)
132
Revista ESMAC
dade orçamentária é imposição nacional. Mas, ao contrário do que parece, saber quanto um
órgão governamental gasta não é tarefa simples, mas complexa. No caso do Judiciário, por
exemplo, lhe são debitados custos que não são seus. São dos vizinhos: dos demais poderes e
outras instituições do Estado brasileiro. Vejamos alguns exemplos.
O orçamento federal da Justiça (que, além do Superior Tribunal de Justiça, do
Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, inclui as justiças Federal; do
Trabalho; Militar da União; Eleitoral; e do Distrito Federal e Territórios) para o próximo ano
de 2009 é de cerca de R$ 30 bilhões - mais exatamente R$ 30.709.520.418,00. Destes, para
surpresa geral, mais de R$ 5,1 bilhões (R$ 5.119.355.458,00) referem-se a precatórios - ou
seja, cerca de 17% do orçamento.
Precatórios são, em sua imensíssima maioria, despesas do Executivo. Não podem
ser debitados no orçamento do Judiciário. Trata-se de clara inverdade orçamentária. Que,
aliás, não vem de hoje, vem de muitos anos. Distorce o custo da administração da Justiça. E,
provavelmente, diminui o déficit público de responsabilidade do Poder Executivo. O fato de
ser o Judiciário responsável por determinar a ordem de pagamento dos precatórios não justifica que ele seja o responsável pela despesa. Essa situação federal se repete nos estados e nos
mais de noventa tribunais. A conta é fácil. Só na Justiça Federal debita-se, indevidamente, ao
Judiciário, R$ 5,1 bilhões. Some-se o resto.
Mas a inverdade não pára aí. Os recursos que compõem o Fundo Partidário destinado ao financiamento dos partidos políticos - representam cerca de R$ 211 milhões
no orçamento federal da Justiça. Ou seja, são, também, debitados do Poder Judiciário. Consomem o orçamento do único dos poderes que não tem - nem pode ter - relação alguma com
os partidos. Doar recursos do Tesouro para partidos não é fazer Justiça. Não faz sentido esse
débito à Justiça Eleitoral.
Outro exemplo: os magistrados e membros do Ministério Público que servem à
Justiça Eleitoral recebem uma gratificação sobre os vencimentos. Que as gratificações referentes aos magistrados sejam incluídas na conta do Poder Judiciário está correto. Mas que o
Poder Judiciário venha a pagar ao Ministério Público para ele realizar suas atividades constitucionais é, claramente, um desvio de realidade orçamentária. Diminui o custo per capita do
procurador e aumenta o do magistrado. Despesa do Ministério Público é responsabilidade do
próprio Ministério Público.
Essas e muitas outras práticas orçamentárias não vêm de hoje. Vêm de muito
longe. Várias estão consubstanciadas em normas legais. Mas nunca é tarde para mudá-las e
corrigi-las. Sem a verdade orçamentária, não podemos calcular o custo real de um magistrado, o custo real de uma sentença. Não podemos fixar metas de produtividade com base
no orçamento. Mais ainda: isso alimenta a percepção de que o Poder Judiciário do Brasil
é um poder caro, se comparado com o de outros países. Aliás, qualquer comparação ficará
distorcida. Só o item precatório representa uma bolha de quase 17% de seu custo real.
Acredito que é mais do que conveniente ao Congresso Nacional enfrentar logo a
questão dos precatórios a partir do projeto, já em tramitação, do senador Renan Calheiros.
Discuta-se, aperfeiçoe-se, modifique-se, mas é hora de agir. O mercado, detentor desses
papéis estimados em mais de R$ 60 bilhões, começa a desenvolver soluções paralelas e
imaginativas para se ver livre deles. Daqui a pouco, surgirá incontrolável mercado negro
de precatórios, que a ninguém beneficiará. Se é este o caminho - o do livre mercado - que o
façamos legalmente e que se libere cada assembléia estadual para regular como lhe aprouver
o problema.
Outro dia, dois magistrados, diante dessa situação, fizeram-me comentários diferentes. Um
disse sorrindo: “Verdade orçamentária é quase uma contradição”. Outro disse mais sério:
“Prefiro o poder orçamentário ao poder político”. Ambos, à sua maneira, apenas evidenciam
mais uma tarefa a implementar em nosso Estado Democrático de Direito: o princípio da
133
transparência deve incluir a verdade orçamentária; pois sem um instrumental poder orçamentário, o poder político do Judiciário não se realiza”.
Portanto, inexistem estudos específicos sobre situações peculiares de cada Unidade Jurisdicional, mas sim do arcabouço geral, onde nem sempre é o melhor caminho a ser
seguido a título de economia nos Gastos Públicos.
A metodologia desse trabalho possui uma concatenação de idéias e estudos, o que
faz aflorar a noção cristalina de gestão e orçamento nos aspectos intrínsecos, onde, com
certeza, chega-se à conclusão de que para um Poder Judiciário se tornar altivo e respeitado
faz-se necessário uma melhor estruturação na sua distribuição orçamentária, destacando
sempre a necessidade de descentralizar o seu modelo de gestão.
Concluiu-se, ainda, que a idéia de melhor desempenho está inserida numa visão
ampla de conjunto organizacional, isso passa pelas estruturações físicas e funcionais, com
estabelecimento de metas e objetivos a ser alcançado num determinado lapso temporal, tendo, como foco primeiro, o resultado no servidor com olhos finais no usuário, este último,
digno de respeito e melhor atendimento, pois a ele cabe o pagamento de impostos os quais
são revertidos para custeio dos Poderes.
Vivemos momentos de mudanças generalizadas, onde o Poder Judiciário se aproxima cada vez mais da população em geral, sedimentando o seu principal papel na preservação
do Estado Democrático de Direito.
134
Revista ESMAC
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Demilson Cardoso Araújo, ao tratar de um tema de suma importância, qual seja,
Agilização e Modernização da Justiça, alega que “o Juiz é figura central pelos vários papéis
que exerce. Um deles “é constitutivo, mítico, fundante da sociedade (...) ocupando lugar
totêmico” com todas as implicações de ligações imemoriais com o sagrado que a toga proporciona. Sacralidade de “Juiz Oráculo” que pode se justificar pela solenidade do poder de
que investido, e em cujo exercício tem seu espaço e sua eficácia. Mas que anula a possibilidade de sucesso do Juiz quando administrador. Sim, pois que, com os receios e reverências
contidos num “data vênia”, não se administra. A liturgia que é cultivada em torno do Juiz não
encontra paralelo na administração secular (...)
Aduz, ainda, o renomado estudioso, que é urgente que o Juiz perceba a diferença
de olhar do jurídico para o administrativo. No lugar da visão focada no processo para garantia da eqüidade perseguida, a visão sistêmica, holística, do administrador, focada em processos. Em lugar da decisão solitária com a lei e sua consciência, a decisão compartilhada do
administrador. O Juiz que tudo dominar da ciência jurídica, mas não souber conduzir uma
reunião participativa, nem lidar com gerência de pessoal, ou entender um fluxograma, pouco
ou nada conseguirá para modernização da Justiça .
Findo esse humilde e singelo arrazoado, transcrevendo os dez mandamentos do
Juiz Administrador:
1. O juiz nas funções de administrador, como Presidente de Tribunal, Vice-Presidente, Corregedor, Coordenador de Juizados Especiais, Diretor de Escola de Magistrados, Diretor do
Foro ou Fórum, ou administrando a sua Vara, deve saber que a liderança moderna se exerce
com base na habilidade de conquistar as pessoas e não mais em razão do cargo, perdendo
a hierarquia seu caráter vertical para assumir uma posição mais de conquista do que de
mando.
2. Ao administrar, cumpre-lhe deixar a toga de lado, devendo: a) obrigação à lei e não à
jurisprudência; b)inteirar-se das técnicas modernas de administração pública e empresarial;
c) adaptar-se aos recursos tecnológicos; d) decidir de maneira ágil e direta, sem a burocracia
dos processos judiciais; d)manter o bom e corrigir o ruim; e)delegar, se tiver confiança; f )
atender a imprensa;g) lembrar que não existe unidade judiciária ruim, mas sim mal administrada.
3. No âmbito externo, deve prestigiar as atividades da comunidade jurídica e dos órgãos da
administração dos três Poderes, participando de solenidades, estabelecendo parcerias em
projetos culturais e alianças que possam diminuir os gastos públicos. No âmbito interno,
deve visitar periodicamente os setores administrativos, ouvindo os funcionários, demonstrando o seu interesse em conhecer os serviços e atender as necessidades, quando possível.
4. Ter em mente que suas palavras e ações estão sendo observadas por todos e que elas transmitem mensagens explícitas ou implícitas que podem melhorar ou piorar a Justiça. Por isso,
devem ser evitadas críticas públicas a outros magistrados de qualquer Justiça ou instância,
ou a autoridades de outros Poderes, atitudes estas que nada constroem e que podem resultar
em respostas públicas de igual ou maior intensidade.
5. Manter a vaidade encarcerada dentro dos limites do tolerável, evitando a busca de homenagens, medalhas, retratos em jornais institucionais, vinganças contra os que presumida135
mente não lhe deram tratamento adequado, longos discursos enaltecendo a si próprio ou o
afago dos bajuladores, ciente de que estes desaparecerão no dia seguinte ao da posse de seu
sucessor.
6. O Presidente- e os demais administradores, no que compatível - deve manter um ambiente
de cordialidade com os colegas do Tribunal, ouvindo-os nas reivindicações, explicando-lhes
quando negá-las e não estimulando os conflitos. Com os juízes de primeiro grau, lembrar que
o respeito será conquistado pelo exemplo e não pelo cargo, que eles pertencem a gerações
diferentes, que devem ser estimulados na criatividade, apoiados nos momentos difíceis e
tratados sem favorecimento. Nas infrações administrativas praticadas por magistrados, cumprir o dever de apurar, com firmeza, coragem e lealdade.
7. No relacionamento com o Ministério Público e a OAB, deve atender as reivindicações que
aprimorem a Justiça, não criar empecilhos burocráticos que dificultem as atividades desses
profissionais (p. ex. na retirada de processos) e, quando não atender a um pedido, explicar os
motivos de maneira profissional evitando torná-lo um caso pessoal.
8. No relacionamento com os sindicatos, manter um diálogo respeitoso, baseado na transparência administrativa. Quanto aos servidores, motivá-los, promover cursos de capacitação,
divulgar as suas boas iniciativas, promover concursos sobre exemplos de vida, envolvê-los
na prática da responsabilidade social e da gestão ambiental. Com relação aos trabalhadores
indiretos (terceirizados), promover, dentro do possível, sua inclusão social.
9. Nos requerimentos administrativos, quando negar uma pretensão, seja de magistrados ou
de servidores, fazê-lo de forma clara e fundamentada, não cedendo à tentação de concedêla para alcançar popularidade, pois sempre haverá reflexos em relação a terceiros e novos
problemas.
10. Ter presente que administrar significa assumir uma escolha e um risco e que aquele que
nada arrisca, passará o tempo do seu mandato em atividades rotineiras, limitando-se ao fim
por colocar um retrato na galeria de fotografias, passando à história sem ter dado qualquer
contribuição à sociedade, ao Poder Judiciário, ao Brasil.
Contudo, se buscará desenvolver um sistema mais confiável e independente por
meio da melhora de sua administração, eficiência e eficácia.
Uma independência maior do sistema judiciário, no que concerne aos aspectos administrativos, assegurará a transparência dos procedimentos e a neutralidade das decisões, visando a
aumentar a confiança do público nos tribunais. Essas melhorias ajudarão a proteger os direitos e liberdades dos cidadãos e promoverão um clima melhor para a atividade econômica.
136
Revista ESMAC
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138
Revista ESMAC
TRANSAÇÃO PENAL E SUA INTERPRETAÇÃO
DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
Fernando Nóbrega da Silva
1. INTRODUÇÃO
Lembra FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO que os constituintes de
1988, impressionados com o número astronômico de infrações de pouca monta a emperrar
a máquina judiciária sem nenhum resultado prático, uma vez que, regra geral, quando da
prolação da sentença, ou os réus eram beneficiados pela prescrição retroativa, ou absolvidos
em virtude da dificuldade de se fazer a prova, e principalmente considerando a tendência
do mundo moderno de adotar um Direito Penal mínimo, procuraram medidas alternativas
que pudessem agilizar o processo, possibilitando uma resposta rápida do Estado à pequena
criminalidade, sem o estigma do processo, à semelhança do que ocorria com a legislação de
outros países.
Foi, portanto, em busca de formas alternativas de resolução de conflitos que surgiu
a Lei nº 9.099, de 26.09.1995, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (LJEC), que,
na voz da doutrina majoritária, instaurou, sob ângulo criminal, um novo paradigma, constituindo-se em um verdadeiro marco no direito penal-processual, cujo escopo máximo é a
reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
A sobredita lei incorporou, desenganadamente, ao nosso ordenamento positivo instrumentos jurídicos modernos, como a transação penal, com vistas a desburocratização e
simplificação da Justiça Penal, permitindo um desfecho rápido para a controvérsia criminal
de reduzida potencialidade vulnerante, com ênfase no consenso das partes.
A Lei nº 9.099/95, nas palavras de MÁRCIO FRANKLIN NOGUEIRA, introduziu
em nosso sistema processual penal um modelo de Justiça Criminal, com base no consenso.
Esse modelo, embora tenha por parâmetros legislações européias modernas, como a italiana,
a portuguesa e a espanhola, bem assim o sistema criminal norte-americano, apresenta características próprias, que não encontram paralelo no Direito Comparado. Aspectos marcantes
desse novo Diploma Legal são a mitigação do princípio da obrigatoriedade, com louvável
intenção de afastar as penas privativas de liberdade de curta duração. Com suas medidas
despenalizadoras, assentadas fundamentalmente no consenso, coerente com uma tendência
mundial de adoção da pena prisão como última alternativa, implicou marcante desburocratização da Justiça Criminal. A “barganha penal” instituída pela lei não tem o mesmo alcance
do plea bargaining do Direito Norte-Americano. O Ministério Público não tem na transação
penal a total disponibilidade da ação penal. Sua proposta de acordo está limitada a uma pena
restritiva de direitos ou multa.
A transação penal é, deveras, um instrumento facilitador da célere composição do
conflito decorrente da prática de infrações penais de escassa potencialidade ofensiva, sem
forjar condenação nem reincidência do autor do fato, nem tampouco no lançamento de seu
nome no rol dos culpados ou na automática produção de efeitos civis.
139
É de se dizer que a composição criminal se apresenta como uma moderna técnica
de pacificação social, no âmbito da justiça criminal, cujo pilar teórico está centrado na autonomia de vontade e na recíproca concessão de prerrogativas dos acordantes.
Demais, a transação penal enseja ainda a redução do custo emocional, financeiro
e de tempo na tramitação do procedimento criminal diverso, e, nas palavras de EMERSON
PINTO PINHEIRO, “...Caracteriza-se, portanto, como medida despenalizadora, benefício
legal concedido aos autores de delitos de menor potencialidade lesiva, na linha das teorias
penais contemporâneas que defendem o resguardo da privação de liberdade como resposta a
delitos graves. Significa adotar a prisão como ultima ratio do sistema repressivo...”138.
Vale ainda repisar que esse novo instituto tem como objetivo maior a reparação dos
danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade (art. 62, LJEC),
em outras palavras, procura conciliar o interesse da vítima com a necessidade de reintegração social do agressor à sociedade, o que é da essência da Justiça Restaurativa, nas palavras
da Professora TANIA ALMEIDA139.
Importa advertir ainda que a convenção criminal não nega vigência aos cânones
constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da presunção
de inocência. Ao revés, a transação penal foi expressamente consagrada no art. 98, inc. I, da
Carta Magna de 1988.
Em irrespondível lição, TEODORO SILVA SANTOS aduz:
(...) De fato, o tradicional modelo de direito penal, até então em vigor no Brasil, reconhecidamente anacrônico, moroso e intervencionista, mostrou-se ineficiente e incapaz de
atender aos anseios da sociedade moderna, quer na prevenção da criminalidade, quer na
ressocialização do infrator. A pena privativa de liberdade, sanção penal preferencialmente
adotada por esse tradicional modelo de direito penal, também não atendia aos fins a que
teoricamente dela se esperava. O intervencionismo do Estado, tipificando condutas e recrudescendo penas, não mais se podia ser aceito passivamente. Nesse cenário de crise, a
intervenção mínima do Direito Penal passou a ser um princípio veementemente defendido.
Ao lado de outros princípios de igual relevo, entre os quais o da subsidiariedade e fragmentariedade do Direito Penal, da dignidade da pessoa humana e da insignificância, defendia-se
que o Direito Penal só deve intervir se o fato for relevante e, em última instância, quando os
outros ramos do Direito se mostrarem ineficientes, não se justificando a intervenção do Direito Penal, através do processo e com a imposição de pena, quando a conduta tipificada não
seja grave o bastante para justificar a pretensão de punir. Assim, frente à crise a que nos reportamos acima, as medidas despenalizadoras e todo o microssistema penal, inaugurado pela
Lei n. 9.099/95, representam, indubitavelmente, instrumentos jurídicos modernos, que se
mostram valiosos para a desburocratização e simplificação da Justiça Penal, solução rápida
da lide, supressão da degradante e estigmatizante cerimônia do processo e neutralização dos
efeitos deletérios das penas privativas de liberdade, quando a infração penal é de menor potencial ofensivo. Reduzir o alcance de tais medidas despenalizadoras é remar na contramão
da modernidade, é estreitar os limites da justiça penal consensual que o legislador constituinte pretendeu criar no Brasil. A novel Constituição Federal de 1988, inauguradora de um
novo modelo de Estado, o Estado Democrático de Direito, centrado na dignidade da pessoa
humana, dando como garantia fundamental a liberdade do cidadão, à guisa de uma política
138 PINHEIRO, Emerson Pinto. Efeitos do Descumprimento da Transação Penal: interpretação jurisprudencial. Texto extraído do Jus Navigandi. <Jus2.uol.com.br/doutrina/texto>.
139 ALMEIDA, Tânia. Juizados Especiais Mediação e Conciliação Aspectos Gerais. Fundação Getulio Vargas. FGV DIREITO RIO. P. 130.
140
Revista ESMAC
criminal moderna e contemporânea, consistente na intervenção mínima do Direito Penal,
criou os Juizados Especiais (art.98, I), neles inserindo o instituto da transação penal, como
forma alternativa de resolução de conflitos oriundos de infrações penais de menor relevância
jurídica, no que se refere ao bem jurídico tutelado – aquelas que não incidem em pena privativa de liberdade. Dessa forma, o constituinte de 1988 adotou, no Brasil, um modelo próprio
de justiça penal consensual já implantado com sucesso em vários países da Europa ocidental
e nos Estados Unidos e, por via de conseqüência, ampliou-se o acesso à Justiça, por meio do
exercício democrático da cidadania, com o mínimo de formalidade, visando à pacificação
social. Ao instituir os Juizados Especiais Criminais, a vontade do constituinte voltou-se para
uma política criminal despenalizadora, tanto é que criou mecanismos jurídicos (transação e
suspensão do processo) que consistem em alternativas ao alcance dos autores de infrações
penais consideradas de menor potencial ofensivo, antes de estes serem submetidos a um processo criminal, ou seja, a efetivação da transação penal, medida menos gravosa, que afasta a
possibilidade da instauração da persecução penal, que, por si só, atinge o status libertatis do
cidadão. Ora, o legislador constituinte de 1988, ao instituir os juizados especiais Criminais,
teve como desiderato inaugurar, no Brasil, um novo e revolucionário modelo de justiça penal
consensual, inclinado para a despenalização, mitigação da obrigatoriedade da ação penal e
solução rápida dos conflitos penais originados de infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 98, I: - “juizados especiais....e infrações de menor potencial ofensivo,[...]”). (...)
Sua pretensão voltou-se, tão e somente para uma política criminal exercitada através de uma
justiça penal consensual. Os Juizados Especiais Criminais foram regulamentados pela Lei n.
9.099, de 26 de setembro de 1995...140
Essa moderna e revolucionária ferramenta de composição do conflito criminal tem
instigado um rico debate sobre seus diversos aspectos e implicações legais constitucionais.
E será examinada neste estudo sob a ótica da doutrina e da jurisprudência pátrias.
2. JUSTIÇA RESTAURATIVA.
Na lição irrepreensível da Professora TANIA ALMEIDA:
“A justiça Restaurativa é um movimento mundial de ampliação de acesso à Justiça
criminal recriado nas décadas de 70 e 80 nos Estados Unidos e Europa. Este movimento
inspirou-se em antigas tradições pautadas em diálogos pacificadores e construtores de consenso oriundos de culturas africanas e das primeiras nações do Canadá e da Nova Zelândia
(...) A justiça restaurativa procura equilibrar o atendimento às necessidades das vítimas e
da comunidade com a necessidade de reintegração do agressor à sociedade. Procura dar assistência à recuperação da vítima e permitir que todas as partes participem do processo de
justiça de maneira produtiva (...) O objeto de trabalho da Justiça restaurativa não é o delito,
mas sim o conflito conseqüente ao delito. Esta é uma distinção fundamental. Os aportes da
Justiça restaurativa são complementares ao tratamento dado ao delito pelo Estado. A pena
não dirime o conflito, objeto maior dos programas restaurativo...”141
De acordo com RENATO SÓCRATES GOMES PINTO:
140 SANTOS, Teodoro Silva Santos. <htt://www.dominiopublico.gov.br>.
141 Idem. P. 130/131.
141
“...Todos os afetados pelo crime têm papéis e responsabilidades nesse processo e
devem, por isso, trabalhar coletivamente em torno do impacto e das conseqüências do delito.
A restauração, a solução de problemas e a prevenção de males ulteriores devem ser enfatizadas no programa. A idéia é buscar restaurar os relacionamentos em vez de simplesmente
concentrar-se na determinação de culpa.
Segundo Warat e Legendre, a lei, no Ocidente judaico-cristão, cumpre papel
totêmico, de superego da cultura, baseado no sentimento de moralidade culposa. O programa
baseia-se na premissa de que a vítima, o autor do crime, pessoas envolvidas com a vítima
e/ou com o criminoso e lideranças comunitárias devem compartilhar a busca de solução para
os problemas causados pelo crime cometido, em geral, com a assistência de uma terceira
pessoa imparcial – um mediador ou um facilitador.
O sistema objetiva: a) a reparação dos danos à vítima; b) a prestação de serviços
à comunidade e c) a solução dos problemas causados pelo fato-crime, tanto para a vítima
quanto para a comunidade, e a reintegração tanto da vítima quanto do autor do crime. O
processo abrange procedimentos de mediação, audiências especiais e círculos de aplicação
da pena (sentencing circles)...”142
E os objetivos dos Juizados Especiais Criminais, consistentes na não-aplicação
de pena privativa de liberdade e reparação dos danos sofridos pela vítima (art. 62, da Lei nº
9.099/95), demonstram, por si sós, a afinidade desse novo paradigma com a Justiça Restaurativa.
Pode-se destacar que a transação penal se apresenta como uma das manifestações
promissoras da Justiça Restaurativa no âmbito criminal, eis que visa promover a composição
do conflito através da participação ativa do autor do fato.
O investigado é motivado a atuar como co-autor da solução juridicamente adequada ao fato noticiado em juízo.
Estando presentes os pressupostos viabilizadores da transação penal, o Ministério
Público – versando a espécie sobre crime de ação pública incondicionada ou condicionada à
representação - ou a vítima – se a persecução penal estiver sujeita à sua iniciativa ou de quem
tenha qualidade para representá-la – fará a proposta de aplicação imediata de pena restritiva
de direitos ou multa.
É sabido que a punição restritiva de direitos e a pecuniária não afetam gravemente
a dignidade do autuado e, além de sua acentuada capacidade de reparação dos danos decorrentes do ilícito, tem a vantagem de preservar a continuidade das relações sociais do reeducando.
A transação penal, como instrumento da Justiça Restaurativa, previne a formação
de novos conflitos e a reincidência, a par de permitir a identificação dos interesses de todos
os envolvidos na controvérsia.
Em suma, esse método de composição do conflito penal propicia a definição da
reprimenda não-prisional mais consentânea com o cenário e as conseqüências advindas do
ilícito.
É de se recordar, in casu, da advertência de CESARE BECCARIA, no sentido de
que “...As penas que ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação pública
são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for
a segurança e maior brevidade que o soberano conservar aos súditos...”143.
142 GOMES PINTO, Renato Sócrates. Justiça Restaurativa. Correio Braziliense, Brasília, 1º.3.2004. Caderno Direito &
Justiça. Excerto de artigo.
143 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Dos Delitos e das Penas. Bauru/SP. Edipro. 2000. P. 18.
142
Revista ESMAC
3. TRANSAÇÃO PENAL
3.1. Definição
No magistério profícuo da Professora TANIA ALMEIDA:
“Na vigência de transformações paradigmáticas, esta virada do milênio nos proporciona
assistir à desatualização permanente de idéias, propostas e produtos, que nascem com uma
curta vida média, conseqüência natural da velocidade das mudanças, características da atualidade. O balanço da última década, com relação aos norteadores que vêm orientando o nosso universo social, constata um período no qual as mudanças têm impelido o homem a criar
outros parâmetros de convivência e por eles se orientar (...) Negociando ou litigando pela
uniformidade de suas idéias e ações, o homem permaneceu mergulhado por longo tempo em
modelos padronizados de dirimir dissensões, acreditando em solução única e acertada.
Resultante dessas dissensões, o conflito surgia, então, quando a uniformidade ou a concordância não era alcançada. Os meios para resolvê-la orientavam-se pelos mesmos paradigmas, utilizando a força, a ordem, o julgamento e o arbítrio dicotômico e sentenciador
do que estava certo e do que estava errado. O mundo global, neste momento, é entendido
sistematicamente, ressaltando que somos todos co-autores ativos ou passivos do que resulta
da nossa convivência. O conflito origina-se hoje, não mais da impossibilidade do consenso,
e sim da dificuldade com a coexistência da dessemelhança.
Este entendimento sistêmico, pautado também na legitimidade conferida às diferenças,
admite a existência de tantas histórias quantos são os historiadores e de tantas soluções
quantos são os autores. É um tempo que impõe a coexistência de diferentes culturas, de
idéias, bem como de propostas, fazendo da negociação a habilidade imprescindível para a
convivência pacífica, e expondo à vista que a colaboração expressa nos mercados comuns,
nas junções empresariais e na governabilidade transnacional, constitui a fonte maior de sobrevivência.
(...) a Mediação vem sendo o instrumento de autocomposição elegível pelos mais diferentes setores da convivência humana (...)
(...) Ágil e informal, a Mediação possibilita redução drástica dos custos financeiros e do
desgaste emocional provocado pelo desentendimento, abreviando o tempo de duração do
desacordo e do litígio, denotando concludência na relação custo-benefício, mais producente
do que a do uso de outros recursos. Regida pela autonomia da vontade das partes, ela busca,
por meio da atuação do Mediador, cuidar da satisfação mútua dos interesses de todos os envolvidos no processo, que deliberem em seu início e término em comum acordo...”144
A transação penal é hipótese de conciliação pré-processual, e está regulamentada
no art. 76, caput, da LJEC, que dispõe:
“Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação
imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta”
144 Idem. P. 120.
143
LUIZA HELENA ALMEIDA, reproduzindo o pensamento de Sergio Turra Sobrane, define transação penal como sendo o:
“...ato jurídico através do qual o Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou
extinguir o conflito instaurado pela prática do fato típico, mediante o cumprimento de uma
pena consensualmente ajustada”145
TOURINHO NETO, apoiado-se em irrespondível lição doutrinária, esclarece:
“...‘A palavra transação corresponde em vernáculo ao vocábulo latino transactio, deriva
de transigire, verbo anfibiológico (encerra ambigüidade) formado da partícula e preposição
trans, além de, e de agere, conduzir; e com o mais que ordinariamente exprimia na locuação
lacial (enlaçar), como, passar além, traspassar, transpor certos limites, também significa o
último grau da ação, a sua terminação ou transformação.
Como dizem os cristão: Cristo é paz. Assim se: Christus est pax, transactio forma pacis,
ergo, per transactionem, pro pace laboremus (Cristo é paz, transação é uma forma de paz,
pois, pela transação, trabalhamos pela paz).
A lide judiciária foi instituída pela sabedoria humana como um remédio para dirimir com
serenidade e justiça as dissensões privadas suscitadas na sociedade pelo desconhecimento do
direito e choque de interesses opostos.
Do exposto resulta que a transação, substituindo o estado de luta pela paz, é da mor utilidade às partes que, mercê dela, libertam-se das despesas avultadas necessárias ao custeio da
lide, dos dissabores e incômodos que determina, das inimizades capitais que engendra e finalmente da incerteza do seu êxito que, como todo o desconhecido, é o tormento contínuo de
quem litiga. Ela é, portanto, uma das melhores armas que o direito proporciona à prudência
humana para volver à reconciliação, ou, na frase feliz de BUTERA, o porto seguro oferecido
aos pleiteantes para abrigarem-se da tormenta desencadeada no mar sempre revolto da lide
judiciária’ (...) ‘transação é consenso entre as partes, é convergência de vontades, é acordo
de propostas, é ajuste de medidas etc.; enfim, tudo o mais que se queira definir como uma
verdadeira conciliação de interesses’146
A transação penal depende da aceitação da proposta pelo autor do fato e não enseja
a declaração judicial de sua culpa, distinguido-se, por isso, do instituto denominado plea of
guilty (pelo qual o acusado se declara culpado em troca de uma acusação menos grave e há
julgamento imediato).
Difere, também, do plea bargaining, no qual vigora inteiramente o princípio da
oportunidade da ação penal publica, enquanto na transação o Ministério Público não pode
exercê-lo integralmente. Havendo concurso de crimes, no plea bargaining o Ministério Público pode excluir da acusação algum ou alguns dos delitos, o que não ocorre na transação
criminal. No plea bargaining o Ministério Público e a defesa podem transacionar amplamente sobre a conduta, fatos, adequação típica e pena (acordo penal amplo), como, p. ex.,
concordar sobre o tipo penal, se simples ou qualificado, o que não é permitido na proposta
145 ALMEIDA, Luiza Helena. /Transação Pena, pena sem processo?. Artigo encontrado em DireitoNet – <www.direitonet.
com.br.>.
146 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais.
São Paulo. Revista dos Tribunais. 2002. P. 569-571
144
Revista ESMAC
de aplicação de pena mais leve. O plea bargaining é aplicável a qualquer delito, ao contrário
do que ocorre com a nossa transação. No plea bargaining o acordo pode ser feito foram da
audiência; a transação penal audiência147.
A transação penal é, pois, instituto jurídico que atribui ao Ministério Público (ação
penal pública) ou à vítima (ação penal privada) a faculdade de dispor da ação, desde que
atendidas as condições previstas na lei, propondo ao autor de infração de menor potencial
ofensivo a aplicação, em caráter imediato (sem denúncia e processo), de sanção restritiva de
direitos ou multa.
Para PAULO ROBERTO PONTES DUARTE, a transação penal possui quatro características, sendo elas:
“...a) personalíssima; b) voluntária; c) formal; d) tecnicamente assistida.
Personalíssima por ser um ato exclusivo do autor do fato, ou seja, mesmo que tenha
delegado poderes a um Advogado para representa-lo em audiência, não poderá o causídico
aceitar as condições da transação. Deverá o autor do fato manifestar pela possibilidade de
aceitar ou não as restrições de sua liberdade que impõe o ato de transacionar.
É voluntária, pois ante a proposta do órgão ministerial o autor do fato terá uma livre escolha, de aceitar ou não a referida benesse oferecida pela lei.
De maior relevância que o autor do fato saiba dos efeitos da opção em aceitar a transação,
como a obrigação de cumprir a sanção imposta, seja a pena de multa ou prestação de serviços
a comunidade, e principalmente abrir mãos de seus direitos fundamentais como a presunção
da inocência.
Com efeito, a transação é um ato formal que deve constar na ata da audiência, em nada
fere o princípio da oralidade ou informalidade, muito pela contrário, é uma garantia do acordo de vontade, entre a proposta oferecida pelo Ministério Público e a aceitação do autor do
fato. Tudo deve ficar formalizado nos autos, pode o autor do fato conversar reservadamente
com seu representante legal, para tirar dúvidas sobre a proposta oferecida pelo parquet, mas
como garantia ao próprio autor do fato é imprescindível que tudo o que for mencionado na
transação conste no termo, como prazo para cumprimento, ou valores a serem depositados,
lugares para prestar a pena imposta entre outras peculariedades.
É fundamental que o autor do fato seja tecnicamente assistido. Para que o princípio da
ampla defesa não seja violado é necessário que o autor do fato esteja orientado por um advogado, para que seja esclarecido dos benefícios e das conseqüências de aceitar uma transação
penal.
A nosso sentir, para o autor do fato transigir com a aceitação imediata de uma sanção
penal imposta pelo Promotor de Justiça, somente terá valor com um defensor constituído,
pois o autor do fato é leigo ao Direito, não poderá aceitar a proposição sem ter profissional
em esclarecer sobre as vantagens e desvantagens de aceitar a propositura do instituto despenalizador...”148
147 JESUS, Damásio de. Lei dos Juizados Especiais Criminais anotada. 8ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2003. P. 66-67.
148 DUARTE, Paulo Roberto Pontes Duarte. Transação Penal x Princípio da Inocência... <http://jusvi.com/artigos>.
145
3.2. Natureza Jurídica
Para o saudoso JULIO FABBRINI MIRABETE, “...a sentença homologatória da
transação tem caráter condenatório e não é simplesmente homologatória (...) Declara a situação do autor do fato, tornando certo o que era incerto, mas cria uma situação jurídica ainda
não existente e impõe uma sanção penal ao autor do fato (...) Tem efeitos processuais e materiais, realizando a coisa julgada formal e material e impedindo a instauração de ação penal
(...) Trata-se, pois, de uma sentença condenatória imprópria...”149.
Esse não é, data venia, a exegese mais afinada com o espírito da norma regente da
transação.
Aliás, veja-se o seguinte precedente do extinto Tribunal de Alçada Criminal do
Estado de São Paulo, que, aliás, foi citado pelo aludido mestre:
“A sentença que homologa a transação penal não tem caráter condenatório, mas
simplesmente ‘declaratório da vontade das partes, que não acarreta qualquer efeito de natureza penal, não indicando reconhecimento da culpabilidade penal, nem gerando reincidência nem efeitos civis e maus antecedentes’. Além do mais, ‘não faz coisa julgada material,
mas apenas coisa julgada formal, o que permite ao Ministério Público, em face do descumprimento do acordo pelo autor da infração, promover a devida ação penal, oferecendo denúncia’...” (TACRIM-SP – HC 317.624/1 – 2ª Câm. - Rel. Juiz Erix Ferreira – j. 19.02.98)
Atribuir natureza condenatória à sentença que homologa transação penal colide
frontalmente com o princípio de que “ninguém será privado da liberdade (...) sem o devido
processo legal” (inc. LIV, art. 5º, da CF/88).
É que a via sumaríssima e estreita da transação se opera em sede de conciliação
pré-processual.
Evidentemente, o título judicial formado pela sentença homologatória serve apenas e tão-somente para conferir liquidez, certeza e exigibilidade ao objeto da convenção, em
seus limites singulares.
No ponto, insta ressaltar que o direito de liberdade é indisponível. Infere-se daí que
o autor do fato não pode validamente transacionar sobre seu direito de ir, vir e ficar, nem estará sujeito a privar-se de sua locomoção por conta e nos termos do que vier a ser estipulado
em transação penal.
Acaso a sentença homologatória da transação penal se revestisse dos atributos
inerentes a coisa julgada formal e material, seria possível a conversão automática da punição
restritiva de direitos em privativa de liberdade, em caso de descumprimento do pacto. Esse
não é, porém, o entendimento do Excelso Supremo Pretório, como se pode ver adiante, in
verbis:
“HABEAS CORPUS. PACIENTE ACUSADO DOS CRIMES DOS ARTS. 129 E 147
DO CÓDIGO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUE CONSISTIRIA NA CONVERSÃO, EM PRISÃO, DA PENA DE DOAR CERTA QUANTIDADE DE ALIMENTO À
‘CASA DA CRIANÇA’, RESULTANTE DE TRANSAÇÃO, QUE NÃO FOI CUMPRIDA.
ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. Conversão que,
149 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4 ed. São Paulo. Atlas. 2000. P. 142.
146
Revista ESMAC
se mantida, valeria pela possibilidade de privar-se da liberdade de locomoção quem não foi
condenado, em processo regular, sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, como
exigido nos incs. LIV, LV e LVII do art. 5º da Constituição Federal. Habeas corpus deferido”
(STF – HC 80164/MS – 1ª T. - Rel. Min. Ilmar Galvão – j. 26.09.2000 – DJ 07/12/2000)
Discorrendo sobre o assunto, MÁRCIO FRANKLIN NOGUEIRA enfatiza que:
“...não se pode negar a natureza jurídica do fenômeno, que é mesmo de uma transação
penal. O vocábulo ‘transação’ tem o significado de ‘combinação, convênio, ajuste’, ‘ato
ou efeito de transigir’. Como assinala De Plácido e Silva: ‘No conceito do direito civil, no
entanto, e como expressão usada em sentido escrito, transação é a convenção em que, mediante concessões recíprocas, duas ou mais pessoas ajustam certas cláusulas e condições para
que previnam litígio, que se possa suscitar entre elas, ou ponham fim a litígio já suscitado’.
E completa, mais adiante: ‘Assim, a transação sempre tem caráter amigável, fundada que é
em acordo ou em ajuste, tem a função precípua de evitar a contestação, ou o litígio, prevenindo-o, ou de terminar a contestação, quando já provocada, por uma transigência de lado a
lado, em que se retiram ou se removem todas as dúvidas ou controvérsias acerca de certos
direitos’. Trata-se, como se percebe de sua definição, de instituto típico da área cível, agora
– por força da Lei 9.099 – transplantado também para a esfera criminal, com suas características próprias e novas (...) Não há como admitir a natureza condenatória ou absolutória
nesta sentença homologatória, porque o juiz não se pronuncia sobre o mérito de um caso
penal, limitando-se a analisar a existência dos requisitos legais exigidos para a validade da
transação penal a que chegaram as partes; não emite qualquer juízo de valor quanto à culpabilidade (...) Não há, em realidade, uma imposição de pena pelo juiz. A pena não privativa de
liberdade ou multa é livremente consentida pelo autor do fato; é por ele aceita como forma de
evitar o processo penal condenatório. Desta forma, a pena não resulta diretamente da decisão
judicial, mas sim da própria vontade do autor do fato, que livremente se submete a ela...”150
Reconhecendo a natureza declaratória/homologatória da transação penal despontam os seguintes precedentes:
“Em se tratando de infração prevista no art. 19 da LCP e havendo transação penal, é inadmissível o confisco da arma prevista no art. 91, II, a, do CP, vez que a decisão que homologa
a aceitação da proposta não gera condenação mas a extinção da punibilidade” (extinto TACRIM-SP – AC 1032797 – Rel. Carlos Biasotti)
“Porte ilegal de arma de fogo. Homologação da transação penal. Ilegalidade do confisco da arma de
fogo. O confisco da arma de fogo é feito da sentença condenatória, consoante dispõe o art. 91, inc. II,
letra “a”, do Código Penal. In casu, houve transação penal, cuja natureza jurídica da decisão que a homologa é meramente declaratória ou homologatória. A transação penal, porque não tem natureza jurídica
de sentença condenatória, mostra-se inidônea para autorizar o confisco em apreço” (TACRIM/SP - Ap.
n. 1.099.641/2/Palmeira D’Oeste - 13ª Câm. - Rel. juiz Teodomiro Mendes - j. 28.7.98)
“A sentença de que cuida o § 4º do art. 76 da Lei 9.099/95, não é de natureza condenatória, pois,
embora importando na aplicação de sanção pecuniária ou restritiva de direitos, não pode se equiparar
ao juízo de procedência da ação penal, que sequer existe, pela ausência de acusação formal e tampouco instauração do contraditório” (extinto TACRIM-SP – AC 1015151 – Rel. Aroldo Viotti)
150 NOGUEIRA, Márcio Franklin. São Paulo. Malheiros. 2003. P. 163-164; 195-196.
147
“A sentença homologatória da transação prevista no art. 76 da Lei 9.099/95 não é condenatória, mas simplesmente homologatória. Exatamente conforme ocorre no processo civil:
a homologação da transação não é procedência do pedido do autor, mas decisão que, acolhendo a vontade das partes, constitui título executivo judicial – art. 584, inciso III, do CPC”
(extinto TACRIM-SP – RSE 1.090.175/9 – Rel. Juiz Renato Nalini – RJTACrim 37/517)
Desse modo, há que se concluir que a sentença que chancela a transação penal é
meramente homologatória, estando, pois, suscetível de resolução, por eventual inadimplemento da convenção pactuada.
3.3. CONSTITUCIONALIDADE
A transação penal é instrumento dinâmico, vocacionado a uma rápida resolução do
conflito penal.
Esse método desburocratizado de se prestar tutela jurisdicional não ofende a Carta
Republicana.
Na lição de JULIO FABBRINI MIRABETE:
“...Não se viola o princípio do devido processo legal porque a própria Constituição Federal prevê o instituto, não obrigando a um processo formal, mas um ‘procedimento oral e
sumaríssimo’ (art. 98, I) para o Juizado Especial criminal e, nos termos da lei, estão presentes
as garantias constitucionais de assistência de advogado, de ampla defesa, consistente na
obrigatoriedade do consenso e na possibilidade de não-aceitação da transação. Trata-se da
possibilidade de uma tática de defesa concedida ao apontado como autor do fato. Não se
viola o princípio da presunção de não-culpabilidade porque há uma aceitação por parte do
interessado, que não implica confissão de culpa...”151
A Magistrada ORIANA PISKE DE AZEVEDOR MAGALHÃES PINTO, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, doutrina, in verbis:
“...A Lei nº 9.099/95 não se contentou em importar soluções de outros ordenamentos mas
– conquanto por eles inspirado – cunhou um sistema próprio de justiça penal consensual.
A aplicação imediata de pena não privativa de liberdade antes mesmo do oferecimento da
acusação, não só rompe o sistema tradicional do nulla poena sine judicio, como até possibilita a aplicação da pena sem antes discutir a questão da culpabilidade. A aceitação de proposta
do Ministério Público não significa reconhecimento de culpa. E nenhuma inconstitucionalidade há nessa corajosa inovação do legislador brasileiro, pois é a própria Constituição que
possibilita a transação penal para as infrações penais de menor potencial ofensivo. Neste
sentido pondera Luiz Flávio Gomes que se deve reconhecer a extraordinária virtude da Lei
nº 9.099/95, ‘de já ter posto em marcha no Brasil a maior revolução do Direito Penal e Processual Penal. As vantagens do sistema de resolução dos pequenos delitos pelo ‘consenso’
(...) são perceptíveis e, até aqui, irrefutáveis. Por mais que deixe aturdidos estupefactos os
que gostariam de conservar in totum o moroso, custoso e complicado modelo tradicional de
Justiça Criminal (fundado na ‘verdade material’ – que no fundo não passa de uma verdade
processual), essa forma desburocratizada de prestação de justiça, autorizada pelo legislador
151 Ibdem. P. 119.
148
Revista ESMAC
constituinte (CF, art. 98, i), tornou-se irreversivelmente imperativa. Não existem recursos
materiais, humanos e financeiros disponíveis, em parte nenhuma do mundo, que suportem
os gastos do modelo clássico de Judiciário ...”152
Para TOURINHO NETO:
“...Dizem outros que a transação penal redunda na aplicação de pena, pena restritiva de
direitos ou multa. Aplicação de pena, portanto, sem julgamento. Nulla poena sine judicio.
Haveria um juízo antecipado de culpabilidade, ferindo assim o princípio da presunção da
inocência.
As sanções previstas no art. 76 (pena restritiva de direitos e multa) não trazem, no entanto,
‘sentido de reprovabilidade ético-jurídica e tampouco se assentam no reconhecimento da
culpabilidade do suposto autor do fato’.
MIGUEL REALE JÚNIOR sustenta que com a transação ‘(...) infringe-se o devido processo legal. Faz-se tabula rasa (deixar de fazer referência), vazio total do princípio constitucional da presunção de inocência, realizando-se um juízo antecipado de culpabilidade, com
lesão ao princípio nulla poena sine judicio (Não pode haver punição sem um julgamento
– sem processo), informador do processo penal’.
Ademais ‘sem que haja opinio delicti (a respeito do delito – para dar início a ação penal,
um juízo provisório) e, portanto, inexigindo-se a existência de convicção da viabilidade
de propositura da ação penal, sem a fixação precisa de uma acusação, sem elementos embasadores de legitimidade de movimentação da jurisdição penal, e, portanto, sem legítimo
interesse de agir, o promotor pode propor um acordo pelo qual o autuado concorda em ser
apenado sem processo.
E mais, pergunta REALE JÚNIOR: ‘Qual vai ser a correlação entre a denúncia que não
existe e uma sentença, que é só aparente?...Ou seja, entre a denúncia inexistente e sentença
aparente tem que haver correlação’.
AFRÂNIO SILVA JARDIM, analisando o art. 76 da Lei 9.099/5, com muita propriedade,
explica:
‘(...) estabelecemos uma premissa para compreensão do sistema interpretativo proposto:
quando o Ministério Público apresenta em juízo a proposta de aplicação de pena não privativa de liberdade, prevista no art. 76 da Lei 9.099/95, está ele exercendo a ação penal, pois
deverá, ainda que de maneira informal e oral – como a denúncia -, fazer uma imputação
ao autor do fato e pedir a aplicação de uma pena, embora esta aplicação imediata fique na
dependência do assentimento do réu. Em outras palavras, o promotor de justiça terá que,
oralmente como na denúncia, descrever e atribuir ao autor do fato uma conduta típica, ilícita
e culpável, individualizando-a no tempo (prescrição) e no espaço (competência foro). Deverá, outrossim, a nível de tipicidade, demonstrar que tal ação ou omissão caracteriza uma
infração de menor potencial ofensivo (competência de juízo), segundo definição legal (art.
61). Vale dizer, na proposta se encontra embutida uma acusação penal (imputação mais pedido de aplicação de pena)’.
(...) Para fazer a proposta, o Ministério Público tem de verificar se há os pressupostos
para dar início à ação penal, no Juizado competente. Daí por que deve expor o fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, onde ocorreu, o lugar (ubi), quando se deu, o tempo
(quando), sem minúcias, classificar a infração pena, apontando seu autor (quis).
Esse mesmo mestre realça que a transação penal proporciona mais vantagem ao
próprio autor do fato, que não passa a conviver com um processo longo, demorado, cau152 PINTO, Oriana Piske de Azevedo Magalhães. A transação Penal e a Ação Penal Privada. <www.idcb.org.br>.
149
sando-lhe stress e, portanto, passível de adquirir várias doenças, para, na maioria das vezes,
ver decretada a prescrição pela pena in abstracto. Reproduzindo as palavras da Ministra
FÁTIMA NANCY, assegura que: ‘Está cientificamente comprovado pela medicina que a
pendência de processo judicial ou a falta de condições de acesso à solução de um problema
jurídico causa sofrimento que se manifesta sob forma de aflição, de angústia, evoluindo para
males psicossomáticos’153.
AIRTON ZANATTA, citado por TOURINHO NETO, rebate as argumentações
contrárias à constitucionalide da transação, dizendo:
“Pela análise sistêmica do instituto da transação penal, verifica-se que ele contém todos os
elementos necessários à caracterização da ação penal pública. Sua origem é constitucional,
assim como é a ação penal pública. Sua legitimidade para propositura é privativa do Ministério Público, tal qual é na ação penal pública. Ambas são forma de exercício do jus puniendi
do Estado, tendo o autuado asseguradas todas as garantias do devido processo legal na forma
em que a lei ordinária estabelece”
AMAURY DE LIMA E SOUZA, quanto à alegação de que é violado o princípio
do devido processo legal, diz, segundo TOURINHO NETO, que:
“Não compactuamos com esta idéia, pois mesmo em se aplicando os preceitos da Lei
9.099/95, haverá atividade jurisdicional, pois o Ministério Público estará requerendo a aplicação de pena (pecuniária ou restritiva de direitos) e esta, se aceita pelo réu, será imediatamente aplicada pela autoridade judiciária, se preenchidos os demais requisitos legais.
Estará patenteada, portanto, a sanção. Como dizer, dessa forma que se violou o princípio
do devido processo legal? Ele continua existindo – tanto que a lide se formou de modo bem
mais dinâmico e prático – e a prestação da tutela jurisdicional foi alcançada, através do jus
puniendi estatal, que é a própria sanção”
NEREU JOSÉ GIACCOMOLLI afirma, segundo NETO, que:
“O due process of law (critério objetivo e não substantivo) é obedecido na medida em
que a Constituição Federal, no seu art. 98, I, e a Lei 9.099/95 estabeleceram qual a forma
de se processar e julgar as infrações de menor potencial ofensivo. A ampla defesa não resta
violada porque o envolvido é esclarecido, no início da audiência, a respeito de todas as possibilidades disponíveis; obtém acompanhamento e orientação de advogado (defesa técnica);
tem a opção entre a estigmatização do processo, de uma possível sentença condenatória ou
de uma sentença homologatória. Ainda. Não é obrigado a aceitar a transação criminal (defesa
pessoal). O princípio do contraditório também é assegurado na medida em que, acompanhado de advogado, o envolvido tem a possibilidade de aceitar ou não a medida alternativa da
proposta. Inexiste acusação angularizada e tampouco supressão da possibilidade de contraditar uma futura acusação (uma vez não aceita a transação criminal). O Ministério Público
vela pelo jus puniendi; o envolvido, pela status libertatis. Pelo fato de não haver confissão
de culpa pelo autor do fato e nem declaração desta pelo juiz; por inexistir provimento condenatório e nem eficácia plena de sanção criminal, na aceitação da proposta de transação
criminal não há violação ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da nãoculpabilidade. A multa ou a restrição de direitos, aplicadas ao autor do fato, estão previstas
no ordenamento jurídico (art. 5º, LXVI, c e d, da CF e art. 76 da Lei 9.099/95)”
153 Idem. P. 572-573.
150
Revista ESMAC
NETO conclui sustentando que:
“Se a transação está prevista em lei e se estão garantidos o direito à jurisdição, ao juiz natural, à publicidade dos atos processuais e ao contraditório, não se pode dizer que não haja
um devido processo legal. Além do mais, é a transação um benefício para o acusado, logo,
por que criar obstáculos jurídicos para impedir sua admissão?...Explica LUÍS ROBERTO
BARROSO: ‘O princípio do devido processo legal, como é assente, não tem um sentido unívoco predefinido. Trata-se de uma cláusula de relativa elasticidade, mas que, naturalmente,
abriga certos conteúdos mínimos, sob pena de tornar-se uma inutilidade. A doutrina processual tem identificado, no due process of law, três sub-princípios: o do juiz natural, do contraditório e do procedimento regular’. O princípio do nulla poena sine iudicio é observado pela
Lei dos Juizados. O processo é sumário, célere, mas há, sem sombra de dúvida, um processo
em que são observadas as garantias necessárias a sua defesa...”154
dúvida.
A constitucionalidade da transação penal se apresenta, pois, irrecusável, estreme de
3.4. Âmbito de aplicação
A regra é que a transação penal tem cabimento nas infrações de menor potencial
ofensivo, que, segundo a legislação vigente, são as contravenções penais e os crimes cuja
pena máxima não ultrapasse 02 (dois) anos (art. 61, da LJEC, na redação dada pela Lei nº
11.313, de 2006).
Estão, porém, fora da órbita de aplicação daquela benesse os crimes militares (art.
90-A, da LJEC), os praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 41,
da Lei nº 9.099/95), e o crime de trânsito de lesão corporal culposa nas hipóteses especificadas na norma de regência (art. 291, § 1º, incs. I, II e III, da Lei nº 9.503/97).
Esclareça-se também que a transação tem incidência na Justiça Eleitoral. A propósito:
“Inquérito policial – Delito do art. 347 do Código Eleitoral – Proposta de transação penal – Proposta de transação penal formulada pelo Ministério Público – Art. 76 da Lei
9.099/95 – Acolhimento – Remessa dos autos à zona eleitoral de origem para submissão da
proposta ao indiciado – Decisão unânime (TRE-MG – Proc. 185/99 – Rel. Levindo Coelho
– DJMG 13.08.1999)
Em igual perspectiva são as lições de ROGÉRIO TADEU ROMANO:
“...Deixa óbvia a Resolução n.° 21.294, de 7.11.2002, n o processo administrativo n.° 18.956, do Tribunal Superior Eleitoral, a possibilidade, para as infrações penais
eleitorais, cuja pena não seja superior a dois anos, de adoção da transação e da suspensão
condicional do processo, salvo para os crimes que contam com um sistema punitivo especial,
entre eles aqueles a cuja pena privativa de liberdade se cumula a cassação do registro se o
responsável for candidato, a teor exemplificativo do art. 334 do Código Eleitoral.
154 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais.
4ª Ed. São Paulo. 2005. P. 515-517.
151
De toda sorte, as infrações penais definidas no Código Eleitoral, obedecem ao
disposto nos seus artigos 355 e seguintes, não podendo ser da competência dos Juizados
Especiais sua apuração e julgamento.
Na Justiça Eleitoral, o termo circunstanciado de ocorrência pode ser utilizado em
substituição ao flagrante, pois estamos diante de infrações de pequeno potencial ofensivo,
eliminando a prisão em flagrante.
Questiona, no PA 18.956-DF, o Delegado da Polícia Federal a Justiça Eleitoral
quanto a adoção das Leis 9.099/95 e 10.259/2001, no pleito eleitoral. Respondeu o ilustre
Ministro Sálvio de Figueiredo, dizendo que tocante aos crimes eleitorais, as infrações penais
definidas no Código Eleitoral obedecem ao disposto no art. 355 e seguintes, são de ação
pública, seu processo é especial e dependerá de representação ou de comunicação feita por
qualquer cidadão que tiver conhecimento da infração ao juiz, obedecido o art. 356 do CE.
Não obstante, considera-se possível, quanto a infrações penais eleitorais, cuja pena não seja
superior a dois anos, a adoção dos institutos da transação penal e da suspensão condicional
do processo (que provoca o sobrestamento da ação penal) em face da lei mais benéfica (art.
5.°, XL, da CF). Aliás, o Tribunal Superior Eleitoral, no HC n.° 375, DJ de 26.11.99, p. 189,
relator Ministro Eduardo Alckmin, entendeu que a transação de que cogita o art. 76 da Lei
n.° 9.099/95 é hipótese de conciliação préprocessual, cuja oportunidade fica preclusa com o
oferecimento de denúncia (STF, HC n.° 77.216- 8), sendo instituto aceito na Justiça Eleitoral. Todavia, em crimes que adotam um sistema punitivo especial (art. 334 do Código Eleitoral) em que se cumula a pena privativa de liberdade à cassação do registro se o responsável
for candidato, não se aceita a transação penal.
Entende-se, no processo eleitoral, que mesmo que a comunicação seja feita por
TCO o Ministério Público poderá determinar diligências complementares como titular de
ação penal pública incondicionada, mas, não se admitindo, nas infrações de menor potencial
ofensivo, a prisão em flagrante, tendo o autor do fato o direito de ser encaminhado, se aceitar,
ao Juízo Eleitoral, ou assumir o compromisso, de a ele comparecer.
Em síntese:
a) as infrações penais definidas no Código Eleitoral obedecem ao disposto nos
seus arts. 355 e seguintes, são de ação pública e seu processo é especial, não podendo ser da
competência dos Juizados Especiais;
b) pode o crime eleitoral ser comunicado pela via do TCO, se a pena cominada for
inferior a dois anos;
c) é possível, para as infrações penais eleitorais cuja pena não seja superior a
dois anos, a adoção da transação, salvo para os crimes que contam com um sistema punitivo
especial, entre eles aqueles cuja pena privativa de liberdade se cumula a cassação do registro
se o responsável for candidato, a teor do art. 334 do Código Eleitoral;
d) a bilateralidade encontrada na transação penal, inclusive na Justiça Eleitoral,
não é coordenadora (pretensão e deveres recíprocos entre sujeitos), mas subordinadora (pretensões e deveres correspondentes entre sujeitos dirigentes e comunidade obrigada)155”
Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de
setembro de 1995, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art. 74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada
impossibilidade (art. 27, da Lei nº 9.605/98).
Cumpre advertir, porém, que a transação não é cabível para os crimes contra as
155 ROMANO, Rogério Tadeu. A Transação Penal e o Processo Eleitoral. <http://www.tre-rn.gov.br/documentos/artigos/artigos>.
152
Revista ESMAC
relações de consumo, tipificados no art. 7º, da Lei nº 8.137/90, pois que, sem embargo de a
norma prever punição alternativa de multa, a reprimenda carcerária cominada na espécie é
de 05 (cinco) anos de detenção. Não se cuida, evidentemente, de infrações de menor potencial ofensivo. Nesse sentido:
“PENAL E PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - CRIME CONTRA A RELAÇÃO DE CONSUMO - SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - PRAZO - ADVENTO DA LEI N.º 10.259/01 - MODIFICAÇÃO - INOCORRÊNCIA - PENA ALTERNATIVA DE MULTA - TRANSAÇÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE.
- O art. 89 da Lei n.° 9.099/95 não foi alterado pela Lei n.° 10.259/01, restando este
aplicável, somente, às infrações penais com pena mínima cominada igual ou inferior a 01
(um) ano. Precedente. - Para a aplicação da transação penal é necessário que a pena máxima
cominada ao delito não exceda à dois anos, sendo irrelevante a previsão legal de pena de
multa na forma alternativa ou cumulativa. - Ordem denegada” (STJ - HC 29328 / SP – 5ª T.
– Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI – j. 18/03/2004)
“RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. DIREITO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA
CAUSA. INOCORRÊNCIA. TRANSAÇÃO PENAL. REQUISITOS OBJETIVOS. APRECIAÇÃO EM SEDE DE HABEAS CORPUS. INCABIMENTO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ACUSADO QUE RESPONDE A OUTRO PROCESSO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INEXISTÊNCIA. RECURSO
IMPROVIDO. 1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa, medida de exceção que é, somente pode ter lugar, quando o motivo legal invocado mostrar-se na luz da
evidência, primus ictus oculi. 2. O mero depósito ou exposição à venda de “matéria-prima
ou mercadoria” imprópria para o consumo, com prazo de validade vencido (cf. artigo 18,
parágrafo 6º, da Lei nº 8.078/90), configura, em tese, o delito tipificado no artigo 7º, inciso
IX, da Lei nº 8.137/90, que é de perigo abstrato ou presumido. Precedentes do STJ. 3. Não
restando afastadas, de plano, a tipicidade e a materialidade delitivas, deve a questão, por
induvidoso, ser decidida em momento próprio, qual seja, o da sentença penal, e à luz de todos os elementos de convicção a serem colhidos no desenrolar de toda a instrução criminal,
sendo, pois, de todo incabível o abortamento precipitado do feito, à moda de absolvição
sumária do denunciado. 4. Não é cabível o instituto da transação penal ao delito tipificado
no artigo 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90, que não é considerado como de menor potencial
ofensivo, eis que a pena cominada é de 2 a 5 anos de reclusão. 5. Incabe suspensão condicional do processo, se responde o acusado a outra ação penal e a pena mínima cominada ao
novo crime que lhe imputa o Ministério Público superior a um ano, como é da letra da norma
inserta no artigo 89 da Lei 9.099/95. Precedentes do STJ e do STF. 6. Não importa qualquer
violação do princípio constitucional da presunção de inocência, a exigência de não estar o
réu respondendo a outro processo para a concessão da suspensão condicional do processo
(Precedentes). 7. Recurso improvido” (STJ - RHC 15087 / SP – 6ª T. – Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO – j. 21/02/2006)
EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE, alicerçado em escólio doutrinário de
LUIZ FLÁVIO GOMES, pondera que a Lei nº 11.343/2006 - Nova Lei Antitóxicos (LAT) -,
afastou a cláusula impeditiva do inc. II, § 2º, art. 76, da Lei nº 9.099/95, para concessão da
transação penal em relação ao crime de posse de drogas para consumo pessoal (art. 28 c/c
art. 48, § 1º, da LAT). Em outras palavras, o usuário de drogas poderá ser favorecido com
153
a transação penal mesmo que já tenha sido beneficiado pelo mesmo instituto a menos de 05
(cinco) anos. Ele argumenta que:
“...A Lei 11.343/06 alterou o tratamento atribuído ao usuário ou dependente de drogas.
Doravante, de acordo com a dicção de seu artigo 28, incisos I, II e III, aquele que tem a
posse de drogas para consumo pessoal não mais estará sujeito, em qualquer circunstância,
ao encarceramento. Foi definitivamente abolida a pena de prisão como reação estatal a essa
conduta.
Trata-se de medida coerente com a adoção de um novo modelo “terapêutico” em substituição à antiga postura “repressiva” em relação ao usuário ou dependente.
Como não poderia ser diferente, o legislador estabeleceu no artigo 48, § 1º., da Lei
11.343/06, a aplicação do procedimento da Lei 9099/95 para o processo e julgamento das
infrações ao artigo 28 do primeiro diploma mencionado.
No entanto, uma dúvida emerge quanto ao direito do autor do fato à transação penal:
estaria a proposta, nos casos do artigo 28, condicionada ao fato de que o autor não tenha
sido ainda beneficiado no prazo de cinco anos, conforme regra disposta no artigo 76, § 2º.,
II, da Lei 9099/95?
Luiz Flávio Gomes manifesta-se pioneiramente sobre o tema, afirmando que a regra do
artigo 76, § 2º., II, da Lei dos Juizados Especiais Criminais não se aplica aos casos do artigo
28 da Lei 11.343/06. Eis o texto:
‘(...) no âmbito dos juizados, feita uma transação penal, outra não pode ser deferida no
lapso de cinco anos. Isso não existe na ‘lex nova’. Não há nenhum impedimento para uma
nova transação’.
A afirmação acima transcrita pode gerar certo espanto, vez que a Lei 11.343/06 não estabelece expressamente alguma exceção e simplesmente determina a aplicação do procedimento dos artigos 60 e seguintes da Lei 9099/95 aos casos do artigo 28. Não há declaração
expressa de revogação (derrogação) e nem a Lei de Drogas trata inteiramente da matéria,
inclusive remetendo o aplicador à sistemática da Lei 9099/95.
Nesse quadro, o que poderia levar o intérprete à surpreendente conclusão de que a transação penal nos casos do artigo 28 da Lei 11.343/06 não estaria condicionada ao lapso impeditivo de cinco anos?
A resposta encontra-se no artigo 2º., § 1º., da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto
– Lei 4.657/42):
‘A lei posterior revoga a anterior quando expressamente a declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior’.
Como já destacado, é nítido que a Lei 11.343/06 não declara expressamente qualquer alteração sobre o tema em discussão. Também não seria uma boa trilha interpretativa concluirse que o silêncio da lei nova implicaria em abolição da exigência da lei anterior, mormente
quando a própria Lei de Drogas determina a aplicação dos procedimentos previstos na Lei
9099/95.
Portanto, restou apenas a questão da incompatibilidade da disciplina do artigo 28 da Lei
11.343/06 com o regramento estabelecido no artigo 76, § 2º., II, da Lei 9099/95. Eis aqui
o que parece ser o verdadeiro desate do nó górdio da questão, a conferir razão à conclusão
doutrinária anteriormente mencionada.
(...) Tendo em consideração o fundamento da proibição estabelecida no artigo 76, § 2º., II,
da Lei 9099/95, nos casos do artigo 28 da Lei 11.343/06 ocorre um verdadeiro desmoronamento da razão de ser do impedimento ali determinado. Isso porque não há hipótese alguma
de aplicação de pena privativa de liberdade, bem como não conta o dispositivo em destaque
com carga repressivo – punitiva. Bem ao reverso, surge o artigo 28 da nova Lei de Drogas
como marco de uma guinada de um sistema repressivo para outro de índole claramente te154
Revista ESMAC
rapêutica, a qual inclusive, não se coaduna com um modelo de justiça conflitivo – impositivo, mas sim com um paradigma “consensuado”, no qual a adesão do próprio autor do fato
às medidas adotadas emerge como requisito imprescindível à sua eficácia prática.
Também é importante recordar que os próprios princípios que regem a Lei 9099/95 indicam para tal solução, pois que não haveria razão plausível para que se chegasse, ao final
de todo um processo, à imposição das mesmas medidas que poderiam ter sido obtidas consensualmente e de imediato, uma vez que neste caso não há hipótese de outras modalidades
de penas. Tal caminhar em círculos para chegar ao mesmo ponto iria chocar-se frontalmente
com princípios preconizados na Lei 9099/95, tais como os da celeridade, informalidade e
economia processual (inteligência do artigo 62 da Lei 9099/95).
Dessa forma, conclui-se que realmente o impedimento de nova transação penal por cinco
anos após um primeiro acordo não se aplica aos casos do artigo 28 da Lei 11.343/06, por
tratar-se de disposição incompatível com sua natureza e disciplina e considerando os próprios princípios reitores da Lei dos Juizados Especiais Criminais”156.
A transação criminal tem aplicabilidade nos feitos de competência originária dos
Tribunais. Veja-se:
“Transação penal (...) Delito sujeito a procedimento especial, de competência originária
do Tribunal – Cabimento, contudo, da transação, com aplicação aos acusados das matérias
de Direito Penal inerentes às regras processuais da Lei Federal 9.099, de 1995 – Recolhimento da multa no prazo de dez dias – Transação homologada...” (TJSP – 4ª CCrim – Rel.
Hélio de Freitas – Inq. 227.977-3 – LEX-JTJ 218359)
Estabelece-se ainda que a transação deve ser observada mesmo quando verificada
a reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação
das regras de conexão e continência (par. ún., art. 60, LJEC, com a redação dada pela Lei nº
11.313/2006).
É relevante destacar que, se o Tribunal do Júri desclassificar a infração para outra,
de competência do juiz singular, ao Juiz caberá proferir sentença em seguida, aplicando,
quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei nº 9.099/95.
Igual providência deverá ser adotada, também na hipótese de desclassificação, em relação
ao crime conexo (desde que de menor potencial ofensivo) que não seja doloso contra a vida
(art. 492, §§ 1º e 2º, do CPP, na redação dada pela Lei nº 11.689/2008).
Importa ressaltar que, na esteira do Enunciado Criminal nº 80, do FONAJE (Fórum
Nacional dos Juizados Especiais): “No caso de concurso de crimes (material ou formal) e
continuidade delitiva, as penas serão consideradas isoladamente para fixação da competência” (atualizado até o XXIII Encontro – Boa Vista/RR).
TOURINHO NETO obtempera que, a soma ou acréscimo das penas, decorrentes
do concurso de crimes – material (soma das penas dos dois ou mais crimes – CP, art. 69);
formal (aplicação da pena mais grave das “cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas
aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade” – Código Penal, art. 70); ou da
continuidade (aplicação da “pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se
diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços” – CP, art. 71) – não pode
156 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Posse de drogas para consumo pessoal: novas regras para a transação penal. <http://
www.eneascorrea.com>.
155
transformar um crime de menor potencial ofensivo em crime de gravidade maior.
O crime não pode ser, ao mesmo tempo, de maior ou de menor potencial ofensivo,
a depender do número de vezes que foi praticado ou se o foi em concurso com outro ou
outros delitos. O agente é que pode, com esse modo de agir, demonstrar uma personalidade
voltada para o crime, que, em si, não deixa de ser de menor potencial ofensivo, se a pena in
abstracto não é superior a dois anos, ou se é punido tão somente com multa.
Mais adiante, acrescenta o doutrinador que as normas que ‘restringem a liberdade
humana’ devem ser interpretadas estritamente, como explica CARLOS MAXIMILIANO. In
poenalibus causis benignus interpretandum este (adota-se nas causas penais a exegese mais
benigna)157.
Respeitante aos crimes qualificados, circunstâncias atenuantes e agravantes, causas de aumento e diminuição de pena, e sua influência na definição da infração de menor
potencial ofensivo, vale transcrever a orientação do Magistrado DENIVAL FRANCISCO
DA SILVA, in verbis:
“(...) Obviamente que a pena abstrata atribuída no caso de qualificadoras, já é componente
do tipo penal e é este parâmetro que servirá para conceituá-lo, ou não, como infração penal de
menor potencial ofensivo. Quanto as agravantes e atenuantes, não influenciam na definição
de maior ou menor gravidade, e por isso não podem ser consideradas para identificação
da natureza da infração. Quanto às causas de aumento e de diminuição de pena, diferentemente das circunstâncias agravantes e atenuantes, informam uma modificação necessária do
grau de reprovabilidade, incidindo, portanto, sobre a pena cominada mesmo abstratamente.
Porém como nem sempre estas causas trazem um quantum objetivo de pena, estabelecendo
um intervalo com um mínimo e um máximo modificador, seja para aumentar ou diminuir,
deve-se observar, então, a equação que traduza na maior pena possível ao agente delituoso.
Assim, a alternativa mais viável será considerar o maior patamar de aumento e o mínimo de
redução cabíveis, porque em ambas as hipóteses se obterá o máximo de pena possível para
a situação concreta...158”
Os Pretórios Superiores entendem, todavia, que, no concurso de crimes, as penas
máximas deverão ser somadas (cúmulo material – art. 69, CP) ou exasperadas (concurso formal – art. 70, daquele Código – e crime continuado – art. 71 – do mesmo Estatuto Repressor)
para se definir a natureza da infração penal.
Para o E. STJ:
“...A jurisprudência desta Corte Federal Superior já se pacificou no sentido de que quando
a soma das penas máximas cominadas em abstrato ultrapassar dois anos, a competência para
julgar os crimes de menor potencial ofensivo será da Justiça Comum...” (STJ – CC 51492/
RS – 3ª S. – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – j. 14/03/2007 – DJ 26/03/2007)
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIMES CONTRA A HONRA. CONCURSO MATERIAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. COMPETÊNCIA. JUIZADO
157 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. JÚNIOR, Joel Dias Figueiredo. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais. 4ª Ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2005. P. 388
158 SILVA, DENIVAL FRANCISCO DA. DA Competência Absoluta do Juizado Especial Criminal para Processamento e
Julgamento das Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo. <www.portalgepec.org.br>.
156
Revista ESMAC
ESPECIAL CRIMINAL.
I - No caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência
do Juizado Especial Criminal, será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou
a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas
cominadas ao delito. Com efeito, se desse somatório resultar um apenamento superior a 2
(dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ).
II - A alegação de que na espécie se teria uma progressão criminosa (conflito aparente de
normas a ser dirimido com base no princípio da consunção), e não um concurso material de
crimes, ensejaria, inevitavelmente, um aprofundado exame do material fático-probatório,
o que é inviável nesta estreita via. Ordem denegada” (STJ - HC 27734/RJ – Rel. Ministro
FELIX FISCHER - DJ 14.06.2004)
Para o C. STF:
“...Com efeito, e no que se refere ao tema específico da transação penal (Lei nº 9.099/95,
art. 76), cabe ter em consideração a decisão proferida pela Colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 78.876-MG, ocasião em que esta Corte – em
expressiva passagem do voto vencedor, da lavra do eminente Ministro MAURÍCIO CORRÊA, Relator – entendeu inaplicável, aos crimes cometidos em concurso formal, ou em
concurso material, ou, ainda, em continuidade delitiva, o instituto da transação penal, sempre
que, da soma das penas cominadas a cada infração penal ou da incidência das causas de
majoração, resultar ultrapassado o limite de um (1) ano, a que se refere o art. 61 da Lei nº
9.099/95: ‘No julgamento do HC nº 77.242-SP, na recente Sessão Plenária de 18.03.99, da
relatoria do Min. MOREIRA ALVES, ficou decidido, por maioria, que os benefícios previstos na Lei nº 9.099, de 25.09.95, como a transação penal (artigo 76) e a suspensão condicional do processo (art. 89), não são aplicáveis no caso de concurso forma de crimes (...)
Cumpre ressaltar, neste ponto, que essa diretriz jurisprudencial encontra apoio em autorizado
magistério doutrinário (...) cuja análise do tema ora em exame põe em destaque a relevantíssima circunstância de que a transação penal não se estende àqueles ilícitos, cuja punição in
abstracto ou da incidência de causas especiais de aumento, culmina por descaracterizar tais
delitos como infrações penais de menor potencial ofensivo. É que, em tão situação, e precisamente em conseqüência das regras pertinentes ao concurso material, ao concurso formal
e à continuidade delitiva, restam desatendidos os parâmetros normativos fixados pelo art. 61
da Lei nº 9.099/95...” (STF – HC 81470 MC/SP – Rel. Min. Celso de Mello – j. 13/03/2002
– DJ 20/03/2002)
3.5. PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL. INICIATIVA.
Segundo ADA PELLEGRINI GRINOVER, tanto o Ministério Público, nos crimes
de ação pública (art. 129, I, CF/88), quanto ao ofendido (titular da queixa-crime), nos crimes
de ação privada, são legitimados para transacionar, desde que ausentes os óbices previstos
nos incs. I (ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de
liberdade, por sentença definitiva), II (ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo
de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa) e III (não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias,
157
ser necessária e suficiente a adoção da medida), § 2º, art. 76, da LJEC159.
A polêmica inicial de que não caberia transação penal nos crimes de ação penal
privada restou superada. Senão vejamos:
Para TOURINHO NETO, na ação penal privada vigora, sem restrição, o princípio
da oportunidade, o que viabiliza melhor a transação. O fato de a Lei dos Juizados referir-se
ao Ministério Público como legitimado para propor a transação não quer dizer que o querelante não tinha legitimidade para tanto. A lei não previu expressamente que o querelante
pudesse fazer a proposta, porque entendeu ser isto óbvio, uma vez que o princípio da oportunidade rege a ação penal privada. Se o querelante pode o mais, que é propor a ação, por
que não pode o menos, que é propor a transação? Afinal de contas, prejudicado será o autor
do fato, se a transação não puder ser feita pelo querelante160.
O Enunciado Criminal nº 90, do FONAJE, pontua que: “Na ação penal de iniciativa privada, cabem transação penal e a suspensão condicional do processo” (atualizado até
o XXIII Encontro – Boa Vista/RR).
Em sentido idêntico:
“HABEAS CORPUS. LEI 9.279/96. CRIME DE CONCORRÊNCIA DESLEAL. AÇÃO
PENAL PRIVADA. TRANSAÇÃO PENAL. CABIMENTO. ORDEM CONCEDIDA. 1.
Enquanto resposta penal, a transação penal disciplinada no artigo 76 da Lei 9.099/95 não
encontra óbice de incidência no artigo 61 do mesmo Diploma, devendo, como de fato deve,
aplicar-se aos crimes apurados mediante procedimento especial, e ainda que mediante ação
penal exclusivamente privada (Precedente da Corte). 2. Ordem concedida para assegurar a
aplicação da transação penal no processo em que se apura crime de concorrência desleal”
(STJ – HC 17601 / SP - 6ª T. – Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO – j. 07/08/2001)
“A Lei 9099/95 aplica-se aos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do
processo inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada.” (STJ - Confl.
Comp. 30164/MG - Rel. Min. Gilson Dipp – j. em 13.12.01)
“EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. JUIZADO ESPECIAL
CRIMINAL. CRIME CONTRA A HONRA. INJÚRIA. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. 1. A Terceira Seção desta Egrégia Corte firmou o entendimento no sentido de que,
preenchidos os requisitos autorizadores, a Lei dos Juizados Especiais Criminais aplica-se
aos crimes sujeitos a ritos especiais, inclusive àqueles apurados mediante ação penal exclusivamente privada. 2. Em sendo assim, por se tratar de crime de injúria, há de se abrir a possibilidade de, consoante o art. 76, da Lei n.º 9.099/95, ser oferecido ao Paciente o benefício
da transação penal. 3. Ordem concedida” (STJ - Habeas Corpus Nº 30443/DF – 5ª T. – Rel.
Min. Laurita Vaz – j. 09/03/2004)
“...A Lei dos Juizados Especiais aplica-se aos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão
condicional do processo inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada...”
(STJ – CC 43886/MG – 3ª S. – Rel. Min. Gilson Dipp – j. 13/10/2004 – DJ 29/11/2004)
159 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1996. P. 122.
160 Idem. P. 603.
158
Revista ESMAC
“HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. FALTA DE INTIMAÇÃO DO IMPETRANTE DO NÚMERO DA AUTUAÇÃO E DO ÓRGÃO JULGADOR DO HABEAS CORPUS.
NULIDADE NÃO RECONHECIDA. CRIME CONTRA A HONRA. TRANSAÇÃO PENAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 76 DA LEI N.º 9.099/95. OFERECIMENTO.
TITULAR DA AÇÃO PENAL. QUERELANTE. PRECEDENTES. 1. Não há que se falar
em cerceamento de defesa decorrente da falta de intimação do impetrante do número da autuação e do órgão julgador do habeas corpus, dado que não demonstrado qualquer prejuízo
para a defesa. 2. O benefício previsto no art. 76 da Lei n.º 9.099/95, mediante a aplicação
da analogia in bonam partem, prevista no art. 3º do Código de Processo Penal, é cabível
também nos casos de crimes apurados através de ação penal privada. 3. Precedentes do STJ.
4. Ordem parcialmente concedida” (STJ - Habeas Corpus N. 31527/SP – 6ª T. – Rel. Min.
Paulo Gallotti – j. 01/03/2005)
“PENAL. PROCESSO PENAL. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO.
CRIME CONTRA A HONRA. AÇÃO PENAL PRIVADA. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. RESSALVA DE VOTOS. CONCURSO DE CRIMES. SOMATÓRIO DAS PENAS. INCOMPETÊNCIA DOS JUIZADOS. APELAÇÃO PROVIDA. UNÂNIME. 1 - não
havendo vedação legal na lei 9.099/95, é de se admitir, por critério de isonomia, a transação
penal nos crimes de ação penal privada. 2 - tratando-se de concurso de crimes, se o somatório
das penas extrapolar o limite legal de 2 anos (art. 2º, parágrafo único, da lei 10259/2001),
refoge a competência dos juizados especiais criminais, atraindo a do juízo criminal comum.
DECISÃO: rejeitar a preliminar. prover. Unânime” (TJDF – Apelação Criminal – 1ª T. – Rel.
Sérgio Rocha – j. 22/05/2003)
“É possível a transação penal privada, se o autor do fato satisfaz os requisitos legais. A
transação penal é instituto inovador e que deve ser prestigiado pelo Judiciário independentemente da legitimidade ativa para a ação ou a sua titularidade ou da vontade do querelante ou
do Ministério Público.” (Turma Recursal de Belo Horizonte, Rec. 10078, Rel. Juiz Eli Lucas
de Mendonça, em 30.9.98)
“Transação penal e suspensão condicional do processo. Aplicação à ação penal privada.
Possibilidade. Sistema de consenso entre ofensor e vítima. Modalidade de justiça consensuada que não equivale à renúncia do direito de ação na transação penal e não implica na
mitigação do princípio da indisponibilidade da ação penal, com relação à suspensão. Sistema
de modelo político-criminal consensuado, que, além da simplicidade, economia processual,
oralidade de celeridade, se apóia na conciliação e transação, sobressaindo-se os interesses da
vítima” (RJDTACRIM, 34/257)
“TRANSAÇÃO PENAL. APLICABILIDADE DO INSTITUTO ÀS AÇÕES PENAIS
PRIVADAS. É cabível o instituto da transação penal nas ações penais privadas, havendo
necessidade, contudo, de consenso, pois ‘quando um não quer, dois não transacionam’.”
(TJRJ – 7ª Câm. - Ap. Crim. n.º 2003.050.01015 – Rel. Des. EDUARDO MAYR - julgada
em 12.08.2003)
“Transação penal e suspensão condicional do processo – Aplicação à ação penal privada – Possibilidade – Ação penal privada – Lei 9.099/95 – Procedimento especial – Art. 61, ‘in fine’ – Aplicação da transação penal ou da suspensão condicional do processo – Possibilidade – Sistema de ‘consensus’ entre ofensor e vítima – Modalidade de justiça consensuada que não eqüivale à renúncia do
direito de ação na transação penal e não implica na mitigação do princípio da indisponibilidade da
ação penal, com relação à suspensão – Sistema de modelo político-criminal consensuado, que além
159
da simplicidade, economia processual, oralidade e celeridade, se apóia na conciliação e transação,
sobressaindo-se os interesses da vítima – Conversão do julgamento em diligência determinada”
(extinto TACRIM-SP – AP. 1.021.473/2 – Rel. Juiz Rulli Júnior – RJTACrim-SP 34/257)
Sendo que, tratando-se de delito que se apurar mediante ação penal privada, a proposta deve ser feita pelo querelante (STJ – Edcl no HC 33929/SP – 5ª T. - j. 21/10/2004).
Cumpre realçar que, “Em caso de não oferecimento de proposta de transação penal
ou de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público, aplica-se, por analogia, o
disposto no art. 28 do CPP” (Enunciado Criminal nº 86, do FONAJE, atualizado até o XXIII
Encontro).
Esse é o entendimento do C. STF, que, no seu verbete de súmula nº 696 (que também se aplica na hipótese de transação penal), preconiza: “Reunidos os pressupostos legais
permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça
a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por
analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”.
O Juiz não estar autorizado, pois, a propor transação penal de ofício.
MORAES e SMANIO doutrinam que a transação penal, por sua própria natureza
jurídica, como já foi dito, consiste na discricionariedade do Ministério Público (ou da própria
vítima) de transacionar a pena a ser aplicada ao autor do fato.
A Constituição Federal prevê, segundo aqueles estudiosos, como direito do Estado
o ius puniendi e o ius punitionis, ao determinar a aplicação da pena pelo órgão competente
do Poder Judiciário, por infração penal prevista em lei, através de devido processo legal, que
será iniciado pelo órgão do Ministério Público (art. 5º, incisos XXXIV, LIII, LVII, e art. 129,
inciso I).
O Ministério Público exerce parcela da soberania do Estado ao realizar a persecução criminal, ao verificar as condições necessárias para o início do devido processo legal,
função que exerce privativamente, no caso da ação penal pública.
O constituinte consagrou o sistema acusatório, com a separação orgânica e funcional entre o responsável pela acusação (Ministério Público) e o responsável pelo julgamento
(Poder Judiciário).
A interpretação das normas constitucionais deve ser sistemática, buscando harmonizar seus diversos dispositivos, posto que a Constituição é sintetizada por Canotilho como
o ‘estatuto jurídico do fenômeno político”.
Assim, Celso Ribeiro e Ives Gandra Martins demonstram: “o que cumpre notar é a
noção de auto-referência constitucional, o que se entende significar não poder a Constituição
valer-se de parâmetros, critérios e princípios que não os nela mesmo consubstanciados”.
Para MORAES e SMANIO, a interpretação que deve ser feito do art. 98, I, da
Constituição Federal deve ser harmônica com o princípio instituído em seu art. 129, I, e em
seu art. 5º, XXXIX, LIII e LVII, ou seja, se existe o devido processo legal, com a adoção do
sistema acusatório e o princípio da imparcialidade do Juiz, se a transação é admitida nas infrações de menor potencial ofensivo e se o início da persecução penal na ação penal pública
cabe exclusivamente ao Ministério Público, é este órgão do Estado que tem a faculdade de
dispor da ação penal nas infrações penais de menor potencial ofensivo, assim definidas na
Lei nº 9.099/95.
A transação penal pressupõe consenso entre as partes, não podendo de forma alguma ser imposta a qualquer delas pelo órgão julgador.
160
Revista ESMAC
Inadmissível a transação penal ex officio, pois que a transação decorre da vontade
das partes, obedecidos os requisitos legais e não de uma obrigação legal a ser imposta às
partes pelo Juiz.
Igualmente inadmissível o entendimento de que a transação consubstanciaria direito subjetivo do autor do fato, desde que presentes os requisitos legais. Se sequer o órgão
julgador pode impor às partes a transação, uma das partes jamais poderia impor a outra
qualquer espécie de acordo, caso contrário deixaria imediatamente de ser considerada uma
transação. Seria verdadeira “contradição nos próprios termos”.
Os autores se reportam, no sentido do texto, a entendimento sufragado pelo Egrégio Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, que, por sua 12ª Câmara, em votação unânime, na Correição Parcial nº 1.012.835/9, da Comarca de Indaiatuba, relatado pelo Juiz
Walter Guilherme, pronunciou:
“Exsurge, no entanto, uma questão irredutível: se o Promotor não propõe a aplicação imediata da pena ou a suspensão precisamente, porque entende que os requisitos legais não estão
atendidos, ou ainda, na primeira hipótese, o faz em desacordo com o desejo do acusado,
como no caso dos autos?
A tentação é grande, e eminentes Juízes e prestigiados autores assim propugnam de transferir o encargo ao julgador.
Data vênia, não vejo como permitir ao Juiz que decida ex officio. O espírito da Lei nº
9.099/95, no caso, é o da transação. Acordo entre acusador (que faz a proposta) e o acusado
(que a aceita)”
Se o Juiz formular ex officio a proposta de transação penal e, caso aceita pelo autor
do fato, homologá-la, esta sentença homologatória deverá ser havida como inexistente, não
podendo produzir qualquer efeito, uma vez que a “transação” foi realizada sem a concordância de uma das partes, sem acordo.
A propósito:
“APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. CONCURSO DE CRIMES. SOMATÓRIO DAS PENAS. RESULTADO QUE ULTRAPASSA O
QUANTUM CONSIDERADO PELA LEI 9.099/95 PARA FINS DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. TRANSAÇÃO PENAL. AFASTADA. CONCESSÃO DE TRANSAÇÃO PENAL
EX OFFICIO PELO JULGADOR. IMPOSSIBILIDADE. PRERROGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
1. É assente na jurisprudência dos Tribunais Superiores, que a competência deve ser firmada em consonância com a pretensão delineada pelo dominus litis na exordial acusatória e,
em caso de concurso de crimes, a pena a ser considerada para fixação da competência será o
resultado da soma das penas máximas previstas nos tipos penais. Precedentes do STJ.
2. Nula é a sentença homologatória de proposta de transação penal ofertada ex officio
pelo magistrado, posto que este ato constituti prerrogativa privativa de membro do Ministério Público, titular da ação penal. Precedentes do STJ. 3. Recurso conhecido e provido”
(TJAC - Apelação Criminal n. 2007.001565-5/Plácido de Castro – CCrim. – Rel. Des. ARQUILAU MELO – j. 19/07/2007)
“TRANSAÇÃO PENAL. PRERROGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A oferta de
transação penal (art. 76 da Lei 9099/95) é prerrogativa do Ministério Público. A atribuição ao
161
Juiz de poderes equivalente aos da movimentação ex officio da jurisdição encontra-se proibida pelo inciso I do art. 129 da Constituição Federal. RECURSO PROVIDO” (Turma Recursal Criminal/RS - Recurso Crime Nº 71000814582 – Rela. Osnilda Pisa – j. 25/04/2006)
Ocorrendo o oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público, sem que
tenha havido anterior proposta de transação penal, poderá o juiz, analogicamente, aplicar o
art. 28 do Código de Processo Penal, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça,
para que, analisando o caso, insista no início da ação penal, ofereça a transação ou designe
outro membro ministerial para fazê-lo (TJSP – HC nº 207.870-3/0 – São Roque – rel. Jarbas
Mazzoni – v.u. – j. 27.05.95)161.
Nesse sentido:
“Em princípio, a divergência acerca da proposição de transação penal resolve-se
com a aplicação analógica do procedimento indicado no art. 28 do CPP” (STJ – 5ª T. – HC
7.754/SP – Rel. Min. Félix Fischer – DJ 19.10.1998)
“Não cabe ao Juiz, que não é titular da ação penal, substituir-se ao Parquet para
formular proposta de transação penal. A eventual divergência sobre o não oferecimento da
proposta resolve-se à luz do mecanismo estabelecido no art. 28 c/c art. 3º do CPP” (STJ – 5ª
T. – REsp. nº 187824/SP – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJ 17.05.1999)
“PROCESSUAL PENAL – LEI 9.099/95 – TRANSAÇÃO PENAL – PROPOSTA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO – IMPOSSIBILIDADE – TITULARIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. - Em eventual divergência sobre o não oferecimento da proposta
de transação penal, resolve-se à luz do mecanismo estabelecido pelo art. 28, c/c art. 3º do
CPP (encaminhar os autos ao Procurador Geral). - Precedentes. - Recurso provido para que
sejam encaminhados os autos ao Procurador-Geral de Justiça” (STJ – REsp. 261570 / SP 5ª
T. – Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI – j. 20/02/2001)
“Recurso criminal. Homologação de transação penal firmada entre a própria juíza
prolatora da decisão e o indiciado, em montante superior àquele proposto pelo Ministério
Público. Alegação de usurpação de função constitucional exclusivamente atribuída ao Ministério Público e de inobservância do art. 76 da Lei nº 9.099/95. Acolhimento. O Ministério
Público detém legitimidade exclusiva para formular proposta de transação penal. Recurso a
que se dá provimento” (TRE-MG – RC nº 436/2003/Itambacuri - 136ª ZE – Rel. Juiz Oscar
Dias Corrêa Júnior – j. 23.03.2004)
“TRANSAÇÃO PENAL – PROMOTOR QUE ENTENDE INCABÍVEL E OFERECE, DESDE LOGO, DENÚNCIA – PROPOSTA DE OFÍCIO PELO JUIZ – IMPOSSIBILIDADE.
Não se conformando o magistrado com a recusa do Ministério Público em formular proposta de transação penal, lhe resta a aplicação analógica do art. 28, do Código de
Processo Penal, com a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, haja vista que a Lei
não prevê a hipótese de o juiz se substituir ao órgão acusatório, titular exclusivo da ação penal pública, facultando-lhe apenas a possibilidade de redução da multa proposta, ou rejeição
desta” (2ª Turma do Colégio Recursal Criminal de São Paulo – AC 49/04 – Rel. Walter Exner
– j. 21.06.2004)
161 MORAES, Alexandre de. SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 10ª Ed. São Paulo. Atlas. 2008. P.
263-265.
162
Revista ESMAC
Transação penal não é, pois, direito público subjetivo do autor do fato. Nessa toada:
“O Ministério Público tem, nos termos da Lei nº 9.99/95 (...) a atribuição de propor ou
não a transação penal, desde que o faça fundamentadamente” (STJ – REsp. 165.734/SP
– DJU 20-3-2000)
“O art. 76 da lei nova não se constitui em direito público subjetivo do réu, mas apenas
mitiga o princípio da obrigatoriedade da ação penal, ao adotar o princípio da conveniência
ou, segundo alguns, o princípio da discricionariedade controlada. As propostas previstas na
lei são de exclusivo e inteiro arbítrio do Ministério Público, que continua sendo, por força de
norma constitucional, o dominus litis, não podendo sequer ser substituído pelo magistrado,
em tais encaminhamentos” (TARS – JTAERGS 99/35)
“O habeas corpus é via inidônea para rever decisão judicial que, alicerçada em elementos
de natureza subjetiva, indefere a aplicação dos institutos da transação penal e da suspensão
condicional do processo, previstos na Lei nº 9.099/95, sendo certo que, por não serem tais
benefícios direito subjetivo do réu, sua denegação não constitui coação ilegal” (TACRIM-SP
– RJDTACRIM 39/387)
O Magistrado pode, todavia, deixar de homologar a transação penal em razão da
atipicidade, em razão da extinção da punibilidade do autuado ou por falta de justa causa para
a ação penal (Enunciado Criminal nº 73, do FONAJE).
Essa iniciativa de transacionar conferida ao MPE, nas hipóteses taxativamente
previstas na legislação, cuida-se, nas palavras de JULIO FABBRINI MIRABETE, de discricionariedade limitada, ou regrada, ou regulada, pois que cabe ao Ministério Público a
atuação discricionária de fazer a proposta, de exercitar o direito subjetivo de punir do Estado
com a aplicação de pena não privativa de liberdade nas infrações penais de menor potencial
ofensivo sem denúncia e instauração de processo. Essa discricionariedade é a atribuição pelo
ordenamento jurídico de uma margem de escolha ao Ministério Público, que poderá deixar
de exigir a prestação jurisdicional para a concretização do jus puniende do Estado. Trata-se
de opção válida por estar adequada à legalidade, no denominado espaço de consenso, vinculado à pequena e média criminalidade, e não ao espaço de conflito, referente à criminalidade
grave.
Acrescenta o ilustre doutrinador que, a transação penal é inovação legislativa das
mais importantes no campo do processo penal por estabelecer pela primeira vez a mitigação do princípio da obrigatoriedade no caso de ação penal pública, regulada pela lei e
submetida ao controle jurisdicional. Ao decidir-se pela proposta, o Ministério Público não
estará emitindo um juízo definitivo de culpabilidade, porque não foram produzidas todas as
provas que podem levar a essa conclusão, mas fará um juízo de probabilidade de culpabilidade, numa antevisão da necessidade da aplicação da pena com os elementos que lhe são
apresentados no momento.
O conciliador e o juiz leigo estão autorizados a presidir audiências preliminares no
Juizado Especial Criminal (JECrim), propondo conciliação e encaminhamento da proposta
de transação penal (Enunciados Criminais nos 70 e 71, do FONAJE).
Advirta-se, porém, que o conciliador e o juiz leigo não estão autorizados a conceder transação de ofício, nem modificar a proposta formulada pelo MPE. Aplicam-se ao
caso, com as modificações necessárias, os seguintes precedentes:
163
“APELAÇÃO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. TRANSAÇÃO PENAL SEM A PRESENÇA DO MAGISTRADO E MINISTÉRIO PÚBLICO, PROPOSTA POR ASSESSORA DO
JUIZ. A transação penal proposta em audiência preliminar pela assessora do magistrado carece de existência jurídica, não tendo como se constituir como ato processual apto a produzir
efeitos. Artigo 72 da Lei 9099/95. Tendo um dos autores do fato iniciado o cumprimento
da prestação de serviços à comunidade sem a chancela oficial, é fato material a ser considerado na audiência de transação a ser realizada. DE OFÍCIO ANULARAM O PROCESSO
A PARTIR DA FL. 17 DETERMINANDO A REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE TRANSAÇÃO PENAL” (Turma Recursal Criminal/RS - Recurso Crime Nº 71001675156 – Rel.
Alberto Delgado Neto – j. 07/07/2008)
“CORREIÇÃO PARCIAL. PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA PROPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO POR CONCILIADOR...” (Turma Recursal Criminal/RS - Correição Parcial Nº 71001813765 – Rela. Angela Maria Silveira – j. 13/10/2008)
No ponto, vale registrar que “A intimação do autor do fato para a audiência preliminar deve conter a advertência da necessidade de acompanhamento de advogado e de que, na
sua falta, ser-lhe-á nomeado Defensor Público” (Enunciado Criminal nº 9, do FONAJE).
Insta gizar que não há óbice à formulação da proposta no caso de concurso de
pessoas. Nada impede que um dos agentes aceite a proposta e outro a rejeite. Nesse caso, a
persecutio criminis seguirá normalmente em relação ao que recusou a composição.
TOURINHO NETO traz à debate a seguinte questão:
“Poderá o autor do fato formular a proposta (de transação penal)?
- Evidentemente que sim. Que impede? – Nada, pois, além de se cuidar de se obter uma
conciliação, o instituto da transação é um direito público subjetivo do autuado. Se preencher
ele os requisitos para que o Ministério Público faça a proposta, tem o direito de exigir a que
o órgão ministerial a faça. Se não a fizer, ele pode propor a transação. Os papéis, assim, invertem-se. O Ministério Público é que, então, será indagado se aceita ou não...”162
Daí se conclui que o autor do fato poderá tomar a iniciativa de formular a proposta
de composição criminal.
Acresça-se, ainda, que é “Cabível o encaminhamento de proposta de transação por
carta precatória” (Enunciado Criminal nº 13, do FONAJE).
Entende-se também que “É possível a redução da medida proposta no art. 76, § 1º
da Lei nº 9.99/1995, pelo juiz deprecado” (Enunciado Criminal nº 91, do FONAJE).
Nesse mesmo diapasão: “É possível a adequação de transação penal ou das
condições da suspensão condicional do processo no juízo deprecado ou no juízo da execução, observadas as circunstâncias pessoais do beneficiário” (Enunciado Criminal nº 92, do
FONAJE).
E “A proposta de transação de pena restritiva de direitos é cabível, mesmo quando
o tipo em abstrato só comporta pena de multa” (Enunciado Criminal nº 20, do FONAJE).
Demais, “A transação penal poderá conter cláusula de renúncia à propriedade do
objeto apreendido” (Enunciado Criminal nº 58, do FONAJE).
162 Idem. P. 596.
164
Revista ESMAC
Deve ser lembrado que “É cabível a substituição de uma modalidade de pena restritiva de direitos por outra, aplicada em sede de transação penal, pelo juízo do conhecimento, a requerimento do interessado, ouvido o Ministério Público” (Enunciado Criminal nº
68, do FONAJE).
Isso se deve, fundamentalmente, a circunstância de que “As penas restritivas de
direito aplicadas em transação penal são fungíveis entre si” (Enunciado Criminal nº 102, do
FONAJE).
Esse entendimento se ajusta com fidelidade à diretriz constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF/88).
A respeito da substituição de uma sanção restritiva por outra, veja-se, ainda:
“Tornando-se impossível, por qualquer motivo, o cumprimento da prestação de
serviços estabelecida na transação, há que se acertar outra forma de prestação de serviços. A
eventual mudança da forma de prestação de serviços em razão da impossibilidade da que foi
inicialmente proposta e acertada não configura constrangimento ilegal para o acusado” (STJ
– RHC 6.147/SP – DJU 5.5.97)
E “A proposta de transação penal e a sentença homologatória devem conter obrigatoriamente o tipo infracional imputado ao autor do fato, independentemente da capitulação
ofertada no termo circunstanciado” (Enunciado Criminal nº 72, do FONAJE).
Cumpre anotar que “O juiz pode alterar a destinação das medidas penais indicadas
na proposta de transação penal” (Enunciado Criminal nº 77, do FONAJE).
Se “Aceita a transação penal, o autor do fato previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/06
(Nova Lei Antitóxicos) deve ser advertido expressamente para os efeitos previstos no parágrafo 6º do referido dispositivo legal” (Enunciado Criminal nº 85, do FONAJE).
Desponta inadmissível a proposta de transação em favor de autor do fato citado por
edital. Nesse sentido:
“É impossível o oferecimento da proposta de transação penal e suspensão condicional
do processo na hipótese de comparecimento de réu revel citado por edital, se ele não fora
localizado anteriormente para a audiência preliminar, acarretando o prosseguimento do feito
nos moldes do parágrafo único do art. 66 da Lei nº 9.099/95, pois esta foi aplicada corretamente, não sendo concedidos benefícios por culpa única e exclusiva do mesmo” (TACRIMSP – RJDTACRIM 40/150-151)
3.6. Controle Jurisdicional
Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz, a quem caberá aplicar a pena restritiva de direitos ou multa (§ 4º, art. 76, da
LJEC).
Tratando-se de crime de ação penal pública condicionada à representação, é de
que “O Ministério Público, oferecida a representação em Juízo, poderá propor diretamente a
transação penal, independentemente do comparecimento da vítima à audiência preliminar”
(Enunciado Criminal nº 2, do FONAJE).
165
É de se registrar, no ponto, que, tratando-se de crime de ação penal pública condicionada à representação, a transação penal poderá efetivar-se independentemente da vontade
da vítima. Nesse sentido:
“Na ação penal pública condicionada, onde houve representação da vítima, é possível a
proposta de aplicação da pena não privativa de liberdade, prevista na Lei nº 9.099/95 mesmo
quando não efetuada a composição dos danos, pois a transação pode realizar-se independentemente da vontade da vítima do ilícito” (TACRIM-SP – RT 742/647)
“Recurso em sentido estrito contra decisão de não-recebimento de apelação criminal
– Lesões corporais havidas em acidente de trânsito – Inocorrência de conciliação com oferecimento de representação criminal – Proposta de transação pelo Ministério Público, aceita
pelo recorrido e homologada pelo juiz – Discordância da vítima – Pedido de habilitação na
qualidade de assistente à acusação, e concomitante aforamento de apelação – Decisão Judicial de indeferimento da assistência, e não-recebimento da apelação – Recurso objetivando
o reconhecimento da ocorrência de crime de lesão corporal grave, na modalidade de dolo
eventual, com pretensão de oferecimento de denúncia, atuando a recorrente como assistente
à acusação – Poder do Ministério Público de interpretar o fato, dando a ele a capitulação legal
que entender aplicável – Transação penal que não comporta a participação da vítima – Homologação da transação impede a possibilidade de deflagração da ação penal – Inexistente a
ação penal, não se admite a figura da assistência à acusação, falecendo-lhe legitimidade para
interpor recurso de apelação” (2ª Turma Recurso de Santa Catarina – RJTRTJSC 5/219)
Para ADA PELLEGRINI, após a submissão da proposta de transação ao Juiz, fecha-se o círculo da discricionariedade regrada adotada pela nova lei, balizada como é pela
regulamentação legal e sujeita à fiscalização do Poder Judiciário.
Segundo a eminente professora, cabe ao Juiz, em última análise, a verificação da
legalidade da adoção da medida proposta e a análise de sua conveniência. Mas esta deverá
sempre levar em conta a vontade dos partícipes – que o juiz poderá aferir mais uma vez – e
a filosofia da transação penal, que não é sujeita a critérios de legalidade estrita e visa principalmente à pacificação social163.
FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO formula a seguinte indagação: “...
Pode o Juiz discordar da proposta formulada e aceita? Já dissemos que o Juiz não é um
convidado de pedra. Formulada a proposta pelo titular da ação e levada à consideração do
autor do fato e seu Defensor, se aceita for, cumprirá ao Juiz homologá-la, dês que o acordo
firmado esteja dentro dos parâmetros legais (...) O autor do fato pode apresentar contraproposta e nada impede que o Juiz, ali na audiência, como conciliador, procurando estimular a
pacificação, faça sugestão que, se aceita por ambas as partes, põe termo ‘litígio’...”164.
De acordo com MORAES e SMANIO, se houver aceitação da proposta, ou da contraproposta, o acordo será levado à apreciação do juiz, que poderá aplicar a pena decorrente
da convenção.
Não haverá condenação em custas, e da sentença homologatória caberá apelação.
Acrescentam os precitados doutrinadores que, nesta fase, o juiz deverá analisar a
legalidade da proposta efetuada pelo Ministério Público, bem como se houve aceitação por
163 Idem. P. 133.
164 FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 5ª Ed. São Paulo. Saraiva.
2008. P. 120.
166
Revista ESMAC
parte do autor do fato e seu defensor. O magistrado deverá ainda examinar se estão presentes os requisitos legais, os pressupostos para a efetuação da proposta e para a realização da
transação. Se ausentes essas variáveis, o juiz não acolherá a proposta. Essa decisão também
é suscetível de apelação.
Considerando que a lei adota o princípio da oportunidade regrada, poderá o juiz,
caso não aceite os termos em que foi elaborada a proposta e a aceitação formulada, em
relação ao seu mérito, utilizar, subsidiariamente, ou por analogia, o art. 28 do Código de
Processo Penal, remetendo as peças ao Procurador Geral de Justiça, para que este modifique
a proposta apresentada pelo Ministério Público, designando outro Promotor de Justiça para
realizá-la. Ocorre que, se o Procurador Geral de Justiça insistir na proposta efetuada, deverá
o Juiz homologar o acordo efetuado.
Importa acrescentar que caso o Juiz deixe de homologar a transação, por análise
de sua oportunidade, adentrando na esfera de discricionariedade das partes, caberá, ainda,
mandado de segurança por parte do Ministério Público, por ferir direito líquido e certo, bem
como habeas corpus por parte do autor do fato, em proteção a seu direito de ir e vir.
Os mesmos remédios constitucionais poderão ser utilizados pelas partes, caso o
Juiz na sentença homologatória modifique o teor da transação penal, invadindo a área que a
Lei reservou para a discricionariedade das partes.
Se a pena de multa for a única a ser aplicada, o Juiz poderá reduzi-la até a metade
na sentença homologatória, evidentemente tendo em vista as condições pessoais do autor do
fato e as circunstâncias da infração praticada. Dessa sentença homologatória, com redução
da pena proposta, caberá apelação165.
No sentido exposto anteriormente:
“Cabe ao Julgador reduzir a pena objeto da transação prevista na Lei nº 9.099/95, ainda
que aceita pelo autor do fato, quando esta parecer-lhe excessivamente gravosa, uma vez que,
embora se trate de vontade das partes submetida à apreciação do Juízo, este não é mero homologador daquilo que lhe é apresentado e, envolvendo o acordo matéria de natureza penal,
visa, de forma precípua, à pacificação social” (TACRIM-SP – RJDTACRIM 32/243-244)
Relativamente à pena restritiva de direitos aplicável em sede de transação penal,
TOURINHO NETO pondera que o juiz realiza operação diversa daquela feita na sentença
condenatória. O Ministério Público (ou a vítima) propõe a aplicação da pena restritiva; se o
autor do fato a aceita, o juiz a aplica. Seu tempo de duração não pode ser superior ao mínimo
da pena cominada ao crime.
No entender daquele Magistrado, a pena de limitação de fim de semana não pode
ser aplicada, uma vez que implica restrição da liberdade, contrariando a filosofia do Juizado
Especial.
E indaga: Pode o juiz aplicar pena restritiva de direitos não prevista no art. 43 do
CP? Para responder que não, pois que o rol dessas penas é taxativo. É que não pode haver
pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX, CF/88)166.
Na esteira do Enunciado Criminal nº 8, do FONAJE, “A multa deve ser fixada em
dias-multa, tendo em vista o art. 92 da Lei 9.99/95, que determina a aplicação subsidiária dos
165 Idem. P. 262-263.
166 Idem. P. 617..
167
Códigos Penal e de Processo Penal”.
Quanto à prescrição, MIRABETE discorre que é aplicável subsidiariamente às infrações penais de menor potencial ofensivo o art. 110, caput, do Código Penal, correndo
o prazo da prescrição da pretensão executória da pena imposta em transação efetuada nos
termos do art. 76 da LJEC. O termo inicial, por analógica, é o do trânsito em julgado da
sentença de homologação para a acusação. Assim, transcorrido o prazo prescricional sem
que tenha sido executada a sanção aplicada na transação, não ocorrendo causa interruptiva,
declarar-se-á a prescrição da pretensão executória. Não é possível, porém, falar-se de prescrição retroativa, que se refere á pena aplicada em sentença condenatória própria, o que não
ocorre quando se trata de sanção imposta em decisão homologatória da transação. Assim, só
pode ser alegada a prescrição da pretensão punitiva prevista pelo art. 109, caput, do Código
Penal, tendo por base o máximo da pena cominada à infração e com termo inicial, conforme
regra geral, na data da consumação do fato167.
Sobre essa temática, o Enunciado Criminal nº 44, do FONAJE, preceitua: “No caso
de transação penal homologada e não cumprida, o decurso do prazo prescricional provoca a
declaração de extinção de punibilidade pela prescrição da pretensão executória”.
No tocante à prescrição, observem-se os julgados a seguir:
“Decorrendo mais de dois anos da transação de que trata a Lei nº 9.099/95, na inexistência
de marco interruptivo, está extinta a pena de multa por força da prescrição” (TACRIM-SP
– JTAERGS 102/58)
“A sanção aplicada através de transação penal está fora do alcance da prescrição retroativa, prevalecendo a regra geral contida no art. 109 do CP, uma vez que não se trata de
sentença condenatória, nem absolutória, mas homologatória de um acordo celebrado entre
as partes, que fazem uma opção bilateral, visando somente tornar líquida a responsabilidade
por elas assumida, em relação a determinado ato, e constituindo forma de despenalização
diferente do modelo tradicional” (TACRIM-SP – RJDTACRIM 33/446)
Mostra-se relevante frisar ainda que é inadmissível a homologação de transação
penal sem acordo entre o autor do fato e o defensor. Nesse sentido:
“Em sede de Juizado Especial Criminal, para a homologação da transação penal é preciso
a aceitação do autor do fato e de sua Defensoria, exigida pela Lei nº 9.99/95, em seu art. 76,
§ 3º, para que se assegure o princípio da ampla defesa, sendo certo que se a proposta não é
aceita pelo Defensor em virtude de tese jurídica de alta indagação, não pode a vontade leiga
prevalecer, competindo à defesa técnica a orientação devida” (TACRIM-SP – RJDTACRIM
41/336)
“LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ARTIGO 303,
CAPUT, DA LEI 9.503/97. AUSÊNCIA DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO E TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA SEM A PRESENÇA DE DEFENSOR AO RÉU. A oportunidade de conciliação ao autor do fato perante a vítima é momento procedimental previsto em lei que deve ser oportunizado.
A presença de defensor para atender ao autor do fato, especialmente quando a vítima está acompanhada
de assistente técnico, além do Ministério Público, é garantia do equilíbrio e ampla defesa impostos pela
Constituição Federal e Lei 9.099/95. DERAM PROVIMENTO PARA CASSAR A TRANSAÇÃO
167 Idem. P. 150.
168
Revista ESMAC
PENAL E ANULAR O PROCESSO A PARTIR DA FASE DE CONCILIAÇÃO” (Turma Recursal
Criminal/RS - Recurso Crime Nº 71001581131 – Rel. Alberto Delgado Neto – j. 14/04/2008)
No atinente à incidência do instituto da emendatio libelli (O juiz, sem modificar
a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica
diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave - art. 383, caput, do
CPP, na redação dada pela Lei nº 11.719/2008) no âmbito do espaço de consenso da transação penal, o Promotor de Justiça ANTONIO ROBERTO FIGUEIRÊDO SERRAVALLE
JUNIOR disserta que:
“...Uma das questões interessantes trata-se da restrição da aplicação da emendatio libeli
pelo magistrado competente.
Ao oferecer a denúncia, o órgão ministerial deverá fazer a classificação do delito, a qual,
conforme entendimento majoritário, não poderá ser questionada pelo Juiz quando do recebimento da Inicial Acusatória. Sabe-se que o acusado se defende dos fatos e que a classificação
do delito em sede de denúncia não vincula o magistrado, o qual, ao proferir a sentença,
poderá alterar a tipificação posta pelo Parquet, tendo em vista os fatos narrados na denúncia.
Trata-se da emendatio libeli.
Entretanto, com advento da lei 9.099/95, verificou-se uma ruptura no paradigma supra
referido. Deste modo, se, por exemplo, o órgão ministerial, ao classificar um fato típico como
sendo “delito de menor potencial ofensivo”, requerer a realização de Audiência Preliminar
(artigo 72 da lei 9.099/95), caso seja seguido o procedimento previsto na lei 9.099/95, a
possibilidade de aplicação da emendatio libeli poderia ser afastada, na hipótese de ocorrer
transação penal (artigo 76), ou mesmo acordo entre a vítima e o autor do fato (artigo 74). Em
suma, o Juiz não teria como se manifestar acerca da classificação do delito, ainda que entendesse não se tratar de delito de menor potencial ofensivo; a emendatio libeli não é cabível
quando da homologação judicial do acordo civil (artigo 74 da lei 9.099/95) ou da transação
penal (artigo 76 da lei 9.099/95).
Considerando que o Ministério Público é o Titular da Ação Penal Pública (artigo 129,
inciso I da CF) é certo que o Juiz não poderá diretamente compeli-lo a “mudar de opinião”,
fazendo-o oferecer, por conseguinte, a denúncia. O órgão do Parquet, que tem autonomia
funcional, não pode ser forçado pelo Judiciário a deflagrar uma Ação Penal Pública, mediante denúncia, caso o órgão ministerial entenda ser hipótese de delito de menor potencial
ofensivo, que, por sua vez, deve ser submetido ao rito e às normas despenalizadoras previstas
na lei 9.099/95.
Destarte, não poderia o magistrado, feita a transação penal pelo Ministério Público com
o autor do fato, deixar de homologar o acordo, por discordar da classificação atribuída ao
delito. Caso o Juiz competente assim o fizesse e a decisão do mesmo fosse confirmada pela
Turma Recursal, transitando em Julgado, ainda assim, o Parquet não poderia ser obrigado a
mudar de entendimento e a oferecer denúncia, sob pena de inobservância do preceito constitucional (artigo 129, inciso I, da CF), segundo o qual o Ministério Público detém a titularidade da ação penal pública.
Entretanto, isto não afasta totalmente a possibilidade de o magistrado questionar a classificação do crime (como de menor potencial ofensivo) atribuída pelo Parquet. A decisão
quanto à classificação do delito como de menor potencial ofensivo, que repercute na fixação
da competência de caráter absoluto do Juizado Especial Criminal, há que ser dirimida, havendo discordância do magistrado, pelo próprio Ministério Público, aplicando-se analogicamente o artigo 28 do Código de Processo Penal.
Assim, caso o magistrado se defronte com o requerimento de designação de audiência
preliminar pelo órgão ministerial e discorde quanto à classificação do delito (como sendo
de menor potencial ofensivo), deverá, fundamentadamente, decidir pela remessa dos autos
169
ao Procurador Geral de Justiça. Este poderá acompanhar o entendimento do Promotor de
Justiça, ou discordar do mesmo, oferecendo Denúncia, ou designando outro órgão ministerial (tendo em vista a independência funcional) para fazê-lo.
Caso o Procurador Geral de Justiça concorde com o órgão de execução do Parquet, o
magistrado estará obrigado a aceitar a classificação delitiva atribuída, ficando a apuração da
infração penal sujeita ao que dispõe a lei 9.099/95. Ademais, havendo, neste caso transação
penal, por exemplo, o Juiz não poderá se recusar a homologá-la, por discordar da classificação do crime como de menor potencial ofensivo, questão que já estaria, neste momento,
superada ” (sic)168
Havendo, pois, discrepância do entendimento do Magistrado com a classificação
jurídica apresentada pelo Órgão Ministerial no início da fase pré-processual, deverá, na
forma do art. 28, do CPP, remeter os autos do procedimento criminal diverso ao ProcuradorGeral de Justiça, a quem caberá dirimir a controvérsia, em caráter definitivo.
3.7. Efeitos
A reprimenda restritiva de direitos ou a multa aplicada em sede de transação penal
não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo
benefício no prazo de cinco anos, nem constará de certidão de antecedentes criminais, nem
terá efeitos civis (§§ 3º, 4º e 6º, art. 76, da LJEC). Nesse sentido:
“HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. DOSIMETRIA. PENA-BASE.
EXACERBAÇÃO. 1. MAUS ANTECEDENTES. TRANSAÇÃO PENAL. EFEITOS DA
REINCIDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 2. PERSONALIDADADE DO AGENTE. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA E ABSTRATA. IMPOSSIBILIDADE. 3. ELEMENTO
NORMATIVO DO TIPO. AUMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 4. ORDEM CONCEDIDA.
1. Não é legítima a exacerbação da pena-base em razão de um único processo anterior,
objeto de transação penal promovida nos termos do artigo 76 da Lei nº 9.099/95, que não
deve gerar efeitos análogos à reincidência.
2. A mera referência a uma “personalidade afeita ao crime” e a uma conduta dissociada
da do meio em que vive”, sem a indicação de dados concretos, não pode ser usada para exasperar a pena-base acima do mínimo legal.
3. A pena-base não pode ser exasperada utilizando-se de elemento normativo do próprio
tipo penal.
4. Ordem concedida para anular a sentença quanto à dosimetria da pena, redimensionando-se a pena do paciente para 1 ano de detenção em regime inicial aberto, e determinando-se
ao Juízo das Execuções Criminais que aplique a pena restritiva de direitos, bem como as
condições de seu cumprimento” (STJ – HC 63343/MS – 6ª T. – Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – j. 16.08.2007)
“A sentença homologatória de transação penal, realizada nos moldes da Lei 9.099/95,
não obstante o caráter condenatório impróprio que encerra, não gera reincidência, nem fomenta maus antecedentes, acaso praticada posteriormente outra infração. Precedentes desta
168 JUNIOR, Antonio Roberto Figueirêdo Serravalle. Restrição à Emendatio Libelli no Âmbito dos Juizados Especiais
Criminais. <http://www.acmp-ce.org.br>.
170
Revista ESMAC
Corte. Ordem concedida” (STJ – HC 13.525-MS – Rel. Min. Fernando Gonçalves – DJU
04.12.2000)
“A transação penal realizada sob a égide da Lei 9.00/95 não importará em reincidência,
não constará de certidão de antecedentes criminais e nem terá efeitos civis, na forma dos §§
4º e 6º do art. 76 da Lei 9.099/95. Não pode a autoridade administrativa inabilitar candidato
que realizou transação penal com o MP, homologada pelo juízo, que extinguiu a sua punibilidade face ao cumprimento dos termos do acordo. Como o candidato participou até o final
do certame, realizando inclusive o curso de formação profissional, onde obteve aprovação,
deve a ordem ser concedida a fim de que seja o mesmo considerado aprovado no concurso,
afastada assim a ilegal inabilitação feita pela autoridade, com fulcro apenas em critérios
subjetivos, podendo assim ser nomeado para o cargo de agente de polícia. Ordem concedida.
Maioria” (TJDF – Conselho Especial 19980110483986MSG-DF - Rel. P. A. Rosa de Farias
– DJU 18.01.2000)
“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ABALO DE CRÉDITO. Verificada
a configuração dos elementos necessários para caracterizar o dano moral e não o exercício
regular de um direito, como quer fazer crer a apelante, há justa causa para a indenização,
o que foi devidamente comprovado pela parte autora, razão pela qual a condenação se impõe. A transação penal não gera efeitos na esfera cível, não possuindo caráter condenatório,
tampouco reconhecimento de culpa. Art. 76, §6º, Lei 9.099/95. POR UNANIMIDADE,
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO” (TJRS - Apelação Cível Nº 70016949943
– 6ª Câmara Cível – Rel. Angelo Maraninchi Giannakos – j. 04/12/2007)
“FURTO CONSUMADO. COMPROVADA A AUTORIA PELA PALAVRA DA VÍTIMA
E DE POLICIAIS QUE LOGRARAM PRENDER O RÉU EM FLAGRANTE. CARACTERIZADO O FURTO PRIVILEGIADO DIANTE O VALOR DOS BENS SUBTRAÍDOS,
QUE ALCANÇAM APROXIMADAMENTE 1/3 DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE È
ÉPOCA DOS FATOS, ALÉM DE SER PRIMÁRIO O RÉU. PRIMÁRIO É QUEM NÃO
É REINCIDENTE. A TRANSAÇÃO PENAL NÃO GERA EFEITO DE REINCIDÊNCIA.
DISPENSABILIDADE DA POSSE TRANQÜILA DA RES PARA A CONSUMAÇÃO DO
DELITO, BASTANDO O MERO DESPOJAMENTO DOS BENS DA VÍTIMA. Apelo parcialmente provido” (TJRS - Apelação Crime Nº 70018927822 – 1ª Câmara Criminal - Relator Manuel José Martinez Lucas – j. 07/11/2007)
Para MORAES e SMANIO, a sentença homologatória produz efeitos principal e
secundário.
Quanto ao efeito principal, ponderam que consiste na imposição da sanção penal
acordada pelas partes.
Quanto ao efeito secundário, a Lei nº 9.099/95 estabelece que o decisório homologatório proibirá nova transação penal para o autor do fato, pelo prazo de cinco anos.
Todavia, foram expressamente afastados pela lei os seguintes efeitos secundários:
a reincidência, obrigação de reparar o dano (efeitos civis) e os antecedentes criminais169.
169 JUNIOR, Antonio Roberto Figueirêdo Serravalle. Restrição à Emendatio Libelli no Âmbito dos Juizados Especiais
Criminais. <http://www.acmp-ce.org.br>.
171
3.8. Descumprimento
DAMÁSIO E. DE JESUS, debruçando-se sobre esse ponto, asseri, com a sabedoria
e serenidade que lhe são próprias:
“...Suponha-se que, em face de uma transação penal, nos termos do art. 76 da Lei dos
Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995), o autor do fato não
cumpra a pena restritiva de direitos. Qual a conseqüência?
Há quatro orientações: 1.ª) converte-se em pena privativa de liberdade, pelo tempo da
pena originalmente aplicada, nos termos do art. 181, § 1.º, c, da LEP (...) 2.ª) descumprido
o acordo, há dois caminhos: “retomada ou propositura da ação penal que fora evitada pela
composição” (...) 3.ª) o descumprimento do acordo conduz à sua execução(...) 4.ª ) não pode
haver conversão em pena privativa de liberdade (ausência de previsão legal) e nem início ou
retomada da ação penal: não há lei que permita (nossa posição) (...) Para nós, a composição
penal encerrou o procedimento. O legislador, não prevendo a hipótese, criou uma situação
sem solução contra o autor do fato.
A 2.ª Turma do STF, no HC 79.572, de Goiás, j. 29.2.2000, rel. o Ministro Marco Aurélio,
reformando acórdão do Superior Tribunal de Justiça e adotando a segunda corrente, decidiu
que:
1. A sentença que aplica pena no caso do art. 76 da Lei dos Juizados Especiais Criminais
não é nem condenatória e nem absolutória. É homologatória da transação penal.
2. Tem eficácia de título executivo judicial, como ocorre na esfera civil (art. 584, III, do
Código de Processo Civil).
3. Se o autor do fato não cumpre a pena restritiva de direitos, como a prestação de serviço
à comunidade, o efeito é a desconstituição do acordo penal.
4. Em conseqüência, os autos devem ser remetidos ao Ministério Público para que requeira a instauração de inquérito policial ou ofereça denúncia (...)170
Admitindo-se a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade:
“A transação penal prevista no art. 76, da Lei nº 9.099/95, distingue-se da suspensão
do processo (art. 89), porquanto, na primeira hipótese faz-se mister a efetiva concordância
quanto à pena alternativa a ser fixada e, na segunda, é apenas uma proposta do Parquet
no sentido de o acusado submeter-se não a uma pena, mas ao cumprimento de algumas
condições. Deste modo, a sentença homologatória da transação tem, também, caráter condenatório impróprio (não gera reincidência, nem pesa como maus antecedentes, no caso de
outra superveniente infração), abrindo ensejo a um processo autônomo de execução, que
pode – legitimamente – desaguar na conversão em pena restritiva de liberdade, sem maltrato
ao princípio do devido processo legal. É que o acusado, ao transacionar, renuncia a alguns
direitos perfeitamente disponíveis, pois, de forma livre e consciente, aceitou a proposta e
ipso facto, a culpa” (STJ – RHC 8.198-GO – DJU 1º.7.99)
“Realizada transação penal entre o autor do fato e o Ministério Público, sendo aplicada
pena restritiva de direitos consistentes na prestação de serviços gerais à comunidade, desde
que não cumprida, pode ser convertida em pena de detenção. Abolida foi apenas a conversão
da multa não paga em pena privativa de liberdade, quando se remete o apenado ao processo
170 JESUS, Damásio de. Descumprimento da pena restritiva de direitos na transação penal (importante acórdão do Supremo
Tribunal Federal). São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, mar. 2000. <www.damasio.com.br>.
172
Revista ESMAC
executivo civil, não subsistindo a alternativa em pena restritiva de direito, para os condenados por delitos de menor potencialidade lesiva” (TJDF – RT 755/674)
“Juizados Especiais Criminais – Proposta a aceitação de aplicação de pena restritiva de direito – Descumprimento pelo infrator – Conversão em pena privativa de liberdade – Admissibilidade – Inteligência do art. 181 da Lei nº 7.210/84 – inaplicabilidade da Lei nº 9.268/96
– Voto vencido (...) A pena restritiva de direito, decorrente de proposta e aceitação pelo
infrator, perante o Juizado Especial Criminal, pode ser convertida em privativa de liberdade
quando ocorrer o seu descumprimento injustificado, consoante art. 181 da Lei nº 7.210/84,
não se aplicando, ao caso, a Lei nº 9.268/96, que proíbe a conversão da pena de multa em
privativa de liberdade” (TJRO – RT 749/738)
Inviabilidade de denúncia após transação penal homologada:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. LEI 9.099/95, ART. 76.
TRANSAÇÃO PENAL. PENA DE MULTA. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO PELO
AUTOR DO FATO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA PELO MP. INADMISSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. NATUREZA JURÍDICA CONDENATÓRIA.
EFICÁCIA DE COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL. A sentença homologatória
da transação penal, por ter natureza condenatória, gera a eficácia de coisa julgada formal
e material, impedindo, mesmo no caso de descumprimento do acordo pelo autor do fato, a
instauração da ação penal. Havendo transação penal homologada e aplicada a pena de multa,
não sendo paga esta, impõe-se a aplicação conjugada do art. 85 da Lei 9.099/95 com o art.
51 do CP, com a conseqüente inscrição como dívida ativa da Fazenda Pública, a fim de ser
executada pelas vias próprias...” (STJ – REsp. nº 172.951/SP – Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca – DJ 31/05/99)
“TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO. DENÚNCIA NÃO RECEBIDA. REFORMA DA DECISÃO.RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRANSAÇÃO
PENAL ACEITA, MAS DESCUMPRIDA. HOMOLOGAÇÃO TÁCITA. COISA JULGADA MATERIAL E FORMAL. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. IMPOSSIBILIDADE.
DENÚNCIA REJEITADA.
1- A sentença homologatória da transação possui a eficácia de coisa julgada material e
formal. Assim, diante do descumprimento de acordo homologado, não existe a possibilidade
de ser oferecida denúncia ou determinado o prosseguimento da ação penal.
2- A sentença homologatória de transação é título judicial, susceptível de execução, não
podendo ser desconsiderada em face de descumprimento” (TJAC – RSE Nº 2008.001360-9
– CCrim. – Rel. Des. Francisco Praça – j. 03/07/2008)
“A solução para o descumprimento da transação penal prevista no art. 76, da Lei
nº 9.099/95, encontra-se no art. 85, da novel normativa, com a incidência do art. 51, do
Código Penal, alterado pela Lei nº 9.268/96. É vedado ao magistrado inovar na transação já
homologada e receber a denúncia formulada contra o autor do fato” (TACRIM-SP – Proc. nº
1041183/5 – DJE 12-3-97)
“Desde que homologada judicialmente a transação penal a que se refere o art. 76
da Lei nº 9.099/95, já não há oferecer denúncia contra o autor do fato incriminado (que a
homologação obsta ao processo de conhecimento). Somente a execução da pena de multa
aplicada será então possível” (TACRIM-SP – Rec. nº 1.062.327/9 – j. 24-9-97)
173
“Habeas corpus – Transação penal homologada – Questão definitivamente constituída que impede a apresentação de nova denúncia sobre o mesmo fato criminoso – Denúncia apresentada e recebida – Constrangimento ilegal caracterizado – Trancamento da ação
penal ordenado – Ordem concedida” (TJMG – HC nº 202.744-9/00 – 2ª Câm. Criminal
– Rel. Des. Reynaldo Ximenes Carneiro - j. 19/10/00)
“JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS – Transação Penal – Aplicação de pena
consistente na entrega de cesta básica à entidade de assistência social antes da vigência da
Lei 9.714/98 – Descumprimento, pelo réu, do acordo, que enseja tão-somente, a execução
da pena como se fosse multa e não o prosseguimento da ação penal como pretendido pelo
Ministério Público – Inadmissibilidade da reabertura do processo de conhecimento, pois
com o trânsito em julgado a transação penal produz os mesmos efeitos de uma sentença
– Observância à coisa julgada formal e material – Interpretação do art. 76 da Lei 9.099/95”
(TACRIM-SP – RT 769/606)
“Transação penal – Oferecimento de denúncia em razão do descumprimento do
pactuado – Impossibilidade – Execução, atendendo-se às disposições do art. 51 do CP – Necessidade: Em sede de Juizado Especial Criminal, é inválida, por ser eleita contra legis, a
cláusula da transação penal que, em caso de seu descumprimento, permite o oferecimento
de denúncia pela prática criminosa objeto do acordo, uma vez que extinto o ius puniendi,
transformado em ius executionis pela decisão homologatória do benefício do art. 76 da Lei
nº 9.099/95” (TACRIM-SP – RJDTACRIM 38/381)
“TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA. Descumprimento. O trânsito em julgado
da decisão que homologa a transação criminal produz a eficácia de coisa julgada. Com a
superação da fase de conhecimento, a pretensão cabível é a de cunha executório, e não acusatório. Correição Parcial indeferida” (Turma Recursal Criminal/RS – Correição Parcial nº
71000170126 – Rel. o hoje Des. Nereu José Giacomolli – j. 08/02/01)
Admitindo o oferecimento de denúncia em caso de descumprimento da transação:
“HABEAS CORPUS. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE CONTRA IDOSO. TRANSAÇÃO PENAL. NÃO-CUMPRIMENTO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. NÃO-COMETIMENTO DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. A jurisprudência deste
Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o descumprimento da transação penal a
que alude o art. 76 da Lei nº 9.099/95 gera a submissão do processo ao seu estado anterior,
oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebimento
da peça acusatória. Não há que se cogitar, portanto, da propositura de nova ação criminal,
desta feita por ofensa ao art. 330 do CP. Ordem concedida para determinar o trancamento
da ação penal pelo crime de desobediência” (STF - HC nº 84976/SP – 1ª Turma - Rel. Min.
Carlos Britto - j. 20/09/05)
“HABEAS CORPUS. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO: DENÚNCIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. REVOGAÇÃO. AUTORIZAÇÃO LEGAL. 1. Descumprida a transação penal, há de se retornar ao
status quo ante a fim de possibilitar ao Ministério Público a persecução penal (Precedentes). 2. A
revogação da suspensão condicional decorre de autorização legal, sendo ela passível até mesmo
após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (Precedentes).
174
Revista ESMAC
Ordem denegada (STF - HC nº88785/SP – 2ª Turma - Rel. Min. EROS GRAU – j. 13/06/06)
“JUIZADOS ESPECIAIS – TRANSAÇÃO PENAL – DESCUMPRIMENTO
– OFERECIMENTO DE DENÚNCIA – POSSIBILIDADE – PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE – ORDEM DENEGADA. Se o autor
do fato delituoso descumpre o acordado na transação penal, há que se dar esta por rescindida,
cabendo ao Ministério Público oferecer denúncia” (TJMG – HC nº 000.329857-7/00 – Câmaras Criminais Isoladas – Rel. Des. José Antonino Baías Borges – j. 03/04/03)
“CORREIÇÃO PARCIAL – ACORDO ENTRE O AGENTE E O MINISTÉRIO
PÚBLICO NA FASE PRÉ-PROCESSUAL – TRANSAÇÃ PENAL JUDICIALMENTE
HOMOLOGADA – SEU DESCUMPRIMENTO – PRETENSÃO DE PRISÃO DO DESCUMPRIDOR – INOPORTUNIDADE – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL – Se, em fase pré-processual, houve transação penal convencionada (acordo) entre o agente (infrator) e o Ministério Público, ou seja, em troca de processo
criminal aceitou ele uma pena restritiva de direitos, tendo a proposta sido judicialmente
homologada, o seu descumprimento acarreta o oferecimento de denúncia contra ele, observado o devido processo legal, até a sentença de mérito. Descumprida a transação havida na
fase pré-processual, inoportuna é a expedição de mandado de prisão contra o agente descumpridor, impodo-se, - isto sim -, a instauração de ação penal contra ele, pelo fato delituoso
que lhe é atribuído, pois só o devido processo legal poderá, então, vir a ensejar sua prisão”
(TJMG – Correição Parcial nº 1.0000.03.400543-9/000 - Rel. Des. Hyparco Immesi – j.
03/05/04)
“TRANSAÇÃO PENAL – Homologação – Descumprimento do acordo pelo autor da infração – Dever do Ministério Público de promover a ação penal – Admissibilidade,
pois o ato que homologa a transação gera, única e exclusivamente, coisa julgada forma, e
torna-se insubsistente a partir do inadimplemento do acordado – Voto vencido” (TACRIMSP – RT 775/620)
“A homologação da proposta de transação penal prevista na Lei nº 9.99/95 gera,
única e exclusivamente, coisa julgada formal face ao princípio rebus sic standibus; portanto,
a partir do momento em que o autor da infração descumpre o acordo firmado com o Ministério Público, não efetuando o pagamento da multa acordada, a homologação do acordo perde
sua eficácia, legitimando o Parquet para promover a ação penal pública” (TACRIM-SP – RT
752/324)
“TRANSAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE DESCUMPRIDA.
COMPETÊNCIA. CONVERSÃO EM PENA CARCERÁRIA. PROSSEGUIMENTO DO
FEITO. Inexitoso o cumprimento da transação, via prestação de serviços à comunidade, na
Vara de Execuções Criminais, o feito pode ser devolvido ao Juizados Especial Criminal,
para prosseguimento, após o Juízo da execução ter esgotado os meios para fazer cumprir
a medida despenalizadora. Atinge a garantia constitucional do devido processo legal converter a medida despenalizadora em apreço, não-cumprida, em pena privativa de liberdade.
Descumprida a transação, mesmo homologada, é viável considerar-se insubsistência aquela,
retornando-se ao estado anterior, propiciada a oportunidade de o Ministério Público vir a denunciar. Decisão do Supremo Tribunal Federal nesse sentido. Por maioria, vencido o Relator
original, Dr. Mário Rocha Lopes Filho, desacolheram o conflito, considerando competente o
Juízo suscitante” (Turma Recursal/RS – Conflito Negativo de Competência nº 71000080192
– Rel. o então Juiz Umberto Guaspari Sudbrack – j. 16/03/2000)
175
O Enunciado Criminal nº 79, do FONAJE, positiva que: “É incabível o oferecimento de denúncia após sentença homologatória de transação penal em que não haja cláusula
resolutiva expressa, podendo constar da proposta que a sua homologação fica condicionada
ao prévio cumprimento do avençado. O descumprimento, no caso de não homologação,
poderá ensejar o prosseguimento do feito”.
MORAES e SMANIO sugerem que, para evitar-se a total ineficácia dos Juizados
Especiais Criminais, deverá o membro do Ministério Público definir como um dos requisitos da proposta de transação penal seu efetivo cumprimento, e, conseqüentemente, deverá
o magistrado condicionar a homologação da transação penal, uma vez aceita pelo autor da
infração, ao prévio cumprimento da sanção imposta.
Assim, caso o infrator cumpra a sanção imposta, o Juiz imediatamente homologará
a transação, encerrando-se o procedimento.
Diversamente, porém, se não houver o cumprimento da sanção por parte do autor
da infração de menor potencial ofensivo, esse deixou de cumprir unilateralmente o acordo
realizado com o Ministério Público, que poderá prosseguir na persecução penal, oferecendo
denúncia.
O Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido do texto:
“TRANSAÇÃO – JUIZADOS ESPECIAIS – PENA RESTRITIVA DE DIREITOS
– CONVERSÃO – PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE – DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente da transação,
em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo
legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência
deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público
de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia”
E:
“O descumprimento da transação penal prevista na Lei 9.099/95 gera a submissão do processo em seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação
penal e ao Juízo o recebimento da peça acusatória...” (STF – Informativo nº 402)171
Ademais:
“Ofende os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (CF,
art. 5º, LIV e LV) a conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, em
virtude de descumprimento de termo de transação penal (Lei 9.099/95, art. 76: ‘Havendo
representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso
de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva
de direitos ou multa, a ser especificada na proposta’). Com esse entendimento, a Turma manteve decisão do Juizado Especial Criminal da Comarca de Guairá, Estado do Paraná, que,
indeferindo pedido de conversão da pena formulada pelo Ministério Público estadual, dado
o descumprimento do acordo, determinara abertura de vista ao mesmo para que oferecesse
denúncia” (STF – 1ª T. – RE nº 268.319/PR – Rel. Min. Ilmar Galvão – j. 13.06.2000)
171 Idem. P. 272-274.
176
Revista ESMAC
“AGRAVO EM EXECUÇÃO – Interposição ministerial. Transação penal. Descumprimento. Pretensão à conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade.
Impossibilidade. Óbice legal. A disciplina normativa existente a respeito da conversão de
pena restritiva de direitos em privativa de liberdade não é adaptável à específica hipótese da
pena restritiva aplicada por força de transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95).
Está bem claro, até diante da novel previsão da detração da pena corporal (“será
deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos”), que a sistemática de conversão
hoje existente só cogita das penas restritivas aplicadas em virtude de substituição das privativas de liberdade, na forma do caput do art. 44 do CP. Não há, pois, arcabouço legal que preveja a forma pela qual dar-se-á essa conversão nos casos em que a pena restritiva de direitos
resulte de transação penal. A duração da pena privativa de liberdade imposta em conversão
não poderia ser, em todos os casos, idêntica à da pena restritiva de direitos convertida, por
isso mesmo que não há correspondência entre a pena restritiva e outra previamente aplicada,
além do que, para certas infrações penais (como algumas contravenções) passíveis de transação penal, sequer é cominada in abstracto na Lei pena privativa de liberdade, tão-só pecuniária. E assim sendo, é de se prestigiar o posicionamento do d. juízo a quo, improvendo-se
o presente agravo” (TACRIMSP – AG-Ex 1.228.825/1 – 9ª C.Fér. – Rel. Juiz Aroldo Viotti
– J. 31.01.2001)
O Juiz poderá, então, homologar desde logo o acordo penal, fazendo constar do
pacto uma cláusula resolutiva, prevendo a dissolução automática do acordo em caso de
inadimplemento, ou, de preferência, reservar-se para chancelar a convenção após o cumprimento de seus termos. Nesse sentido:
“TRANSAÇÃO PENAL – HOMOLOGAÇÃO CONDICIONADA AO EFETIVO
PAGAMENTO DA MULTA AVENÇADA – INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA – POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DA DENÚNCIA ANTEA INEXISTÊNCIA DE TÍTULO JUDICIAL PARA EVENTUAL EXECUÇÃO – É possível o
oferecimento da denúncia por parte do órgão Ministerial, quando descumprido acordo de
transação penal, cuja homologação estava condicionada ao efetivo pagamento do avençado.
O simples acordo entre o Ministério Público e o réu não constitui sentença homologatória,
sendo cabível ao Magistrado efetivar a homologação da transação somente quando cumpridas as determinações do acordo. Recurso desprovido” (STJ – RHC – 11398 – SP – 5ª T.
– Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJU 12.11.2001 – p. 00159)
“CRIMINAL. HC. TRANSAÇÃO PENAL. LEI 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE
ACORDO FIRMADO ENTRE AS PARTES. INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DA TRANSAÇÃO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL PARA EVENTUAL
EXECUÇÃO. DECISÃO SEM CARÁTER HOMOLOGATÓRIO. ORDEM DENEGADA.
Não evidenciada a existência de homologação da transação penal, é cabível a instauração
de ação penal contra o autor do fato, não por não ter havido a entrega de uma cesta básica,
pois não se pode cogitar de eventual execução, ante a falta de título judicial a ser executado.
A decisão que ajusta condição não tem caráter homologatório, eis que evidenciado o intuito,
unicamente, de fixar os termos em que a proposta de transação se consolidaria, afastando a
possibilidade de eventual execução civil futura. Ordem denegada” (STJ – HC 24624 / SP - 5ª
T. – Rel. Min. GILSON DIPP – j. 04/11/2003)
177
“JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL – TRANSAÇÃO PENAL – DESCUMPRIMENTO DE ACORDO NÃO HOMOLOGADO – RETRATAÇÃO E PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO – ADMISSIBILIDADE – Condicionamento da homologação ao
pagamento do avençado. Entendimento. Uma vez descumprido pelo autor do fato o pactuado
em transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, não é dado ao juiz homologar
o acordo, e, em conseqüência, onde falte tal homologação com aplicação da pena, não se
pode falar em transação perfeita e acabada, e, portanto, eficaz, podendo neste caso o ato de
vontade das partes ser retratado a qualquer tempo, prosseguindo-se o processo, sendo certo
que o juiz poderá condicionar a homologação ao pagamento do avençado, sob pena de dar
ensejo a que o autor do fato, já beneficiado, não cumpra nem mesmo a singela obrigação
transacionada” (TACRIMSP – Ap 1220967/3 – 3ª C. – Rel. Juiz Fábio Gouvêa – DOESP
11.09.2001)
“Transação – Multa – Descumprimento – Não homologação do acordo – Prosseguimento
da ação penal até final julgamento – Ordem denegada” (TACRIM-SP – RJE 7/375)
4. PROCEDIMENTO NO JUÍZO DA COMARCA DE SENADOR GUIOMARD.
Não âmbito do Juízo Criminal da Comarca de Senador Guiomard, o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) é registrado e autuado sob a classe de procedimento
criminal diverso, e logo remetido ao Ministério Público.
Proposta a transação penal, destaca-se audiência preliminar, intimando-se o autor
do fato com as advertências inscritas no art. 68, da Lei nº 9.099/95 (LJEC).
A proposta é encaminhada pelo Juiz Leigo ou Conciliador.
Em caso de conexão de crime de menor potencial ofensivo com delito de competência do Juízo Comum ou do Tribunal do Júri, a audiência preliminar é presidida pelo
Juiz Togado, nos termos e para os fins de aplicação da transação penal e da composição dos
danos civis (art. 60, par. ún., da LJEC, na redação dada pela Lei nº 11.313/2006).
Cumprida a transação, a composição criminal é homologada, por sentença, e decretada a absolvição sumária do autuado, em decorrência da extinção da punibilidade (arts.
84, par. ún., e 92, da Lei nº 9.099/95, c/c art. 397, inc. IV, do CPP, na redação dada pela Lei
nº 11.719/2008).
178
Revista ESMAC
CONCLUSÃO
Em apertada síntese, é possível se inferir que o instituto da transação penal se apresenta como um mecanismo pré-processal de resolução de conflito, centrado no consenso.
Trata-se de mais um recurso para satisfação da pretensão punitiva-reeducativa da
sanção penal, inspirado nos instrumentos de autocomposição da lide civil.
Inobstante se cuidar de ferramenta célere e sumária de satisfação da tutela penal, a
transação preserva as garantias constitucionais do autor do fato.
No ponto, vale realçar que a composição criminal está legitimada constitucionalmente (art. 98, I, CF/88).
A transação penal mitigou o princípio da indisponibilidade da ação penal pública.
Isso, contudo, não subtraiu do Ministério Público a titularidade para propositura da
benesse, que, vale frisar, não pode ser concedida ex officio pelo Magistrado.
Também se consolidou o entendimento de que a convenção criminal é perfeitamente admissível na ação de iniciativa do ofendido (ação privada), cabendo a este propor o
instituto.
Com efeito, esse novo e revolucionário método de composição dos crimes de
menor potencial vulnerante também viabiliza uma resposta rápida e eficiente do Poder Judiciário, como, aliás, determina o inc. LXXVIII, art. 5º, da Carta Fundamental (incluído pela
ECR nº 45 de 2004), com baixo custo operacional.
REFERÊNCIAS
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5ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2008.
179
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Estaduais Cíveis e Criminais. 4ª Ed. São Paulo.
180
Revista ESMAC
O APERFEIÇOAMENTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS COMO FATOR
TÉCNICO E PSICOLÓGICO DE EFICIÊNCIA:
PROPOSTA PARA A IMPLEMENTAÇÃO NAS UNIDADES JUDICIÁRIAS
DO ESTADO DO ACRE DE PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PERIÓDICA
DOS SERVENTUÁRIOS
Giordane de Souza Dourado
INTRODUÇÃO
A sociedade, como produto das relações interpessoais, possui características que
revelam exatamente as virtudes e os defeitos dos componentes humanos que lhe deram
origem. É entidade instável, sempre em transformação, conquanto mantenha ao longo da
história alguns atributos que, sem alterar a sua essência, apenas adquirirem outra roupagem
de acordo com a época em que se manifestam (como, por exemplo, a intolerância a certos
padrões de comportamentos considerados não convencionais).
Essa volubilidade tem reflexo em todos os seguimentos sociais, sejam estes institucionalizados ou não. Isto significa que a família, o Estado, as entidades privadas, os grupos
representativos de classe etc. devem encontrar nesse contexto de mudanças mecanismos de
adaptação e superação das naturais adversidades advindas da volatibilidade social.
O Estado, particularmente o brasileiro, tem o vezo de estar em atraso em relação
às mudanças ocorridas na coletividade. E quando, ao perceber o atraso, cria instrumentos de
adaptação, geralmente o faz com parcimônia ou sem a densidade esperada pela sociedade.
Como integrante da estrutura do Estado brasileiro, o Poder Judiciário é bom exemplo desse problema, pois ao longo de várias décadas conquistou os estigmas de hermético,
moroso e ineficiente. Infelizmente, para significativa parcela da população, submeter algum
conflito à apreciação do Poder Judiciário já implica “causa perdida”.
Exemplo desse desprestígio do Poder Judiciário pode ser observado em pesquisa
realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB no ano de 2006, na qual
foram ouvidos os próprios membros do Judiciário. Entre as várias indagações feitas aos
entrevistados, constava a seguinte: “De seu ponto de vista, qual a importância dos seguintes
aspectos como entraves ao desenvolvimento do país?”. O resultado é emblemático: 43,4%
(quarenta e três vírgula quatro por cento) responderam que a morosidade do Judiciário é
muito importante como entrave para o desenvolvimento nacional172.
A morosidade, apontada como principal desvalor do Poder Judiciário, é fruto da
ineficiência da instituição na prestação dos seus serviços.
A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, em outro estudo intitulado “Judiciário
Brasileiro em Perspectiva – Análise da Associação dos Magistrados Brasileiros baseada em relatórios
do Supremo Tribunal Federal, do Conselho Nacional de Justiça e do Banco Mundial”, concluiu173 :
172 Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/docs/pesquisa2006.pdf>.
173 Disponível em: http://www.amb.com.br/portal/docs/pesquisa/Judiciario_brasileiro_em_perspectiva.pdf. Acesso em: 17 nov.
2008.
181
Possíveis soluções para a crise do Judiciário
As três alternativas mais prováveis para a solução da crise são: aumentar a eficiência do Judiciário, reduzir a ineficiência de determinados órgãos extrajudiciários que condicionam as respostas dos juízes – por exemplo, registros de imóveis, advogados do governo,
possivelmente o Ministério Público quanto ao tratamento que dá às demandas de ordem
criminal –, ou algum esforço para reestruturar a própria demanda.
Somente a primeira alternativa se presta à implementação pelo Judiciário apenas.
As outras duas exigirão cooperação de outras organizações setoriais e extra-setoriais, além
de outros ramos do governo.
O Poder Judiciário, portanto, carece da necessária eficiência para responder com
desenvoltura às novas demandas sociais, geradas pelo movimento de transformação da coletividade.
Sucede que para alcançar-se essa eficiência deve-se, inicialmente, diagnosticar e
tratar as deficiências que permeiam a estrutura do Judiciário. E muitos são os problemas a
serem enfrentados, como o excesso de ações judiciais, os entraves provocados pela legislação processual, a escassez de recursos orçamentários, bem como, é claro, o aperfeiçoamento
intelectual e técnico dos juízes e servidores.
O aperfeiçoamento dos agentes públicos para o exercício das suas atribuições
modernamente é chamado de capacitação, tema fértil em debates e idéias, que será o ponto
central de discussão deste trabalho.
Será enfocada, sobretudo, a capacitação dos servidores do Poder Judiciário do Estado do Acre, com a análise da sua situação atual, periodicidade, acertos e desacertos, sendo
ao final elaborada proposta de capacitação adequada à realidade local e voltada para a integração dos servidores entre si, com os magistrados e a sociedade em geral.
O trabalho tem ainda o objetivo de demonstrar que a carência de recursos materiais, por si só, não representa escusa aceitável para negar-se aos servidores a capacitação tão
indispensável à eficiência dos serviços que realizam, pois a escassez dos recursos poderá ser
contornada com criatividade, solidariedade e a criação das parcerias certas para o êxito dessa
missão.
Serão igualmente objeto de discussão, além dos aspectos técnicos inerentes ao
tema, as questões humanas e éticas que gravitam em torno da capacitação, com especial
enfoque na função integradora que ela desempenha nos agentes das instituições sociais.
Não são desconhecidos no meio empresarial os efeitos psicológicos que os programas de capacitação produzem nos funcionários de uma entidade, os quais resultam no
aumento do estímulo para o trabalho, na dissolução de tensões, redução do estresse e outros
benefícios que naturalmente defluem da quebra da amarga rotina de trabalho que atinge a
maioria dos trabalhadores.
É claro que o presente estudo não tem a pretensão de esgotar as discussões sobre
o tema. Na verdade o objetivo é apresentar um ensaio acerca dos principais pontos diagnosticados durante a pesquisa realizada sobre a experiência da capacitação na administração
brasileira.
182
Revista ESMAC
1. CONCEITO DE CAPACITAÇÃO
1.1 A concepção tradicional
Muito se fala sobre capacitação, mas pouco se compreende sobre o seu real sentido
e alcance.
Para Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, conforme o léxico, capacitar significa
primeiramente “tornar capaz, habilitar”174.
Esse é o sentido imediato da capacitação, o qual, no que concerne à formação de
profissionais, remete à idéia de aperfeiçoamento técnico, intelectual.
No âmbito de uma empresa, podemos então imaginar que a capacitação implica a
implantação de cursos periódicos destinados a acrescentar mais conhecimento e informação
à “bagagem cultural” dos trabalhados, visando-se, é claro, ao incremento da produtividade e
sobrevivência no mercado de trabalho.
Dessa forma, tome-se como exemplo a realização de cursos de aperfeiçoamento de
gerentes de rede varejista. Considerando-se o a área de atuação da empresa, seus gestores
provavelmente receberão aulas sobre marketing, contabilidade, técnicas gerenciais etc. Ou
seja, a capacitação naturalmente terá como enfoque áreas do conhecimento que guardam
afinidade com os objetivos econômicos da entidade.
O pensamento tradicional, nesse ponto, seria o seguinte: se você trabalha como
vendedor, estude mais sobre estratégias de vendas e terá mais sucesso; caso seja advogado,
aprofunde o conhecimento das leis e da jurisprudência e mais causas patrocinará.
Vê-se, pois, que a forma tradicional de aplicar a capacitação cinge-se a experimentá-la tão-somente na seara do técnico, no plano formal. Por isso que, nesse universo, o
vendedor que denotar maior conhecimento sobre vendas seria, em tese, considerado mais
capaz. Igualmente, mais capacitado seria o advogado que acumulasse grande conhecimento
do sistema jurídico.
Sucede que hoje a sociedade, com relações cada vez mais complexas e multiculturais, tornou ultrapassada essa forma de compreender a capacitação. Deveras, é insuficiente
para conquistar-se a eficiência – e, por conseguinte, o mercado, entendendo-se este também
como os destinatários dos serviços públicos - apenas o apelo ao conhecimento técnico, puramente mecânico. É preciso que os administradores, públicos ou privados, desenvolvam uma
visão holística para decifrar o que a coletividade realmente necessita - e como necessita.
Não se pode negar que as pessoas ainda carecem dos produtos e serviços oferecidos pelas instituições. Mas, além deles, carecem também de compreensão, calor, pessoalidade. Há quem diga que os consumidores querem um “estado de espírito”.
É aí onde surge um novo prisma para enxergar-se o que deve significar a capacitação.
174 HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1999. p. 395.
183
1.2 Capacitação: uma nova visão
Diante do novo contexto social, o profissional devidamente preparado para alcançar todo o seu potencial de trabalho não é aquele que somente ostenta no currículo
uma impecável formação acadêmica ou diversas participações em cursos técnicos de aperfeiçoamento. O complexo de relações humanas com que terá de lidar exige dele algo além
da desenvoltura intelectual.
A partir dessa premissa, pode-se indagar: do que mais precisa o profissional para
conquistar a decantada eficiência?
Precisa de estrutura. Estrutura emocional, auto-estima, bem-estar, reconhecimento.
Essa é uma lição antiga. O equilíbrio interno emerge como o pressuposto para a
atividade intelectual.
Infelizmente muitos administradores ainda não têm consciência de que o ambiente
de trabalho sadio, com redução dos níveis de estresse, é fundamental para os objetivos da
instituição. E isto somente será possível com investimento na saúde psíquica do trabalhador.
As instituições, apesar de sua autonomia jurídica e administrativa, são compostas por pessoas; estas, sim, são os elementos primordiais para a criação do perfil de uma
entidade. Se os trabalhadores de uma empresa convivem em ambiente de trabalho psicologicamente insalubre, esse estado de espírito inevitavelmente se refletirá nas atividades da
instituição.
Diante dessa realidade, o bom líder é aquele que sabe valorizar e investir no bemestar dos seus liderados. Assim conseguirá melhores resultados.
São emblemáticas as seguintes reflexões da professora Sônia Jordão175:
Estamos diante de uma conjuntura com guerras, aumento da violência urbana, crescimento populacional acelerado, concentração de renda e empobrecimento da população.
Como conseguir vencer esses desafios? Como motivar os colaboradores a buscarem qualidade, produtividade e ainda trabalharem na velocidade que os clientes exigem? Como reter
os melhores profissionais nas organizações? Que mudanças precisam ser implementadas?
Só através de líderes que queiram e gostam de lidar com pessoas, conseguiremos chegar a
bons resultados.
Antigamente, existia o modelo de gerenciamento através do modo ‘comando e
controle’ de dirigir uma organização. Atualmente, na maioria das organizações, nós não
obedecemos mais ordens, pelo menos sem que haja uma boa razão para isso. “Comando e
controle”, baseado na mentalidade militar eram apropriados até os anos 80, num clima social
diferente e num ambiente empresarial estável. Hoje essa estabilidade acabou e o que existe
é um ritmo frenético de mudanças.
Líder é aquele que mantém pessoas que acreditam nele, que possui seguidores.
Agora, quando o foco é a organização, podemos dizer que líderes são aqueles que conseguem os bons resultados esperados, através de outras pessoas. O que diferencia uma orga175 JORDÃO, Sônia. Arte de liderar num mundo globalizado. Administradores.com.br, 17 de novembro de 2008. Disponível
em:<http://www.administradores.com.br/artigos/arte_de_lliderar_num_mundo_globalizado/26343/>. Acesso em:17 nov.
2008.
184
Revista ESMAC
nização de outra são as pessoas que a compõem e, principalmente, a forma de gestão existente, porque a tecnologia, a qualidade e os preços praticados são praticamente iguais. Por
isso, os líderes precisam tomar as decisões dentro de vários contextos e para tanto precisam
usar o máximo de informações para minimizar os erros. O bom líder não dá ordens, controla
ou pune. Ele colabora, orienta, desenvolve conhecimentos e habilidades, apóia-se na solução
de problemas e reconhece o esforço e o mérito pessoal de seus liderados. Para ele, as pessoas
são o que de mais importante existe em seu trabalho.
É por isso que a capacitação deve permitir ao trabalhador contato com ferramentas
capazes de fortalecê-lo não só tecnicamente, como também emocionalmente.
Entre tais ferramentas, podemos destacar a meditação, a ioga e exercícios de relaxamento, além de workshops voltados para promover a integração dos membros de certa
atividade.
1.3 Meditação: importante recurso de capacitação
Quando se trata de “capacitação emocional”, percebe-se que a meditação tem papel fundamental, na medida em que estimula a produção de pensamentos positivos, mantém
a calma mental e auxilia na concentração. Como observou o conceituado psicólogo clínico
Deroni Sabbi, “um número cada vez maior de empresários e profissionais liberais bem-sucedidos no Ocidente buscam na meditação maior energia, criatividade, saúde, qualidade de
vida e eficiência”176.
A meditação, consoante o conceito mais difundido, consiste num estado mental em
que a consciência livra-se de qualquer pensamento invasivo, permitindo ao praticante profunda sensação de presença e concentração. Alguns dizem que seu fundamento é a libertação
da mente de qualquer tipo de pensamento. Seria o “não pensar em nada”.
Há muito que a meditação deixou de ser considerada como exótica prática mística
do oriente para conquistar opiniões favoráveis da comunidade científica e do meio empresarial.
Dentre os inúmeros benefícios atribuídos à prática da meditação nas empresas,
podem ser citados os seguintes177:
a)
melhor saúde física e mental do funcionário;
b)
maior produtividade;
c)
maior lucratividade;
d)
diminuição de faltas no trabalho;
e)
mais harmonia no relacionamento interpessoal.
De acordo com estudo realizado pelo neurocientista americano Richard Davidson,
da Universidade de Wisconsin-Madison, divulgado pela revista “Época”, “a meditação altera as estruturas cerebrais e muda o padrão de suas ondas, protegendo contra a depressão, a
176 SABBI, Deroni. Ressignificando a vida. Administradores.com.br, 06 ag. 2007. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/artigos/ressignificando_a_vida/14318/>. Acesso em: 10 nov. 2008.
177 Meditação Transcendental. O Programa da Meditação Transcendental. Disponível em: <http://mt-morumbi.sites.uol.
com.br/>. Acesso em: 10.11.2008.
185
ansiedade e os efeitos do stress”178.
O investimento em meditação para os trabalhadores de uma instituição, pois, resulta em importante iniciativa de capacitação, fortalecendo a atuação da entidade no campo
das relações humanas.
1.4 A adoção da ioga nas empresas
A ioga, de origem indiana, é praticada através de técnicas que conjugam exercícios, relaxamento, controle respiratório e meditação.
Vários estudos acadêmicos demonstram que a introdução da ioga na rotina diária,
aliada à medicina tradicional, pode auxiliar no tratamento de doenças como a hipertensão,
diabetes, depressão, alcoolismo, entre outras.
Devido aos vários benefícios da ioga comprovados pela ciência, ela vem sendo
adotada no meio empresarial para fortalecer a saúde e estrutura emocional dos trabalhadores.
Nesse campo, já existem pesquisas mostrando os profícuos resultados da ioga no
ambiente de trabalho, como denota a seguinte reportagem da revista “Época”179:
Nas empresas, a ioga vem sendo adotada como forma de melhorar a qualidade
de vida. Outro estudo do pioneiro americano Dean Ornish mostrou que a adoção de programas do gênero pode reduzir a menos da metade as despesas com saúde dos funcionários
participantes. Bancos como Itaú e Real, indústrias como Bristol-Myers Squibb e agências e
publicida e como a Talent já oferecem ioga aos funcionários. Na Credicard-Citibank, 20% os
empregados aderiram. ‘Não é apenas uma questão de coluna e pulmões. Quem pratica ioga
ganha a consciência de que depende apenas de si mesmo, um dinamismo que interessa no
mundo corporativo’, diz a instrutora Marcia e Luca, que dá consultoria e faz palestras sobre
o assunto em empresas.
No mundo competitivo e estressante hodierno a implementação de exercícios de
ioga nas empresas e no serviço público pode contribuir sobremaneira para a prevenção de
várias enfermidades laborais, o que reduz o custo econômico e social das entidades com a
recuperação dos seus agentes.
A instituição que investe na ioga como forma de aperfeiçoamento do seu corpo de
funcionários poderá obter como vantagens:
a)
Melhoria do clima organizacional;
b)
Melhoria da imagem da empresa frente aos executivos e colaboradores;
c)
Ambiente de trabalho menos estressante;
d)
Aumento da motivação e produtividade;
e)
Melhoria no atendimento ao cliente externo;
f)
Redução do índice de rotatividade de pessoal;
178 Meditação X Prozac. Época, Rio de Janeiro, ed. 403, 04 fev. 2006. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG73080-6014,00.html>. Acesso em: 10.11.2008.
179 Olhe a câmera e diga om. Época, Ed. 425, 10 de julho de 2006. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/
Epoca/0,,EDG74699-6014-425-2,00-IOGA+MEDICINA.html>. Acesso em: 10.11.2008.
186
Revista ESMAC
g)
Diminuição dos afastamentos por DORT;
h)
Diminuição do índice de absenteísmo e dos acidentes de trabalho provocados por
falha humana;
i)
Redução dos custos com assistência médica, medicamentos, exames e hospitalização dos empregados.
Não há como duvidar, em face desses dados, que a ioga proporciona efetiva incremento
da qualidade de vida no trabalho.
Outra vantagem em relação à ioga é que sua aplicação tem baixíssimo custo de investimento, não exige roupas, equipamentos ou locais especiais, podendo ser praticada no próprio
local de trabalho.
1.5 Prática regular de exercícios físicos no ambiente de trabalho
O sedentarismo é problema que pode gerar prejuízos em todas as atividades realizadas pela pessoa, notadamente no trabalho. Fonte de diversos problemas de saúde, ele
costuma consolidar-se no dia-a-dia como verdadeiro vício. E como todo vício, não é de fácil
recuperação.
Daí ser louvável a iniciativa das instituições que disponibilizam e incentivam a
ginástica laboral para os seus empregados.
Pode-se definir ginástica laboral como o exercício físico orientado durante o
horário do expediente que visa a benefícios pessoais no trabalho. Seu objetivo é minorar os
impactos negativos oriundos do sedentarismo na vida e na saúde
Ela é, sobretudo, atividade preventiva e importante aliada contra as chamadas
doenças ocupacionais, cujas mais conhecidas são:
a)
DORT: Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho;
b)
LER: Lesões por Esforços Repetitivos;
c)
LTC: Lesões por Traumas Cumulativos;
d)
DCO: Doença Cervicobraquial Ocupacional;
e)
CTD: Cumulative Trauma Disorders;
f)
SSO: Síndrome de Sobrecarga Ocupacional.
Muitos são os reconhecidos benefícios da ginástica laboral, razão pela qual essa
prática deve ser formalmente incentivada pelo Estado para todas as entidades, além de, é
claro, ele mesmo adotá-la nos órgãos da administração pública.
Podem ser relacionados como principais benefícios da ginástica laboral (ZILLI, 2002,
p. 66):
BENEFÍCIOS DA GINÁSTICA LABORAL
Melhora os movimentos bloqueados por tensões emocionais
Aumenta a amplitude muscular
Melhora a coordenação motora
Eliminação de toxinas pela melhora da circulação sanguínea
Reduz o sedentarismo
Reduz a fadiga mental e física
187
Melhora a concentração e agilidade
Prevenção de lesões musculares
Motiva para a mudança de estilo de vida com realização de atividade física regular
Desenvolve a consciência corporal
Melhora o bem-estar físico e mental
Melhora a socialização
Observa-se, portanto, que a ginástica laboral é outro recurso de capacitação estratégico para o sucesso de qualquer instituição.
2. A VALORIZAÇÃO DO SER HUMANO COMO FUNDAMENTO DA CAPACITAÇÃO
2.1 Carência de reconhecimento
Quando se pensa em capacitação, normalmente se sugere como fundamento dela
a necessidade de otimizar a força humana empregada em alguma estrutura de trabalho. Ou
seja, atribui-se uma natureza predominantemente técnica ou instrumental à capacitação. Ela
seria o mecanismo utilizado para o sucesso da atividade realizada.
Tal visão instrumental da capacitação tem lógica e sentido, afinal não se pode negar
que o investimento no “material humano” de uma instituição predestina-se à consecução de
melhores resultados para esta.
A despeito disso, a idéia abstrata subjacente à capacitação tem outra essência que
se afasta da concepção meramente técnica. Com efeito, é coerente ponderar que o fundamento da capacitação reside na valorização do servidor/trabalhador como pessoa, ser humano
carente de reconhecimento.
É intuitiva a conclusão de que a pessoa, seja qual for a atividade que desempenhe,
vê o reconhecimento do seu trabalho como importante estímulo para validar ou incrementar
os esforços despendidos no labor.
Nesse contexto, integrar o servidor a programa periódico de capacitação transmitelhe a mensagem psicológica de que ele é peça indispensável da instituição a qual pertence.
Realmente, o fato é que as pessoas desejam constantemente atrair a atenção do
próximo para elas mesmas, como se isto fosse um combustível de auto-afirmação. Por isso
que, segundo alguns trabalhos publicados na área de psicologia, a melhor forma de conquistar o interesse de alguém é focar o assunto da conversa na pessoa do outro interlocutor.
Com essa perspectiva, é razoável afirmar-se que a capacitação tem o efeito de
aumentar a auto-estima do servidor, livrando-o ainda de uma rotina monocórdia que pode
refletir-se negativamente nos processos de trabalho.
Deixando um pouco de lado a seara da psicologia, observa-se que ao longo da
história a preocupação com a valorização do ser humano permeou a obra de vários pensadores e filósofos.
O movimento Iluminista do século XVIII exaltava a capacidade humana de conhe188
Revista ESMAC
cer e agir pela “luz da razão”, libertando a pessoa das duras amarras criadas pelo Estado
feudal e pela repressão religiosa.
Kant (1724-1804), grande expoente do pensamento iluminista, decantava a razão
humana como pilar do conhecimento universal. Para ele, a dignidade humana era o valor
fundamental, a finalidade última da razão prática. Uma de suas belas máximas professava:
“Aja de forma a que uses a humanidade, quer na tua pessoa, como de qualquer outra, como
fim, nunca meramente como meio”.
Já para Nietzsche (1844-1900) e sua transvalorização dos valores, em visão mais
radical e contestadora, exaltava os instintos naturais do homem como sinônimo de força e
sobrevivência.
Apesar das várias divergências que possuem entre si, essas correntes filosóficas
têm como essência a valorização da pessoa.
Com a capacitação não poderia ser diferente. Ainda que se busque a excelência
da técnica, o homem é o mais importante, pois ele é o ser pensante e realizador por trás dos
processos de trabalho.
Essa idéia foi brilhantemente sintetizada no filme Metrópolis (1927), do diretor
Fritz Lang, onde em certo momento uma personagem diz: “Entre o cérebro que idealiza e as
mãos que executam deve existir um necessário mediador, o coração”.
Observa-se, portanto, que qualquer iniciativa de capacitação terá mais sucesso
quando adotar como premissa a valorização da pessoa, deixando transparecer isto em todas
as etapas dos cursos ministrados.
O homem valorizado e individualmente considerado no corpo da instituição terá o
necessário estímulo para dedicar-se com mais afinco aos seus compromissos profissionais,
obtendo, por conseguinte, maiores resultados.
Emblemático, no caso, é o seguinte trecho de reportagem veiculada no jornal “Folha de São Paulo”180:
A Apdata, empresa de tecnologia na área de recursos humanos, adotou uma ‘política
efetiva de valorização de seus colaboradores’. A sede da empresa tem capela ecumênica,
academia de ginástica e salas para cromoterapia.
‘Nos últimos três anos, destinamos uma média de 5% do faturamento para melhorar a
qualidade de vida dos nossos colaboradores. Os resultados têm sido positivos [para a retenção]’, afirma Luiza Nizoli, diretora-executiva da Apdata.
Segundo um estudo interno da empresa, o nível de produtividade aumentou 85% nos
últimos três anos, enquanto o ‘turnover’ (rotatividade) caiu para ‘praticamente zero’.
‘Entendemos que não é a questão salarial que retém o talento. Descobrimos, pelo estudo, que algumas pessoas tinham habilidades para áreas diferentes das em que estavam. Ao
mudarem de departamento, ficaram mais felizes e, conseqüentemente, passaram a trabalhar
mais’, diz a diretora.
Há quatro anos na firma, a gerente de negócios Fátima Pires, 40, diz ter recusado várias
propostas para trabalhar em empresas concorrentes. ‘Desde o início, as instalações da empresa me chamaram muito a atenção. Há a busca pelo bem-estar dos funcionários’, declara.
Mostrar a importância do profissional, aplicando diferentes formas de reconhecimento, é um
fator essencial na avaliação de Nelson Moschetti, diretor da consultoria RCS.
Para Moschetti, também é fundamental que a empresa propicie aumento de qualidade de
vida aos seus funcionários. ‘Fazer atividades para alcançar o equilíbrio entre adrenalina e
180 Empresas apostam em agrados para reter talentos. Folha de São Paulo, 24 de setembro de 2006. Disponível em: <http://
www1.folha.uol.com.br/fsp/empregos/ce2409200608.htm>. Acesso em: 10.11.2008.
189
endorfina, como aulas de ioga e relaxamentos, é um grande atrativo’, opina o consultor.
Há oito anos como funcionária da rede de hotéis Atlantica, a administradora hoteleira
Regina Carrijo, 26, é, hoje, gerente-geral de uma unidade.
‘Trata-se de uma empresa com muitos jovens trabalhando, respeito do alto executivo e
boas oportunidades de crescimento’, declara Carrijo.
Como lindamente pontificou Moscovici (1997, p. 91), “o homem pleno, feliz, de
sucesso que chega a ter expressão maior como ser humano é aquele que desenvolve as
quatro dimensões: a física, a intelectual, a emocional e a espiritual”.
2.2 Capacitação, Ética e o mercado
O reconhecimento do valor do servidor/trabalhador através de cursos de capacitação também evidencia o compromisso da administração com uma nova concepção de ética,
por meio da qual se procura assegurar o respeito pela pessoa do outro, resgatando a sua
dignidade.
No ponto, é importante salientar que, ao contrário da moral, que sofre as influências do local ou da época em que ocorrem as relações humanas, a ética não está condicionada
pelo tempo e pelo espaço, representando a visão de mundo que tem como foco o esforço
de compreender-se a situação do próximo. Isto é feito através do exercício de colocar-se no
lugar do indivíduo para entender as suas idiossincrasias e desafios.
Por isso não é descabido afirmar-se que a capacitação está estreitamente relacionada ao prestígio da ética, na medida em que propõe como pressuposto das atividades institucionais o aprofundamento cognitivo do ser humano, com o objetivo de torná-lo integrado,
preparado e motivado.
Essa nova percepção da capacitação vem sendo perfilhada com entusiasmo no
meio empresarial, onde ficou nítido que a produtividade está intimamente relacionada ao
bem-estar do trabalhador. E como já foi exaustivamente repetido, capacitar provoca bemestar.
Ilustrando exatamente esse pensamento, a edição virtual do jornal “A Tarde”, veiculada no dia 18 de fevereiro deste ano, publicou a reportagem “Capacitação é a arma para a
produtividade”, escrita por Carine Aprile Iervese, onde destacou a relevância estratégica da
preparação de funcionários para a sobrevivência e – naturalmente – crescimento das empresas na economia brasileira181.
A reportagem destaca a opinião de Gustavo Barbosa, coordenador da Unidade de
Educação do SEBRAE, segundo o qual “os especialistas afirmam que estamos vivendo a
era do co-nhecimento”. Afirma, outrossim, que é imprescindível termos acesso constante
à informação para acompanharmos a rapidez das mudanças, sob pena de depreciação do
negócio.
Sobre os reflexos psicológicos da capacitação no quadro de pessoal, salienta ainda aquela
reportagem:
ANTENADO – O diretor presidente do Grupo BB, Plínio Bevervanso, se mostra ante-
181 Disponível em: < http://www.atarde.com.br/economia/noticia.jsf?id=840309>.
190
Revista ESMAC
nado a esta lógica. Além de investir de forma constante na capacitação dos seus colaboradores, Plínio também se preocupa com o bem-estar social e psicológico dos funcionários e
procura deixá-los informados sobre os mais diversos assuntos, desde segurança no trabalho
até questões de saúde.
A empresa, que está sendo instalada em Lauro de Freitas, fabrica brindes de plástico,
como canecas, garrafas e canetas. Plínio começou o negócio com apenas R$ 1 mil, um computador e uma impressora a jato de tinta, produzindo imãs de geladeira, no Sul do País. O
negócio cresceu e hoje ele administra mais de 90 funcionários, mas já liderou mais de 200
empregados, antes de desfazer a sociedade com o antigo sócio.
‘Temos treinamentos internos toda semana e buscamos colocar os colaboradores mais
antigos para ministrarem as aulas para os mais novos. Desta forma, eles se sentem mais
valorizados e estimulados dentro da empresa.
Temos também um manual de integração para quem está chegando conhecer os nossos
valores’, cita Plínio.
Os cursos de graduação são outro alvo do empresário. ‘Há casos em que bancamos 50%
do curso de nível superior. Já é de praxe patrocinarmos a graduação nas áreas de Administração, Economia e Contabilidade’, enumera ele e explica que o funcionário traz o boletim
a cada bimestre para mostrar que está tendo bom rendimento, caso contrário: ‘Deixamos de
patrocinar, pois é preciso ter comprometimento’.
Focado no bem-estar dos seus colaboradores, Plínio reserva uma hora por dia para conversar com eles e ouvir seus problemas pessoais. ‘Nesta hora eu me torno uma espécie de
psicólogo.
Porque não adianta querer que a pessoa produza 300 peças se ela está sem comida
em casa, ou sem saneamento básico, ou se a mulher está apanhando do marido.
Ouvimos cada caso e tentamos resolver. Isso faz com que o empregado tenha mais compromisso com a empresa’, avalia.
Não há como se negar que no mundo competitivo a falta de investimento na formação do trabalhador implicará a subutilização do potencial da mão-de-obra disponível no
mercado.
Em belo artigo publicado no portal “Administradores.com.br”, o psicólogo Rogério Martins pondera que não é suficiente possibilitar ao funcionário o preparo técnico
para o trabalho, porquanto o mundo corporativo carece de pessoas também qualificadas em
relações humanas, gestão de pessoas, negociação, comunicação interna e com os clientes
externos182.
Ou seja, as instituições precisam, além de profissionais tecnicamente preparados,
de agentes dotados de inteligência emocional para enfrentar com êxito os desafios impostos
pela rotina de produção.
No mesmo artigo ele critica o fato de que no Brasil os índices de investimento e
treina-mento em capacitação técnica e comportamental são três vezes inferiores aos dos
países desenvolvidos.
Percebe-se, dessa forma, que o investimento em capacitação neste país é experiência já posta em prática, mas ainda acanhada em relação aos países ricos.
A despeito disso, deve-se reconhecer que a pujante economia brasileira não está
alheia às modernas concepções de gestão de pessoas que grassam no mundo. Falta apenas
democratizar esses valores entre os médios e pequenos empresários. Eis a relevância de
182 MARTINS, Rogério. Capacitar é a solução. Administradores.com.br, 18 de setembro de 2007. Disponível em: <http://
www.administradores.com.br/artigos/capacitacao_e_a_solucao/1515/>. Acesso em: 10 nov. 2008..
191
instituições como o SEBRAE.
Sobre o papel fundamental desempenhado pelo SEBRAE em políticas de capacitação, ponderaram, em brilhante monografia sobre o tema, Luciane Ferreira de Abreu e Rosiane Aparecida Meira Cordeiro183:
No Brasil existem instituições como o SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e o SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, que são considerados
órgãos de ensino voltados para a qualificação de mão-de-obra ou capacitação profissional.
Nesse mesmo contexto está também o Sistema SEBRAE - Serviço Nacional de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas, que apesar de não estar incluído como Instituição de ensino, desempenha um papel de vital importância na capacitação técnica e gerencial de empresários.
Através da capacitação empresarial, o SEBRAE visa reduzir as carências relacionadas
a informação, conhecimentos e habilidades observadas entres os empreendedores. Essas
dificuldades são apresentadas pelas pesquisas como geradoras do insucesso na gestão dos
pequenos negócios e conseqüentemente, com a alta taxa de mortalidade nos primeiros anos
de vida, o que justifica a importância da articulação entre essas instituições que promovem a
capacitação empresarial no país.
Analisando o esforço do setor privado nessa área, conclui-se como é imperioso que
os gestores públicos priorizem o aperfeiçoamento dos servidores como estratégia gerencial
imprescindível para a busca de eficiência na prestação dos serviços estatais.
Na realidade essa tendência já pode ser observada em vários setores da administração pública, que passaram a atribuir à capacitação o merecido destaque nos programas de
trabalho.
Como será expendido adiante, o dever de capacitação dos agentes públicos provém
do artigo 37, cabeça, da Constituição da Federal, que relaciona os princípios constitucionais
que regem a administração pública.
183 ABREU, Luciane Ferreira de; MEIRA CORDEIRO, Rosiane Aparecida. Aprendizagem e auto-estima no processo de
capacitação empresarial. SEBRAE Biblioteca On Line, 2004. Disponível em:
<http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/AA30973A12A7413583257302005BEB6D/$File/Monografia%20psico
pedagogia.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2008.
192
Revista ESMAC
3. CAPACITAÇÃO: EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL
3.1. O tratamento da eficiência na reforma administrativa
A falta de eficiência do serviço público brasileiro durante muitos anos foi problema
endêmico no país, diariamente noticiado nos veículos de comunicação e satirizado em programas humorísticos.
Para a população em geral a condição de servidor público já trazia inerente os estereótipos de profissional preguiçoso, acomodado e desorganizado, principalmente quando
atingiam a estabilidade.
Não era nenhum segredo que os órgãos da administração governamental não se
submetiam aos controles de qualidade e resultados comuns nas empresas privadas. A prestação dos serviços públicos era realizada, com o perdão da linguagem coloquial, no “piloto
automático”, já que não se cobrava com veemência dos servidores a consecução efetiva de
bons resultados.
Como reação a essa triste realidade da administração pública, foi aprovada e publicada no ano de 1998 a Emenda Constitucional n. 19, a qual instituiu a chamada “reforma
administrativa”.
Entre as várias alterações promovidas na Constituição da República pela referida
emenda, destacou-se a alteração da cabeça do artigo 37, que passou a viger com a seguinte
redação:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
Foi acrescentado, portanto, o princípio da eficiência aos princípios constitucionais
da administração pública previstos expressamente naquele dispositivo constitucional.
No magistério de Cunha Júnior, a inovação constitucional impõe que a atividade
administrativa deve ser desempenhada de forma rápida, para atingir seus propósitos com
celeridade e dinâmica, de modo a afastar qualquer idéia de burocracia184 .
Professa ainda o mesmo autor185 :
“O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor
desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e pode ser também considerado em relação ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração
Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados no desempenho
da função ou atividade administrativa.”
O fato é que tal alteração do texto constitucional foi emblemática para a mudança dos
184 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Editora Juspodivm, 2008, p. 45.
185 Op. cit., p. 45-46.
193
paradigmas da administração pública brasileira. Passou-se a exigir do Estado um modelo
de administração gerencial que priorizasse a satisfação dos administrados com o serviço
prestado.
Sobre o tema, em interessante artigo publico no site Jus Navegandi, Maria Carolina
Miranda Jucá teceu as seguintes reflexões acerca dos novos conceitos de gestão introduzidos
pela reforma administrativa186:
A Administração Pública Gerencial constitui, de certa forma, um rompimento com o
sistema burocrático tradicional, sem, no entanto, negá-lo in totum, uma vez que esse novo
modelo tem muitos de seus princípios fundamentais derivados do anterior, tais como a admissão segundo rígidos critérios de mérito, avaliação de desempenho, sistema de carreiras,
profissionalismo e impessoalidade. As semelhanças, porém, não vão muito além disso.
Com efeito, enquanto a administração tradicional, burocrática, é mais voltada para si
mesma, identificando, com freqüência, o interesse público com os interesses do próprio Estado e direcionando os recursos públicos para o atendimento das necessidades da própria
burocracia e do aparato estatal, a administração gerencial relaciona sua atuação ao interesse
da coletividade, sob a ótica do cidadão-cliente, ou cidadão-usuário.
Nesse sentido, na administração gerencial o foco deixa de ser a própria administração
pública para tornar-se a satisfação do cidadão. Cabe ao Estado assegurar, no interesse desse
cidadão-usuário, a maior eficiência e qualidade dos serviços públicos, e não apenas verificar
o cumprimento da legislação em vigor.
Destarte, se no sistema anterior a avaliação dos servidores integrantes da burocracia estatal privilegiava critérios como assiduidade, disciplina e tempo de serviço, em detrimento
do efetivo atendimento das necessidades sociais, no novo sistema esse tipo de conduta é
inaceitável.
Paralela a essa nova visão de interesse público, está a derrocada do sistema de controles
formais e legais, típicos da administração burocrática, e a ascensão dos controles de produtividade, economicidade e eficiência, vale dizer, do controle a posteriori de resultados.
Dessa forma, após a reforma administrativa ficou explícito na Constituição que não
basta para a sociedade cumprimento formal dos requisitos de moralidade e legalidade pela
administração. Os cidadãos esperam mais do Estado, querem suas necessidades atendidas,
em tempo razoável e de forma adequada.
Essa expectativa da coletividade em relação ao Estado é natural e perfeitamente
compreensível, porquanto aquele reservou para si a prestação dos serviços públicos – como
está consignado no artigo 175 da Constituição -, devendo fazê-lo da melhor maneira possível.
A consolidação constitucional do princípio da eficiência tem implicação ampla na
administração pública, impondo, além da revisão dos paradigmas, como acima destacado,
várias ações e programas destinados à modernização das estruturas do Estado.
Para ser eficiente não basta acreditar sê-lo. A eficiência pressupõe investimentos
nos suportes material e humano utilizados na prestação dos serviços, o que inclui o redirecionamento de recursos orçamentários.
Isto significa que o atendimento ao novel princípio constitucional imporá ao Estado a otimização da aplicação das suas receitas, pois terá o ônus de prover suas instituições
186 JUCÁ, Maria Carolina Miranda. Crise e reforma do Estado: as bases estruturantes do novo modelo. Jus Navigandi,
Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3598>. Acesso em: 26 out. 2008.
194
Revista ESMAC
com os recursos de que carecem.
Dos diversos investimentos que se espera do Estado para alcançar a eficiência
pode-se destacar a capacitação dos agentes públicos. De fato, pouco adianta dotar o servidor
de boa estrutura material no trabalho, se ele não dispõe do devido preparo para extrair dela
todo o seu potencial.
É ingenuidade imaginar que o servidor aprovado em concurso público já está preparado para qualquer tarefa ou atribuição simplesmente porque tinha bom conhecimento da
matéria exigida no edital do certame. Infelizmente ainda há gestores públicos que pensam
dessa forma.
Ora, do servidor recém-aprovado no concurso é razoável exigir que tenha o conhecimento mínimo para iniciar o exercício das atribuições do cargo ou emprego. Mas para cobrar dele a excelência na prestação do serviço é preciso capacitá-lo, prepará-lo para enfrentar
os desafios que lhe serão impostos ao longo de sua vida pública.
Seria inútil, por exemplo, a aquisição do melhor computador do mercado, com os
mais avançados softwares, se o operador em frente à tela pouca noção tivesse das inúmeras
possibilidades de aplicação do equipamento no seu labor diário.
Do mesmo modo, o funcionamento de algum órgão público em suntuoso edifício,
onde trabalham muitos servidores improdutivos por deficiência técnica, nada interessa à
coletividade.
Ressalte-se que em instituições nas quais os agentes públicos estão capacitados
– e, portanto, motivados - a escassez de recursos materiais poderá ser superada com o uso da
criatividade e da inteligência.
E aqui se chega ao raciocínio de que a boa administração é feita principalmente
com o investimento no servidor/trabalhador não apenas como técnico, mas, sim, como ser
humano sedento de reconhecimento.
Por esse prisma, é lúcida a afirmação de que o princípio constitucional da eficiência
gera para o Estado o dever de investir nos seus agentes, sem o que ficará comprometida a
meta de obtenção de bons resultados.
3.2 Capacitação e a Magistratura brasileira
A Emenda Constitucional n. 45, publicada no dia 31 de dezembro de 2004, que
ficou conhecida como a “Reforma do Poder Judiciário”, alterou a redação da alínea “c” do
inciso II do artigo 93 da Constituição Federal, bem como a redação do inciso IV do mesmo
dispositivo, impondo verdadeira exigência de aperfeiçoamento/capacitação dos membros do
Poder Judiciário para progressão na carreira.
Prescrevem as referidas normas:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o
Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
(...)
II – promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas;
(...)
c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produ195
tividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos
oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento;
(...)
IV – previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso
oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados;
A demanda da sociedade brasileira por eficiência na prestação dos serviços públicos refletiu-se formalmente também em relação ao Poder Judiciário, o qual, segundo a
inteligência dos dispositivos acima reproduzidos, deve propiciar aos magistrados cursos e
programas oficiais de aperfeiçoamento.
A reforma constitucional inclusive foi bastante incisiva ao dispor que a aferição do
merecimento do magistrado para efeito de promoção e até mesmo o seu vitaliciamento no
cargo dependem da efetiva participação nos referidos cursos.
Isto é fundamental na medida em que não basta mais ao juiz externar postura ética
e profissional escorreitas, além de produtividade, para alcançar sua confirmação na carreira,
pois agora se lhe impõe o esforço de buscar o aperfeiçoamento profissional e demonstrar
eficiência para manter a toga ou nela progredir.
No que concerne à formação dos magistrados, ponderou o juiz trabalhista Vitor
Salino de Moura Eça187:
Somente com a especialização daqueles de irão pensar a educação no âmbito dos tribunais, estes conseguirão idealizar cursos hábeis ao seu público específico, com propostas
adequadas à formação intelectual.
Conhecimento técnico e aptidão para o estudo os juízes já demonstraram ter desde o
ingresso na carreira. Assim, estes precisam ser complementados permanentemente, para que
se ampliem e multipliquem.
Essa expansão dos conhecimentos, benéfica para toda a sociedade, pelo que se pode
facilmente constatar, não, deve, entretanto, estar jungida a disciplinas apenas jurídicas. A
formação humanística de magistrados é fundamental para os contextualizar no multifacetado
mundo em que vivem. E mais, julgando matérias e pessoas tão diferentes, precisam realmente conhecer um pouco de seus hábitos e costumes, enfim sua cultura.
A conclusão do magistrado mineiro desnuda grave problema que permeia a magistratura brasileira, mormente quanto aos juízes mais jovens. Com efeito, é de se esperar que
todo magistrado possua conhecimento técnico-jurídico bastante para apreciar as demandas
que lhe são apresentadas. A despeito disso, não se pode afirmar que todo juiz tenha suficiente
percepção das peculiaridades humanas com as quais terá de lidar na sua rotina de trabalho.
É em função disso que os cursos de formação e aperfeiçoamento de magistrados
devem incluir no conteúdo programático matérias relacionadas à psicologia, filosofia, sociologia e outras que explorem o estudo do comportamento humano.
Tomando como paradigma o novo conceito de capacitação, analisado alhures, é
razoável refletir que o bom juiz não é somente aquele que habilmente consegue submeter o
fato à norma para decidir o conflito. Isto qualquer técnico do Direito razoavelmente prepara187 EÇA, Vitor Salino de Moura. A reforma do Judiciário e a formação dos magistrados. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n.
629, 29 mar. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6511>. Acesso em 15.11.2008.
196
Revista ESMAC
do tem condições de fazer. O bom magistrado é aquele que consegue divisar na contenda
algo mais do que um desafio de índole jurídica; sua percepção consegue captar as dimensões
sociais e psíquicas subjacentes ao litígio.
Atrás de todo processo há uma história, construída a partir de fragmentos da vida
de cada litigante, sejam eles emocionais, culturais ou sociais. O magistrado que consegue
identificar esses fragmentos e, com o estudo deles, chegar à decisão do conflito, poderá ser
considerado verdadeiramente preparado para julgar.
Essa preparação não se atinge tão-somente com o estudo de matérias jurídicas.
Nesse sentido averbou a magistrada Graça Maria Borges de Freitas, membro do
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região188:
A formação do juiz, portanto, pressupõe a necessidade de dialogar com outros códigos, valores, saberes e conhecimentos subjacentes às demandas complexas que lhe
são submetidas, o que lhe exige uma formação interdisciplinar, mas que, todavia, não
deve ser entendida como enciclopédica, e sim como uma formação dialógica que lhe
permita ter acesso à comunicação com outros conhecimentos e sujeitos, aliada a uma
sólida formação jurídica que possibilite superar as limitações do positivismo jurídico e
desenvolver uma nova racionalidade na aplicação do Direito e justificação das decisões
no paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito.
Muito útil para o exercício da magistratura seria, por exemplo, o estudo da
linguagem corporal. Deveras, a maioria dos processos judiciais exige a produção de
prova oral em audiência, com base na qual o juiz predominantemente fundamenta a
sua decisão. Dessa forma, com treinamento específico em linguagem corporal terá
o magistrado melhores condições de avaliar a verossimilhança das declarações que
lhes são prestadas.
Da mesma forma, o magistrado ciente das mensagens emitidas pela linguagem corporal conseguirá criar maior empatia com as partes quando presidir uma
audiência de conciliação.
A leitura dos sinais não-verbais transmitidos pelas partes pode ser a chave
para a solução de uma contenda. Aliás, estudos demonstram que 93% (noventa e três
por cento) da comunicação humana é feita através de sinais não-verbais (PEASE,
2005, p. 17).
Podem ser citados como sinais não-verbais transmitidos pelas partes os
seguintes:
SINAL
SIGNIFICADO
Braços cruzados
Posição defensiva
Avançar o corpo sobre a mesa
Certo Interesse sobre a proposta
Pernas cruzadas
Atividade defensiva, reprimida ou hostil
Nariz empinado
Desaprovação
188 BORGES DE FREITAS, Graça Maria. A reforma do Judiciário, o discurso econômico e os desafios da formação do
magistrado hoje. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 42, n. 72, p. 42. Disponível em:
< http://www.mg.trt.gov.br/escola/download/revista/rev_72/Graca_Freitas.pdf>. Acesso em 15.11.2008..
197
Deviar o olhar, cruzar as mãos
Sinal de mentira
Mostrar as palmas das mãos
Sinal de sinceridade
Há vários outros sinais que, se corretamente interpretados no contexto, podem subsidiar o juiz na formação do seu convencimento.
3.2.1 O juiz administrador
A reforma em estudo, ao exigir o aperfeiçoamento dos magistrados, foi correta e
oportuna, principalmente se considerarmos que o Poder Judiciário por longos anos foi associado à imagem de serviço moroso, anacrônico e, quanto à mentalidade de seus membros,
conservador.
Ressalte-se que a participação de magistrados em cursos regulares de aperfeiçoamento (leia-se, de capacitação) pode conferir-lhes ainda nova visão gerencial para a
administração das suas unidades judiciárias. Com isto, o juiz terá condições de otimizar os
recursos materiais da sua vara e de harmonizar o relacionamento dos seus servidores, entre
si, e com os jurisdicionados.
É inegável que o juiz também tem atribuições administrativas que, quando bem
realizadas, resultam em eficiência na prestação dos serviços jurisdicionais. Daí a importância de cursos ministrados aos juízes sobre as modernas técnicas de gestão.
A realização de MBA em Poder Judiciário, no ponto, é vital.
Outro efeito importante esperado do aperfeiçoamento dos juízes é que estes desenvolvam a consciência da imprescindibilidade de capacitação regular para os seus auxiliares.
Não se discute que o magistrado é a peça fundamental para o bom andamento dos trabalhos de uma unidade judiciária, mas ele sozinho, por mais competente que seja, não terá
condições de tornar uma vara eficiente sem que sua equipe igualmente esteja bem preparada
para dar vazão à demanda.
3.3 O papel do Conselho Nacional de Justiça na política de capacitação
Importante avanço na melhoria da gestão judiciária foi a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ pela Emenda Constitucional n. 45/2004, que acrescentou o inciso
I-A ao artigo 92 da Carta Magna.
As atribuições desse Conselho estão previstas no § 4º do artigo 103-B da Constituição - também acrescentado por aquela emenda -, que prescreve:
Art. 103-B. (...)
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do
Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe,
além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da
198
Revista ESMAC
Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou
recomendar providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação,
a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providên-
cias necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de
Contas da União;
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário,
inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da
competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares
em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou
proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública
ou de abuso de autoridade;
V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;
VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas,
por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a
situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional,
por ocasião da abertura da sessão legislativa.
Entre as principais competências desse novo órgão do Poder Judiciário, destaca-se
a de “definir o planejamento estratégico, os planos de metas e os programas de avaliação
institucional do Poder Judiciário”189.
A instauração do Conselho Nacional de Justiça pode ser reputada como marco da
administração judiciária, porquanto essa instituição, no desempenho de suas funções constitucionais, tem por finalidade precípua garantir a eficiência dos serviços prestados pelos
órgãos jurisdicionais.
Isso necessariamente implica a necessidade de aperfeiçoamento da magistratura
nacional, a fim de que possa corresponder às expectativas da sociedade quanto à atuação dos
órgãos do Poder Judiciário, tuteladas pelo Conselho Nacional da Justiça.
Para assegurar o investimento dos tribunais na capacitação de juízes e servidores, o
CNJ expede atos administrativos específicos para tanto, podendo ser citada a Recomendação
nº 8, de 27 de fevereiro de 2007, a qual, ao tratar da conciliação, dispõe190:
RECOMENDAÇÃO Nº 8, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2007
Recomenda aos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais
do Trabalho a realização de estudos e de ações tendentes a dar continuidade ao Movimento
pela Conciliação.
A Presidente do Conselho Nacional de Justiça, no uso de suas atribuições,
189 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. História. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&
task=view&id=4303&Itemid=319>. Acesso em: 10.11.2008.
190 Conselho Nacional de Justiça. Atos do Conselho. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_conten
t&task=view&id=2732&Itemid=163>. Acesso em: 10.11.2008.
199
Considerando a função de planejamento estratégico do Poder Judiciário atribuída ao
Conselho Nacional de Justiça pela Constituição Federal;
Considerando os resultados positivos alcançados pelo Movimento pela Conciliação, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça em agosto de 2006, culminando com o Dia
Nacional da Conciliação, ocorrido no dia 8 de dezembro do mesmo ano; Considerando a
necessidade de dar continuidade e autonomia ao Movimento pela Conciliação no âmbito de
cada Tribunal,
Considerando o que foi deliberado pelo Conselho Nacional de Justiça na Sessão
Plenária de 27 de fevereiro de 2007;
RESOLVE:
RECOMENDAR aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, aos
Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais Regionais do Trabalho que promovam o planejamento e a execução de ações tendentes a dar continuidade ao Movimento pela Conciliação,
tais como:
a) a constituição de comissão permanente encarregada dessas atividades;
b) o planejamento anual, no âmbito do Tribunal, do Movimento pela Conciliação, em
que se podem inserir a fixação de um dia da semana com pauta exclusiva de conciliações, a
preparação de semanas de conciliação e do Dia Nacional da Conciliação de 2007, a definição
de metas, a realização de pesquisas, dentre outras atividades;
c) a oferta de cursos de capacitação de conciliadores, magistrados e servidores;
d) a divulgação, interna e externa, do Movimento pela Conciliação, inclusive da estatística específica de conciliações.
Os Tribunais deverão encaminhar, para fins de divulgação pelo Conselho Nacional
de Justiça, o planejamento anual do Movimento pela Conciliação até o dia 30 de abril de
2007.
Para fins de divulgação da estatística dos Tribunais no site do CNJ, os Tribunais acima
referidos deverão encaminhar ao Conselho Nacional de Justiça, até o dia 10 do mês seguinte,
dados mensais sobre conciliações.
Publique-se e encaminhe-se cópia desta Recomendação a todos os Tribunais mencionados.
(Grifo nosso)
Outro importante ato do CNJ concernente à exigência de capacitação para os magistrados é a Resolução nº 60, de 19 de setembro de 2008, que instituiu o Código de Ética da
Magistratura Nacional. Sobre a necessidade de aperfeiçoamento do magistrado, prescreve
esse estatuto191:
CAPÍTULO X
Conhecimento e capacitação
Art. 29. A exigência de conhecimento e de capacitação permanente dos magistrados tem
como fundamento o direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à obtenção de um
serviço de qualidade na administração de Justiça.
Art. 30. O magistrado bem formado é o que conhece o Direito vigente e desenvolveu as
capacidades técnicas e as atitudes éticas adequadas para aplicá-lo corretamente.
Art. 31. A obrigação de formação contínua dos magistrados estende-se tanto às matérias
especificamente jurídicas quanto no que se refere aos conhecimentos e técnicas que possam
favorecer o melhor cumprimento das funções judiciais.
Art. 32. O conhecimento e a capacitação dos magistrados adquirem uma intensidade
191 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Atos do Conselho – Código de Ética da Magistratura Nacional. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4984&Itemid=160>. Acesso em: 10.11.2008.
200
Revista ESMAC
especial no que se relaciona com as matérias, as técnicas e as atitudes que levem à máxima
proteção dos direitos humanos e ao desenvolvimento dos valores constitucionais.
Art. 33. O magistrado deve facilitar e promover, na medida do possível, a formação dos
outros membros do órgão judicial.
Art. 34. O magistrado deve manter uma atitude de colaboração ativa em todas as atividades que conduzem à formação judicial.
Art.35. O magistrado deve esforçar-se para contribuir com os seus conhecimentos teóricos e práticos ao melhor desenvolvimento do Direito e à administração da Justiça.
Art. 36. É dever do magistrado atuar no sentido de que a instituição de que faz parte
ofereça os meios para que sua formação seja permanente.
Com a edição desses e de outros atos administrativos, em conjunto com uma
política de fiscalização e incentivo, o CNJ cumpre uma de suas mais importantes missões
constitucionais, que é fomentar a capacitação e, por conseguinte, assegurar o rendimento dos
serviços prestados.
3.4 O panorama atual do aperfeiçoamento dos magistrados do Poder Judiciário do Estado
do Acre
Os magistrados do Poder Judiciário do Estado do Acre há dois anos freqüentam o
curso de MBA em Poder Judiciário, ministrado pela Fundação Getúlio Vargas.
O oferecimento do MBA representa louvável conquista da administração do Tribunal de Justiça, o qual com essa iniciativa torna gratificante a atuação jurisdicional dos magistrados, na medida em que dissemina o sentimento de valorização desses profissionais.
Sem desconsiderar que o curso em questão é um avanço do nosso Poder Judiciário,
merece críticas o acanhamento do Tribunal de Justiça em propiciar aos magistrados acreanos
a participação em seminários e eventos realizados fora do Estado, como forma de assegurar
aos juízes constante atualização nos temas palpitantes de interesse da classe.
É cediço que anualmente são incontáveis os eventos jurídicos realizados no Brasil,
onde são discutidos assuntos caros aos profissionais do Direito. Além de temas estritamente
técnicos, são debatidas questões relacionadas a assuntos diversos das relações humanas,
como filosofia, psicologia e sociologia.
A par disso, é imprescindível que os juízes tenham a oportunidade de prestigiar tais
eventos para crescer intelectualmente e moralmente, fortalecendo, outrossim, a integração
com os membros da magistratura dos demais Estados.
Sucede que no Poder Judiciário do Acre, como afirmado, é pequena a participação
de magistrados nesses seminários, o que ocorre por falta de apoio financeiro do Tribunal de
Justiça, que se mostra resistente ao pagamento de passagens aéreas e diárias para os juízes.
É preciso que a administração da Corte tenha consciência de que os recursos empregados para viabilizar a inscrição e presença de juízes em eventos jurídicos representam
verdadeiros investimentos na melhoria da prestação jurisdicional.
Isto porque os conhecimentos adquiridos pelo magistrado podem ser compartilhados com os colegas em multiplicações promovidas pelo Tribunal de Justiça. Assim, por
exemplo, se o juiz titular do 1º Juizado Especial Cível for enviado pela Corte para participar
201
do FONAJE – Fórum Nacional dos Juizados Especiais, poderá, ao retornar, transmitir aos
colegas atuantes em outros juizados as lições assimiladas no evento.
Em breve consulta ao site do Poder Judiciário do Estado do Acre, verifica-se que a última
multiplicação realizada por magistrado que participou de evento fora do Estado ocorreu no
dia 29 de agosto de 2008. Assim noticiou o site192:
ESMAC realiza mais uma atividade de multiplicação
Com o tema ‘VII Jornadas Brasileiras de Processo Civil’, a Escola Superior da
Magistratura do Acre (ESMAC) realizou no dia 29/08, mais uma Atividade de Multiplicação.
O evento aconteceu no Plenário do Palácio da Justiça, em Rio Branco, e contou
com a presença da Direção do TJAC, magistrados, assessores, oficiais de gabinete e convidados.
O Juiz Leandro Leri Gross, que entre os dias 26 e 30 de maio deste ano representou o
TJAC na ‘VII Jornadas Brasileiras de Direito Processual – Civil e Processual’, na cidade
de Florianópolis (SC), fez suas considerações sobre o encontro e discutiu questões atuais
acerca do tema.
Destaque para o debate sobre arbitragem, aplicação do artigo 475-J do Código de Processo Civil, condições da ação e sua análise sob a ótica da efetividade da prestação jurisdicional, reforma do processo cautelar, recurso especial e o congestionamento do Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
‘A multiplicação promovida pela Escola e aberta à comunidade jurídica do Acre é importante porque leva o conhecimento a todos, tendo em vista que são os temas mais discutidos
do nosso dia-a-dia’, declarou o facilitador, que é juiz titular da Comarca de Brasiléia.
Falece no Poder Judiciário do Acre periodicidade no encaminhamento de magistrados para participação em eventos. Quando isto é feito, ocorre de forma esporádica e sem
critérios objetivos de escolha dos participantes.
O ideal seria que o Tribunal de Justiça organizasse escala de escolha de magistrados para representar a instituição nos seminários, garantindo a cada juiz pelo menos a participação em um evento jurídico por ano, o que é atualmente feito no âmbito do Ministério
Público do Acre.
O Poder Judiciário do Acre é também carente no que concerne à realização de
eventos jurídicos no Estado, pois pouco promove palestras, debates ou cursos voltados aos
magistrados e à comunidade jurídica.
O Poder Judiciário deve ocupar esse espaço, consolidando seu nome como referência na área de eventos jurídicos, proporcionando incentivo à discussão de idéias e à produção
acadêmica.
Ademais, o magistrado precisa ser estimulado pela sua instituição a escrever, produzir textos de alcance jurídico e social que não se limitem às decisões proferidas nos processos judiciais. Isto estimularia a criatividade do juiz, ampliaria a sua percepção da realidade que o cerca e criaria um ambiente favorável à divulgação de boas práticas de gestão.
192 Poder Judiciário do Estado do Acre. Agência TJAC, 02 de setembro de 2008. Disponível em: <http://www.tjac.jus.br/noticias/noticia.jsp?texto=6508>. Acesso em: 10.11.2008. .
202
Revista ESMAC
4. EXPERIÊNCIAS DE CAPACITAÇÃO NO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO
ACRE
4.1 Capacitação dos servidores
O Poder Judiciário do Estado do Acre conta atualmente com a estrutura de Centro
de Capacitação (CECAP) destinado à formação e aperfeiçoamento dos servidores da instituição.
O CECAP, apesar de enfrentar alguns problemas estruturais e financeiros, vem
ao longo dos anos intensificando suas ações na área de aperfeiçoamento dos servidores do
Judiciário, inclusive promovendo eventos de confraternização e comemoração de datas de
grande simbolismo para a sociedade.
Na esfera de competência do CECAP estão as seguintes atividades:
a) Programação e Coordenação dos Cursos oferecidos mensalmente para os servidores do
Poder Judiciário – Capital e Interior;
b) Treinamentos específicos para as serventias, oficiais de justiça, motoristas de desembargadores;
c) Coordenação e organização das datas comemorativas: Dia Internacional da Mulher
– Dias das Mães, Dias dos Pais e Dia do Servidor Público;
d) Inscrição, seleção, lotação e remanejamento e rescisão de estagiários;
e) Inscrição, seleção, treinamento, lotação e remanejamento de voluntários da lei federal;
f) Seleção, treinamento, lotação e remanejamento dos voluntários do convênio com a
SEJA;
g) Participação em todas as etapas para realização de processo seletivo para contratação
de conciliadores e juízes leigos;
h) Participação de todas as etapas de um processo para realização de concurso provisório;
i) Atuação em todas as etapas para realização de processo, como divulgação, inscrição,
seleção, treinamento dos agentes comunitários da Justiça Comunitária Itinerante, em seus
diversos convênios;
j) Responsável pelo processo seletivo para contratação temporária de profissionais para
atuarem na Central de Penas alternativas – CEPAL, tanto na capital como no interior;
k) Participação em todo o processo de Concurso Público para ingresso no Poder Judiciário;
l) Participação em todas as etapas para realização do 76º Encontro do Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil, neste Estado, no período de 16 a 18
de outubro de 2008.
203
Essa variedade de atribuições denota que o CECAP é fundamental para a administração do Poder Judiciário, atuando praticamente em todas as áreas que envolvem a contratação e gestão de pessoal.
No ano de 2008 o CECAP promoveu bom número de cursos para os servidores, estimulando o estudo em diversas áreas. Com efeito, foram ministrados os seguintes cursos193:
CURSOS/OFICINA/
SEMINARIO/PALESTRA
Português Instrumental e
Redação Oficial
PÚBLICO/CLIENTELA
PERÍODO
Servidore em geral
14 a 25 de janeiro
Trinamento do Sistema
PROJUDI - Processo Judicial
Digital
Servidores da Coordenadoria
de Informática
27 a 28 de fevereiro
Cálculos, Alterações e
Revisões de de Proventos de
Aposentadoria e Pensão do
Servidor Público e dos
Beneficiários
Servidores da Direitoria do
Recursos Humanos; Direitoria
Administrativa; Diretoria de
Finança; Diretoria de Planejemanto e Orçamento e Conselho
da Magistratura
24 a 30 de abril
Práticas Cartorárias Cíveis
(Comarcas de Cruzeiro do
Sul, Mâncio Lima, Marechal
Taumaturgo e Porto Walter)
Gestão e Liderança
(Comarca de Senador
Guiomard)
Relacionamento Pessoal
X Interpessoal no Setor de
Trabalho
5S da Qualidade
(Rio Branco)
Português Instrumental e
Redação Oficial
(Comarca de Sena Madureira)
Legislação Aplicada ao
Juizado Especial Criminal,
com ênfase ao Juizado Especial
Cível
(Rio Branco)
Servidores em geral
05 a 09 de maio
Servidores em geral
05 a 09 de maio
Servidores em geral
05 a 09 de maio
Servidores dos diversos
setores do TJ
05 a 09 de maio
Servidores das Comarcas
de Sena Madureira, Manuel
Urbano e Santa Rosa.
Servidores das Varas e
Juizados Criminais
193 Conforme informações prestadas pelo CECAP através de e-mail.
204
05 a 16 de maio
29 e 30 de maio a 04 de
junho
Revista ESMAC
Violência Domestica contra
Criança e Adolescente
(Comarcas de Brasiléia,
Epitaciolância e Assis
Brasil)
Servidores em geral
20 a 24 de junho
Violência Domestica contra
Criança e Adolescente
(Comarca de Xapuri)
Servidores em geral
25 a 27 de junho
Programa de Capacitação
dos Agentes Comunitários
(Convenio TJ/Prefeitura de
Rio Branco)
Treinamento do SAJ 5
Relacionamento Pessoal
X Interpessoal no Setor de
Trabalho
Núcleos:
- Adalberto Aragão
- Mocinha Magalhães
- Santa Inês
- Sobral
- Calafate
Módulo Distribuidor;
Módulo CEMAN;
Módulo Oficial de Justiça;
02 turmas de cada módulo
(4h)
Módulo CARTÓRIO
22 turmas de 12h
Módulo ESCRIVÃO
02 turmas de 12h
Servidores das Comarcas
de Brasiléia e Epitaciolândia
16 de junho a 04 de julho
de 2008
16 de junho a 11 de julho
26 a 28 de novembro
(a ser realizado)
Pela análise da tabela observa-se que as atividades do CECAP contemplaram a
capital e o interior. De acordo com informações prestadas por telefone, o CECAP não realizou mais cursos em virtude de obras de reforma iniciadas no prédio onde funciona o órgão.
Com relação aos cursos ministrados, pode-se perceber que preponderou nas matérias expendidas aos servidores o conteúdo eminentemente técnico, com pouco espaço para
temas alternativos que incentivassem o crescimento pessoal. A única exceção foi o curso
“Relacionamento Pessoal x Interpessoal no Setor de Trabalho”, de abordagem mais humanista.
Não se divisa no quadro acima, por exemplo, uma única matéria destinada exclusivamente ao estímulo da motivação e auto-estima dos servidores.
Nesse ponto, voltando a questão já discutida no início deste estudo, defendemos
que a administração, ao promover a capacitação dos seus agentes, deve aumentar os investimentos em cursos que colimem o equilíbrio emocional e o bem-estar dos servidores, como
forma de estimulá-los a desenvolver todo o potencial que possuem para o trabalho.
O melhor rendimento funcional, nessa perspectiva, derivaria da harmonização da
constante atualização técnica dos servidores com o fortalecimento das suas estruturas emocionais.
205
Conclui-se, portanto, que na reformulação do programa de cursos do CECAP para
o ano de 2009 deve-se prestigiar a realização de aulas que, além do suporte técnico necessário, forneçam aos servidores ferramentas para o engrandecimento pessoal.
De qualquer forma, o esforço do CECAP em levar aos servidores esses cursos deve
ser elogiado, tendo em vista que o orçamento do Poder Judiciário para o exercício de 2008
não permitiu grandes investimentos na área de capacitação.
Aliás, é necessário que o Poder Judiciário reveja sua proposta orçamentária para
destinar mais recursos financeiros aos projetos de aperfeiçoamento dos servidores. A capacitação regular dos agentes públicos tem importância estratégica para a prestação eficiente dos
serviços, razão pela qual é inadmissível que seja relegada a segundo plano nos investimentos
da administração.
Os gestores precisam lembrar que do investimento em capacitação resulta a racionalização dos gastos públicos, gerando economia para o Estado. Deveras, o servidor melhor
preparado estará prevenido contra o desperdício; por conseguinte, terá condições de produzir mais com menos dispêndio de recursos.
Desse raciocínio, a contrário senso, infere-se que o despreparo do agente administrativo é diretamente proporcional ao uso desmedido e irracional dos recursos postos a sua
disposição.
4.2 Capacitação dos servidores do Poder Judiciário do Estado do Acre no ano de 2009:
mudança de perspectiva
No início do ano de 2009 ocorreu a mudança dos gestores do Poder Judiciário do
Estado do Acre, com a renovação dos cargos de Presidente do Tribunal de Justiça, de VicePresidente e de Corregedor Geral da Justiça.
A nova administração apresentou, entre outras propostas, a idéia de incrementar as
atividades de capacitação dos servidores do Poder Judiciário, com um foco mais humanista
no programa de cursos e aulas elaborado para este ano.
Na solenidade de posse da nova administração, ocorrida em 02 de fevereiro deste
ano, o Presidente do Tribunal de Justiça recém-empossado, Desembargador Pedro Ranzi,
enfatizou no seu discurso:
O recurso humano receberá especial atenção, já que todo o nosso desempenho, todas as
nossas ações são dependentes da qualificação, do preparo e dedicação dos Magistrados e
Servidores.
Do seu eficiente e criterioso trabalho profissional resulta a própria eficácia das decisões
judiciais, a satisfação do jurisdicionado – aquele que nos procura, para resolução das suas
lides. Especialmente por isso, empregaremos todo o esforço possível para a continuação da
modernização dos métodos de trabalho e melhoria das condições físicas e materiais, objetivando o crescimento pessoal e profissional dentro da instituição a que servem com inegável
e indispensável competência, reconhecendo serem eles peças fundamentais para o sucesso
do nosso trabalho.
Importante é fazê-los partícipes desta administração e do processo judicial e administrativo como um todo, pois, cientes, da necessidade de profissionais competentes, servidores
206
Revista ESMAC
compromissados, que tenham interesse em bem servir o jurisdicionado, é que será implementada a gestão de pessoas, que envolve a capacitação, motivação, incentivo à formação
e alocação adequada às qualificações e às suas aptidões, buscando sempre, a excelência do
trabalho prestado.
Investiremos na qualificação em todos os níveis, pois motivar os servidores, fazê-los
conhecedores de sua importância e missão, cientes de que, trabalhando no Poder Judiciário,
onde deságuam os mais variados conflitos e dramas do dia-a-dia, é nosso compromisso.
A referência feita pelo Presidente no seu discurso ao aperfeiçoamento dos servidores denota, em princípio, inequívoca intenção de introduzir no Poder Judiciário do Estado
do Acre nova concepção do conceito de capacitação, na qual se prestigia o tratamento humanista das relações de trabalho.
O discurso salientou que o crescimento pessoal do servidor é tão importante quanto
seu crescimento profissional na instituição, sendo um o complemento necessário do outro.
Ratificou-se também naquela oportunidade que o êxito da prestação jurisdicional depende do reconhecimento da dedicação e esforços dos serventuários, chamados pelo
Presidente de “peças fundamentais” do processo laboral.
Isto conduz à reflexão de que a motivação do servidor para o trabalho encontra
fundamento ao mesmo tempo num sentimento de individualidade e de unidade. Individualidade porque o agente deseja ser valorizado pela tarefa que executa na organização, ou seja,
ele precisa ser notado em meio ao conjunto de servidores. Já o sentimento de unidade deriva
da consciência de que seu trabalho é vital para o sucesso da equipe, é a soma imprescindível
aos objetivos da instituição.
Encontramos aqui, então, uma visão mais holística dos vínculos existentes entre a
administração, como ente impessoal, e os seus agentes, que representam o aspecto subjetivo
das instituições.
Ao tecer essas declarações no momento da sua posse, o Presidente do Tribunal de
Justiça transmitiu a mensagem de que os novos gestores estão propensos a trilhar o caminho
certo para quebrar os paradigmas tradicionais então vigentes na administração judiciária,
conferindo-se o devido apreço, antes de qualquer coisa, ao “material humano”.
Essa mudança de perspectiva já pode ser observada no programa de capacitação
de servidores deste ano, elaborado pelo CECAP, que, ao contrário do programa do ano anterior, inseriu cursos voltados especificamente à motivação do agente, ética e harmonia das
relações humanas no trabalho, entre outros temas correlatos.
Estão previstas para o primeiro semestre deste ano as seguintes aulas e palestras194:
194 Conforme informações prestadas pelo CECAP através de e-mail.
207
PROGRAMA DE AÇÕES DE SENSIBILIZAÇÃO E CAPACITAÇÃO ANO 2009
AÇÃO
Palestra:
Motivação e
Trabalho
Palestrante:
Lauro Santos
Palestra: Ética
nas
Organizações
PERÍODO
09/02/2009 a
20/02/2009
02/03/2009 a
04/03/2009
HORÁRIO
PÚBLICO-ALVO
15h às 17h
- Vara da Violência Doméstica, 1ª e 2ª
Serventia de Registro Civil, 1ª e 2ª Serventia de Registro de Imóveis, 1º e 2º Tabelionato de Notas, Serventia de Registro
de Protestos e Títulos Cambiais, Serventia
de Registro de Títulos e Documentos e
Serventia de Distribuição = 72
- ANEXO DO TJ = 105
- Juizado da Infância e da Juventude,
Conselho da Magistratura, Diretoria
Judiciária, Administração do Prédio do TJ
e Assessoria Militar = 108
- Gab. Presidência, Assessoria de
Comunicação, Gab. Vice-Presidência,
ESMAC, Gab. da Corregedoria, Diretoria
Geral, Diretoria de Finanças, Diretoria de
Tecnologia da Informação, Diretoria de
Planejamento = 108
- Auditoria de Controle Interno, Diretoria
de Recursos Humanos e Diretoria Administrativa = 110
15h às 17h
208
- 1ª a 4ª Vara Cível, 1ª e 2ª Varas de Fazenda
Pública, 1ª a 3ª Vara de Família e 3ª Serventia de Registro Civil = 113
- Vara de Órfãos e Sucessões, Delitos de
Tóxicos e Acidentes de Trânsito, Adm.
Fórum, Vara de Registros Públicos, Vara
do Tribunal do Júri, Cartório do Avaliador/Contador, Auditoria Militar, Central de
Mandados do Fórum = 116
- 1º e 2º Juizado Especial Criminal, Setor de
Reclamação da Coordenação dos Juizados
Especiais, Secretaria da Coordenação dos
Juizados Especiais, Setor de Distribuição
dos Juizados Especiais, 1º, 2º e 3º Juizado
Especial Cível, Turmas Recursais, Juizado
de Trânsito e Justiça Itinerante = 131
- Vara da Violência Doméstica, 1ª e 2ª Serventia de Registro Civil, 1ª e 2ª Serventia de
Registro de Imóveis, 1º e 2º Tabelionato de
Notas, Serventia de Registro de Protestos e
Títulos Cambiais, Serventia de Registro de
Títulos e Documentos, e Serventia de Distribuição = 72
Revista ESMAC
AÇÃO
Palestra: Ética nas
Organizações
Palestra: Perfil do
Profissional no
Mundo Moderno
PERÍODO
09/03/2009 a
13/03/2009
HORÁRIO
PÚBLICO-ALVO
15h às 17h
ANEXO DO TJ = 105
- Juizado da Infância e da Juventude, Conselho da Magistratura, Diretoria Judiciária,
Administração do Prédio do TJ e Assessoria Militar = 108
- Gab. Presidência, Assessoria de Comunicação, Biblioteca, Gabinete Vice-Presidência, ESMAC, Gabinete da Corregedoria,
Diretoria Geral, Diretoria de Finanças,
Diretoria de Tecnologia da Informação,
Diretoria de Planejamento = 108
- Auditoria de Controle Interno, Diretoria
de Recursos Humanos e Diretoria Administrativa = 110
- 1ª a 4ª Vara Cível, 1ª e 2ª Varas de Fazenda Pública e 1ª a 3ª Vara de Família
= 101
- 1ª a 4ª Vara Criminal, Vara de Execuções
Penais, Adm. Fórum Criminal, 4ª e 5ª Serventia de Registro Civil e CEPAL = 94
- Vara de Órfãos e Sucessões, Delitos de
Tóxicos e Acidentes de Trânsito, Adm.
Fórum, Vara de Registros Públicos, Vara
do Tribunal do Júri, Cartório do Avaliador/Contador, Auditoria Militar, Central
de Mandados do Fórum = 116
- 1º a 2º Juizado Especial Criminal = 26
- Setor de Reclamação da Coordenação
dos Juizados Especiais, Secretaria da Coordenação dos Juizados Especiais, Setor
de Distribuição dos Juizados Especiais,
1º a 3º
Juizado Especial Cível, Turmas Recursais,
Juizado de Trânsito, Justiça Itinerante e 3ª
Serventia de Registro Civil = 116
- Vara da Violência Doméstica, 1ª e 2ª Serventia de Registro Civil, 1ª e 2ª Serventia
de Registro de Imóveis, 1º e 2º Tabelionato de Notas, Serventia de Registro de
Protestos e Títulos Cambiais, Serventia
de Registro de Títulos e Documentos e
Serventia de Distribuição = 72
16/03/09
a
27/03/09
209
CURSOS DE CAPACITAÇÃO PARA OS SERVIDORES - 2009
AÇÃO
PERÍODO
HORÁRIO
PÚBLICO-ALVO
Curso: Liderar
Liderando Mudanças;
Papel do líder na transformação da
sociedade instituição;
Estratégia de Vida;
Atitudes e comportamentos do líder;
Construindo equipes.
A definir
14h às 18h
Chefes dos setores de áreas elencados acima e de cada Unidade Judiciária
Curso: Gestão da Qualidade: Visão
Estratégica
Valores, missão e visão de futuro;
Objetivos estratégicos e fatores críticos de sucesso;
Análise de ambiente e ações estratégicas;
Garantia da gestão estratégica;
Mediçãododesempenhodaempresa/
instituição
A definir
14h às 18h
Chefes dos setores de áreas elencados acima e de cada Unidade Judiciária.
A definir
15h às 18h
Todos.
Curso: Técnicas para Negociações
Introdução a Negociação;
Concessões e poder na negociação;
Estilos na negociação;
Entraves à negociação e estratégias;
Comunicação e ética na negociação
210
Revista ESMAC
AÇÃO
PERÍODO
HORÁRIO
Curso: Atendimento ao Cliente
Bem tratado ou bem atendido?
Momentos da verdade na
empresa;
Habilidades essenciais do profissional de atendimento;
Os sete pecados do atendimento;
A fórmula da satisfação do
cliente;
Agregar valor gera encantamento do cliente e pode gerar
diferencial competitivo;
Como lidar adequadamente com
queixas, reclamações e clientes
agressivos;
Escada da lealdade;
CRM (Customer Relationship
Manegement);
Tratamento de reclamações;
Medindo a satisfação do cliente.
A definir
15h às 18h
Todos.
Curso: Desenvolvimento de Equipes
– Relações Humanas no Trabalho
Relações Interpessoais;
Processo de Comunicação;
Ética e motivação;
Formação e desenvolvimento de
equipes;
Inteligência emocional.
A definir
15h às 18h
Todos.
A definir
15h às 18h
Todos.
Curso/Consultoria: D-Olho na
Qualidade – 5S
Preparando o ambiente;
Praticando o descarte e a organização;
Praticando a limpeza e a
higiene;
Praticando a ordem mantida.
211
PÚBLICO-ALVO
Conforme o cronograma de atividades do CECAP, esses cursos serão realizados
até o mês de julho deste ano.
Repise-se que em rápida comparação do programa deste ano com o apresentado
em 2008, fica evidente a mudança de parâmetros adotada pela administração para a capacitação dos serventuários do Poder Judiciário.
No planejamento da capacitação para este exercício houve o cuidado de incluir
no programa temas sensíveis ao universo pessoal dos servidores, o que certamente tornará
as aulas muito mais interessantes e instigantes para eles, diminuindo a sensação de fadiga e
cobrança dos cursos de natureza meramente técnica.
Tome-se como hipótese o caso de agendamento de um curso de língua portuguesa.
Não se desconhece a relevância do bom conhecimento do vernáculo para o desempenho
com qualidade de qualquer atividade na administração. Ocorre que quando se anuncia para
o servidor a realização de tal curso, a sua empolgação para participar das aulas seria menor
do que para comparecer, por exemplo, a uma palestra sobre motivação.
No caso acima, as aulas de vernáculo representariam a rotina, muitas vezes maçante, dos cursos de capacitação. A palestra sobre motivação, por outro lado, seria o novo
horizonte capaz de arejar a rotina de trabalho do servidor.
Não se está defendendo aqui, esclareça-se novamente, que as aulas puramente técnicas sejam consideradas de somenos importância para o aperfeiçoamento do servidor. Elas
são, sim, relevantes para que o agente acompanhe a evolução do conhecimento na sua área
de trabalho.
Sem embargo disso, também devem ser socializados entre os servidores, em igual
medida, os ensinamentos que possam conduzi-los ao essencial equilíbrio para uma sadia
experiência profissional.
Com esse espírito, o CECAP, de acordo com o programa expendido, ministrará
aulas sobre ética nas organizações, inteligência emocional, motivação, liderança, espírito de
equipe etc.
Esses temas, de teor altamente humanista, sem dúvida levarão aos servidores uma
visão mais otimista e tolerante a respeito do ambiente onde laboram, dos colegas e superiores com quem se relacionam e dos administrados a que servem.
Isso no âmbito do Poder Judiciário é crucial, tendo em vista que nas unidades jurisdicionais impera certa frieza na execução das tarefas cometidas aos serventuários. Nesses
locais, onde centenas ou milhares de processos fustigam diariamente a saúde dos servidores,
a tensão do trabalho costuma sobrepor-se a qualquer tentativa de amenização da atmosfera
pesada do ambiente.
Por isso é importante que o CECAP, depois de ministrados os cursos, faça pesquisa
entre os servidores para aferir a satisfação deles com as matérias expostas, bem como a efetiva influência desses conhecimentos para a melhoria do rendimento funcional no setor onde
atuam.
É alta a probabilidade de que a administração observe, após colhidos tais dados,
expressivo aumento do grau de comprometimento do agente com a sua instituição, além da
redução do estresse nas unidades jurisdicionais.
Comprovado isto, nada mais teria ocorrido do que uma relação de causa e efeito: a
212
Revista ESMAC
instituição valorizou o agente e este, em retribuição, reafirmou seu compromisso de atender
às expectativas da instituição.
Pena que o CECAP não inovou ainda mais e introduziu no seu programa a previsão
de aulas de ginástica laboral para os servidores, a fim de mitigar o sedentarismo que permeia
a maioria dos agentes do Poder Judiciário.
213
5. AS ATIVIDADES DA ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO
DO ACRE - ESMAC
5.1 Origem e organização da ESMAC
Outra fundamental instituição do Poder Judiciário do Estado do Acre para a
promoção de eventos de capacitação é a Escola Superior da Magistratura - ESMAC, que
encontra sua gênese legal no artigo 308 da Lei Complementar Estadual n. 47, de 22 de
novembro de 1995. Prescreve o citado dispositivo:
Art. 308. A Escola Superior da Magistratura, órgão de Apoio ao Tribunal de
Justiça,promoveráaatualização,aperfeiçoamentoeespecializaçãodeMagistradoseservidoresdoPoderJudiciário,naformaestabelecidanoseuatoconstitutivoeporResolução
do Tribunal Pleno.
A história da ESMAC na verdade começou muito antes da edição da mencionadaleicomplementar,podendoserapontadooanode1987comoomarcoparaagênese
da escola. Naquele ano, a Desembargadora Miracele de Souza Lopes Borges, então presidente da Associação dos Magistrados do Acre – ASMAC, apresentou projeto ao Pleno
do Tribunal de Justiça para a instituição da Escola da Magistratura, que, aprovado por
unanimidade, resultou na Resolução n. 34, de 05 de março de 1987.
No limiar de suas atividades, a ESMAC realizou, em 18 de maio de 1988, o I
Encontro de Estudos Jurídicos da Escola, do qual participaram os Ministros Ilmar Galvão,
do Supremo Tribunal Federal, e Humberto Gomes de Barros, do Superior Tribunal de
Justiça.
A ESMAC intensificou suas atividades no período de 1993 a 1995, com a coordenação da Desembargadora Eva Evangelista, fase em que foram ministrados o I Curso
de Estudos Jurídicos, o I Curso de Preparação à Carreira de Magistrados e o I Curso de
Iniciação de Magistrados.
No biênio 1998/1999, durante a gestão do Desembargador Jersey Pacheco
Nunes Nunes, a ESMAC foi definitivamente integrada como órgão de apoio do Tribunal
de Justiça. Aliás, em 28 de maio de 1998, em sessão administrativa ordinária, o Pleno do
Tribunal de Justiça aprovou o Regimento Interno da ESMAC (Resolução n. 100).
Na última escolha dos gestores do Poder Judiciário do Estado do Acre foi eleita
a Desembargadora Eva Evangelista para a função de Diretora da ESMAC para o biênio
2009/2011.
214
Revista ESMAC
A ESMAC atualmente tem a seguinte estrutura organizacional:
Figuram atualmente como membros do Conselho Consultivo da ESMAC os Juízes
de Direito Cloves Augusto Alves Cabral Ferreira, Laudivon de Oliveira Nogueira, Mirla Regina da Silva Cutrim, Maha Kouzi Manasfi e Manasfi, Olívia Maria Alves Ribeiro, Regina
Célia Ferrari Longuini.
215
5.2 Os objetivos e finalidades da ESMAC
Os objetivos da ESMAC estão descritos nos artigos 2º, 3º e 4º da Resolução n° 34,
de 05 de março de 1987. São eles195:
Promover cursos de preparação para a Magistratura; deontologia do Magistrado; atualização, aperfeiçoamento, especialização ou extensão para os magistrados; cursos jurídicos de
extensão; atualização, aperfeiçoamento e especialização para os funcionários, servidores e
serventuários do Poder Judiciário. A Escola Superior da Magistratura incentivará a pesquisa
e o debate de temas relevantes, colaborará para o aperfeiçoamento dos atos de elaborar,
interpretar e aplicar as leis, o desenvolvimento da ciência do Direito e o realizar da Justiça.
(...) incentivará o intercâmbio cultural ou pessoal com as demais escolas de magistrados, associações de juízes, universidades ou fundações culturais do país e de outras nações.
Evidencia o dispositivo o nítido objetivo da ESMAC de contribuir para o aperfeiçoamento dos serventuários do Poder Judiciário, incluindo-os nos eventos de capacitação
promovidos pela escola.
Deveras, a despeito de dirigir seus programas precipuamente para os magistrados,
a ESMAC não deixa de propiciar a participação dos servidores nas palestras e cursos que
promove. E não poderia ser diferente, porque o artigo 308 da Lei Complementar Estadual
n. 47/95, transcrito alhures, comete à escola a tarefa de também promover a atualização, o
aperfeiçoamento e especialização dos serventuários.
A ESMAC, portanto, complementa as atribuições do CEPAC na formação dos serventuários da justiça, iniciativa que deve ser elogiada porque favorece a salutar integração
entre os magistrados e servidores, estimulando o espírito de equipe nas unidades jurisdicionais.
Com efeito, a excelência da prestação jurisdicional é o resultado da harmônica conjugação de esforços entre os magistrados, gestores das varas onde atuam, e os serventuários
da escrivania. Não havendo sintonia administrativa entre o centro de decisões, representado
pelo juiz, e os servidores da vara, dificilmente a engrenagem judiciária terá o funcionamento
otimizado.
A amplitude da atuação da ESMAC também está perfeitamente delineada no artigo
2º do Regimento Interno da escola, o qual descreve a finalidade da instituição. De acordo
com esse dispositivo, a ESMAC tem a seguinte finalidade196:
Propiciar meios para atualização, extensão, aperfeiçoamento e especialização para magistrados e demais operadores do Direito; preparar, doutrinária e tecnicamente, os candidatos a
concursos de ingresso na carreira jurídica; buscar financiamento à fundo perdido nas instituições de fomento à tecnologia, pesquisa, ensino, extensão e estudos, a projetos que visem o
aprimoramento dos operadores jurídicos e demais auxiliares da Justiça, a fim de melhor contribuírem para a prestação jurisdicional e consolidarem a importância e o prestígio do Poder
judiciário; cultivar o respeito à pessoa humana e às instituições democráticas, concorrendo
195 Disponível em: < http://www.tjac.jus.br/esmac/objetivo.jsp>. Acesso em: 10.02.2009 .
196 Poder Judiciário do Estado do Acre. Escola Superior da Magistratura – Finalidade. Disponível em: <http://www.tjac.jus.
br/esmac/finalidade.jsp>. Acesso em: 10.02.2009.
216
Revista ESMAC
para a consciência da importância de que se revestem como pressupostos ao desenvolvimento de uma sociedade justa; promover a difusão dos princípios asseguradores da preservação
dos valores morais e jurídicos, cultivando o ideal de Justiça e estimulando sua realização no
meio social; desenvolver atividades culturais visando ao conhecimento, à análise e à avaliação da realidade social, jurídica, econômica e histórica da comunidade brasileira (...).
ESMAC.
Várias conclusões podem ser extraídas da declaração normativa da finalidade da
Em primeiro plano, a escola tem a missão de fomentar o estudo do Direito entre
os diversos profissionais da área jurídica, com maior destaque, naturalmente, para os magistrados acreanos. Há inclusive expressa referência ao preparo, intelectual e técnico, dos
candidatos a concurso de ingresso na magistratura.
A norma denota ainda preocupação com os aspectos éticos e morais que gravitam
em torno da atividade jurídica, salientando que o respeito à pessoa humana e às instituições
democráticas são pressupostos para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária.
5.3 Programação da Escola Superior da Magistratura para 2009
Com relação às atividades do ano de 2009, a ESMAC estabeleceu como metas197:
Meta 01 - Adequar a Escola Superior da Magistratura do Acre – ESMAC às orientações da
Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam.
Meta 02 - Promover a formação continuada dos Juízes de Direito Substitutos destinada à habilitação ao vitaliciamento, conforme dispõem as Resoluções e Instruções Normativas nºs 01
e 02/Enfam, que estabelecem uma carga horária mínima anual de 60 (sessenta) horas-aula.
Meta 03 - Promover o aperfeiçoamento contínuo dos magistrados vitaliciados, para fins de
promoção por merecimento, nos termos da Resolução nº 125/2007, do Tribunal de Justiça
do Estado do Acre, e da Resolução e Instrução Normativa nº 02/Enfam que estabelece uma
carga horária mínima de 40 (quarenta) horas-aula anuais.
Meta 04 - Criar mecanismos ou instrumentos de avaliação permanente visando aferir o resultado e o aproveitamento dos magistrados nos eventos destinados ao vitaliciamento e à
promoção por merecimento.
Foram agendados os seguintes eventos para o primeiro semestre deste ano198:
197 Poder Judiciário do Estado do Acre. Escola Superior da Magistratura – Atividades Atuais. Disponível em: <http://www.
tjac.jus.br/esmac/atividades_atuais.jsp>. Acesso em: 10.02.2009.
198 Poder Judiciário do Estado do Acre. Escola Superior da Magistratura – Eventos. Disponível em: <http://www.tjac.jus.
br/esmac/eventos_esmac.jsp>. Acesso em: 10.02.2009.
217
MARÇO
Solenidade de abertura
Declaração de abertura dos trabalhos
Desa. Eva Evangelista de Araújo Souza - Diretora da ESMAC
Palestra - A Formação e o Aperfeiçoamento de Magistrados: o novo perfil das Escolas
Estaduais de Magistratura
Des. Pedro Ranzi - Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Acre
Dia 19, quinta-feira, às 17h, no Plenário do Palácio da Justiça.
Curso - Formação de Liderança – 15h/aula, credenciado pela Enfam, Portaria nº
58/08
Professor Doutor Paulo Motta – Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas - FGV
Dias 20 e 21, sexta-feira e sábado, com início às 08h30min, no Plenário do Palácio da
Justiça.
Participação da ESMAC no XVI Encontro do Colégio Permanente de Diretores de
Escolas Estaduais da Magistratura – COPEDEM
Pauta: Proposta de modelo de avaliação destinada ao vitaliciamento e à promoção por merecimento de magistrados.
De 26 a 28,quinta-feira a Sábado
Cuiabá/Mato Grosso.
ABRIL
Curso - As Recentes Alterações Introduzidas no Código de Processo Penal Brasileiro
– 15h/aula, credenciado pela Enfam, Portaria nº 142/08
Juiz de Direito e Professor Msc. Cloves Augusto Alves Cabral Ferreira
Dias 20 e 22, segunda e quarta-feira, com início às 8h30, no Plenário do Palácio da Justiça.
MAIO
Atividade de multiplicação - Curso de Mediação e Técnicas Autocompositivas – promovido pela Enfam -15h/aula
Juíza de Direito Olívia Maria Alves Ribeiro
Juíza de Direito Mirla Regina da Silva Cutrim
Dias 14 e 15, quinta e sexta-feira, com início às 15h, no Plenário do Palácio da Justiça.
Atividade de multiplicação - Curso Impactos Econômicos e Sociais das Decisões Judiciais – promovido pela Enfam - 15h/aula,
Juíza de Direito Regina Célia Ferrari Longuini
Dias 28 e 29, quinta e sexta-feira, com início às 15h, no Plenário do Palácio da Justiça.
218
Revista ESMAC
JUNHO
Participação da ESMAC no XVII Encontro do Colégio Permanente de Diretores de
Escolas Estaduais da Magistratura - COPEDEM
De 18 a 21, quinta-feira a domingo, São Paulo-SP.
JULHO
Atividade de multiplicação - Curso Multidisciplinar Violência Doméstica e Familiar
– promovido pela Enfam-15h/aula,
Juíza de Direito Olívia Maria Alves Ribeiro
Dias 02 e 03, Quinta e sexta-feira, com início às 15h, no Plenário do Palácio da Justiça.
Curso - A Arte de Mediar. Capacitação e Formação de uma Rede de Mediadores na
Amazônia Ocidental - Acre/Brasil – 15h/aula, credenciado pela Enfam, Portaria nº
86/08
Professora Msc Adriana Beltrame
Data e horário a definir, no Plenário do Palácio da Justiça.
Neste ano a escola já realizou eventos que contaram com o massivo
comparecimento dos servidores.
Nos dias 20 e 22 de abril, por exemplo, foi ministrado no Plenário do
Palácio da Justiça o curso “As Recentes Alterações Introduzidas no Código de
Processo Penal Brasileiro”, que teve como professor o Juiz de Direito Cloves
Augusto Alves Cabral Ferreira, mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina.
O curso, credenciado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, através da Portaria n. 142, de 19 de dezembro de
2008, objetivou promover a atualização de conhecimentos necessários à ação
jurisdicional quanto às alterações introduzidas no Código de Processo Penal,
em matéria de provas, procedimentos, e em especial, o novo procedimento do
Tribunal do Júri199.
Outro evento da ESMAC que despertou grande interesse dos servidores foi o Seminário “Depoimento sem dano – uma alternativa para inquirir
crianças e adolescentes nos processos judiciais”, ocorrido no dia 04 de maio
deste ano, também no Plenário do Palácio da Justiça. Foram convidados para a
função de palestrantes no evento o Juiz de Direito José Antônio Daltoé Cezar, a
assistente social Vânea Maria Visnievski e a psicóloga Betina Tabajaski, todos
atuantes na 2ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto
Alegre/RS200.
O evento, que é fruto de convênio firmado entre o Tribunal de Justiça
199 Poder Judiciário do Estado do Acre. ESMAC promove o curso “As alterações do Código de Processo Penal Brasileiro”.
Disponível em: < http://www.tjac.jus.br/noticias/noticia.jsp?texto=7551>. Acesso em: 25.04.2009.
200 Poder Judiciário do Estado do Acre. TJAC e ESMAC realizaram seminário e curso sobre “Depoimento sem Dano”.
Disponível em: < http://www.tjac.jus.br/noticias/noticia.jsp?texto=7755>. Acesso em: 08.05.2009.
219
do Estado do Acre e a Secretaria Especial de Direito Humanos da Presidência
da República, abordou o delicado tema das crianças e adolescentes vítimas
de abuso sexual que são chamadas a juízo para relatar as difíceis experiências
pelas quais passaram. Consoante a exposição dos palestrantes, esse menores,
por sua condição de pessoas em desenvolvimento, devem ter tratamento diferenciado quando ouvidos pela autoridade, de forma que a tomada de suas declarações não intensifique os prejuízos psicológicos resultantes da violência
praticada.
O encerramento do seminário ocorreu no auditório da ESMAC, no
último dia 06 de maio, onde novamente estiveram presentes magistrados e técnicos do Poder Judiciário.
Das atividades desenvolvidas pela ESMAC no primeiro semestre deste
ano igualmente merece destaque o Curso de Iniciação de Magistrados oferecido aos magistrados aprovados no último concurso para o provimento do
cargo de juiz substituto do Estado do Acre, cuja abertura aconteceu no dia 20
de abril.
O curso foi dividido em duas etapas. Na primeira, foi ministrado o
tema, já referido, As Recentes Alterações Introduzidas no Código de Processo
Penal Brasileiro. A segunda consistirá na exposição de diversos temas, como O
Poder Judiciário no Acre – retrospectiva, atuação, compromisso com a missão,
visão e valores, a Organização Judiciária e os Órgãos da Administração do
Tribunal de Justiça e suas metas, Escola Superior da Magistratura do Acre
sua importância na implementação dos novos paradigmas traçados pela Escola
Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), e O Juiz
e a Ética - uma reflexão acerca dos valores e princípios que devem nortear a
atividade judiciária, além de outros assuntos fundamentais para a formação
dos novos magistrados.
220
Revista ESMAC
6. A REALIZAÇÃO DE PARCERIAS COMO ESTRATÉGIA FUNDAMENTAL PARA
AS ATIVIDADES DE CAPACITAÇÃO
6.1 Definição de Parceria
Vários são os fatores, internos e externos, que podem representar obstáculos à boa
administração. Problemas como falta de recursos, carência de ferramentas ou de trabalhadores especializados com frequência desafiam o planejamento traçado pelos gestores, o que
compromete, sem dúvida, a eficiência dos serviços.
Diante de entraves dessa natureza, a instituição (pública ou privada) procura outras
entidades que possam emprestar-lhes o auxílio necessário para superação do problema. Muitas vezes as entidades interessadas socorrem-se mutuamente, num intercâmbio de esforços
para debelar suas dificuldades.
Surge aí, portanto, a ideia da parceria como eficaz estratégia para a consecução dos
fins da instituição. Com efeito, qualquer gestor atualmente sabe que a boa administração não
se faz sozinho, sem a cooperação das demais empresas que atuam no mercado (ou no Poder
Público, conforme o caso).
No léxico encontramos os seguintes significados para a palavra parceria201:
1 União de duas ou mais pessoas, organizações, governos etc. para um certo fim de interesse
comum; SOCIEDADE: parceria do Estado com o setor privado.
2 União de duas ou mais pessoas na realização de atividade artística, esportiva etc.
Parceria público-privada
1 Econ. Modalidade de contrato entre o poder público e a iniciativa privada, na qual o
primeiro contrata à segunda a criação e administração de empresa, serviço, instituição etc.,
pelos quais esta é responsável, mas com partilha dos riscos com o poder público.
Nesse sentido, a parceria tem exatamente o significado de união, de convergência
de esforços para atingir-se uma finalidade preestabelecida.
No meio empresarial o termo parceria também designa a celebração de acordo
entre forças econômicas com o escopo de reforçar ou recuperar o funcionamento da instituição.
No ponto, considerando-se o prisma econômico, é interessante este conceito de parceria202:
No âmbito econômico, entende-se por parceria a busca de completude entre duas pessoas
jurídicas que livremente aceitem compartilhar experiências, desenvolver conhecimento ou
articular especialidades, com o propósito de superar desafios e/ou usufruir de oportunidades
que dependam de aliança entre organizações com trajetória, qualificação e missão próprias,
mas com interesses ou aspirações convergentes. Pode-se compreender a parceria como o
caso particular da associação, que reúne mais de duas organizações sob igual conceito.
201 PARCERIA. In: Aulete Digital – Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. Editor responsável: Carlos Augusto
Lacerda. Rio de Janeiro: Lexikon Editora Digital Ltda., 2007. Software gratuito. Disponível em: http://www.lexikon.com.
br/. Acesso em: 06/05/2009.
202 MELLO RAPOSO, Leandro Lamas. MR2consultoria.com.br, 10 de maio de 2006. Disponível em: http://www.mr2consultoria.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=114&Itemid=2. Acesso em: 06 maio 2008.
221
Sobre os diversos pontos de vista sobre o conceito de parceria, escreveu, em artigo
publicado no site RITS – Rede de Informações para o Terceiro Setor, o educador Leandro
Lamas Valarelli203:
Parceria tem sido um termo bastante utilizado e difundido, buscando caracterizar o que seria um novo modelo de relação entre as várias organizações da sociedade: ongs, governos,
agências multilaterais, fundações, igrejas, sindicatos, empresas, entidades assistenciais. Sua
virtude viria do fato de enfatizar a atuação motivada por interesses comuns, ao invés do
relacionamento pautado pelo conflito e pela concorrência. Cooperação e parceria têm sido
apregoadas tanto como uma necessidade, quanto como um modo de atuação e, ainda, como
um valor em si mesmo. Tão valorizada e ao mesmo tempo tão difícil de se construir!
É preciso ter claro que são muitos os sentidos e práticas que a palavra pode designar, que
se defrontam uns com os outros. A diversidade de grupos sociais e organizações atuando na
sociedade, com interesses, trajetórias, valores e naturezas distintas, faz com que o que seja
uma parceria para uns não seja necessariamente considerado como tal por outros. Mas a experiência acumulada nos anos recentes por parte de várias organizações sem fins lucrativos
constitui uma referência importante do que vem a ser uma boa relação de parceria (...)
Parceria tem sido a designação de certas formas de cooperação entre organizações que indica, antes de tudo, uma ação conjunta, motivada pela existência de interesses e objetivos
comuns, na qual cada um aporta e mobiliza os recursos que dispõe para atingir estes objetivos. Não é o seu caráter legal ou formal que a determina. É mais precisamente, a qualidade
da relação que a distingue. Ou seja, o modo como organizações com distintos interesses,
poderes, recursos e atribuições constroem um espaço onde se comportam como iguais na
definição dos objetivos comuns, dos papéis e da contribuição de cada uma. Neste sentido, a
parceria se distinguiria da relação de contrato (como a prestação de serviços, por exemplo)
porque nesta os objetivos e o que deve ser feito tendem a ser preponderantemente definidos
pela parte que contrata, cabendo ao contratado cumprir a tarefa que lhe foi solicitada, quando
muito negociando um ou outro aspecto. Certamente neste caso há uma satisfação de interesses tanto de uma quanto de outra organização: para quem contrata, o serviço a ser realizado;
para a contratada, a possibilidade de obter recursos e desenvolver o seu trabalho.
Infere-se, dessa forma, que embora a concepção de parceria possa variar de acordo
com o ambiente em que ela for implementada, é fato que em todas as situações o termo é
empregado como sinônimo de aliança coordenada para a concretização de algum objetivo.
A Presidente do Centro de Voluntariado do Distrito Federal, Carmen Barreira, defende a observância de quatro etapas para que as organizações entabulem parcerias204:
1.
2.
3.
4.
Identificação;
Valorização;
Negociação;
Implementação.
203 MELLO RAPOSO, Leandro Lamas. MR2consultoria.com.br, 10 de maio de 2006. Disponível em: http://www.mr2consultoria.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=114&Itemid=2. Acesso em: 06 maio 2008.
204 BANDEIRA, Carmem. Uma questão para pensar: parcerias e alianças estratégicas. Disponível em: <http://www.rits.
org.br/gestao_teste/ge_testes/ge_mat01_parc_parctxtpag00.cfm>. Acesso em: 10 maio 2009.
222
Revista ESMAC
O transcurso dessas etapas compreenderia ainda sete passos que devem ser seguidos para facilitar a formação de parcerias ou alianças205:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
Definir estratégias e objetivos;
Avaliar parceiros em potencial;
Avaliar as possibilidades e o que se oferece em troca;
Definir a oportunidade;
Avaliar o impacto da ação conjunta;
Planejar a integração;
Implementar a integração.
As cautelas acima referidas são realmente importantes para o gestor no momento
de cogitar a realização de parcerias, uma vez que a análise preliminar das prováveis vantagens e desvantagens da aliança servirá de indicador para aferir se haverá saldo positivo da
empreitada.
Isto porque a parceria, a despeito de sua utilidade, poderá, em certos casos, conduzir a organização a verdadeiras armadilhas, se o parceiro escolhido for inidôneo ou malintencionado.
6.2 A parceria a serviço da capacitação
A formação de parcerias é ferramenta que pode ser empregada em qualquer setor
ou atividade das instituições. Assim, como não poderia ser diferente, ela é extremamente
profícua para os programas de capacitação.
Aliás, não é descabido sustentar que a celebração de alianças tornou-se a base para
a execução nas empresas – ou órgãos – dos projetos destinados ao aperfeiçoamento dos funcionários.
Bom exemplo dessa assertiva foi o convênio firmado no ano de 2006 entre o Tribunal de Justiça do Estado do Acre e a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio
Vargas para o oferecimento do Curso de MBA em Poder Judiciário para os magistrados
acreanos.
Há muitos exemplos de parcerias encetadas pelo Poder Judiciário do Acre destinadas à formação dos magistrados e serventuários.
No período de 07 a 27 de fevereiro houve ciclo de palestras motivacionais dirigidas
aos serventuários da Justiça, o que foi fruto de parceria específica entre o Tribunal de Justiça
do Acre e o Sebrae/AC. Na avaliação da Chefe do CECAP, Gorete Bandeira, o aproveitamento dos participantes do evento superou as expectativas206.
Essa mesma parceria igualmente ofereceu para os servidores a palestra Éticas nas
organizações, no dia 02 de março, conduzida por Dinorah Soledade, especialista em gestão
de pessoas e consultora do Sebrae207.
205 BANDEIRA, Carmem. Op. cit.
206 Poder Judiciário do Estado do Acre. Encerrado o terceiro ciclo de palestras motivacionais. Disponível em: http://www.
tjac.jus.br/noticias/noticia.jsp?texto=7546. Acesso em: 08 maio 2009..
207 Poder Judiciário do Estado do Acre. Ciclo de palestras debate a questão ética. Disponível em: http://www.tjac.jus.br/
223
A ação conjunta da Procuradoria-Geral do Estado do Acre e do Tribunal de Justiça,
com a colaboração da Justiça Federal e do Curso LFG, viabilizou a execução, nos dias 23
a 26 de março, do Curso de Redação Forense e Elementos da Gramática, ministrado pelo
professor Eduardo Sabbag para magistrados, procuradores de Estado e assessores208.
Diante dessas e de outras experiências da nova gestão do Poder Judiciário do Acre,
conclui-se que ela está empenhada na constante busca de colaboradores interessados em
ajudar no aperfeiçoamento dos agentes públicos. Assim agindo, a administração fortalece as
relações institucionais, ao tempo em que amplia as opções e recursos para investir na formação dos seus servidores.
Também no primeiro grau de jurisdição encontramos exemplos de esforços conjuntos entre o Judiciário com outras instituições para a capacitação de servidores. Foi o que
ocorreu na Comarca de Cruzeiro do Sul, nos dias 13 e 14 de novembro de 2008, quando foi
ministrado o curso Prisão e Liberdade para os servidores do Judiciário e do Ministério Público, que teve como professores o Juiz de Direito Giordane de Souza Dourado e o Promotor
de Justiça Gláucio Ney Shiroma Oshiro, também idealizadores do projeto209.
Nesse caso, a proposta e execução do curso partiram diretamente do Juízo da 1ª
Vara Criminal daquela Comarca, que solicitou ao Tribunal de Justiça apenas o reconhecimento formal das aulas para a expedição de certificados para os participantes.
208 Poder Judiciário do Estado do Acre. TJAC e PGE promovem curso de capacitação. Disponível em: http://www.tjac.jus.
br/noticias/noticia.jsp?texto=7518. Acesso em: 08 maio 2009.
209 MPE e TJAC realizam curso sobre prisão e liberdade em Cruzeiro do Sul. Página 20, 15 de novembro de 2008.
Disponível em: http://www.pagina20.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2254&Itemid=21. Acesso
em: 06 maio 2009.
224
Revista ESMAC
7. PROPOSTA PARA RECRUTAMENTO E INCLUSÃO DOS SERVIDORES COMO
MULTIPLICADORES DOS EVENTOS DE CAPACITAÇÃO
7.1 Reconhecendo o talento
A experiência demonstra que os programas de capacitação aplicados no Poder Judiciário de um Estado, ainda que muito organizados, não conseguem atender a todos os
servidores integrantes da rede de trabalho.
No caso específico do Poder Judiciário do Acre esse problema é agravado em face
da quantidade de comarcas situadas em locais de difícil acesso, como as comarcas de Tarauacá, Feijó e Cruzeiro do Sul, para as quais o único transporte disponíveis na maior parte
do ano é o avião.
Por isso é bastante oneroso para a administração deslocar com freqüência equipes
de treinamento para tais municípios, o que naturalmente priva os servidores neles lotados de
muitos cursos de aperfeiçoamento.
Em face desse difícil contexto, é forçoso para a administração procurar alternativas
viáveis que possibilitem a chegada dos eventos de capacitação àqueles serventuários excluídos pela referida dificuldade geográfica.
Uma das medidas que pode ser adotada pelo Poder Judiciário é o recrutamento de
servidores que possuam certa aptidão para o exercício da docência, a fim de que eles, depois
de receber o necessário treinamento, assumam a função de professores para os colegas da
comarca.
Com efeito, infelizmente os magistrados, normalmente sobrecarregados de processos e questões administrativas da unidade onde atuam, não costumam dispensar a devida
atenção aos seus funcionários que ostentam grande capacidade de aprendizado e de socialização do conhecimento.
Atualmente em quase todas as comarcas existem servidores graduados ou que estão concluindo algum curso superior. E muitos deles têm facilidade para assimilar temas e
ensinamentos técnicos concernentes à rotina de trabalho, o que os coloca na condição de
potenciais executores de programas de capacitação.
Com o incentivo e investimento necessários, esses agentes, se bem aproveitados,
oferecerão ao Poder Judiciário, em todos os grotões do Estado, equipes qualificadas para a
implementação de projetos de aperfeiçoamento funcional.
O primeiro passo deve partir dos magistrados titulares de unidades jurisdicionais
ou que estão no exercício da titularidade, porquanto são eles que convivem diariamente com
as pessoas que trabalham nas escrivanias e demais dependências dos fóruns.
Nesse sentido, impõe-se aos magistrados:
1. Observar quais servidores apresentam, a princípio, condições intelectuais e emocionais para a função de professor;
2. Abordar esses servidores para integrá-los em programas de capacitação;
3. Esclarecê-los acerca da conveniência e vantagens da posterior multiplicação para
os outros serventuários dos conhecimentos adquiridos nas aulas.
225
O recrutamento dos potenciais multiplicadores, assim, é feito pelos próprios magistrados, que devem sempre perquirir nas suas unidades quais os agentes com natural talento para assumirem papel ativo nas atividades de capacitação.
A formação de servidores multiplicadores e instrutores já é realidade em várias
instituições do Brasil, como no Estado de Santa Catarina, mas infelizmente não foi institucionalizada na Justiça acriana.
7.2 Formação dos agentes multiplicadores
Superada a fase de recrutamento, os servidores interessados seriam inseridos pela
administração nos projetos de capacitação agendados para o ano, de forma que tenham pleno
acesso aos cursos e palestras ministrados pelo setor responsável pelo aperfeiçoamento – no
Judiciário do Acre, o CECAP e a ESMAC.
É claro que os futuros multiplicadores têm que receber treinamento complementar
para posteriormente expor com clareza e didática a matéria para os colegas da comarca.
Algumas lições básicas de pedagogia seriam essenciais para tanto.
Depois de preparados, os multiplicadores retornariam à comarca, onde, sob a supervisão do juiz e do setor de capacitação, ficariam incumbidos de reproduzir para os demais
serventuários os conhecimentos adquiridos.
Em um exemplo prático, o processo seria este:
a) o magistrado do interior, ciente de que ocorrerá na capital ciclo de palestras motivacionais, apresentará ao TJAC proposta de encaminhamento do servidor, previamente recrutado, para participar do evento e multiplicá-los futuramente na comarca;
b) acolhida a proposta, o TJAC assegura a freqüência do servidor ao evento;
c) antes de voltar a sua unidade, ele receberá do CECAP ou da ESMAC instruções
sobre como deverá ser a dinâmica da multiplicação do evento;
d) na comarca o juiz agendará com o servidor a multiplicação, informando ao TJAC
quando ela ocorrerá, a fim de que o agente conte com todo o suporte necessário para
a execução do trabalho.
Naturalmente para o pleno êxito da idéia é importante que os agentes multiplicadores tenham algum incentivo financeiro, até mesmo para compensar as árduas horas-extras de
trabalho empregadas na tarefa. A criação de gratificação para os multiplicadores seria uma
maneira de garantir esse estímulo.
226
Revista ESMAC
CONCLUSÃO
Os estudos sobre capacitação tiveram expressivo avanço na última década, principalmente com a mudança de perspectiva sobre o tema que passou a considerar o ser humano
- e não o mero técnico - como o valor mais importante dos recursos das instituições.
As entidades passaram a aceitar novos enfoques que humanizaram os programas
de aperfeiçoamento funcional, resultando em incremento da produtividade e do compromisso funcional dos agentes através de projetos que priorizam o crescimento pessoal, sem
descurar, é claro, dos avanços técnicos cada vez mais presentes no mercado de trabalho.
Foram popularizados nas empresas e no setor público conceitos como os de meditação, ginástica laboral, motivação, ética, entre outros claramente predestinados à valorização dos funcionários no ambiente de trabalho.
As conseqüências desse verdadeiro arejamento do tema capacitação mostraram-se
sobremaneira proveitosas para as instituições, que verificaram expressivo aumento da satisfação dos funcionários, visivelmente mais estimulados e preparados para a rotina laboral.
Também se percebeu diminuição dos casos de doenças ligadas ao estresse no trabalho, na medida em que os agentes aprenderam a administrar melhor as pressões decorrentes das suas atividades.
Pelo mesmo motivo, a convivência do funcionário com os colegas tornou-se mais
tolerante, com incidência de menos atritos que comprometiam o bom funcionamento da
organização.
Nesse ponto, o investimento em cursos e palestras sobre inteligência emocional foi
fundamental, por oferecerem aos participantes uma compreensão mais aguçada das relações
humanas.
Os administradores então entenderam definitivamente que a valorização do servidor, possibilitada por essas novas formas de capacitação, estava diretamente conectada à
solidez das instituições. Valorizar o funcionário tornou-se sinônimo de investimento seguro
na vitalidade da empresa.
Mais do que nunca ficaram evidentes os reflexos psicológicos salutares dos eventos
de capacitação com tratamento eminentemente humanista.
No âmbito da administração pública, que por determinação constitucional deve
investirem capacitação,essas mudanças estão sendo gradativamenteconsolidadas,comprojetos de aperfeiçoamento funcional inspirados nas experiências de sucesso observadas na
iniciativa privada.
Com isso, a administração vem obtendo resultados positivos na busca de mais
eficiência na execução dos serviços públicos.
O Poder Judiciário tem procurado acompanhar essa evolução, com vários projetos
bem-sucedidos de formação de servidores e de magistrados, embora muitos ainda precisem
de ajustes para enquadrar-se na nova proposta de capacitação.
Tem relevância nesse contexto a atuação do Conselho Nacional de Justiça, o qual,
valendo-se do seu poder regulamentar, produziu normas voltadas para a disciplina da capacitação dos magistrados. É o caso da Resolução nº 60, de 19 de setembro de 2008, que instituiu
o Código de Ética da Magistratura Nacional, e da Recomendação nº 8, de 27 de fevereiro de
2007, que trata das atividades de conciliação.
227
No Poder Judiciário do Estado do Acre destaca-se na área de aperfeiçoamento funcional o Centro de Capacitação (CECAP), setor responsável pelo planejamento e execução
das atividades de capacitação dos servidores.
O CECAP realizou no ano de 2008 vários cursos e palestras para os serventuários
da Justiça. Esses eventos, contudo, foram muito técnicos e pouco inovaram na exposição
de matérias de natureza humanista. Já neste ano, com a mudança dos gestores do TJAC, foi
elaborado outro programa de capacitação que adotou como paradigma o enfoque holístico
nas atividades de aperfeiçoamento.
A Escola Superior da Magistratura – ESMAC é outro órgão do Poder Judiciário
do Acre com papel fundamental na formação dos magistrados e servidores. Suas atividades
complementam a do CECAP e possibilitam a integração entre os juízes e serventuários.
É possível concluir que os gestores do Judiciário acreano, notadamente a partir
deste ano, com a posse da nova administração, estão empenhados em transformar os eventos
de capacitação em verdadeiras ferramentas de fortalecimento da instituição através da valorização dos servidores.
Eles perceberam que realmente essa é a grande tendência seguida pelas entidades que acompanham as mudanças sociais e observam quais são as atuais exigências da coletividade.
A sociedade efetivamente se encontra na era da informação, da universalização
do conhecimento e da troca de experiências entre os povos. É exatamente por isso que a
capacitação deve ser realizada de forma a preparar o profissional para os infindáveis desafios
impostos pelo mundo globalizado.
Com essa noção de conjunto, do todo, os agentes que administram o Poder Judiciário ficam em condições de criar um ambiente de proximidade com os jurisdicionados. E o
grande elo de ligação para tanto são os serventuários da instituição, que tratam diretamente
com os destinatários dos serviços.
Esses serventuários, que estão na linha de frente, devem ter o equilíbrio e o preparo
adequados para tal missão. Daí ser imperiosa a reformulação da concepção de capacitação,
defendida ao longo deste trabalho.
A capacitação, pois, deve encerrar formação humanística, com apreço especial
pela ética e pela inteligência emocional.
Novos tempos exigem novas formas de aprendizado.
Há muito ainda o que fazer no Brasil para chegar-se a esse nível de evolução. Mas
a renovação já foi iniciada. No Poder Judiciário do Estado do Acre certamente os primeiros
passos foram dados. Vamos torcer para que não haja desvios no caminho.
228
Revista ESMAC
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O MAIOR APROVEITAMENTO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS NAS
MODALIDADES DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
À COMUNIDADE (OU A ENTIDADES PÚBLICAS OU PRIVADAS, COM FIM
SOCIAL), PREVISTAS NO ART. 43 DO CÓDIGO PENAL, APLICADAS EM JUIZADO
ESPECIAL CRIMINAL ESTADUAL A UM SENTENCIADO, PELA COMUNIDADE
QUE ELE INTEGRA. COMO TAIS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS SÃO MAIS
EFETIVAS DO QUE AS PENAS PRISIONAIS. INFORMAÇÕES DO PRIMEIRO
JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE RIO BRANCO-ACRE E OUTROS DADOS DE
VERIFICAÇÃO.
José Augusto Cunha Fontes da Silva
INTRODUÇÃO
Este Trabalho de Conclusão de Curso, ora apresentado para a Fundação Getúlio
Vargas, por sua Escola de Direito do Rio de Janeiro/RJ, segue o Projeto de Pesquisa antes
elaborado, com modificação pequena. A referida modificação é quanto a “uma visão baseada em dados do Primeiro Juizado Especial Criminal de Rio Branco”, conforme consta no
Projeto de Pesquisa. Com o desenvolvimento do trabalho, o aluno percebeu que os dados,
por exemplo, do Ministério da Justiça (Departamento Penitenciário Nacional), de Juizados
Especiais Criminais outros, como de São Paulo/SP, e experiências do Rio Grande do Sul
quanto à aplicação de penas alternativas à prisão, tornariam a abordagem do tema mais
interessante, abrangente e significativa. E notou que uma comparação com a pena prisional
poderia melhor refletir a valoração das penas restritivas de direitos selecionadas. Dados do
Primeiro Juizado Especial Criminal de Rio Branco/AC estão incluídos neste Trabalho de
Conclusão de Curso, mas esses dados não serão a referência principal. No mais disso, o tema
está mantido, quanto a procurar verificar se as penas restritivas de direito, nas modalidades
de prestação pecuniária alternativa e de prestação de serviços à comunidade, aplicadas a
sentenciados em Juizados Especiais Criminais, através, principalmente, de transação penal,
são aproveitadas pela comunidade por eles integrada.
Para tanto, o trabalho desenvolve uma linha de comparação entre a aplicação dessas penas restritivas de direitos e a aplicação da pena de prisão, procurando mostrar em quê
aquelas são melhores, mais efetivas e de maior retorno social do que as penas prisionais,
sendo este um prolongamento do tema que consta no corpo do Projeto de Pesquisa. As sanções restritivas de direitos foram previstas na busca visível de penas alternativas à de prisão
e a evolução de suas aplicações e das possibilidades de cabimento também está enfocada no
trabalho, inclusive, com abordagens sobre princípios e valores que determinaram a inclusão
dessa visão humanitária no nosso ordenamento jurídico. E aqui a intenção é demonstrar que
a alternatividade à prisão, através de penas restritivas de direitos nas indicadas, é o caminho
mais adequado a ser trilhado pela Justiça Penal, para ressocializar os apenados, para evitar
a reincidência, para dignificar as penas e, dentre outros aspectos abordados, para atribuir
função mais útil às sanções, com retorno social e aproveitamento comunitário.
232
Revista ESMAC
1. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE O DIREITO PENAL:
O Direito Penal usa as penas ou sanções criminais como meio para realização de
suas finalidades, tais como combater os crimes e punir as transgressões. Desde antes do
Direito Penal já existiam remotas penalidades, antes mesmo da existência de regras justificadas, consolidadas ou sistematizadas, ainda que rudimentares. As penalidades remotas eram
advindas de sentimentos, de instintos e de reações baseadas na preservação dos indivíduos
e também fincadas em rechaçar condutas ou replicar atos, sob o signo da vingança. O Direito como regra de conduta social vem surgir com as sociedades politicamente organizadas.
Como conceitua Dalmo de Abre Dallari, em sua obra Elementos de Teoria Geral do Estado
(São Paulo: Saraiva, 1998), as sociedades politicamente organizadas são as que, “visando
a criar condições para a consecução dos fins particulares de seus membros, ocupam-se da
totalidade das ações humanas, coordenando-as em função de um fim comum”. Assim, o
Direito Penal se relaciona com o surgimento das sociedades, mas nasce e brota a partir de
sentimentos de vingança e de retribuição, muito mais do que de sentimentos de justiça. Interferências religiosas (crenças) e da igreja são decisivas em sua evolução e sua caminhada
segue a trilha da própria evolução do Estado.
No seu livro Lições de Direito Penal (4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1980),
Heleno Cláudio Fragoso afirma que “o primeiro direito é o Direito Penal”. A história da pena
pode ser dividida em etapas nas quais, numa sequência inicial, figura a fase da pena sacral,
de cunho preponderantemente religioso, exercida pelo ofendido ou por seus parentes como
vingança de sangue (minimizando a ira dos deuses), e também podia ser exercida por sacerdotes (bruxos, magos, feiticeiros ou afins) para quem se destinava o poder-dever de aplicar
os castigos. Ali, a pena era uma expiação religiosa, o que denota os aspectos da fé, das devoções e das crenças intrincados com o Direito. Na continuação evolutiva, e bem adiante, a
vingança de sangue (antes com base religiosa) passa a ser reação penal com fundamento na
dor da vítima, no sentimento coletivo de punição ao ato censurável, o que leva para a esfera
privada. Daí em frente vai ocorrendo restrição à vingança privada, delimitada pelo talião, e
crescendo o monopólio do Estado em face da justiça punitiva, o que vai tornando públicas as
penas. É tal caminho que procuraremos demonstrar em seguida.
Nesse varadouro histórico, ocorreu que, vivendo em grupo, o homem precisou de
vínculos para regular as relações e o convívio intersubjetivo, nem sempre pacífico ou sereno.
Da base dos costumes, das tradições, das crenças, do misticismo, dos tabus e até dos temores e das superstições, as regras originárias tinham orientação sacral e cunho no restabelecimento de uma proteção superior. Ocorreram idéias de totem (representação da entidade
protetora do grupo, a representação do deus que dava proteção àquele grupo); e tabu (lei de
comportamento). A punição de um, procurava restaurar a proteção afastada a partir da ofensa
e a punição possibilitava a reconciliação. Num contexto assim, a pena foi mesmo um revide,
uma vingança, e era desproporcional à ofensa, pois a maior intenção não era aplicar justiça
nem equidade.
Depois a pena foi deixando a idéia de restauração da proteção sacral e veio a perseguir os interesses do grupo. Adiante no tempo, surgem penas outras como a de perda da
paz (infrator banido do grupo), por exemplo. Mas aspectos religiosos e de costumes constantemente estiveram ligados ao Direito Penal. Na raiz, as devoções, superstições e temores
233
traduziram base mais religiosa do que jurídica, ainda que o crime viesse a incorporar um
ferimento à ordem jurídica fixada pelo Estado. E assim veio ocorrendo, com a introdução
pelas pessoas, pelos grupos e pelo próprio poder estatal, na aplicação do Direito, de vários
aspectos, critérios, idéias, tendências, valores e conceitos.
É a ordem natural das coisas que segue um rumo constante de mudanças, transformações e novos interesses. Desse percurso inicial nas primeiras linhas resumido, se infere
que o Direito Penal se evidenciou, com substância, após o período da barbárie. Historicamente surgiram fases, como a da retribuição, a das composições e a da vingança privada,
para o posterior engajamento do Estado, com a instituição de um poder atuante em nome das
coletividades e dos interesses grupais, ou seja, dos interesses públicos.
Primitivamente não existia um sistema institucionalizado como Direito. Ao ocorrer
um delito, a pena aplicada não era proporcional ao tipo do crime ou a sua gravidade. Eventos
da natureza, fenômenos, desastres e catástrofes eram tidos como castigo divino. Só depois
adveio um poder público e central com objetivo de ordenar e atuar para resguardar os interesses grupais.
Nas remotas civilizações, já organizadas e apresentando sistemas sociais, econômicos e políticos, o expoente era um soberano, representante do poder absoluto estatal. A
seguir, pelo próprio curso da evolução do Estado e do Direito, os ordenamentos passaram a
contemplar a idéia de atuação pública e de busca do justo, com penas pensadas para ser proporcionais ao ato ou à transgressão sob censura, à sua gravidade e às suas circunstâncias.
E nessa evolução, vai nos interessar objetivamente, já no Brasil, o surgimento e a
aplicação de penas alternativas à prisão, especificamente, as de prestação pecuniária alternativa e de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas ou privadas. Mas
vamos a um histórico mais específico do Direito Penal, para depois passarmos às penas e à
abordagem delimitada.
Na fase da Vingança Privada, os parentes da vítima exerciam vingança própria, a
seu talante. Ocorreram rivalidades que se estenderam por várias gerações, com repetidas brigas, conflitos e execuções, caracterizando largamente as vinganças privadas, com registros
de violências entre famílias que culminaram com a eliminação completa de núcleos rivais. O
Período Antigo iniciou por volta do ano 4.000 antes de Cristo.
Era tempo das primeiras civilizações com organização sócio-político-econômica
e com um soberano representando o poder absoluto estatal. Começavam a ser dados passos públicos para o combate aos crimes. É a época da Lei de Talião, também amparada em
aspectos místicos. Com ela, engatinhava a idéia da proporcionalidade e da relação entre o
crime praticado, seus efeitos e conseqüências; e a sanção a ser ministrada.
Surgiu a hipótese de quitação por valores, que seria hodiernamente traduzida como
a composição civil que passou a ser prevista na Lei nº 9.099/95, ou como a pena pecuniária,
largamente utilizada desde então, por ordenamentos de todo o mundo e ainda perene em
nosso ordenamento jurídico, como em vários outros. Já aí se podia sentir que essa modalidade de pena trazia cunho de dignidade, de respeito ao sentenciado, com incipiente senso
humanitário, que evitava a adoção de penas severas ou cruéis, mas também com forte interesse em auferir divisas, pelo soberano ou pelo ente estatal, com tais imposições.
A intenção inicial de destinar a pena pecuniária em favor da vítima, como ressarcimento ou indenização, ainda no limiar de sua utilização como sanção, foi paulatinamente
recebendo a conjugação obrigatória da destinação de parte da pecúnia para o Estado, e logo,
234
Revista ESMAC
a parcela pública foi se tornando maior do que a parcela da vítima, até subjugá-la.
Num rápido comentário sobre a atualidade, o que se vê na aplicação brasileira mais
recente, pelo Código Penal ou pelas leis esparsas (especiais), é que a pecúnia, pela pena de
multa em senso estrito, é destinada a um fundo de manutenção e aparelhamento penitenciário; e as penas pecuniárias alternativas podem ser destinadas tanto à vítima, quanto a
entidades assistenciais, beneficentes, creches, educandários, asilos e outras, dentre várias de
objetivos sociais, humanitários, culturais ou educacionais, conforme indicação e aceitação
dos envolvidos, dos advogados, do Ministério Público e do magistrado, naquele caminho do
aproveitamento.
Fase de Vingança Divina refletiu o temor humano pelos desígnios dos deuses,
e esses desígnios representavam castigos. Fenômenos naturais e de saúde, como doenças
endêmicas, pestes, inundações, secas ou tempestades, eram punição divina. As codificações
eram tidas como intervenção celestial das entidades aos soberanos ou governantes, cujas
atuações legislativas eram delegação dos deuses. Esse poder divino deu influência e inspiração a códigos, como o de Hamurabi e o de Manu. Havia previsão de submissão a provações
que poderiam determinar a culpa do submetido, caso este não resistisse aos suplícios. O
Ordálio era um desses procedimentos, utilizado para verificar a culpabilidade dos imputados
de crimes, com submissão deles a provas cruéis de resistência. A eventual inocência se verificaria caso o imputado resistisse às provas.
A Fase da Vingança Pública nasceu da evolução social, como necessidade para
amparar o poder, qualificar o soberano e manter o Estado. O crime passou a ser visto como
prática marginal às regras da sociedade, à ordem coletiva e pública, como abalo ou ameaça
ao bem-estar e à paz social. O Estado se organiza e dita sanções e penas, caracterizando condutas e regras sociais. Essas normas coletivas são leis criadas para garantir a ordem e ainda
havia muita influência da religião no Direito. Apesar da estruturação incipiente, o marco
restou bem patente.
O Direito Grego teve base sacral face às punições. Apresentou traços de conjugação do interesse público com o Direito Penal, apesar da grande proximidade com a Filosofia.
Mostrou divisão dos delitos, separando infrações contra a divindade e contra o semelhante.
Deu relevo à função preventiva criminal. O Direito Hebreu, com o Talmud, destacou a pena
de multa, a despeito do Talião, e também aplicou concomitantemente as penas de multa e
de prisão. O Direito Romano foi um Direito fincado sobre bases de praticidade, como busca
pela consideração do justo cotidiano. Apresentou a iniciativa para separação objetiva entre
Religião e Direito.
Com isso, o Direito começa a ter definições e conceitos a ele pertinentes. A separação se torna visível. Neste momento histórico, os casos eram analisados com suas especificidades e ocorreu separação entre os crimes chamados públicos (crimina publica, considerados
como tais aqueles contra a segurança da sociedade; contra a segurança interna ou externa do
Estado) e crimes chamados particulares (delicta privada, que eram infrações menos graves,
contra pessoas, de forma mais individualizada). No trilhar evolutivo, o homicídio passa a ser
crime público e delitos considerados de maior repercussão, gravidade ou interesse, foram
nominados como extraordinários. A pena se torna, igualmente, uma sanção pública, sendo
utilizadas as de exílio e de deportação para casos muito graves, como alternativas à pena
de morte. As penas principais eram: supplicium (execução), damnum (pagamento) e poena
(indenização, principalmente às lesões). Passaram a ser utilizados institutos jurídicos como
235
dolo (bonus e malus) e culpa (leve e lata); imputabilidade (menores e doentes mentais) e
erro, dentre outros.
O Direito Germânico partiu dos costumes, da visão consuetudinária. Foi pluralista
e prestigiou as práticas comunitárias e tribais. Tinha característica de objetivar castigo e
força na aplicação das sanções, até mesmo na ocasião dos julgamentos, mediante utilização,
em determinados casos, do Ordálio e de duelos. Referendou conceitos da Lei de Talião. Acolheu a pena e a composição pecuniária, para certos crimes, ponderada a gravidade. Adotou
entendimento de que o elemento subjetivo e a culpa tinham relevo secundário. O resultado
da ação, as conseqüências e o dano causado embasavam as sanções. Penas principais: Wehrgeld (indenização e submissão do infrator), Busse (multa para o ofendido) e Friedensgeld
ou Fredum (pagamento ao soberano). A pena passava da pessoa do condenado, caso morresse antes de cumpri-la.
O Direito Canônico não usou da força nos julgamentos e nas condenações, que
buscavam a reintegração do apenado ao seu grupo, sendo também um modo de pagar pelos
seus pecados. Relevou o elemento subjetivo. A pena era uma imposição e um sofrimento a
vencer para auferir o perdão e a salvação. Este direito teve grandes influências do Cristianismo. Existiram tribunais eclesiásticos que processavam crimes como delicta eclesiástic; e
tribunais leigos, para delicta mere secularia e para delicta mixta (contra a ordem divina e a
humana). Havia penas espirituales (penitência, excomunhão) e penas temporales (conforme
o bem atingido).
O Direito Medieval fez uso de práticas cruéis para intimidação, com variações segundo a situação do réu na sociedade e no meio político. O Direito Medieval teve influência
do Direito Romano, do Germânico e do Canônico, e foi tido como pluralista.
O Período Humanitário ocorreu no século XVIII, durante o Iluminismo, apresentando caminhos e sedimentação para a formação do chamado Direito Moderno. Era contrário à retribuição, visualizando a finalidade da pena na utilidade social e comum. Adotou
a proteção da liberdade individual, a abolição da tortura e afastou-se do amparo apenas
religioso ou moral.
Idéias novas e grandes nomes integraram a evolução do Direito Penal, desde o
Direito Primitivo. Cesare Beccaria, autor do livro Dos Delitos e das Penas (Bauru: Edipro,
1997), por exemplo, foi um expoente. Ele criou propostas de modelo penal fundado em
leis e conceitos morais. Buscava fins utilitários e políticos e a formulação de leis objetivas
e claras, com penas voltadas para reintegrar socialmente o sentenciado. Suas idéias traziam
veio social. A prova sobre fatos deveria trazer meios humanos de comprovação, como o depoimento de testemunhas. Foi contrário a interpretações distanciadas da norma e favorável a
penas proporcionais, na expectativa de manter a ordem social, mas sem uso de penas muito
rigorosas ou violentas.
O Período Criminológico trouxe o estudo de delinquentes sob prismas biológicos
e sociais, identificando perfis criminológicos e analisando detidamente o crime, além dos
conceitos do núcleo tipificado.
No Brasil, atualmente, há procedimento semelhante no exame criminológico feito
nos delinqüentes, com base em antecedentes, no ato praticado, em avaliações médicas e psicológicas e em testes pertinentes, principalmente, na execução penal, regida por lei especial.
Na execução penal de apenados encarcerados, há também o relatório carcerário, que embasa
236
Revista ESMAC
eventuais progressões de regime de cumprimento da pena ou a obtenção de benefícios aos
presos. Voltemos ao roteiro.
A Escola Clássica teve períodos, como o filosófico (teórico) e o jurídico (prático).
Defendeu o livre arbítrio como base e pressuposto para a aplicação de penas e verificação da
responsabilidade. O Direito foi tratado como ciência jurídica, do que derivou a utilização do
sistema dedutivo ou lógico-abstrato (por ser uma ciência jurídica). Rejeitou interpretações
genéricas e indutivas. Afirmou o caráter individualista e científico da aplicação do Direito.
No período desta escola, Beccaria é o precursor do Direito Penal Liberal e Francisco Carrara
é tido como o patrono da Dogmática Penal.
A Escola Positiva foi contrária à Clássica, considerando o criminoso como produto
de fatores sociais, morais e físicos. Seu método era o indutivo, no estudo do Direito. O delito
não era considerado um ente jurídico, mas um fato humano, natural e social. Nesta escola,
César Lombroso apresentou a idéia da concepção biológica do crime, com método experimental em seu estudo. Afirmava que certas características físicas e psíquicas do criminoso
eram inatas. A Escola Positiva tinha grande tendência ao tecnicismo jurídico-penal e defendia a aplicação da lei do Estado, das regras postas e do ordenamento.
Vale mencionar, ainda, a existência de Escolas Mistas ou Ecléticas, que surgiram
com a reunião de conceitos e princípios positivistas e clássicos, conciliando-os. Pontos básicos: respeito à personalidade do Direito Penal, que não pode ser absorvida pela Sociologia
Criminal; não aceitação do tipo criminal antropológico; visão do delito como causalidade
e não como fatalidade. A pena tem função defensiva ou preservadora da sociedade. Outras
escolas: a Escola Moderna Alemã (Von Liszt), com destaque para a separação de pena e
medida de segurança, distinguindo o Direito Penal das demais ciências e acolhendo o delito
como um fato social-humano e como fato jurídico. E a Escola Humanista, mais liberal e
flexível quanto ao infrator.
237
2. ESPÉCIES DE PENALIDADES:
As primeiras penas de que se tem notícia incluíam diversos castigos corporais e
até a morte. Houve a chamada perda da paz, que era a expulsão do apenado do meio em
que vivia (clã ou grupo), o que geralmente resultava em morte, pelas grandes dificuldades
de sobrevivência em se vivendo isolado, ante as adversidades e as forças rudes e hostis da
natureza. Os principais castigos noticiados eram a tortura física, a degradação social, a expulsão do grupo e as penas financeiras. A expulsão do grupo ocorria pela morte, pelo exílio,
pela prisão ou por meios mais sutis, como marcar com ferro em brasa, mutilar ou degradar
os condenados por diversos outros meios. Sobre as principais penas verificadas na evolução
histórica, vamos a um resumo.
A pena de morte teve maior e menor uso durante o tempo e variou em forma de
execução, dependendo de onde foi aplicada, observado que ela ainda subsiste. Nos primórdios existiram execuções cruéis, praticadas contra as pessoas através, por exemplo, de submersão em óleo fervendo, de queimar em fogueira, do suplício da roda, de afogamento e de
empalação. Como passar histórico, a crueldade foi sendo trocada por execuções rápidas e
por algumas menos dolorosas.
Edwin Sutherland, na obra Princípios de Criminologia, traduzida por Asdrúbal
Mendes Gonçalves (São Paulo: Martins Editora, 1949) noticia uma sentença oriunda de
Nova Iorque, em 1712, contra um escravo, que lhe impunha “ser queimado a fogo lento de
modo que se prolongasse o seu tormento por oito ou dez horas e continuasse ardendo no dito
fogo até que se seguisse a morte e a incineração”.
Com o crescer das tendências humanitárias, as penas cruéis foram sendo deixadas
de lado e a rudeza do período medieval foi sendo substituída por formas menos incisivas de
se executar a pena de morte. Pelos idos dos séculos XVII e XVIII, a pena de morte deixou
de ser cominada a crimes religiosos, como acontecia muito até ali, passando a ser imposta
principalmente em crimes contra a propriedade. As classes economicamente dominantes
influenciavam, e passaram a contestar a amplitude das sentenças de morte (instrumento de
garantia da ordem e do poder).
As imposições passaram a ser menos executadas, pelo esvaziamento da capacidade
de intimidação da pena capital e seu descrédito perante a sociedade à época em ebulição.
Começaram a surgir defensores da idéia de que toda e qualquer pena teria que ser reparável
ou revogável, e que a pena de morte era uma pena irreparável.
A pena de morte até hoje é aplicada em alguns lugares. Nunca deixou de receber
variadas e fortes críticas. Foi sendo abolida de diversos ordenamentos jurídicos, face à repulsa da maioria dos povos, governos e sistemas penais. Nos Estados Unidos - no Texas e na
Flórida, por exemplo - a pena de morte é usada em casos de crimes contra a vida, de acordo
com a intenção. Mas não se vêem mais, e ainda bem que é assim, expoentes doutrinários,
grandes pensadores do Direito ou penalistas a defender o uso de tal pena, independente do
crime praticado. As legislações, os operadores e os estudiosos são, em significativa maioria,
contrários à pena capital, e as modernas legislações são tendentes a maior humanização
das penas, a maior utilidade e efetividade das execuções penais e a maior participação das
comunidades e das próprias vítimas no acompanhamento do cumprimento das penas. Disso
resulta crer que a pena de morte está a caminho da sala de execução.
238
Revista ESMAC
Tortura física. O castigo corporal ou suplício esteve incluído na maioria das sociedades como meio de punição. Nos tempos medievais e no início dos tempos modernos
existia considerável variedade de castigos. As modalidades de suplícios traziam moldes de
cerimônia e as execuções redundavam em um evento coletivo com certo tom festivo, que
provinha do cunho sacral da pena, tida como uma expiação. Estas penas tiveram, junto com
a sacralidade, aspectos políticos. Como explica Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir:
História da violência nas prisões, traduzida por Lígia M. Ponte Vassalo (3ª edição. Petrópolis: Vozes, 1984), o suplício:
“entra logicamente num sistema punitivo, em que o soberano, de maneira direta ou indireta,
exige, resolve e manda executar os castigos, na medida em que ele, através da lei, é atingido
pelo crime. Em toda infração há um criminen majestatis, e no menor dos criminosos, um
pequeno regicida em potencial”.
Sendo superada a vinculação entre matéria penal e religião (que se efetivou em fins
do século XVIII e início do XIX), as mencionadas cerimônias de punição foram deixadas no
passado. Aos poucos, a execução dos suplícios perdeu o jogo de cena e o tom de espetáculo,
pela negatividade do evento, que era um ritual tão reprovável quanto o crime que o originara.
E assim, como já ocorrera com a pena de morte em execuções cruéis, tais penas, mesmo
aplicadas, foram deixando de ser executadas.
Degradação Social. A vergonha e a humilhação eram castigos que visavam atingir
o status social do apenado, temporária ou permanentemente. Foi usada do começo do século
XVI ao fim do século XVII, para crimes como, roubo no peso, mendicância, rixa, embriaguez, furto, agitação, falsificação e blasfêmia, dentre outros. Castigos como, marcas com
ferro em brasa, mutilações e pelourinho, atingiam a integridade física do apenado, mas o fito
principal era causar a vergonha pública. A degradação foi sendo deixada pela constatação da
sua inutilidade. O apenas sofrer não se traduzia em recuperação ou em ressarcimento. Para
piorar, quem estava estigmatizado tinha grandes dificuldades para obter emprego ou trabalho, e para retornar ao normal convívio grupal, e assim, ficava mais propenso a novamente
delinquir.
O exílio e o degredo. A proscrição foi mais ou menos aplicada por quase todas as
sociedades. Na sociedade primitiva o degredo era como uma pena de morte, em razão da
ausência da proteção do agrupamento social e submissão a perigos e adversidades de uma
vida isolada. Depois, na Roma antiga, o exílio podia se configurar pela proibição de entrada
em certo espaço territorial ou na área da cidade; ou de saída, quando se era enviado para
uma ilha, por exemplo. As penas poderiam ser perpétuas ou temporárias. Na modernidade,
o degredo foi legalizado na Inglaterra em 1597, e se aplicava a vagabundos e a falsos mendigos, por exemplo. Posteriormente, a partir de 1671, os condenados ingleses passaram a ser
enviados para suas colônias norte-americanas (até a Revolução Americana), e depois para a
Austrália. Muitos réus que escapavam da sentença de morte eram submetidos ao degredo,
que, nas ocorrências mais leves, podia se traduzir na expulsão da comarca. O mais usual,
porém, era o exílio em colônias, até como forma de viabilizar as conquistas, o povoamento
e a manutenção de novos territórios. O degredo podia ser perdoado, em situações de guerra,
caso o condenado aceitasse lutar e fosse bravo. Forma grave de degredo era o trabalho forçado em embarcações. Mesmo em caso de guerra, não tinha hipótese de comutação. Foi pena
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de utilização menos usual do que a pena de prisão (reservada a crimes relativamente triviais).
As penas de morte e de degredo eram destinadas para condenados em crimes mais graves.
Portugal usou o degredo enviando condenados para suas colônias no Brasil e em Angola.
A Rússia fez o mesmo para a Sibéria. A Itália, para as ilhas ao longo de sua Costa. O exílio
não se mostrou eficaz para reeducação. Como era fortemente reprovado pelas colônias e era
também muito dispendioso para a metrópole, foi sendo abandonado, visto que também as
conquistas e colonizações foram perdendo espaço.
O que se vê hoje, em casos políticos, quando há perseguição de alguém dentro de
seu país, é a busca por asilo político em outro país, pelo perseguido. Ao inverso do exílio, no
asilo, o perseguido é acolhido no país asilante. A citação aqui cabe e serve para demonstrar a
humanização que vem sendo adotada nos tempos atuais pelas nações. E neste caso de asilo,
inclusive, como modo de prestigiar a idéia do homem como irmão do homem, como modo
de tentar dar ao homem novas oportunidades de viver uma vida normal e digna e para afastálo de possíveis atos injustos.
As penas financeiras. As sanções que incidem sobre o patrimônio (valores, bens e
afins) dos condenados são muito antigas. Começaram sendo aplicadas como confisco geral
de propriedade. As multas concomitantes coexistiram com o confisco. Essa espécie de pena
é pertinente aos grupos sociais com organização política mais disciplinada, em fase de maior
desenvolvimento sociocultural e jurídico.
Na obra intitulada Multa Penal – doutrina e jurisprudência (2ª edição. São Paulo:
RT, 1993), o autor Luiz Regis Prado, citando R. Pessagno e H. Bernardi, noticiou que o
primeiro registro histórico da aplicação da pena pecuniária foi antes de Cristo: “a lei penal
romana conheceu, no auge de seu desenvolvimento, três espécies de pena: corporais, infames e pecuniárias. Ao tempo do Império (27 antes de Cristo), a pena de multa – pagamento
de uma soma em dinheiro – é freqüente na hipótese de crimes comuns”.
Registros iniciais sobre a aplicação de penas pecuniárias apontam intenção de retribuição ou indenização. A vítima tinha a faculdade de cobrar indenização ao ofensor, tendo
por base a sua posição social (da vítima), o prejuízo sofrido e a proporção de sua perda.
A idéia geral era tornar ao estado anterior ao fato, no tocante ao lado material. Tal sanção,
então, era aplicada em esfera cível, mesmo que o fato reclamasse uma pena em senso estrito,
diante da idéia de ressarcimento ou indenização.
Depois, como ocorre hoje em dia, a pena restou prevista como sanção criminal,
acessória ou principal. Porém, nos casos de composição civil, mesmo na esfera penal e
em ocorrência atinente, em tese, a um crime ou a uma contravenção penal (de pena até
dois anos), o acordo civil põe fim à lide criminal (nos casos de crimes iniciados por ação
penal privada ou a ação pública condicionada a representação da vítima), como se explicará
melhor mais adiante, em comentários sobre o artigo 74 da Lei nº 9.099/95, que instituiu os
Juizados Especiais Criminais (estaduais) no Brasil.
Para além da pena de prestação pecuniária alternativa, prevista hoje como substitutiva ou como pena principal; e também aplicada diretamente, dependendo do caso trazido a
julgamento (art. 43, I do nosso Código Penal), se vê que, em busca de soluções céleres para
os litígios, mesmo os de natureza penal, o ordenamento jurídico brasileiro (Lei nº 9.099/95,
art. 74) passou a prever o instituto da composição civil entre as partes, que é uma sensível
medida despenalizadora.
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Em caso, por exemplo, de crime de lesões corporais de natureza leve (art. 129,
caput, do Código Penal) ou de crime de ameaça (art. 147 do Código Penal), ambos dependentes de representação pelo ofendido ou por seu representante legal, as partes envolvidas
podem, mediante acordo entre elas mesmas, colocar fim ao litígio, com o instrumento da
composição civil. Ocorre que, depois de homologada a composição civil, é declarada judicialmente a extinção da punibilidade que poderia decorrer para o imputado. A composição
civil, nesta hipótese, com freqüência, é obtida através do pagamento, pelo ofensor, ao ofendido, de certa quantia em pecúnia ou de especificada indenização (e até mesmo por pacto de
bom relacionamento futuro, evitando novos atritos), e em razão dessa composição, a vítima
renuncia ao seu direito de representar, formalizando acordo com o ofensor. Com isso, restando inexistente condição legal de proceder e de prosseguir (por falta da representação da
vítima, pois esta renunciou. E o Ministério Público não pode intentar ação, nem prosseguir
na persecução, face a crime que exija representação, se esta não for sustentada pelo ofendido), o nominado autor de fato típico penal evita ser processado, elimina a imputação por
aquele crime (em seu desfavor) e ainda obtém a declaração judicial de extinção da eventual
punibilidade.
Voltemos à sequência anterior. Ainda nas origens, o desenvolvimento e as aplicações das penas financeiras se deram também para benefício do rei que, juntamente com
a vítima, passou a auferir divisas com as imposições, através do desconto de uma ou outra
parcela em favor da coroa, via condenação em pagamento complementar pela participação
do Estado no julgamento e ainda pela perturbação da paz. Do século XII em diante as parcelas do soberano cresceram muito, a ponto de superar o valor atribuído à vítima direta. Mais
adiante, a tendência foi reverter a totalidade das prestações com natureza de pena em prol do
Estado, pelo que foi subtraído o aspecto de indenização para o ofendido. Tal direcionamento
se fortificou, ante a voracidade estatal, a ponto de se tornar uma das suas principais fontes
de renda. Nesse tempo, a pena de prisão era aplicada para instar o condenado a pagar a pena
financeira.
Hodiernamente, coexistem as duas hipóteses, no nosso Código Penal e em leis penais extravagantes brasileiras (leis penais especiais), sendo a pena de multa que beneficia o
Estado e a prestação pecuniária, que pode ser direcionada para a vítima ou para instituições
diversas, em geral, beneficentes ou assistenciais. A aplicação pode ser direta, como pena
principal ou como pena transacionada; ou pode ser indireta, após a cominação de outra sanção, surge a multa substitutiva da outra pena fixada, que posteriormente é trocada pela pena
alternativa pecuniária. Além do Código Penal, a Lei 9.099/95 e a Lei 9.714/98, dentre outros
diplomas legais, tratam delas. Na prestação pecuniária alternativa há relativa sintonia com a
antiga indenização por danos infligidos à vítima, em valores pagos pelo condenado, isto em
sede de transação penal. Além disso, há o instituto do qual se falou acima, quando ocorre a
possibilidade de uma indenização colocar fim a litígios, em sede de composição civil, nos
casos em que a ação penal não seja pública incondicionada. A composição, por isso mesmo,
é instrumento com moderna agilidade para a solução pactuada dos conflitos criminais.
Em outras previsões jurídicas recentes, as penas financeiras são bem comuns e largamente utilizadas, com ampla diversificação quanto ao cabimento e à destinação, tanto a ressarcir o ofendido, quanto a beneficiar o Estado ou instituições públicas ou privadas. A maioria
dos casos de multa específica (multa como pena principal e multa em sentido estrito) em prol
do Estado ocorre com destinação para um chamado fundo penitenciário. Há hipóteses outras.
241
No Acre, há um fundo de aperfeiçoamento e desenvolvimento dos Juizados Especiais, previsto na Lei Estadual nº 1.168/95, que aufere direcionamento de sanções pecuniárias
e reverte os recursos, principalmente, em aparelhamento e manutenção do sistema dos Juizados Especiais, como se pode conferir pela reprodução abaixo:
CAPÍTULO VI - Do Fundo Especial para instalação, aperfeiçoamento e desenvolvimento
das atividades dos Juizados Cíveis e Criminais:
Art. 93. Fica instituído o Fundo Especial para instalação, aperfeiçoamento e desenvolvimento das atividades dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, destinado a centralizar recursos
e custear despesas relacionadas com a instalação, o funcionamento e o aperfeiçoamento das
atividades dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com equipamentos e materiais permanentes de qualquer órgão do Poder Judiciário, com a construção, reconstrução, remodelação
e reforma dos edifícios de fóruns das comarcas do Estado, além de outros próprios destinados a atividades forenses, bem como despesas de capital e de custeio, com exceção da folha
de pagamento de pessoal e seus encargos”.
Pena de prisão. O uso de medidas encarceradoras foi restrito, nas civilizações antigas, ocorrendo em pequena medida, tão-somente em situações de providências ligadas à fé
e à religião; e pelo clero, para expiação ou penitência de pecados, por seus integrantes, mas
sem conotação de pena. O encarceramento em grande escala não era viável, por não existirem instituições a ele destinadas. Os poucos locais não tinham finalidade específica, e por
isso, faltava segurança para detenção de apenados, ainda mais se fossem muitas pessoas.
Vários óbices eram vistos para solidificação desta espécie de pena. Edwin Sutherland (Ob. cit), salienta que “era preciso que a vida social se tornasse mais estável para que a
prisão se tornasse uma norma geral”. Sutherland diz ainda que a quase inexistência da pena
de prisão nos tempos antigos tem referência sociológica, pois:
“a punição é um método de privar a pessoa de algum valor. Durante o período medieval, com
o seu intenso interesse pela teologia, não havia castigo mais severo que a excomunhão. De
modo semelhante, durante o período moderno, o seu interesse pela democracia e pela liberdade, significou a perda de liberdade muito mais que outrora. Em outros tempos, quando as
pessoas se mantinham ordinariamente isoladas no castelo por efeito de guerra ou das crenças
religiosas, a prisão não teria sido muito diferente da vida de muitas pessoas que não haviam
cometido crime algum. Muitos castelos da época não eram mais agradáveis que as prisões;
de fato, muitos castelos foram transformados em prisões, e depois voltaram a ser castelos.
Por causa do maior preço dado à liberdade, a perda dela veio a ser considerada como suficientemente punitiva para os piores criminosos”.
Franciele Silva Cardoso, em seu livro Penas e Medidas Alternativas – análise da
efetividade de sua aplicação (São Paulo: Editora Método, 2004), leciona que “a pena de
prisão não era prevista como uma espécie dentre aquelas das quais poderia se valer o juiz
para sancionar o delito”, e citando Cuello Callón (Penologia – las penas y las medidas de
seguridad – su ejecución. Madrid: Réus, 1920), aduz que o cárcere era usado para manter
segregados e seguros os processados, durante a instrução criminal, como forma de coerção, em casos de dívidas ou de desobediência, e que “o cárcere era destinado, sobretudo, a
albergar e custodiar os delinqüentes destinados ao suplício”. É também daquela autora, na
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mesma obra em referência, o seguinte esclarecimento sobre a pena de prisão nas civilizações
antigas: “O encarceramento, nessa época, só foi previsto no direito canônico, já que às autoridades eclesiásticas não era permitido, por lei, usar a pena de morte. No século V a igreja
já usava a pena de encarceramento, contudo ela só foi aplicada mais incisivamente durante a
Inquisição”.
A pena prisional eclesiástica poderia ser cumprida em total solidão (in pace) ou
com vida em comum nos corredores dos estabelecimentos (murus largus). Mais para o final
do século XIII, a pena prisional teve maior aplicação, mas ainda com fim compulsório ou
para cobrar multas.
Com as grandes navegações, no início do século XVI, as galés recebiam presos
condenados à prisão e nelas ocorria a execução, beirando forma de escravidão, o que ocorreu até o começo do século XVIII, quando começaram a se desenvolver os grandes navios
a vela. A pena de prisão, como ressalta Franciele Silva Cardoso (Ob. cit), passaria por um
estágio intermediário de evolução, até chegar perto do que conhecemos atualmente, o que se
deu com a instituição das casas de correção ou Houses of Correction, instaladas em meados
do século XVI, para a detenção dos apenados por crimes leves, para vadios, para mulheres
sem amparo e com filhos ilegítimos e para apenados que apresentassem riscos à ordem social. Nessas casas havia uma rígida disciplina voltada para emendar os segregados, sendo a
mais antiga destas instituições a House of Correction, de Bridewell, em Londres, aberta em
1552. Com fins reformadores, apareceram em Amsterdã, no final do século XVI, prisões que
se tornaram referência, como a de Rasphuis (para homens), que aplicava castigo corporal,
praticava ensino religioso e exigia trabalho contínuo. Depois, mais países europeus, com
base naquelas experiências, criaram prisões semelhantes. É ainda Franciele Silva Cardoso,
na mesma obra citada, quem sustenta que:
“o surgimento de tais estabelecimentos prisionais não revela a existência de um sistema
penitenciário, algo que começou a tomar forma nos Estados Unidos e na Europa a partir da
contribuição de estudiosos, como o monge beneditino Juan Mabillon, autor de Reflexões
sobre as prisões monásticas, publicado em 1695, em que criticava o excesso de rigor e recomendava a oferta de trabalho e a regulamentação de passeios e visitas; e como Cesare Beccaria, autor do livro revolucionário Dos delitos e das penas (1794), em cujas páginas fazia
pesada crítica ao Direito Penal então vigente, insurgindo-se contra a tortura, o arbítrio dos
juízes e a falta de proporcionalidade entre o delito e a pena”.
Ainda sobre a pena de prisão, vários pensadores e escritores a abordaram, com
referências a hipóteses de isolamento (para estimular a reflexão, a conscientização, a expiação, e até para evitar contágios, pela proximidade com outros presos), a hipóteses de se
permitir ou negar trabalho ao recluso, de fornecer educação religiosa e moral etc.
Ou quanto à classificação e separação de presos (por idade, por natureza do delito), como Jeremy Bentham, filósofo e criminalista inglês, autor do livro Teoria das penas e
das recompensas (1818), que pregou o utilitarismo no Direito Penal e propôs um modelo
de prisão celular denominado panopticum, definido como um estabelecimento circular ou
radial, no qual uma só pessoa, desde uma torre, podia exercer controle total dos presos,
vigiando-os no interior das celas. O panótico seria um regime caracterizado por separação,
higiene e alimentação adequadas, e em certos casos, com castigos disciplinares. Franciele
Silva Cardoso (Ob. cit.) diz que:
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“as idéias desses pensadores foram seguramente a fonte maior de inspiração dos primeiros ensaios do que poderíamos chamar sistemas penitenciários modernos, iniciados com os
Quakers. Na Filadélfia, experimentou-se um sistema conhecido como pensilvânico, filadélfico, celular ou de confinamento solitário (solitary confinement). Consistia num regime de
isolamento, em cela individual, nua, de tamanho reduzido, nos três turnos, sem atividades
laborais, sem visitas, em que se perseguia o arrependimento com base na leitura da Bíblia,
tal como nas penitenciárias da igreja”.
E vários modelos se seguiram. Condições rigorosas desses presídios para alcançar a disciplina causavam desumanidade na execução das penas de prisão neles cumpridas,
afetando o corpo e a mente dos presos e deixando de qualificá-los para a reinserção social.
Dentre outros sistemas, podemos mencionar o sistema solitário (que depois se tornou mais
brando), o do silencio, que permitia vida em comum durante o dia e isolamento celular de
noite, com absoluto silencio, e castigos corporais, em caso de descumprimento das regras.
Este também causava distúrbios emocionais, pela severidade do isolamento e do silêncio.
Outros vieram, tentando reduzir as falhas e as limitações, assim como os rigores
excessivos. O sistema progressivo era organizado em etapas de rigor decrescente, com avaliações sustentadas pela conduta e pelo trabalho, preparando o recluso gradualmente para retornar à liberdade. Teve boa receptividade e a progressividade na execução até hoje é usada,
inclusive, no Brasil, por previsão expressa na Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/1984),
em seu artigo 112, que diz:
“A pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva com a transferência para
o regime menos rigoroso, a ser determinado pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao
menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão”.
A autora Franciele Silva Cardoso (Ob. cit) diz que entre os sistemas, o do coronel
Manoel Montesinos y Molina (1796-1862), na Espanha, advogava a função de reeducação
da pena, oferecendo tratamento humanitário, com trabalho remunerado, sem castigos corporais e com regras orientadoras. Diz também que Montesinos adotou no presídio de San
Agustín, em Valencia o pressuposto de que o criminoso deve ser visto, no cumprimento da
pena, por aquilo que ele é, afora por aquilo que fez. O sistema se dividia em três fases: a)
dos ferros, em que os presos faziam, embora subjugados a correntes, serviços de limpeza e
outros no interior da unidade; b) do trabalho, em oficinas onde executariam suas tarefas e se
valorizava sua capacitação profissional; c) da liberdade intermediária, com direito à visita a
familiares e trabalho externo.
Muitos outros sistemas surgiram, ali e acolá. A doutrina menciona idéias vastas,
mas nada surgiu nesse tempo, de forma a inovar sobre alternativas efetivas ao aprisionamento. Nos Estados Unidos, no reformatório de Elmira, no Estado de Nova Iorque, fundado em 1876, instalou-se uma espécie de progressividade, classificando-se o condenado
e permitindo, com o ingresso em segundo estágio, regime mais leve, abandono de ferros
e uniforme para depois de meses, com comprovada boa conduta, ir progredindo. Havendo
má conduta ou tentativa de fuga, passava-se a um regime de semi-isolamento na cela, acorrentado e passível de flagelos. Outros modelos, baseados em exercícios físicos, trabalho,
religião e disciplina, foram usados nos Estados Unidos e na Europa. Até hoje, com o efeito
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ressocializador e com pequena margem de reincidência, os povos lutam para encontrar um
modelo adequado e eficiente.
Para nosso roteiro, interessa mencionar esses exemplos, para demonstrar insistentemente que, no decorrer da história - ou pelo desuso da prisão perpétua e dos isolamentos; ou pela instalação da progressividade de regimes, de um mais severo para um mais
ameno, inclusive, com as saídas e o regime aberto total - a pena de prisão vem sendo revista
e repensada, diante da constatação de que os crimes são inerentes ao convívio social e de que
não há extinção de delitos registrada em lugar nenhum. Disso decorre a percepção de que a
pena de prisão não conseguirá, como nunca demonstrou conseguir, eliminar a criminalidade.
Mas, mesmo em não sendo possível controlar totalmente, no sentido de debelar, a história
vem mostrando que é bem possível humanizar e tornar mais úteis e efetivas as penas, por
meio da alternatividade, para minimizar essa criminalidade.
O conteúdo de previsões e alternâncias, com as variações acima retratadas, se verifica com os passos da história, com cada momento evolutivo. Ao se ao incriminar uma conduta, com previsão de pena para sua ocorrência típica, em cada tempo, vai-se ponderando,
além da intimidação e da retribuição, a possibilidade de ressocialização e também a de conscientização; a valoração feita pela comunidade ante tal comportamento e a importância do
bem jurídico, ou de sua proteção; a necessidade da pena e se há outro tipo de sanção suficiente, mais adequado ou atualmente mais cabível. Como aponta o histórico aqui apresentado,
os estágios do Direito Penal e os dos tipos de pena usados dos tempos antigos para cá, não
se afastaram muito dessa delimitação.
Assim, do que foi escrito, se viu que nos primórdios, a pena e sua execução eram
como um só evento e ocorriam quase simultaneamente. De ressaltar, nesta síntese, a influência da religiosidade e de elementos sacros no Direito Penal primitivo (crime/pecado),
pois as religiões e crenças tutelaram as relações antes do Direito Penal. Da fase da vingança
privada e suas variações, evoluiu-se para a fase taliônica, quando a proporção entre o fato
praticado, a pena respectiva e a aplicação pertinente passou a ser considerada. A auto-satisfação da vítima refere-se a período pré-jurídico; já a pena, na mais remota noção, derivava
de uma relação jurídica da qual sobressaíam sanção e retribuição. Tabus, costumes, crenças
e necessidade de pacificar, tipificavam as ofensas. E a admissão da retribuição pecuniária,
substituindo a vingança.
Carmem Sílvia de Moraes Barros, no seu livro A Individualização da Pena na Execução Penal (São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001), expõe que os “romanos evoluíram
e o Direito também, com o advento da normatividade estruturada”. No Direito Canônico,
confissão e arrependimento poderiam gerar penitência, relevando-se o castigo. No Direito
Romano, a execução trazia penas que visavam dor e medo. Existiram penas infamantes e de
flagelação. Confisco e pena pecuniária, extintivas ou restritivas de direitos. Pena de prisão
e pena morte. O Direito Canônico e o Romano evoluíram com influências mútuas. A prisão
como pena surgiu no Direito Canônico, sendo local para meditação, reflexão, penitência e
expiação. No direito comum, a prisão, antes, foi apenas medida processual, os acusados
aguardavam ali a execução da pena efetiva ou ali ficavam como modo de forçar o pagamento
de multas.
Existiram também as penas restritivas de liberdade, limitando a locomoção, como
as de exílio e de desterro. Penas de trabalhos forçados, em minas ou em embarcações, às
vezes, para o resto da vida. E também penas de açoites, de mutilações ou de infâmia (perda
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da honra). Eram penas para causar medo e obediência (ainda muito afastadas do senso de
justiça), que também não revelavam conotação de equidade nem de proporcionalidade com
o crime praticado.
Com o Iluminismo, surgiram movimentos de reformas das leis, de estruturação da
justiça penal, para segurança jurídica e respeito à pessoa. No século XVIII, Beccaria pregava
o caráter utilitário da pena e a anterioridade de lei para punição de condutas. Separam-se os
conceitos de justiça divina e humana, buscam-se os direitos e garantias individuais contra o
Estado totalitário ou de base no direito divino, pede-se a soberania popular contra o absolutismo medieval, dentre outras bandeiras de reivindicações. Nesse período, a pena de prisão
passa a ser muito usada.
Carmem Sílvia de Moraes Barros (Ob. cit) acrescenta que “etapas várias surgiram
até que a execução penal chegasse ao estágio atual, em que parte do presente e projeta-se
para o futuro, observando a figura do apenado como determinante da execução”. Muito
tempo passou até que a prisão fosse admitida como pena (antes, era só estágio até a efetivação da sanção). Também lenta foi a evolução do Direito. No Direito Penal Germânico, uma
vítima de dano que pretendesse a reparação, contava com meios de substituição da vingança
(transação, retribuição). No Direito Penal Romano, o crime foi julgado pelo Estado, com
poder de punir, e o delito envolvia os particulares, tendo o Estado como árbitro. Houve a fase
da determinação de crime e pena pelos magistrados, sem processo nem prova efetiva. Foram
estágios evolutivos consideráveis.
Só depois, o Direito Penal Romano perdeu a direta influência divina nos conceitos
de infração e pena e se voltou para o interesse público e para o direito de punir do Estado,
que em continuação se tornou exclusivo. Na segunda metade da Idade Média ocorrem importantes mudanças, e os litígios passam a ser resolvidos diretamente de forma neutra e no
interesse público, pelo Poder Judiciário. E ainda Carmem Sílvia de Moraes Barros (Ob. cit)
quem nos ensina que“sucessivos estágios de função da pena, de sua aplicação e de execução,
as sociedades conheceram”.
No resumo acima, mencionamos as penalidades, em maioria, que foram adotadas ao longo da história da humanidade. O curso delas traz em si a evolução da própria
civilização (e aí a evolução interpretativa das funções da pena), a superação do paradigma
da organização social cujo poder era pulverizado, para dar lugar ao Estado politicamente
organizado, centralizado e detentor do monopólio da justiça punitiva. Restou demonstrado
que a preferência por um ou outro tipo de castigo revela uma tendência geral verificada com
a cultura e os costumes de cada época e lugar. Nos tempos antigos tínhamos a irracional e
desmedida vingança de sangue, de caráter privado ou justificada pelos dogmas das diversas
religiões e sem nenhuma correlação proporcional com o mal que visava retribuir. Com o
surgimento de diversas leis positivadas, como o Código de Hamurabi (Mesopotâmia) e da
Lei das XII Tábuas (Roma), ambas permeadas pela Lei Mosaica (Talião), verificam-se os
primeiros sinais, ainda muito tênues, de utilização de certa proporcionalidade entre a pena
cominada e o delito praticado. Mas penas e tratamentos desiguais ainda eram freqüentes. Se
tentou fazer do Direito Penal (ainda incipiente) um instrumento de garantia e defesa do Estado e da ordem religiosa, o que autorizou e justificou incontáveis arbitrariedades e excessos
judiciais, ora pelos procedimentos inquisitoriais, direcionados e secretos, fundados muitas
vezes nas torturas e sem assegurar mínima defesa; ora pelo rigor punitivo após o processamento, às vezes sumário, com aflições, flagelos, excessos e crueldades. Essas situações,
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segundo Heleno Cláudio Fragoso (Ob. cit), acabaram:
“criando em torno da justiça punitiva uma atmosfera de incertezas, inseguranças e justificado terror. As penas eram desiguais, dependendo da condição do réu. Aplicava-se largamente
a pena de morte, através dos mais variados e bárbaros meios de execução (forca, fogueira,
roda, empalamento, esquartejamento, etc.). O confisco e a infâmia acompanhavam muitas
das penas Era este o estado de coisas quando surgiu, à época do Iluminismo, vigoroso movimento de reforma da justiça penal”.
Nessa ordem de fatos, a monopolização da justiça punitiva pelo Estado foi decorrência lógica da necessidade de melhor organizar a sociedade, gerir os conflitos e dar solução
aos confrontos de interesses. E assim aconteceu. Os julgamentos e os atos sancionatórios
passaram a ser ordenados exclusivamente pelas autoridades públicas constituídas, ou por
delegação delas, com reais avanços e modernização. De tal estágio em diante, os ordenamentos foram se consolidando como vontade soberana estatal e como matéria interesse público,
na busca pela proteção de direitos e pela afirmação de deveres, em resumo, pela fixação de
regras de convívio social.
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3. ABORDAGENS SOBRE O DIREITO PENAL
CRESCIMENTO DAS PENAS ALTERNATIVAS À PRISÃO:
BRASILEIRO.
SURGIMENTO
E
No início de sua colonização o Brasil não tinha (e ainda demorou bastante para ter)
a sua própria legislação. No tempo em que o Brasil foi descoberto, vigoravam em Portugal as
Ordenações Afonsinas, publicadas em 1.446 e divididas em cinco livros, trazendo influência
do Direito Romano-Canônico. O Direito Penal e o Processual Penal estavam no Livro V,
seguindo a trilha antiga de pouca separação entre temas religiosos, morais e jurídicos, face a
condutas reprováveis.
Essas Ordenações refletiam o colonialismo absolutista e diferenciavam nobres e
plebeus. Traziam processos inquisitoriais no modelo romano e querelas ao modo canônico.
O referido livro V foi expoente na Europa. Previu a exclusividade do poder público estatal
para julgar e punir (afastando a vingança) e trouxe a pena de morte para várias situações.
Por volta de 1.521, surgiram em Portugal as Ordenações Manuelinas, sem mudanças notáveis. No Brasil não havia aplicação efetiva dessas ordenações, pois não existia
estruturação de poder, tampouco organização judiciária, o que só ocorreu depois da instalação dos governos gerais. Na continuação, Portugal adotou as Ordenações Filipinas, com
pouca variação face às anteriores, que foram ratificadas pelo Brasil, já em 1823, estando
independente. Foramadotadas penas, como: morte natural; mortenaturalcruelmente;morte
pelo fogo; açoites, pregão pela cidade ou vila; degredo para galés; degredo perpétuo ou
temporário; mutilação; confisco e multas, dentre outras. Subsistiam penas cruéis e a pena
de morte era aplicada em vários casos, o que só foi sufocado pelos novos ventos mundiais
soprados com as idéias iluministas e as liberais, advindas da formação da Independência dos
Estados Unidos da América (1776) e da Revolução Francesa, que resultaram na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789.
E assim, quando o Brasil outorgou a Constituição do Império, em 1824, novos
traços foram dados ao Direito Penal, sendo traços liberais e humanísticos, refreando a crueldade vista antes e evitando, por exemplo, a declaração de infâmia aos parentes do condenado, o que derivou em firmar a pessoalidade da sanção penal. Ao dar esses traços novos,
afastando a crueldade, a Constituição do Império alargou a aplicação da pena de prisão, já
estabelecendo critérios para separação dos presos, por critérios pessoais e avaliações em face
dos crimes praticados.
De destacar, ainda, que a Constituição do Império tornou patente e explícita a necessidade de o Brasil criar um código penal próprio, que se amparasse na busca da justiça e
da equidade (art. 179, § 18 da Constituição de 1824).
Surgiram movimentos pela implantação de um novo Direito Penal no Brasil. René
Ariel Dotti, em sua obra Bases e Alternativas para o Sistema de Penas (São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1998), relata que juristas brasileiros como José Clemente Pereira e Bernardo
Pereira Vasconcelos, pleiteavam a aceitação no Brasil de princípios constantes da obra de
Beccaria, como a utilidade pública da lei penal, sua irretroatividade, a igualdade dos sujeitos
perante a lei e a pessoalidade da pena (não passar da pessoa do condenado).
O Código Criminal do Império do Brasil foi sancionado no final de 1830 pelo
Imperador D. Pedro I, trazendo novidades, reduzindo as possibilidades da pena de morte
e pondo fim às execuções cruéis e às penas infamantes, a não ser os açoites, mantidos em
desfavor dos escravos, em que pese a Constituição do Império desacolher tal situação.
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Em resumo, as sanções estabelecidas no Código do Império eram: pena de morte,
pena de envio para as galés, prisão com trabalho, prisão simples, banimento, degredo, desterro, multa, suspensão do emprego, perda do emprego e açoite em escravos (não aplicada
aos livres). A pena prisional ganhou ênfase na codificação imperial e até poderia ser pena
perpétua, em caso de crime contra a existência política do Império, contra sua constituição e
contra sua forma de governo. A pena de multa recebia estipulação em dias e era ponderada
de acordo com o ganho diário estimado do apenado a ela submetido. Destaque para as incipientes penas alternativas de suspensão ou perda do emprego.
Após a Abolição, e já superado o período imperial, o Brasil de veste republicana
cuidou de criar um novo código criminal, sob o clima de transformações sociais e políticas.
O Código Republicano surgiu no final de 1890, consolidando a tendência de então, tornando
a pena prisional como a principal sanção e abolindo as penas infamantes. Previa a prisão
celular, a reclusão, a prisão com trabalho obrigatório, a prisão disciplinar, o banimento, a interdição, a suspensão ou perda de emprego público, com ou sem inabilitação para o exercício
de outro e a multa. Os açoites, antes previstos para escravos, sumiram do elenco legal.
Boa novidade foi a limitação da pena de prisão ao período máximo de trinta anos,
o que havia sido matéria de um decreto, pouco antes da edição do novo código. A prisão
celular cabia em quase todos os crimes e em algumas contravenções; a reclusão (crimes
políticos) era cumprida em fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares; a
prisão com trabalho obrigatório aplicava-se a vadios e mendigos, por exemplo; e a prisão
disciplinar cabia contra menores desocupados. A multa continuou sendo arbitrada em diasmulta, via pagamento ao Erário.
Diversas leis penais especiais foram surgindo com o passar do tempo, durante a
permanência em vigor do Código Republicano, dentro do compasso evolutivo que reclama,
desde sempre, adaptações constantes das leis aos fatos sociais. Destaque para dois decretos
de 1924, um que criou a suspensão condicional da pena (sursis) e outro que regulou o livramento condicional. São institutos despenalizadores que se associam ao nosso tema, eis que
trazem espírito de minimizar a pena de prisão.
Como esses mecanismos vinham sendo pedidos e causaram impacto na ocasião, adveio depois, sobre eles, o comentário de Heleno Cláudio Fragoso (Ob. cit.):
“estas duas medidas já eram há muito reclamadas pelas novas idéias que então vigoravam,
contra o cumprimento das penas privativas da liberdade de curta duração, favorecendo a liberação do réu antes de finda a pena e estimulando seu bom comportamento carcerário”.
A legislação penal extravagante foi surgindo com o passar dos anos, disciplinando
novos contextos, até ocorrer uma consolidação, ao ser promulgada em 14.12.1932 a Consolidação das Leis Penais, com 410 artigos e pequenas modificações em matéria de penas,
face ao Código Republicano, como a prisão correcional, prevista para punir mendigos, vadios, capoeiras e desordeiros, antes punidos com prisão com trabalho obrigatório. Boa nova
foi a eliminação da pena de banimento. O novo Código Penal foi promulgado em 1940,
pelo Decreto Lei nº 2.848, e entrou em vigor em 1942. Até hoje está em ativo e é dele que
nos valemos. Distinguiu pena (para imputáveis) e medida de segurança (para inimputáveis),
adotou o princípio da reserva legal, a multiplicidade da forma de execução das penas (reclusão e detenção) e a progressividade de seu cumprimento (regimes fechado, semi-aberto
249
e aberto). Manteve o sursis (suspensão condicional da pena) e o livramento condicional e
apresentou divisão entre penas principais e penas acessórias.
Ao surgir, o Código Penal elencou as seguintes penas principais: reclusão; detenção e multa. E as penas acessórias: perda da função pública, eletiva ou de nomeação; a interdição de direitos e a publicação da sentença. A pena prisional é a principal, nas modalidades
de reclusão ou de detenção. Assim, as penas excessivas restaram abandonadas, como vinham
sendo, paulatinamente.
Só recentemente surgiram ações para modificar esse predomínio, e o resultado
mais atual se vê em matéria anexada (extraída do sítio da web ecosdanoticia.com.br, que cita
como fonte o Departamento Penitenciário Nacional), sobre, pela primeira vez, em termos
nacionais, a aplicação de penas restritivas de direitos ter superado, nos números referentes ao
primeiro semestre deste ano de 2008, a aplicação da pena de prisão. Esta é uma constatação
formidável, pois traduz todo o avanço histórico aqui um pouco registrado, e tal avanço se
mostrou tendente a uma incisiva ampliação da aplicação das penas restritivas de direito, em
detrimento da pena de prisão. Voltemos ao passo.
Foram ocorrendo várias iniciativas de alteração ou reforma do Código Penal, ao
tempo em que continuavam brotando leis esparsas (especiais), sobre os variados temas que,
no sentir dos legisladores da ocasião, reclamavam regramento. De destacar a Lei nº 6.416/77,
que trouxe mudanças ao Código Penal e ao de Processo Penal, como o regulamento da
prisão-albergue,oalargamentodashipótesesdesuspensãocondicional,alcançandopenasde
reclusão não superiores a dois anos, de acordo com outros requisitos. Na Reforma Penal de
1984, ocorrida em período cercado de dificuldades econômicas e sociais no país, refletiu-se
rigor nas previsões punitivas e em vastas cominações prisionais, com buscas pela reforma
penitenciária e pela reforma da legislação penalista, inclusive, a de execução penal.
Em 1981 surgiu o anteprojeto para mudar a parte geral do Código Penal de 1940,
propondo a extinção das penas acessórias e prevendo três sanções: penas privativas de liberdade (reclusão e detenção), penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direito e aprendizado compulsório) e penas patrimoniais ou
financeiras. A execução Penal passaria a ter o controle do Poder Judiciário (era antes só do
Executivo), com disposição de que caberia ao juiz, quando da aplicação da pena prisional,
estabelecer o regime inicial de cumprimento.
Em julho de 1984, após tramitação no Congresso, foram sancionadas as leis nº
7.209 (reforma da parte geral do Código Penal) e nº 7.210 (Lei das Execuções Penais). Com
a reforma, o Código Penal passou a ter as seguintes penas: privativas de liberdade; restritivas
de direito e multa. As penas restritivas de direito ficaram sendo: prestação de serviços à comunidade; interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
O art. 44 do Código Penal já mencionava a autonomia das penas restritivas de direitos, o que é bom traço de modernização, ao dispor:
“as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as penas privativas de liberdade
quando...”.
A Reforma estabeleceu a possibilidade de cumprimento da pena em regime aberto
(casas do albergado) e abraçou outros modos de dispensar a prisão, como o sursis e as penas
restritivas de direitos substitutivas. Importante esse crescimento evolutivo na tendência de
250
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criação de alternativas à prisão.
Daí em diante, com finco no nosso assunto em abordagem, cumpre relevar o marcante surgimento da Lei nº 9.099/95 e o da Lei nº 9.714/98. Aquela, moderna e inovadora,
veio instituindo os Juizados Especiais nas unidades federadas, nos interessando aqui os
Criminais, que trouxeram vários institutos despenalizadores e intenção expressa de privilegiar as penas alternativas à prisão. E esta, definidora de alternatividades, veio especificando
penas substitutivas, igualmente, com ênfase nas restritivas de direitos, nela diversificadas
e bem esmiuçadas, já dentro de uma nova visão penal de não eleger a pena prisional como
expoente das sanções criminais. Esse é o rumo que tomaremos doravante.
Objetivamente, ainda hoje, a pena de prisão vem amplamente prevista no Código
Penal e em leis penais especiais das mais variadas, como, por exemplo, no Código Eleitoral,
no Código Brasileiro de Trânsito, na Lei das Contravenções Penais e na Lei de Entorpecentes. Mas ela não impera absoluta. Há contrapartidas visíveis, tanto no Código Penal quanto
nas leis especiais. Em todas estas leis esparsas há previsões específicas de aplicação de
sanções diferentes da prisão, como pena única ou opcional. E há a generalidade patente resultante do comando da Lei nº 9.099/95, em seu artigo 61, ao prever que as infrações penais
de menor potencial ofensivo são as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena
máxima não superior a dois anos, isolada ou cumulativamente.
Resultou daí que, para todos os crimes previstos naquela legislação especial (ou
no Código Penal), cuja pena máxima cominada não seja superior a dois anos, será possível
aplicar, via transação penal, uma sanção alternativa diferente da prisão, sem esquecer da
possibilidade de composição civil. Observe-se, com muito efeito, que a própria lei referida
traz em seu corpo a afirmação de que, em sua aplicação, a preferência (expressa) reside na
utilização de pena diferente da prisional, como se pode ler em seu artigo 62:
“O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios de oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação de
danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade”.
Sobre as previsões específicas, temos como exemplo, na Lei de Entorpecentes,
em seu artigo 28, a pena de advertência ou a de freqüência a cursos e palestras, em caso de
porte ou uso de substância proibida, por causar dependência física ou psíquica. Veja-se aí
que a pena de advertência é uma novidade, pois não consta do elenco do Código Penal. O
seu surgimento deriva da adoção de uma nova política criminal face ao uso de entorpecentes, voltada para uma abordagem mais de necessidade de tratamento do que de imposição
de sanção. Igualmente, a pena de freqüência a palestras, além de inovadora é inteiramente
despenalizadora. E em caso de relutância do sentenciado para o cumprimento de tais sanções, surge outra medida simples e serena, sem excessos nem rigor, que é a admoestação
verbal. É o que se lê na disposição legal adiante reproduzida:
Lei nº 11.343/2006:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para
consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; e III
251
- medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou
colheplantasdestinadasàpreparaçãodepequenaquantidadedesubstânciaouprodutocapaz
de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza
e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu
a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do
agente.
§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo
máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo
serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários,
entidadeseducacionaisouassistenciais,hospitais,estabelecimentoscongêneres,públicosou
privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo
ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos
incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo,
sucessivamente a:
I - admoestação verbal; e II - multa.
§ 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente,estabelecimentodesaúde,preferencialmenteambulatorial,paratratamentoespecializado.
ses.
Sobre aquelas leis penais especiais mencionadas, vamos detalhar algumas hipóte-
Na Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941) há vários exemplos
de tipos contravencionais sancionados tão somente com pena de multa, como no seu artigo
61, que estabelece:
“Importunar alguém, em local público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor.
Pena – multa”.
Na Lei Ambiental (Lei nº 9.605/1998), há previsões para penas alternativas e até
para composição de danos ambientais através de replantio ou regeneração de vegetação,
mata primária ou floresta de preservação. Em seu artigo 27, se lê:
“Nos crimes ambientais, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou
multa, prevista no artigo 76 da Lei nº 9.099/95, somente poderá ser formulada desde que
tenha havido a prévia composição do dano ambiental de que trata o artigo 74 da mesma lei,
salvo em caso de comprovada impossibilidade”.
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Revista ESMAC
No Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997) há previsões diretas e isoladas, expressamente consignadas, sobre a aplicação exclusiva de penas restritivas de direitos,
como se vê nos exemplos a seguir:
Artigo 291, parágrafo único: “aplicam-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa,
de embriaguez ao volante, e de participação em competição não autorizada o disposto nos
artigos 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099/95”.
Artigo 292: “a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir
veículo automotor pode ser imposta como penalidade principal, isolada ou cumulativamente
com outras penalidades”.
Na legislação eleitoral (não só no Código Eleitoral), além de vários casos de previsão de multa, há as notórias sanções de perda de mandato ou de perda ou suspensão dos
direitos políticos. Vamos a um exemplo do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965) e a outro de
lei eleitoral especial, a Lei nº 9.504/1997 que trata das arrecadações e aplicações de recursos
nas campanhas eleitorais:
Artigo 320 do Código Eleitoral: “Inscrever-se o eleitor, simultaneamente, em dois
ou mais partidos: Pena- pagamento de dez a vinte dias-multa”.
Artigo 87, § 4º, da Lei nº 9.504/1997: “O descumprimento de qualquer das disposições deste artigo constitui crime, punível com detenção de um a três meses, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa, no valor de mil
a cinco mil UFIR”.
Todas estes, são exemplos de alternatividades à prisão, e se vê que ocorrem em
variadas legislações, com bens jurídicos diversos (realmente bem diferentes), como entorpecentes, trânsito, meio-ambiente, contravenções penais e sistema eleitoral. Assim, comprova-se que a tendência, agora fortemente materializada e corporificada, é bem ampla e
abrangente. E mais do isto, a manutenção temporal da referida tendência está evidenciada
pelos próprios exemplos apontados, e isto importa destacar para deixar patente a direção que
vem tomando o Direito Penal no sentido da adoção efetiva das alternativas à prisão. A comprovação se atesta no seguinte mapa temporal: a Lei das Contravenções Penais é de 1941; o
Código Eleitoral é de 1965; já a Lei nº 9.099 é de 1995; o Código de Trânsito é de 1997 e a
Lei Ambiental é de 1998. Ou seja, com o passar do tempo, vem crescendo a criação de leis
que prevêem a alternatividade e que ampliam o rol de sua incidência, nos mais variados e
diversos interesses jurídicos e nas mais diferentes matérias disciplinadas pelas ditas leis.
As correntes criminológicas atuais muito influenciaram a transposição da prática
enraizada de adoção abrangente da pena prisional, e com destaque, a Escola Criminológica,
em sua defesa ao Direito Penal Mínimo que, por evidência, defendia redução da intervenção
tangente ao aprisionamento e o incremento de alternativas penais, como aborda Franciele
Cardoso (Ob. cit):
“a tese de se recorrer à pena de prisão somente em última instância, reservando-se o cárcere
apenas a situações extremas, como verdadeira medida de segurança, para a segregação dos
delinqüentes mais perigosos, foi e é defendida tanto pelos adeptos da Defesa Social (Fillipo
Gramatica, Marc Ancel) quanto pelos neoclássicos, como Luigi Ferrajoli”.
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Da obra Direito e Razão: teoria do garantismo penal, de Luigi Ferrajoli, traduzida
por Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes (Revista
dos Tribunais: São Paulo, 2002), se extrai que:
“a pena de prisão se diferencia das penas corporais antigas somente no fato que o sofrimento
irrogado não se concentra no tempo, senão que é ditado em um espaço extenso”.
A tese da intervenção mínima influiu diretamente no cultivo da racionalidade do
sistema penal visando justiça social. Envolvidos nessa corrente estão os motes de descriminalização, de despenalização e de contrariedade ao encarceramento. Luiz Flávio Gomes, em
sua obra Penas e Medidas Alternativas à Prisão (São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999)
prega uma:
“drástica redução dos conflitos penais, confiando e procurando incrementar uma resposta
mais social, informal e resolutiva que meramente decisória”.
Neste sentido, como já estamos abordando ao longo deste trabalho, a Lei nº
9.099/95, partindo do mote constitucional (art. 98, I da Constituição da República), valorizou, e muito, institutos penais para alcançar resultados que não sejam obtidos pela ação
decisória, puramente.
É o que se traduz na composição civil (acordo entre as partes para resolver a
questão penal e, mais ainda, para originar a declaração judicial de extinção da punibilidade,
inibindo a apreciação do mérito e até mesmo a denúncia). Com esta, o juiz apenas homologa
a vontade das partes envolvidas, contida no termo de acordo feito em audiência.
É também o que se vê na transação penal, feita entre o imputado (autor de fato
típico penal, contra quem não se materializa, nesta fase, acusação formal) e o membro do
Ministério Público. O nominado autor do fato, junto com seu advogado (ou defensor público), aceitando uma proposta feita pelo promotor de justiça contendo pena diferente da
prisional, e depois cumprindo-a, evitará ser denunciado, processado em sentido estrito e
eventualmente condenado.
Ou seja, o magistrado vai homologar uma solução obtida por transação entre o
Ministério Público e o imputado (assistido por advogado), sem adotar uma solução decisória, na essência. Aqui também, depois de cumprida a sanção pactuada, será pelo juízo
processante declarada extinta a punibilidade que poderia decorrer para o autor de fato típico
penal.
Outro exemplo é a suspensão do processo. Nesta, o imputado poderá aceitar
condições e submeter-se a um período (de dois a quatro anos) para verificação. Encerrado tal
período sem revogação, o imputado obterá a declaração de extinção da punibilidade, mesmo
tendo sido denunciado (a proposta é apresentada com a denúncia e a suspensão se dá após
o recebimento daquela, (conforme o já reproduzido artigo 89 da Lei nº 9.099/95), mas evitando o processamento penal, a instrução criminal e uma eventual condenação. Aí também
se vê uma solução afastada do caráter eminentemente decisório.
No Brasil, as penas alternativas à prisão se efetivaram com a Reforma Penal de
1984 (Lei 7.209/84). Depois, em função das teses idealistas referidas, das orientações de
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Revista ESMAC
organismos internacionais (ONU, OEA, tratados e pactos), do escudo da efetivação da defesa dos direitos humanos, do reconhecimento aos preceitos do Direito Penal Mínimo e em
função da tendência internacional, observada a criação dos Juizados Especiais Criminais
(art. 98, I da CR), foram implementados modernos ajustes e, fundamentalmente, duas leis
inovadoras vieram a lume: a Lei nº 9.099/95 e a Lei nº 9.714/98. Estas abordaram diretamente a questão, esta com elenco novo e vasto sobre as alternatividades; aquela com institutos modernos e eficientes para valorizar a despenalização e a descarcerização.
Este foi um resumo do Direito Penal no Brasil até a chegada das duas leis acima
referidas, a nº 9.099/95 e a 9.714/98, que diretamente interessam a este trabalho. A seguir,
uma tela evolutiva, matizada pela tendência de alternatividade à prisão.
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4. TRAÇOS DA EVOLUÇÃO DAS PENAS E DA TENDÊNCIA DE ALTERNATIVIDADES À PRISÃO. COMPARAÇÃO ENTRE O RETORNO SOCIAL NA APLICAÇÃO
DAS PENAS DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À
COMUNIDADE E NA PENA DE PRISÃO. A MAIOR EFETIVIDADE DAQUELAS:
A pena, numa avaliação nossa, é um mecanismo aliado, subsidiário e destacado
na defesa de bens jurídicos valorados pelo grupo e refletidos na norma, e está ligada ao
ato do agente, à sua culpabilidade, mas não se afasta da sua função mais útil, que é buscar
ressocializar e reintegrar o punido, em tese, conscientizado e melhor preparado, depois da
execução.
O conteúdo teórico daquelas correntes e escolas (que traduz tendência) incidiu
nas regras internacionais do Direito Penal. Resoluções da Organização das Nações Unidas
(ONU) sobre a questão prisional, desde o 1º Congresso, assim refletiam. No 6º, advieram as
Resoluções 8 e 10. No 7º, a Resolução 16, todas abordando reduções necessárias no número
de reclusos e hipóteses de alternatividade à prisão. Finalmente, no 8.º Congresso da ONU,
em 14.12.1990, recomendou-se a adoção das Regras Mínimas sobre Penas Alternativas,
aprovadas por meio da Resolução 45 da Assembléia-Geral, as nomeadas Regras de Tóquio.
O Pacto de São José da Costa Rica (comungado pelo Brasil) em seu art. 5.º, fortalece a afirmação, ao estabelecer que:
“as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”.
Assim, posições de estudiosos, idéias, correntes e escolas doutrinárias e também
a verificação de que a pena de prisão não se mostrou apta a ressocializar com humanização
nem a inibir com eficiência a reincidência, fortaleceram a adoção diversificada e multinacional de instrumentos penais para a alternatividade. O conteúdo evolutivo é vasto, para se
pinçar exemplos e direcionamentos no rumo da humanização das sanções penais, com fim
de prestigiar e dignificar o homem, ainda que sujeito à intervenção punitiva. Na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) ficou patente a concepção do processo como
forma de defesa das garantias fundamentais do ser humano. O artigo 7º proclamou:
“Ninguém pode ser acusado, preso ou detido, senão nos casos determinados pela lei e de
acordo com as formas por esta prescritas”.
As constituições americanas abordaram o assunto, historicamente. Tudo em seqüência, para a efetivação do processo como sustentáculo fundamental dos direitos individuais. E como segurança, dentre outros aspectos, para consagração de tratamento igualitário;
para garantia ao silêncio (não imposição de confissão); para possibilidade da defesa em juízo
com os meios a ela inerentes; para a não privação da liberdade ou da propriedade, sem ampla
defesa; para assegurar a presunção de inocência, o uso de provas lícitas, o conhecimento das
imputações, como garantia ao contraditório (ampla defesa) e como direito a obter decisões
fundamentadas, dentre outros.
E daí para frente, a criação de penas restritivas de direitos, e o crescimento da
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Revista ESMAC
aplicação delas, demonstram com notoriedade a tendência de se minorar as sanções e as penas muito rigorosas, possibilitando amplamente ao homem sujeito a sanções, um reingresso
bem-sucedido no seio social do qual o crime possa tê-lo afastado. A tendência internacional
era de adoção de novos institutos e inovações penais. Damásio Evangelista de Jesus, na obra
Penas Alternativas: anotações à Lei nº 9.714/98 (São Paulo: Saraiva, 1999), mencionou os
seguintes institutos dessa tendência:
“A descriminalização das contravenções; o probation; o plea bargaing; a possibilidade de o
Ministério Público desistir da ação penal; a transformação de espécies de ação penal pública
para privada; o sistema de penas alternativas; o sistema unitário de penas (unificação das
penas de reclusão e detenção); a possibilidade de maior aplicação de sursis e do livramento
condicional; os juizados especiais de pequenas causas criminais; a informatização da Justiça,
bem como política e peritos na área; a independência do Ministério Público e do Judiciário,
em face do Poder Executivo, a inexistência de controle externo do Judiciário”.
As leis, como se vê desde a antiguidade, estabelecem sanções penais para tentar
evitar o cometimento de mais crimes e reprimir a delinqüência, usando as penas para tentar
combater o fenômeno social que é a criminalidade. Essa evolução é como uma espécie de
tradução dos ideais de grupos sociais dentro de determinado período de tempo, em suas vontades, definições, escolhas, perspectivas e interesses. Todos estes são captados, elencados e
estruturados na legislação respectiva, de forma a denotarem, tais aspectos condensados no
ordenamento pertinente, os interesses protegidos pelo Direito Penal e as expectativas que se
tem com a aplicação de uma ou de outra pena, refletindo na função que se espera das sanções
aplicadas.
Sobre as funções da pena, encontramos teorias preventivas, chamadas de relativas,
porque voltadas a fins, como a justificação da sanção depender de sua finalidade; e teorias
de retribuição, desvinculadas de qualquer fim, chamadas de absolutas. Vamos a elas: a da
retribuição se diz baseada na capacidade de opção humana entre bem e mal, o livre arbítrio.
Para esta teoria, a pena é um fim em si. O injusto e a culpabilidade devem ser retribuídos na
proporção justa para que o apenado pague pelo crime, como compensação. A compensação,
conforme esta teoria, seria função e justificação da pena. A da prevenção especial diz buscar
produzir efeitos úteis ao apenado e ao meio social. O Estado não busca retribuir, mas projetar ao futuro o fim que justifica a pena. Funda-se na Constituição e busca o bem-estar dos
cidadãos. Visa o delinqüente, na socialização, reeducação e correção, intimidando-o a não
reincidir. A da prevenção geral traz idéia de intimidar eventuais novos delinqüentes com a
ameaça do mal da pena. A prevenção afirma a validade da norma, a aplicação de pena resulta
na confiança dos cidadãos. Busca penas que revelem consciência social, limitando os excessos e buscando estabilização moderadora.
Função da pena, para adiante das teorias, que possa evitar, com melhores resultados, a reincidência e o aviltamento do homem; que possa transmitir, com maior evidência,
um retorno social advindo do cumprimento da sanção; que possa gerar, com visíveis constatações, a participação da comunidade em sua execução; e, mais ainda, que possibilite a
manutenção do apenado no seio familiar, junto ao trabalho e aos membros do seu grupo, sem
as vicissitudes da reclusão – esta será uma boa função.
As penas alternativas à prisão, em face da compreensão jurídica de que o crime é
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um fato essencialmente humano que ocorre no meio grupal, se encaixam nessa verificação,
como instrumentos de novas visões sobre a sanção, sobre o condenado, sobre a sociedade e
até sobre as vítimas. O cumprimento de penas de modo a valorizar o resultado da punição,
a conscientização do apenado e uma maior satisfação dos envolvidos (comunidade, vítima e
Estado), com efetividade, bom resultado, baixo custo e utilidade, facilitará a readaptação social e dificultará a reincidência. Era um novo caminho a trilhar. Insistir em penas excessivas,
num primeiro momento, ou insistir, já por agora, no império da pena prisional, não coincide
com a melhor análise do contexto histórico. A exemplo, o trecho abaixo:
“A crise carcerária constitui um antigo problema penal e penitenciário, com acentuado cariz
criminológico. Ela é determinada, basicamente, pela carência de estruturas humanas e materiais e tem provocado nos últimos anos um novo tipo de vitimidade de massa. O presidiário
é, as mais das vezes, um ser errante, oriundo dos descaminhos da vida pregressa e um usuário
da massa falida do sistema... Um deplorável raio X da situação extremamente grave dos
campos minados dos presídios, nos é fornecido pelo médico Varella, em sua obra Estação
Carandiru. Conforme o autor, o seu objetivo não foi o de denunciar um sistema penal antiquado, apontar soluções para a criminalidade ou defender os direitos humanos. Como nos
velhos filmes, ele “procura abrir uma trilha entre os personagens da cadeia: ladrões, estelionatários, traficantes,estupradores,assassinoseopequeno grupo de funcionários desarmados
que toma conta deles”. Mas é inegável que a narrativa desnuda os dramas e as tragédias produzidos pela violência institucionalizada (pelo Estado e pelos internos) nessas sucursais do
inferno em que se transformaram os presídios, independentemente de sua classificação. Um
dos pacientes-personagens do livro disse muito bem: “Cadeia é lugar onde o filho sofre e a
mãe não vê.” (René Ariel Dotti. Artigo intitulado A Crise do Sistema Penal, elaborado para a
XVII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, ocorrida no Rio de Janeiro/
RJ, entre os dias 29/08 a 02/9/1999 e publicado na Revista Forense, no volume 352.
A Lei nº 9.099/95, que criou os Juizados Especiais nos Estados, lançou princípios,
como celeridade, oralidade, economia processual e informalidade, simplificando procedimentos, proporcionando a composição civil e a transação no processo penal, ampliando as
hipóteses de ação penal condicionada à representação e acolhendo a suspensão do processo,
mediante condições. Isto mostra a certeza de que as alternatividades passaram a ser priorizadas. Destaque também para as alterações trazidas para o seio jurídico-penal brasileiro
pela Lei 9.714/98, que são um grande avanço na busca da despenalização das condutas e na
objetiva consecução da função de recuperação e ressocialização dos criminosos, mantendoos em seu convívio familiar e social, sem impedi-los de trabalhar. E para dar outro exemplo,
a Lei nº 9.268/96 mudou a natureza da multa criminal, tornando impossível convertê-la em
prisão, o que denota o novo tratamento e a firme intenção de reservar-se a pena prisional para
casos mais graves. O artigo 51 do Código Penal passou a considerar a pena de multa (multa
estrita, aplicada como pena direta, não a puramente restritiva, também aplicada diretamente
ou em substituição) como uma dívida de valor, sujeita a cobrança pela Fazenda Pública. É
uma providência inteiramente ligada à flexibilização das sanções criminais. Abaixo, o teor
da norma:
Artigo 51 do Código Penal: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas de prescrição”.
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Revista ESMAC
Vamos às leis especiais. Objetivamente, as principais medidas inovadoras, despenalizadoras, descarcerizadoras e inibidoras de soluções decisórias contidas na Lei nº
9.099/95, das quais já estamos falando ao longo deste escrito, são:
1- A composição civil realizada entre as partes envolvidas em uma ocorrência de
fato típico penal que seja de ação penal privada ou de ação pública condicionada à representação do ofendido ou de seu representante legal, para a iniciativa da persecução, na qual
o acordo obtido com a composição dos danos provoca a extinção da punibilidade (art. 74,
parágrafo único);
2- A transação penal (art. 76), para crimes em que a composição civil não for
possível (porque o crime noticiado seja de ação penal incondicionada ou porque a composição civil não foi obtida), na qual o promotor de justiça faz uma proposta de pena antecipada, diferente da prisional, ao imputado (acompanhado de advogado). A aceitação e o
cumprimento dessa pena geram a declaração judicial de extinção da punibilidade. Com a
transação penal, o imputado evita ser denunciado e processado. Evita também a apreciação
do mérito da imputação e uma eventual condenação criminal própria (a da transação penal
é imprópria, porque não adveio de uma sentença que apreciou o mérito, após uma instrução
processual, já que nasceu antecipadamente). Com a transação penal aplicada, a condenação
não poderá constar em folha de antecedentes e servirá apenas para registro, pois durante
cinco anos a pessoa por ela beneficiada não poderá gozar do mesmo benefício, nos termos
do § 6º do artigo 76, da Lei nº 9.099/95, que assim dispõe:
“a imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo...”.
E a finalidade prevista no § 4º, pertinente à menção do § 6º é a de que o beneficiado
pela transação penal só poderá valer-se dela, novamente, depois de transcorridos cinco anos
da utilização anterior.
3- A suspensão processual, para crimes com pena mínima não superior a um ano,
caso em que o processo pode ser suspenso pelo período de dois a quatro anos (art.89). Há
requisitos (como bons antecedentes), o crime não pode ter sido cometido com violência à
pessoa da vítima e o autor do fato tem que aceitar certas condições (como não tornar a delinqüir; comparecer com determinada frequência a juízo para informar suas atividades, trabalho
e endereço). Transcorrido o período de suspensão sem ocorrência de revogação, a denúncia
não será apurada, não haverá instrução processual, portanto, o mérito não será apreciado, e
o imputado terá em seu favor a extinção da punibilidade. Tal proposta é formalizada pelo
juiz, após o recebimento da denúncia, mas a aceitação, o cumprimento das condições e o
transcurso do prazo sem revogação (por exemplo, por condenação em novo crime), geram a
desconsideração da denúncia e, como dito, a extinção da eventual punibilidade.
Pela só leitura dos textos legais que normatizam estes três institutos, se vê que
neles estão previstas as inovações e materializadas as tendências de se evitar grande intervenção do Direito Penal na solução dos conflitos sociais. De se inibir o encarceramento. De
proporcionar soluções pactuadas e não estritamente decisórias e de despenalização.
259
Neste caso da despenalização, incidem diretamente as hipóteses de composição
civil entre as partes ou de suspensão do processo. Formalizadas e cumpridas as etapas legais
destes últimos institutos, pelo pacto finalizado e homologado, no primeiro caso; ou pela
suspensão cumprida sem revogação, no segundo caso, em nenhum deles haverá condenação
criminal, ainda que imprópria. Portanto, são institutos puramente despenalizadores.
Outra previsão da Lei nº 9.099/95 tendente a facilitar estas inovações é a que consta
no seu artigo 88, fazendo com que os crimes de lesões corporais culposas e leves passassem
a ser processados somente com iniciativa das vítimas ou de seus representantes legais. Este
artigo de lei passou a exigir representação para o processamento dos referidos crimes, o que
viabiliza soluções acordadas ou transacionadas. Vejamos:
Lei nº 9.099/95, artigo 88: “Além das hipóteses do Código Penal e da legislação
especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais
leves e lesões culposas”.
Como se extrai do Relatório sobre Penas Alternativas (anexo) oriundo do Primeiro
Juizado Especial Criminal de Rio Branco/Acre, a composição civil é obtida em 70% (setenta
por cento) dos casos de crimes de ação penal privada ou de ação penal dependente de representação da vítima. É um número que ratifica muito bem a intenção despenalizadora prevista
na disposição em referência. Para ainda mais comprovar o resultado prático da intenção da
norma, o dito relatório atesta que a maioria dos crimes incidentes nesta hipótese, são justamente aqueles dois, disciplinados no artigo 88 da Lei nº 9.099/95, ao revelar que:
“Dos crimes de menor potencial ofensivo (segundo a Lei n. 9.099, em seu art. 61, aqueles
cuja pena máxima cominada não ultrapasse dois anos) de maior ocorrência neste Juízo, são
os de lesões corporais de natureza leve e de ameaça, previstos, respectivamente, nos arts.
129, caput, e 147, do Código Penal, ambos dependentes de representação pela vítima”.
A representação é uma manifestação de vontade, como uma autorização do ofendido ou de quem tenha poderes para representá-lo, na qual conste que a vítima (ofendido)
tem intenção e quer processar seu ofensor por aquele fato que os envolveu.
Assim, nos casos em que a lei exige representação do ofendido para o início da
persecução penal, a ação penal pública será chamada de condicionada à representação. Nos
casos em que a lei não exige tal representação, em sendo pública a ação, será ela chamada
de ação penal incondicionada (sem a condição prévia da representação). E há também os
casos de ação penal privada, para a qual o Ministério Público não detém poderes de iniciar a
persecução, e atuará apenas como fiscal da lei. Vejamos o que dispõe o Código de Processo
Penal sobre as ações penais públicas:
Artigo 24 do Código de Processo Penal: “Nos crimes de ação pública, está será promovida
por denúncia do Ministério Público, mas de penderá, quando a lei o exigir, de requisição
do ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para
representá-lo”.
Neste âmbito, é de se dizer que, nos casos de ação penal pública condicionada à
representação, caso o ofendido não represente, ou, depois de fazê-lo, renuncie ou se retrate
da representação feita, o Ministério Público restará impotente para a persecução penal. Portanto, caso o ofendido, ao invés de representar, opte por compor ou pactuar com seu ofensor,
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Revista ESMAC
a homologação deste acordo implicará em renúncia ao direito de representação e a ação
não será desencadeada. Ao reverso, o ofensor obterá uma declaração judicial de extinção da
punibilidade que para ele poderia decorrer. Embasando esta afirmação, segue a reprodução
legal pertinente:
Artigo 74, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95: “Tratando-se de ação penal de iniciativa
privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação”.
Com a Lei nº 9.099/95 os delitos de menor potencial ofensivo passaram a ter um
tratamento jurídico diferente, moderno e mais prático. E a pena prisional foi desconsiderada
como o expoente que vinha sendo. Depois dela, a Lei 9.714/98 trouxe complementos e, diretamente sobre as penas alternativas, trouxe ampliação das possibilidades de aplicação e até
criou novas sanções.
Na Exposição de Motivos do projeto de lei que visava a alterar o art. 43 e seguintes
do Código Penal, que redundou posteriormente, após emendas, na Lei nº 9.714/98, estava
escrito o seguinte:
“a prisão não vêm cumprindo o principal objetivo da pena, que é reintegrar o condenado ao
convívio social, de modo que não volte a delinqüir”.
Com a Lei 9.714/98, o rol e as possibilidades de aplicação de penas alternativas
cresceram, em clara meta de reduzir a utilização da pena de prisão. Foram mudanças sensíveis desde que, a partir da Reforma da Parte Geral de 1984, as penas restritivas de direitos
passam a existir no Brasil.
Com a Reforma, a pena a ser substituída era a que alcançasse período de até um
ano. E a troca poderia ser por prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de
direitos e limitação de fim de semana, se cumpridos os requisitos de o réu não ser reincidente
e a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade, bem como os motivos
e as circunstâncias, indicassem que a substituição seria adequada. Desde então, a suspensão
condicional da pena (sursis) mostrava-se medida despenalizadora. Aplicava-se em casos de
penas de até dois anos, com requisitos subjetivos tenros, se comparados aos da substituição
de pena. A partir da reforma de 1984, a pena privativa de liberdade de até quatro anos poderia ser cumprida em regime aberto e a pena aplicada não superior a dois anos poderia ter a
execução suspensa pelo sursis. As penas prisionais até um ano poderiam ser substituídas por
pena restritiva de direitos. Eram ainda previsões tênues, pois alternativas penais ao encarceramento vinham sendo verificadas tempos antes em países europeus e nos Estado Unidos,
dentre as quais, Franciele Cardoso (Ob. cit) cita a Comunity Service Order, implantada pelo
Criminal Justice Act, de 1972, Seção XV, na Inglaterra, e ainda a disciplina das penas alternativas na Alemanha.
Sobre a experiência inglesa, Miguel Reale Júnior (et al.), em sua obra Penas e
Medidas de Segurança no Novo Código (2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1987) esclarece
que:
“Tal sanção consiste na obrigação de, durante os períodos de descanso, dedicar algumas
horas a um trabalho não remunerado, em favor de uma causa de interesse comum’, e ainda
que ‘a medida tem valor coercitivo mais útil que a curta pena de detenção’.
261
A doutrina clamava por maior alcance das penas alternativas, ao argumento de que
a pena prisional não cumpria as funções de ressocializar e de prevenir a reincidência. Sérgio
Garcia Ramírez, na obra La Prisión (México: Fondo de Cultura Econômica. Universidad
Nacional Autónoma de México, 1975), afirma que:
“A prisão, em vez de frear a delinqüência, parece estimulá-la, convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidades. Não traz nenhum benefício ao
apenado, ao contrário, possibilita toda sorte de vícios e degradações”.
E nesse caminho, a legislação passou a mudar os prazos, as exigências, o mínimo e
o máximo das penas cominadas para o alcance de certos benefícios. A Lei 9.099/95, no seu
artigo 89, já nasceu possibilitando o uso de alternatividade e medida despenalizadora para
crimes com pena mínima não superior a um ano.
A Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), em seu art. 293, previu hipótese de
cumprir-se a sanção de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para
dirigir veículo automotor ocorrer por tempo de dois meses a cinco anos, mas em conformidade o Código Penal então vigorante, o tempo máximo de um ano era o limite da pena prisional substituída. Daí se infere que foi privilegiada a minoração do efeito da sanção. Outras
previsões extravagantes surgiram, por exemplo, na Lei Ambiental, com hipóteses diretas de
pena pecuniária. Neste âmbito, a trilha tecida pela doutrina, pela tendência do direito comparado e pela legislação especial que aflorava, se mostrou favorável a novas reformas penais,
do que desencadeou o referido surgimento da Lei 9.714/98. Antes desta, existiam no Código
Penal seis modalidades de penas alternativas substitutivas (multa, prestação de serviços à
comunidade, limitações de fim de semana, proibição do exercício de cargo ou função, proibição do exercício de profissão e novas sanções de habilitação para dirigir veículo). Depois
dela, quatro outras sanções restritivas passaram a existir (prestação pecuniária em favor da
vítima, perda de bens e valores, proibição de freqüentar determinados lugares e prestação
de outra natureza). E com o surgimento de novas leis penais especiais, as alternatividades
vicejaram.
As penas restritivas de direitos têm natureza jurídica autônoma e são substitutivas
da pena privativa de liberdade aplicada, no contexto desse elenco legal, para aplicação, em
regra, pela Justiça Comum. Essas mesmas penas alternativas à prisão, além de sua aplicação
em substituição a uma pena prisional antes fixada, podem ser aplicadas diretamente, sem necessidade de substituição, o que, em regra, se faz em sede de Juizados Especiais Criminais,
usando o instituto da transação penal. Aquela substituição ocorre com adoção da medida de
forma diferente da que ocorre quando da aplicação via transação penal, em sede de Juizados
Especiais Criminais.
Na substituição, vai ocorrer a aplicação de uma pena privativa de liberdade, com
fixação do regime inicial de cumprimento, como o aberto ou o semi-aberto. Depois desses
passos é que a substituição poderá ser feita, trocando-se a pena prisional inicialmente estabelecida, por uma ou duas alternativas. A substituição será possível, caso sejam atendidos
os requisitos, tais como, a pena aplicada ser inferior a quatro anos (excluídos os crimes com
violência ou grave ameaça à pessoa). Ou em casos em que a culpabilidade, os antecedentes,
a conduta e personalidade, e ainda os motivos e circunstâncias, recomendem a substituição.
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Revista ESMAC
Assim sendo, as penas restritivas de direitos podem ser consensuais ou não consensuais. Aquelas advêm de transação penal, o que requer aceitação do apenado e de seu advogado a uma proposta antecipada de pena diferente da prisão feita pelo Ministério Público.
Depois de aceita, será aplicada pelo magistrado, conforme disciplina o artigo 76 da Lei nº
9.099/95. Assim, serão diretas e não substitutivas. As não consensuais podem ser aplicadas
em substituição a outra pena ou podem ser aplicadas diretamente, ou seja, podem ser substitutivas ou diretas. Naquelas (substituição), o juiz aplica uma pena prisional, e depois a
substitui por uma pena restritiva de direitos (ou duas), conforme estabelecido nos artigos
43 a 47 do Código Penal. Nestas (diretas), o juiz aplica diretamente uma pena alternativa à
prisão, como uma pena pecuniária. Em nosso trabalho, interessam diretamente as penas de
prestação de serviços à comunidade e de prestação pecuniária alternativa, aplicadas em sede
de Juizado Especial Criminal, via transação penal (diretamente), nos termos do art. 76 da Lei
nº 9.099/95.
As modalidades (desde a edição da Lei nº 9.714/98) de penas restritivas de direitos
são as seguintes:
1- Prestação pecuniária, prevista no artigo 43, I, do Código Penal e definida no § 1º
do art. 45 do mesmo código. A pena de prestação pecuniária consiste no pagamento à vítima,
a seus dependentes, ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância
fixada pelo juiz, não inferior a um, nem superior a 360 salários mínimos. Esta pena já era largamente aplicada, principalmente nos Juizados Especiais Criminais, nos interessando mais
diretamente aqui, a prestação em favor de entidades assistenciais ou carentes, públicas ou
privadas.
Neste caso, em sede transacional, a aplicação será direta, sem substituição. O
elenco legal da destinação da pena pecuniária é o seguinte: a) vítima pessoalmente; b) dependentes da vítima (descendentes, ascendentes, cônjuge e irmãos); c) entidade pública com
destinação social; d) entidade privada com destinação social. Para nós, o enfoque mais objetivo é saber se nestes dois últimos itens, há maior retorno social da pena, do que haveria em
caso de prisão.
2- Perda de bens e valores, prevista no artigo 43, II, do Código Penal. Esta restritiva
incide no patrimônio do condenado e reverte para o Fundo Penitenciário Nacional. A quantificação considera o prejuízo causado ou o proveito auferido pelo agente, conforme o art. 45,
§ 3º, do Código Penal.
3- Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, prevista nos artigos
43, IV e 46, ambos do Código Penal. Segundo o texto legal, esta modalidade consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado (art. 46, § 1°) em entidades assistenciais, hospitais,
escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, bem assim, em programas comunitários ou estatais (art. 46, § 2°). O § 3° dispõe que as tarefas referidas no § 1° serão atribuídas
conforme as aptidões do condenado e devem ser cumpridas na razão de uma hora de tarefa
por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. Em
sede de Juizados Especiais Criminais, a maior incidência desta aplicação se direciona para
os finais de semana. Esta é a pena mais aplicada no Primeiro Juizado Especial criminal de
Rio Branco/Acre,e pelo Brasil afora não é diferente. Como as demais, esta modalidade tem
configuração substitutiva mas pode ocorrer aplicação direta, e traduz plenamente a idéia de
descarcerização.
263
4- Proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de
mandato eletivo, prevista no artigo 47, I, do Código Penal. É usada nos casos de crimes praticados no exercício de cargo, função ou atividade, em que tenha havido violação dos deveres
àqueles inerentes (art. 56 do CP), devendo o crime estar a isso relacionado. A proibição é
temporária, o que a diferencia da perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, que
ocorre como efeito de condenação principal em outros casos (artigo 92, I do Código Penal).
A interdição de direitos tem a duração da pena de prisão substituída. Cumprida a pena, o
sentenciado poderá voltar a exercer as funções.
5- Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público, prevista no artigo 47, II do
Código Penal. Aplica-se em caso de crime relacionado à violação de deveres inerentes à profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização
do Poder Público (art. 56, do CP). Aplicável também quando se tratar de crimes próprios,
como nos de omissão de notificação de doença (art. 269 do CP) e de patrocínio infiel (art.
355 do CP), e não só quando ocorrer desobediência a deveres específicos de profissão, atividade ou oficio sujeito a habilitação, licença ou autorização do Poder Público.
6- Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo, prevista nos
artigos 47, III, e 57, ambos do Código Penal. É aplicada nos crimes de trânsito, com efeito,
nos culposos. Difere da inabilitação vista no art. 92, III, do mesmo código. Esta cominação
rege os casos nos quais o infrator usa veículo como meio para cometer crime doloso. Era já
prevista no Código de Trânsito Brasileiro, que em seu artigo 292, onde se lê que a suspensão
ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor pode ser
imposta como penalidade principal, isolada ou cumulativamente. No Código Penal é pena
substitutiva, mas na lei especial que é o Código de Trânsito, pode ser pena principal, isto é,
original, aplicada sem substituição.
7- Proibição de freqüentar determinados lugares, prevista no artigo 47, IV, do Código Penal. É uma limitação parcial e expressa do direito de locomoção. Não pode incluir
lugares indeterminados, só específicos, em regra, pertinentes ao envolvimento típico que
gerou a sanção. Acolhe estudos penais comportamentais que relacionam o ambiente ao
crime e em seu cerne bem traduz a restritividade que a nomeia, pois é bem clara ao restringir
com especificidade.
8- Limitação de fim de semana, prevista nos artigos 43, VI, e 48, ambos do Código
Penal, consiste no recolhimento dos apenados em casas de albergado ou em estabelecimento
adequado, pelo tempo de cinco horas diárias, nos finais de semana. Restringe a locomoção
em certo período de determinados dias e tem finalidade educativa, pois naqueles períodos
deverão ser ministrados cursos, palestras ou outras atividades educativas proporcionadas
pelo Poder Público.
9- Multa, prevista como pena restritiva substitutiva no artigo 44, § 2°, do Código
Penal. Veio com abrangência estendida em relação à antiga, da parte geral do mesmo código
(Lei 7.209/84). Com a Lei 9.714/98, a pena privativa de liberdade de até um ano pode ser
substituída isoladamente por multa. Lei especial editada em 1996 trouxe boa novidade. A
multa passou a não poder ser convertida em prisão, em face do que dispôs a Lei 9.268/96. As
multas não pagas, conforme passou a constar no artigo 51 do Código Penal, foram nomeadas
como dívidas de valor, com eventual cobrança pela Fazenda Pública, o que neste trabalho já
recebeu abordagem mais específica, com reprodução do mencionado artigo de lei.
264
Revista ESMAC
10- Prestação alternativa inominada, prevista no artigo 45, § 2°, do Código Penal,
consiste em substituição da prestação pecuniária, que se cumpre com o pagamento de dinheiro à vítima, por prestação de outra natureza, o que geralmente ocorre em Juizados Especiais Criminais, resultando na doação, por exemplo, de alimentos (cestas básicas), produtos
assistenciais ou de primeira necessidade, como medicamentos, fraldas e afins. Depende da
aceitação do apenado e do aval da vítima. É mais uma forma de solução que prestigia a
flexibilização das sanções, as penas mais pactuadas do que estritamente decididas, incluindo
a participação direta dos envolvidos na resolução da lide. Esta reflete no nosso tema específico.
Com sua entrada em vigor, a Lei 9.714/98 revelou seu espírito de intervenção
mínima e trouxe ampliação das possibilidades de alternatividade à prisão, comungando com
a tendência internacional de respeito aos Direitos Humanos e de restringir a privação da
liberdade. Em seu texto, modificando o artigo 43 do Código penal e alguns seguintes, a lei
enumerou penas alternativas à prisão, afirmou a autonomia destas, apontou as hipóteses de
substituição e até de conversão e definiu certas penas, como se lê abaixo, para consolidar o
resumo feito acima, o que justifica uma reprodução completa e esclarecedora:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional decreta
e eu sanciono a seguinte Lei:
“Art. 1o: Os artigos 43, 44, 45, 46, 47, 55 e 77 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro
de 1940, passam a vigorar com as seguintes alterações:
“Penas restritivas de direitos
Art. 43: As penas restritivas de direitos são:
I – prestação pecuniária;
II – perda de bens e valores;
III – (VETADO)
IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;
V – interdição temporária de direitos;
VI – limitação de fim de semana.”
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o
crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem
como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
§ 1o (VETADO)
§ 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por
uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser
substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.
§ 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face
de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se
tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
§ 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a
executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo
mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
265
§ 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior”.
“Conversão das penas restritivas de direitos
Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma
deste e dos artigos 46, 47 e 48.
§ 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes
ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não
inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos.
O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil,
se coincidentes os beneficiários.
§ 2o No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza.
§ 3o A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação
especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for
maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro,
em conseqüência da prática do crime.
§ 4o (VETADO)”
“Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas
Art. 46: A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade.
§ 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de
tarefas gratuitas ao condenado.
§ 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais,
escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.
§ 3o As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado,
devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de
modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.
§ 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena
substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade
fixada.”
“Interdição temporária de direitos
Art. 47...
IV – proibição de freqüentar determinados lugares.”
“Art. 55. As penas restritivas de direitos referidas nos incisos III, IV, V e VI do art. 43 terão
a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, ressalvado o disposto no § 4o
do art. 46.”
“Requisitos da suspensão da pena
Art. 77 ...
§ 2o A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou
razões de saúde justifiquem a suspensão.”
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 25 de novembro de 1998; 177o da Independência e 110o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
A Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) - insista-se em afirmar - apresentou bons e novos institutos, em verdadeira evolução, tais como a solução dos litígios via
composição civil entre as partes; a transação penal, envolvendo o Ministério Público e o
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Revista ESMAC
infrator; a suspensão do processo; e a exigência de representação da vítima para casos antes
não exigidos, possibilitando maiores resultados antecipados e compostos, sem decisionismo.
Nominou princípios que visam soluções céleres e simples, evitando a pena prisional e passou
a execução dos julgados para ser administrada no próprio Juizado emissor da condenação
(artigos 60 e 61). E principalmente, firmou a evolução na aplicação das penas restritivas de
direitos e de multa. A Lei nº 9.714/98, fundada em disposições anteriores, estendeu significativamente a possibilidade de substituição das penas privativas de liberdade, ampliando-a
para condenações em até 4 (quatro) anos de prisão, dentro de certos critérios (culpabilidade,
dos antecedentes, da conduta social e personalidade, dos motivos e circunstâncias do crime,
reincidência específica e afins).
Isto abarcou grande quantidade (a maioria) dos tipos previstos no Código Penal e
nas leis especiais. No Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) veio a possibilidade
de aplicação da transação penal e da suspensão processual face a tipos penais ali previstos.
A Lei Ambiental (Lei nº 9.605/98) trouxe penas restritivas de direitos específicas, multa,
previsões para proibição de contratação pública e novos institutos. Nisso, a alternatividade
à prisão tornou-se mais efetiva e com abrangência larga, em várias leis especiais, com destaque para as leis dos Juizados Especiais (a lei estadual: Lei nº 9.099/95 e a lei federal: Lei
nº 10.259/2001), no próprio código penal e com previsão na Constituição (art. 98, I).
Como a competência dos Juizados Especiais Criminais face ao processamento e
julgamento de infrações de menor potencial ofensivo passou a ser dos crimes com penas
cominadas em até dois anos (artigo 61 da Lei nº 9.099/95, se constata que sua abrangência
abarca a maioria dos crimes tipificados no Código Penal brasileiro e nas leis penais especiais, como exemplos: contravenções penais, crimes ambientais, crimes de trânsito, porte
ou uso de entorpecentes e até em crimes eleitorais. E em tal maioria se reflete o espírito
norteador na visão atual quando à apenação diferente da prisão. Isto decorre diretamente da
constatação de que a pena prisional não ressocializa, não educa, não facilita a reintegração e
não recupera, de modo a evitar a reincidência. Exatamente porque faz o contrário das penas
restritivas: afasta o homem de seu meio; o impede, em geral, de trabalhar e de estudar; o
retira do seio familiar e o deixa num seio vicioso.
Quanto às penas de prestação de serviços à comunidade (ou a entidades públicas
ou particulares com destinação social) e de prestação pecuniária alternativa (principalmente,
em favor de entidades assistenciais, públicas ou privadas, e até com a doação de cestas básicas), além de o trabalho e os valores serem destinados a quem precisa, em retorno puramente
humano e social, há várias possibilidades, como o trabalho em parques, praças e jardins (em
Rio Branco/Acre, no Parque Ambiental Chico Mendes e no Horto Florestal, por exemplo);
como apoio a projetos sociais (aqui, com ajuda dada ao Pelotão Florestal, por exemplo);
como entrega de alimentos a um asilo de idosos ou a um educandário (em Rio Branco/Acre,
para o Lar dos Vicentinos, que abriga velhinhos, ou para o Educandário Santa Margarida,
que abriga dezenas de crianças). Assim se entende a maior efetividade na opção pelas penas
alternativas à prisão. Num pequenino resumo como este, está o retrato do maior retorno e do
maior aproveitamento social na aplicação das penas de prestação pecuniária alternativa e de
prestação de serviços à comunidade, do que na aplicação da pena de prisão. E para apontar
outra motivação bem notável, basta afirmar que com as penas restritivas em tela, vários gastos com a manutenção de presos e de presídios serão evitados. Nas restritivas, ao contrário
de gastar, a sociedade aufere! Partindo daí, se constata que os mecanismos existem e a le267
gislação permite a adoção de novos rumos para o Direito Criminal e para a Justiça Penal. As
intenções estão bem materializadas no ordenamento e os operadores podem se valer deste,
sempre tendo em conta que o espírito da lei é a tradução dos valores e dos bens jurídicos
eleitos pelos jurisdicionados ali representados.
As vontades do homem traduzidas nas leis (que até refletem suas ideologias)
devem ser interpretadas e compreendidas com respeito ao próprio homem a elas sujeito.
Ocorre que o real está inteiramente imerso na interpretação, na visão, na forma de entender
que se dá a ele. E o universo simbólico acompanha o homem desde suas origens, já que o
homem cria conceitos sobre as coisas, a respeito dos valores e das crenças, e a partir desses
conceitos entende a realidade, vive o real, experimenta e recebe experiência, entende e transmite. Assim foi que se evoluiu das galés e dos flagelos para a possibilidade de prestação de
assistência à vítima, ou de destinação de dinheiro para creches ou educandários. O universo
simbólico e a evolução interpretativa sobre os valores queridos pelos homens são, assim, e
com bastante efeito, inerentes e pertinentes ao convívio coletivo humano. Esse universo está
entre o visível e o imaginável, entre o real e o imaginário, e até os interliga. Se em um dado
momento histórico o homem que aplicar vingança e exterminar quem o ofendeu, em outro,
pode querer que seu ofensor contribua para com o aparelhamento de um orfanato. As vontades, as ideologias, os valores e as expectativas são formas de interpretar, de declarar ideais
e, assim fazendo, de buscar a Justiça. Elas não estão, apenas, entre a realidade e a teoria, mas
estão ali, para, também, estabelecer uma ponte eventual por onde passam homens e idéias,
por onde passa a valorização do homem pelo homem. Assim, as compreensões e interesses,
as expectativas que o homem tem face ao Direito Penal e às sanções aplicadas por transgressões, em suas múltiplas faces e em seus renovados ângulos de enfoque, nos permitem
traçar caminhos e metas, nos dão roteiros, nos possibilitam interpretações, e com tais trilhos,
podemos chegar hoje a decisões que amanhã serão abandonadas. Aí o entrelaçamento com
a realidade, aí a perenidade da importância do passar do tempo, do observar diacrônico e do
proceder sincrônico. Segundo Francisco Ivo Dantas (Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 1995), “o ordenamento jurídico (uno e
indivisível), é nada menos que a consagração, no plano do direito positivo, de uma ideologia,
socialmente aceita, dando legitimidade ao próprio ordenamento”.
Extrai-se que o Direito Penal e as sanções traduzem a escolha, o ideal de Estado,
ao passo em que corporificam também a expressão das vontades majoritárias, a concepção
do meio social, a intenção popular refletida e buscada, em determinado contexto histórico
e social. Tais ideais ficam padronizados e adquirem organização quando estruturados no
ordenamento. E em suas aplicações, não se pode perder de vista as intenções, a motivação.
Objetivamente, tocante ao nosso assunto, como visto no relato histórico, o que vem ocorrendo com a aplicação da pena prisional é um abrandamento sistemático, e no caso específico brasileiro, tal abrandamento vem ocorrendo por vários instrumentos despenalizadores,
em várias leis e diplomas legais, formando uma tendência geral do ordenamento, e isto foi
abordado acima.
Seja pela hipótese de composição civil entre as partes, da qual decorre extinção de
punibilidade para o então imputado; ou pela transação penal, com aplicação antecipada de
pena diferente da de prisão; ou pela suspensão processual, mediante aceitação de condições
que inibem o processo penal; além dos casos diversos de aplicação direta ou substitutiva
de penas alternativas à prisão, mesmo em caso de exaurimento da instrução processual. Ou
268
Revista ESMAC
seja, inclusive, pela previsão variada quanto à aplicação e quanto ao alcance (cabimento) das
penas restritivas de direitos, em detrimento da pena prisional.
Para melhor particularizar, explique-se que a composição civil, acolá referida, é
tão despenalizadora que sua concretização evita, sumariamente, a submissão do imputado
a eventual transação penal; não permite o desencadear da ação penal; e, nos casos de ação
penal pública dependente de representação da vítima, a composição civil homologada chega
mesmo a gerar a extinção da punibilidade, sem que se tenha sequer discutido o mérito do
fato.
Conclui-se que tal instituto privilegia a vontade da vítima e a resignação do imputado. Mais além, abranda a exclusividade estatal, e até a oficialidade (e obrigatoriedade)
da ação penal pelo Ministério Público.
A titularidade exclusiva do parquet foi um pouco relativizada, privilegiando-se
soluções menos oficiais e mais particulares, entre os próprios envolvidos na lide. Vejamos o
que diz a Lei nº 9.099/95:
Artigo 74: “A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo juiz
mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente”.
Parágrafo único:“Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal
pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito
de queixa ou representação”.
Já a suspensão processual, também instituto despenalizador que traduz a evolução
interpretativa das ações do Direito Penal, é medida que se disponibiliza, após a atuação
inicial do Ministério Público de apresentar uma denúncia. Esmiuçando, significa que ao
indivíduo denunciado, caso se encaixe em certos requisitos (como bons antecedentes, tipo
ameno de crime e de pena branda cominada), se pode oferecer a oportunidade de não ser ele
penalmenteprocessado(eeventualmentecondenado),suspendendo-seoprocessonafaseem
que se encontra (oferecimento e recebimento da denúncia, mas sem deflagração da instrução
processual objetiva), para que ele, aceitando condições, possa aguardar o decurso de certo
período sem sofrer os percalços da acusação, em sentido estrito. Ou seja, está denunciado,
mas não resta processado. Passado tal período (de dois a quatro anos) sem que o denunciado
seja processado ou condenado por novo crime, e cumpridas as condições aceitas, para ele
poderá advir a extinção da punibilidade, aqui também, sem que sequer o mérito do fato tenha
sido apreciado. E depois da extinção, jamais será. É o que estabelece a Lei nº 9.099/95:
Artigo 89: “Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano,
abrangidas ou não por esta lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor
a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que
autorizariam a suspensão condicional da pena”.
§5º: “Expirado o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade”.
É a expressão da vontade comum obtida pela ação do legislador, é também expressão da opção de estado social, traduzida em regramentos, ou em ideais, que induz a atos
269
e interesses políticos e coletivos. E essa escolha, essa opção, dentre vários modelos políticos,
sociais e econômicos existentes, para disciplinar as relações e a vida da sociedade, como
ensina Ivo Dantas (Ob. cit), traduz juízos de valor, em conjunto, sobre matérias políticas,
econômicas, sociais, culturais, dentre outras, que em conseqüência de sua aceitação pela
maioria dos diversos segmentos sociais, transformar-se-á em valores da própria sociedade.
Decorre daí a conclusão de que os valores e os princípios estão no cerne. E o ordenamento
será tanto melhor quanto mais representar os ideais do grupo a ele submetido, tanto no nível
do Direito Penal, quanto no nível superior que é a Constituição. Segue um trecho pertinente:
“Constitui, igualmente, função garantidora do Direito Penal, a efetivação de princípios relativos à anterioridade da lei, quanto ao crime e à pena, à culpabilidade, à personalidade e
individualização da pena e muitos outros que estão declarados na Constituição ou são por
ela reconhecidos, posto decorrerem de seu próprio regime e dos princípios adotados ou oriundos dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte.” (René Ariel Dotti, em seu já
mencionado artigo intitulado A Crise no Sistema Penal).
As leis são desenhadas na tradução dos ideais e das vontades dos grupos sociais
que se identificam com esses mesmos ideais e dentro deles interagem, realizam suas relações intersubjetivas, em períodos históricos. Já a adequação é alcançada com as adaptações
de momento evolutivo, de atualidade, o que a torna ainda mais concreta e patente, efetiva e
palpável, integrante da realidade, ainda que em processo de constante renovação, mutação
e evolução. Sobressai disso que o indivíduo, para aceitar e melhor compreender o mundo,
as coisas que o cercam, as situações em que se envolve, as relações que trava, os passos
que aspira dar; se vale da utilização de vários pressupostos, de incontáveis conceitos, de
diversas definições e modos de ver e assimilar as coisas, de uma série de mitos, de símbolos,
de ícones e crenças, fazendo da existência e da própria vida, algo mais importante e significativo, dando-lhes maior amplitude racional em uma ordem ética e efetiva. E a liberdade é
essencial para isto. Na prisão, estas coisas são impossíveis.
No direito e na justiça, vemos que as situações de entendimento e interpretação das
diversas relações intersubjetivas ocorridas no meio social, igualmente apontam as definições
como resultantes da experiência temporal e dos ideais transportados para a vontade ideológica ordenada, mas sempre com o pé apoiado na observação e na experiência. E é desse
norte que se pode auferir a Justiça. As vontades e os modos aceitos como ideais desse ou
daquelegrupo,nesseounaquelemomento,podemperfeitamenteincorporaroprópriosenso
de justiça dos tais grupos que as corporificam no seio das legislações respectivas ou dos
princípios e valores balizadores dos ideais referendados, tanto pela defesa habitual, quanto
pela positivação legislativa. É assim que vão nascendo os textos jurídicos, nos diplomas
legais e nas constituições, consolidando essas preferências de forma estruturada, ordenada
e legalmente ratificada. E é também daí que se retiram as interpretações e compreensões, os
conteúdos e as aspirações. Decorre disso que uma política criminal que envolva objetivos
do Direito Penal e expectativas sociais, deve atinar para o que deve ser mudado e o que deve
ser mantido, dentro de uma avaliação global. Assim é que nascem as alternatividades.
Vejamos o que diz René Ariel Dotti, no artigo A Crise do Sistema Penal, elaborado
para a XVII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (Rio de Janeiro, ocor270
Revista ESMAC
rida entre os dias 29/08 a 02/9/1999) e publicado na Revista Forense, no volume 352, já aqui
referido:
“A Política Criminal é o conjunto sistemático de princípios e regras através dos quais o
Estado promove a luta de prevenção e repressão das infrações penais. Em sentido amplo,
compreende também os meios e métodos aplicados na execução das penas e das medidas
de segurança, visando o interesse social e a reinserção do infrator. Não é possível operacionalizar um sistema de prevenção e repressão da criminalidade sem definir quais são as leis
velhas que devem ser revogadas e quais são as leis extravagantes a serem recepcionadas pelo
novo ordenamento e que com ele podem conviver. Essa definição jamais poderá ser feita
com a fórmula vaga da revogação tácita, assim como ocorre com a generalidade das leis
quando o legislador, num dos últimos artigos, repassa a obrigação de solucionar os conflitos
de sucessão para o juiz”.
As leis e seus aplicadores devem olhar o caminho percorrido até o sentido atual e
procurar fazer os ajustes sincrônicos. Hoje, além de já haver vasta revisão alternativa, tanto
no Código Penal quanto nas leis especiais, há o poder interpretativo, há o caminho dos
princípios, há a trilha dos fins humanizados. O operador do direito complementa o sentido do
texto através da compreensão. Traz para si a tradição, mas evolui com ela, face ao momento
e ao caso presente, fazendo da compreensão um agir produtivo que se acresce à tradição,
continuando-a e melhorando-os. Os jurisdicionados e os sentenciados têm direitos adiante
daqueles que lhes são outorgados pela positividade da legislação, pelos costumes ou práticas
judiciais. Vejamos outro trecho daquele artigo de René Ariel Dotti:
“Foi a jurisprudência humanitária dos juízes e dos tribunais que deu a única resposta compatível com a omissão do Poder Público em não construir estabelecimentos penais, ou não
prover os já existentes, de obras necessárias à sua adequada utilização. E ela consiste na
desprisionalização, vale dizer, na aplicação de medidas de restrição alternativas à prisão”.
Com o histórico aqui feito, trazendo abordagem sobre as penas existentes, desde
os primórdios até os dias atuais, é possível notar que as práticas sociais e judiciais evoluem
e criam as respostas adequadas para os casos e para as situações às quais o Direito Penal é
chamado a intervir. E aquelas práticas fazem isso através de uma construção interpretativa,
na qual a atividade jurídica atual ou contemporânea é mais um tijolo, ou uma parede que se
edifica na sequência da tradição (fazendo-a coerente), vista aquela como busca crescente e
maior pela Justiça.
Ronald Dworkin, em sua obra O Império do Direito, traduzida por Jefferson Luiz
Camargo (São Paulo: Martins Fontes, 1999), nos fala de princípios, dizendo que são “uma
noção que equivale a determinação direcionada a um mister da justiça, da equidade ou a
outro plano da moralidade”. É ele quem diz, com melhores palavras, que a efetividade judicial edifica uma solução adequada para um caso, por meio de juízos interpretativos que
captam a prática legal presente como integrante de uma sequência que se desenvolve; como
tradição jurídica continuada; e a decisão atual, observando o caminho trilhado, já havido,
que deve ser tomado em consideração, revela a coerência, como modo de se chegar à unidade da tradição.
271
O mote deste trabalho é a verificação sobre a maior efetividade e o melhor aproveitamento social das penas restritivas de direito nas modalidades de prestação de serviços à
comunidade (ou a entidades públicas ou privadas de fim social) e de prestação pecuniária alternativa, em confronto com a pena de prisão. O que é melhor pode ser verificado por vários
ângulos. Nosso norte mais se ajusta com o vocábulo valor. Das expectativas que se tem em
relação a adoção desse ou daquele sistema penal, se valora o que se quer para o ordenamento. E o valor é traduzido como norma. O melhor poderá ser visto no resultado alcançado,
estando o valor mantido na norma como anseio do grupo que a ela se submete. É assim um
retorno. Com os dados históricos e as tendências evolutivas aqui lançadas, se vê que alternatividades à prisão vêm sendo ampliadas, em uso e em cabimento, nos mais variados diplomas legais, e protegendo os mais diversificados bens jurídicos. Então, a vontade de aplicar
penas restritivas está continuada e mantida. Esta valoração continua crescente. O princípio
de se prestigiar o cumprimento de sanções em liberdade está ativo. Resta demonstrar, como
se vem tentando fazer, como a aplicação das penas de prestação pecuniária e de prestação de
serviços está apresentando resultados melhores do que a da prisional. Ivo Dantas (Ob. cit.),
a respeito da nossa abordagem sobre princípios e valores, citando Guy Rocher, ensina:
“valor é uma maneira de ser ou de agir que uma pessoa ou uma coletividade reconheçam
como ideal e que faz com que os seres ou as condutas aos quais é atribuído sejam desejáveis
ou estimáveis”.
O poder político vai reconhecer e consagrar no ordenamento jurídico, a efetivação
daqueles valores. Por isto, o poder é uma “força a serviço de idéias” (Georges Burdeau,
citado por Ivo Dantas, na obra deste já referida).
Os ideais, o ordenamento e a expressão jurídico-positiva variam ao sabor da predominância desses ou daqueles valores e princípios. No caminho escolhido estarão consagrados os eleitos como aceitos e buscados; estarão consagrados os ideais conquistados e os
almejados; estarão eleitas as opções do grupo social, num dado período de tempo, retratados
todos, exatamente, no ordenamento e na constituição, expoente maior do ordenamento e lei
essencialmente política. E na parte não positivada, a retratação vai estar nos valores e nos
princípios. As relações jurídicas ocupam lugar de destaque no universo das ações e relações
sociais do homem. O papel do Direito na estruturação da ação social pode ser visto na regulação das relações intersubjetivas de caráter jurídico (nem todas as relações intersubjetivas
são jurídicas, assim como nem todas as normas são normas jurídicas), sendo, assim, em
regra, jurídicas são as relações intersubjetivas verificadas entre dois ou mais sujeitos, dentro
do que prevê e regula o ordenamento jurídico.
Ao Direito contemporâneo, que se veste na atuação do Judiciário, não interessa
apenas resguardar e manter o que existe; amparar o que é lícito e tolher o que não é. Interessa-lhe, com efeito, incentivar mudanças, inovações, boas transformações e bons valores, com ações modernas, adequadas e mais úteis ao contexto, procurando compreender
o futuro, como se mover e em que apoiar o próximo passo. Interessa-lhe projetar o próprio
crescimento, em importância e em ações criativas, com resultados objetivos, um crescimento
calcado em princípios, em fins sociais, em cláusulas gerais, e não apenas na positivação ou
no resguardo do passado.
272
Revista ESMAC
O Direito vive em mutação, é norma social, e ao Judiciário compete crescer e inovar, para
não ser um velho legitimador legislativo. Daí o crescimento em sua importância e a investida
judicial criativa e inovadora, o adequando aos novos tempos e às novas expectativas que se
tem dele, com atualidade, alcance e Justiça. Se os índices de criminalidade não diminuem
com o encarceramento das pessoas sentenciadas em processo penal; e se os gastos só aumentam, com presos e presídios; a transação penal pode ser uma forma efetiva e digna de aplicar
uma sanção da qual resulte retorno prático para a sociedade (o sentenciado prestará serviços
à comunidade, em praças, parques, instituições públicas e afins) ou pagará multa alternativa
em alimentos (que serão destinados a pessoas carentes, creches, escolas e assemelhados).
Será um retorno muito melhor do que o gasto prisional, sem bom resultado garantido.
Ao Invés de gastos com a manutenção dos presos, com os presídios, com o policiamento e com a estrutura, com a alimentação e os deslocamentos; a sanção vai traduzir
uma economia, um repasse ou contribuição do apenado para a sociedade, através de seus
serviços ou dos valores que transformará em alimentos para pessoas necessitadas e carentes
ou para instituições filantrópicas ou assistenciais, com resultado aceitável e eficiente, tanto
no aspecto jurídico quanto no social. E ao poder público, junto com o Direito Penal, além
da opção em comento, cabe também atuar para planejar o aumento de possibilidades de
soluções pactuadas ou transacionadas de litígios. Tanto agir para ressocializar, quanto para
evitar a reincidência, posto que ambas são elementos de política criminal, e esta é uma
questão pública, logo, de poder. A força, o poder, a ação do Estado, os reclames sociais, a
destinação das regras de convívio e das sanções que as firam, devem seguir a manifestação
dos ideais, dos valores, das opções da sociedade, diante da evolução histórica, efetivandoas no ordenamento e transmitindo-as ao seu público, que é a coletividade. São relações
que concretizam vontades, através da sensibilidade de captar os anseios, as propostas, os
valores, transformando-os em matéria estruturada e sistematizada em um ordenamento ou
regramento de convívio humano. Como disse Michel Foucault (Ob. cit):
“O poder não é algo confinado aos exércitos e parlamentos: é, na verdade, uma rede de forças
penetrante e intangível que se tece em nossos menores gestos e declarações mais íntimas”.
O Direito Penal e as penas que ele elabora são fatos sociais que se impõem e estão presentes na vida comunitária. A norma jurídica positivada vai revelar a valoração e as
escolhas. As normas jurídicas são gestadas e elaboradas, de acordo com certas necessidades
sentidas em uma sociedade e em uma época determinada, ou de acordo com o conjunto das
urgências de certas circunstâncias sociais. Ivo Dantas (Ob. cit) revela que há outra dimensão
e explica, sobre essas normas jurídicas, que:
“são engendradas pela pressão de alguns problemas sociais e estão destinadas a resolver esses problemas, a remodelar e a estruturar a circunstância social, diga-se, são pensadas para
produzir nessa realidade social, precisamente, uns determinados resultados, e não outros”.
Em nosso âmbito e na delimitação do nosso tema, o que a vontade legal (vontade
eleita pelos valores e ideais do grupo social) aponta, é um rumo, para relativizar a pena de
prisão e valorizar efetivamente as penas a ela alternativas.
O próprio ordenamento vem tratando de criar institutos, medidas e mecanismos
273
para substituir a prisão por sanções diversas, como a prestação pecuniária (em favor de
entes públicos, privados ou da vítima) e a prestação de serviços à comunidade ou a instituições, que é, efetivamente, em prol da sociedade. E isso vem ocorrendo por intermédio de
um processo, de uma maturação, mostrando opções e valores que acontecem, se revelam e
evoluem, num caminho de desenvolvimento sócio-cultural, que é mutante, se moderniza e
elege contextos. Os valores de cada contexto são representados por idéias que se positivam
na norma jurídica e essa é a relação essencial. Os valores são efetivados, através do conteúdo
ideológico do ordenamento jurídico e as normas são o instrumento para a realização dos
valores aspirados. Na inexistência dessa relação, surge o fenômeno que Ivo Dantas, em suas
Instituições de Direito Constitucional Brasileiro (2ª edição. Curitiba: Juruá, 2001) chama de
hiato constitucional, pela quebra do processo histórico no qual deveria ter vigência e eficácia a constituição, enquanto forma de manifestação da norma jurídica, traduzido como um
divórcio entre a realidade social e a norma constitucional jurídico-positiva.
O caráter ideológico do ordenamento jurídico é a regulamentação dos valores e
ideais aspirados e consagrados pela sociedade. São opções de cada realidade social, pois
variam segundo o contexto, e até de forma mais rápida que a produção oficial da norma, daí
ser essencial a sensibilidade de sua percepção e inclusão no ordenamento. Por isto mesmo,
a comunidade, as instituições e a própria vítima, devem se envolver na execução das penas e
verificar o retorno, no cumprimento, na efetividade e na utilidade decorrentes da realização
de uma sanção alternativa, pelo beneficiamento de uma entidade pública ou privada, por
serviços comunitários prestados, pela doação de material ou equipamento para uma creche,
por exemplo.
Esse envolvimento, que não ocorre na pena prisional, de regra, pode ser bem patente nas penas alternativas àquela. E o Direito Penal se vale do referido envolvimento:
“O Direito Penal, através de sua concreta aplicação, não é o único meio para enfrentar a
criminalidade. Sendo o delito um fato complexo, resultante de múltiplas causas e fatores, o
seu combate deve ser estabelecido através de diversas instâncias, tanto formais como materiais. São instâncias formais: a lei, a Polícia, o Ministério Público, o Poder Judiciário, as
instituições e os estabelecimentos penais. São instâncias materiais: a família, a escola, a
comunidade (associações, sindicatos) etc”. (René Ariel Dotti, em seu mencionado artigo
intitulado A Crise no Sistema Penal).
Isto indica multiplicidade e pluralidade de indivíduos (e entes) vivenciando relações (intersubjetivas e interpessoais). A gerência dessas relações traz os homens como sujeitos, mas também envolve instituições e atividades, em sentido amplo. E nesse envolvimento
são reproduzidos interesses e vontades, intenções e expectativas, e a reprodução aponta,
dentre outras coisas, o que é o melhor, ou o mais valorado. Nesta seara, cabe reproduzir o entendimento de Hans Kelsen (Tradução de João Baptista Machado. Teoria Pura do Direito.6ª
edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998).
“A Sociologia do Direito não põe os fatos da ordem do ser, cujo conhecimento lhe compete
em relação com normas válidas, mas os põe em relação com outros fatos da ordem do ser,
como causas e efeitos. Ela pergunta, por exemplo, por que causas um legislador foi determinado a editar precisamente estas normas e não outras e que efeitos tiveram os seus comandos.
Pergunta de que forma os fatos econômicos e as representações religiosas influenciam de
274
Revista ESMAC
fato a atividade do legislador e dos tribunais, porque motivos os indivíduos adaptam ou não
sua conduta à ordem jurídica”.
No emaranhado de crenças políticas, no conjunto de idéias e valores, floresce a
orientação do comportamento coletivo, opções dentre escolhas políticas, sociais, econômicas e afins, revelando uma ordem pública, derivando em um ordenamento jurídico. Isso é
essencial à constituição – expoente do ordenamento – quando instrumento de um Estado
livre, de um regime democrático e aberto, explica Ivo Dantas, em suas Instituições de Direito
Constitucional Brasileiro.
“Pacífico nos dias atuais é o entendimento segundo o qual o Direito (processo ou ordenamento, sistema) está condicionado e relacionado com a História (também = processo)
do tempo em que é legislado. Neste sentido é que se justifica o avanço cada vez maior dos
estudos da História e/ou Sociologia do Direito”.
Essa maturação advém, dentre outras variáveis, da sensibilidade que produz a
evolução. A sensibilidade na apreciação e na inclusão dos valores ideais no corpo constitucional lhes dará efetividade. Os valores são acolhidos, e destacados, porque são vivenciados,
sentidos e maturados. Depois, crescem junto ao seio social que os originou. Por isto, não há
ideais definitivos, já que os valores, na integralidade, não são perenes, vão sendo vivenciados, vão acontecendo, a cada contexto, a cada momento histórico, vão, em ordem de aceitação social, sendo agrupados a um ordenamento legal, a uma estrutura jurídica. E o momento
não é mais de insistir na soberania do aprisionamento.
Aos poucos, segundo a maturação social que envolve a aceitação e a inclusão de
dado proceder ou de dado bem jurídico como valor ideal, esse valor será incorporado ao
Direito, como emanação pública.
Decorre daí a conclusão de que a norma jurídica é fruto da vida social, ela vem do
grupo social, das pessoas e das instituições, que transformam em norma os seus anseios, as
suas opções e ideais. E nestes, o valor do ordenamento, posto que reflete a vontade do grupo
a quem se destina e são essenciais, já que são a imagem do grupo que está sob a ordem estruturada na legislação, que é cogente. Sem a identificação não vai existir coerência, surgirão
distorções graves que desvalorizarão os anseios e as opções eleitas. Vai daí que os ideais são
transportados para os ordenamentos, para que ali sejam resguardados como valores essenciais.
Do travamento das relações sociais, da interação e do cometimento dos contatos
intersubjetivos, nascem, florescem e tornam-se vivos os valores. Como diz Carlos Nelson
Coutinho (Contra a Corrente: Editora Cortez. São Paulo, 2000):
“A cidadania não é dada aos indivíduos uma vez para sempre, não é algo que vem de cima
para baixo, mas é resultado de uma luta permanente, travada quase sempre a partir de baixo,
das classes subalternas, implicando assim um processo histórico de longa duração”.
Da filosofia de São Tomás de Aquino (História da Filosofia do Direito e do Estado. 8ª edição, p. 299, tradução portuguesa de Alianza Universidad. Espanha, 1982), vem o
seguinte resumo:
275
“Para se ordenar ao bem comum, a lei humana deve ter alcance geral e provir de uma instância que atue em representação do corpo social. Esta instância pública fica submetida à lei
enquanto não a derrogar. Finalmente, a lei humana não pode ficar à mercê da boa vontade
dos seus destinatários, portanto, é apoiada na força da coletividade, podendo impor-se coercitivamente”.
O Direito participa da evolução histórica. Igual modo a Justiça, como um conceito
e um valor que vai sendo formatado de acordo com sentimentos e ideais maturados, que vão
se aprimorando e ingressando nas legislações. O Direito está relacionado diretamente com a
vida das pessoas, com as experiências obtidas, que são passadas para as normas. Portanto, o
Direito tem base histórica.
As tendências e preferências vão se consolidando e estruturando. Com a aceitação e inserção do querer coletivo no ordenamento, já em sua aplicação, o operador deverá
olhar para a formatação, deverá adentrar na interpretação, para compreender a construção
da norma e poder trabalhar a adequação de suas funções, de seus alcances e do contexto
presente. Compreensões fazem crescente a tradição interpretada e, adiante, outras decisões
incorporam nova tradição, aproveitando o que até ali chegou. A continuação, a seqüência,
molda a história jurídica, desenhando a apreensão contemporânea do direito, matizando o
buscar da Justiça. O legislador e o aplicador do direito consideram a corrente anterior, que
interpreta e continua, fazendo da seqüência em desenvolvimento um aprimoramento. Uma
fusão ocorre na prática jurídica, transformando a em ato de criar e ato de interpretar.
É a interpretação construtiva do direito, a que Dworkin (Ob. cit) chama de integridade, entendida nas palavras dele como um ideal que amolda aos princípios de devido
processo, justiça e equidade, buscando estruturar um modo justo comum e coerente. As
atividades de legislar e de criar regras, bem como a de operar ou aplicar as leis e sanções,
buscando melhorar, como visam as penas alternativas à prisão, são atividades criativas, que
se revelam na interpretação edificadora do direito. E o direito como integridade tem a compreensão como uma questão de princípios, na medida em que a tradição continuada observa
os princípios de equidade, justiça e devido processo em um conjunto coerente que dá estrutura ao direito e está presente na solução dos casos que se apresentem. É a revelação das
intenções e dos princípios, positivados ou não.
E aqui mencionamos essa visão para dar a conotação de justiça social e de humanização das sanções que a substituição da pena prisional traz. Afinal, como se justificaria uma
tradição seguida de valores, se fossem eles tendentes a continuar aprisionando o homem, em
situações possíveis de sancioná-lo alternativamente, com a substituição da prisão por penas
restritivas?
E para efetivar essa substituição, além das previsões legais melhoradas pela interpretação continuada dos objetivos penais, há a possibilidade de alcance pela via dos valores,
como o do justo, o do mais humano, mais adequado, mais útil. Decorrem daí princípios,
como o da Efetividade ou o da Equidade.
E daí, ainda, é possível suscitar o amparo constitucional, como no caso dos Juizados Especiais Criminais, com o mote do art. 98, I da nossa Constituição, com relação à
criação dos Juizados Especiais Criminais, na intenção direta de evitar-se a pena prisional. A
transação penal, conforme expressão dos artigos 62 e 76 da Lei nº 9.099/95 é para aplicação
de uma pena diferente da prisional. Logo, não se transaciona pelo mais grave e severo, que
276
Revista ESMAC
é a prisão, e sim, pelo mais ameno, que é a alternatividade. É a própria Lei dos Juizados
Especiais que orienta:
Artigo 62: “O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios de oralidade,
informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação de danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade”.
Artigo 76: “Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação
imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta”.
E há muitos outros caminhos além deste ou de outros exemplos já apontados. O
mais importante é permitir a maturação e o fortalecimentos das penas restritivas de direitos e
de novas medidas alternativas à prisão. Como visto, o Direito Penal é dinâmico. Com o passar dos tempos e o renovar das compreensões, junto com o adequar das legislações, as penas
foram se tornando menos cruéis. Foi sendo percebido que o castigar, por si só, não inibe
novos crimes, já que em todas as sociedades a criminalidade ocorreu, e ocorre, com mais ou
menos notoriedade, por decorrência da convivência grupal que gera, aqui e ali, conflitos e
confrontos. O interagir nem sempre é pacífico e ordeiro.
A compreensão implica na atividade de reflexão e na interpretação. A evolução
histórica assim foi permitindo. Interpretar é buscar alcançar o sentido de algo, e nesse veio,
as conclusões interpretativas foram trazendo ao claro que a função ressocializadora e que
a utilidade e o retorno social da pena estavam adiante dos suplícios e do simples encarceramento. Novas opções de sanções respondem melhor. A interpretação revela sentidos e
significados. Compreender é inerente ao homem. Ao interpretar e compreender fenômenos,
o homem compreende a si. Em relação à norma jurídica, interpreta-se para compreender e
compreende-se para aplicar.
E a aplicação não visa colher apenas o sentido original do texto normativo e a ele
manter-se preso, busca determinar seu conteúdo, apreendê-lo e adequar suas disposições
ao momento presente, ao caso posto, à especificidade e também ao contexto, produzindo e
construindo o sentido do Direito, o alcance das sanções, as funções da penas criminais.
A pena de prisão teria como um de seus argumentos, a justificativa de que o apenado poderia refletir sobre sua conduta e, mesmo preso, trabalhar. Com bom comportamento, poderia obter benefícios. Mas as preocupações se sucederam, com a negativa de bons
resultados oriundos do encarceramento. Passou-se a pensar em verificar as adequações entre
a imposição a ser executada e o ser humano a cumpri-la. Igualmente, com a duração e o tipo
de pena (regime). Com a personalidade e com a realidade individual da pessoa apenada.
Até mesmo com o custo social dos aprisionamentos, já que não se vê retorno concreto, ao
contrário, a violência levada por um preso para o recolhimento, é trazida para fora bem aumentada, em vários casos.
No caminho dessas preocupações, vemos presentemente que as tendências mais
notáveis estão trilhando a inibição, o quanto possível, da pena de prisão, preferindo trocála por penas alternativas, por serem mais humanas, mais úteis, de melhor resultado social
e com maiores condições de evitar a reincidência. A comprovação dessas tendências está
refletida nos ordenamentos jurídicos vários que adotaram as penas restritivas de direito,
como o Brasil, com notório crescimento de sua utilização e com significante aumento das
277
possibilidades de seu cabimento.
Além do maior aproveitamento social, pelo sentenciado e pela sociedade (até mesmo pela vítima), as penas restritivas de direitos têm índice muito baixo de descumprimento
e causam reincidência muito menor do que a prisão. Com efeito, como se demonstrará detalhadamente mais adiante, as penas restritivas de direitos, que já estavam se aproximando das
privativas de liberdade, em condenações no Brasil, desde alguns anos atrás, agora neste ano
de 2008, no primeiro semestre, conseguiram suplantar as prisionais. No Primeiro Juizado
Especial Criminal de Rio Branco/AC, como se vê em relatório anexo, referente ao período
de setembro de 2007 a setembro de 2008, apenas 25% (vinte e cinco por cento) das penas
restritivas de direitos aplicadas, nas modalidades eleitas neste trabalho, não foram totalmente cumpridas.
No mesmo caminho, vejamos fragmento de informação retirada de um texto publicado na Revista Consultor Jurídico em 08/10/2008 e disponível na internet,com acesso em
17/10/2008 (sítio conjur.com.br). No texto a seguir está retratada a afirmação de que as penas
de prestação pecuniária alternativa e de prestação de serviços à comunidade tem baixo índice
de descumprimento e são as mais utilizadas, dentre as restritivas. Os números se referem
diretamente a São Paulo/SP, onde aquelas duas penas em conjunto, atingem quase 91% das
penas alternativas lá aplicadas na totalidade, o que ocorre de forma muito aproximada em
Rio Branco/Acre, no 1º Juizado Especial Criminal local:
Penas alternativas: por Gláucio Milicio: “...as penas alternativas têm sido aplicadas
e cumpridas. Na cidade de São Paulo, por exemplo, do total das penas alternativas aplicadas,
apenas 13% não são cumpridas. Na capital paulista, 49% das penas aplicadas são por furtos.
A maioria desses pequenos infratores são solteiros, tem entre 18 e 40 anos e poucos antecedentes criminais. A pena mais aplicada em São Paulo é a de prestação de serviços (60,5%).
Em segundo lugar ficam as pecuniárias (30,4%). Quanto à escolaridade, 38,2% daqueles que
são condenados a penas alternativas têm o ensino fundamental incompleto; 19,9%, ensino
fundamental completo; 6,9% ensino médio incompleto; 11,8%, ensino médico completo
e apenas 5,9% com superior incompleto ou completo... Dos apenados, 86,5% trabalham.
Deste percentual, 61,2% são autônomos. A renda familiar varia de três a 10 salários mínimos. Em geral, os condenados a prestação de serviços trabalham em entidades públicas.
A prefeitura paulistana já recebeu 225 pessoas. No estado de São Paulo, a Secretaria da
Administração Penitenciária já implantou quinze Centrais de Penas e Medidas Alternativas,
para acompanhar o cumprimento da pena e estudar medidas para o desenvolvimento social
e humano do infrator”.
Revista Consultor Jurídico. Autor do texto: Gláucio Milício. Fonte – sítio da web
conjur.com.br. Pesquisa realizada (acesso) em 17/10/2008.
E tanto dos 25% do 1º JECrim de Rio Branco/AC, quanto dos 13% de São Paulo, o
não cumprimento não é definitivo. É possível adotar diligências e até a condução do apenado
a Juízo, para se justificar e para ser novamente encaminhado para prestar os serviços, o que
diminui, ainda mais, a já pequena margem de descumprimento. Observada a abordagem
deste trabalho, se constata que a aplicação de penas alternativas à prisão, como a prestação
pecuniária alternativa e a prestação de serviços à comunidade, além das vantagens específicas de permitirem o cumprimento de pena sem afastamento da pessoa de seu seio social, ou
de permitirem retorno da pena para a comunidade, evitando gastos em presídios, tal aplicação evita, também, vários atos de avaliação, exames comportamentais e relatórios burocráti278
Revista ESMAC
cos, permitindo uma execução mais célere, objetiva e simplificada, além de ser notadamente
mais leve, menos dolorosa.
Não há exames nem pareceres, tampouco intervenção de médicos, psicólogos,
carcereiros ou policiais. As próprias instituições que recebem os serviços, recursos ou alimentos se encarregam, junto com a comunidade, de acompanhar a execução destas penas
alternativas. O envolvimento da comunidade, através de pessoas, entidades, organizações
ou instituições, além de dignificar a execução, a torna efetiva, útil, conscientizadora e mais
proveitosa. O apenado não se afasta do trabalho, da família nem de seu grupo social. E tem
a muito provável satisfação de entregar a prestação de serviços ou destinar alimentos ou
valores produtos e bens para aproveitamento social.
Cadeias, casas de correção e penitenciárias são criadas para diferenciar a execução,
com técnicas corretivas e disciplinares, variação dos fins da punição, separação entre indiciados e condenados, criminosos e contraventores, entre praticantes de tipos penais, mais ou
menos graves. Solidão, isolamento e convívio num meio marginalizado não induzem, com
efeito, à conscientização. A inércia, a falta de trabalho, o afastamento social e o familiar
só propiciam um retorno desajustado, com largas possibilidades de reincidência, pois as
condições prisionais, em geral, não são capazes de proporcionar a reintegração do preso ao
meio onde estava, antes de ser recolhido, não o capacita, não o educa, não o treina nem o
reanima.
Desde o século XIX, visava-se a reparação do crime aliada à transformação do
apenado, com destaque para três princípios fundamentais de garantia individual, incidentes
na execução penal: a) o princípio da legalidade dos delitos e das penas; b) o princípio da
personalidade da responsabilidade criminal e c) o princípio da proporcionalidade entre crime
e pena. Hoje, cabe ao Direito Penal assegurar condições para convivência e realização das
pessoas em sociedade. Para isso, elenca bens jurídicos relevantes à tutela penal, à vista da
proteção constitucional a tais bens que, atingidos, geram sanção.
No Primeiro Juizado Especial de Rio Branco/AC, conforme relatório (anexo)
referente ao mês mais recente apurado (setembro de 2008), as penas de prestação pecuniária
alternativa e de prestação de serviços à comunidade, foram aplicadas em 99,5 % dos casos
ali solvidos, restando apenas 0,5 (meio por cento) de sanções destinadas a outras modalidades de penas. É uma realidade expressiva da adoção preferencial das penas restritivas de
direitos, que é maior ainda em Juizados Criminais.
Ainda sobre dados do Primeiro Juizado Especial Criminal de Rio Branco/AC, se vê
que num período maior, de setembro de 2007 a setembro de 2008, noventa e cinco por cento
(95%) das penas lá aplicadas foram de prestação pecuniária alternativa e de prestação de
serviços à comunidade, e apenas cinco por cento (5%) foram de outras penas. A distribuição
foi de sessenta e um por cento daquele total (95%) para as penas de prestação de serviços à
comunidade; e de trinta e quaro por cento para as penas de prestação pecuniária alternativa.
A valorização da pena de prestação de serviços à comunidade é comentada por Guilherme
de Souza Nucci, em seu Manual de Direito Penal – parte geral (4ª edição. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2008):
“Trata-se, em nosso entender, da melhor sanção penal substitutiva da pena privativa de liberdade (prestação de serviços à comunidade), pois obriga o autor do crime a reparar o dano
causado através do seu trabalho, reeducando-se, enquanto cumpre pena”.
Vimos assim, aspectos que corporificam a verificação aqui exposta de que as penas
279
restritivas de direito, particularmente, as de prestação de serviços à comunidade e de prestação pecuniária alternativa são sanções mais úteis (pois revertem em favor da vítima ou de
instituições, públicas ou privadas, que atuam em prol das comunidades e das pessoas menos
favorecidas economicamente); mais dignas (pois não infligem isolamento ao apenado); mais
ressocializadoras (pois o apenado não se afasta do seu meio, do seu trabalho, de sua família
nem de sua escola); mais efetivas e mais favoráveis a evitar-se a reincidência (com conscientização do sentenciado de que sua pena produz algo de bom para outras pessoas); e também
melhores, dentre outras características, por serem mais fáceis, mais baratas e mais simples
de cumprir, o que é também aproveitado no acompanhamento da execução criminal (com
o envolvimento da comunidade e da vítima e mediante custos mínimos, e que serão ainda
menores, se comparados com o custo de um recluso).
A Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10/12/1948 proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, reconhecendo a dignidade inerente aos membros da
família humana, como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. No art. V
da Declaração consta que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamentos ou punições
cruéis, desumanos ou degradantes. Luiz Flávio Gomes diz em sua obra Penas e Medidas
Alternativas à Prisão (São Paulo: Revista dos Tribunais, 1ª edição, 1999), que:
“a pena de prisão na atualidade, para além do seu fracasso, constitui a síntese mais emblemática das punições torturantes, desumanas, degradantes e cruéis, não se pode deixar de
reconhecer que é dessa regra fundamental que devemos partir para a compreensão e estudo
das penas e medidas alternativas à prisão”.
Abordando a preocupação da ONU em ter a pessoa humana como eixo e a atenção
dispensada aos encarcerados, Luiz Flávio Gomes (ob cit) acrescenta que:
“a prisão, desde o seu nascimento, sempre deu ensejo a abusos e arbitrariedades” e que há
uma inviabilidade quase absoluta de se ressocializar o condenado dentro da prisão”.
O 6º e o 7º congressos da ONU expediram, respectivamente, as Resoluções nº
8 e nº 16 dando ênfase à necessidade de redução da quantidade de reclusos e à criação de
alternativas à pena de prisão, no mote de reinserção social do infrator. Na ocasião do 8º
Congresso da ONU foram criadas regras mínimas intituladas Regras de Tóquio, abordando
o tema acima. Os objetivos fundamentais das regras foram estabelecidos em um conjunto
de princípios básicos para promover o emprego de medidas não privativas de liberdade; de
garantias mínimas para a pessoa submetida a medidas substitutivas da prisão; para promover
maior participação da comunidade na administração da Justiça Penal e no tratamento do
delinqüente; e para estimular entre os infratores o senso de responsabilidade em relação à
sociedade. No direito brasileiro, há especificidades legais semelhantes, como na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) em seu artigo 4º, ao disciplinar que:
“o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena
e da medida de segurança”.
É ainda Luiz Flávio Gomes (ob cit) quem leciona:
280
Revista ESMAC
“Todos estamos convencidos de que nenhuma sanção criminal, seja a de prisão, seja a alternativa, pode ter qualquer prosperidade sem o efetivo apoio da comunidade, que deve compreender o delito não como um fenômeno isolado e resultante de um ser anormal, senão
como um acontecimento inerente à convivência social (toda comunidade possui suas taxas
de delinquência)”.
Buscando no direito pátrio, se vê que, também na Lei de Execução Penal, em seu
artigo 80, estão previstos os Conselhos da Comunidade, que podem ser ferramentas importantes na consecução desse fim.
Em nosso caso específico, em sede de Juizados Especiais Criminais, os apenados
em prestação de serviços à comunidade recebem orientação e acompanhamento do Ministério Público, fiscalização do Juízo (as centrais de penas alternativas trabalham com assistentes
sociais, psicólogos etc) e acompanhamento da própria entidade comunitária beneficiária dos
serviços. A entidade fica encarregada de comunicar ao Juízo sobre a freqüência do sentenciado, seu nível de aproveitamento e dedicação às tarefas atribuídas e o tempo de cumprimento da sanção, dentre outras informações. Exemplos de ofícios de encaminhamento e
de relatórios, ambos do Primeiro Juizado Especial Criminal de Rio Branco/Acre, estão no
anexo.
Ainda sobre a adoção efetiva e agora em vias de se tornar preponderante, das penas
e medidas alternativas à prisão, caracterizadas pelas penas restritivas de direitos e por outros
institutosdespenalizadores,descarcerizadoresetendentesaumamenorintervençãopunitiva
estatal, segue mais um trecho de Luiz Flávio Gomes (ob cit):
“doravante, para bem se compreender o sistema de Justiça Penal brasileiro, deve-se partir da
premissa de que dentro dele existem dois subsistemas: o clássico, que privilegia o encarceramento porque acredita na função dissuasória da prisão; e o alternativo, que procura sancionar
o infrator conforme a gravidade da infração, com penas e medidas alternativas, isto é, sem
retirá-lo do convívio familiar, profissional e social”.
E sobre os pontos positivos e a receptividade da proposta legal despenalizadora,
acrescenta este autor:
“O modelo penal alternativo inegavelmente conta com enorme potencialidade ressocializadora e reúne capacidade, ademais, tanto quanto avaliam os documentos da ONU, de servir
de instrumento para a preservação da segurança (prevenção do delito), sem necessidade de
se recorrer à traumática pena de prisão, isto é, ao encarceramento desnecessário do infrator.
Traz vantagens para o autor do fato punível (que não é inocuizado, segregado, separado da
família, do trabalho etc), para a vítima (porque desse modo abre-se a perspectiva da reparação dos danos ou outros tipos de prestações), bem como para a sociedade (que alcança a
meta da segurança com menores custos, e da prevenção do delito com a alta redução da taxa
de reincidência). Espera-se, destarte, que a sociedade compreenda corretamente a extensão
do diploma legal, dando sua imprescindível contribuição para o incremento da aplicação e
execução das penas alternativas”.
281
A prestação de serviços e a prestação pecuniária em favor de entidades com destinação social possibilitam a participação incisiva da comunidade na execução da pena, viabilizando a aproximação do apenado com a sociedade antes vitimada, por entidades ou pessoas
que a integram, com a infração que aquele praticou.
Por si, isto já embasaria a conclusão de que a pena de prisão deve ser trocada por
outros modos de sanção de significativo alcance social, de forma que o sentenciado possa
entender os fins e as funções da pena recebida. Encarcerar não consegue isso, pois só redundaria revolta e irresignação.
Nas penas restritivas de direitos a integração social mantida facilita a readaptação e
minora a possibilidade de reincidência. Ao contrário, na pena prisional, os condenados saem,
muitas vezes, mais periculosos do que eram quando iniciaram a execução de suas penas.
Lá dentro, com a falta de estudo, com o afastamento familiar e comunitário, sem trabalho e
sem saída, terão aberta a escola para interagir com criminosos mais lapidados e com facções
hediondas.
Sobre a imprestabilidade do sistema de encarceramento, vejamos o texto a seguir,
de Luiz Flávio Gomes (Ob. cit):
“A prisão é um produto caro e reconhecidamente não ressocializa. Pelo contrário, dessocializa. Em razão da superpopulação, dos seus métodos e da sua própria natureza, é desumana e cruel; corta o vínculo com a comunidade, com a família, com o trabalho, com a
educação, etc. Há séria dúvida, por tudo isso, sobre se cumpre ou não seu papel de intimidação. Particularmente no que se relaciona com o sistema prisional brasileiro, ainda há que se
destacar: os presos não são separados por idade, natureza da infração, condição processual,
praticamente nenhuma é a assistência médica, odontológica etc., sentem-se frustrados com
o funcionamento da Vara de Execuções criminais... É, em síntese, fonte de um sem número
de ilegalidades, que são toleradas e muitas vezes até estimuladas, sem respeito aos direitos
humanos fundamentais”.
282
Revista ESMAC
CONCLUSÃO
Já em rumo final, passamos a resumir aspectos que nos permitem afirmar ser melhor a aplicação das penas restritivas de direitos de prestação pecuniária alternativa e de
prestação de serviços à comunidade, do que a pena de prisão. Por que as penas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas ou privadas (que no cerne, será uma
prestação de serviços à comunidade, por um ou outro caminho) e de prestação pecuniária
alternativa (também em favor de pessoas ou entidades de fim social), são sanções melhores?
Vamos às respostas, que não vão esgotar o tema mas buscam o melhor amparo encontrado
pelo aluno para justificar tal premissa.
Ao longo deste trabalho de conclusão de curso, constam vários momentos em que
esta resposta vem sendo delineada. As restritivas são mais úteis, para quem é beneficiado
com serviços, bens ou pecúnia e para quem cumpre uma pena e vê o resultado da execução,
sem degradar a si mesmo e sem se afastar do seu meio. São mais efetivas, porque trazem um
resultado prático, diferente de apenas isolar uma pessoa e mantê-la fechada para o mundo.
São mais baratas, pois não se gasta com presídios, segurança, alimentação, escoltas, estruturas e afins.
A diferença entre os gastos com a pena de prisão e as penas alternativas, poderá
ser utilizada em programas e em projetos de alcance social e até em acompanhamento das
vítimas. Insista-se, pode ser usada em projetos educacionais para a família dos apenados.
Isto é inegável retorno social.
As restritivas geram maior conscientização, porque são mais dignas. Capacitam
o apenado e não apenas o excluem, ao contrário, tentam, ainda mais, incluí-lo. Dão maior
resposta social, pois o produto da pena é materializado. Possibilitam evitar a reincidência e a
criminalidade, porque quem continua assistido por seus familiares não se afasta do trabalho
e do eventual estudo, tem mais chances de evoluir e de seguir as regras de convívio do que
quem está segregado, indignado e relegado.
Como as penas restritivas de direitos são mais aplicadas ao criminoso eventual e
ao não violento ou hediondo, a manutenção no seio comunitário, trabalhando ou prestando
doações para entidades de fim social, dá mais amplitude para que ele perceba que aquele
momento ruim pode ser apagado pelo seu próprio esforço.
Em média nacional, enquanto na pena de prisão a relação de funcionário por condenado é de 3 para 1; nas penas alternativas, cada funcionário ou assistente social pode ser
encarregado de acompanhar cerca de 50 (cinquenta) prestadores de serviços. Com relação
aos prestadores de sanção pecuniária, esta proporção aumenta geometricamente. O custo da
pena alternativa é muito menor do que o da pena de prisão. No Estado do Rio Grande do
Sul, que desenvolve desde 1985 projetos pioneiros com penas alternativas, o custo médio
mensal de um prestador de serviços à comunidade vinha sendo de R$ 53,35, enquanto que
as despesas mensais com a prisão naquele Estado ficam em torno de R$ 290, 14, por preso.
Cinco vezes o valor do prestador do serviço ainda não dá o total de duzentos e noventa reais e
catorze centavos! A sobra valiosa pode ser usada em assistência social, em educação e até em
programas de proteção a vítimas ou a testemunhas. Imagine-se a diferença total. Em razão
de comprovações assim, o retorno social e humano da pena prisional é muito menor do que
os das penas restritivas de direitos aqui em relevo. De acordo com dados publicados pelo
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sistema de justiça criminal da Inglaterra e de Gales, o custo médio mensal de um sentenciado
é de $ 2,190 libras, enquanto que o sentenciado condenado ao serviço comunitário custa de
$ 100 a 200 libras. Lá, a diferença é extraordinária!
Sobre a reincidência. As penas alternativas geram menos reincidência. Comparação feita em Cleveland, nos Estados Unidos, verificou a reincidência criminal, depois de
2 anos, de delinqüentes que passaram pela prisão e sentenciados que cumpriram penas alternativas. Sessenta e quatro por cento (64%) daqueles (os reclusos) voltaram a delinqüir,
enquanto que a taxa de reincidência entre os prestadores de serviço foi de 37% (trinta e
sete por cento). Na experiência gaúcha, em 1993 (ano de maior número de prestadores admitidos), apenas 12,54% reincidiram. O índice nacional de reincidência estava em 48%. Em
certos estabelecimentos brasileiros a reincidência bate em 85%. Logo, as penas alternativas
conseguem a redução da criminalidade e diminuem o exército de presos. Os dados dos dois
últimos parágrafos foram pesquisados no sítio da internet wwwibccrim.org.br, acesso em 08
de agosto de 2008.
Melhor aproveitamento das penas de prestação pecuniária e de prestação de serviços à comunidade, quanto ao sentenciado. Os benefícios são grandes, tais como: melhores
condições de reintegração e readaptação. Não será caso de reinserção estrita, pois em tais
penas não haverá o afastamento do meio social. A pena de prisão, além de não ressocializar,
viabiliza a exclusão social, porque o apenado se verá obrigado a deixar a família, os amigos,
a escola, o trabalho e sua vida normal anterior. Aquelas penas alternativas permitem que
o sentenciado pratique atividades profissionais ou paralelas na entidade para a qual presta
serviços (na razão de uma hora por dia de condenação) e ali mesmo poderá ser aproveitado.
E que se sinta realizado, portanto, conscientizado, ao doar alimentos ou bens a quem mais
precisa. Com as atividades que prestará na entidade recebedora ou com os contatos que fará
ao destinar prestação pecuniária, ele poderá formar crescimentos pessoais e culturais que lhe
facilitarão posteriormente em sua própria vida profissional. Isto redunda em bom convívio
social que reduz em muito as chances de reincidência.
Ao prestar serviços ou auxiliar no fim social das entidades recebedoras, os sentenciados em penas restritivas vão assimilar interesse comunitário e perceber que o meio
deve interagir para a obtenção de benefícios comuns. Na prisão, isto não poderia acontecer.
O convívio seria com pessoas desestimuladas e com o cerne voltado para comportamentos
marginais às boas regras de harmonia coletiva. Nas restritivas, a participação no crescimento
social edifica a boa personalidade. A prestação pecuniária ou a prestação de serviços à comunidade são formalizadas de acordo com as aptidões e possibilidades dos apenados, logo,
os encaminhamentos das execuções estarão, em bom grau, satisfatórios ao sentenciado. Ele
se sentirá reconfortado em ajudar a quem precisa e compreenderá a utilidade da sanção, o
aproveitamento do que fez ou do que doou.
É fundamental lembrar e repetir que não haverá afastamento do eventual emprego
nem da frequência às aulas ou a cursos dos quais o agente antes participava. Tampouco de
sua família, meio comunitário e amigos. Os compromissos, as tarefas e os horários - como
prevê a lei - devem ser conciliados. Como fazer isto na prisão? A participação profissional
no acompanhamento da pena, além da comunidade e das entidades, por assistentes sociais
e servidores do juízo, facilitarão melhores orientações ao apenado e dessa interação pode
resultar desapego a práticas outras que não reflitam atendimento ao ordenamento jurídico. E
com isso, resultará apoio efetivo para ele.
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Revista ESMAC
Se por algum motivo insuperável (saúde, viagem ou questões familiares) o apenado precisar, a suspensão momentânea da execução pode ser apreciada, sem prejudicá-lo
no tempo para resolução daquele problema, com retomada posterior da execução da pena
restritiva. Na prisão, isto não é viável, é impraticável. E lá dentro, problemas de saúde só
tendem a se agravar, pela falta de assistência médica constante e ampla e pelas condições
ruins de higiene.
Quanto à comunidade (o que inclui a vítima), o maior retorno das restritivas, estará em alguns aspectos a seguir, que traduzem a afirmação de que a prestação de serviços
à comunidade e a prestação pecuniária são melhores penas do que as prisionais. Aquelas
possibilitam à sociedade o ressarcimento dos danos oriundos do cometimento do ilícito. O
sentenciado presta o serviço ou destina valores (bens, produtos, materiais, equipamentos,
alimentos ou gêneros diversos) para a mesma sociedade que vitimou, ao ferir a regra legal de
convívio harmônico.
Na prisão, o condenado dará gastos e mais despesas para a sociedade, sem garantia
de recuperação. Como já mencionado, os valores economizados podem ser aplicados em
vários outros interesses sociais, como, por exemplo, em profissionalização dos familiares
dos sentenciados ou na escolarização dos filhos deles.
As entidades sociais, a vítima ou as pessoas necessitadas que recebem alimentos
ou afins, se beneficiam, na proporção em que retorna para elas o produto da execução penal.
Pelo serviço, o ente ganhará um prestador gratuito que o ajudará em suas atividades; pela
pecúnia, uma ajuda material para a consecução de seus fins. Em certos casos, aquele serviço
poderá até ser especializado, pois os direcionamentos devem ser compatíveis com as aptidões.
Conforme exposto, as pena restritivas de direitos (alternativas) inibem muito mais
a reincidência, do que a pena de prisão. Assim, além de economizar com a manutenção
de presos e presídios, a comunidade vai ganhar em segurança. Estará evitando financiar a
formação de delinqüentes mais especializados ou agrupados em facções. Ao sentenciado
alternativo, ao contrário do preso, a própria comunidade poderá direcionar uma esperança,
por emprego, trabalho ou ocupação temporária.
No mais, a sociedade, ao participar do cumprimento das penas de prestação de serviços e de
prestação pecuniária, garante o cumprimento efetivo destas penas, ao atestar que recebeu a
pecúnia, os produtos ou os serviços. E nessa interação, permite-se melhor conscientização e
sentimento de utilidade ao apenado.
A degradação humana e o contágio violento promovidos pelo sistema penitenciário desde muito tempo atrás vinham mostrando a necessidade de se evitar um improdutivo
e inoperante encarceramento já no limite da massividade. O recrudescimento da violência
pode ser tentado pela via de programas sociais de educação e treinamento profissional, pois
a marginalização e a criminalidade não têm proporção com o número de presidiários.
Aliás, verificamos, por inferência própria, que o aprisionamento, com as mínimas
condições de ressocialização e de respeito à dignidade humana, como vem sendo atualmente
feito, não é um instrumento de combate à criminalidade, tampouco um meio eficaz de inibir
a delinqüência ou a reincidência. A prisão vem apenas afastando indivíduos e os deixando
quase ao esquecimento, pois não há, na realidade carcerária, oferecimento de ensino e profissionalização, na maioria dos casos. O encarceramento é muito mais um meio de mascarar
as omissões públicas em planejar e materializar políticas e programas de alcance social
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para fortalecer a educação em todas as faixas etárias e para promover um ensino público
abrangente e qualificado. Ato omissivo marginal às boa regras de convívio e pacificação social é a quase total ausência do Estado nas favelas, nas concentrações carentes, nas periferias
urbanas e nos encondidos rurais, como aqui no Acre, nas vilas, zonas agrícolas e seringais.
E a ausência no amparo educacional, no encaminhamento para a formação profissional, para
o acesso cultural. E se é assim, em tais níveis, o que se vai dizer da omissão quanto ao nosso
sistema penitenciário, contaminado e transmissor ativo, doente terminal e desassistido, completamente sem remédios?
Segundo pesquisa sobre vitimização feita pelo Instituto Datafolha (wwwdatafolha.
folha.uol.com.br, acesso em 17/10/2008) em dezembro de 1997, a aplicação das penas alternativas já era defendida por 55% (cinqüenta e cinco por cento) da sociedade. Segundo o
referido instituto, quanto maior a escolaridade e a renda do entrevistado, maior o apoio aos
serviços comunitários; e menor o apoio à pena de prisão cujo regime de cumprimento seja o
fechado.
A Organização das Nações Unidas prega que a prisão deve ser o último recurso
para o tratamento de delinqüentes e que:
“as penas substitutivas da prisão podem constituir um meio eficaz de tratar os delinqüentes
no seio da coletividade, tanto no interesse do delinqüente quanto no da sociedade”.
A justiça penal deve primar pela reinserção social do infrator. As Regras de Tóquio
pronunciaram (como objetivos da Organização das Nações Unidas) que os ordenamentos
jurídicos devem priorizar:
“medidas não privativas de liberdade para proporcionar outras opções a fim de reduzir o recurso às penas privativas e racionalizar as políticas de justiça penal, tendo em consideração o
respeito aos direitos humanos, as exigências da justiça social e as necessidades de reinserção
dos delinqüentes”.
Sobre o que dissemos antes, tocante à participação da comunidade na execução das
penas, vejamos outro enunciado daquelas Regras de Tóquio:
“A participação da coletividade deve ser encorajada, porque constitui um recurso capital e
um dos meios mais importantes de reforçar laços entre os delinqüentes submetidos a medidas não privativas de liberdade e as suas famílias e a comunidade. Esta participação deve
completar os esforços dos serviços encarregados de administrar a justiça penal”.
Quanto à compreensão e cooperação por parte do público, as Regras de Tóquio
enunciaram que deve ser feito todo o possível para informar sobre a importância do seu
papel na aplicação das medidas não privativas de liberdade.
E para dar melhor cenário às considerações finais deste trabalho, vamos a dados recentes fornecidos pelo Ministério da Justiça, através do Departamento Penitenciário. Como
vai ser discriminado adiante, o crescimento da utilização e da aplicação efetiva das penas
restritivas de direito no Brasil, entre 2002 e 2007, foi de 412,6%. É um crescimento espetacular! O percentual ratifica nossas afirmações no texto deste trabalho, sobre as tendências
da Justiça Penal e sobre a manutenção de valores e ideais humanitários e de alternatividade,
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Revista ESMAC
no transcurso histórico aqui resumido. Neste mesmo período de cinco anos, entre 2002 e
2007, o crescimento do número de presos foi de 69,84%.
Ou seja: as penas alternativas no Brasil, entre 2002 e 2007, cresceram sua aplicação em mais de quatrocentos e doze por cento. No mesmo período, a aplicação da pena de
prisão cresceu menos de setenta por cento. Portanto, a linha valorativa das alternatividades se
mostrou evolutivamente crescente. Os dados foram extraídos do sítio do Ministério da Justiça
do Brasil em 17/10/2008, e também disponíveis na Revista Consultor Jurídico, de outubro de
2008 e no sítio da web conjur.com.br. Pesquisa realizada (acesso) em 17/10/2008.
Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir (Petrópolis: Vozes, 2ª edição, 1983,
tradução de Lígia Vassallo), afirma que a prisão sempre foi “o grande fracasso da Justiça
Penal” e enumera algumas fontes críticas:
“as prisões não diminuem as taxas de criminalidade; provocam a reincidência; não podem
deixar de fabricar delinqüentes, mesmo porque lhes são inerentes o arbítrio, a corrupção, o
medo, a incapacidade dos vigilantes e a exploração (dentro dela nascem e se desenvolvem
as carreiras criminais); favorecem a organização de um meio de delinqüentes, solidários
entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades futuras; as condições dadas aos
detentos libertados condenam-nos fatalmente à reincidência; a prisão fabrica indiretamente
delinqüentes, ao fazer cair na miséria a família do detento”.
E arremata Foucault, que constitui a prisão:
“um duplo erro econômico, diretamente pelo custo intrínseco de sua organização e indiretamente pelo custo da delinqüência que ela não reprime”.
Apesar de várias conclusões já deixadas ao longo deste trabalho, ainda cumpre
mencionar que a evolução de que falamos anda na companhia constante de idéias inovadoras, de atitudes de incriminação menor, para viabilizar objetividade e resultado ao Direito
Penal. Há várias situações (a rigor, na maioria) em que uma composição civil ou uma solução
penal transacionada podem resolver. A menor intervenção do Estado (que é bom princípio
para isto) pode adequar a persecução criminal ritual para os casos de maior reclame punitivo.
Quando não for assim, recorre-se a soluções compostas, pactuadas, negociadas ou transacionadas. Até por meios extra-penais. No mais, diante de verificação judicial motivada, também
é possível adotar princípios, como o da Insignificância, pelo qual são excluídos de penalização os fatos de pequena perturbação ou influência no meio social.
Outros meios de despenalização e de descarcerização e outros meios de depuração
da Justiça Penal: utilização cada vez maior de penas restritivas e de medidas alternativas,
estas não apenas à prisão, mas à persecução e ao processamento. Aumento de hipóteses de
composição, de suspensão e de opções versáteis. Valorização da solução por reparação de
dano e indenizações. Uso de prestações pecuniárias de natureza variada. Aumento das possibilidades de uso dos institutos despenalizadores, por exemplo, do limite do artigo 61 da Lei
nº 9.099/95, que vai até dois anos, atualmente. Criação e estruturação de mais e melhores
centrais de penas restritivas de direitos.
O próprio sentenciado e a sociedade são os destinatários dessas sanções restritivas. As
suas constantes criações, com novas e mais adequadas versões, representam, a nosso ver, um
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grande desafio para o Direito Criminal e para a execução penal, em solidificar esse modelo
mais atual e equilibrado para a Justiça Penal, assim como uma grande revolução social em
prol da cidadania. A participação da sociedade, por seus membros e instituições, da família e
do meio comunitário são fundamentais. Essa participação ocorre pelo recebimento e o acompanhamento de serviços, valores ou alimentos a ela destinados, por esta entidade ou aquela
instituição; pela fiscalização, na integração e na formação de um senso de responsabilidade
do agente sancionado para com o meio social que integra; e na própria readaptação da pessoa
com o meio, dentre outras várias formas de envolvimento. Afinal, é exatamente para manter
essa relação que as penas alternativas à prisão atuam para não afastar o sentenciado de sua
comunidade e para transferir para esta, com responsabilidades, a utilidade e os benefícios
das sanções, com efetividade maior do que acontece nas penas privativas de liberdade.
Como se vê em relatório acostado no anexo, expedido pelo Primeiro Juizado Especial de Rio Branco-Acre, a variedade de entidades, instituições, pessoas e órgãos públicos
beneficiados com as penas restritivas de direitos nas modalidades de prestação pecuniária e
de prestação de serviços à comunidade é bem significativa. Há creches, educandários, asilos
para idosos, centros de recuperação de dependentes químicos, associações comunitárias,
igrejas, órgãos estatais policiais, de saúde e de interesses ambientais, dentre outros. E nesses
entes beneficiados, está o retorno social expresso no projeto de pesquisa e neste trabalho,
com alcance notoriamente maior do que nos casos de penas de prisão.
Deixamos para o fim a melhor notícia. Ela se refere ao primeiro semestre de 2008
no Brasil. Depois do que se viu nos rumos históricos e nas tendências continuadas, a utilização das penas alternativas à prisão passou a ocorrer de forma patente, numa clara opção humanitária crescente, já incorporada a visível tendência da Justiça Penal de serem as restritivas as penas preferenciais. E sobre isto, como se vê em artigo a seguir reproduzido, baseado
em dados do Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça do Brasil (pesquisado por
acesso ao sítio ecosdanotícia.com.br, em 24/07/2008), as penas alternativas passaram a ser
mais aplicadas do que as penas prisionais no Brasil. Esta informação é sensacional!
Ali consta, em resumo que, pela primeira vez, o número de pessoas cumprindo
penas e medidas alternativas no Brasil, disparou em relação aos presos. Os dados se referem
ao primeiro semestre de 2008. Até 30 de junho, 498.729 pessoas cumpriam pena ou medida
em liberdade (alternativas à prisão). E as pessoas cumprindo pena de prisão eram 439.737.
A diferença verificada é de 13,4% a mais de pessoas cumprindo penas restritivas de direito,
em face das pessoas encarceradas.
A mesma notícia, com números detalhados, também consta no sítio da revista Consultor Jurídico. O extrato dos dados e números confirma o que nosso trabalho vem abordando desde as linhas precoces. A tendência é o crescimento da valoração das alternatividades
à prisão, exatamente porque, como demonstrado acima, as penas alternativas, aqui incluídas
as de prestação pecuniária e de prestação de serviços à comunidade (ou a entidades públicas
ou privadas de fim social), dão melhor retorno social, capacitam mais a ressocialização,
evitam de forma mais eficiente a reincidência e são mais efetivas do que a pena prisional.
Vejamos o extrato, para finalizar este trabalho:
“Os números referentes ao primeiro semestre deste ano (2008) são do Departamento
Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça. Pela primeira vez, o número de
pessoas cumprindo pena e medida alternativa (PMA) ultrapassou o de presos”.
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Agora são 498.729 pessoas cumprindo penas e medidas alternativas e 439 mil pessoas
presas.
“No ano passado, eram 422.522 pessoas com pena e medida alternativa e 423.373 presos.
O salto de penas e medidas alternativas foi de 18% enquanto o de presos foi de 4,1%. A conta
não leva em consideração aqueles que estão em liberdade porque tiveram a progressão de
regime”.
“Dos presos, quase metade está em prisão provisória — 210.563. Desses, 137.887 estão
em presídios e penitenciárias e 61.792 em cadeias e delegacias. Os outros 229.174 estão
condenados. O Depen afirma que pelo menos 80 mil dos presos provisoriamente poderiam
responder o processo em liberdade. O déficit de vagas no sistema prisional é de 185 mil”.
Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2006. Fonte – sítio da web conjur.com.br.
Pesquisa realizada (acesso) em 17/10/2008.
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SUTHERLAND, Edwin H. Princípios de Criminologia, tradução de Asdrúbal Mendes Gonçalves. São Paulo: Martins Editora, 1949.
290
Revista ESMAC
CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO ESTRATÉGICO DA TECNOLOGIA DA
INFORMAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA
Laudivon de Oliveira Nogueira
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, sobretudo a partir da implementação do Conselho Nacional de
Justiça, em 2005, intensas discussões vêm ocorrendo quanto ao modo de administração do
Poder Judiciário nacional como uma das causas determinantes do quadro de ineficiência do
sistema judiciário brasileiro.
Por reconhecer o caráter empírico em geral adotado na gestão desse importante
segmento do Estado, as discussões desenvolvem-se num ambiente de crescente convencimento quanto à necessidade de adoção de modernos métodos da ciência da Administração,
similares aos adotados nas organizações empresariais, como ferramentas indispensáveis a
excelência do serviço judiciário.
Por essa concepção, o anacronismo e a pouca funcionalidade da administração do
Poder Judiciário paradoxalmente seria o elemento obstrutivo à implementação de modernas
tecnologias, fato gerador do descompasso entre o momento tecnológico vivenciado pela
sociedade e a realidade cotidiana dos Tribunais.
A necessidade de novas tecnologias de gestão, assim, fez surgir no Brasil os fundamentos teóricos da administração pública judiciária, um ramo ainda novo da ciência da
Administração e por conseqüência muito pouco estudado e aprimorado.
Por essa linha de pensamento, a Administração Judiciária viria atender aos preceitos constitucionais de celeridade e efetividade da Jurisdição, como elo entre a ciência da Administração e a do Direito, a servir de mola propulsora às mudanças e à modernização do Poder
Judiciário.
A par disso, surge a indagação quanto à viabilidade de aplicação à administração
do Poder Judiciário nacional das mesmas técnicas adotadas com êxito nas organizações
empresariais, em especial quanto ao modelo da Administração por Objetivos (APO), então
desenvolvida na década de 50.
Na gestão das organizações privadas, a experiência da Administração por Objetivos revelou-se extremamente importante para o desenvolvimento das empresas. Por esse
modelo, que tem como base o planejamento estratégico, a administração seria focada nos
seus objetivos estrategicamente definidos e todas as suas atividades seriam desenvolvidas
segundo o propósito de realizá-los.
Contudo, é sabido que há um fosso profundo entre as organizações públicas e as
privadas quanto aos seus objetivos. As empresas buscam vantagens competitivas para alcançar o seu público alvo, o consumidor, e dessa maneira aumentar os lucros. As organizações
públicas, por sua vez, não podem buscar como objetivo senão a melhoria dos serviços ao
cidadão. Eis aí um fator a ser considerado no estudo da Administração Judiciária.
Encontrar a solução para a superação dos obstáculos que impedem a moderniza291
ção da gestão do Poder Judiciário é, conseqüentemente, a questão mais emblemática para a
novel Administração Judiciária.
Nas organizações empresariais, a implementação da gestão por resultados foi alavancada pela intensa utilização da informática, a permitir serviços cada vez melhores e com
rapidez nunca antes vista.
Esse mesmo fenômeno parece também alcançar as organizações públicas e com
certo atraso o Poder Judiciário. Somente no final da década de 90 e início deste século é que
os recursos da Tecnologia da Informação efetivamente vêm ganhando cada vez mais espaço
na Administração do Poder Judiciário, avançando tanto sobre a gestão da área-meio quanto
da área-fim.
Se a administração por resultados (APO) se revela uma opção a ser explorada pela
Administração Judiciária como contribuição para a celeridade e efetividade da Jurisdição210,
a Tecnologia da Informação de igual modo tende a fornecer os meios necessários para esse
propósito.
Mas, a questão que se apresenta é se a adoção dos mais modernos recursos da
Tecnologia da Informação seria suficiente para, por si só, melhorar a atividade judiciária e
até que ponto poderia viabilizar a implementação da Administração por Objetivos no Poder
Judiciário.
A resposta para esse questionamento certamente está nas diversas experiências do
Poder Judiciário nacional.
Assim, o primeiro capítulo deste trabalho destina-se à análise do que se compreende
por Administração Judiciária, seu conceito e referência teórica. Para melhor compreensão do
assunto, aborda-se a Administração Judiciária sob os enfoques da atividade-meio e da atividade-fim, prosseguindo com uma análise do funcionamento do sistema judiciário brasileiro
do ponto de vista de sua administração. A seguir, faz-se uma retrospectiva quanto à atuação
do Conselho Nacional de Justiça, com destaque quanto às conseqüências para a administração do Poder Judiciário a partir de 2005.
Logo depois, no segundo capítulo, analisa-se o modelo da Administração por Objetivos (APO) como uma opção à gestão do Poder Judiciário. Inicialmente o estudo trata do
conceito de Administração por Objetivos e enfoca sobre a importância do planejamento sob
os seus três níveis distintos, sendo eles o estratégico, o tático e o operacional. Em seguida,
ao analisar a administração do Poder Judiciário segundo a visão discricionária (gestão do
improviso) e também institucional (gestão estratégica), discorre-se quanto ao desafio de se
construir planos estratégicos nosTribunais que realmente reflitam a vontade institucional em
oposição a valores ou opções pessoais de cada gestor.
No terceiro capítulo, o trabalho aborda sobre a Tecnologia da Informação e o impacto decorrente de sua utilização na administração do Poder Judiciário. A análise começa
por conceituar Tecnologia da Informação para em seguida tratar do seu alinhamento com o
plano estratégico da Instituição. E dentro desse contexto, analisam-se as soluções da Tecnologia da Informação atualmente utilizadas na gestão do Poder Judiciário, a saber: sistemas
de acompanhamento processual; sistema de processo judicial eletrônico; sistemas exógenos
de apoio à efetividade da Jurisdição e sistemas de gestão da área-meio.
Ao final, o trabalho se propõe a demonstrar as conseqüências decorrentes da uti210 Então entendida como função do Estado de resolver os conflitos individuais e garantir a manutenção da ordem jurídica..
292
Revista ESMAC
lização das técnicas da Administração por Objetivos aliadas aos recursos da Tecnologia da
Informação mediante o exame da experiência da 2ª Vara de Família da Comarca de Rio
Branco, Acre.
A pesquisa foi desenvolvida com base em dados estatísticos fornecidos pela Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Acre do período de 1996 a 2007, bem assim em
documentos arquivados na 2ª Vara de Família.
293
1. ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA
1.1. Conceito
No atual estágio de evolução do Estado, o Poder Judiciário destaca-se como o
responsável direto pela importante missão de garantir a observância do direito objetivo material, a autoridade do sistema jurídico e a paz e a ordem sociais. É assim, com a atuação
da função jurisdicional do Estado pelo Poder Judiciário, que o direito se torna possível e é
mantido em última instância.
Na verdade, o sistema jurídico como o conhecemos não seria possível sem a plena
atuação da função jurisdicional do Estado. Assim como um organismo vivo, que precisa de
um sistema de defesas e curas para o tecido ferido, a ordem jurídica necessita de um mecanismo de atuação, validação e reparação do direito violado.
Essa função, naturalmente, tanto mais será eficiente na medida em que a instituição
por ela responsável disponha de mecanismos adequados de gestão de recursos humanos,
materiais e tecnológicos.
No passado não muito distante, o processo judicial desenvolvia-se em um ambiente
de pouca demanda e lenta interoperatividade das relações comerciais e sociais. O Judiciário
era, a sua maneira, plenamente ajustado à realidade então existente. No início do Século
XX, tudo funcionava de modo quase artesanal. Não havia grande preocupação com a gestão
de processos em uma época em que os documentos eram inteiramente manuscritos e autos
judiciais costurados à mão.
Entretanto, diante das intensas transformações econômicas e sociais ocorridas ao
longo do Século XX, sobretudo impulsionada pelos efeitos do fenômeno da globalização211
e pela nova Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988, o sistema judicial
brasileiro experimentou um grande aumento da carga de litigiosidade, o que significou uma
demanda muito superior à capacidade de tratamento e resolução de conflitos. Desvelava-se
então a existência de uma “crise do Poder Judiciário”, a por em xeque o modo como administrado.
Ao jurisdicionado, como já dissera Rui Barbosa212, no célebre discurso “Oração
aos Moços”, que justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta, não
basta que o Estado-Juiz decida o conflito. É preciso que a decisão proferida tenha alguma
utilidade, seja efetiva, que realmente resolva a lide posta à apreciação do Judiciário no tempo
razoável.
Mas, a indagação do momento visaria soluções para o crescente descompasso do
funcionamento do Judiciário e as novas demandas que florescem em dimensão global e em
tempo real.
Para superação dessa crise, ganha força entre os profissionais do direito a inclinação por conhecimentos de administração e a conclusão de que a realização da função jurisdicional plena e efetiva, em tempo razoável, depende inexoravelmente da aplicação de técnicas
211 Sobre o fenômeno da globalização, Hans-Peter Martin e Harald Schumann, em “A Armadilha da Globalização” – 5.
ed. - São Paulo: Globo, 1999, abordam sobre a internacionalização descontrolada dos mercados e as conseqüências para a
democracia. .
212 BARBOSA, Ruy. Escritos & Discursos Seletos. Rio de Janeiro: Companhia Aguiar Editora, 1966. p. 658.
294
Revista ESMAC
e métodos de planejamento, gestão e controle.
À medida que os problemas do sistema judiciário foram se agravando, a questão de
como administrar os órgãos judiciais foi ganhando cada vez mais relevo no cenário nacional,
principalmente diante dos maiores desafios do sistema, tais como as questões da morosidade
na prestação jurisdicional e do acesso ao Judiciário.
De par com esse estado de coisas, a questão ganhou relevância no cenário político
nacional, o que impulsionou os representantes dos três Poderes a unir esforços no sentido
de encontrar soluções para o sistema judiciário, cientes de que os problemas não ficavam
restritos ao âmbito do Poder Judiciário.
E assim, em 15 de dezembro de 2004, o Presidente da República, o Presidente do
Senado Federal, o Presidente da Câmara dos Deputados e o Presidente do Supremo Tribunal
Federal assinaram o Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano213, onde os três Poderes assumiram os seguintes compromissos para o aperfeiçoamento
da prestação jurisdicional: 1) implementação da reforma constitucional do Judiciário; 2)
reforma do sistema recursal e dos procedimentos; 3) defensoria pública e acesso à Justiça; 4)
juizados especiais e justiça itinerante; 5) execução fiscal; 6) precatórios; 7) graves violações
contra direitos humanos; 8) informatização; 9) produção de dados e indicadores estatísticos;
10) coerência entre a atuação administrativa e as orientações jurisprudenciais já pacificadas;
e 11) incentivo à aplicação de penas alternativas.
Na definição de tais premissas, a administração do sistema judiciário destaca-se
como ponto de atenção do Pacto, conforme se vê a seguir:
Poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no tocante aos diagnósticos quanto à
questão judiciária. A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões
retardamodesenvolvimentonacional,desestimulaminvestimentos,propiciamainadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático.
Em face do gigantesco esforço expendido sobretudo nos últimos dez anos, produziram-se
dezenas de documentos sobre a crise do Judiciário brasileiro, acompanhados de notáveis
propostas visando ao seu aprimoramento.
Os próprios Tribunais e as associações de magistrados têm estado à frente desse processo,
com significativas proposições e com muitas iniciativas inovadoras, a demonstrar que não há
óbices corporativistas a que mais avanços reais sejam conquistados.
O Poder Legislativo não tem se eximido da tarefa de contribuir para um Judiciário melhor,
como demonstram a recém-promulgada reforma constitucional (EC no 45/2004) e várias
modificações nas leis processuais.
A reforma do sistema judicial tornou-se prioridade também para o Poder Executivo, que
criou a Secretaria de Reforma do Judiciário no âmbito do Ministério da Justiça, a qual tem
colaborado na sistematização de propostas e em mudanças administrativas.
É nesse ambiente de crise e de busca de soluções, então, que emerge a novel Administração Judiciária como importante instrumento de modernização do Poder Judiciário,
resultado da interconexão entre a ciência da Administração e o Direito.
De fato, não há atividade humana nos dias atuais que prescinda das ferramentas da
213 MJ – Ministério da Justiça. Reforma do Judiciário. Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano. 2004. Disponível em <http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJ8E452D90ITEMIDA08DD25C48A6490B9989ECC844F
A5FF1PTBRIE.htm> Acesso em: 11 jul 2008
295
ciência da Administração. A esse respeito, Idalberto Chiavenato214 explica:
Nos dias de hoje, a Administração figura como a única instituição que transcende as fronteiras de países e organizações, apresentando um significado global e mundial. A moderna
Administração não se restringe aos limites ou a fronteiras nacionais. Para ela, as fronteiras
nacionais perderam a antiga relevância. O centro de nossa sociedade e de nossa economia
também não é mais a tecnologia, nem a informação, nem a produtividade. O fulcro central
está na organização: a organização administrada que maneja a tecnologia, a informação e
a produtividade. A organização é a maneira pela qual a sociedade consegue que as coisas
sejam feitas. E a Administração é a ferramenta, a função ou o instrumento que torna as organizações capazes de gerar resultados e produzir o desenvolvimento.
Além disso, a Administração caminha cada vez mais para ser uma ciência universal. Ela é
necessária não só para os administradores, mas para todas as áreas do conhecimento humano
e científico. Cientistas, profissionais liberais, empreendedores, presidentes, governadores,
prefeitos, políticos e todo tipo de empreendimento social requerem conceitos da Administração para alcançar objetivos. O desenvolvimento de um país ou organização passa necessariamente pela Administração.
Por essa razão é que, nas palavras de Chiavenato, a Administração destaca-se
como a condução racional das atividades de uma organização e consiste no “processo de
planejar, organizar, dirigir e controlar o uso dos recursos e competências organizacionais
para alcançar determinados objetivos com eficiência e eficácia, por intermédio de um arranjo
convergente” ,
E Peter F. Drucker215, com propriedade, vem dizer que:
A administração é desincumbência de tarefas. A administração é uma disciplina de estudo.
Mas é também gente. Cada realização da administração é realização de um administrador.
Cada deficiência é deficiência de um administrador. São pessoas que administram e não
“forças”, nem “fatos”. É o descortínio, a dedicação e a integridade dos administradores que
determinam se existe administração ou desadministração.
Dependendo do ambiente em que se realiza, se público ou privado, o ato de administrar pode se manifestar de formas essencialmente diferentes.
Isso decorre do avanço experimentado pela administração das empresas, que cientes de seus riscos e orientadas pelo lucro, e diante das exigências econômicas e sociais, foram
levadas à eficiência e eficácia, a reinventar seus métodos e suas estruturas, com práticas de
planejamento, organização, liderança e controle muito além das adotadas pelo Estado.
Ao passo que a Administração Empresarial teve extraordinário salto de qualidade,
o Estado muito pouco mudou ao longo dos anos. E nesse contexto se insere a gestão do
sistema judiciário.
Apenas recentemente, com o ingresso do mundo dos negócios na Era da Informação em 1990, com o fim da Era Industrial, e premidos pelas novas demandas sociais, é que
os profissionais do Direito perceberam a real necessidade de uma completa reestruturação
do sistema judicial brasileiro, que agora deveria focar-se, não só no acesso e na celeridade,
214 CHIAVENATO, Idalberto. Administração, teoria, processo e prática. 4ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p.5.
215 DRUCKER, Peter Ferdinand. Introdução à administração. Tradução do original em inglês “A introductory view of
management”, por Carlos Malferrari. São Paulo: Thomson Pioneira, 2006. p. 5.
296
Revista ESMAC
como também na eficácia e efetividade da prestação jurisdicional.
Desse despertar, à falta de um arcabouço teórico próprio, as linhas básicas da
Administração Judiciária no Brasil vêm sendo desenvolvidas a partir de práticas extraídas da
administração empresarial e adaptadas à realidade da gestão pública.
Ao integrar os quadros da magistratura, o juiz logo percebe que além da função
judicante também fora investido na função de administrador de uma vara, foro ou mesmo
Tribunal, tarefa essa que extrapola a sua formação acadêmica.
De seu gabinete, o juiz moderno passa a administrar não só o processo judicial,
enquanto instrumento de realização da jurisdição, mas também os recursos e procedimentos
mais apropriados para o melhor desempenho de sua unidade jurisdicional.
Se a tarefa básica da Administração é a de fazer as coisas por meio de pessoas de
maneira eficiente e eficaz216, pode-se se assegurar que a Administração Judiciária no Brasil,
ainda que na sua fase embrionária, se erige importante promessa de melhoria do funcionamento do sistema judiciário e, conseqüentemente, da realização célere e efetiva do Direito.
Por esse prisma, a Administração Judiciária é uma área do conhecimento pela qual
o administrador utiliza princípios, técnicas e ferramentas da ciência da Administração para
decidir e solucionar os desafios do sistema judiciário no seu mister de realizar o Direito de
forma célere e efetiva.
1.2. Administração judiciária em sentido estrito e administração jurisdicional
A Administração Judiciária, conforme trate de atividades-meio ou atividades-fim
pode, ainda, ser analisada sob dois ângulos217: a) o da administração judiciária propriamente
dita e; b) o da administração jurisdicional.
É, assim, compreendida como administração judiciária a atividade de planejar,
organizar, dirigir e controlar o uso dos recursos organizacionais do Poder Judiciário indispensáveis à produção do serviço jurisdicional. Engloba, portanto, todos os serviços considerados como atividades-meio, cuja administração normalmente é confiada a servidores de
cargos efetivos ou em comissão. Nesse campo estão os diretores, coordenadores, supervisores, chefes de seção e de gabinete.
No que concerne à administração jurisdicional, deve-se compreender como a realização das atividades específicas dos magistrados na administração dos meios necessários à
realização de sua própria jurisdição.
O processo judicial218, enquanto instrumento por meio do qual a jurisdição atua,
é por natureza uma relação entre os sujeitos envolvidos no objetivo de eliminar conflitos e
fazer justiça mediante a atuação da vontade concreta da lei.
E essa relação requer uma administração ativa por seu condutor, quer quanto aos
procedimentos, quer quanto ao tempo.
216 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. p.5.
217 Conforme classificação realizada por SILVA, Cláudia Dantas Ferreira da. Administração judiciária: planejamento estratégico e a reforma do Judiciário brasileiro.Monografia - Universidade de Brasília (UnB). Disponível em: http://jus2.uol.com.
br/doutrina/texto.asp?id=8062&p=3. Acesso em 7.7.2008.
218 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do
Processo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p.297.
297
Isto significa dizer que não basta a existência de um procedimento e o mero atuar ontológico
dos atores processuais para se assegurar a razoável duração do processo do processo judicial,
que a partir da reforma constitucional levada a efeito pela Emenda Constitucional n.º 45, de
8.12.2004, de princípio processual passou a integrar o rol dos direitos fundamentais.
CF/88. Art. 5º. (...)
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Na condução do processo judicial, o magistrado não se pode deixar levar pela tentação do burocratismo, do apego à forma desmedido sem foco em resultados práticos. Deve
ter um olhar crítico para o desenvolvimento processual quanto à celeridade e a efetividade,
sem contudo levar a qualquer deformação ou deturpação da finalidade do processo no seu
mister de operar a jurisdição.
O atributo do juiz na direção e controle do processo judicial é muito mais que
promover o impulso oficial219. É promover resultados jurisdicionais efetivos220 em tempo
razoável, sem sacrifício de garantias dos litigantes.
Nessa ordem de idéias, sobressai que o juiz no seu mister de dizer o direito e tornálo efetivo deve também ser um bom administrador do processo sob a sua jurisdição para que
esse mecanismo alcance a sua finalidade política e social.
O juiz no desempenho de sua função deve evitar a situação caótica retratada por
Charles Chaplin em Tempos Modernos221, onde o personagem, operário de uma fábrica, trabalha de forma contínua e ininterrupta diante de uma esteira, o que o torna parte integrante
da máquina, sem pensar ou repensar sobre o significado de seu trabalho.
Sempre que promover o ato processual, o juiz deve perguntar-se: onde chegará o processo
com este ato? Que resultado prático alcançará o processo? Que é mesmo necessário para
conhecer os fatos e assim poder dizer o direito? Do modo como proferida, a decisão tem
alguma exeqüibilidade e resultado para o vencedor da lide?
Essa visão diferenciada, com foco no seu cliente, é que pode tornar efetiva a jurisdição, evitando a realização de atos inúteis que atentem contra o princípio da razoável
duração do processo.
Prelecionando sobre o Processo Civil, E.D. Moniz de Aragão222 vem destacar a
importância das técnicas da administração na condução do processo:
219 BRASIL, Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007. p. 591. Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial.
220 Antônio Carlos de Araújo Cintra destaca que “As normas processuais buscam hoje a plena satisfação do direito material, ou seja, um processo de resultados (efetividade do processo). Inserem nessa linha os novos dispositivos do Código de
Processo Civil que adotam a chamada tutela jurisdicional diferenciada, ou seja, procedimentos sumários e de cognição superficial, necessários a assegurar a fruição do bem antes que o tempo corroa o direito ou seu objeto (como a tutela antecipada)
ou a encurtar o tempo do processo (p.ex., ação monitória). Inserem-se também na mesma linha os provimentos jurisdicionais
destinados a oferecer tutela específica, atribuindo ao vencedor o adimplemento da obrigação, em espécie e não em seu equivalente monetário (obrigações de fazer ou de não-fazer, obrigações de dar).” CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER,
Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. Cit., p.138.
221 Tempos Modernos – 1936. O filme de Charles Chaplin é o retrato da sociedade capitalista que começava a desenhar na
Europa a partir do Século XVIII, após a Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra.
222 ARAGÃO, E.D. Moniz de. O Processo Civil no liminar de um novo século. in Revista Cidadania e Justiça da Associação dos Magistrados Brasileiros, Brasília: AMB, 1º Semestre/2000, p.50..
298
Revista ESMAC
A observação do desempenho dos magistrados revela que uns mantêm o serviço em dia,
outros atrasam e há os muito atrasados. Se o número for multiplicado, sempre haverá os
que estão em dia, os atrasados e os muito atrasados. Lucraria a distribuição de justiça se os
responsáveis por ela adotassem técnicas modernas de administração de pessoal, com metas
a serem cumpridas. (...) É necessário explorar os métodos modernos de encaminhar e resolver problemas, a fim de melhor realizar o Direito pelo processo. Já foi dito com humor
e sabedoria que a mais visível melhora do serviço forense nos últimos tempos foi a adoção
da máquina de escrever. Em novo chiste, pode-se acrescentar que falta á administração da
Justiça e ao processo, submeter-se aos requisitos para obter um certificado de eficiência
ISSO 14.000.
Eis porque, neste novo milênio, o desafio do magistrado na condução do processo
cinge-se à adoção de técnicas da administração, planejando a sua atuação com definição de
estratégias, organizando adequadamente o trabalho com rotinas bem traçadas, com padronização do que pode ser padronizado e divisão de trabalho segundo temas específicos, sem
esquecer de uma direção permanente e controle efetivo.
1.3. A administração do sistema judiciário brasileiro
É expresso na Constituição Federal223 que são órgãos do Poder Judiciário brasileiro
o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça,
os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais, os Tribunais e Juízes do Trabalho, os Tribunais e Juízes Eleitorais, os Tribunais e Juízes Militares, os Tribunais e Juízes dos Estados
e do Distrito Federal e Territórios.
Sob o aspecto da nacionalidade, o Poder Judiciário é um sistema complexo, com
sofisticada divisão de competências, onde se assentam duas justiças comuns (Federal e Estadual) e três justiças especiais (Trabalhista, Eleitoral e Militar), integradas por noventa e um
Tribunais, sendo eles os seguintes:
a)
5 (cinco) Tribunais Superiores: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de
Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Superior Tribunal Militar, Tribunal Superior Eleitoral.
b)
5 (cinco) Tribunais Regionais Federais.
c)
24 (vinte e quatro) Tribunais Regionais do Trabalho.
d)
27 (vinte e sete) Tribunais Regionais Eleitorais.
e)
27 (vinte e sete) Tribunais de Justiça.
f)
3 (três) Tribunais Estaduais Militares situados, cada um, em São Paulo, Minas
Gerais e Rio Grande do Sul.
A Jurisdição, enquanto poder e função do Estado de impor decisões e promover a
pacificação de conflitos interindividuais224, espraia-se por todo o território nacional segundo
a parcela de trabalho conferida a cada um dos órgãos do Poder Judiciário. Essa divisão de
trabalho resulta na existência de milhares de unidades judiciárias espalhadas pelo País, todas
independentes sob o angulo da prestação jurisdicional.
223 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senador Federal, Subsecretaria
de Edições Técnicas, 2008. Artigo 92. p.72..
224 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. Cit., p.147..
299
É da essência do Judiciário a inexistência de hierarquia entre os seus diversos
órgãos jurisdicionais, de tal modo que nenhum juiz se submete às determinações ou orientações de outro magistrado mais graduado. Esse aspecto, por conseguinte, fez reproduzir
no plano administrativo uma visão também fragmentada da administração desse Poder, que
embora uno e nacional, funcionou, até a implementação do Conselho Nacional da Justiça,
de forma difusa, como ilhas absolutamente independentes, sem uma política de atuação
administrativa uniforme e racional.
Ao analisar o sistema judiciário brasileiro sobre o ângulo de sua administração,
uma das características mais marcantes é sem dúvida o gerenciamento empírico, o improviso
e o insulamento administrativo e a pouca ou nenhuma preparação dos seus administradores
para o mister.
Antes da promulgação da Emenda Constitucional n.º 45, no dia 8.12.2004, a
questão central era a falta de uma política pública, clara e objetiva para o Poder Judiciário
nacional.
A guisa de exemplo, cite-se o caso dos Tribunais de Justiça, que num total de 27,
funcionavam absolutamente descoordenados, sem uma política nacional para esse importante segmento do Judiciário. Somente com a reforma constitucional realizada por meio
da Emenda Constitucional n.º 45/2004 e a partir da implantação do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) em 14 de junho de 2005, é que teve início o processo de padronização do atuar
desses Tribunais.
A esse respeito, no julgamento da ADIN 3367-1, o Ministro César Peluso já observara em seu voto a realidade anacrônica do Judiciário antes da instalação do Conselho
Nacional de Justiça:
A bem da verdade, mais que encargo de controle, o Conselho recebeu aí uma alta função
política de aprimoramento do autogoverno do Judiciário, cujas estruturas burocráticas dispersas inviabilizam o esboço de uma estratégia política-institucional de âmbito nacional.
A ausência de técnicas para planejamento, organização, direção e controle é mesmo uma
realidade palpável no Judiciário e se revela notadamente pelas deficiências estruturais verificadas em grande parte nos Tribunais brasileiros. O improviso e o amadorismo é em muitos
casos a fonte de ineficiência e desperdício de recursos.
É certo que, nos últimos anos, alguns Tribunais se esforçaram para modernizar a
administração e investiram significativamente em informatização e treinamento de pessoal.
Contudo, em decorrência, da autonomia e independência dos Tribunais, esse processo de
modernização restou muito diversificado, aumentando ainda mais as diferenças dentro do
próprio sistema.
Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos da América, onde a atuação
dos juízes fica restrita à atividade-fim, no Brasil, os juízes também exercem a função de
administradores. Esse modelo não se revela a melhor opção, uma vez que desvia os juízes de
sua função primordial – realizar o direito –, consumindo-lhe precioso tempo que poderia ser
destinado à atividade fim. Assim observa, Renato Luis Benucci225:
225 BENUCCI, Renato Luis. A tecnologia aplicada ao processo judicial.Campinas-SP: Millennium Editora, 2006. p.
31/32.
300
Revista ESMAC
No Brasil, optou-se também pela administração dos órgãos judiciários a cargo dos próprios
magistrados. Não é essa a opção de países como os estados Unidos da América, onde existem profissionais especializados responsáveis pela administração dos tribunais. Esta opção
pela administração da justiça feita pelos próprios magistrados toma grande parte de seu
tempo, e os Juízes, apesar de responsáveis por essas atividades administrativas, não recebem
qualquer treinamento para isso.
Da formação acadêmica que os habilita para a ciência do Direito e ao desempenho
das atividades-fim, exercem também os magistrados as atividades-meio, em que passam a
decidir sobre gestão de recursos humanos, materiais e tecnológicos.
Essa amplitude e dualidade de funções exercidas pelos magistrados, porém, tem
implicações diretas tanto na gestão quanto no serviço prestado pelo Poder Judiciário, porquanto nem sempre há a devida conformação entre o papel do administrador e o do julgador.
A pouca intimidade com as técnicas e métodos da Administração, não raro, tem
conseqüências práticas desastrosas, a resultar serviços falhos ou até mesmo inexistentes.
Mas há também exemplos de excelência e de boas práticas, muito mais ligadas à
habilidade pessoal de alguns magistrados do que decorrentes do próprio sistema.
Esse quadro se torna cada vez mais visível na medida em que a sociedade como
um todo passa a reivindicar uma prestação jurisdicional mais imediata, efetiva e adequada,
diante dos direitos subjetivos violados ou ameaçados, incitada sobremaneira pela notável
velocidade com que se desenvolvem as relações sociais e jurídicas sob os ventos da Era da
Informação e da sociedade em rede.
Ao traçar um comparativo, tomando o tempo como dimensão mensurável, não é
razoável nos dias atuais que o titular de um direito violado tenha de esperar anos por uma
decisão do Estado-Juiz (tempo diferido), quando o mundo globalizado encontra soluções
em fração de segundos e desenvolve todo tipo de atividade em dias ou fração de dia (tempo
real).
A essa falta de adaptação do Estado às novas necessidades da sociedade é que se
assenta a crise judiciária.
Com lucidez, Humberto Theodoro Júnior226 adverte:
É lastimável, mas não se pode deixar de reconhecer o regime caótico em que os órgãos
encarregados da prestação jurisdicional no Brasil trabalham tanto do ponto de vista organizacional, como principalmente em torno da busca de solução para sua crônica inaptidão
para enfrentar o problema do acúmulo de processos e da intolerável demora na prestação
jurisdicional. Não há o mínimo de racionalidade administrativa, já que inexistem órgãos
de planejamento e desenvolvimento dos serviços forenses, e nem mesmo estatística útil se
organiza para verificar onde e porque se entrava a marcha dos processos.
Sem o apoio em dados cientificamente pesquisados e analisados, a reforma legislativa dos
procedimentos é pura inutilidade, que só serve para frustrar, ainda mais, os anseios da sociedade por uma profunda e inadiável modernização da Justiça. Sem estatística idônea, qualquer
movimento reformista perde-se no empirismo e no desperdício de energias por resultados
aleatórios e decepcionantes.
Além disso, pensar-se em reformar a lei sem se preocupar com a reforma simultânea ou
226 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e Efetividade da Prestação Jurisdicional. Disponível em: http://www.
abdpc.org.br/artigos/artigo51.htm. Acesso em: 9.7.2008.
301
sucessiva dos agentes que irão operar as normas renovadas, chega a ser uma utopia, para não
dizer uma temeridade. (...)
Cabe, agora, à sociedade do século XXI, exigir dos responsáveis pela Justiça brasileira que
a façam “passar pela mesma revolução tecnológica por que estão passando as modernas
administrações públicas e privadas, sob o impacto do planejamento, coordenação, controles,
estatística, economia, ciência da administração, teoria das comunicações, informática, cibernética, processamento de dados, etc.”. É preciso que os juristas tenham a humildade e a
sabedoria de reconhecer que a modernização e aperfeiçoamento da Justiça não é tarefa que
eles sozinhos possam executar.
E observa Sálvio de Figueiredo Teixeira227:
Em uma sociedade de massa, complexa, competitiva e altamente veloz, a engrenagem estatal
já não satisfaz. O Judiciário, nesse contexto, por suas características e dependência orçamentária, que se aliam a um modelo desprovido de modernidade e sem planejamento eficaz,
refleteaindacommaiseloqüênciaessedistanciamento,apresentando-secomoumamáquina
pesada e hermética, sem as desejáveis dinâmica, transparência e atualidade.
Dessa moldura se conclui, sem maiores esforços, que no Brasil há uma nítida distinção entre
o Judiciário que a sociedade reclama, e todos desejamos, e o Judiciário que aí está posto, que
a todos descontenta, inclusive, e sobretudo, a nós juízes, que dele somos reféns e em quem
acabam por recair as críticas generalizadas, desconhecendo os jurisdicionados a real dimensão da problemática, quando temos 1(um) juiz para cada 25 a 29 mil habitantes (a média, na
Europa, é de 1 para 7.000), quando o Supremo Tribunal Federal julga mais de 40.000 (quarenta mil) processos por ano (enquanto a Suprema Corte dos Estados Unidos julga menos
de 100 (cem) causas em igual período) e o Superior Tribunal de Justiça mais de 100.000
(cem mil), números de longe sem similar no plano internacional, sendo de acrescentar que
igualmente supercongestionadas estão as instâncias ordinárias.
Com efeito, o sistema judiciário brasileiro apresenta uma estrutura administrativa
muito fragmentada e pouco coordenada, fato que justificou a criação e instalação do Conselho Nacional de Justiça, como órgão responsável por traçar uma linha diretiva e de planejamento das ações do Poder Judiciário nacional.
E, sob a ótica da ciência da Administração, há também a baixa profissionalização
da área administrativa, tanto no plano das estruturas da organização, quanto das pessoas
diretamente responsáveis pela gestão.
1.4. A atuação do Conselho Nacional de Justiça em prol da Administração Judiciária
O Conselho Nacional da Justiça (CNJ) é por expressa disposição constitucional228
o órgão responsável pelo controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário
e do cumprimento dos deveres ético-disciplinar de seus membros.
Criado pela Emenda Constitucional n.º 45, de 8 de dezembro de 2004, e instalado
em 14 de junho de 2005, o Conselho Nacional da Justiça foi, a princípio, muito criticado em
227 TEIXEIRA, Sálvio. O Judiciário e as Propostas de um Novo Modelo. Disponível em: http://www.neofito.com.br/artigos/art01/jurid185.htm. Acesso em: 9.7.2008.
228 Constituição Federal, Artigo 103-B, § 4º.
302
Revista ESMAC
decorrência de sua composição e ainda sob o suposto argumento de que poderia interferir na
independência da atuação funcional dos juízes.
Com o desenvolvimento de suas atividades, porém, percebe-se que a sua atuação
está ligada diretamente ao aprimoramento do autogoverno do Judiciário e à construção de
uma política judiciária nacional, corroborando a afirmação229 de que a sua criação foi realmente o ponto mais alto do processo de aperfeiçoamento da administração da Justiça.
É o que se observa nos três primeiros Relatórios Anuais do CNJ desde a instalação
em 2005.
No seu primeiro ano de funcionamento, segundo o Relatório Anual de 2005, o CNJ
desenvolveu atividades de organização interna e funcionamento do órgão, bem ainda de formulação de políticas e estratégias nacionais para tornar o sistema judiciário mais eficiente e
menos oneroso.
Para a organização interna, o CNJ tratou da elaboração de seu regimento interno e
da constituição de comissões temáticas, tratando sobre: estatística; especialização de varas
e turmas; juizados especiais; informatização; fundos, depósitos judiciais e custas; e regulamentação da Emenda Constitucional n.º 45.
Dentre os primeiros atos normativos destacam-se as que dispõem sobre o Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (Resolução n.º 2, de 16 de agosto de 2005);
férias coletivas nos Juízes e Tribunais de 2º grau (Resolução n.º 3, de 16 de agosto de 2005);
criação do sistema de Estatística do Poder Judiciário (Resolução n.º 4, de 16 de agosto de
2005); aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos Tribunais de 2º
grau (Resolução n.º 6, de 13 de setembro de 2005); exercício de cargos, empregos e funções
por parentes e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção
e assessoramento, no âmbito do Poder Judiciário (Resolução n.º 7, de 18 de outubro de
2005); regulamentação do expediente forense no período natalino, entre 20 de dezembro a 6
de janeiro (Resolução n.º 8, de 29 de novembro de 2005).
Em 30 de setembro de 2005, foi celebrado acordo de Cooperação Técnica entre o
Supremo Tribunal Federal e Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e
Conselho da Justiça Federal, Tribunal Superior do Trabalho e Conselho Superior da Justiça
do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, Superior Tribunal Militar e Colégio Permanente de
Presidentes dos Tribunais de Justiça, para a criação do Portal da Justiça Brasileira. Esse Portal, na Internet, tem como objetivo organizar e divulgar as informações existentes no Poder
Judiciário nacional.
De acordo com o Relatório Anual de 2006, O CNJ reafirmou a sua “missão institucional precípua de desenvolver o planejamento estratégico para o Poder Judiciário nacional,
minimizando o insulamento administrativo por meio de políticas judiciárias aglutinadoras”230 e firmou posição quanto à indispensabilidade do uso intensivo da informatização para
aceleração de procedimentos.
Embora os Tribunais, na sua quase totalidade, já contem com razoável parque informático, o CNJ observou que ainda há problemas de conectividade e operacionalidade e
conseqüentemente subutilização desses recursos, uma vez que os computadores são em229 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça – 2005. Disponível em: http://
www.cnj.gov.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/RelatorioAnualCNJ.pdf. Acesso em: 10.7.2008.
230 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça – 2006. Disponível em: http://
www.cnj.gov.br/images/stories/relatorio_anual.pdf. Acesso em: 11.7.2008
303
pregados para simples edição de textos e consulta de repositórios de jurisprudência na Internet.
Com o objetivo de desenvolver ações estratégicas que tornem o Judiciário acessível, o Conselho Nacional de Justiça traçou uma agenda para o biênio 2006-2008, priorizando a realização do Projeto JustiçaVirtual, promovendo o desenvolvimento de um sistema
de processamento totalmente eletrônico, e a instauração da cultura da pacificação social dos
conflitos através do Movimento Nacional pela Conciliação.
Ainda, com o propósito de levar a cabo o planejamento estratégico para o Poder
Judiciário, o CNJ manteve em 2006 a filosofia de se organizar em Comissões Permanentes
ou Temporárias e Grupos Especiais de Trabalho.
Destacam-se aí a Comissão de Estatística, instituída para concentrar e analisar
dados encaminhados por todos os órgãos judiciários do País, e a Comissão de Informatização, instituída com o objetivo de estabelecer parâmetros nacionais de informatização para os
diversos órgãos do Poder Judiciário brasileiro, no sentido de promover níveis crescentes de
qualidade, eficiência, transparência, interoperabilidade e acesso à Justiça.
Das discussões realizadas, importantes projetos na área de gestão e tecnologia
foram iniciados, dentre os quais citam-se os seguintes: Processo Eletrônico Virtual do Poder
Judiciário; Certificação Digital; Banco de Soluções do Poder Judiciário; Padronização de
Identificadores: Numeração Única de Processos Judiciais; Padronização Taxonômica das Tabelas básicas de classes, movimentações e assuntos; Padronização dos endereços eletrônicos
dos sites do Poder Judiciário (URLs); Restrição Judicial (Renavam) – Bloqueio de Veículos
pela internet; Levantamento de dados sobre os Sistemas de Informação das Unidades de
Justiça – Análise quanto à estrutura; e Banco de Dados da População Carcerária.
Também houve avanços nos trabalhos da Comissão sobre a Regulamentação da
Emenda nº. 45/2004, com a aprovação, em 2006, de leis consideradas prioritárias para a
reforma do Judiciário (Leis nº.s 11.277, 11.280, 11.382, 11.416, 11.417, 11.418 e 11.419).
Em 2006, outras comissões temáticas foram instituídas para o aperfeiçoamento
do sistema judiciário, dentre as quais merecem destaque a Comissão de Estudos sobre a
Reestruturação da Carreira da Magistratura; a Comissão para regulamentar a realização dos
concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura; a Comissão de Estudos para
Combater a Morosidade no Judiciário e a Comissão de estudos para a redação de um Código
de Ética Judicial.
Ainda, prosseguindo com o objetivo de consolidar o estatuto da Magistratura Nacional, o Conselho Nacional de Justiça editou em 2006 novas e importantes resoluções231
para a unificação da interpretação administrativa e padronização de procedimentos, dentre as
quais sobressaem-se as seguintes: Resolução n° 11, de 31 de janeiro de 2006 - Regulamenta
o critério de atividade para a inscrição em concurso público de ingresso da magistratura
nacional e dá outras providências; Resolução n° 12, de 14 de fevereiro de 2006 - Cria o
Banco de Soluções do Poder Judiciário e dá outras providências; Resolução n° 13, de 21 de
março de 2006 - Dispõe sobre a aplicação do teto remuneratório constitucional e do subsídio
231 Conforme decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos da Medida Cautelar em Ação Direta de Constitucionalidade nº. 12 o Conselho Nacional de Justiça detém o poder de expedir normas primárias sobre as matérias referidas no
inciso II do § 4º do art. 103-B da Constituição. A ADC-MC nº. 12/DF foi julgada pelo Plenário do STF na data de 16/02/2006,
tendo como relator o Min. Carlos Britto. O Acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 01/09/2006, p. 015. STF – Supremo
Tribunal Federal. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: https://www.mpes.gov.br/anexos/centros_apoio/arquivos/18_
21041349161632007_STF%20-%20Pesquisa%20de%20Jurisprud%C3%AAncia.htm. Acessado em: 12.7.2008.
304
Revista ESMAC
mensal dos membros da magistratura. Resolução n° 15, de 20 de abril de 2006 - Dispõe sobre a regulamentação do Sistema de Estatística do Poder Judiciário, fixa prazos e dá outras
providências.
O caráter de responsável pelo controle da atuação administrativa e financeira do
Judiciário restou corroborado na gestão do Conselho Nacional de Justiça em 2007, cuja
gestão foi estruturada segundo as diretrizes do Pacto de Estado em Favor de um Judiciário
mais Rápido e Republicano, consoante se extrai do Relatório Anual232.
Por esse Relatório, o Conselho Nacional de Justiça prosseguiu com a missão de
desenvolver o planejamento estratégico do Poder Judiciário, mediante a implementação de
uma política, com ênfase no Movimento Nacional pela Conciliação, no Sistema de Processo
Judicial Virtual – PROJUDI e no combate à morosidade.
Ao cabo desse ano, o Conselho estruturou as suas ações em seis comissões temáticas, dois comitês técnicos e vários grupos de trabalho.
As comissões temáticas em andamento foram as seguintes:
a) Comissão de Informatização,Modernização e Projetos Especiais;
b) Comissão de Estatística e Gestão Estratégica;
c) Comissão de Fundos e Reaparelhamento do Poder Judiciário;
d) Comissão de Acompanhamento Legislativo e Prerrogativas da Carreira da
Magistratura;
e) Comissão de Acesso à Justiça, Juizados Especiais e Conciliação; e
f ) Comissão Reforma do Regimento Interno.
Comitês Técnicos:
a) Comitê Técnico de Orçamento e Finanças e;
b) Comitê Técnico de Apoio para Desenvolver Estudos sobre Projetos de Lei.
Grupos Especiais de Trabalho:
a) Grupo de Trabalho sobre Funcionalidades Tecnológicas Voltadas à Integração
das Bases de Dados das Serventias Extrajudiciais com os Órgãos do Poder
Judiciário;
b) Grupo de Trabalho sobre Promoção das Ações Necessárias ao Termo de
Cooperação Técnica celebrado entre o CNJ, o CJF, a Advocacia-Geral da
União e o Ministério da Previdência Social;
c) Grupo de Trabalho sobre Regulamentação da Lei sobre Processo Judicial
Eletrônico;
d) Grupo de Trabalho sobre Apoio para Desenvolver Estudos sobre
Projetos de Lei;
e) Grupo de Trabalho sobre Gestão do Sistema de Restrição Judicial
– RENAJUD;
f ) Grupo de Trabalho para o Aperfeiçoamento da Resolução nº 15, de 2006
(Comissão de Estatística e Gestão Estratégica);
g) Grupo de Trabalho para a Padronização Taxonômica das Tabelas Básicas
de Classes, Movimentações e Assuntos;
232 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça – 2007. Disponível em: http://
serpensp2.cnj.gov.br/relatorio_anual/Relatorio_2007.pdf. Acesso em: 12.7.2008.
305
h) Grupo de Trabalho sobre Bens Apreendidos;
i) Grupo de Trabalho sobre Cadastro Nacional de Condenados por Ato de
Improbidade Administrativa no âmbito do Poder Judiciário Nacional;
j) Grupo de Trabalho sobre Cadastro Nacional de Adoção;
k) Grupo de Trabalho sobre as Inspeções nos Estabelecimentos Penais pelos
Juízes de Execução Criminal.
Como resultado de sua atuação em 2007, várias resoluções foram editadas com
foco na administração judiciária, dentre as quais destacam-se: Resolução nº 33, de 10 de
abril de 2007 - Dispõe sobre a criação do Sistema Integrado da População Carcerária no
âmbito do Poder Judiciário nacional; Resolução nº 41, de 11 de setembro de 2007 - Dispõe
sobre a utilização do domínio primário “jus.br” pelos órgãos do Poder Judiciário; Resolução
nº 44, de 20 de novembro de 2007 - Dispõe sobre a criação do Cadastro Nacional de Condenados por ato de Improbidade Administrativa no âmbito do Poder Judiciário nacional; Resolução nº 45, de 17 de dezembro de 2007 - Dispõe sobre a padronização dos endereços eletrônicos dos órgãos do Poder Judiciário; Resolução nº 46, de 18 de dezembro de 2007 - Cria
as Tabelas Processuais Unificadas do Poder Judiciário e dá outras providências; Resolução
nº 49, de 18 de dezembro de 2007 - Dispõe sobre a organização de Núcleo de Estatística e
Gestão Estratégica nos órgãos do Poder Judiciário, relacionado no art. 92, incisos II ao VII,
da Constituição da República Federativa do Brasil.
A examinar a atuação desde a sua instalação até a presente data, percebe-se que o
Conselho Nacional de Justiça vem passando por um salutar processo de transformação, em
que inicialmente possuía uma postura muito mais voltada à correção de distorções do sistema judiciário nacional, no âmbito administrativo e disciplinar, do que de fomento de uma
Justiça mais célere e efetiva. Esse perfil na fase primária foi de fato necessário, porquanto
as distorções verificadas eram, com efeito, graves e desconhecidas da sociedade brasileira,
como é o caso do nepotismo e dos excessos remuneratórios da magistratura. Houve, mesmo,
nos dois anos que sucederam a instalação, uma grande evolução funcional do Conselho
que passou a atuar no levantamento de dados estatísticos confiáveis para realização de um
diagnóstico preciso do Poder Judiciário nacional e a partir daí definir planos de ação com
base em um planejamento estratégico. Com se vê no último Relatório Anual de 2007, a linha
de atuação do CNJ é nitidamente orientado por uma política nacional estratégica com foco
numa administração judiciária de excelência e de resultados, mediante a adoção dos mais
modernos recursos da tecnologia da informação.
306
Revista ESMAC
2. ADMINISTRAÇÃO POR OBJETIVOS NO JUDICIÁRIO
2.1. Conceito da Administração por Objetivos - APO
Deste a instalação em 2005, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ – tem afirmado
e reafirmado a sua missão institucional de desenvolver o planejamento estratégico do Poder
Judiciário, com vistas em minimizar o insulamento administrativo de seus diversos Órgãos
por meio de políticas aglutinadoras233.
Em verdade, há uma verdadeira onda no sentido de se imprimir ao Judiciário
um choque de gestão com a adoção de modernas técnicas da ciência da Administração,
especialmente em decorrência da Crise de ineficiência vivenciada por esse setor do Estado
brasileiro.
A indagação mais freqüente nos dias atuais reside justamente em saber até que
ponto tais técnicas podem contribuir efetivamente para o funcionamento do Judiciário, no
sentido de romper com o problema histórico da morosidade na prestação jurisdicional. E,
ainda, se é possível compatibilizar alta produtividade dos Juízes, com os mesmos recursos,
sem prejudicar a boa qualidade da prestação jurisdicional.
Para vencer esse desafio, a sugestão recorrente é a de que a disseminação da cultura
da Administração por Objetivos (APO), mediante o planejamento estratégico pode trazer
melhorias significativas para o sistema judiciário, na medida em que enfoca os objetivos ou
finalidades da organização.
A Administração por Objetivos (APO), também conhecida por administração por
resultados, consiste num modelo administrativo resultante da linha pragmática e democrática da Teoria Neoclássica que se desenvolveu como uma reação às suposições estruturais e
mecanicistas da Teoria Clássica234 da organização.
A Teoria Neoclássica surgiu na década de 1950 e se caracteriza por uma forte
ênfase nos aspectos práticos da Administração, na busca de resultados concretos e palpáveis,
redirecionando o foco das “atividades-meio” para os objetivos e resultados da organização.
E Chiavenato235, ao afirmar que a Administração por Objetivos é um dos melhores
produtos da Teoria Neoclássica, explica:
Toda organização existe, não para si mesma, mas sim para alcançar objetivos e produzir
resultados. É em função dos objetivos e resultados que a organização deve ser dimensionada,
estruturada e orientada. Daí a ênfase colocada nos objetivos organizacionais e nos resultados pretendidos, como meio de avaliar o desempenho das organizações. Os objetivos são
valores visados ou resultados desejados pela organização. A organização espera alcançá-los
233 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça – 2007. p.1. Disponível em:
http://serpensp2.cnj.gov.br/relatorio_anual/Relatorio_2007.pdf. Acesso em: 12.7.2008.
234 “Enquanto Taylor e outros engenheiros desenvolviam a Administração Científica nos Estados Unidos, em 1916 surgia
na França, espraiando-se rapidamente pela Europa, a Teoria Clássica da Administração. Se a Administração Científica se
caracterizava pela ênfase na tarefa realizada pelo operário, a Teoria Clássica se caracterizava pela ênfase na estrutura que a
organização deveria possuir para ser eficiente. Na realidade, o objetivo de ambas as teorias era o mesmo: a busca da eficiência
das organizações.” CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier.
2000. p.82. .
235 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2000.p.174.
307
por meio de sua operação eficiente. Se esta operação falha, os objetivos ou resultados são
alcançados parcialmente ou simplesmente frustrados. São os objetivos que justificam a existência e operação de uma organização. Um dos melhores produtos da teoria Neoclássica é a
chamada Administração por Objetivos (APO) (...).
Enquanto a Administração Científica enfatizava os métodos e a racionalização do trabalho
e a Teoria Clássica punha ênfase nos princípios gerais da Administração, a Teoria Neoclássica considera os meios na busca da eficiência, mas enfatiza os fins e resultados, na busca de
eficácia. Há um forte deslocamento para os objetivos e resultados.
A Administração por Objetivos surgiu em 1954, por obra de Peter F. Drucker236, em
seu livro The Pratice of Management, num cenário em que o capitalismo sofria elevadas intervenções e controles governamentais e a empresa privada norte-americana sofria pressões
de toda a ordem, resultando queda nas margens de lucros e necessidade de reduzir despesas.
Foi nesse contexto histórico e econômico que a Administração por objetivos experimentou um grande progresso de suas metodologias, espraiando-se vigorosamente na
seara da administração empresarial.
Diante do êxito nas organizações empresariais, a Administração por Objetivos nos últimos
anos vem ganhando cada vez mais espaço na administração pública e agora também na administração judiciária.
De acordo com Chiavenato237:
A APO é um processo pelo qual gerentes e subordinados identificam objetivos comuns, definem as áreas de responsabilidade de cada um em termos de resultados esperados e utilizam
esses objetivos como guias para sua atividade. A APO é um método no qual as metas são
definidas em conjunto pelo gerente e subordinado, as responsabilidades são especificadas
para cada um em função dos resultados esperados, que passam a constituir os padrões de desempenho sob os quais ambos serão avaliados. Analisando o resultado final, o desempenho
do gerente e do subordinado podem ser objetivamente avaliados e os resultados alcançados
são comparados com os resultados esperados. (...)
A Administração por Objetivos (APO) ou Management by objectives (MBO), por
conseguinte, é um modelo de administração por meio do qual superiores e subordinados definem conjuntamente os objetivos (resultados) a serem alcançados pela organização, em um
determinado período, segundo metas dimensionadas e sob controle sistemático de desempenho.
É da essência da APO que superiores e subordinados se reúnam, discutam, negociem e em conjunto formulem os objetivos, metas e resultados. Para que o subordinado possa
alcançá-los, o superior se compromete a oferecer os meios e recursos necessários e cobra
resultados. O subordinado, por sua vez, empenha-se no cumprimento do seu mister para
alcançar metas e cobra os meios e recursos necessários238.
Para Drucker, quando os gerentes ficam muito envolvidos nas tarefas do dia-a-dia
acabam por se esquecer do objetivo principal da organização, tornando-a ineficiente e desa236 DRUCKER, Peter Ferdinand. The Practice of Management. Nova York: Harper & Brow, 1954. Traduzido para o português: Prática de Administração de Empresas, Rio de Janeiro: Ed.Fundo de Cultura, 1962.
237 CHIAVENATO, Idalberto. Op.cit., p. 272..
238 Idem. p.273
308
Revista ESMAC
linhada de sua finalidade, fato que denominou de “a armadilha da atividade”.
É dessa armadilha que a Administração por Objetivos se esquiva ao estabelecer o
planejamento estratégico como a sua base, seu instrumento mais importante de atuação.
2.2. Planejamento Estratégico, Tático e Operacional
Dentre as funções básicas do administrador, a Teoria Geral da Administração define, de uma maneira geral, como sendo as funções básicas do administrador o planejamento,
a organização, a direção e o controle239.
Tais funções constituem o processo administrativo e estão intimamente relacionadas em uma interação cíclica, dinâmica e interativa, onde o planejamento se apresenta como
a primeira atividade a ser desenvolvida na atividade de administrar e serve de fundamento
para todas as demais funções.
Para alcançar o significado de planejamento, Djalma de Pinho Rebouças de Oliveira240 vem dizer que:
Planejamentopodeserconceituadocomoumprocesso,considerandoosaspectosabordados
pelas dimensões anteriormente apresentadas, desenvolvido para o alcance de uma situação
futura desejada de um modo mais eficiente, eficaz e efetivo, com a melhor concentração de
esforços e recursos pela empresa. (...).
Além disso, o planejamento estratégico corresponde ao estabelecimento de um conjunto de
providências a serem tomadas pelo executivo para a situação em que o futuro tende a ser
diferente do passado; entretanto, a empresa tem condições e meios de agir sobre as variáveis
e fatores de modo que possa exercer alguma influência; o planejamento é, ainda, um processo contínuo, um exercício mental que é executado pela empresa independentemente de
vontade específica de seus executivos.
Chiavenato241afirma que as organizações não trabalham no improviso e nelas quase
tudo é planejado com antecedência, constituindo um processo que se inicia com fixação dos
objetivos e definição dos planos para atingi-los. E, ao tratar do conceito de planejamento,
Chiavenato salienta:
O planejamento é a função administrativa que determina antecipadamente quais são os objetivos que devem ser atingidos e como se deve fazer para alcançá-los. Trata-se, pois, de um
modelo teórico para a ação futura. Começa com a determinação dos objetivos e detalha os
planos necessários para atingi-los da melhor maneira possível. Planejar é definir os objetivos
e escolher antecipadamente o melhor curso de ação para alcançá-los. O planejamento define
onde se pretende chegar, o que deve ser feito, quando, como e em que seqüência.
Por outra, os objetivos estabelecidos pela organização também são estruturados
em uma hierarquia que vai dos objetivos globais, em que são fixadas as políticas, diretrizes,
metas, programas, procedimentos, métodos e normas, até os objetivos operacionais, que
239 Idem. Op.cit., p. 191
240 OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Planejamento Estratégico. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 35.
241 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2000.p.195.
309
consistem em instruções simples para o dia-a-dia da administração.
Do mesmo modo como os objetivos se estruturam hierarquicamente, o planejamento também é desenvolvido em uma hierarquia de três níveis: o planejamento estratégico,
o planejamento tático e o planejamento operacional.
O planejamento estratégico diz respeito à organização como um todo e caracterizase por projetar-se a longo prazo, procurando alcançar objetivos organizacionais globais. O
planejamento tático abrange o nível intermediário da organização, sendo projetado para o
médio prazo, geralmente no exercício anual. O planejamento operacional, por sua vez, é
projetado para o curto prazo, para o imediato, vinculado à realização de cada tarefa.
Para implementação do planejamento elaboram-se os planos, que são a descrição das ações
para alcançar um objetivo proposto e se classificam como procedimentos, orçamentos, programas ou regulamentos, segundo tais planos se relacionem respectivamente, com métodos,
dinheiro, tempo ou comportamentos.
2.3. O problema do plano discricionário e o desafio de um plano institucional para o Poder
Judiciário
Aadministraçãopúblicaéoconjuntodefunçõesnecessáriasaodesempenhoperene
e sistemático, legal e técnico dos serviços do Estado em benefício da sociedade, visando a
satisfação das necessidades coletivas242. E no desempenho dessa função, o administrador
público se deve pautar nos princípios que norteiam a administração pública no seu propósito
de realizar o bem comum.
A Constituição Federal, em seu art. 37, ao tratar sobre as disposições gerais da
Administração Pública, expressamente enuncia os seguintes princípios:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
No âmbito da Administração Judiciária somam-se ainda os princípios que tratam
da celeridade, eficácia, efetividade e foco no cidadão, então delineados por meio da Emenda
Constitucional n.º 45/2004, que deu nova redação ao inciso LXXVIII, do artigo 5º.
Art. 5.º (...)
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Por essa razão é que o administrador público no desempenho de seu mister deve
necessariamente pautar-se nos limites da moldura normativa, realizando os princípios informadores do sistema, sendo essa a característica mais marcante a distinguir a administração
pública da administração empresarial. Ou seja, se há um amplo espaço de atuação para o
242 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1999. p. 59.
310
Revista ESMAC
administrador privado quando administra, na administração pública o administrador estará
sempre vinculado aos limites da lei e dos princípios que orientam o sistema público243.
Dentro desse contexto, a viabilidade de um planejamento estratégico para a administração pública e, em especial, para a Administração Judiciária, dependerá do esforço
de permeá-lo tanto quanto possível das instituições de direito público, subordinado-o aos
princípios a ele inerentes.
Com efeito, a aplicação das técnicas e métodos da administração empresarial à
administração judiciária exige o necessário ajuste à realidade do Poder Judiciário sob pena
de se incorrer em erros elementares.
Assim, na administração judiciária, o planejamento deve pautar-se em objetivos
estrategicamente orientados para a realização do bem comum, da pronta e efetiva prestação
jurisdicional. O planejamento estratégico não pode, portanto, ficar restrito aos interesses
corporativos, aspecto este inerente à administração empresarial.
Um problema recorrente que se apresenta na administração dosTribunais é a instabilidade na formulação de políticas e de prioridades de ação, que sob o pálio da discricionariedade mudam a cada gestão.
Esse fato, alíás, foi corretamente identificado pelo Conselho Nacional de Justiça ao
traçar a sua política de atuação, quando afirmou a sua missão institucional de desenvolver o
planejamento estratégico para o Poder Judiciário nacional.
É certo que a discricionariedade244 concede liberdade de ação na administração
pública, dentro dos limites permitidos em lei, garantindo uma atuação dinâmica, porque
dinâmicos os fatores da vida. No entanto, o planejamento estratégico para o Judiciário não
pode ficar adstrito a apenas uma gestão de curto prazo e seria contraproducente concebê-lo
dessa forma. É característica do planejamento estratégico a definição de objetivos de longo
prazo, viabilizando planos que levem a concretização desses objetivos.
Isso significa dizer que a implementação de um planejamento estratégico deve
imbuir-se da legitimidade necessária para impulsioná-lo para além das fronteiras de uma
gestão, que seja despersonalizado do estigma da propriedade ou da autoria de alguém, de ser
do gestor A ou do gestor B, para transformar-se em um plano da instituição.
É próprio dos Tribunais brasileiros a tentação pela administração do aparente, do
resultado imediato. Como imobilizados na armadilha da atividade, refestelam-se no lançamento de “novidades”, sem nenhum compromisso com a missão institucional de prestar
uma jurisdição rápida e efetiva. É o propósito do garantir o sucesso logo, deixando algo que
represente a marca indelével de uma gestão, mesmo que não signifique nenhum progresso
futuro ou mesmo não se sustente na próxima gestão por sua própria inutilidade.
Essa questão é, de fato, crítica nos Tribunais, cujas cúpulas nem sempre demonstram algum compromisso com os administrados, jurisdicionados ou com os propósitos da
instituição.
Há em determinados casos um verdadeiro apartheid administrativo, a isolar a alta
gestão das demais instâncias do Judiciário, o que é extremamente danoso para uma administração que se pretende focar em resultados.
Cite-se o exemplo folclorístico do juiz de uma vara de interior que, diante da falta
de material de expediente, os vem a adquirir com os próprios recursos e após remeter as
243 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit., p. 81.
244 Idem. p. 102.
311
notas ao Tribunal para ressarcimento, recebe a negativa de pagamento e um agradecimento
pela colaboração com o Poder Judiciário!
Para Margaret J. Whetley245 “ninguém pode ter a esperança de liderar uma organização colocando-se à parte da teia de relações por meio da qual todo trabalho é realizado
ou ignorando-a”.
É por isso que a implementação de uma Administração por Objetivos no Poder
Judiciário depende de um rigoroso esforço de seus líderes no sentido de evitar os pecados
capitais citados por Humble246, tais como o de não obter a participação da alta direção; dizer
a todos que a APO é uma técnica capaz de resolver todos os problemas ou de inaugurar o
sistema e depois deixá-lo andar sozinho, sem avaliá-lo.
Mas, como superar os obstáculos e evitar os erros que põem em risco a implementação de uma gestão moderna no Poder Judiciário, orientada por objetivos estrategicamente
definidos em um plano institucional?
Ante a estrutura peculiar do Poder Judiciário, a formação de lideranças e a construção de um compromisso de continuidade se revelam fundamentais para viabilizar um
planejamentoestratégicoquenãosejareconhecidocomoummeroinstrumentodemarketing
de gestão, mas como um processo institucional sério e inerente aos mecanismos da Administração Judiciária orientada por objetivos.
245 WHETLEY, Margaret J. Liderança e a Nova Ciência. Descobrindo ordem num Mundo Caótico. São Paulo: CultrixAmana Key, 1999. p.186.
246 HUMBLE, Jonh W. Citado na revista International Management, mar. 1971, p.7; Apud CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2000.p.291
312
Revista ESMAC
3. O IMPACTO DA TI NA ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA
3.1. Conceito de Tecnologia da Informação - TI
Em virtude do grande desenvolvimento tecnológico experimentado ao longo do
século XX e em especial no início da década de 90, marco inicial da Era da Informação, os
sistemas baseados em computador melhoraram significativamente a capacidade e a velocidade das funções de coleta, armazenamento, processamento e distribuição da informação.
Nessa nova era, o recurso mais importante passa a ser o capital intelectual baseado
no conhecimento, tomando assim o lugar do capital financeiro247.
Surge então a terminologia “Tecnologia da Informação” (TI), para a corrente americana, e “Tecnologias de Informação e Comunicação” (TIC), para corrente européia que
trata do tema.
Termo utilizado para expressar a convergência entre a informática e as telecomunicações, a Tecnologia da Informação não se restringe a equipamentos (hardware), programas
(software) e comunicação de dados. Existem tecnologias relativas ao planejamento de informática, ao desenvolvimento de sistemas, ao suporte ao software, aos processos de produção
e operação, ao suporte de hardware.
Para Chiavenato248, a Tecnologia da Informação invade de modo inexorável a vida
daspessoasedasorganizaçõeseprovocaprofundastransformaçõesaopermitiracompressão
do espaço e do tempo, com o conceito do escritório virtual e da informação em tempo real e
on line, e ainda por permitir uma conectividade sem precedentes na história da humanidade,
onde as pessoas trabalhem juntas, embora fisicamente distantes.
Por conseguinte, o conceito de Tecnologia da Informação é mais abrangente do que os de
processamento de dados, sistemas de informação, engenharia de software, informática ou o
conjunto de hardware e software, pois também envolve aspectos humanos, administrativos
e organizacionais249.
3.2. Uso estratégico da Tecnologia da Informação
Na medida em que a conectividade entre as pessoas vem se acentuando, a Tecnologia da Informação ganha cada vez mais relevância, saindo do mero suporte administrativo
para um papel estratégico nas organizações.
A visão da TI como um recurso estratégico tem sido discutido e ressaltado como
imprescindível para a sobrevivência das organizações na sociedade da informação e num
mundo globalizado.
No entanto, também se tem assentado que a produtividade depende de um alinhamento da Tecnologia da Informação com a estratégia e as características da organização.
247 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. p.655.
248 CHIAVENATO, Idalberto. Op. cit., p.655/656..
249 KEEN, P.G.W. Information Technology and the management theory: The fusion map. IBM
313
O caminho do sucesso não está simplesmente na utilização de hardware e software
ou de metodologias, mas no uso estratégico da Tecnologia da Informação.
Assim posto, a tecnologia da Informação concorre de forma direta para a gestão estratégica, possibilitando a criação de aplicações inovadoras, uma descentralização eficiente,
melhor conexão entre a organização e seu cliente, e favorece uma inteligência competitiva250.
É certo que cada organização, pública ou privada, tem o seu público-alvo, em
geral chamado cliente, para o qual atua produzindo bens ou serviços. Para as organizações
privadas, as empresas, o público-alvo é o consumidor. Perante as organizações públicas o
público-alvo é o cidadão e, no caso do Poder Judiciário, o jurisdicionado.
Um ponto em comum, no entanto, é que em ambos os casos, quer se trate da organização pública quer privada, o recurso administrado é o mesmo: a informação.
E é trabalhando a informação por meio da TI que as organizações aumentam a sua eficácia
organizacional, agilizando processos e eliminando burocracia, para alcançar os objetivos
estratégicos.
Mas, se nas organizações privadas, o objetivo está ligado diretamente a obter uma
vantagem competitiva em relação aos concorrentes, qual a vantagem para a organização
pública em tornar-se mais eficiente e eficaz?
A resposta reside na necessidade da própria organização consolidar a sua legitimidade e autoridade em função dos serviços prestados. Nos tempos atuais, das operações
realizadas em tempo real e on line, já não se tolera o menor grau de ineficiência. A sociedade
clama por serviços públicos cada vez melhores.
No caso dos serviços prestados pelo Poder Judiciário, há uma grande expectativa
de que o uso das soluções proporcionadas pelaTecnologia da Informação, alinhadas com um
planejamento estratégico, possam criar um ambiente de excelência na realização da missão
institucional de levar a efeito serviços jurisdicionais céleres e efetivos.
3.3. As soluções da Tecnologia da Informação para a Administração Judiciária
A adoção de ferramentas tecnológicas pelo Poder Judiciário nas suas atividades
meio e atividades-fim indubitavelmente é providência decisiva para aumento da sua eficácia
organizacional e conseqüentemente de uma melhor prestação do serviço judiciário.
Tais ferramentas, entretanto, devem seguir um plano de ação previamente estabelecido em um planejamento estratégico, no sentido de se evitar a implementação de uma
solução que depois não tenha o devido acompanhamento pela alta administração ou por ela
não seja dado à devida importância porque não encontra importância dentro de um contexto
macro.
250 Inteligência competitiva. “Ter informações sobre a concorrência pode fazer a diferença entre ganhar ou perder uma
guerra nos negócios. Não é por outro motivo que inúmeras empresas estão sempre acompanhando de perto as atividades da
concorrência. (...) A atividade de coleta de informações sobre os concorrentes fazem parte da inteligência competitiva. Esta
alavanca o desempenho com melhor conhecimento do mercado, o aperfeiçoamento das relações internas e o aumento da
qualidade do planejamento estratégico. Existem inúmeras tecnologias utilizáveis na coleta de informação competitiva. Vão
desde a Internet até o reconhecimento de caracteres ópticos.” TURBAN, Efraim et al. Tecnologia da Informação para Gestão.
Transformando os negócios na economia digital. 3ª ed. São Paulo: Artmed Editora S.A, 2002. p. 91.
314
Revista ESMAC
No cenário atual do Poder Judiciário, essa questão tem sido conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que desde 2005 vem construindo uma política em torno da
Tecnologia da Informação, conforme se extrai do Relatório Anual de 2007:
A Comissão de Informatização do Conselho Nacional de Justiça tem a missão de formular propostas visando a estabelecer parâmetros nacionais de informatização aos setores do
Poder Judiciário brasileiro, de modo a promover níveis crescentes de qualidade, eficiência,
transparência, interoperabilidade e acesso à Justiça, sem prejuízo da autonomia e da independência dos respectivos núcleos já existentes.
Destacam-se, como objetivos primordiais da referida Comissão, o incentivo ao uso de novas
tecnologias a serviço dos cidadãos, dos advogados, dos magistrados e dos serventuários da
Justiça (stakeholders), com o propósito de combater a morosidade e proporcionar maior
celeridade processual.Também se pretende estabelecer padrões para o aperfeiçoamento da
análise das informações e dos dados estatísticos para intercâmbio e gerenciamento de informações entre os sistemas do Poder Judiciário. Nesse sentido, os princípios norteadores da
Comissão, discutidos entre os membros consultores e o Grupo de Interoperabilidade, são a
universalidade, a simplicidade, a atualidade, a economicidade, a independência, a eficiência,
a disponibilidade, a modularidade, a convergência, a continuidade e a acessibilidade. Tais
princípios foram minuciosamente definidos no Relatório do Conselho Nacional de Justiça
no ano de 2005.
Como resultado desse esforço institucional do CNJ, vários projetos estão em desenvolvimento, dentre os quais destacam-se:
1) Sistema de Processo Judicial Eletrônico do Poder Judiciário
2) Certificação Digital;
3) Portal do Conselho Nacional de Justiça;
4) Sistema Virtual do Conselho Nacional de Justiça;
5) Padronização Taxonômica das Tabelas básicas de classes, movimentações
e assuntos;
6) Numeração Única para Identificação de Processos Judiciais;
7) Criação do Domínio “jus.br”;
8) Padronização dos endereços eletrônicos dos sítios do Poder Judiciário (URLs);
9) Restrição Judicial on-line de veículos – RENAJUD;
10) Informatização dos Cartórios Extrajudiciais;
11) Banco de Soluções do Poder Judiciário;
12) Banco de Dados da População Carcerária;
13) Rede Nacional do Judiciário;
14) Acesso à base de dados da RFB – INFOJUD;
15) Liquidação Eletrônica de Processos;
16) Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional – CCS e
sistema BACENJUD;
17) Convênio com o Banco Central do Brasil;
18) Cadastro Nacional de Bens Apreendidos;
19) Cadastro Nacional de Adoção;
20) Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa;
21) Colaboração com o Sistema de Recurso Extraordinário Eletrônico.
315
Nesse sentido, o CNJ vem definindo as políticas, normas e padrões a serem seguidos para que se estabeleça uma cultura organizacional à interoperabilidade dos atuais sistemas, visando a melhor gerência e intercâmbio de informações do Poder Judiciário.
Por essa política nacional, o CNJ propõe uma organização estrutural dos sistemas
do Poder Judiciário em dois grupos distintos: os sistemas da área-meio e os sistemas da áreafim.
De acordo com a proposição, a área-meio dos Tribunais exige a seguinte estrutura:
1) Sistemas de automação de recursos humanos;
a. cadastro – movimentação e lotação;
b. legislação;
c. benefícios;
d. pagamento;
e. capacitação;
f. gestão de talentos.
2) Sistemas de automação financeira e orçamentária;
a. planejamento;
b. acompanhamento e contabilidade;
c. execução.
3) Sistemas de automação logística;
a. transporte;
b. compras;
c. contratos;
d. patrimônio;
e. almoxarifado;
f. administração predial;
g. legislação administrativa.
4) Gestão da tecnologia da informação e comunicação.
a. gestão de segurança;
b. suporte ao usuário;
c. gestão de componentes;
d. metodologia de desenvolvimento.
Relativamente à área-fim, que está ligada diretamente à atuação jurisdicional, a
estrutura deve contar com sistemas de automação judicial, os quais devem atender:
a. distribuição/protocolo;
b. movimentação e tramitação;
c. audiências;
d. publicações;
e. decisões;
f. gestão da informação (estatística e relatório gerencial).
Por essa perspectiva, o Conselho Nacional de Justiça vem dando cada vez mais importância ao papel da administração da informação para a conformação adequada entre estratégia, tecnologia e projeto de atuação para a prestação de melhores serviços ao cidadão.
316
Revista ESMAC
3.3.1. Sistemas de acompanhamento processual
Até o início da década de 90, na maioria dos Tribunais brasileiros, o controle do
andamento dos processos judiciais era realizado mediante a utilização de sistema de fichas
impressas, nas quais o servidor da secretaria lançava a mão ou mediante máquina datilográfica o evento ocorrido. Esse controle era falho e de pouca utilidade, uma vez que raramente
era consultado para algum fim, a não ser por ocasião de inspeções realizadas pelos órgãos
correcionais. Não era, desse modo, direcionado a facilitar a vida do jurisdicionado, mas
mero controle burocrático de processos.
Com a informatização desencadeada ao longo dos anos 90, os Tribunais foram
substituindo o controle manual do andamento dos processos por sistemas informáticos, iniciando-se aí uma nova fase na gestão da informação no Poder Judiciário.
Os primeiros sistemas, entretanto, se limitavam a fazer o cadastro dos processos e
registrar o andamento processual. O jurisdicionado ainda não interagia com essa informação
de modo remoto ou por telemática, a não ser com uma visita aos Fóruns onde pudesse solicitá-la pessoalmente.
Com o início dos acessos à Internet251 no Brasil a partir de maio de 1995, gradualmente os tribunais passaram a disponibilizar na rede mundial de computadores a informação
de seus sistemas de acompanhamento processual.
Em maio de 1999, foi promulgada a Lei n.º 9.800, de 26.5.1999, que veio permitir
às partes a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais.
Emboranãorepresentassenenhumavançosignificativonoprocessamentoeletrônico do processo, esse diploma normativo serviu de tubo de ensaio para o desenvolvimento de
idéias mais avançadas quanto à utilização da Tecnologia da Informação na prestação jurisdicional.
A partir de então, vários Tribunais passaram a ensaiar a utilização de recursos eletrônicos para o processo judicial. É o caso do Tribunal Regional Federal da 3ª Região com
a implantação de Juizado Virtual, a partir dos trabalhos realizados por comissão temporária
constituída para tratar sobre a implantação dos Juizados Federais252, e da 4ª Região (TRF3),
que disciplinou253 a implantação e o funcionamento do Processo Eletrônico nos Juizados Es
peciais Federais no âmbito da Justiça Federal da 4ª Região, antes mesmo de uma legislação
específica.
Dessas ações setoriais, os sistemas de acompanhamento processual vem evoluindo
251 A partir de maio de 1995, o acesso à Internet via Embratel começa a funcionar de modo definitivo. Mas a exclusividade
da Embratel como provedor de acesso desagrada à iniciativa privada. Temia-se que a Embratel e outras empresas de telecomunicações dominassem o mercado, criando um monopólio estatal da Internet no Brasil. Diante disso, o Ministério das
Comunicações tornou pública a posição do governo de que não haveria monopólio e que o mercado de serviços da Internet no
Brasil seria o mais aberto possível. Assim, foi publicada a Portaria 148, do Ministério da Ciência e Tecnologia, de 31.5.1995,
que regula o uso de meios da rede pública de telecomunicações para acesso à internet. MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia. Portarias. Disponível em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/18648.html. Acesso em 18 de julho de 2008.
252 ATRF3ª - Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Portaria n.º 3.222, de 8.8.2001. Disponível em http://www2.oabsp.org.
br/asp/clipping_jur/ClippingJurDetalhe.asp?id_noticias=11005&AnoMes=20018. Acesso em 18.7.2008.
253 TRF4ª - Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Resolução n.º 13, de 11.3.2004, Implanta e estabelece normas para o
funcionamento do Processo Eletrônico nos Juizados Especiais Federais no âmbito da Justiça Federal da 4ª Região. Disponível
http://thesaurus.trf4.gov.br/netacgi/nph-brs.exe?S1=Resolu%E7%E3o&S2=&S3=&S4=’13’&S5=&l=20&SECT1=IMAGE
&SECT4=e&SECT6=HITOFF&SECT3=PLURON&SECT2=THESON&SECT5=BIBL04&S6=legislacao&d=BIBL&p=1
&u=bibl04.html&r=1&f=G. Acesso em 18.7.2008..
317
de mero repositório de informação do processo judicial a portal do próprio processo, agora
inteiramente eletrônico.
A substituição do processo judicial tradicional, em papel, para o processo judicial
eletrônico, em meio inteiramente digital, com efeito, é o grande desafio do Poder Judiciário
para os próximos anos.
3.3.2. Sistema de Processo Judicial Eletrônico
Com a promulgação da Lei n.º 11.419, de 19 de dezembro de 2006, uma nova perspectiva para o processo judicial foi esculpida na ordem jurídica brasileira, em especial na
legislação processual, com a possibilidade do processamento de ações judiciais por meio de
autos total ou parcialmente digitais.
Contrapondo-se ao processo judicial tradicional, fundado nas formas e no registro
em papel, surge o processo eletrônico, em meio digital, com a missão de colocar o Poder
Judiciário no mesmo contexto tecnológico da sociedade para quem atua.
Em verdade, é incongruente que o Poder Judiciário ainda adote o processo judicial
tradicional em plena era da informação, das comunicações móveis, flexíveis, rápidas e em
tempo real, onde o conceito de não-território é dominante.
De fato, a utilização de meios eletrônicos para a realização de atos processuais
é mais consentânea para aperfeiçoar a prestação jurisdicional, eis que se podem conferir
maior simplicidade procedimental, velocidade, economia, segurança e confiabilidade à distribuição da justiça.
Ao tratar da informatização do processo judicial, a Lei n.º 11.419/2006 inicia um
novo e importante ciclo de mudanças no Poder Judiciário, com grande potencial de provocar
uma revolução, não só tecnológica, mas comportamental.
E da leitura dos artigos da Lei mencionada, é palmar a finalidade de se mudar uma
cultura e impulsionar o Judiciário para os novos tempos.
Assim, a Lei n.º 11.419/2006 vem estabelecer nos artigos 1º e 8º o uso do meio
eletrônico, na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças
processuais:
Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos
e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.
(...)
Art. 8º Os órgãos do Poder Judiciário poderão desenvolver sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais, utilizando,
preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso por meio de redes internas e
externas.
O processo judicial eletrônico, de outro modo, segue uma tendência da moderna
ciência jurídica processual quanto ao que se denomina de processo efetivo ou efetividade.
O processo, como instrumento de realização da função jurisdicional do Estado, tem de ser
capaz de alterar o mundo e conduzir as pessoas à ordem jurídica justa.
318
Revista ESMAC
Ao tratar da instrumentalidade do processo judicial, Cândido Rangel Dinamarco254 adverte:
Não é demais realçar uma vez mais a célebre advertência de que o processo precisa ser apto
a dar a quem tem um direito, na medida do que for praticamente possível, tudo aquilo a que
tem direito e precisamente aquilo a que tem direito.
É manifesto que o sistema judicial brasileiro não atende na plenitude o seu papel
constitucional de proporcionar ao cidadão o acesso à ordem jurídica justa, por causa de sua
conhecida morosidade que leva a pouca efetividade da jurisdição.
A questão que se coloca é se substituição do processo judicial tradicional pelo
processo judicial eletrônico terá o condão de reparar um dos principais fatores de descrédito
do Poder Judiciário: a demora na prestação jurisdicional.
Naturalmente, como recurso isolado, não.
Dentre os fatores responsáveis pela morosidade do Judiciário, ao lado de sua organização anacrônica e pouco funcional, destaca-se a incapacidade gerencial, resultado de uma
formação exclusivamente humanística dos profissionais do direito255.
Por esse prisma, o ponto alto da “revolução judiciária” com o processo eletrônico
se dá com a mudança de mentalidade proporcionada pela inserção do processo judicial e de
seus atores (partes, juízes, advogados, servidores) no mesmo ambiente tecnológico da era da
informação.
Essa migração do ambiente do papel, da caneta, para o mundo virtual cria uma
nova concepção de tempo e espaço, favorecida pela alta conectividade da TI, potencializando resultados.
Pela própria natureza do processo judicial tradicional, os atores mantêm entre si
uma relação fria, distante e numa dimensão temporal diferente. Com efeito, aos que integram
a relação processual tradicional meses não significa muita coisa, uma vez que é inerente ao
processo uma certa letargia no desenvolvimento dos atos processuais.
Em contrapartida, o processo judicial eletrônico proporciona aos seus atores uma
novadimensãoespacialetemporal,ondetodosestãosemprepresenteseacessíveisaqualquer
tempo, em qualquer lugar, o que contribui de forma direta para redução ou completa eliminação do “tempo morto” do processo.
Nesse novo olhar, o processo eletrônico inexoravelmente promoverá uma reeducação da comunidade jurídica, impactando fortemente na gestão do processo judicial e conseqüentemente nos indicadores de produtividade do Poder Judiciário.
254 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 5ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p.
297.
255 BENUCCI, Renato Luis. A tecnologia aplicada ao processo judicial.Campinas-SP: Millennium Editora, 2006. p. 30.
319
3.3.2.1. Assinatura eletrônica
A assinatura lançada nos documentos baseados em registro físico em papel sempre
foi elemento fundamental para vincular a autoria dos que atuam no processo judicial tradicional. Uma simples marca ou sinal, realizados com tinta de caneta, foi até poucos anos atrás
o modo por excelência de se identificar a autoria de algo no processo judicial.
Com a revolução proporcionada pelo processo eletrônico tudo isso tende a mudar
com a utilização da assinatura eletrônica.
Nos termos do art. 1º, § 2º, III, da Lei n.º 11.419/2006, considera-se assinatura
eletrônica tanto aquela baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora
credenciada, também chamada de assinatura digital256, quanto à obtida mediante cadastro de
usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.
De uma forma ou de outra, a assinatura eletrônica é aquela que não usa sinais gráficos ou marcas, mas apenas informações digitais, com tecnologia que assegure a integridade
e a autenticidade de um documento.
O uso da assinatura eletrônica no processo judicial tem um papel fundamental e
estratégico para o fim da cultura do papel e das formas, uma vez que dissipa o receio dos profissionais do direito quanto à questão da autenticidade e da integridade de um documento.
Em verdade, é a assinatura eletrônica a responsável pela viabilidade jurídica do
processo judicial em ambiente complemente digital, na medida em que assegura a autenticidade e integridade de todo e qualquer documento inserido nos autos virtuais.
De sua funcionalidade e utilidade no processo, a assinatura eletrônica não só contribui para a existência e aceitação do processo judicial em meio digital como também tem o
condão de contribuir para afastar o apego à forma e valorizar o conteúdo.
Nos autos virtuais de um processo judicial eletrônico nenhum documento é inserido ou ato processual é realizado sem que fique garantida a autenticidade e integridade da autoria. Esse aspecto evidentemente importa em melhor controle pelos envolvidos no processo
judicial, evitando preocupação com autenticações e assinaturas gráficas, e por conseguinte
quanto à forma. No processo tradicional, tais defeitos levam inevitavelmente ao colapso da
própria demanda, o que constitui de per si uma afronta o escopo do processo.
Dessarte, releva notar que a assinatura eletrônica também tem um papel estratégico
na melhoria do sistema judiciário ao proporcionar uma mudança de mentalidade da comunidade jurídica, do desapego à imagem e à forma em benefício da essência, do conteúdo.
256 A assinatura digital é um conjunto de caracteres alfanuméricos, derivados de operações de encriptação e decriptação, realizadas através da utilização de algoritmos e que, para ser decifrada necessita de duas chaves: a pública e a privada. Somente
a chave privada pode decriptar as mensagens encriptadas com a chave pública, e somente a chave pública pode decriptar as
mensagens encriptadas com a chave privada. Além disso, há uma terceira parte que certifica a autenticidade da assinatura, por
meio de verificação dos pares das chaves. AZEVEDO, Lívia Dias de. Contratos eletrônicos: a mudança de paradigmas frente
a uma era digitalizada. Trabalho de conclusão do Curso de Bacharelado da FND da UFRJ.inédito. p.20.
320
Revista ESMAC
3.3.2.2. Comunicação de atos processuais por meio eletrônico
A Lei n.º 11.419/2006, conhecida por Lei do processo judicial eletrônico, estabeleceu nos seus artigos 4º a 7º a possibilidade de comunicação dos atos processuais também
por meios eletrônicos. E com esse propósito, trata do Diário da Justiça Eletrônico, das intimações e citações eletrônicas, e das cartas precatórias, de ordem e rogatórias eletrônicas.
Para Renato Luis Benucci257, a comunicação dos atos processuais é uma das atividades do processo que mais pode se beneficiar dos avanços da Tecnologia da Informação.
De fato, com a adoção da comunicação eletrônica por meio de uma página da
web258 ou por meio de correio eletrônico supera de longe qualquer meio tradicional de comunicação dos atos do processo.
A comunicação dos atos processuais sempre se revelou uma questão crítica ao
andamento do processo judicial. Em razão de uma intrincada operação que envolve digitação, conferência, assinatura, expedição e cumprimento, a comunicação tradicional dos atos
processuais está diretamente ligada à boa parte do“tempo morto”do processo e aos elevados
custos operacionais do Poder Judiciário.
À proporção que ocorrer a migração do processo tradicional para o eletrônico a
comunicação eletrônica cada vez mais deverá ganhar espaço dentre as opções disponíveis na
Lei processual civil.
3.3.2.3. Audiência eletrônica
Em se tratando do registro de atos e termos processuais, a regra preponderante na
Lei processual civil é a de que sejam escritos com tinta indelével e escura em papel.
Com as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pela Lei n.º
11.419/2006, o sistema processual passou a admitir também, quando se tratar de processo
total ouparcialmenteeletrônico, a produção e armazenamentodosatosprocessuais“demodo
integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável, na forma da lei, mediante registro em
termo que será assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chefe de secretaria, bem
como pelos advogados das partes”259.
Essa nova possibilidade de registro dos atos processuais foi expressamente estendida às audiências por força da norma prevista no artigo 457, § 4º, do Código de Processo
Civil.
Destaca-se aí mais um importante avanço para a celeridade do processo judicial.
Antes do advento do registro eletrônico das audiências pela Lei n.º 11.419/2006,
257 BENUCCI, Renato Luis. Op. cit., p. 145.
258A rede mundial de computadores é conhecida pelas siglas w.w.w (world wide web) ou, simplesmente web e consiste em
uma área da Internet que contém documentos em formato de multimídia (texto, imagens, vídeo e áudio)..
259 Código de Processo Civil, art. 169, § 2º, com a redação dada pela Lei n.º 11.419, de 19.12.2006. “Art. 169. Os atos e termos do processo serão datilografados ou escritos com tinta escura e indelével, assinando-os as pessoas que neles intervieram.
Quando estas não puderem ou não quiserem firmá-los, o escrivão certificará, nos autos, a ocorrência. (...) § 2º Quando se
tratar de processo total ou parcialmente eletrônico, os atos processuais praticados na presença do juiz poderão ser produzidos
e armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável, na forma da lei, mediante registro em termo
que será assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chefe de secretaria, bem como pelos advogados das partes.”
321
a gravação de audiência era um recurso possível, mas sujeito à conversão do áudio para a
versão escrita no caso de recurso da sentença260. Essa exigência contribuiu, sobremodo, para
que a gravação de audiências não se tenha popularizado perante os diversos órgãos do Poder
Judiciário nacional, ante as dificuldades posteriores de conversão do áudio para a versão
escrita, a anular os ganhos de produtividade.
Com a conjugação da gravação eletrônica da audiência (em áudio e/ou vídeo) à
assinatura digital, a conversão do registro de áudio para a escrita deixa de ser necessária,
haja vista a certeza de autenticidade e integridade do arquivo eletrônico como ato processual
produzido na presença do juiz, das partes e de seus advogados261.
Essa mudança de procedimento, além de favorecer a realização de audiências em
menor tempo, eis que se desenvolve sem paradas para transcrição ou redução a termo, proporciona maior dinamicidade à produção da prova, que será fiel no que se propõe: retratar a
verdade dos fatos.
Por isso, não é demais reconhecer que realização dos atos processuais mediante os
recursos daTecnologia da Informação tem o condão de promover uma verdadeira revolução
no tempo do processo, tornando-o mais célere, por conseguinte.
3.3.3. Sistemas exógenos de apoio à efetividade da Jurisdição
O sistema judiciário, assim como todo sistema aberto262, interage diretamente com
o meio em que inserido, de tal forma que suas saídas estão diretamente ligadas aos estímulos e solicitações do macro-sistema do qual faz parte. Assim, ao decidir, o juiz devolve ao
macro-sistema um comando normativo que para a sua execução ou efetividade em muitos
casos requer a atuação concomitante de outros órgãos externos ao aparelho judicial. É o
caso do fornecimento de informações por órgãos públicos ou entidades privadas ou mesmo
cumprimento de ordens judiciais de bloqueio ou indisponibilidade de bens.
Até alguns anos atrás, o único meio de efetivação de tais comandos era o ofício ou
mandado cumprido diretamente pelo oficial de justiça. Essa realidade porém mudou com o
advento de era digital e da Internet, onde a interação entre as organizações ocorre em tempo
real e on line.
Por conseguinte, ao juiz já é possível realizar determinações a órgãos externos e
empresas diretamente da tela de seu microcomputador. São assim sistemas que, embora não
integrem a rede interna de dados do Poder Judiciário, permitem ao juiz promover a celeridade e efetividade do processo judicial.
260 Conforme estabelece o parágrafo primeiro do artigo 417 do Código de Processo Civil.
261 Conforme art 417 e §§, com a redação dada pela Lei n.º 11.419, de 19.12.2006. “Art. 417. O depoimento, datilografado
ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente
e pelos procuradores, facultando-se às partes a sua gravação. § 1º O depoimento será passado para a versão datilográfica
quando houver recurso da sentença ou noutros casos, quando o juiz o determinar, de ofício ou a requerimento da parte. § 2º
Tratando-se de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2º e 3º do art. 169 desta Lei”.
262 Basicamente, a teoria de sistemas afirma que estes são abertos e sofrem interações com o ambiente onde estão inseridos.
Desta forma, a interação gera realimentações que podem ser positivas ou negativas, criando assim uma auto regulação regenerativa, que por sua vez cria novas propriedades que podem ser benéficas ou maléficas para o todo independente das partes.
Wikipédia – a enciclopédia livre na Internet. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_dos_sistemas#Sistemas_abertos. Acesso em: 25.7.2008.
322
Revista ESMAC
Dentre esses sistemas de apoio à jurisdição destacam-se o Bacen Jud e o Infoseg.
O Bacen Jud263 é um serviço prestado pelo Banco Central do Brasil e consiste num
sistema via Internet, em que o juiz pode requisitar informações de pessoas físicas e jurídicas e determinar bloqueio e desbloqueio de ativos financeiros de clientes de instituições do
Sistema Financeiro Nacional.
Até o início da década de 90 a efetivação de uma simples consulta quanto à existência de contas bancárias de determinada pessoa perante os bancos resultava numa demorada
espera e, em alguns casos, infrutífera ação, pois não era dirigida a todas as instituições
do Sistema Financeiro por uma impossibilidade meramente prática. A situação ficava mais
crítica em casos de bloqueio de ativos financeiros em razão do tempo transcorrido entre a
determinação judicial e o cumprimento pelos bancos.
Como reflexo do crescimento acentuado do número de requisições em papel oriundos do Judiciário, a congestionar o processamento pelos bancos, o Banco Central do Brasil
viu-se obrigado a disponibilizar um serviço específico para o Poder Judiciário, facilitando a
tramitação e cumprimento das ordens judiciais ao Sistema Financeiro. Foi assim que o Banco Central implementou em 2001 a primeira versão do Bacen Jud 1.0, que posteriormente,
em 19.12.2005, evoluiu para a versão Bacen Jud 2.0.
Assim, pelo Bacen Jud, o juiz de posse de uma senha previamente cadastrada
preenche um formulário na Internet, requisitando as informações necessárias ao processo
judicial, que é repassado aos bancos automaticamente. Ao receberem os comandos eletrônicos, os bancos promovem o imediato cumprimento das determinações do órgão judicial
requisitante, diminuindo o tempo de tramitação.
A informatização desse serviço eliminou não só a utilização de papel como veio
reduzir o tempo de atendimento das ordens judiciais pelas instituições, com reflexo direto
no andamento dos processos judiciais, permitindo aos magistrados exercer melhor controle
das respostas e fundamentar as decisões exaradas com significativos ganhos de agilidade e
tempestividade.
Esse serviço, ademais, está em consonância com as disposições preconizadas no
artigo 654-A, caput, do Código de Processo Civil que trata da penhora on-line, in verbis:
Art. 655-A.Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o
juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário,
preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome
do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado
na execução.
O Infoseg264 é um serviço disponibilizado pelo Ministério da Justiça na Internet e
consiste na integração de informações de Segurança Pública e de Fiscalização do conjunto
de bases de dados distribuídas pelos estados da Federação e por órgãos do governo federal.
A rede Infoseg tem por finalidade disponibilizar as informações contidas em qualquer base
integrante do sistema para os usuários nele cadastrados.
Por esse sistema, é possível ao juiz, por meio de senha previamente cadastrada,
realizar consultas às bases de dados e obter informação em tempo real e de forma on-line
263 Bacen Jud está disponível em: https://www3.bcb.gov.br/bacenjud2/indexEstatico.jsp. Acesso em: 25.7.2008.
264 Infoseg está disponível em: https://www2.infoseg.gov.br/infoseg/do/TecladoVirtualAction. Acesso em: 25.7.2008.
323
sobre veículos, condutores, armas de fogo, cadastro de contribuintes da Receita Federal,
dados sobre indivíduos com processos criminais ou mandados de prisão.
Com o acesso a essa ampla base de dados, mais eficiente se torna a atuação judicial
na busca da verdade e por conseqüência mais célere a tramitação do processo judicial.
Outros sistemas de apoio vêm ganhando espaço no cotidiano do Judiciário. É o
caso dos sistemas dos Departamentos Estaduais de Trânsito (DETRAN), a permitir o bloqueio eletrônico de veículos mediante comando do juiz realizado diretamente na web. Há
ainda a realização de controle de depósitos judiciais e levantamento de importâncias depositadas por meio de alvarás eletrônicos diretamente pelo juiz, também em página na Internet.
Todas essas inovações proporcionadas pela Tecnologia da Informação tendem a
mudar de modo acentuado o funcionamento do Judiciário, a gestão de seus serviços, e conseqüentemente a qualidade do serviço prestado.
3.3.4. Sistemas de gestão da área-meio
Assim como em qualquer outra organização, a atividade-meio do Poder Judiciário
compreende todos os serviços de suporte à atividade-fim, como os de informática, recrutamento e treinamento de pessoal, aquisição e manutenção de bens e materiais, bem assim a
administração orçamentária e financeira.
Tais serviços, embora não jurisdicionais, estão umbilicalmente ligados ao grau de
eficiência do Poder Judiciário, uma vez que dizem respeito sobre as estruturas disponibilizadas para a produção do serviço de prestação da função jurisdicional. É o caso da gestão de
recursos humanos, materiais e tecnológicos, em que a administração do Judiciário proporciona pessoal treinado para o serviço da atividade-fim, bem assim todas as condições físicas
e tecnológicas.
No entanto, segundo observações realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça265,
a gestão da atividade-meio desponta como um dos mais graves problemas do sistema judiciário brasileiro. É o que se espelha nas várias recomendações do Conselho dirigidas aos
Tribunais brasileiros, quando estabelece diretrizes pelas quais os diversos ramos do Poder
Judiciário devem pautar seu planejamento estratégico. E devido à importância da questão,
o Conselho vem até mesmo reiterando as suas recomendações de anos anteriores, sempre
com o objetivo de enfatizar uma prática administrativa gerencial modernizadora do Poder
Judiciário.
Nesse sentido, dentre as recomendações realizadas pelo Conselho no Relatório
Anual de 2007 para os planos gerenciais e metas administrativas dos órgãos do Poder Judiciário, merecem destaque as seguintes266:
Recomendação 2
Considerando que a maior acumulação de processos se concentra na Primeira Instância:
conforme os dados do Justiça em Números 2006, o quantitativo de casos novos na Primeira
Instância representa cerca de 62% das novas demandas processuais da Justiça Estadual,
265 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça – 2007. Disponível em: http://serpensp2.cnj.gov.br/relatorio_anual/Relatorio_2007.pdf. Acesso em: 12.7.2008.
266 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça – 2007. p. 266/269
324
Revista ESMAC
Justiça Trabalhista e Justiça Federal;
Considerando as imensas deficiências estruturais verificadas em Varas e Juizados;
Considerando que a Primeira Instância representa o primeiro patamar de acesso dos cidadãos
ao Judiciário, e, por conseguinte, de seu acesso à justiça.
O Conselho Nacional de Justiça recomenda que seja priorizada a modernização das Primeiras Instâncias por meio de um planejamento orçamentário e administrativo que contemple as
necessidades de tais unidades judiciais.
Recomendação 3
Considerando que os Juizados Especiais, com seu rito simples e célere, vêm
representando alternativa eficaz de acesso à justiça;
Considerando que no anexo Justiça em Números 2006 os casos novos nos Juizados Especiais
representaram cerca de 41% do total de processos ingressos na Justiça Federal e 26% no caso
da Justiça Estadual;
Considerando que os Juizados Especiais Estaduais e os Juizados Especiais
Federais têm beneficiado milhões de pessoas, principalmente da camada mais pobre da
população;
Considerando que os Juizados Especiais são instituição de credibilidade entre os cidadãos,
conforme estudo da Associação dos Magistrados do Brasil.
O Conselho Nacional de Justiça recomenda que continuem sendo observadas as conclusões
e as indicações da Comissão dos Juizados Especiais enunciadas no item 7.4 do Relatório
de 2005 do CNJ, no planejamento, pelos Tribunais, da gestão de patrimônio, da gestão tecnológica, da gestão de pessoas e da gestão de processos.
Recomendação 5
Considerando que os sistemas de informação das unidades do Poder Judiciário nacional
ainda são sistemas heterogêneos em plataformas diversas, apesar do progresso considerável
alcançado nos últimos vinte meses;
Considerando que a interoperabilidade significa a habilidade de dois ou mais sistemas (computadores, meios de comunicação, redes, software e outros componentes de tecnologia da
informação) de interagir e de intercambiar dados de acordo com um método definido, de
forma a obter os resultados esperados.
O Conselho Nacional de Justiça recomenda que os órgãos do Poder Judiciário nacional
adotem “padrões de interoperabilidade” para integração dos sistemas de informação.
Recomendação 7
Considerando que, para desempenhar suas funções constitucionais, o Poder Judiciário necessita de independência, de poder de execução das decisões e de organização eficiente;
Considerando que a disponibilidade de recursos materiais é condição necessária, mas não
suficiente, da organização eficiente do Poder Judiciário;
Considerando que o volume de recursos gastos nas instituições nacionais do
Poder Judiciário não guarda relação direta com a produtividade na prestação
jurisdicional e no julgamento dos casos novos.
O Conselho Nacional de Justiça recomenda que as instituições do Poder Judiciário nacional busquem maximizar suas capacidades gerenciais adotando soluções criativas contra a
ineficiência administrativa e o anacronismo organizacional em um contexto de recursos escassos.
325
Da análise de contexto, a gestão dos recursos humanos, materiais e tecnológicos é,
com efeito, o maior problema do Poder Judiciário nacional.
Embora não atue no âmbito interno do processo judicial, a gestão da atividademeio torna a estrutura judicial mais eficiente em razão da reorganização administrativa e dos
investimentos em equipamentos, tecnologia e pessoal.
Nesta esteira, a gestão da tecnologia da informação faz a diferença mediante sistemas de automação de recursos humanos; sistemas de automação financeira e orçamentária;
e sistemas de automação logística.
3.4. Estudo de caso: a experiência da 2ª Vara de Família da Comarca de Rio Branco (AC) no
período de 1996 a 2007
De tudo quanto ficou exposto, um dado se apresenta como certo para a melhoria
do desempenho operacional do Poder Judiciário: a utilização dos recursos da Tecnologia da
Informação, desde que alinhados com as orientações de um planejamento estratégico.
Com o propósito de melhor compreender esse processo de transformação e demonstrar como se operam os efeitos da Tecnologia da Informação quando aliada a uma
gestão estratégica, examina-se a seguir o caso da 2ª Vara de Família da Comarca de Rio
Branco, Estado do Acre, que em um período de pouco mais de dois anos conseguiu excelentes resultados em termos de produtividade.
Para tanto, a análise ficará restrita ao período de 1996 a 2007, então relacionado ao
início da Internet no Brasil267 e à paulatina informatização do Judiciário acreano.
3.4.1. Escorço histórico da informatização do Poder Judiciário do Acre
Em 1995, havia no Poder Judiciário do Acre apenas 12 microcomputadores268 e 9
impressoras matriciais, todos alocados na Secretaria Administrativa do Tribunal de Justiça.
Nessa época, nenhuma das 15 comarcas instaladas269 dispunha de equipamentos de informática. A base tecnológica então disponível nas varas da capital e do interior do Estado
resumia-se a equipamentos de telegrafia e máquinas de datilografia.
Nas Varas e no Tribunal de Justiça, o cadastro de processos e de partes era realizado mediante registro em livro tombo. O controle do andamento processual, por sua vez,
era feito por meio de fichas soltas, classificadas em um arquivo fichário.
Mas foi a partir de janeiro de 1997 que essa realidade começou a mudar. Foi o efetivo início do processo de informatização quando ocorreu a implantação do primeiro sistema
eletrônico baseado em computador para cadastro e acompanhamento da movimentação de
267 A Internet no Brasil teve início em maio de 1995
268 Conforme quadro evolutivo do parque tecnológico do Tribunal de Justiça constante de Informações da Coordenadoria
de Informática - COINF.
269 De acordo com o Art. 223 da Lei Complementar estadual n.º 47/95, as comarcas do Estado do Acre são as seguintes: Rio
Branco, Cruzeiro do Sul, Brasiléia, Xapuri, Sena Madureira, Feijó, Tarauacá, Senador Guiomard, Mâncio Lima, Plácido de
Castro, Assis Brasil, Acrelândia, Bujari, Capixaba, Epitaciolândia, Jordão, Manoel Urbano, Marechal Thaumaturgo, Porto
Acre, Porto Walter, Rodrigues Alves e Santa Rosa. Dentre elas, sete ainda não estão instaladas: Assis Brasil, Jordão, Marechal
Thaumaturgo, Porto Acre, Porto Walter, Rodrigues Alves e Santa Rosa.
326
Revista ESMAC
processos judiciais. Tratava-se do Sistema de Automação da Justiça (SAJ)270, uma solução
baseada numa interface caracter (de linha de comando)271 e banco de dados ZIM272.
O sistema foi implantado nas varas da Capital e no Tribunal de Justiça e o parque
tecnológico contava com 159 microcomputadores e 131 impressoras matriciais. Nesse momento, nenhuma comarca do interior foi alcançada por essa solução.
Com a aquisição de mais 525 microcomputadores e 266273 impressoras em 2002,
todas as comarcas do interior foram dotadas de equipamentos de informática, mas não se
destinavam a funcionar em rede de dados nem à Internet. As máquinas eram destinadas
simplesmente a substituir as antigas e obsoletas máquinas de datilografia, ainda reinantes
naquelas localidades.
Em 2004, ocorreu a evolução do SAJ para uma arquitetura mais amigável ao
usuário com interface gráfica274 e banco de dados Oracle275, o que permitiu a padronização
da informação, a criação de formulários e definição de procedimentos mais racionais para os
processos de trabalho das varas dotadas dessa solução. Desse passo em diante, o sistema passou para um estágio mais inteligente. Não se resumia a mero catalogador de processos, mas
uma importante ferramenta de alta produtividade. Assim, a informação ficou democratizada,
disponível de uma forma mais intuitiva e em tempo integral aos servidores, magistrados e
jurisdicionados, via Internet.
Embora o parque tecnológico nesse ano fosse de 774 microcomputadores e de
728 impressoras, apenas as varas das comarcas de Rio Branco (capital) e de Epitaciolândia
(interior) estavam interligadas por meio de rede de dados, com acesso à Internet, conforme
Figura 1.
270 O SAJ - Sistema de Automação da Justiça é uma solução desenvolvida pela empresa Softplan. Disponível: http://www.
softplan.com.br/saj/index.do. Acesso em: 22.7.2008.
271 Interface de linha de comando. (Informática). Tipo de interface com o usuário (q. v.) baseada exclusivamente na troca de
mensagens escritas, em que o usuário deve digitar comandos a cada vez que o sistema apresenta o prompt (q. v.). FERREIRA,
Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Eletrônico – Século XXI, versão 3.0.
272 O banco de dados ZIM é um produto desenvolvido pela ZIM Corporation. Disponível: http://www.zimdatabase.com/brasil/about.html. Acesso em: 22.7.2008.
Conforme quadro evolutivo do parque tecnológico do Tribunal de Justiça constante de Informações da Coordenadoria de
Informática - COINF.
273 Conforme quadro evolutivo do parque tecnológico do Tribunal de Justiça constante de Informações da Coordenadoria
de Informática - COINF.
274 Interface gráfica (informática) Tipo de interface com o usuário, em que a interação está baseada no amplo emprego
de imagens, e não restrita apenas a textos ou caracteres, e que faz uso de um conjunto de ferramentas que inclui janelas,
ícones, botões, e um meio de apontamento e seleção, como o mouse. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário
Eletrônico – Século XXI, versão 3.0.
275 O banco de dados ORACLE é um produto desenvolvido pela Oracle. Disponível: http://www.oracle.com/global/br/index.html. Acesso em: 22.7.2008.
327
Nos anos de 2005 e 2006, foram integradas a essa rede de dados e ao SAJ as comarcas de Acrelândia, Brasiléia, Capixaba e Plácido de Castro.
De acordo com o plano diretor de tecnologia, em 2008 as demais comarcas no
Estado também serão integradas à rede de dados.
3.4.2. Análise do desempenho operacional da 2ª Vara de Família de Rio Branco
Seguindo na esteira da evolução tecnológica do Poder Judiciário do Acre, a 2ª
Vara de Família da Comarca de Rio Branco conseguiu em um período de pouco mais de 12
anos elevar a sua produtividade em 496%, num contexto em que a demanda cresceu 450%,
mesmo com a instalação de mais uma unidade judiciárial276.
Em 1996, o número anual de novas ações judiciais distribuídas à 2ª Vara de Família foi de 613 feitos, ao passo que o número de julgados não superou 579 feitos. A mera
observação desses números revela que naquela época a unidade judiciária se encontrava
congestionada, com as entradas no sistema maiores do que as saídas.
276 Em 2000, o Tribunal de Justiça instalou na Comarca de Rio Branco a 3ª Vara de Família.
328
Revista ESMAC
Feitos distribuídos e julgados em 1996
613
620
579
600
580
560
P ro ce sso s n o vo s
540
P ro ce sso s ju lg a d o s*
520
500
1996
Quantidade de feitos
Gráfico 1: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos e julgados (entradas e saídas) na 2ª
Vara de Família no ano de 1996.
Fonte: COGER.
Nesse período, a atividade cartorária e judicial era realizada com a utilização de
máquinas de datilografia. Não havia microcomputadores e os controles eram feitos em livros e fichas. Para agilizar audiências, os termos277 mais corriqueiros eram reproduzidos em
fórmulas mediante mimeógrafo. Cada ato processual importava em várias anotações manuscritas, segundo a finalidade, ou na geração de traslados para arquivo. Para esse fim, havia
livro de registro geral de feitos; livro tombo (índice); livro de carga de autos; livro carga de
mandados; livro de registro de audiências; livro de registro de sentenças, com índice; livro
de registro de precatórias; livro de protocolo de autos e papéis em geral; livro de registro de
incidentes processuais; livro de habeas-corpus, dentre outros278.
Como se não bastasse o congestionamento verificado diante da falta de estrutura
física e tecnológica adequada, no ano seguinte (1997), a Vara veio experimentar ainda um
aumento expressivo da demanda na ordem de 81,73%, saltando de 613 feitos-ano para 1.114
(Gráfico 2).
277 Termo. (Jurídico). Peça em que se formaliza determinado ato processual. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.
Dicionário Eletrônico – Século XXI, versão 3.0.
278 Conforme Normas de Serviços das Serventias Judiciais da Corregedoria-Geral de Justiça - Provimento COGER n.º 91996, Capítulo III, Seção III, item 10
329
Processos novos em 1996 e 1997
1.114
1.500
613
1.000
500
0
P roc es s os novos
1996
1997
Gráfico 2: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos (entradas) para a 2ª Vara de Família
nos anos de 1996 e 1997.
Fonte: COGER.
A produtividade nesse ano, entretanto, manteve-se em patamar quase inalterado,
com um incremento de apenas 5,70%, elevando-se de 579 feitos resolvidos por ano (julgados, redistribuídos, cartas precatórias cumpridas) para 612, insuficientes para a acompanhar
o aumento da demanda em mais de oitenta por cento.
700
600
500
400
300
200
100
0
579
1996
612
1997
Saída de feitos do
sistema
Gráfico 3: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos resolvidos (saídas) na 2ª Vara de Família nos
anos de 1996 e 1997.
Fonte: COGER
330
Revista ESMAC
Enquanto o caos se desenhava no horizonte, uma solução estava em construção em
1997, o que representaria um passo importante no gerenciamento dos processos de trabalho
da Vara. Implantava-se o primeiro sistema de cadastro e acompanhamento de processos judiciais baseado em computador. Esse sistema, uma versão do SAJ279 com interface caracter,
tinha o propósito de abolir o livro de registro geral de feitos e o controle manual de movimentação processual por meio de fichas.
Os resultados dessa intervenção tecnológica foram sentidos já no ano de 1998,
quando a produtividade da Vara saltou de 612 para 1.209 feitos resolvidos por ano. Isto
representou um incremento de 97,55% no número de feitos finalizados, suficiente para que
as saídas nesse ano fossem superiores às entradas do sistema (Conforme Gráfico 4).
1.400
1.200
1.000
800
1.202
1.114
613
1.209
612
579
600
400
200
0
1996
P roc es s os novos
1997
1998
S aída de feitos do s is tem a
Gráfico 4: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos e julgados (entradas e saídas) na 2ª
Vara de Família nos anos de 1996, 1997 e 1998.
Fonte: COGER.
Em 1999, porém, a demanda continuava com forte tendência de aumento, elevando
de 1.202 a 1.621 feitos novos ao ano, num total de 34,86% de crescimento. Esse fato mais
uma vez fez com que as entradas em 1999 fossem superiores às saídas do sistema, cujo incremento não passou de 10,84%, como se pode observar nos Gráficos 5 e 6, a seguir:
279 O SAJ - Sistema de Automação da Justiça é uma solução desenvolvida pela empresa Softplan. Disponível: http://www.
softplan.com.br/saj/index.do. Acesso em: 22.7.2008.
331
Processos novos (Entradas)
1.700
1.621
1.500
1.300
1.202
1.114
1.100
900
700
613
500
1996
1997
1998
1999
Gráfico 5: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos (entradas) para a 2ª Vara de Família
período de 1996 a 1999.
Fonte: COGER.
Entradas e Saídas
1.700
1.500
1.300
1.100
900
700
500
300
1.114
579
1.209
1.340
1.621
1.202
612
613
1996
1997
P roc es s os novos
1998
1999
S aída de feitos do s is tem a
Gráfico 6: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos e resolvidos (entradas e saídas) na 2ª Vara de Família período de 1996 a 1999.
Fonte: COGER.
332
Revista ESMAC
Essa explosão de demanda em 1999 importou em reação da Administração do
Tribunal de Justiça no sentido de instalar a 3ª Vara de Família no ano 2000.
Assim, com a distribuição da demanda de novas ações judiciais por três varas de
família, em 2000 o volume de feitos novos na 2ª Vara de Família caiu 52,3%, reduzindo de
1.621 para 772 feitos novos ao ano. Nesse ano, as saídas outra vez voltaram a superar as
entradas do sistema, como espelhado no Gráfico 7, abaixo:
1.621
1.800
1.600
1.400
1.200
1.000
800
1.202 1.209
1.114
1.340
989
772
612
613 579
600
400
200
0
1996
1997
P roc es s os novos
1998
1999
2000
S aída de feitos do s is tem a
Gráfico 7: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos e resolvidos (entradas e saídas) na 2ª
Vara de Família período de 1996 a 2000.
Fonte: COGER.
Se a instalação de mais uma vara de família teve o objetivo de diluir o aumento da
demanda, a solução restou por insuficiente no ano seguinte, 2001, quando surpreendentemente ocorreu novo e expressivo crescimento, de 772 para 1.412 feitos novos distribuídos
ao ano, ou seja, 82,90% de elevação, confirmando a tendência de expansão da litigiosidade
em matéria de família e a incapacidade do sistema em atender toda a demanda, conforme se
observa no Gráfico 8.
333
1 .6 2 1
1 .8 0 0
1 .3 0 4
1 .4 1 2
1 .3 4 0
1 .6 0 0
1 .4 0 0
989
1 .2 0 0
1 .0 0 0
772
800
600
400
200
0
1999
2000
P ro c e s s o s n o v o s
2001
S a íd a d e fe ito s d o s is te m a
Gráfico 8: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos e resolvidos (entradas e saídas) na 2ª
Vara de Família período de 1999 a 2001.
Fonte: COGER.
Em 2002, a demanda manteve-se praticamente estável. Em contrapartida, a produtividade aumentou 15,87%, elevando-se de 1.304 para 1.511 feitos resolvidos, superando
nesse ano a demanda (conforme Gráfico 9)
1.412
1.600
1.400
1.200
1.000
1.304
1.396
1.511
989
772
800
600
400
200
0
2000
2001
P roc es s os novos
2002
S aída de feitos do s is tem a
Gráfico 9: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos e resolvidos (entradas e saídas) na 2ª
Vara de Família período de 2000 a 2002.
Fonte: COGER.
334
Revista ESMAC
Da análise dos dados comparativos dos anos de 1996 a 2007, observa-se que o
aumento da demanda se confirmava como uma tendência, refletida pelo aumento de feitos
no período em mais 450% (Conforme Gráfico 10):
Processos novos
Quantidade de feitos
3.000
2.759
2.500
2.380
1.951
2.000
1.621
1.500
1.000
500
613
1.114
1.412 1.396
1.202
2.608
1.658
772
0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Gráfico 10: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos (entradas) para a 2ª Vara de Família
período de 1996 a 2007.
Fonte: COGER.
Releva notar que nesse mesmo período (1996 a 2007) a produtividade também
obteve uma curva de crescimento, que foi bastante acentuada a partir do ano 2004, época
em que foi implantado o novo Sistema de Automatização da Justiça (SAJ), na versão com
interface gráfica.
Desse ano em diante a atividade jurisdicional da 2ª Vara de Família obteve ganhos
reais de produtividade, rompendo com a histórica falta de padronização, causa recorrente
de erros e retrabalho. Assim, ocorreu sistemática padronização das rotinas cartorárias, com
ferramentas importantes de integração da atividade da equipe, evitando o retrabalho.
Toda a etapa de digitação de textos passou a ser realizada diretamente no sistema
e perante o servidor de dados principal, evitando a preocupação com arquivos armazenados
no próprio microcomputador do usuário, favorecendo o trabalho integrado.
A possibilidade de geração automática de mandados, certidões, ofícios, cartas
precatórias, cartas de intimação e citação, dentre outros, mediante a utilização de formulários com a simples indicação do processo deu impulso importante para a celeridade na
atividade cartorária.
Para essa funcionalidade, o Tribunal de Justiça promoveu o cadastramento no
sistema de todos os formulários utilizados pelas Varas no Estado, gerando uma base de
inteligência da Instituição. Assim, o que antes era feito no editor de textos Microsoft Word,
de forma heterogênea e difusa nas centenas de microcomputadores da Instituição, passou a
335
ser feito de forma integrada, automática e simplificada. O refinamento chegou a ponto de até
mesmo algumas sentenças repetitivas serem incluídas dentre os formulários.
Ao examinar os dados estatísticos do período 1998 a 2007 é flagrante o vertiginoso
crescimento da produtividade no período posterior a 2004 (data da adoção do novo sistema),
que chega a contrastar com números anteriores que indicavam uma tendência de estagnação
(Conforme Gráfico 11).
2.822 2.870
3.000
2.500
2.069
2.000
1.500
1.000
1.209 1.340
1.304
1.511 1.339 1.653
989
500
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
S aída de feitos do s is tem a
Gráfico 11: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos resolvidos (saídas do sistema) na 2ª Vara de Família período de 1998 a 2007.
Fonte: COGER.
É relevante notar que em razão do expressivo aumento das entradas no sistema houve um
acúmulo de feitos pendentes de decisão no período de 1997 a 2005 da ordem de 208,08%,
saindo de um estoque inicial de 1.327 para 2.771 feitos, haja vista o exaurimento da capacidade produtiva com os recursos disponibilizados. No Gráfico 12, é possível observar a
curva ascendente do estoque, a contribuir para a elevação da taxa de congestionamento da
unidade.
336
Revista ESMAC
3.000
2.800
2.600
2.400
2.200
2.000
1.800
1.600
1.400
1.200
1.000
2.771
2.248
1771
1.790
1.456
1997
1998
1999
1.794
1.436
1.327
1996
1.914
2000
2001
2002
2003
2004
2005
P roc es s os pendentes (es toque)
Gráfico 12: Gráfico demonstrativo do número de feitos pendentes de decisão (estoque) na Vara de Família
período de 1996 a 2005.
Fonte: COGER.
Entretanto, essa tendência de acúmulo é fortemente revertida nos anos seguintes de
2006 a 2007, pela redução do estoque em 36,12% e aumento da produtividade em mais de
38%, para um aumento de demanda no período em pouco menos de 16%. A situação pode
ser visualizada no Gráfico 13.
3.500
2.771
3.000
2.248
2.500
2.000
1.500
1.000
500
1.436
989
1771
1.304
1.794
1.511
2.822
2.870
2.269
1.914
2.069
1.339
1.653
1.770
0
2000
2001
2002
2003
P roc es s os pendentes (es toque)
2004
2005
2006
2007
S aída de feitos do s is tem a
Gráfico 13: Gráfico demonstrativo do número de feitos pendentes de decisão (estoque) e feitos resolvidos
(saída do sistema) na Vara de Família período de 2000 a 2007.
Fonte: COGER.
337
Nesse período, além da intensa utilização do SAJ e de outras ferramentas tecnológicas tais como o Bacen Jud e o Infoseg, foi implementada na Vara uma gestão focada
em resultados (APO) mediante a utilização dos recursos da Tecnologia da Informação como
arma estratégica, consoante descrição no Relatório da Correição Ordinária de 2007280.
A viabilização desse propósito começou em 2006 a partir da percepção de que o
sistema caminhava para o colapso e era premente a necessidade de uma intervenção para
reverter a situação de forma sustentada. Até então era certo que não havia qualquer estudo
sobre o desempenho ou definição de indicadores estratégicos.
Não obstante isto, havia a percepção de que essa Unidade Judiciária contava com
uma boa equipe, bom clima organizacional e grande abertura às inovações, resultando em
um processo de trabalho em grupo mais interativo e organizado.
Foi a partir da análise desses fatores que se buscou auxílio na ciência da Administração, mediante a utilização de métodos e técnicas do modelo de Administração por
Objetivos (APO), para melhorar o desempenho da Vara, com vistas na redução, em médio
prazo, do elevado estoque de processos pendentes de julgamento e, conseqüentemente, do
congestionamento.
A providencia inicial consistiu em conhecer os dados estatísticos da Vara e apresentá-los à equipe para definição dos indicadores de desempenho, ou seja, os parâmetros que
teriam utilidade para mensurar a produtividade da unidade jurisdicional.
Por conseguinte, foram identificados como indicadores necessários para aferir o
desempenho da unidade os a seguir relacionados:
1.
Número de feitos novos e número de feitos julgados (somente sentenças);
2.
Número de feitos novos e número de feitos com alguma resolução (sentenças, cartas cumpridas, feitos redistribuídos ou remetidos a outra jurisdição em caráter definitivo);
3.
Número de audiências designadas e número de audiências realizadas;
4.
Número de processos pendentes de julgamento (estoque);
5.
Taxa de congestionamento.
Fixados os indicadores de desempenho, a equipe elaborou e documentou os direcionadores estratégicos (missão, visão e valores) para alinhamento dos trabalhos e fixação
do propósito institucional da Unidade.
Da análise da taxa de congestionamento da unidade, a equipe da vara concluiu que
o objetivo estratégico deveria ser a redução do número de processos pendentes de julgamento (estoque), sendo fixada a redução em 5 por cento a cada três meses.
Como medida para alcançar esse objetivo estratégico, a equipe definiu uma meta
mensal baseada no indicador de desempenho “número de feitos novos e número de feitos
julgados”, de modo que o número de julgados fosse superior ao de novos feitos.
A idéia foi a que se revelou mais adequada e de maior desafio para todos da equipe.
Todos os indicadores de desempenhos agora seriam analisados mensalmente pela equipe,
para aferição do resultado alcançado frente à meta estabelecida. Uma vez alcançada a meta,
toda a equipe seria reconhecida ou premiada na forma estabelecida previamente.
E assim, para aumentar a produtividade de feitos julgados sem sobrecarregar o
Juiz da Unidade, todas as audiências de conciliação passaram a ser realizadas por servidores
especialmente treinados para esse fim. O magistrado se ocuparia assim com a atividade jurisdicional propriamente dita, ou seja, com a produção da prova e com o julgamento de mérito
280 2ª Vara de Família – Rio Branco – Acre. Relatório de Correição Ordinária de 2007.
338
Revista ESMAC
dos conflitos cujas partes não alcançaram a resolução da lide mediante conciliação.
Concomitantemente, a equipe elaborou pautas paralelas de audiências para conciliadores e para o magistrado.
Os conciliadores passaram a realizar todo o seu trabalho diretamente no SAJ, evitando retrabalho ou pendências para a equipe de cartório.
Essa providência ensejou na elevação do número de audiências realizadas em mais
de 87%, ou seja, de 1.122 passou para 2.108 audiências por ano, fato que se pode conferir no
Gráfico 14.
2.500
2.108
2.000
1.609
1.500
1.000
500
0
512
813
1.130
1.007
720
735
1.044
1.122
738
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
A udiênc ias R ealiz adas
Gráfico 14: Gráfico demonstrativo do número de audiências realizadas na Vara de Família período de 1997
a 2007.
Fonte: COGER.
Ao quase dobrar o número de audiências realizadas e elevar as saídas do sistema em
volume superior às entradas, a 2ª Vara de Família saiu de uma situação crítica para uma confortável taxa de congestionamento no patamar de 46%, conforme último Relatório da CorregedoriaGeral de Justiça281 do ano 2007, a conceituar a unidade judiciária como em equilíbrio, segundo
os paradigmas do Conselho Nacional de Justiça282. Observou-se, ainda, que a medida foi eficaz
para alinhamento da equipe que passou a acompanhar constantemente o próprio desempenho,
percebendo o resultado obtido com o esforço comum.
281 TJAC - Tribunal de Justiça do Estado do Acre. Relatório da Corregedoria-Geral de Justiça de 2007, de 5.11.2007.
282 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 15/2006, DE 20.4.2006, do Conselho Nacional de Justiça. Art. 18. Os
dados estatísticos Relativos à taxa de congestionamento serão informados de acordo com os indicadores e fórmulas seguintes:
a- taxa de congestionamento no 2º Grau: numeral um (1) menos o número total de decisões que extinguem o processo no 2º
Grau (numerador Sent2º) sobre número de casos novos somado ao número de casos pendentes de julgamento de períodosbase anteriores do 2º Grau (denominador CN2º + Cpj2º) da Justiça Federal, do Trabalho e dos Estados, por meio do indicador
( 2º) e de sua fórmula: b- taxa de congestionamento no 1º Grau: numeral um (1) menos o número total de sentenças no 1º
Grau (numerador Sent1º) sobre número de casos novos somado ao número de casos pendentes de julgamento de períodosbase anteriores do 1º Grau (denominador CN1º + Cpj1º) da Justiça Federal, do Trabalho e dos Estados, por meio do indicador
( 1º) e de sua fórmula: c- taxa de congestionamento na Turma Recursal: numeral um (1) menos o número de decisões que
extinguem o processo na Turma Recursal (numerador SentTR) sobre número de casos novos somado ao número de casos
pendentes de julgamento de períodos-base anteriores da Turma Recursal (denominador CNTR + CpjTR) da Justiça Federal
e dos Estados, por meio do indicador ( TR) e de sua fórmula: d- taxa de congestionamento no Juizado Especial: numeral
um (1) menos o número de sentenças no Juizado Especial (numerador SentJE) sobre número de casos novos somado ao
número de casos pendentes de julgamento de períodos-base anteriores do Juizado Especial (denominador CNJE + CpjJE)
da Justiça Federal e dos Estados, por meio do indicador ( JE) e de sua fórmula: Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index.
php?option=com_content&task=view&id=109&Itemid=160. Acesso em: 24.7.2008.
339
CONCLUSÃO
Um dos traços marcantes do final do século XX e início deste século XXI é, sem
dúvida alguma, o modo como a Tecnologia da Informação transformou a vida das organizações e da pessoas, suas interações e a percepção do tempo e do espaço. Com a Era
da Informação, no início dos anos 90, nasce em verdade um novo mundo, um novo modo
de vida, uma nova dimensão, que subverte os paradigmas então definidos pela civilização
contemporânea. As distâncias físicas perdem importância para a alta conectividade entre as
pessoas, que com o microcomputador passam a trabalhar juntas mesmo estando em lugares
diferentes e distantes. O espaço agora é virtual ou ciberespaço e o tempo é marcado pela
instantaneidade, onde a informação circula em tempo real e on-line.
Em que pese o vertiginoso avanço na maneira como as relações sociais e negociais
viriam a ocorrer, o Poder Judiciário nacional não acompanhou o desenvolvimento tecnológico nem a corrida pela proteção de direitos, desencadeada após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”.
A grande demanda por serviços jurisdicionais viria a sacudir o Poder Judiciário e
expor as suas fragilidades, dentre elas a sua incapacidade gerencial, resultado da formação
preponderantemente humanística dos profissionais do direito, e o perfil conservador e refratário da instituição judiciária às novas tecnologias de administração e de informação.
A ineficiência da administração da Justiça, dessa forma, viria a desembocar no
epicentro da “Crise do Poder Judiciário” como um mal a ser atacado, então reconhecido no
“Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano”, celebrado pelos
presidentes dos três poderes da República, e combatido pelo Conselho Nacional de Justiça
nas suas conclusões e planos de atuação.
Surge aí o entendimento de que a Reforma do Judiciário não poderia resumir-se a
alterações legislativas para celeridade da relação jurídica processual ou ainda pela exclusão
pura e simples das demandas da via judicial mediante o incentivo a autocomposição e heterocomposição extrajudiciais, mas sim pela adoção das modernas técnicas da ciência da
Administração e da experiência das organizações empresariais em prol da reorganização
administrativa dos Tribunais, Varas e Juizados instalados em todo o território brasileiro.
Em meio a esse movimento, ganha força no Brasil o ramo da Administração Judiciária, uma área do conhecimento que se vale de princípios, técnicas e ferramentas próprias
da ciência da Administração para tornar mais eficiente o funcionamento do sistema judiciário no seu mister de prestar o serviço jurisdicional.
Imbuído do esforço de romper com o conservadorismo e a tendência a gestões patrimoniais, focadas no interesse pessoal de cada gestor, o Conselho Nacional de Justiça vem
se consolidando como um importante órgão aglutinador e disseminador das boas práticas
administrativas, centro de debates sobre as deficiências do sistema e fomentador de uma
política estratégica uniforme para o Judiciário como um todo.
Ganha relevo, assim, a implementação da administração gerencial estratégica no
Poder Judiciário, ou Administração por Objetivos (APO), como modelo de gestão a suplantar o anacronismo e o improviso normalmente verificados na administração dos Tribunais e
varas.
Por esse modelo, utilizado largamente com êxito na administração das empresas,
340
Revista ESMAC
a gestão funciona mediante uma atuação participativa de planejamento e avaliação em que
superiores e subordinados definem os objetivos a serem alcançados pela organização, sob
contínuo e sistemático controle de desempenho. O planejamento, o controle e o foco em
resultados são as características elementares da Administração por Objetivos.
Diante dos resultados verificados nas organizações empresariais, o pensamento
predominante vem dizer que esse modelo pode ser adaptado e aplicado à administração
judiciária como uma das soluções para o problema da morosidade do Poder Judiciário.
Entretanto, para o sucesso de uma administração por resultados é imprescindível
que a implementação dos objetivos da organização seja aparelhada por modernos recursos
baseados em computador e na comunicação eletrônica. Diante do estágio tecnológico da
sociedade atual, que se conduz sob a era da compressão do espaço e do tempo e da conectividade283, todas as atividades humanas tendem a adotar a Internet como meio necessário à
sua comunicação e à realização de suas finalidades.
Esse fenômeno pode ser observado no Poder Judiciário com a utilização de sistemas de gestão da área-meio, sistemas de acompanhamento processual e até mesmo dos
modernos sistemas de processo eletrônico.
Foi, assim, com a substituição dos arcaicos controles do registro e andamento do
processo em ficha de papel por sistemas de acompanhamento processual baseados em computador, o Judiciário pôde pela primeira vez disponibilizar a informação de seu acervo de
processos ao público na Internet. Esse fato, além de democratizar a informação, constitui
um passo importante para o rompimento de paradigmas e para a modernização do sistema
judiciário.
Mas é mesmo com o sistema do processo judicial eletrônico, em face de implantação em todos os Tribunais brasileiros, que está a promessa de um Judiciário mais rápido e
acessível a todos. A substituição dos autos tradicionais em papel para o registro eletrônico
do processo judicial não significa apenas uma redução de custos, com menor impacto ambiental, mas uma nova forma de se fazer a Justiça.
O potencial transformador do processo eletrônico, com os recursos a ele inerentes
tais como a assinatura eletrônica, a comunicação eletrônica e a audiência eletrônica, poderá
constituir uma arma estratégica para mudar o perfil de atuação dos profissionais do direito,
de conservador para inovador, com melhorias importantes para todo o sistema judiciário.
Migrando as suas atividades para o ciberespaço, estará o Judiciário a superar o
descompasso histórico entre o seu tempo e o da sociedade.
Não se pode olvidar, porém, que os sistemas eletrônicos restam ineficazes se não
houver um plano de ação bem administrado que os justifique e dê suporte.
É o que ocorre com os sistemas de acompanhamento da movimentação processual,
se a unidade judiciária não realizar a alimentação do sistema. Neste caso, não só haverá um
prejuízo quanto ao acompanhamento do processo judicial como também não se terão dados
estatísticos confiáveis para o planejamento das ações institucionais. Outro aspecto é a não
utilização adequada de um sistema de informação pelo simples fato de não haver microcomputadores adequados ou em número suficiente, ou ainda por não haver capacitação e
treinamento adequados para a sua utilização.
Assim, ao analisar os sistemas eletrônicos de informação e comunicação adotados
283 Conforme expressões de Chiavenato, ao explicar sobre a virtualização dos escritórios e a instantaneidade das comunicações em rede provocadas pela Tecnologia da Informação. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da
Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. p.655/656.
341
pelo Judiciário vê-se que nem sempre estão sendo utilizados adequadamente ou potencializados em função da prestação jurisdicional por um problema que não é da Tecnologia da
Informação, mas de Administração.
Isto explica porque uma unidade jurisdicional pode apresentar um excelente desempenho operacional, ao passo que uma outra vizinha tenha desempenho pífio.
Essas situações deixam entrever que o uso indiscriminado da Tecnologia da Informação nas organizações sem uma administração estratégica pode representar um mero
investimento sem resultados ou com resultados insatisfatórios.
Por essa linha de raciocínio, a utilização de máquinas e sistemas baseados em
computador nada pode agregar em termos de produtividade sem que se tenham claramente
definidos os objetivos pretendidos. A Tecnologia da Informação por si só não é capaz de
resolver o problema da ineficiência de determinado sistema se esse mesmo sistema não está
adequadamente estruturado do ponto de vista funcional, administrativo. A conseqüência do
uso da Tecnologia da Informação sem um plano de ação, sem objetivos a alcançar, não difere
dos resultados de uma administração discricionária.
Pelo que se observa, há, em verdade, uma co-dependência entre a Administração e
Tecnologia da Informação, um campo de grande interseção.
Isto significa dizer que a implementação de qualquer solução da Tecnologia da Informação, como instrumento de melhoria da atividade de uma organização, resultará maior
ou menor grau de eficiência segundo o nível de interação desses recursos com as balizas
estratégicas da administração.
Esse fato, a propósito, pôde ser confirmado no estudo desenvolvido a partir do
trabalho realizado na 2ª Vara de Família de Rio Branco, no período de 1996 a 2007, cujos
dados aferidos e comparados, com importantes conclusões.
Da experiência dessa Vara, observou-se que o uso das técnicas da Administração
por Objetivo, mediante a definição de um planejamento estratégico, mesmo que de modo
simplificado, pode melhorar sensivelmente o desempenho da unidade judiciária.
Percebeu-se, ainda, que o sucesso da administração por resultados na Vara só foi
possível com a utilização adequada dos recursos da Tecnologia da Informação e sob as guias
do plano estratégico de ação.
Por fim, observou-se uma tendência inflacionária da demanda que segue o índice
de desempenho do Judiciário. Desse modo, conclui-se que o sistema judiciário está sujeito
a uma maior demanda à medida que o seu funcionamento também apresente melhoria. Esse
foi o fenômeno também observado nos Juizados Especiais, que ganharam fama de celeridade e simplicidade e logo ficaram sobrecarregados de processos judiciais pendentes de
resolução.
Nota-se, assim, que para melhorar o desempenho do sistema judiciário brasileiro
não basta instalar novas varas ou melhorá-las tecnologicamente. É preciso uma gestão estratégica que planeje, organize, dirija e faça o controle das ações e mensure os resultados do
Judiciário, evitando o colapso do sistema, tão comumente verificado País afora.
Decorre daí, pois, a conclusão de que a solução para a ineficiência do sistema judiciário brasileiro passa inevitavelmente pela adoção de modernos recursos da Tecnologia da
Informação, desde que devidamente alinhados a um plano de ação estratégico, ou seja, que
siga as orientações de uma gestão por resultados (APO).
342
Revista ESMAC
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346
Revista ESMAC
DA IMPLANTAÇÃO DO PROCESSO ELETRÔNICO JUNTO
À VARA DE EXECUÇÕES PENAIS
Maha Kouzi Manasfi e Manasfi
INTRODUÇÃO
Diariamente vemos nos noticiários a mesma: O Poder Judiciário não atende aos
anseios da sociedade referente a um processo célere, ou seja, aquele que julga as lides propostas em um tempo hábil.
É inegável que a culpa atribuída ao Poder Judiciário é uma crítica negativa, que
tem incomodado, e muito, o mundo jurídico, o qual por sua vez tem buscado meios para que
o caminho percorrido desde o ajuizamento da ação até a sua efetiva resolução, seja abreviado e mais célere.
Tal assertiva se baseia, no fato de que vários dispositivos legais e constitucionais
foram criados visando esse fim, podendo destacar aqui, as súmulas vinculantes e o princípio
da razoável duração de um processo, esculpido no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição
Federal, sem olvidarmos ainda da proibição constitucional de concessão de férias coletivas
de Juízes, entre outros.
Não foi com outra intenção que o mundo jurídico também voltou seus olhares para
a implantação do procedimento virtual. Atualmente, com o incomensurável crescimento
da demanda processual e com o exíguo número de magistrados, assim como a inércia do
Poder Executivo em propor soluções e programar políticas sociais de sua responsabilidade,
a celeridade tem sido quase uma utopia, não fosse a esperança de mudança com a utilização
das novas tecnologias da informação.
Ademais, com a ajuda da informática, através da implantação do processo virtual,
pode-se atender a um número maior de jurisdicionados em um tempo mais hábil. É o que
ocorreu e ocorre com as instituições financeiras, por exemplo.
Sendo assim, o presente estudo, mostra-se de grande relevância, posto que aborda
questões relativas à otimização dos serviços cartorários, visando a melhor gestão da prestação da tutela jurisdicional, o que vai ao encontro do anseio de toda a sociedade jurídica e de
todos os cidadãos que dela demandam serviços, direta ou indiretamente.
347
1. DA INFORMATIZAÇÃO JUDICIAL
Com o passar dos tempos, a demanda processual em nosso país vem crescendo de
maneira assustadora, ao mesmo tempo em que registra-se o crescimento de lides não resolvidas, ou que demoram exarcebadamente para serem concluídas.
Dia-dia, os jornais noticiam a demora do Judiciário em proceder quanto aos julgamentos das causas postas ao seu crivo, o que de certa forma tem maculado a imagem deste
Poder o qual desempenha um papel muito importante para o desenvolvimento de um país,
assim como os demais poderes da República.
Sobre o assunto, Tejada, com maestria, preleciona:
À época do Brasil colonial, o conceito de Justiça não era muito diferente do da Idade
Média, quando era exercida pelos senhores feudais, muito mais em favor dos réus do que dos
demandantes. Ainda depois de a função da Justiça ter sido delegada a corpos funcionais especialmente treinados, conservava um aspecto sobre-humano e quase inatingível, expresso,
por exemplo, na proibição de visitar, casar, tomar afilhados e até de divulgar as razões de
suas decisões, que não precisavam ser explicadas a ninguém.
Nestes 200 anos, a Justiça Brasileira evoluiu muito. Temos, hoje, uma Justiça incomparavelmente melhor, mais acessível e democrática. As decisões judiciais são fundamentadas e
os julgamentos são públicos.
Entretanto, com todos os avanços, ainda não conseguimos nos desvencilhar das amarras
da burocracia medieval do processo, indutora da morosidade da prestação jurisdicional.
Se a garantia de uma Justiça justa levou a população brasileira a acreditar no Poder Judiciário, a ponto de confiar-lhe mais de 45 milhões de processos, com um incremento anual de
mais de 23 milhões de novos casos, não soubemos, na mesma proporção, renovar e atualizar
nossos métodos de trabalho, ainda que tenhamos importantes exemplos em contrário284.
Vejamos como Benucci corrobora com a assertiva de Tejada e ainda complementa
com as conseqüências advindas de tal:
É notório que o nosso sistema judicial não cumpre, de forma cabal, o imperativo constitucional de acesso à ordem jurídica justa, em razão de sua notória ineficiência e pouca funcionalidade. A insatisfação geral com o rendimento jurisdicional traz consigo o descrédito
e desconfiança aos órgãos judiciais. De fato, a demora na prestação jurisdicional é, sem
dúvida, um dos principais fatores de descrédito do Poder Judiciário brasileiro e contribui, de
forma significativa, para arranhar sua legitimidade.285
De fato, nos dias atuais, princípios como os da celeridade processual e economia
processual, passaram a ser uma utopia, posto que o processo, sendo regido por Leis arcaicas
como é o caso do Código de Processo Civil que é de 1973 e não supre as necessidades atuais.
Isto praticamente trava a marcha processual fazendo com que um ato processual demore a
ser praticado ou que sua finalidade seja alcançada, a exemplo do que temos hoje com a inti284 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. A verdadeira reforma do Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index.php?Itemid=167&id=3149&option=com_content&task=view. Acesso em
27/06/2008.
285 BENUCCI, Renato Luis, A tecnologia aplicada ao processo judicial, p. 25/26
348
Revista ESMAC
mação das partes, a qual, se fosse regrada pela forma eletrônica, seria agilizada.
Nos parece que o cidadão brasileiro hoje está muito mais esclarecido em relação
aos seus direitos. Aliado a isto o crescimento das Defensorias Públicas na grande maioria
dos estados brasileiros vem incentivando mais brasileiros a buscarem seus direitos, o que
se reflete no grande aumento no número de processos, abarrotando as varas do Poder Judiciário.
Dissertando sobre o grande volume processual, Almeida Filho afirma que:
Com a velocidade na transmissão da informação pelos mais diversos canais de comunicação, em especial a Internet, os conflitos existentes na sociedade vêm sendo ampliados. E o
são, também, de forma auto-referencial. Afirmamos que vêm sendo ampliados, porque não
nos parece que existam novos conflitos, mas ampliação dos mesmos.286
Entende o renomado autor que os conflitos têm sido ampliados e, isso tem sobrecarregado a atuação dos responsáveis pela prestação da tutela jurisdicional e, caso nenhuma
medida seja tomada corremos o risco de congestionar ainda mais o Judiciário.
Diante deste quadro toda a sociedade, em especial a jurídica, tem buscado soluções,
não somente paliativas, mas que venham a sanar de vez o problema
Atento ao clamor social, o Legislativo também tem se mobilizado, isso referente à
criação de leis para tentar viabilizar um processo judicial mais célere e justo, pois nos dias
atuais a resolução das lides apresentadas ao Judiciário leva anos para se chegar à conclusão.
A exemplo disso são as recentes reformas do Processo Penal pelas Leis n.º 11.719/08 e
11.689/08.
Tais afirmações ganham força quando vemos, por exemplo, a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com o advento da Lei 9.099/95, a qual proporcionou um
procedimento mais célere no tocante ao processo e término das pendências judiciais, assim
como o advento da emenda constitucional n.º 45, a qual ressaltou no texto constitucional o
princípio da razoável duração do processo, entre outros.
Mais marcante, ainda, foi a Lei n° 11.382, de 7/12/2006, a qual disciplinou a
penhora on-line e resgatou o processo de execução que tinha se tornado totalmente ineficaz,
acabando com o famoso ditado popular “ganhou mas não levou”, o que se constitui em uma
afronta ao Poder Judiciário.
Na atualidade, o Processo Judicial Eletrônico é apontado como uma das soluções
mais eficazes para a resolução do problema da demora do julgamento das contendas judiciais. Ressaltamos, todavia, não poer se tratar de uma solução isolada, mas que deva vir aliada
a outros fatores para que possa se concretizar de forma a satisfazer tanto a agilidade dos
processos, quanto abarcar toda a sociedade, ou seja, as transformações devem ter como meta
o principio da isonomia.
Em meados do século XX, ganhou força um processo de mudança que, ao longo
do tempo vem se firmando como uma tendência mundial e traz, no seu bojo, a ameaça de
que aqueles que não o acompanharem correm o risco de serem preteridos. E não são poucos
os prejuízos advindos desta exclusão como tem nos alertado muitos pesquisadores quanto a
esse processo denominado globalização.
286 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a informatização
no Brasil, p. 19.
349
Para melhor elucidar trazemos a baila alguns exemplos. Quem não se lembra de
como eram os carros de antigamente, os quais não possuíam alguns equipamentos, tais
como direção hidráulica ou injeção eletrônica de combustíveis? Caso alguma montadora
não tivesse acompanhado essa tendência teria experimentado prejuízos enormes, posto que
os consumidores hoje em dia, praticamente, só procuram carros com tais dispositivos.
Tal assertiva se mostra pertinente, uma vez que, como podemos observar hoje,
não são fabricados mais carros com carburadores, mas somente com injeção eletrônica de
combustível.
O que se dirá então dos computadores, da internet discada com relação à banda
larga, e, agora outra tendência que é a internet móvel para notebooks. Nos dias atuais é
inconcebível que ainda existam pessoas utilizando internet discada para acessar a rede mundial.
Sobre o assunto, Benucci, enfatiza que:
Cabe acrescentar que o processo de globalização da economia gerou a necessidade de busca
pela melhoria da prestação de serviços, que deve ser perseguida não apenas pelas instituições
privadas, mas também pelas instituições públicas. Sob a perspectiva, a eficiência e agilidade
do Poder Judiciário são elementos importantes na aferição do grau de confiabilidade de um
país, com repercussão significativa nos campos econômico e social.287
Com o Processo Judicial Eletrônico, tomando por base os exemplos acima, ocorrerá o mesmo no Brasil, posto que em outros países isso já é realidade.
Isso ocorrerá porque o aperfeiçoamento de técnicas de produção, bem como de
execução de idéias é inerente ao ser humano, esta a cada dia busca facilitar e aperfeiçoar a
sua vida, o mesmo ocorrendo com o Poder Judiciário.
É o que ensina o ilustre doutrinador Barbosa Clementino, quando preleciona:
É natural, em qualquer ramo do conhecimento, que os primeiros a trilharem seus caminhos acabem aperfeiçoando mecanismos para melhor atingir seu desiderato. Os artífices
transmitem a seus filhos e aprendizes os segredos de sua profissão, que aprenderam com
seus pais e mestres, que por sua vez vieram antes deles. Assim sendo, como já se disse, os
julgadores, ao longo de anos de exercício de suas funções, foram desenvolvendo uma série
de técnicas, as quais passaram a ordenar logicamente, como passos necessários à obtenção
da verdade formal e verdade pela via processual.288
Sobre a efetividade processual como uma tendência do processo civil contemporâneo, Benucci nos relembra que devemos identificar a finalidade do processo. Vejamos o que
diz o autor:
Para se traçar um quadro das tendências da ciência processual, é imprescindível que, inicialmente, seja definida a finalidade do processo, ou seja, é preciso examinar aquilo a que se
aspira com a prestação do serviço jurisdicional para, a partir da identificação deste objetivo,
ou objetivos, reconhecer os valores que informam o processo civil atual.289
287 BENUCCI, Renato Luis, op. cit., p. 28.
288 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, Processo Judicial Eletrônico, p.56.
289 BENUCCI, Renato Luis, op. cit., p. 15.
350
Revista ESMAC
Para o renomado autor a efetividade processual é a própria finalidade do processo,
pois através deste, o direito é realizado, é materializado. Isso quando as normas jurídicas
são devidamente respeitadas pela sociedade. Como já dizia Calamandrei “justiça lenta, nada
mais é de que injustiça qualificada”.
Salientamos que a idéia de efetividade não pode se dissociar da idéia de tempestividade no tocante á resolução das lides, posto que uma tutela intempestiva jamais será
efetiva.
Sobre o assunto, Marinoni apud Benucci enfatiza:
A efetividade do processo está, assim, intimamente ligada ao fator tempo, uma vez que a
demora na tramitação de processos impede a tutela efetiva de direitos. O tempo representa,
destarte, papel fundamental no processo, semelhante ao papel desempenhado pelo tempo na
própria vida humana que, em tudo, é condicionado pelo tempo.290
Diante desta visão, podemos destacar aqui o surgimento das tutelas de urgência,
como meio de aperfeiçoar o trâmite processual. O legislador, ciente do retardamento normal
do processo, optou por medidas imediatas para garantir a efetividade do processo, visando
sempre prestar uma tutela tempestiva aos quais tem direito. Como afirma o renomado processualista Marinoni “o tempo do processo é um mal e sempre prejudicou o autor que tem
razão”291.
Verificamos, na convivência forense diária, que muito embora a parte tenha razão,
o Magistrado tem que esperar toda uma marcha processual, que por sua vez não é célere,
para declarar o óbvio. Cabe aqui um parêntese, não se quer dizer com isso que a marcha
processual deve ser expurgada, até porque é necessária ao menos para garantir os direitos
processuais das partes. O que se coloca é que o trâmite processual é lento, intempestivo e
causa prejuízo à parte que tem razão, bem como ao Judiciário, o qual terá um gasto muito
maior com a demora na solução do litígio.
A prestação jurisdicional intempestiva causa prejuízos a todas as partes, com exceção daquela que não tem razão na demanda, a qual acaba sendo beneficiada com a demora
processual.
Neste cenário onde o Judiciário é culpado por todas as mazelas advindas da demora da solução das contendas, surge o processo eletrônico como a tábua de salvação.
No tocante ao Processo Eletrônico Almeida Filho aponta que diante da “ampliação
dos conflitos e a necessidade de um Judiciário mais rápido e eficaz, o meio eletrônico se
apresenta como adequado e eficaz para enfrentar esta situação”.292
Com este escopo, o Processo Judicial Eletrônico se apresenta como mais um dos
instrumentos para uma prestação jurisdicional mais tempestiva. Este é apenas um dos vários
enfoques que são inerentes a este instituto, uma vez que existem outros aspectos do processo
eletrônico que oportunamente serão trazidos à baila.
290 MARINONI, Luiz Guilherme appud BENUCCI, Renato Luis, op.cit., p. 20.
291 MARINONI. Luiz Gulherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5ª ed. p. 204
292 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Op.cit., p. 19
351
1.0 - A tecnologia da informação como objeto pacificador de conflitos em um Judiciário
moderno
Com o surgimento da tecnologia da informática como um modo de reger a vida em
sociedade, buscou-se desde o princípio implantá-la no Judiciário. Como exemplo, podemos
citar as máquinas de escrever que foram substituídas pelos computadores. Posteriormente,
houve o surgimento dos programas de automação do Judiciário, e agora a implantação do
Processo Judicial Eletrônico, foco deste trabalho.
O Processo Judicial Eletrônico, diante da gama de contendas que surgem dia-dia,
das mais variadas espécies, se mostra como o instrumento capaz de produzir a pacificação
social, ou pelo menos abrandar em muito os conflitos, o que é almejado por todos.
Benucci, acerca da interação entre o mundo jurídico e a tecnologia, preleciona:
Essa interação entre direito e tecnologia, em nossa visão, ocorre sob duas perspectivas
principais. Em uma primeira perspectiva, cabe ao direito regulamentar todo um novo conjunto de situações e relações jurídicas, derivadas da utilização das novas tecnologias, encontrando parâmetros para sua normatização.293
Quanto aos parâmetros de normatização a que se refere o autor acima, José Carlos
de Almeida Filho defende que “o processo eletrônico deva ser adotado para qualquer tipo
de demanda, independente de seu objeto, com exceção do processo de execução que por
condições específicas deste procedimento, é impossível à sua aplicação” (sic)294.
Entretanto, como afirma o autor, “há ainda resistência à aplicação integral dos
meios de informática no sistema judicial brasileiro, apontando o Tribunal Regional Federal
da 2ª Região que na segunda instância, não admite sequer a interposição de recursos via facsímile”.295
É, talvez, o medo do desconhecido, o que nos parece normal, pela falta de intimidade com os recursos de informática, e outros de última geração que necessitam, para sua
adoção, carecem de um outro modo de pensar sobre o novo e de tempo para que a nova
relação com esses instrumentais passe, naturalmente, a ser parte da rotina.
Com enfatizamos anteriormente, muito embora a informatização judicial encontre
resistências por todo o país, o certo é que ela é uma tendência e que seu não acompanhamento será um retrocesso no Judiciário. Isto pode ser facilmente verificado através dos dados
fornecidos no anexo I, que demonstra o número de varas\tribunal que aderiram ao processo
virtual, bem como o número que se comprometeu com sua adesão.
Recorramos às recomendações de Clementino quanto ao processo eletrônico como
tendência à generalização:
Precisamos nos acostumar com nova realidade processual que veio se inserindo gradativamente em nosso sistema jurídico, mediante iniciativa de alguns tribunais, consoante já
exposto, e agora se consolida com a publicação da nova Lei. Diversos autores já vinham
proclamando a possibilidade/necessidade de se ampliar a utilização dos meios eletrônicos
293 BENUCCI, Renato Luis, op. cit.,p. 52.
294 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 26.
295 Idem, Ibidem.
352
Revista ESMAC
como meio de aperfeiçoamento da Justiça, antevendo as mudanças que se avizinhavam.296
Segundo nosso entendimento, a partir dos dados obtidos para essa pesquisa e da nossa
experiência profissional, a implantação do processo virtual em todas as varas só é questão
de tempo.
Sendo assim, a tecnologia da informação, aliada ao Direito, é o instrumento, hoje
utilizado pelo mundo jurídico, mais promissor para a solução de conflitos, posto que com
o advento da Lei n.º 11.419/2006, a qual implantou o processo eletrônico no Ordenamento
Jurídico brasileiro, a prática vem se consolidando ainda mais pelo fato de ser capaz de expressar uma resposta estatal rápida e eficaz.
A assertiva se confirma, através da resolução do problema da morosidade apresentada pelo Poder Judiciário diante das soluções dos litígios apresentados, como aponta
Benucci:
Assim, uma das vertentes para se atacar o grave problema da lentidão processual passa
pelo uso da tecnologia da informação, que é capaz de proporcionar soluções de real alcance
prático, com maior celeridade processual, sem o risco de comprometimento das garantias do
devido processo legal.297
E, em um arremate brilhante, o renomado doutrinador coloca:
Nesse sentido, a aplicação da tecnologia da informação ao processo judicial pode ser
entendida como um amálgama entre os mecanismos judiciais e extraprocessuais de aceleração processual. É, por um aspecto, um mecanismo extraprocessual de aceleração processual
porque se baseia na utilização de softwares, equipamentos e máquinas externos ao processo.
Entretanto, por outro prisma, também se caracteriza como um mecanismo judicial de aceleração do processo por implicar mudanças no iter processual e no modo de realização dos
atos processuais.298
Desta forma, verifica-se que a tutela jurisdicional prestada de forma rápida, com o
uso da tecnologia da informação, se presta a efetivar as pacificações dos conflitos postos ao
seu crivo. O importante não é apenas proferir uma sentença ou uma decisão judicial, mas que
este ato sirva para alcançar a paz social.
Acerca da mudança que ocorrerá no andamento processual com a implantação do
sistema informatizado, Tejada299 exemplifica de modo didático como vemos no quadro a
seguir:
296 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, op. cit., p. 84/85.
297 BENUCCI, Renato Luis, op. cit., p. 58.
298 Indem, p. 59.
299 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. STF vai implantar processo eletrônico para agilizar tramitação dos processos. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/noticias/x/93/87/9387/.
353
Hoje
•
Amanhã
O advogado ajuíza a ação no fórum:
- atendimento do cliente no escritório
- coleta e cópia de documentos
- redação e impressão da petição
- montagem do processo
- escolha de data e hora para ir ao fórum
- deslocamento ao fórum
•
O advogado ajuíza a ação via internet:
- atendimento do cliente no escritório
- coleta e digitalização de documentos
- redação da petição
- envio do processo “on line” ao tribunal
•
O protocolo do tribunal recebe o pro•
O protocolo do tribunal recebe o processo:
cesso:
- o funcionário recebe e classifica o processo;
- protocolo eletrônico recebe o processo
- protocola o original e as cópias;
- sistema operacional processa toda a rotina ne- entra no sistema e cadastra o autor e o pro- cessária para a distribuição do processo
cesso;
- carimba todas as folhas com numeração e rubrica;
- fura as folhas, coloca grampos, etique-tas e a
capa no processo;
- distribui no sistema;
- faz a juntada de todos os documentos;
- faz a guia de remessa para autuação;
- o setor de autuação envia para distribuição;
- a distribuição classifica o tipo de petição e envia
aos setores especializados;
- os setores fazem a triagem para envio ao gabinete do Juiz (a)
• O Juiz (a) recebe o processo em sua mesa:
• O Juiz (a) recebe o processo em sua tela de
computador:
- defere ou não eventual pedido de liminar
- defere ou não, “on-line”, eventual pedido de
- anexa ao processo sua decisão
liminar, com cópia para todos os interessados inclu- envia sua decisão à secretaria judicial para cita- sive citando as partes
ção das partes
- distribui para o oficial de justiça
- distribui para o oficial de justiça
- oficial de justiça intima e devolve a cópia do
- oficial de justiça intima e devolve a cópia do mandado com o recibo de citação que é digitalizado
mandado com o recibo de citação ao protocolo e impostado no sistema virtual.
do tribunal que recomeça todo o andamento neA decisão é enviada, via internet, à Imprensa Oficessário.
cial para publicação no Diário Oficial. “on-line”
A decisão é copiada e enviada à Imprensa Oficial
para a publicação no Diário Oficial “on-line”
Neste exemplo o autor sintetizou as vantagens da implantação do processo virtual.
354
Revista ESMAC
1.1– PRINCÍPIOS
Apresentamos, a seguir, como serão otimizados e garantidos alguns princípios que
regem o Processo Civil com a adoção do Processo Eletrônico.
1.1.1 - Devido Processo Legal
Sabe-se que várias são as facetas do Princípio do Devido Processo Legal, dentre
elas queremos destacar a de que é este é um processo efetivo, que materializa o direito posto
à apreciação do Magistrado.
O ilustre doutrinador Dinamarco, acerca da efetividade do processo, coloca seus
objetivos como forma de eliminar insatisfações,
A efetividade do processo, entendida como se propõe, significa a sua almejada aptidão a
eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de
educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos
nos destinos da sociedade e assegurar-lhe a liberdade.300
Através de um processo judicial busca-se resolver as lides postas ao crivo do Judiciário, razão pela qual o processo necessita ser efetivo, ou seja, espera-se que resolva
realmente a situação, dê o bem da vida a quem de direito e não apenas apresente paliativos
que nada resolvem.
Didier, representando a doutrina moderna do direito processual, esclarece acerca
do Processo Judicial:
Trata-se da velha máxima chiovediniana, segundo a qual o processo deve dar a quem
tenha razão o exato bem da vida a que lê teria direito, se não precisasse se valer do processo
jurisdicional. O processo jurisdicional deve primar, na medida do possível, pela obtenção
deste resultado (tutela jurisdicional) coincidente com o direito material.301
Veja-se, se o Estado assumiu o papel de servir a sociedade, prestando uma tutela
jurisdicional, a qual substitui a autotutela de interesses, a deve prestar da melhor forma possível e da maneira que seja aprovada por aqueles que têm razão e se submetem ao EstadoJuiz.
Ao submeterem o julgamento da lide ao Estado-Juiz, as partes se deparam com o
seguinte problema: em quanto tempo dará o bem da vida a quem tem razão? Este é hoje um
dos maiores problemas enfrentados pelo Judiciário, ou seja, a demora em emanar do EstadoJuiz a solução de conflitos.
Criticando o atual procedimento ordinário Marinoni, defensor da introdução
da tutela antecipatória no direito brasileiro, um dos institutos dos quais lançaram mão o
legisladores no intuito de proporcionar uma tutela jurisdicional mais célere, preleciona o
seguinte:
300 DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalidade do processo. P. 271.
301 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, p. 54.
355
A morosidade da prestação jurisdicional, oriunda, como é sabido, das mais diversas
causas, também está ligada à ineficiência do velho procedimento ordinário, cuja estrutura
encontrava-se superada antes da introdução da tutela antecipatória no Código de Processo
Civil.302
Como dito alhures, por Benucci, “a efetividade do processo está, assim, intimamente ligada à tempestividade do mesmo”.303
De fato, não fossem as tutelas de urgência, a prestação jurisdicional intempestiva
privaria o cidadão do seu direito, pois ficaria apenas contando com a boa fé da parte contrária, o que na maioria das vezes não ocorre.
1.1.1.1 – Devido Processo Legal em sentido material (substantive due process)
Iniciemos esse subitem com Nery Junior, ao discorrer sobre o Devido Processo
Legal Substancial:
O conceito de “devido processo” foi-se modificando no tempo, sendo que doutrina e jurisprudência alargaram o âmbito de abrangência da cláusula, de sorte a permitir a interpretação
elástica, o mais amplamente possível, em nome dos direitos fundamentais do cidadão.304
Entende-se desta forma que o devido processo legal, recomendado como o
princípio norteador do processo, antes visto como o poder de privar o agente de seus bens ou
sua liberdade, agora também é visualizado sob o prisma da defesa dos direitos fundamentais
do cidadão.
Isso, porque as decisões judiciais hão de ser substancialmente devidas, e para tanto
é preciso que as mesmas sejam razoavelmente corretas.
Larenz, brilhantemente delineou os motivos que levaram a criação deste princípio,
quando aduz:
A amplitude com que a jurisprudência dos tribunais faz uso deste método explica-se, especialmente, pela ausência de uma delimitação rigorosa das hipóteses normativas destes direitos, a não
indicação de notas distintivas, em relação, por exemplo, ao que é ‘exigível’. Os direitos, cujos
limites não estão fixados de uma vez por todas, mas que em certa medida ‘são abertos’, ‘móveis’,
e, mais precisamente, esses princípios podem, justamente por esse motivo, entrar facilmente em
colisão entre si, porque a sua amplitude não está de antemão fixada. Em caso de conflito, se quiser
que a paz jurídica se restabeleça, um ou outro direito (ou um dos bens jurídicos em causa) tem que
descer até um certo ponto perante o outro ou cada um entre si. A jurisprudência dos tribunais consegue isto mediante uma ‘ponderação’ dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme
o ‘peso’ que ela confere ao bem respectivo na respectiva situação.305
302 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª Ed, p. 2002.
303 MARINONI, Luiz Guilherme appud, BENUCCI, Renato Luis. op. cit., p. 20.
304 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 7ª ed. p. 37.
305 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3ª ed. p. 587
356
Revista ESMAC
1.1.2 – Da razoável duração do processo
Didier aponta a necessidade de um processo tempestivo, célere, como um direito
fundamental a um processo sem dilações, afirmando o ilustre doutrinador que “a discussão
sobre a existência ou não deste direito fundamental acabou, tendo atualmente utilidade
meramente histórica”.306
Dando continuidade aos argumentos em defesa dos meios eletrônicos como forma
de agilizar as demandas jurídicas, vejamos a pertinente colocação de Piovesan apud Didier
Junior:
A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais,
de que o Brasil é parte, conferindo-lhe hierarquia de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo de direitos
constitucionalmente previstos, o que justifica estender a estes direitos o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais.307
Tal assertiva se dá em razão do Brasil ser signatário da Convenção Interamericana
de Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, o qual em seu art. 8, I preceitua:
Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo
razoável, por um Juiz (a) ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para
que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, fiscal ou de qualquer
natureza.
Como se observa, sendo o Brasil signatário do Pacto de San José, bem como o fato
de a Constituição dar status hierárquico aos tratados internacionais os quais assina, em especial aqueles que versam sobre direitos humanos, a duração razoável de um processo passou
a ser um direito fundamental do cidadão brasileiro.
Entretanto, referida norma fica chamuscada com o problema da tutela jurisdicional
intempestiva, que deixa de ser efetiva. O processo deixa a sua razão de ser se a decisão judicial retarda o tempo suficiente, pois que torna o pronunciamento judicial desnecessário ou
irrelevante pelo decurso do tempo e o rumo irreversível que as coisas tomaram.
O processo eletrônico deixa de ser visto somente do prisma da transparência dos
atos judiciais, também se apresentando como um processo célere que atende aos anseios da
sociedade em ter uma tutela jurisdicional tempestiva.
Tejada, dissertando sobre o assunto, elucida que:
O processo eletrônico constitui-se uma das ferramentas mais eficazes de combate à burocracia do processo e à morosidade processual. Em torno de 70%, do tempo do processo é
perdido com atos meramente ordinatórios. São certidões, protocolos, juntadas, registros, costuras, carimbos e uma infinidade de procedimentos burocráticos. Pois o processo eletrônico
automatiza e realiza esses atos em frações de segundos, quando não os abole integralmente.
Assim, o processo se transforma todo ele em tempo nobre, em atividade típica.308
306 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, p. 57
307 PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4ª Ed, p. 79.
308 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. A verdadeira reforma do Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
357
1.1.3 – Igualdade
O Princípio da Igualdade assegurado constitucionalmente, visa a proporcionar a
todos neste país o mesmo tratamento, sem qualquer distinção. Então, estando na mesma
situação, dois indivíduos devem receber tratamento igualitário.
Outra faceta do Princípio da Igualdade, entretanto, é de dar tratamento desigual aos
desiguais na medida em que se desigualam perante as regras legais.
Retomamos, portanto, acerca do acesso à Informática e sua relação com Principio
da Igualdade, apresentando a visão otimista de Clementino:
Não obstante a dificuldade de acesso à internet pelas partes, sempre haverá a oportunidade de se acelerarem os atos processuais relativos ao Autor e ao Réu com defensor constituído, intimando-se via internet. Impõe-se salientar que em se tratando de Processo Judicial,
em que se exige a intervenção de Advogado, tal condição acaba por nivelar as partes também
quanto ao aspecto de promover a inclusão digital, haja vista que o profissional do Direito, via
de regra, encontra-se bastante familiarizado com o uso de novéis tecnologias.309
Concordo com o autor citado, uma vez que é impossível imaginar hoje em dia
um advogado ou defensor público alheio ao uso da informática e à rede de informações.
Ademais, com raras exceções, é vedado à parte peticionar em juízo sem a representação por
profissional habilitado.
1.1.4 – Contraditório e ampla defesa
O contraditório, princípio inerente às partes em um processo, se baseia na oportunidade que tem a parte para se manifestar quanto à pretensão aduzida pela outra, ou com
relação a qualquer documento acostado pela parte ex adversa.
Sobre o assunto, Didier preleciona:
O contraditório é inerente ao processo. Trata-se de princípio que pode ser composto entre
duas garantias: participação (audiência; comunicação; ciência) e possibilidade de influência
na decisão. Aplica-se o princípio do contraditório, derivado que é do devido processo legal,
nos âmbitos jurisdicional, administrativo e negocial.310
Segue o ilustre doutrinador argumentando que: “democracia no processo recebe o
nome de contraditório”.311
Para o renomado autor, representante da doutrina moderna, o contraditório se caracteriza pela possibilidade da parte influenciar na decisão do processo e não apenas de ser
ouvida, vejamos:
Disponível em http://www.cnj.gov.br/index.php?Itemid=167&id=3149&option=com_content&task=view. Acesso em
27/06/2008
309 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, op. cit., p. 137
310 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, p. 58.
311 Idem, ibidem.
358
Revista ESMAC
Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão do Magistrado – e
isso é poder de influência, poder de interferir na decisão do Magistrado, interferir com argumento, interferir com idéias, com fatos novos, com argumentos jurídicos novos; se ela
não puder fazer isso, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso:
o contraditório não se implementa, pura e simplesmente, com a ouvida, com a participação;
exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo
da decisão.312
Portanto, é impossível pensar em um processo judicial desprovido do contraditório.
De fato este princípio norteia todos os atos praticados no processo. É a pratica diária do juiz,
ouvir as duas partes antes do veredicto, no intuito de garantir que as partes estão agindo de
boa fé.
Segundo Clementino:
Esse princípio materializa-se na exigência de o Processo dever respeitar a necessidade
de se oferecer ao acusado em qualquer situação a oportunidade de defender-se contra as
acusações sofridas e garantir-lhe o acesso a todos os instrumentos que possam propiciar-lhe
a sua defesa.313
E, arrematando, Edilberto Clementino ainda enfatiza:
Assim explicitado, verifica-se que a adoção do modelo Virtual de Processo amolda-se ao
primado da Ampla Defesa e Contraditório, haja vista que a migração do atual sistema para o
Processo Eletrônico é a utilização da velha e conhecida fórmula com nova roupagem, agora
em Bits.314
Vislumbra-se que com a informatização do processo, o processo eletrônico não
aparece como um limitador de princípios, mas se amolda perfeitamente aos princípios constitucionais e infraconstitucionais vigentes, sem necessidade de qualquer engenharia jurídica,
o que pode ser constatado com a ampla defesa e o contraditório.
1.1.5 – Publicidade
O princípio da publicidade, positivado na Constituição Federal, e aplicável em
todas as esferas de poderes, é fruto do Estado Democrático de Direito, vez que este não se
coaduna com o secreto, com o que não é notório, mas sim com as coisas às claras. Sendo o
governo do povo, nada mais justo que seja dada oportunidade para que todos saibam como
anda o funcionamento da justiça.
Em razão deste princípio todos os atos jurisdicionais, em regra, são públicos, excetuados aqueles sobre os quais impera o segredo de justiça, mas em um estado democrático
de direito, como dito alhures é uma exceção, e, segundo o art. 5º, LX da Constituição Federal:
312 Idem, Ibidem.
313 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, Processo Judicial Eletrônico, p. 144 - 145.
314 Idem, p.146.
359
Art. 5º, LX. A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa
da intimidade ou o interesse social o exigirem.
A publicidade dos atos é tão presente na nossa rotina forense que nem nos damos
conta do seu alcance, a exemplo do que acontece nos atos processuais solenes, como nas
audiências, os quais são praticados às portas abertas.
Nelson Nery Junior, acerca do princípio da publicidade, ensina:
Outra garantia Processual dada pela CF é a da publicidade dos atos processuais, estipulada no art. 5º, n. LX, e art. 93, n. IX. Segundo o art. 5º, n. LX, “a lei só poderá restringir a
publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. E o art. 93, n. IX, dispõe que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos...”. O que no sistema revogado era garantia processual passou a ser garantia
constitucional, em face das novas disposições da Carta Magna a respeito da publicidade dos
atos e das decisões dos órgãos do poder judiciário.315
Como dito anteriormente, a publicidade, muito embora seja uma garantia constitucional, não quer dizer que seja absoluta, pois que quando posta em confronto com outra
garantia constitucional poderá vir a ser excetuada, como pode ocorrer nas ações que são processadas em segredo de justiça, a exemplo do que do caso das ações de alimentos e separação judicial, bem como nas ações em que por conveniência da instrução processual tramitam
em segredo de justiça na seara criminal, como é o caso das quebras de sigilo bancário, entre
outras.
Portanova (data), com a notória maestria que lhe é peculiar, acerca do princípio da
publicidade, comenta:
A publicidade não é absoluta. A Constituição Federal (art. 5º, inc.X) considera “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas assegurando o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Nesse passo, o interesse público que embasa a regra da publicidade, em algumas hipóteses pode estar melhor
resguardado se o conhecimento do processo for “a portas fechadas”.316
No tocante a adaptação do Princípio da Publicidade ao processo eletrônico, em
nosso pensar sentir, ocorrera uma ampliação. Acreditamos que, com a difusão dos meios
eletrônicos de comunicação, em especial a internet, a amplitude da publicidade dos atos processuais e administrativos, tornam-se ainda maior, como podemos pudemos verificar, ver o
que ocorrera recentemente, com o caso dos cartões corporativos, que mediante a publicação
no sítio da Controladoria Geral da União tornou-se conhecida para brasileiros a forma com
que se gastava o dinheiro público.
No tocante a adaptação do Princípio da Publicidade ao processo eletrônico, em
nosso pensar sentir, ocorrera uma ampliação. Acreditamos que, com a difusão dos meios
eletrônicos de comunicação, em especial a internet, a amplitude da publicidade dos atos processuais e administrativos, tornam-se ainda maior, como pudemos verificar, recentemente,
com o caso dos cartões corporativos, que mediante a publicação no sítio da Controladoria
315 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 7ª ed. p. 172.
316 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3ª ed. p. 169..
360
Revista ESMAC
Geral da União tornou-se conhecida para brasileiros a forma com que se gastava o dinheiro
público.
Ressaltamos, ainda, que a publicidade do Processo Eletrônico é totalmente adequada para o caso dos processos que tramitam em Segredo de Justiça, pois nestes casos o
acesso será limitado apenas aos advogados das partes, juiz, promotor e servidores públicos
que manuseiam os autos, bloqueando o acesso dos demais.
Acerca da adaptação deste princípio ao novo modelo de processo, Clementino esclarece que:
Esse princípio em especial é amplamente atingido no novo modelo que surge, mormente
pela ampliação do acesso ao conteúdo das decisões judiciais, mantidas as devidas ressalvas
(como não poderia deixar de ser) em relação aos casos em que há segredo de justiça.317
Segundo Didier, “Os atos processuais devem ser públicos. Trata-se de direito fundamental que visa permitir o controle da opinião pública sobre os serviços da justiça, máxime sobre o poder de que foi investido o Juiz”.318
E por sua vez Clementino aduz :
Além do objetivo da publicidade geral (extra partes), há que se observar outra faceta sua,
que é a de levar ao conhecimento das partes o conteúdo das decisões proferidas no Processo,
para que tomem as providências que lhe dizem respeito, bem como, para que tenham conhecimento das manifestações da parte adversa.319
Como se pode observar e muito bem lembrado por Clementino a publicidade tem
ainda uma finalidade endoprocessual, qual seja a de cientificar as partes das decisões proferidas dentro do processo, como também de cientificar a parte da manifestação realizada pela
outra.
1.1.6 – Do acesso à Justiça
Prescreve o art. 5º da Constituição Federal, em seu inciso XXXV, que: “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito”. Com isso,
tem-se que a jurisdição é inafastável, exercendo-se o direito de ação, o qual tem como instrumento justamente o processo judicial.
Nery Júnior citando Pontes de Miranda, acerca do princípio do acesso à justiça,
preleciona:
Embora o destinatário principal desta norma seja o legislador, o comando constitucional
atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que
o jurisdicionado vá a juízo deduzir a sua pretensão.320
317 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. op. cit., p. 148 - 149.
318 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, p. 58.
319 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. op. cit., p. 148 - 149.
320 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 7ª ed. p. 98
361
Com a adoção do novo modelo de processo, o acesso à justiça foi ainda mais
elastecido, posto que com o avanço tecnológico aplicado ao processo judicial, um usuário
de um Município no qual ainda não foi implantada uma Comarca, pode ajuizar uma ação na
Comarca a qual está submetido à jurisdição, sem precisar se deslocar.
Para Clementino:
O atendimento ao Acesso à Justiça pelo Processo Judicial Eletrônico se manifesta do
seguinte modo:
a) Garantia de pleno acesso ao Judiciário, sem criação de quaisquer obstáculos que o
dificultem;
b) Ampliação de facilidades para a concretização dos interesses judicialmente buscados;
c) diminuição dos custos do processo, facilitando o Acesso à Justiça por um número
maior de indivíduos sem condições econômicas de litigar em Juízo.321
Portanto, para o ilustre doutrinador, implementando-se o Processo Judicial Eletrônico, segundo os argumentos enumerados, o acesso à justiça se tornará muito mais ágil e
acessível para as pessoas, corroborando com o princípio democrático de isonomia.
Ressalta-se aqui o papel que as Defensorias Públicas vêem atualmente desempenhando, em especial em estados como o nosso, o Acre, onde podemos contar com uma
Defensoria Pública forte e bem estruturada o que por si só facilita o acesso à justiça pela
camada mais pobre, a qual também será beneficiada com a implantação do Processo Judicial
Eletrônico.
1.1.7 – Celeridade e economia processual
O processo judicial, nos dias atuais, tornou-se um mal necessário ante a morosidade da justiça. Antes de se ajuizar uma ação o autor que tem razão o encara, pois lhe
falta outro meio para a solução de sua pretensão, entretanto, não porque sabe que terá uma
solução rápida para o seu problema, o que é mudado de sobremaneira quando se adota o
processo eletrônico.
Desta feita, o princípio da celeridade consiste em que a marcha processual até o
julgamento da lide deve ser o mais ágil possível, sem se ater a incidentes inúteis.
Didier Junior, sobre os princípios da celeridade e economia processual, assevera
que:
O processo é um mal, além de ser técnica de realização do direito substancial. Daí porque,
o raciocínio há de ser sempre o de se evitarem incidentes inúteis, diminuindo-se, por exemplo, as hipóteses de nulidades processuais, aproveitando os atos processuais já praticados.
Visa-se obter o maior resultado possível com o mínimo de atividade.322
Importante ressaltar que os princípios da celeridade processual, bem como o da
economia processual, estão intimamente correlacionados ao passo que, Portanova, ilustre
321 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. op. cit., p. 153/154.
322 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, p. 68.
362
Revista ESMAC
estudioso do direito, afirma que: “A celeridade é uma das quatro vertentes que constituem
o princípio da economia processual. As outras são economia de custo, economia de atos e
eficiência da administração judiciária”.323
Nesse contexto sobre a celeridade processual, é pertinente trazer à colação seus
objetivos segundo Clementino:
O Princípio da Celeridade dita que o Processo, para alcançar um resultado útil, deve ser
concluído em um lapso temporal razoável, suficiente para o fim almejado e rápido o bastante
para que atinja eficazmente os seus três objetivos:
a) o de solução do conflito, de modo a restabelecer a paz social;
b) a sanção de ordem civil ou penal a ser imposta ao vencido na demanda, com força
corretiva;
c) de prevenir a ocorrência de novas situações da mesma natureza, mediante a demonstração a todos das conseqüências a que se sujeitam os que intentam reproduzir a situação que
gerou manifestação corretiva do julgador.324
Importante é trazer à tona o princípio da economia processual sobre o prisma da
economia de custos. Sobre este aspecto, verificamos que o referido princípio anda lado a
lado com o novo modelo de processo proposto pela Lei n. 11.419/06 (processo eletrônico),
o qual tem como um dos seus prismas a redução dos custos, exorbitantes, impostos ao Judiciário para que se mantenham todos os trâmites processuais de um processo Judicial.
Como já exposto neste trabalho, a redução de custos no processo eletrônico é incomparável em relação ao tradicional. Com esse processo célere, a economia de custos é
visível e incomensurável. Exemplo é o que ocorre com as intimações no modelo antigo,
neste são empreendidos vários esforços para que a intimação chegue a seu termo final. Já no
processo eletrônico a intimação se concretiza rapidamente com o envio da comunicação para
o portal do destinatário, bastando que ele o acesse.
No capítulo IV destinado a virtualização do processo na Vara de Execuções Penais
na Comarca de Rio Branco faremos uma demonstração verídica da economia proporcionada
neste tipo de procedimento.
Ainda, acerca da celeridade e da economia processual, Tejada faz considerações
importantes acerca de suas conseqüências, no sentido de atendimento aos cidadãos diretamente e indiretamente, ao reduzir os gastos dos cofres públicos:
Quem ganha com isso é o cidadão, que tem uma prestação jurisdicional mais ágil e transparente, já que os autos podem ser visualizados na internet, em tempo real, de qualquer lugar
do mundo. Os operadores do direito igualmente são beneficiados. Eles também passam a ter
acesso à Justiça 24 horas por dia e sete dias por semana. Não há mais horário de funcionamento. Não há mais portas fechadas para o jurisdicionado.
A economia para os cofres públicos também impressiona. Em breve, não haverá mais
necessidade de prédios imensos e de uma infinidade de armários só para guarda de papéis.
Os servidores hoje dedicados a atividades meramente de estiva poderão ser deslocados para
outras atividades mais gratificantes.
Só no Supremo Tribunal Federal tramitaram, em 2006, aproximadamente 680 toneladas
de papel em recursos extraordinários e em agravos de instrumento. Fossem digitais todos
323 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3ª ed. p. 171.
324 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. op. cit., p. 154.
363
esses processos, teria havido grande economia para os cofres públicos em papéis, energia,
combustíveis.325
O Judiciário anualmente gasta fatia enorme de seu orçamento com materiais de
expediente. Com o Processo Eletrônico, este custo é reduzido consideravelmente, posto que
o processo inicia-se direto no sistema, eliminado os autos em papéis, bem como todos os
cuidados para que este processo seja conservado, pois como se sabe no modelo de processo
antigo o mesmo pode levar até décadas para ser efetivamente julgado.
Corroborando com as argumentações de que toda a sociedade tem a ganhar com a
adoção do Processo Eletrônico, Tejada expõe:
O ganho imediato com o processo eletrônico para o cidadão é a velocidade de seu andamento, cinco vezes mais rápida. Mas existem ainda os chamados “efeitos colaterais” que vão
atingir não só o cidadão jurisdicionado, mas toda a sociedade. Em relação ao meio ambiente,
por exemplo, os ganhos são enormes. Anualmente são iniciados 20 milhões de processos no
Brasil. Estimando-se que um processo tenha a média de 30 folhas, são gastos 600 milhões
de folhas por ano, sem contar os produtos químicos, água e demais insumos necessários à
fabricação de papel. A economia, de imediato, será da própria justiça que poderá investir,
sem onerar o orçamento, na própria justiça.
O custo médio da confecção de um volume com 20 folhas, computando-se papel, etiquetas, capa, tinta, grampos e clipes, fica em R$ 20 reais. Ou seja, os 20 milhões de processos
anuais custam ao país R$ 400 milhões.326
Ao que Clementino, arremata:
Sob tal prisma, mais uma vez a adoção do Processo Eletrônico traz vantagens imensas
sobre o Processo tradicional. A distância entre a residência do titular do direito ofendido e
o escritório do causídico, e o Réu, e o Fórum, e o Tribunal e os Tribunais Superiores é a
mesma: um clique do mouse.327
1.1.8 – Oralidade
O referido Princípio da Oralidade a muito foi colocado à margem do direito processual, posto que com o acúmulo das demandas judiciais, se tornou quase impossível a
sua aplicação, entretanto, como sabemos ainda há resquícios quando falamos de juizados
especiais, por exemplo.
Com o surgimento deste novo modelo de processo (processo eletrônico) este
princípio foi ressuscitado, conforme comenta Clementino:
325 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. A verdadeira reforma do Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index.php?Itemid=167&id=3149&option=com_content&task=view. Acesso em
27/06/2008.
326 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. STF vai implantar processo eletrônico para agilizar tramitação dos processos. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/noticias/x/93/87/9387/.
327 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. op. cit., p. 169
364
Revista ESMAC
Diferentemente do que ocorria no passado, diante do avanço dos recursos tecnológicos,
a observância da oralidade não implica na mesma falta de registros, consoante ocorria no
passado. Enquanto que a oralidade resultava na dependência da memória do julgador e do
grupo social que presenciava o julgamento público, ou que dele tivesse notícia, hoje a oralidade já não mais se associa à intangibilidade posterior dessa forma de instrução probatória
[...] a instância recursal pode-se valer da mesma prova coletada pelo Juiz (a) singular, pela
simples gravação em audiências de instrução em arquivos de computador (em formatos MP3
ou similar).328
Sendo assim, a oralidade na prática dos atos é perfeitamente aceitável, posto que
as gravações das manifestações podem ser realizadas através de programas de computador
em arquivos de reprodução de áudio, para serem utilizadas quando da sentença ou outro ato
judicial necessário, prática esta já realizada nas Varas do Judiciário Acreano, havendo inclusive, regulamentação da prática através da Resolução nº XXX do Conselho da Magistratura
do referido Tribunal.
1.1.9 – Instrumentalidade
Baseia-se o referido princípio no ponto em que todo o desenrolar de um processo
judicial visa a uma finalidade prevista na lei.
Sendo assim, ainda que determinado ato não tenha sido praticado da forma que
a lei preconiza, se o seu fim foi alcançado, não deve ser considerado nulo ou anulável só
porque não foi praticado da forma legal.
A instrumentalidade do processo é postulado da doutrina francesa do pas de nullité
sans grief, mediante a qual não se declara uma nulidade se o ato, embora eivado de vício,
atingiu a sua finalidade, sem ter causado prejuízo.
Sobre a instrumentalidade do processo, como princípio, Didier, com maestria, preleciona:
O processo não é um fim em si mesmo, mas técnica desenvolvida para a tutela do direito
material. O processo é realidade formal – conjunto de formas preestabelecidas. Sucede que
a forma só deve prevalecer se o fim para o qual ela foi desenvolvida não lograr ter sido
atingido.329
A crítica que se faz é a seguinte: de que adianta se cercar de um formalismo exacerbado se este não leva ao fim que a norma prescreve. Ao contrário, se o fim foi atingido e o
vício da forma não impede a convalidação do ato, porque não o admitir? Deixar de considerar esta situação, tratar-se-í-a de uma hipocrisia jurídica.
Este princípio se correlaciona com o Processo Eletrônico, como observado por
Clementino quando aduz:
328 Idem, p. 160.
329 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, p. 70.
365
A Utilização do Processo Virtual amplia a efetividade desse Princípio, haja vista que toda
e qualquer forma de melhoria na condução da via processual vem ao encontro do objetivo
maior do Processo que é estabelecer a melhor forma de buscar a solução da lide dentro de
um especo de tempo razoável [...].
Dessa forma, a atenção ao Princípio da Instrumentalidade resta atendida na utilização do
Processo Eletrônico quando são dispensadas formalidades arcaicas e obsoletas em prestígio
da efetividade do Processo. Não se pode olvidar que o Processo é simples meio e não um
fim em si mesmo.330
1.1.10 – Lealdade Processual
Na relação processual, o Estado e as partes unem seus esforços para a solução dos
conflitos e na comunhão destes esforços ambos devem resguardar princípios de honestidade
e boa-fé.
Desta feita, as partes devem pautar-se por uma linha de boa-fé, que deverá ser
seguida até a solução da lide, conforme preconiza o Art. 14, incisos de I a V, do Código de
Processo Civil, que assim dispõe:
Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do
processo:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou
defesa do direito;
Com relação à segurança do Processo Eletrônico, é imprescindível seu questionamento, posto que todos os dias os meios eletrônicos são colocados em check, pois, como nos
informam os periódicos da imprensa, é com facilidade que os hackers invadem os sistemas
bancários dando enorme prejuízos àquelas instituições.
Acerca desse problema, Clementino, nos chama a atenção para uma questão de
ordem primeira quanto à lisura do processo:
Como visto, a utilização da tecnologia das Chaves Assimétricas garante a certeza quanto
à Autenticidade do Documento eletronicamente produzido, assim como quanto à sua integralidade. Todavia, há um ponto que merece particular atenção.
Os documentos relativos aos Atos Processuais, produzidos mediante a utilização da Assinatura Digital, são efetivamente dignos de fé.331
Entretanto, quanto às provas produzidas, o mesmo doutrinador arremata:
Os documentos relativos às provas do direito em discussão, pelo fato de se tratarem de
Documentos no sentido tradicional do termo (lavrados em papel), a sua digitalização está su330 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, op. cit., p. 167/168.
331 Idem, p. 171.
366
Revista ESMAC
jeita a todas as mazelas de que sofre esse meio probatório. Nesse caso, a assinatura eletrônica
apenas garante que após a digitalização não houve qualquer alteração documental, mas não
garante que tal não tenha ocorrido em momento anterior.332
Sendo assim, semelhante ao que ocorre no modelo de processo antigo, o processo
eletrônico fica sujeito a estas mazelas, o que não ocorre quanto ao documento produzido
eletronicamente, este garantido em razão da tecnologia de Chaves Assimétricas.
Neste sentido, verifica-se que no Processo Virtual, além da previsível atuação do
magistrado para garantir a boa fé das partes, o próprio sistema ajuda a garantir esta lealdade,
através dos seus mecanismos inerentes. Isto também reflete na transparência dos atos.
Idem, Ibidem.
367
2. DO MEIO ELERÔNICO DE TRAMITAÇÃO E COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS
Sabe-se que no meio jurídico, como dito alhures, a morosidade do Poder Judiciário, inerente à resolução dos conflitos postos sob sua jurisdição, tem causado transtornos
a sociedade em geral.
Com o advento da Lei n.º 11.419/06, conhecida como Lei do Processo Eletrônico,
vista por nós como mais um meio de aceleração das resoluções das lides apresentadas, busca-se a realização de uma justiça mais efetiva e justa, posto que este novo modelo de processo proposto vai ao encontro dos anseios de todo o mundo jurídico, como já argumentado
em capítulo anterior.
Segundo Tejada, esta Lei levará a verdadeira revolução do Judiciário, como
podemos constatar nas palavras do autor:
A utilização dos meios eletrônicos para a prestação jurisdicional, autorizados pelas leis
11.280/06 e 11.419/06. Essas iniciativas deverão provocar uma revolução na Justiça. Estão
agora autorizados o processo totalmente virtual, sem papel, a utilização do Diário Oficial, as
citações e intimações por meio eletrônico, a certificação digital, a requisição eletrônica de
documentos instrutórios e o cumprimento de sentenças mediante troca de bancos de dados,
entre outras inovações. Na verdade, por meio desse conjunto de medidas legislativas, é que
está sendo implementada a verdadeira reforma do Poder Judiciário.333
Alvim e Cabral Júnior, dissertando acerca da lei n.º 11.419/06, corroboram acerca
da revolução iminente:
A lei 11.419, de 19.12.2006, inaugura, oficialmente, no Brasil, processo eletrônico, impropriamente chamado de “virtual”, que há algum tempo, vem rateando, com tentativas, aqui
e acolá, de agilizar o processo ortodoxo, com a utilização da informática, a mais importante
e fantástica revolução tecnológica do século XX.334
O surgimento do Processo Eletrônico ou Virtual (embora esse último termo seja
inapropriado segundo os autores) no ordenamento jurídico brasileiro, é a mais atual e adequada inovação, quando se apresentam as soluções para retirar do Judiciário a triste pecha
de prestar uma tutela jurisdicional lenta e ineficaz. O processo judicial passa por profundas
transformações quebrando de uma vez por todas com o formalismo exacerbado do Código
de Processo de 1973 que, como já dito anteriormente, está aquém de cumprir as demandas
atuais.
Ao iniciarmos o estudo da referida Lei, verificamos que em seu art. 1º a mesma
faculta aos tribunais a implantação de mecanismos eletrônicos de prestação jurisdicional no
âmbito do poder judiciário em suas várias esferas, o qual expressa: Art. 1.º O uso de meio
eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças
processuais será admitido nos termos desta Lei.
333 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. A verdadeira reforma do Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index.php?Itemid=167&id=3149&option=com_content&task=view. Acesso em
27/06/2008.
334 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. Processo judicial eletrônico. p, 15/16
368
Revista ESMAC
Pois bem, seguindo a proposta nesse trabalho acerca do Processo Eletrônico colacionamos, a seguir, o apontamento de Almeida Filho:
A prática dos atos processuais por meio eletrônico não é novidade no Brasil. Contudo, a
norma recém editada não se apresenta tão simples de ser adotada, a não ser com o grande
trabalho que a doutrina e a jurisprudência deverão apresentar a fim de sanar o grande vazio
que se encontra no texto legal. 335
Para o ilustre doutrinador, embora a lei, em um primeiro momento, intente suprir
os anseios do mundo jurídico, para que a mesma venha a ser efetivamente aplicada dependerá muito da interpretação realizada tanto pelos doutrinadores bem como pelos magistrados
ao a aplicarem ao caso concreto.
2.0 – Abrangência/área de aplicação
A Lei que rege sobre o Processo Eletrônico é aplicável nas esferas cível, criminal e
trabalhista, bem como nos processos dos juizados especiais, conforme consta do § 1º da Lei
n.º 11.419/06, excetuamos aqui o caso do processo de execução cível, uma vez que em razão
do Princípio da Cartularidade (não há execução sem título), se faz necessária a apresentação
material do título, não podendo sequer ser substituído por uma cópia. Este, entretanto, não é
o caso das execuções fiscais, baseadas nas certidões da Dívida Ativa da Fazenda Pública.
Alvim e Cabral Junior afirmam que, “este preceito mais não faz do que viabilizar,
em nível legal, a possibilidade de se realizar o processo judicial pela via eletrônica, compreendendo tanto a comunicação de atos como a transmissão de peças processuais”.336
A comunicação dos atos processuais se faz necessária a todas as partes do processo, e se dá através de intimações ou citações, isso em razão dos princípios do contraditório
de da ampla defesa.
Sendo assim, as intimações, por exemplo, se processariam através de um diário
eletrônico, o que já ocorre em várias unidades da federação.
Com isso, o Estado economizaria tempo e dinheiro, via de conseqüência, dando
celeridade à marcha processual proporcionando uma tutela jurisdicional tempestiva, bem
como disponibilizando o acesso á publicações em qualquer lugar em tempo real.
Registramos aqui que o Tribunal de Justiça do Estado do Acre conta com um Diário
da Justiça, também veiculado via internet, sem prejuízo da divulgação pelo meio impresso.
Referente à comunicação dos atos processuais, ensinam Alvim e Cabral Junior:
A comunicação de atos envolve toda forma de cientificar os partícipes do processo de atos processuais, como a citação e a intimação. A citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender (CPC, art. 213), e a intimação, o ato pelo qual se dá ciência a alguém
dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa (CPC, art. 234). Na citação, trata-se de um ato a ser realizado, como por exemplo, o oferecimento da contestação, enquanto
na intimação, trata-se de um ato já realizado, como, por exemplo, a prolação de uma decisão.337
335 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit.,p. 1838.
336 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 16.
337 Idem, ibidem..
369
Conforme dispõe o Art. 1º da Lei do Processo Eletrônico não somente as comunicações dos atos podem ser realizadas através do meio eletrônico, mas também a transmissão
de dados, que por sua vez pode se processar através da técnica de escaneamento338, passando
a ser um arquivo digitalizado.
O art. 1º, § 2º da Lei 11.419/06 dispõe o seguinte:
“ § 2º. Para o disposto nesta Lei, considera-se:
I - meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e
arquivos digitais;
II - transmissão eletrônica toda forma de comunicação à distância com a utilização de
redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores;
III - assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:
a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora
credenciada, na forma de lei específica;
b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos
órgãos respectivos.”
Dissertando sobre o § 2.º Almeida Filho, esclarece:
A fim de entendermos o que se trata por meio eletrônico, o parágrafo segundo apresenta as
hipóteses assim consideradas, qualquer armazenamento de tráfego de informações por meios
eletrônicos será considerado, para os efeitos da Lei, meio eletrônico.339
Sendo assim, considera-se meio eletrônico, qualquer forma de amarzenamento de
dados, e, aqui podemos incluir os programas de automação utilizados pelo Poder Judiciário
em todo país.
Bollmann (apud Clementino) nos informa, acerca do armazenamento, que:
Armazenamento de Dados: as informações são guardadas em duas formas, a primeira,
em arquivos no formato gerenciador da base de dados (gerenciador de banco de dados “open
source”) e a segunda, usada para imagens digitalizadas, em arquivos formato PDF.340
Ou seja, em se tratando de Processo Eletrônico, ou as informações originariamente
são direcionadas ao meio eletrônico de armazenamento de dados ou posteriormente os documentos são digitalizados em formatos de arquivo em PDF.
Considera-se transmissão eletrônica toda forma de comunicação de atos através de
redes de comunicação, aqui o legislador, prefere que seja utilizada a internet ou rede mundial
de computadores, conforme consta do inciso II do § 2º do Art. 1º.
Para ter acesso ao Processo Eletrônico é necessário que o usuário seja cadastrado
e possua uma assinatura digital, esta utilizada como forma de autenticar o usuário junto ao
sistema, como dispondo no III do § 2º do art. 1º.
Alvim e Cabral Junior, acerca da garantia que a assinatura eletrônica pode dar
segurança ao procedimento eletrônico, com maestria, argumentam: “a assinatura eletrônica
338 Idem, ibidem.
339 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit.,p. 186.
340 BOLLMANN, Vilian, apud CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, op. cit., p. 74.
370
Revista ESMAC
é um modo de garantir que o documento é proveniente do seu autor e que seu conteúdo está
íntegro, pois a criptografia assimétrica cria um vínculo entre a assinatura e o corpo do documento”.341
Desta forma, respondendo a alguns questionamentos acerca da confiabilidade do
Processo Eletrônico, no tocante ao reconhecimento do usuário do sistema, a proposta da
assinatura eletrônica vem colocar termo quanto à garantia de lisura ao Processo. Com a assinatura eletrônica é possível a identificação dos autores dos documentos remetidos por meio
eletrônico.
Entretanto, sabe-se que o fato de se ter uma assinatura eletrônica, não implica dizer
que seria realmente o usurário cadastrado que estivesse usando o sistema, posto que a senha
pode ser extraviada, ou até mesmo emprestada pelo usuário, no entanto, pensamos que essa
é uma responsabilidade que se supõe inerente ao cargo.
Enfim, o uso da assinatura eletrônica se apresenta necessário para o envio de recursos, petições e atos processuais, com a finalidade de identificar o autor dos referidos atos
processuais.
Alvim e Cabral Junior, acerca do credenciamento de usuários, enfatizam:
Para efeito da prática de atos processuais e remessa de peças por meio eletrônico, é obrigatório o credenciamento prévio do remetente no Poder Judiciário, a se disciplinado pelos
órgãos respectivos (...) a adoção desse sistema de transmissão de dados permite que qualquer
pessoa, seja ou não advogado, possa fazê-la em nome e por conta do remetente, dispensando
assim o papel e a assinatura.342
Desta forma, como dito anteriormente, é necessário o prévio cadastramento/credenciamento do usuário junto ao Poder Judiciário para o envio de documentos. Embora isso
possa servir de um maior controle, não garante que seja a pessoa em nome da qual está se
processando o envio dos documentos, que efetivamente os tenha enviado, pois como aponta
o renomado autor qualquer pessoa pode fazer isso em seu lugar. Entretanto, insistimos em
que, caso o usuário permita que outra pessoa se utilize de sua senha, a responsabilidade continua sendo a sua. E mais, não vemos no instrumental utilizado, seja ele o tradicional ou via
eletrônica, que garanta a lisura do profissional.
Estabelece o § 1º do art. 2º da Lei n.º 11.419/06 que o credenciamento dos usuários
obedecerá a um procedimento, onde será averiguada a identificação presencial dos mesmos,
ou seja, o credenciamento será pessoal e não on-line, o usuário terá que se deslocar à repartição competente para o cadastramento, quando então pessoalmente, será identificado.
Como dito anteriormente, para que a pessoa credenciada tenha acesso ao sistema
eletrônico, será registrada em favor do mesmo uma senha, com a qual o usuário terá acesso
ao sistema, conforme o disposto no § 2º do art. 2 da Lei n.º 11.419/06, o qual expressa: §
2º. Ao credenciado será atribuído registro e meio de acesso ao sistema, de modo a preservar
o sigilo, a identificação e a autenticidade de suas comunicações. Bem como delegará a ele
qualquer responsabilidade pelo uso indevido, como a perda ou empréstimo da senha.
Mais uma vez recorremos a Alvim e Cabral Junior, para respaldar nossos argumentos. Vejamos, segundo os autores sobre o objetivo dessa regra:
341 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 20/21.
342 Idem, p. 24
371
O objetivo dessa regra é possibilitar que a pessoa credenciada tenha acesso ao sistema
eletrônico, devendo ele, uma vez registrado, receber determinado número e senha, com a
qual entrará no sistema; tudo nos estilo do sistema utilizado pelos bancos. O registro e meio
de acesso devem ser feitos de molde a preservar o sigilo, a identificação e a autenticidade de
suas comunicações, o que já é garantido pelo sistema do ICO-Brasil.343
2.1 - Da prática dos atos processuais
O legislador ao dispor sobre a pratica dos atos processuais na forma eletrônica
estabeleceu que os mesmos reputar-se-ão à sua realização, ou seja, dia e hora do seu envio
ao sistema do Poder Judiciário. E, quando a petição eletrônica for enviada para atender determinado prazo processual, este será verificado, para efeito de tempestividade se enviado
até 24 (vinte e quatro) horas do seu último dia.
Diferentemente do que dispunha o Código de Processo Civil que em seu art. 172:
“os atos processuais realizar-se-ão em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas”, no processo virtual os atos processuais podem ser praticados 24 (vinte e quatro) horas por dias.
Isto tende a melhorar o acesso das partes a todos os atos processuais, bem como aumenta a
possibilidade das partes exercerem o Princípio do Contraditório e a Ampla Defesa.
Tomemos como exemplo a parte que não consegue protocolar a sua defesa até
o fechamento do protocolo integrado do Tribunal de Justiça do nosso Estado, qual seja às
18,00 (dezoito) horas do último dia. Esta parte terá 6 (seis) horas a mais para praticar o ato
e enviar via internet no caso do processo virtual.
Alvim e Cabral Junior, sobre o assunto, aduzem:
O prazo é, sabidamente, o limite do tempo para a prática do ato processual, variando conforme se trate de prazo legal, judicial ou convencional. Nestes casos, o ato deve ser praticado
dentro do prazo, sendo consideradas tempestivas as petições eletrônicas que chegarem ao
seu destino até às 24 horas do último dia, o que significa até às 23h 59m 59s, antes, portanto,
da zero hora do dia imediato.344
Há autores, como José Carlos de Araújo de Almeida Filho, que entendem que o
Processo Eletrônico fere o princípio da igualdade e isonomia, pois como diz o autor veja-se:
“(...) neste sentido, quem se utiliza do Processo Eletrônico possui uma diferenciação, ferindo
princípios de igualdade e isonomia, em assim sendo, violando-se de forma literal o art. 5º,
caput, da Constituição”.345
Não concordamos com este posicionamento porque, como já foi colocado anteriormente, uma vez que a parte tem que ser representada em juízo por um profissional e levandose em conta que todos estes profissionais, com raríssimas exceções, dispõe de acesso aos
sistemas de informação, entendemos que o princípio da igualdade é respeitado neste novo
procedimento. E mais, vimos nesse meio, uma forma de melhor atender a sociedade, portanto, o atendimento mais ágil como forma de dar conta das enormes demandas se reverterá
em ganho de tempo até para os não usuários. Ou seja, não entendemos porque um serviço
343 Idem, p. 25
344 Idem, p. 27.
345 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 215.
372
Revista ESMAC
não deva ser implantado em nome de uma minoria em detrimento da maioria, posto que a
agilidade processual não visa atender alguns, mas sim todo o sistema jurídico. E indo mais
além em nossa argumentação, se a implantação predispõe que essa é a norma, podemos inferir que haverá por parte de todos os poderes, empenho para que todos os usuários tenham
acesso o mais rapidamente possível.
E, finalizando este subtítulo, retomemos o renomado autor em sua preleção:
A situação se agrava porque o Processo Eletrônico é atribuído, indistintamente, aos processos civil, do trabalho e penal, além dos juizados especiais. Quanto aos juizados especiais,
por força do art. 24, X, há competência concorrente entre estado e União para legislar sobre
seu funcionamento. Se em virtude do parágrafo primeiro, do art. 24 da constituição, em
matéria de competência concorrente, a União se limitará a legislar sobre aspectos gerais, não
poderia a Lei do Processo Eletrônico ser taxativa, impingindo o recebimento até as 24 horas
do último prazo. 346
Sendo assim, verifica-se, através do posicionamento do referido autor, o termo
estabelecido na Lei do Processo Eletrônico para o envio de petições tempestivas, é incongruente, posto que a competência para legislar sobre a organização dos judiciários estaduais
é dos próprios Tribunais de Justiça.
2.2 – Do protocolo eletrônico
Usualmente, nos cartórios judiciais, a cada recebimento de qualquer documento,
lança-se no corpo do mesmo o protocolo, o qual indica a hora e o dia do recebimento do
documento e o servidor que o recebeu.
Entretanto, tratando-se de Processo Eletrônico, há que haver mudanças de todas
as ordens e também a que se refere ao o protocolo se faz necessário, dando surgimento ao
Protocolo Eletrônico.
Sobre o assunto, Alvim e Cabral Junior, aduzem:
O protocolo eletrônico é o conjunto de regras, padrões e especificações técnicas que
regulam a transmissão de dados entre computadores por meio de programas específicos,
permitindo a detecção e correção de erros, conhecido é visto também como protocolo de
transmissão de dados. O protocolo eletrônico é visto também como o documento que garante
que a remessa foi recebida com sucesso, possibilitando ao remetente que imprima o protocolo e guarde o seu comprovante de envio.347
Todo ato praticado pelo ser humano é suscetível a falhas, propositais ou não. Isto no caso de
protocolamento de petições pode ter conseqüências trágicas, como no caso de defesa intempestiva. O
protocolo integrado reduziu muito a possibilidade de erros, uma vez que as petições são autenticadas mecanicamente. Com o Processo Virtual a segurança é bem maior, posto que as petições são protocoladas
em tempo real e o controle do horário de entrada das mesmas passa a ser realizado pelo próprio sistema.
346 Idem, ibidem.
347 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 26
373
2.3 – Da comunicação eletrônica dos atos processuais
A Lei do Processo Eletrônico, em seu art. 4º, estabelece a prerrogativa dos Tribunais criarem o Diário da Justiça Eletrônico, vejamos:
Art. 4º Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da
rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios
e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.
Com a criação do Processo Eletrônico a comunicação dos atos processuais, a qual,
hoje, se da através das intimações, será processada por meio do Diário da Justiça Eletrônico,
disponibilizado na internet, onde todos os interessados terão livre acesso.
Antes da criação da Lei, em alguns Estados da Federação, disponibilizava-se o
Diário da Justiça Eletrônico, mas paralelamente a este, ou vice-versa, também circulava o
diário da justiça na forma impressa.
Sobre a criação de Diários da Justiça eletrônicos, adverte Almeida Filho:
A partir do momento em que se cria o Diário da Justiça de forma eletrônica, os sistemas
informatizados dos tribunais deverão estar em compasso com as informações prestadas pelos
sítios e não poderá haver mais o entendimento de que se trata apenas de caráter consultivo,
como insistimos e não é demais repetir. A criação do Diário da Justiça on-line impossibilitará
a tese da mera informação.348
Ao que, Alvim e Cabral Júnior acrescentam,
Se a lei exigir a intimação ou vista pessoal, não poderá ser feita por meio do Diário da
Justiça eletrônico, mas a lei não esclarece qual a forma de divulgação será usada nessas
hipóteses, sugerindo que nesses casos, a intimação se faça por mandado, por meio de oficial
de justiça.349
Essa, nos parece, é a alternativa mais acertada no caso de intimação pessoal, como
no caso do Ministério Público e a Defensoria Pública que as intimações sejam feitas através
de oficial de justiça.
Sendo assim, verificamos que a regra da intimação pela via eletrônica, passa a ser
a norma, com as devidas exceções.
348 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 231.
349 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit. p. 31
374
Revista ESMAC
2.4. – Início da contagem de prazos
A contagem dos prazos processuais, como regra, o art. 240 do Código de Processo
Civil, assim dispõe:
Art. 240. Salvo disposição em contrário, os prazos para as partes, para a Fazenda Pública
e para o Ministério Público contar-se-ão da intimação.
Na intimação através de Diário da Justiça eletrônico, dispõe a lei 11.419/06, em seu art.
4º, § 4º que:
§ 4.º Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado
como data da publicação.
Desta forma, a contagem inicial dos prazos processuais passará a correr no primeiro dia útil após o da publicação, esta por sua vez, segundo o § 3º do mesmo artigo ocorrerá
no primeiro dia útil ao da data em que foi disponibilizada a informação no Diário da Justiça
eletrônico.
Sobre a criação do Diário da Justiça Eletrônico e suas vantagens, Almeida Filho,
sintetiza:
Com a criação do Diário da Justiça na modalidade eletrônica, além de se reduzirem os
custos com o processamento dos feitos e impingir maior celeridade ao processo, uma vez
que os Tribunais poderão criar sistemas de certificação digital nos autos – sempre pela ICPBrasil -, as informações prestadas nos sítios serão dotadas de credibilidade. Credibilidade
é o termo mais apropriado, porque a jurisprudência, (...) não conferia tal adjetivo aos seus
sítios.350
Acertadamente o autor ressalta que a celeridade processual implementada pela
comunicação eletrônica dos atos, trouxe um grande avanço, em matéria processual, para o
Ordenamento Jurídico brasileiro.
Tal assertiva ganha peso, quando lembramos as dificuldades e dinheiro que se gasta
para que uma intimação seja realmente efetivada, tomando-se por base o modelo antigo de
intimação.
Com base no modelo antigo, o Juiz (a) determinava a intimação da parte, vez que
proferira uma decisão nos autos, o auxiliar judiciário confeccionava o mandado de intimação, após isso, o mandado era remetido a uma central de mandados, o qual era distribuído a
um dos Oficiais de Justiça. E não se acaba por aí, o Oficial de Justiça diligenciava, se tivesse
sorte de encontrar a parte no endereço fornecido, caso contrario, o mesmo precisava insistir
por várias vezes até conseguir intimá-lo.
Neste contexto, verifica-se que foram necessárias várias ações para que se procedesse à intimação, a qual, para ser levada a termo, precisou um mês, ao passo que no
processo eletrônico ocorreria no máximo em 10 (dez) dias.
Portanto, o primeiro e importante, como vimos destacando nesse trabalho, avanço
da comunicação eletrônica dos atos, reside no fato que a mesma, em relação ao modelo antigo, é célere, ou seja, é econômica em relação ao tempo.
350 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 232.
375
O segundo avanço diz respeito à economia financeira processual. O Poder Judiciário, economizou papel e dinheiro em relação à diligência empreendida pelo Oficial de
Justiça sem contar que, quanto mais tempo que o processo demora em ser resolvido, mais
recursos são gastos pelo Judiciário, para manter toda a estrutura suporte dos trâmites processuais.
Portanto, no que diz respeito à economia processual, tanto financeira quanto temporal, observa-se que é grande a poupança da comunicação eletrônica quando comparada ao
modelo antigo. No modelo novo, o Magistrado determina a intimação, o auxiliar a remete,
via e-mail, para o setor competente que a procede no primeiro momento possível.
2.5 – Intimação Eletrônica
Muito embora e Lei em um primeiro momento tenha dado a entender que qualquer
pessoa poderia ser intimada pelo meio eletrônico, o art. 5º da Lei do Processo Eletrônico
dispõe que somente as pessoas previamente cadastradas o podem.
Veja-se o disposto no art. 5º:
Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive
eletrônico.
Sendo assim somente os usuários cadastrados na forma do art. 2º da Lei poderão
ser intimados pelo modelo novo.
Em nossa opinião, a ressalva destacada pelo legislador é acertada, posto que se
assim não fosse dar-se-í-a margem a todas as espécies de reclamações e inclusive nulidades.
O desejo de impor uma marcha mais acelerada ao processo não significa sacrificar a certeza
de que as intimações alcancem o seu objetivo. Os Princípios do Devido Processo Legal e do
Contraditório e Ampla Defesa não podem ser sacrificados em nome da celeridade processual.
Sobre o assunto, Alvim e Cabral Júnior, esclarecem:
Como se vê do caput do art. 5º, as intimações só serão feitas por meio eletrônico em portal
próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, ficando dispensada a intimação
mediante publicação no órgão oficial. Na verdade, o que o art. 2º disciplina é o credenciamento no Poder Judiciário, enquanto o art. 5º fala em cadastramento na forma do art. 2º. Em
que pese a diversidade de linguagem, aquele que se cadastrar estará credenciado, e só estará
credenciado aquele que se cadastrar.351
O portal próprio a que se refere o caput do art. 5º não é o site/sítio, do próprio Tribunal, o qual, geralmente, contém um link para o Diário da Justiça Eletrônico, onde também
são veiculadas as comunicações dos atos.
E dando continuidade à prescrição Alvim e Cabral Júnior:
O portal próprio é um sítio privado que os internautas criam para a divulgação e recep-
351 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 33
376
Revista ESMAC
ção de informações, pelo que, se, ao se cadastrar ou se credenciar, fornecer o interessado
esse endereço eletrônico, a intimação será feita por seu intermédio, dispensando qualquer
outro modo de divulgação, inclusive pela publicação no órgão oficial ou Diário da Justiça
eletrônico.352
A intimação eletrônica, conforme se pode observar, é realizada através de um
portal próprio para intimações, pois o usuário ao se cadastrar/credenciar junto ao sistema,
automaticamente também é cadastrado par ter acesso a este portal, pelo qual receberá as
intimações.
Almeida Filho, com referência ao fato de a intimação eletrônica ser considerada
pessoal, profere a seguinte crítica:
É certo que o art. 4º trata de intimações realizadas por meio da imprensa em mídia eletrônica. E esta intimação não pode ser considerada pessoal. Nos termos do art. 5º, com a
emenda substitutiva apresentada, a partir do momento em que a parte aderir a termo constante nos sítios dos Tribunais, a simples entrada certificará a prática do ato processual e,
com isto, considerando-se a intimação pessoal fictícia. Desta forma, o ingresso em portal do
Tribunal será considerado um meio eletrônico e jamais pessoal. A ficção jurídica criada pela
norma é prejudicial, porque em muitos casos é necessária a intimação pessoal da parte.353
Como se vê, ao entrar neste portal próprio, exclusivo, para este fim, o credenciado
já se dará por intimado, conforme dispõe o § 1º do art. 5º da Lei, entretanto, se a consulta
vier a se dar em dia não útil esta será considerada realizada no próximo dia útil subseqüente,
conforme se dessume da interpretação do § 2º do mesmo artigo.
Agora, pergunta-se, e se o usuário não acessar o portal eletrônico, como ficaria a
intimação? Respondendo a este questionamento o § 3º do mesmo art. 5º da Lei 11.419/06,
assim dispõe:
§ 3º. A consulta referida nos §§ 1o e 2o deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias
corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação
automaticamente realizada na data do término desse prazo.
Sendo assim, verifica-se que a norma, implicitamente, estabelece uma obrigação
para o credenciado, que é a de acessar diariamente, ou no mínimo a cada dez dias, o portal
próprio de intimações a fim de que proceda à consulta. , Se pois se o usuário assim não
proceder, o fizer no prazo de 10 (dez) dias do envio da intimação, esta será considerada já
realizada, o que poderá lhe causar prejuízo, caso este dever não seja observado.
Acerca do assunto, Alvim e Cabral Júnior, com autoridade, prelecionam:
Como a intimação depende do acesso à internet, ou seja, do dia em que o intimando
efetivar a consulta eletrônica, prescreve o § 3º que a consulta deverá ser feita em até 10
(dez) dias corridos, contados do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação
automaticamente realizada na data deste prazo.354
Desta feita, caso o usuário não acesse o sistema, a fim de que seja intimado, o
352 Idem, Ibidem.
353 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 235.
354 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 33.
377
mesmo assim será considerado após o período de 10 (dez) dias, ou seja, independetemente
de ter acessado ou não.
E arrematando, redundantemente para que não haja engano, os mesmos autores
enfatizam:
Assim, que se cadastrar ou se credenciar no Poder Judiciário, para fins de intimações
por meio eletrônico, fica ciente de que deverá acessar o seu portal de dez em dez dias, pois,
qualquer intimação enviada será considerada efetivada ao fim desse prazo.355
Quanto ao teor do § 4º, em caráter informativo, a remessa de correspondência eletrônica, ficará a cargo do usuário manifestar o interesse por este serviço.
A remessa de correspondência eletrônica é uma faculdade dos usuários, entretanto
os que optam por esta forma de comunicação dos atos processuais, optam também em serem
intimados desde o envio da comunicação, posto que os mesmos serão considerados comunicados/intimados no momento do recebimento, não sendo mais necessário esperar que
transcorra o interregno de tempo do parágrafo terceiro.
Prescreve o § 6º que as intimações, para todos os efeitos legais, são consideradas
como se pessoais fossem, mesmo em se tratando da Fazenda Pública, em qualquer das suas
esferas.
Implica dizer que mesmo sendo uma modalidade de intimação ficta, como outrora
assinalada por Almeida Filho, para todos os efeitos legais será considerada pessoal.
2.6 – Citação Eletrônica
Assim preconiza o art. 6º da Lei n.º 11.419/06, acerca da citação eletrônica:
Art. 6º. Observadas as formas e as cautelas do art. 5º desta Lei, as citações, inclusive da
Fazenda Pública, excetuadas as dos Direitos Processuais Criminal e Infracional, poderão ser
feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando.
Desta forma, observa-se que a citação eletrônica somente é vedada quando se deparar com um processo criminal ou infracional, hipóteses em que o antigo modelo de comunicação dos atos processuais se fará necessário.
Almeida Filho, criticando a citação eletrônica, em face da impossibilidade de identificação do chamamento ao processo, preleciona: “Quanto ao art. 6º., entendemos ser temerosa a idéia de uma citação por meio eletrônico, porque não se conseguirá identificar o
recebimento do ato de chamamento ao processo”.356
Em nosso entendimento, o alerta temeroso do autor é fundamentado posto que, na
nova citação, seria necessário que o réu, chamado em Juízo para se defender em relação ao
prognóstico de Almeida Filho, teria que ser um usuário cadastrado. Do contrário, a identificação do recebimento da citação se tornaria quase inacessível, com exceção à hipótese de o
355 Idem, Ibidem.
356 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 239.
378
Revista ESMAC
réu confessar ter sido intimado.
Muito embora isso seja presumível, o texto legal não é claro neste ponto. No entanto, contrariamente ao entendimento, anteriormente, exposto, Carreira Alvim e Cabral
Júnior, comentam:
As citações, tanto quanto as intimações, de qualquer pessoa, física ou jurídica, inclusive
a da Fazenda Pública, poderão ser feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos
seja acessível ao citando, conforme se vê do disposto no art. 6º. A única condição que a Lei
estabelece, para que a citação se faça eletronicamente, é que a íntegra dos autos seja acessível ao citando.357
Como podemos constatar, os Estes autores acenam positivamente à citação eletrônica, apontando como requisito essencial para sua efetivação, ela se efetive, a cópia integral dos autos, a fim de que o réu possa apresentar a sua defesa, vez que a falta de referido
documento a inviabilizaria, ante a falta de parâmetro.
Ousamos discordar dos autores, pois se a citação da Fazenda Pública pela via eletrônica pode ser aceita levando em conta o quadro de procuradores que pode acompanhar
diariamente citações\intimações no site, no que tange à pessoa física os cuidados devem ser
maiores, pois a parte pode facilmente ser prejudicada por descuido do advogado que deixou
de verificar o site por algum período.
2.7 – Cartas e comunicações oficiais eletrônicas
As cartas, em se tratando de ato judicial, podem ser de três formas, precatória,
rogatória ou de ordem, cada qual aplicável a uma hipótese processual diferente.
Tem vez a carta precatória quando um Juiz (a) de uma Comarca pretender que
determinado ato processual seja praticado em outra Comarca. Nesse caso é um pedido de
auxílio, posto que o Juízo deprecante não possua jurisdição no Juízo deprecado.
De outra banda a carta rogatória, se mostra necessária quando determinado ato judicial necessita ser praticado em outro país, delegando-se, via de conseqüência, o ato a outra
autoridade judiciária estrangeira.
Já com relação à carta de ordem, a mesma se presta, quando determinado ato processual necessário para o deslinde da causa em instância superior é delegado pelo Tribunal
a um Juiz (a) de primeiro grau do mesmo Tribunal, a fim de que proceda à diligência determinada pela instância superior.
Com efeito, dispõe o art. 7º da Lei n.º 11419/06, Lei do Processo Eletrônico, o
seguinte:
Art. 7º. As cartas precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e os
dos demais Poderes, serão feitas preferentemente por meio eletrônico.
Em nosso entendimento, também aqui, relativamente às três espécies de cartas, o
357 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 35..
379
novo modelo de processo é perfeitamente compatível, nada tendo que acrescentar em relação
aos outros pontos já levantados. Não vislumbramos qualquer óbice para esta prática pelos
Tribunais, posto que referido dispositivo, em muito colabora com a tão almejada celeridade
na tramitação das cartas. O que é salutar, uma vez que as mesmas, por causa do porte e retorno, demoram consideravelmente mais para serem cumpridas como antecipado por Alvim
e Cabral Júnior:
Essas cartas são demoradas por dependerem de postagem e remessa de um local para
outro, pelo que sua expedição pela forma eletrônica vai agilizar o processo, possibilitando o
seu cumprimento num menor espaço de tempo.358
Também, Almeida Filho, segue no mesmo sentido e, ainda vaticina a possibilidade
ímpar de se utilizar o sistema de videoconferência, dando maior legitimidade e transparência
ao procedimento. Confiramos o que diz o autor:
Tendo em vista a previsão do texto legal, que permite a transmissão por meio eletrônico
dos atos processuais, e sabedores que somos que as precatórias possuem um alto custo e,
ainda, são extremamente morosas, além de encaminhá-las ao juízo de outra Comarca por
meio eletrônico, para atos de citação etc., podemos admitir um sistema de cooperação para
a oitiva de testemunhas (...). Através de sistema de videoconferência ambos os juízes podem
realizar o procedimento de oitiva de testemunhas, com a possibilidade dos advogados fazerem suas perguntas.359
358 Idem, p. 37.
359 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 252 - 253
380
Revista ESMAC
3. DO PROCESSO ELETRÔNICO
Este capítulo é destinado ao estudo do Processo Eletrônico, propriamente dito,
visto que os anteriores se destinaram a questionar a informatização do processo, bem como
a comunicação eletrônica dos atos judiciais.
A respeito do mesmo, o art. 8º da Lei 11.419/06, assim dispõe:
Art. 8º. Os órgãos do Poder Judiciário poderão desenvolver sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais, utilizando,
preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso por meio de redes internas e
externas.
Parágrafo único. Todos os atos processuais do processo eletrônico serão assinados
eletronicamente na forma estabelecida nesta Lei.
Esta regra disposta no art. 8º, viabiliza o processo eletrônico em todas as esferas
judiciais, entretanto apenas faculta ao Pode Judiciário a adoção deste novo modelo de processo.
Ao facultar a adoção deste sistema, a Lei dá margem para que os Tribunais não
assumam o encargo de implantar o processo eletrônico para o processamento de ações judiciais. Em nosso entendimento, esse é um ponto nevrálgico, pois que acaba com a garantia de
implantação, porque preceito que não dispõe da obrigatoriedade, como podemos constatar
no prognóstico bem fundamentado de Almeida Filho:
A se manter o texto legal na forma que se encontra, há a possibilidade de termos uma
norma não aplicável. E isto se justifica diante de tantas faculdades e possibilidades. Faltou
coragem ao legislador ao implantar o sistema. Faltou coragem em assumir a obrigatoriedade
do processamento eletrônico desde que assim iniciado.360
Ainda o art. 8º, caput, reza que os autos poderão ser total ou parcialmente eletrônicos, ao que o autor, acima citado, faz severa crítica como podemos constatar a seguir:
Nos termos do art. 8º podemos observar que os autos do Processo Eletrônico podem ser
processados inteiramente desta forma ou parcialmente. Isto quer dizer que implantamos um
sistema ‘meio eletrônico’ para o Processo Eletrônico. Ou o processo é eletrônico ou não é. A
parcialidade não atinge o desiderato que se utilizam deste meio está distante da prática que
é adotada pela maioria dos países que se utilizam deste meio para o processamento de seus
feitos.361
Corretamente, para nós, Almeida Filho faz a crítica discordante do preceito, posto
que uma das vantagens do processo eletrônico seria, justamente, a de poder ser manuseado
eletronicamente, sem necessidade das partes se dirigirem até o cartório da vara onde tramita
o processo, o que não será possível, caso os autos não sejam integralmente eletrônicos.
Como é de conhecimento de todos, a tramitação processual também não é célere
360 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 259.
361 Idem, p. 258
381
em razão da abertura de vistas as partes, o que não mais existiria se o processo fosse integralmente eletrônico.
Ainda da análise do art. 8º, o mesmo dispõe que os atos processuais, preferencialmente deverão, quando praticados, serem realizados mediante a utilização da rede mundial
de computadores, internet.
Sobre o uso da internet, Carreira Alvim e Nery Cabral Junior, comentam:
A preferência, por certo, será pela rede mundial de computadores, acessível a todos os
internautas do planeta, que lhes faculta o acesso ao processo eletrônico, que pode-se dar
também através de redes internas menores, como a intranet, ou mesmo redes externas.362
O parágrafo único do art. 8º remete-nos ao estudo do art. 1º, quando expõe que
os atos processuais são praticados mediante o uso de assinatura eletrônica, como forma de
reconhecer a autenticidade do documento, bem como, primordialmente, o seu remetente, a
fim de que a segurança do processo eletrônico não seja colocada em check.
O art. 9º da lei repete as disposições, por nós já postas, no Capítulo II, para qual
remetemos o estudo.
Assim, embora redundante, voltemos às vantagens do Processo Eletrônico, mais
uma vez nas palavras de Clementino (apud Alvim e Cabral Júnior). Diz o autor que é “materialmente possível que todas as etapas do processo, desde a apresentação da narrativa
fática até a determinação do ‘cite-se’, sejam feitas num único dia, o que seria absolutamente
impossível na ‘sistemática do papel’”.363
Repetindo, acrescentamos que a utilização dos meios eletrônicos para a prática de
atos processuais viabiliza, consideravelmente, a celeridade processual, tais como as intimações e as citações.
Outro ponto de suma importância, também contribuinte para o aumento da celeridade processual tão almejada, é no tocante ao manuseio dos autos em cartório. É só nos
lembrarmos que no modelo antigo de processo, um servidor é destacado para numerar as
folhas do processo, fazer juntadas e mais outro tanto de tarefas árduas e demoradas.
Com a adoção do processo eletrônico este problema é resolvido de vez, posto que,
desde o peticionamento da inicial, a interposição de recursos a movimentação é automaticamente atualizada pelo sistema.
Com isso, os pedidos são apreciados de forma mais rápida, posto que quando do
requerimento de determinado pedido pela parte, realizado eletronicamente, os autos imediatamente são remetidos ao Juízo para apreciação.
É o que dispõe o art. 10 da lei 11.419/06, que assim expressa:
Art. 10. A distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e das
petições em geral, todos em formato digital, nos autos de processo eletrônico, podem ser
feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem necessidade da intervenção
do cartório ou secretaria judicial, situação em que a autuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico de protocolo.
362 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 39.
363 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa – apud - ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit. p. 42.
382
Revista ESMAC
Ao que Alvim e Cabral Junior discorrem de forma clara e objetiva:
O protocolo é um serviço da justiça, onde se dá entrada em qualquer requerimento, pelo
que, se as petições digitalizadas dão entrada diretamente no processo eletrônico, não tem
sentido falar-se em protocolo, embora o art. 10 fale em recibo eletrônico de protocolo. Na
verdade, trata-se de um comprovante de remessa por via eletrônica, e, não, propriamente, de
um recibo de protocolo.
Igualmente a juntada da contestação, dos recursos, e das petições em geral, todos em
formato digital, nos autos do processo eletrônico, será feita pela forma prevista no art. 10,
diretamente pelos advogados, sem a intervenção do cartório ou secretaria, com fornecimento
automático do comprovante de remessa.364
Conforme dispõe o § 1º do mesmo artigo as petições serão consideradas tempestivas se enviadas até as 24,00 horas do último dia do prazo estabelecido, e, caso ocorra algum
erro imputável ao sistema responsável pelo recebimento o prazo será prorrogado para o
próximo dia útil seguinte à resolução do problema, conforme o disposto no § 2º do art. 10 da
referida Lei.
3. 0 – Da prova eletrônica
Reza o art. 11 da Lei n.º 11.419/06 que, os documentos produzidos eletronicamente, nos moldes do art. 10, serão considerados, para todos os efeitos, como documentos
originais.
Quanto aos documentos digitalizados, aqueles que não foram produzidos eletronicamente, mas sim na forma ordinária e reproduzidos na forma eletrônica, gozam de presunção relativa de autenticidade, ou seja, até que se prove que houve alguma adulteração, antes
ou depois do processo de digitalização, os documentos digitalizados têm a mesma força
probante dos originais.
Tratando-se de documentos que não podem ser digitalizados ou que com o processo de digitalização a legibilidade do documento fique comprometida, deverão ser apresentados em cartório no prazo máximo de 10 (dez) dias do envio do peticionamento eletrônico,
devendo ainda constar da petição referida a sua condição.
Sendo desta forma, vejamos que dispõe o § 5º, vejamos:
§ 5º. Os documentos cuja digitalização seja tecnicamente inviável devido ao grande volume ou por motivo de ilegibilidade deverão ser apresentados ao cartório ou secretaria no
prazo de 10 (dez) dias contados do envio de petição eletrônica comunicando o fato, os quais
serão devolvidos à parte após o trânsito em julgado.
Por sua vez, o parágrafo sexto, dispondo acerca da disponibilidade de acesso ao
documento eletrônico, possibilita somente às partes e ao Ministério Público a visualização
dos documentos, ficando o acesso, desta forma, vedado a quaisquer outras pessoas, em se
tratando de acesso externo, pois o interno é estendido para os funcionários da vara também.
364 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 46
383
3.0.1 – Do incidente de falsidade
Para que se decida quanto à autenticidade do documento digitalizado, necessário
é o ajuizamento do incidente de falsidade, o qual também se procede de forma eletrônica,
conforme se dessume da leitura do § 2º do art. 11 o qual expressa:
§ 2º A argüição de falsidade do documento original será processada eletronicamente na
forma da lei processual em vigor.
A argüição, como vimos, pode se dar em face do documento digitalizado, mas
também pode ocorrer que seja ajuizado o incidente de falsidade em razão do documento
eletrônico, mais especificamente em relação à assinatura digital ou chave pública.
Sobre a argüição de falsidade em relação à chave pública e o ônus da prova, Boiago
Júnior ressalta que:
Se vier argüido que a chave não é autêntica, a hipótese se assemelha à prevista no art.
389, II, do CPC – contestação de assinatura do documento -, caso em que o ônus da prova
àquele é daquele que produziu o documento eletrônico, a quem cabe provar a autenticidade
da chave pública que afirma ser do suposto signatário, com a qual se vai conferir a assinatura
digital.365
Sendo assim, o ônus da prova não é de quem alega a falsidade, mas de quem produziu o documento eletrônico.
3.0.2 – Da preservação dos documentos digitalizados.
Reza o § 3º do art. 11 que os documentos digitalizados deverão se manter preservados pelo seu detentor até o trânsito em julgado.
Verifica-se que a Lei, somente impõe o dever de preservação do documento até que
o ocorra o trânsito em julgado dos autos, após, o detentor dos documentos fica livre deste
encargo podendo até destruir o documento caso não lhe seja mais útil.
3.1 – Conservação dos autos
A conservação dos autos, conforme dispõe o art. 12, poderá ser realizada tanto
de forma integralmente eletrônica ou ainda parcialmente eletrônica. Referido dispositivo é
pertinente, posto que como o art. 8º prevê que os autos poderão ser total ou parcialmente
eletrônicos, assim também os arquivos deverão ser.
Carreira Alvim e Cabral Júnior, sobre a conservação eletrônica dos autos, com
propriedade, aduzem:
365 BOIAGO JÚNIOR, José Wilson. Contratação eletrônica – Aspectons jurídicos. p. 73-74.
384
Revista ESMAC
A conservação eletrônica de processos operados por esse meio é da maior importância,
porquanto eventual problema tecnológico que possa comprometer a sua estrutura poderá ser
efetuada total ou parcialmente eletrônico certas peças cuja digitalização seja tecnicamente
impossível, em vista, por exemplo, o grande volume de documentos ou por motivo de ilegibili dade.366
Por fim, referencialmente à conservação dos autos, Almeida Filho predispõe que
preleciona: “no art. 12º da Lei do Processo Eletrônico, que também sofre emenda redacional
encontramos a situação do processo meio digital”.367
Quanto ao processo eletrônico, o arquivo se dará através de sistemas de segurança,
os quais armazenarão os dados em meios que garantam a integridade dos atos judiciais,
como disposto no § 1ª do art. 12:
§ 1º. Os autos dos processos eletrônicos deverão ser protegidos por meio de sistemas de
segurança de acesso e armazenados em meio que garanta a preservação e integridade dos
dados, sendo dispensada a formação de autos suplementares.
Desta forma, se armazenado, eletronicamente, o dado, a teor do § 1º, dispensa-se a
formação de autos suplementares.
No tocante à preservação do processo eletrônico, e criticando a linguagem usada
pelo legislador quando da criação do § 1º, Carreira Alvim e Cabral Júnior, esclarecem:
A linguagem usada pelo legislador não poderia ser pior. O que quis dizer o legislador, e
disse mal (‘por meio’, ‘em meio’), é que ‘os autos do processo eletrônico deverão ser protegidos por sistemas de segurança de acesso e armazenamento que garantam a preservação e
integridade dos dados, dispensada a formação de autos suplementares’. Como se vê, o ‘por’
meio e ‘em meio’ não teria feito nenhuma falta.
Muitos são os sistemas de segurança utilizados pela internet para garantir a preservação
de dados, vulgarmente conhecidos como sistemas ‘antivírus’, cabendo ao Poder Judiciário a
escolha daquele que seja menos vulnerável à atividade dos crackers.368
Outro ponto importante, no tocante à conservação dos autos está na possibilidade
de serem enviados a outro Juízo ou instância superior que não disponham do meio eletrônico
de tramitação processual, caso em que deverão ser impressos, autuados e remetidos ao Juízo
competente, como fica claro na disposição do § 2º:
§ 2º. Os autos de processos eletrônicos que tiverem de ser remetidos a outro juízo ou instância superior que não disponham de sistema compatível deverão ser impressos em papel,
autuados na forma dos arts. 166 a 168 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código
de Processo Civil, ainda que de natureza criminal ou trabalhista, ou pertinentes a juizado
especial.
Almeida Filho, discorrendo sobre o referido, expõe o seguinte esclarecimento:
366 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 54..
367 ALMEIDA FILHO, op. cit., p. 282.
368 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 54.
385
Quando o Processo Eletrônico, por questões de incompetência, suspeição ou qualquer
outra forma que determine a remessa a outro juízo ou ascenderem à instância superior que
não possua sistema informatizado, o feito será impresso e atuado na forma como hoje é
adotado.369
No Juízo para qual foram remetidos os autos eletrônicos, ou na instância superior,
deverá ser procedida a certificação da origem dos documentos, ou seja, quais são os seus
produtores, tendo a faculdade de se acessar o banco de dados do processo eletrônico, a fim
de se verificar se as assinaturas digitais são verdadeiras, conforme o disposto no parágrafo
terceiro da mesma Lei em estudo.
No juízo competente, para o qual os autos foram enviados, uma vez procedida a
autuação, nos termos do § 2º, o processo passa a ter a tramitação estabelecida para os processos físicos, nos termos do parágrafo quinto.
O § 5º do art. 12, estabelece o seguinte:
§ 5o A digitalização de autos em mídia não digital, em tramitação ou já arquivados, será
precedida de publicação de editais de intimações ou da intimação pessoal das partes e de
seus procuradores, para que, no prazo preclusivo de 30 (trinta) dias, se manifestem sobre o
desejo de manterem pessoalmente a guarda de algum dos documentos originais.
A respeito do disposto acima, Carreira Alvim e Nery Cabral Júnior, prelecionam:
Assim, estabelece o citado preceito que a digitalização, de autos em mídia, em tramitação
ou já arquivados será precedida de publicação de editais de intimações ou da intimação pessoal das partes e de seus procuradores, para que, no prazo preclusivo de 30 (trinta) dias, se
manifestem sobre o desejo de manterem pessoalmente a guarda de algum dos documentos
originais (...).
Como os documentos digitalizados, uma vez inseridos nos autos do processo eletrônico,
serão incinerados, pelas dificuldades em mantê-los arquivados no cartório ou secretaria da
vara, assegura-se às partes obter a sua guarda pessoal, devendo fazê-lo no prazo de trinta
(30) dias, após o que a sua destruição impedirá o exercício dessa faculdade. 370
Desta forma, assegura-se às partes obter pessoalmente a guarda dos documentos
digitalizados quando, para tanto, deve proceder ao requerimento no prazo de 30 (trinta dias)
após a publicação dos editais.
369 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a informatização
no Brasil, p. 285 - 286..
370 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 57.
386
Revista ESMAC
3.2 – Da exibição e envio de documentos
No processo civil antigo a exibição de documento tem vez quando o Juiz (a) para
formar o seu convencimento, necessita que uma das partes apresente a exibição de algum
documento em seu poder.
Assim, como ocorre no modelo antigo de processo o Juiz (a) também possui esta
faculdade no processo eletrônico, conforme dispõe o art. 13 da Lei 11.419/06, que assim
expressa:
Art. 13. O magistrado poderá determinar que sejam realizados por meio eletrônico a exibição e o envio de dados e de documentos necessários à instrução do processo.
Portanto, o Juiz (a) poderá determinar que a parte proceda ao envio de um documento digitalizado, por meio eletrônico, por exemplo, sendo este necessário para a instrução
processual.
Por sua vez, o § 1º do art. 13, segundo os apontamentos de Almeida Filho, estabelece:
A requisição de dados através dos cadastros públicos, como instituído no parágrafo 1º,
é norma salutar, a fim de agilizar a prestação da entrega jurisdicional, como, por exemplo,
os ofícios às Fazendas, à Secretaria da Receita Federal – a fim de informar determinado
endereço -, aos cartórios de registros e aos notariais.371
Complementando, importantes também são os apontamentos de Alvim e Cabral
Júnior, os quais prelecionam:
Esse preceito se limita a conceituar o que se deva entender por cadastro público para
efeito de exibição e envio de dados necessários à instrução de processo eletrônico, que neles
se encontrem armazenados ao largo do contraditório. Para essa finalidade, consideram-se
públicos todos os cadastros atualmente existentes e os que venham a existir, bem assim
os mantidos por concessionárias de serviço público ou empresas privadas, que contenham
informações indispensáveis ao exercício da função judicante.372
Desta feita, para melhor operacionalizar, o andamento do processo eletrônico, conforme preceitua o referido parágrafo, é necessário que os cadastros públicos previstos nos artigos sejam criados. E, vez que independente da participação da partes, poderá o magistrado
requisitar as informações necessárias, por meio eletrônico, junto à instituição competente
para prestá-las.
Hoje, como um dos exemplos mais importantes temos o Sistema BACENJUD,
Sistema do Banco Central do Brasil, o qual colabora e muito para o andamento processual,
vez que possibilita ao Magistrado a bloquear e/ou quebrar o sigilo bancário on line em
questão de minutos, quando necessários ao deslinde da lide processual.
371 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit.,p. 288.
372 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 59.
387
3.3 – Sistemas de acesso
Os órgãos do poder Judiciário a partir do advento da Lei n.º 11.419/06, que optaram por implantar o processo eletrônico ficaram obrigados a desenvolver sistemas com
programas de código aberto, com acesso ininterrupto, por meio da rede mundial de computadores, com dispõe o art. 14 da Lei do Processo Eletrônico.
Vejamos:
Art. 14. Os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão
usar, preferencialmente, programas com código aberto, acessíveis ininterruptamente por
meio da rede mundial de computadores, priorizando-se a sua padronização.
Parágrafo único. Os sistemas devem buscar identificar os casos de ocorrência de prevenção, litispendência e coisa julgada.
Com referência ao artigo supracitado, Alvim e Cabral Júnior, comentam:
O art. 14 consagra uma regra programática, estabelecendo que os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas
com código aberto, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores,
priorizando-se sua padronização.
Os programas com código aberto são aqueles que possibilitam o acesso a qualquer pessoa,
enquanto os com código fechado ou restrito são aqueles acessíveis apenas a determinados
usuários, ou, mais precisamente, aos que possuam uma senha de ingresso no programa. 373
Interessante dispositivo é norma contida no parágrafo único, o qual traz em sua
essência a busca pela prevenção, litispendência e coisa julgada.
Sendo assim, ao ajuizar-se uma ação pelo modelo eletrônico de processo, o sistema
imediatamente inicia uma busca a fim de verificar se outra ação, entre as mesmas partes, com
o mesmo objeto e causa de pedir, em se tratando de litispendência e coisa julgada, ou outra
ação conexa, no caso da prevenção, foram ajuizadas anteriormente.
Ainda, relativamente ao assunto, Almeida Filho, acerca do assunto, com maestria
exemplifica:
Imaginemos, então, que A pratique, em dias e locais diferentes, o mesmo crime, ou seja,
o tipificado no art. 155 do Código Penal (furto). Após as investigações criminais pela autoridade competente, o Ministério Público ajuíza duas ações penais, sendo uma em uma dia
e a outra uma semana depois. Uma vez que o sistema informático não é humano e a sua inteligência é artificial, tendo as mesmas partes e o mesmo fundamento do pedido, identificará
uma litispendência.374
No entanto, fazemos a seguinte ressalva, e o silogismo assim permite, para que o
exemplo apontado pelo renomado doutrinador seja possível, necessário será que a informatização processual tenha ocorrido também nas duas comarcas, pois do contrário a verificação
da litispendência se dará nos moldes antigos.
373 Idem, p. 61/62.
374 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 295-296.
388
Revista ESMAC
3.4 – Do fornecimento do CPF/CNPJ para o ajuizamento da ação
Prevê o art. 15 da Lei 11.1419/06, que ao se protocolar uma petição inicial, necessário que o autor forneça o CPF – Cadastro de Pessoas Físicas ou o CNPJ – Cadastro
Nacional de Pessoas Jurídicas, quando o autor uma empresa, vejamos:
Art. 15. Salvo impossibilidade que comprometa o acesso à justiça, a parte deverá informar, ao distribuir a petição inicial de qualquer ação judicial, o número no cadastro de pessoas
físicas ou jurídicas, conforme o caso, perante a Secretaria da Receita Federal.
Acerca deste dispositivo, Almeida Filho, aduz o seguinte comentário:
A norma tem sua razão de ser, a fim de impedir, como outrora ocorreu (nas famosas
fraudes do INSS em finais dos anos 90), a duplicidade de demandas. Admitimos, com a
inserção que ora se torna legal, superando os atos administrativos desprovidos de qualquer
legalidade, como o do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que os sistemas judiciários devam estar integrados e unificados em nível nacional.375
Conforme frisa o renomado autor, outros Estados da Federação, através de outras
medidas administrativas, já estabeleciam esta condição para o processamento de ações judiciais.
Entretanto, com o advento da Lei 11.419, este assunto deixou de ser normatizado
por atos administrativos e passou a ser regulamentado em Lei específica, o que consideramos ser um grande avanço.
Agora, necessário se faz abrir um parêntese quando à situação em que se haja a
impossibilidade de o autor informar o número do seu CPF o que, em tese, comprometeria o
acesso à Justiça. Nestes casos apresentação do número do CPF, pode ser adiada para outro
momento.
Apresentando uma crítica quanto à razão de ser do referido dispositivo legal, Alvim e Cabral Júnior discorrem:
Em que pese a ressalva feita pelo art. 15, de que tal exigência não deve comprometer o
acesso à justiça, a prática tem velado que, pelo menos relativamente à pessoa física, o obstáculo existe, porquanto, ao exigir que a petição informe o número do CPF, em vez de garantir
acesso à justiça ao nacional, como promete a Constituição, garante apenas ao contribuinte, o
que não deixa de ser um fiscalismo incompatível com as garantias constitucionais de acesso
à Justiça.376
Ousamos discordar dos autores, posto que o próprio art. 15 faz uma ressalva, expondo que, a contrario sensu, o autor pode ajuizar a ação sem apresentar o CPF, caso a
apresentação seja impossível, como pode ocorrer com os estrangeiros residentes no Brasil,
por exemplo.
De igual forma, os membros do Ministério Público, ou autoridades policiais de375 ALMEIDA FILHO, op. cit., p. 298-299
376 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 63.
389
verão instruir as peças de acusação com o número dos registros dos acusados no Instituto
Nacional de Identificação do Ministério da Justiça, se houver, conforme consta do parágrafo
único do art. 15.
Com referência ao disposto neste parágrafo, Carreira Alvim e Cabral Júnior predispõem:
Essa regra pode ser eficaz na esfera criminal, para evitar que pessoas diversas das realmente culpadas sejam processadas, julgadas e condenadas pela justiça, como tem acontecido
com certa freqüência, mas não constituirá um obstáculo intrasponível para que isso aconteça
(...).377
3.5 – Dos livros cartorários
dispõe:
Em referência aos livros cartorários, segundo o art. 16 da Lei 11.419/06, assim
Art. 16. Os livros cartorários e demais repositórios dos órgãos do Poder Judiciário poderão
ser gerados e armazenados em meio totalmente eletrônico.
Os livros e demais repositórios do Poder Judiciário, conforme o artigo citado, também poderão ser armazenados eletronicamente. Pensamos, como já frisamos antes, por se
constituir em uma tendência, que este dispositivo vai se tornar redundante com a adoção do
processo eletrônico.
O art. 16 é de tão simples análise e aplicação, e segundo Almeida Filho,
Trata-se, simplesmente, como se vislumbra no texto, da impossibilidade de manutenção
dos livros em mídia digital. A prática também não é nova e o legislador, em bom momento,
inseriu a possibilidade de assim proceder.378
Este dispositivo, em nosso sentir, com a adoção do processo eletrônico, que como
já frisamos antes, é uma tendência, vai se tornar redundante.
377 Idem, p. 64
378 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 299.
390
Revista ESMAC
3.6 – Da regulamentação nos Tribunais
Art. 18. Os órgãos do Poder Judiciário regulamentarão esta Lei, no que couber, no
âmbito de suas respectivas competências.
Esta regulamentação, preconizada no artigo acima, Lei n.º 11.419/06, poderá ser
procedida por cada Tribunal, segundo seus próprios critérios, entretanto, em sintonia com a
Lei do Processo Eletrônico, embora essa harmonia seja difícil em relação a outros Tribunais,
posto que a Lei permite que cada uma legisle no âmbito de suas respectivas competências.
Alvim e Cabral Júnior, acerca das dificuldades de se hamornizar os Tribunais, no
tocante as regulamentações que serão procedidas, antecipam o seguinte:
As dificuldades surgirão, na prática, se cada tribunal estadual resolver regulamentar o
processo eletrônico segundo seus próprios critérios, sem observar a necessária harmonia que
deve haver na formulação de tal processo em nível nacional. Assim, no âmbito da Justiça
federal, seria conveniente que o Conselho de Justiça Federal, (...), e o Colégio de Presidentes
dos Tribunais de Justiças dos Estados, no âmbito das Justiças Estaduais, fizesse a mesma
coisa.379
3.7 – Da convalidação dos atos eletrônicos anteriores à publicação da lei do processo eletrônico
Reza o art. 19 da Lei n.º 11.419/06, que os atos processuais praticados antes de
sua publicação ficam convalidados, utilizando-se o Princípio da Instrumentalidade, caso não
tenha havido prejuízo para as partes e o ato tenha atingido a sua finalidade.
Com isso, mesmo diante de uma possível nulidade sanável, esta será convalidada,
uma vez que a lei permite, caso não tenha resultado nenhum prejuízo para as partes, em
razão do postulado da doutrina francesa do pas de nullité sans grief.
Sobre este ponto, posto que a lei apenas convalidou os atos processuais, praticados
por meio eletrônico, somente até a data de sua publicação, porém só passou a viger após 90
(noventa) dias, período da vacatio legis, Carreira Alvim e Cabral Júnior alertam:
A partir daí surge uma situação inusitada. Antes da entrada em vigor da Lei 11.419/06,
que se daria em 19/03/2007, muitos atos processuais continuarão sendo praticados, por meio
eletrônico, como aqueles acobertados pela regra do art. 19. Mas, não tendo tais atos sido
praticados de acordo com a nova Lei, mesmo porque esta não estava ainda em vigor, nem
estando acobertados pelo art. 19, que convalida aqueles praticados até a data de sua publicação, que solução adotar?
Para evitar tais situações, deveria o art. 19 ter convalidado todos os atos praticados por
meio eletrônico até a data de entrada em vigor desta Lei, e não da data de sua publicação,
que, no caso, não coincide com a vigência.380
379 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 66.
380 Idem, p. 67.
391
De fato assiste razão ao doutrinador, o que fazer com os atos processuais eletrônicos, praticados durante a vacatio legis, ou seja, entre o período de publicação da norma e
a data de sua vigência, posto que estes não foram convalidados pela lei do processo eletrônico.
3.8 – Das alterações implantadas no Código de Processo Civil, em razão da vigência da Lei
n.º 11.419/06.
Muito embora a Lei n.º 11.419/06 seja aplicável no processo trabalhista, cível e
criminal, ela previu alterações somente no código de processo civil, conforme aponta Almeida Filho,
“apesar da Lei do Processo Eletrônico destinar-se aos três processos, ou seja, cível, trabalho e penal, a norma somente previu a hipótese de alteração no CPC. Ainda assim, de forma
tímida e sem maiores comprometimentos do que analisamos até o presente momento”.381
É certo que o advento da Lei trouxe consideráveis mudanças na sistemática processual e, caso não alterasse o Código de Processo Civil, vigente se tornaria obsoleta, posto
que com a adoção do Processo Eletrônico, buscava-se justamente uma revolução em matéria
processual.
Para que esta mudança fosse de vez implementada necessário seria a adaptação
do Código de Processo Civil ao meio eletrônico de comunicação dos atos processuais, de
peticionamento eletrônico e outros mais.
As referidas alterações, já foram estudadas ao longo deste trabalho, sendo desnecessária a redundância com novos apontamentos.
Contudo, façamos uma síntese dos destaques que vêem alterar a sistemática processual, quais sejam: o Art. 38 passou a ter um parágrafo único, o qual prevê que a procuração pode ser assinada digitalmente; o art. 154, que passou a viger com a introdução do §
2º o qual prevê que todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos,
armazenados e assinados por meio eletrônico; bem como a introdução do parágrafo único
do art. 164 do CPC, o qual passou a prever que as assinaturas dos juízes podem ser feitas
eletronicamente, entre outras.
381 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 306.
392
Revista ESMAC
4. DA IMPLANTAÇÃO DO PROCESSO ELETRÔNICO JUNTO À VARA DE EXECUÇÕES PENAIS DE RIO BRANCO - AC
No Brasil, atualmente, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça existem 135 (cento e trinta
e cinco) Varas Eletrônicas totalmente implantadas, as quais estão distribuídas conforme o quadro abaixo:
UF
Juizados Existentes na Capital
Juizado Existentes no Interior
Juizados comprometidos para
implantação
0Total de Varas
0Implantadas4
Acre
7
Alagoas
12
25
11
1
9,09%
9
12
4
33,33%
Amapá
6
11
0
0
0,00%
Amazonas
8
60
13
20
153,85%
Bahia
14
64
14
1
7,14%
Ceará
21
20
23
12
52,17%
Distrito Federal
12
27
4
2
50,00%
Espírito Santo
14
0
2
0
0,00%
Goiás
18
36
16
8
50,00%
Maranhão
17
11
11
6
54,55%
Mato Grosso
11
81
8
2
25,00%
Mato Grosso
do Sul
11
4
8
0
0,00%
Minas Gerais
5
70
7
3
42,86%
Pará
29
28
25
1
4,00%
Paraíba
6
21
23
14
60,87%
Paraná
0
10
13
13
100,00%
Pernambuco
17
7
0
1
0,00%
Piauí
15
8
12
1
8,33%
Rio de Janeiro
47
160
2
0
0,00%
Rio Grande do
Norte
11
68
13
3
23,08%
Rio Grande do
Sul
19
321
2
1
50,00%
Rondônia
6
22
14
6
42,86%
Roraima
4
6
5
13
260,00%
Santa Catarina
3
12
10
0
0,00%
São Paulo
41
347
5
0
0,00%
Sergipe
40
6
8
0
0,00%
Tocantis
Total Geral
Percentual de
Varas Comprometidas x
Implantadas
5
42
7
4
57,14%
369
1.476
135
135
-
Fonte: CNJ
393
Através desta planilha, verifica-se que o número de Varas Eletrônicas implantadas
ainda é tímido, entretanto, o número daquelas comprometidas com a implantação é quase
que o dobro. Além disso, os Projetos Pilotos que implantados nos Juizados Especiais o que
confirmam que o advento do Processo Eletrônico, em todo Judiciário brasileiro, é uma forte
e irreversível tendência.
A opção inicial pela Varas dos Juizados Especiais talvez tenha se dado pela adoção
de procedimentos altamente simplificados o que facilita a implantação da nova tecnologia.
Também vale registrar aqui, que a Justiça Federal é a que tem mais investindo nos
meios virtuais, sendo que todas as Varas dos Juizados Especiais foram virtualizadas. Atualmente a Justiça Federal também conta com a implantação da primeira Vara de Execuções
Fiscais, no Distrito Federal totalmente virtual
Quanto à implantação da Vara Eletrônica de Execuções Penais de Rio Branco-AC,
levando-se em consideração que uma vara de execuções de penas, como a própria denominação sugere, é competente para a execução das penas, como poderia, neste ponto, o processo eletrônico abreviar a resposta estatal?
Sabe-se que a idéia de Processo Virtual ou Eletrônico nasceu da necessidade de dar
celeridade, economia, bem como melhor gerir a atividade jurisdicional, buscando-se com
isso atender a demanda crescente em um tempo menor que o atual, em um momento que o
mundo jurídico, bem como a sociedade se revoltavam com o modelo arcaico de processo, o
qual diante da demora na solução das lides não dava efetividade ás decisões judiciais.
Tratando-se de execução de pena, a duração do processo a princípio não pode ser
abreviada, pelo manuseio rápido dos autos, ou pela juntada ágil de um documento, posto
que, se o reeducando que foi condenado a 10 (dez) anos de prisão, por exemplo, o processo
tramitará por este período na Vara de Execuções até o cumprimento integral da pena.
As exceções ficariam apenas por conta do contido na Lei 7.210/84, onde existem
vários dispositivos que prevêem o abreviamento da pena, tais como a remição, o indulto
integral e o parcial (comutação) entre outros.
Também, em se tratando de execuções de penas restritivas de direitos, nos termos
do § 4º do art. 46 do Código Penal, é previsto que, se superior a um ano, poderá o reeducando cumprir a pena substitutiva em menor tempo, até a metade, caso cumpra até o dobro
de horas por semana.
Todavia, estes dispositivos não se referem à tramitação célere do processo, mas
sim, a meios de abreviação do tempo de cumprimento da pena, uma vez que a extinção do
feito só se fará após o cumprimento integral.
Entretanto, a Lei 11.419/06, conhecida como a Lei do Processo Eletrônico, trouxe
inovações em relação à tramitação de processos, admitindo a comunicação de atos processuais e a transmissão de peças indispensáveis para a formação do processo. , Tal fato veio
otimizar e acelerar o curso processual, alcançando, desta forma, a economia processual tão
almejada, sendo perfeitamente, sob este prisma, aplicável ao processo de execução penal,
uma vez que durante a execução da pena, muitos pedidos paralelos são processados pelo
Juízo das Execuções Penais.
Estes pedidos são na maioria das vezes urgentes posto que ao Juiz da Vara de Execuções Penais cabe a gerência de todos os atos afetos a vida do reeducando, desde o pedido
de tratamento médico ao de prisão domiciliar, de progressão, transferência de cela, entre
394
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outros. Abreviar o tempo de resposta a estes pedidos é de extrema importância, tendo em
vista a urgência dos mesmos e a concentração de tudo na mão do Juiz da Vara de Execuções
Penais.
Na Vara de Execuções Penais de Rio Branco-AC, o número de juntadas no mês de
Junho de 2008, no total de 1.225 (mil duzentos e vinte e cinco), reflete o elevado número de
pedidos.
4. 0 – Justificativas para a implantação do processo eletrônico na Vara de Execuções Penais
de Rio Branco - AC.
4.0.1 – Da transparência
A transparência que o Processo Eletrônico proporcionaria ao processo de execução
penal seria está justamente no fato de que, em qualquer hora e qualquer lugar, o patrono das
partes poderia acessar os dados do processo e saber desde logo sobre a decisão tomada.
Acerca da transparência, Tejada, ainda antes da criação da Lei 11.419/06, já prenunciava:
Além de combater a morosidade processual, o processo virtual ainda melhora o acesso
à Justiça e a transparência do Poder Judiciário. Isso porque o processo eletrônico pode ser
manejado em horário integral, isto é, as portas da Justiça estão sempre abertas para o jurisdicionado. A publicidade é tanta quanto a rede mundial da Internet permite.382
Seguindo no mesmo sentido, Benucci, predispõe:
Outra característica positiva do novo modelo de processo é a ampla e absoluta publicidade. O acompanhamento processual on line já está disponível em, praticamente, todos os
tribunais brasileiros, para qualquer pessoa, desde que o processo não esteja tramitando sob
sigilo de justiça.383
Em se tratado de processo de execução penal isso seria um avanço enorme, posto
que poria um fim nos argumentos de que as penas estão vencidas, que estão presos além do
que deviam. Quem milita nesta área sabe o que estamos afirmando.
Às vezes os atrasos na entrega de um relatório carcerário ou de um exame criminológico, necessários para a aferição do requisito subjetivo da pena, acabam retardando a
concessão do benefício. O mesmo ocorrendo quando o Ministério Público demora na entrega do seu parecer.
Em se tratado de processo de execução penal isso seria um avanço enorme, posto
que acabaria com o problema, com as argumentações de que as penas estão vencidas, que
382 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. Processo Virtual: uma solução revolucionária para a morosidade. Conselho Nacional
de Justiça. Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index2.php?option=com_content&task=view&id=50&pop=1&. Acesso
em 17/06/2008.
383 BENUCCI, Renato Luis, op. cit., p. 129
395
estão presos além do que deviam. Quem milita nesta área sabe o que estamos afirmando.
Às vezes os atrasos na entrega de um relatório carcerário ou de um exame criminológico, necessários para a aferição do requisito subjetivo da pena, acabam retardando a
concessão do benefício. O mesmo ocorrendo quando o Ministério Público demora na entrega do seu parecer.
Com esta a transparência proporcionada pelo curso processual on line, as filas nos
balcões da Vara de Execuções Penais acabariam, pois os parentes dos reeducandos teriam
acesso a todo o andamento do litígio. Isto, com certeza, refletirá diretamente em economia
na mão de obra, podendo os servidores encarregados com o atendimento ao balcão serem
realocados para a prática de outras tarefas.
4.0.2 – Da agilidade nas decisões e procedimentos cartorários
Com a adoção do Processo Eletrônico outro ponto importante é justamente o de
que os Juízes bem como os escrivães não ficam mais atrelados às dependências do Gabinete
ou da Vara para processarem os pedidos e exararem as decisões. Todos podem acessar o
Processo Eletrônico de qualquer lugar, a qualquer hora.
Além do mais, a própria Lei do processo Eletrônico elimina a restrição de horários
para a prática dos atos processuais prevista no Código de Processo Civil, podendo os envolvidos praticar os atos em qualquer horário.
Com isso, a agilidade nas decisões judiciais, bem como na prática de procedimentos cartorários, tornam-se visíveis e altamente aprovadas pelos jurisdicionados.
4.0.3 – Intimações
O volume de intimações oriundas da Vara de Execuções Penais de Rio Branco-AC,
assim como os demais procedimentos é denso, sendo certo que o prazo que se necessita para
se efetivar uma intimação, no modelo atual de processo, com o qual trabalha a Vara, não é
menor do que 30 (trinta) dias em média. Este prazo se justifica pelo tempo necessário para
confeccionar o mandado, além dos 30 (trinta) dias estabelecidos pelo provimento da Corregedoria do Estado do Acre para o efetivo cumprimento do mandado.
Ademais, nosso tribunal vem enfrentando sérios problemas, no tocante ao cumprimento dos mandados no prazo estabelecido, uma vez que o quadro de Oficiais de Justiça
é muito reduzido e não consegue dar cabo ao elevadíssimo número de mandados.
Diante desta situação, a análise célere de concessão e regressão de benefícios, justificações e demais atos processuais dependentes da intimação do reeducando, são prejudicadas.
Presumimos, portanto, que com a implantação do Processo Eletrônico na Vara de
Execuções Penais, de Rio Branco-AC, uma vez que a intimação por mandado seria exceção
à regra, esta situação mudará consideravelmente, posto que, como vimos anteriormente, a
intimação pelo Processo Eletrônico se processa no período máximo de até 10 (dez) dias, o
396
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que impulsionará a análise de situações processuais dependentes da intimação.
No tocante às intimações pessoais do Ministério Público e da defensoria Pública,
por exemplo, via mandado isto não seria muito demorado tendo em vista a facilidade de
realizar dita intimação no respectivo local de trabalho.
4.0.4 – Das Cartas Precatórias e Ofícios
Estando todos os Juízos, assim como os demais Órgãos Públicos e de utilidade
pública, aptos a acessarem o sistema, as cartas precatórias como os demais ofícios poderão
ser encaminhados eletronicamente ao processo de execução já eletrônico.
A Comarca de Rio Branco-AC, como é uma das poucas que possuem unidades
penitenciárias para o cumprimento da pena em regime fechado, recebe uma grande quantidade de reeducando das Comarcas do interior do Estado.
Para cada reeducando do interior do Estado que cumpre pena em Rio Branco-AC
é remetida, ao Juízo das Execuções Penais, uma Carta Precatória, permanecendo os autos
originais com o Juízo Deprecante até o final do cumprimento da pena. Daí, então, ocasião
em que a precatória é devolvida para os trâmites de extinção da pena. Atualmente, na Vara
de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC, conforme dados obtidos através do
SAJ, Sistema de Automação do Judiciário, tramitam 289 (duzentos e oitenta e nove) Cartas
Precatórias.
Diante deste fato, ou seja, do envio de Carta Precatória para o cumprimento da
pena, duas situações logo surgem: primeiro, estando a Vara Criminal do Interior trabalhando
com o Processo Eletrônico, a precatória também é remetida para a Vara de Execuções Penais
da mesma forma. Entretanto, se a Vara Criminal do Interior não estiver habilitada com este
tipo de processo, ao ser recebida a Precatória na Vara de Execuções Penais de Rio BrancoAC, esta será atermada ou escaneadas e após, tramitará eletronicamente até o seu integral
cumprimento.
De igual forma se procederá com os ofícios enviados, ou seja, as instituições
poderão encaminhar os ofícios eletronicamente se tiverem acesso ao sistema, ou continuar
encaminhado no modo tradicional, oportunidade em que as correspondências serão escaneadas.
4.0.5 – Juntadas
Quem conhece o expediente cartorário, entende muito bem o problema que a juntada de documentos proporciona visto que, para ser adicionada aos autos, move toda uma
estrutura, fato desgastante e demorado que teria fim com a implantação do Processo Eletrônico, pois as mesmas simplesmente deixariam de existir.
Em particular, na Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco isto tem
causado um enorme problema, não pelo simples fato de se fazer a juntada, mas pelo volume
enorme de documentos a serem juntados todos os dias.
397
Para melhor elucidar, trazemos à colação uma planilha referente às juntadas realizadas na Vara de Execuções Penais de Rio Branco – AC, no período de 02/01/2008 a
26/06/08. Verifiquemos:
JUNTADAS
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
TOTAL
1.056
1.241
1.346
1.447
1.717
1.225
8.022
Fonte: Vara de Execuções Penais/ SAJ/PG
Com a adoção do Processo Eletrônico, a juntada se dará automaticamente, posto
que, quando o patrono do reeducando entrar com a petição eletronicamente, a mesma será
protocolada automaticamente nos autos, sem a necessidade de destacar-se um servidor para
proceder à juntada.
Considerando-se o volume de juntadas do mês de Junho, conforme dados constantes na planilha acima, para as quais é destacado um servidor exclusivamente, a tarefa levaria
várias semanas para ser realizada.
4.0.6 – Numeração de folhas
Com a adoção do processo eletrônico não se perderá mais tempo, no tocante à
numeração de folhas nos autos, pois este procedimento é gerado automaticamente a partir de
qualquer juntada.
Isto resultará em uma economia enorme de tempo, pois o servidor deixará de realizar este procedimento e se ocupará com outros serviços igualmente necessários, tornando o
serviço cartorário passa a ser mais ágil, mais célere, o que refletirá uma tutela jurisdicional
mais justa e tempestiva.
4.0.7 – Das Comunicações dos Institutos Penitenciários
As comunicações das penitenciárias, referente às faltas aos pernoites do reeducando, por exemplo, oficiadas ao Juízo da Vara de Execuções Penais para que sejam tomadas
determinadas providências, são juntadas aos autos e logo em seguida é feita a conclusão.
Uma comunicação, por si só, em média origina 03 (três) juntadas. Primeiro, a da
própria comunicação da falta pela instituição prisional, segundo da promoção ministerial; e,
terceiro, a do pedido de justificação das faltas por parte da defesa.
Com a adoção do Processo Eletrônico, o tempo do trabalho dos servidores não será
desperdiçado com as juntadas, tornando assim sobra nobre a ser direcionada a atividades
indispensáveis. Ademais, como o tempo que o processo leva para o Juiz analisar o pedido
de justificação de faltas será consideravelmente reduzido, dependendo da decisão judicial,
as análises de concessão de novos benefícios para o reeducando não ficariam prejudicadas
por tanto tempo. Elucidemos: enquanto não justificadas as faltas do reeducando, as mesmas
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o prejudicam quando da análise dos requisitos subjetivos para á concessão de progressões e
concessão de livramento condicional, ou qualquer outro benefício.
Por fim, consideremos que, como se é de esperar, os Órgãos Públicos responsáveis
pela execução da pena deverão estar todos interligados ao sistema, posto que se assim não
for, terão os documentos que serem digitalizados, como prevê a Lei n.º11.419/06.
4.0.8 – Da redução de custos
A redução de custo auferida com a implantação do Processo Eletrônico é quase
imensurável. Economizar-se-á uma enormidade com material de expediente e com o de
tempo, posto que o judiciário gasta, para manter os trâmites de um processo, 01 (um) ano
no sistema convencional, ao passo que utilizará apenas 05 (cinco) meses para solucionar um
Processo Virtual.
Sendo assim, muito embora, como já frisamos, o Processo Eletrônico por si só não
abrevie a pena do reeducando, é certo que os trâmites processuais serão seriam agilizados.
Em decorrência desse fato, a resposta estatal para os incidentes na execução seria muito mais
rápida e, portanto, o Poder Judiciário poupará gastos.
Também, economizaria em material de expediente, tais como papel, toneres, entre
outros.
Isto sem falar na economia em mão de obra pois necessitaria de menos servidores
para administrar o mesmo número de processos.
Sobre a economia de gastos, Tejada, com autoridade, preleciona:
A economia para os cofres públicos também impressiona. Em breve, não haverá mais
necessidade de prédios imensos e de uma infinidade de armários só para guarda de papéis.
Os servidores hoje dedicados a atividades meramente de estiva poderão ser deslocados para
outras atividades mais gratificantes.384
E ainda, sobre o impacto favorável ao meio ambiente, adotando-se o Processo Eletrônico, quando considerados os processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal por
ano, Tejada arremata:
Só no Supremo Tribunal Federal tramitaram, em 2006, aproximadamente 680 toneladas de papel
em recursos extraordinários e em agravos de instrumento. Fossem digitais todos esses processos, teria
havido grande economia para os cofres públicos em papéis, energia, combustíveis.
Imagine-se o resultado se considerarmos o Brasil como um todo. Só no ano passado, ingressaram
aproximadamente 23 milhões de novas ações no país, nas quais foram utilizadas cerca de 46 mil toneladas de papel. Para produzir essa quantidade, é necessário cortar 690 mil árvores, o que corresponde
ao desmatamento de uma área aproximada de 400 hectares e o consumo de 1,5 milhões de metros
cúbicos de água, o suficiente para abastecer uma cidade de 27 mil habitantes durante um ano.385
384 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. A verdadeira reforma do Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index.php?Itemid=167&id=3149&option=com_content&task=view. Acesso em
27/06/2008.
385 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. A verdadeira reforma do Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index.php?Itemid=167&id=3149&option=com_content&task=view. Acesso em
399
Vejamos como a redução de gastos é evidente na mostra do quadro comparativo, o
qual apresenta as cifras contabilizadas pela Diretoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado
do Acre, onde constam os dados para a manutenção de material de expediente, levando-se
em consideração os meses de março, abril, e maio deste ano, e, tomando-se por base a 1ª
Vara Criminal e a 5 ª Vara Criminal – Vara de Violência Doméstica, a qual adotou o Processo
Eletrônico.
1ª VARA CRIMINAL
5ª VARA CRIMINAL
ITEM DE CUSTO
Março
Abril
Maio
Março
Abril
Maio
Material de consumo
(almoxarifado)
R$ 783,21
R$ 910,00
R$ 366,70
R$ 366,70
R$ 175,50
R$ 239,69
Fonte Diretoria geral do TJ/AC
Na 1ª Vara Criminal, nos meses de março, abril e maio deste ano foi gasto com
material de expediente a importância de R$ 2.060,90 (dois mil e sessenta reais e noventa
centavos). Enquanto isso, na Vara de Violência doméstica (totalmente virtual) foram gastos
apenas R$ 781,89 (setecentos e oitenta e um reais e oitenta e nove centavos).
Verifica-se, desta forma, que o gasto com material de expediente da 5ª Vara criminal corresponde a exatos 37,93 % do valor do gasto na 1ª Vara Criminal, diferença bem
considerável. Ressaltamos que esta diferença poderá ser muito maior levando-se em consideração o Poder Judiciário como um todo.
Sabe-se, todavia, que a redução de gastos poderá ser ainda maior na Vara de Execuções Penais. A demanda processual desta vara é uma das maiores de todo o Poder Judiciário Acreano, onde tramitam, atualmente, 2.939 (dois mil novecentos e trinta e nove)
processos. Há ainda, a CEPAL – Central de Penas Alternativas, uma extensão da anterior
(VEP), onde são computados 1.942 (mil novecentos e quarenta e dois) processos, dados
estes referente ao mês de junho de 2008, extraído do SAJ – Sistema de Automação do Judiciário, utilizado pelo TJ/AC.
Sendo assim, verifica-se que o Juízo da Vara de Execuções Penais responde por
cerca de 4.881 (quatro mil oitocentos e oitenta e um) processos.
Salienta-se, desta forma, que a redução de custos apontada, a qual é defendida
neste trabalho como uma justificativa para a implantação do Processo Eletrônico, junto à
Vara de Execuções Penais, seria ainda mais considerável, levando-se em conta que na Vara
de Violência Doméstica tramita uma quantidade muito menor de processos com relação à
Vara de Execuções Penais.
O exemplo utilizado no item 4.0.5 (juntadas) demonstra a economia que poderia
ser alcançada em termos de material de expediente.
Desta forma, verificamos que será muito vantajosa a implantação do Processo Eletrônico em todas as varas do Poder Judiciário acreano, em especial a Vara de Execuções
Penais.
27/06/2008.
400
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4.0.8.1 – Custos para a implantação de uma vara eletrônica
Para a implantação de uma Vara Eletrônica, praticamente são necessários a
aquisição de dois tipos de móveis, equipamentos eletrônicos (computadores, scanner, mídias digitais) e móveis e utensílios (cadeiras, mesas). Não será mais necessário a aquisição
de estantes e outros tipos de arquivos onde se acomodam os processos.
Aqui na comarca de Rio Branco – AC, recentemente foi instalada a Vara de Violência Doméstica (5ª Vara Criminal), a qual adotou o Processo Eletrônico e é totalmente
virtual. Segundo dados da Diretoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, para a
implantação desta Vara Eletrônica, foram doados pelo Conselho Nacional de Justiça 10 (dez)
computadores completos e 07 (sete) scanner, tendo sido ainda adquirido pelo próprio TJ/AC,
um notebook. O total de equipamentos adquiridos pelo TJ/AC monta a importância de R$
41.814,55 (quarenta e um mil oitocentos e quatorze reais e cinqüenta e cinco centavos).
Foram adquiridos também pelo TJ/AC diversos móveis e utensílios, estes no valor
de R$ 19.185,00.
Desta forma para a implantação da Vara de Violência Doméstica foi gasto um total
de R$ 61.000, 55 (sessenta e um mil reais e cinqüenta e cinco centavos), conforme anexos
n.º VI e VII.
Como se pode observar, a importância gasta para a implantação da Vara de Violência Doméstica, foi mínima se levarmos em consideração a instalação de uma Vara comum.
Isso foi possível com a redução nos móveis necessários para o novo modelo eletrônico.
Para a implantação da Vara de Execuções Penais Eletrônica, com certeza gastarse-í-a muito menos, haja vista que a mesma já está guarnecida com equipamentos de informática e móveis de escritório, os quais não precisariam serem adquiridos novamente.
Ou seja, somente restariam os esforços para a adaptação ao sistema eletrônico,
posto que a estrutura física e de equipamentos já existe.
4.0.9 – Diferenças entre o procedimento atual e após a adoção do processo eletrônico.
Este tópico aborda justamente a diferença entre um dos procedimentos adotados
pela Vara de Execuções Penais de Rio Branco-AC e como será com a adoção do Processo
Eletrônico.
Tomemos, por exemplo, o procedimento de progressão do regime fechado para o
regime semi-aberto, para tanto, apresenta-se os seguintes andamentos:
1.
O defensor do reeducando apresenta o pedido de progressão de regime;
2.
O pedido de progressão será juntado aos autos após passar pela fila das juntadas,
oportunidade em que os autos irão conclusos ao Juiz (a);
3.
O Juiz (a) proferirá o despacho, determinando que seja dada vista ao Ministério
Público;
4.
O Ministério Público apresentará parecer e, como ocorre com a maioria dos casos,
o mesmo requer a realização de exame criminológico;
5.
Os autos retornam novamente conclusos ao Juiz (a), que poderá ou não determinar
401
a realização do exame criminológico;
6.
Realizada as diligências os autos são remetidos, novamente ao Ministério Público,
a fim de que se manifeste quanto á progressão, caso o Juiz (a) decida pela realização do
exame criminológico. Caso não entenda, decidirá pela progressão entendendo que os requisitos para a concessão estão preenchidos, ou indeferi-lo se entender o contrário.
Se levarmos em consideração que a prática dos atos acima é inerente ao procedimento de progressão de regime, mesmo o reeducando já tendo alcançado direito ao benefício, caso não ocorra nenhum contratempo, a audiência admonitória na qual será concedida a
progressão se daria, no mínimo, em dois meses.
Ao contrário, adotando-se o Processo Eletrônico, a apreciação do pedido de progressão se daria no máximo em semanas, pois:
Primeiramente, o pedido de progressão se daria de forma eletrônica, não necessitando de entrar na fila das juntadas. Esta última, como já inferido anteriormente, não mais
existiria realizando-se pois, imediatamente os autos conclusos ao Juiz (a), que de igual forma poderá despachar determinando a abertura de vistas ao Ministério Público, o qual poderá
emitir o parecer. Portanto, tudo isso no mesmo dia, caso não ocorra nenhum contratempo.
Posteriormente, seria determinada a realização do exame criminológico, caso necessário, o que, se por ventura acontecesse, seria o que mais demorado demoraria em razão
que se trata de uma entrevista a qual o reeducando é submetido.
Após, e por fim, a decisão seria prolatada. Tudo isso, como dissemos, em semanas,
atingindo assim a celeridade e a efetividade processuais tão almejadas.
4.0.10 – Do sistema a ser adotado
Algumas Varas em todo o Brasil utilizam-se do Sistema PROJUDI – Processo
Judicial Digital, de processo eletrônico, desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça.
A Vara de Violência de Violência Doméstica, recentemente instalada na Capital da
Coma rca de Rio Branco-AC, utiliza o sistema desenvolvido pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), entretanto defendemos que o sistema de processo eletrônico a ser adotado
deveria ser o Sistema de automação do Judiciário (SAJ), já utilizado pelo próprio Tribunal
de Justiça do Acre, que com a sua nova versão SAJ-5, já contempla a possibilidade de ser
adotado. Observamos que a adoção do Processo Eletrônico através do sistema SAJ é perfeitamente possível e, entendemos ser a melhor opção, posto que o projeto de interligação de
todas as comarcas do Estado do Acre já está em sua fase final. Isto facilitaria muito o envio
de documentos, ofícios e precatórias entre estas comarcas.
Ademais, o sistema SAJ já foi implantado a anos no Estado, dispondo o mesmo de
linguagem interativa bem positiva, além da facilidade de interligação das comarcas.
Acrescenta-se que a linguagem utilizada pelo sistema SAJ é bem atualizada, podendo ser acessado em qualquer computador moderno, sem nenhum tipo de atualização.
As pesquisas feitas pelo sistema SAJ também acessíveis e de fácil realização, em
especial pela existência de ícones auto-explicativos. íncones auto aplicativos. Em contrapartida, Já as pesquisas realizadas pelo sistema PROJUDI são bem lentas e cansativas pela falta
de vários recursos disponíveis no sistema.
402
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Exemplifiquemos, utilizando o sistema PROJUDI, com a hipótese de que um juiz
queira acessar um processo, com número identificado, para dar mais celeridade ao despacho,
a pedido de uma parte. O primeiro procedimento seria ele acessar o número do processo e
averiguar a data de sua conclusão. Em seguida, teria que acessar o lote de processos conclusos naquela data e fazer uma verificação manual para conseguir localizar aquele ao qual
procura, uma vez que o lote não é salvo em ordem numérica. Encontrado o processo, só
então o juiz pode acessá-lo e exarar o seu despacho.
No sistema SAJ, este procedimento é bem menos trabalhoso, pois o juiz pode digitar apenas o número do processo e diretamente acessá-lo para despachar sem necessidade de
fazer busca alguma.
Este tempo valioso tem que ser poupado. O tempo que se ganha utilizando o PROJUDI, é perdido caso haja a necessidade de proceder qualquer pesquisa.
O mesmo podemos dizer em relação à necessidade em se localizar um processo
pelo nome da parte. No PROJUDI a pesquisa é manual e lenta e com critérios inadequados
para efetivar a busca. Já no SAJ esta pesquisa é facilmente feita pelo sistema com parâmetros
mais definidos, ou seja, este é um sistema de interatividade excelente e linguagem compatível com os computadores de última geração, além da vantagem de já estar instalado nas
Comarcas do Estado.
4.0.11 – Considerações Finais
A implantação do Processo Eletrônico na Vara de Execuções Penais da Comarca de
Rio Branco-AC se mostra salutar, devendo o Tribunal de Justiça do Estado do Acre, passar
para esta situação com considerável importância.
O Processo Eletrônico, como defendido neste trabalho, se apresenta como uma
tendência do mundo jurídico moderno. Em sendo assim, o Tribunal que não se adaptar a esta
nova dinâmica de processo, continuará a apresentar uma resposta estatal não efetiva, que não
atende aos anseios da sociedade.
As Novas Tecnologias da Informação foram de suma importância para os avanços
apresentados pela iniciativa privada e também o será em se tratando de Poder Judiciário. Para
que a finalidade de se prestar de uma melhor tutela jurisdicional seja alcançada, a prática
sempre desembocará na necessidade de melhor gerir o sistema. Nesta visão, se verifica que
a idéia de adotar amplamente o Processo Virtual ou Eletrônico, é de grande destaque e, em
nosso entendimento, pelo exposto ao longo desse trabalho, de imprescindível necessidade e
urgência.
403
CONCLUSÃO
Ao aprofundarmos no estudo do Processo Eletrônico, pudemos constatar que este
novo modelo de processo, em um primeiro momento surgiu da necessidade do Poder Judiciário apresentar uma resposta estatal, mais justa e efetiva aos jurisdicionados, posto que o
antigo modelo, apresentado pelo Código de Processo Civil de 1973, não se mostrava capaz
de atender a demanda processual, sempre crescente, moderna.
Esta afirmação se consubstancia, quando partimos do ponto de vista de que as lides
processuais ao longo dos tempos somente cresceram, não apenas em volume, mas também
no tocante à variedade.
Com isso, o modelo antigo de processo passou a não ser mais efetivo, posto
que cheio de formalismos, impedia que os litígios fossem resolvidos em um tempo hábil.
Princípios como o da celeridade e economia processual passaram a ser utópicos, e, caso a
lide fosse resolvida, corria-se o risco de o bem da vida ter perecido, por exemplo.
Porém, uma resposta estatal célere, não é o único resultado útil que o Processo Eletrônico apresenta mas, conforme ficou evidenciado no trabalho, o novo modelo de processo
se apresenta também, consideravelmente econômico, não só para o Poder Judiciário, mas
para as partes. Nos escritórios de advocacia a redução com material de expediente também
será considerável, e, o impacto ambiental benéfico que disso resulta, em nosso entendimento, é imensurável.
A transparência processual é outro ponto muito importante, o qual no Processo
Eletrônico é, sem dúvida, um ganho ímpar, vez que os autos de processo estarão disponíveis
na internet 24 (vinte e quatro) horas por dia. Para os processos que não tramitam em segredo
de justiça, estas serão acessíveis a qualquer um, a título de consulta.
No tocante à implantação do Processo Eletrônico junto à Vara de Execuções Penais, entendemos que é de suma importância, sendo este um projeto promissor e que elevará
e muito o conceito do Poder Judiciário Acreano, em relação a todas as esferas sociais, posto
que com uma resposta estatal mais célere aos reeducandos, o processo de ressocialização
social, a qual se apresenta como resultado com a aplicação da pena, se mostrará muito mais
perto de ser alcançado.
Referida assertiva, se mostra pertinente vez que o processo de execução da pena
percorre várias etapas. Levando-se em consideração uma condenação em regime fechado,
por exemplo, até que o reeducando cumpra toda a condenação, ocorrerão duas progressões,
uma do regime fechado para o semi-aberto e outra do regime semi-aberto para o regime
aberto, para então ser concedido ao reeducando o livramento condicional.
Ressalta-se, todavia, que para cada progressão e concessão do livramento condicional, inicia-se um procedimento interno, a nosso ver demorado, conforme foi demonstrado
no ponto 4.0.0, para o qual remetemos o leitor, todavia, necessário, será abreviado e muito
com a implantação do Processo Eletrônico.
Não se pode esquecer ainda dos incidentes de indulto, comutação, conversões de
pena, regressões e agravos, além dos diversos pedidos atravessados no curso do processo.
Sabe-se que, para cada incidente na execução, gasta-se tempo para a realização
dos atos processuais. Por exemplo, uma falta ao pernoite, para os reeducandos do regime
semi-aberto, quando não justificada, pode dar ensejo à regressão de regime de cumprimento
404
Revista ESMAC
de pena. Entretanto, tal medida somente pode ser manejada após a prévia oitiva do reeducando, conforme consta do art. XX da Lei de Execuções Penais, o que demanda que sejam
efetuados uma seqüência de atos processuais, que por sua vez poderá ser mais célere com a
implantação do Processo Virtual junto àquela Vara.
Desta forma, com a adoção do Processo Eletrônico os procedimentos, os trabalhos
cartorários em si serão mais ágeis, as filas comuns de atendimento no balcão diminuirão, em
decorrência desta ação e a sociedade acreana como um todo será consideravelmente beneficiada, vez que a ressocialização tão almejada estará mais próxima.
Devemos considerar que uma resposta demorada pode levar o reeducando ao descumprimento das condições a ele impostas, o que pode ser evitado se a resposta jurisdicional
for célere e efetiva. E mais, podemos também afirmar que a taxa de reincidência poderá ser
reduzida se a ressocialização for mesmo alcançada.
Para um encerramento parcial de nossa dissertação, não podemos nos esquecer de
mencionar que, vivendo em um mundo globalizado, a prestação jurisdicional deve acompanhar todos os avanços tecnológicos. A tecnologia, como apontado pela doutrina, é de
suma importância para que os fins da jurisdição sejam efetivados, especificamente, no nosso
entendimento, para que tais fins da pena também
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406
Revista ESMAC
A AGILIZAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL
NO TERCEIRO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL
DA COMARCA DE RIO BRANCO
Mirla Regina da Silva Cutrim
INTRODUÇÃO
No paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito, que assegura aos
litigantes os direitos humanos fundamentais do acesso à justiça e da razoável duração do
processo e impõe a observância ao princípio da eficiência, a sociedade civil organizada,
dotada do poder de exigir dos poderes públicos a instituição de meios hábeis à efetivação
desses direitos e garantias, vem servindo como mola propulsora a ocasionar não apenas uma
série de reformas no processo civil brasileiro, mas também um choque de gestão administrativa e jurisdicional no Poder Judiciário nacional.
Esse processo pressupõe o imperioso rompimento de práticas obsoletas e a quebra
de paradigmas arcaicos em um movimento modernizante das lideranças da magistratura, que
deve tomar posse de seu espaço determinante na construção de uma nova cultura judiciária.
No aspecto administrativo desponta a gestão cada vez menos amadora e casuística, mais profissionalizada, adotando-se, com algumas adaptações, modelos oriundos da
iniciativa privada. No aspecto jurisdicional, as recentes reformas legislativas no processo
civil brasileiro englobaram alterações nos procedimentos, nos atos do juiz, das partes, dos
advogados e dos serventuários da justiça. Quanto a estes últimos, a Emenda Constitucional
45/2004 possibilitou maior atuação na prática de atos ordinatórios, reduzindo os despachos judiciais de mero expediente no andamento processual. Além disso, a lei 11.419/2006
introduziu significativo avanço tecnológico para facilitar a tramitação dos procedimentos
judiciais com a adoção do processo eletrônico visando à agilização da tutela jurisdicional.
A despeito de tais inovações, muitas práticas antigas continuam entranhadas na
mente e nas atitudes dos operadores do direito, desde o menor servidor até a presidência
das diversas cortes do país. Essa situação demanda medidas que criem maior receptividade
às mudanças e acompanhem as novas tendências que surgem para atender aos reclamos da
sociedade, já não tão tolerante com a conhecida morosidade da justiça.
Nesse quadro, focando especificamente o âmbito dos Juizados Especiais, é indispensável agregar à gestão administrativa os princípios processuais da celeridade, informalidade, economia processual e simplicidade, principalmente porque estes órgãos da justiça
passaram a ser nos últimos anos depositários da promessa de uma nova justiça para as pessoas comuns,alcançando um número expressivo que processosquecomprometeseriamente
o alcance da sua finalidade.
Num quadro de limitações de toda sorte, o Poder Judiciário deve enfrentar de forma
criativa a exigência de melhor gerenciar o seu desempenho, reduzindo custos e cumprindo as
normas constitucionais e legais, ao mesmo tempo em que deve oferecer condições de acesso
407
capazes de atender com eficiência as necessidades dos jurisdicionados.
Assim, tendo como base os conhecimentos adquiridos nas disciplinas “Juizados
Especiais”, “Gestão de Serventias Judiciais” e “Gestão e qualidade dos serviços judiciários”
procura-se olhar com mais atenção para os atos dos serventuários da justiça e aprofundar o
estudo sobre algumas práticas cartorárias que, não obstante os avanços já alcançados, continuam servindo como obstáculo à celeridade.
Em seguida, compatibilizam-se as diretrizes da Lei nº 9.099/95 com a gestão
simplificada de Juizados Especiais, experimentada no Terceiro Juizado Especial Cível da
Comarca de Rio Branco – Acre, com vistas à implementação da agilização da tutela jurisdicional.
1 - MARCO TEÓRICO
1.1. Administração Geral e Administração Jurisdicional
A história moderna registra em vários continentes diversos movimentos de reformas do Estado de Direito e dos sistemas judiciais, incluindo reformas na área da administração da justiça, resultantes de pressões sociais e econômicas que variam no contexto de cada
nação. Identifica-se como característica geral dessas reformas a busca por um Judiciário
mais eficiente e apto a assegurar os direitos e garantias constitucionais.
Os primeiros passos das mudanças concentraram-se em soluções de caráter processual e depois avançaram para as medidas de ordem administrativa, notadamente as novas
tecnologias da informação e modelos de gestão de processos, significando que foram adotadas frentes de trabalho tanto de natureza jurisdicional quanto administrativa.
Esse movimento em busca do aperfeiçoamento da justiça e da agilização da tutela
jurisdicional deve ser considerado como parte de um processo mais amplo de modernização
de todo o aparelho estatal, no caminho ao desenvolvimento e pressupõe, no presente estudo,
o conhecimento e conceituação da administração judiciária e de suas espécies.
Primeiramente, importa destacar que, em termos gerais, a administração não se
resume apenas ao processo de planejar, organizar, dirigir e controlar, de forma cíclica, toda
a atividade de uma organização. Ela é muito mais do que isso, principalmente quando se fala
de criação de riqueza, de produção de conhecimento e de aumento da qualidade de vida da
sociedade.
O processo de gestão, por sua vez, é uma função orgânica básica da administração.
Num sentido lato, a gestão é constituída pelo gerenciamento dos processos essenciais ao
funcionamento e às atividades operacionais de uma unidade organizacional.
Para Chiavenato386 o conceito de gestão sob a ótica da administração está relacionado com o conjunto de recursos e a aplicação de atividades destinadas ao ato de gerir. São
processos mentais e físicos de estabelecer o que é desejável e como serão elaborados.
O mesmo autor, citado por George Marmelstein Lima, leciona que a administração
“não é um fim em si mesma, mas um meio de fazer com que as coisas sejam realizadas da
386 CHIAVENATO, I. Administração: Teoria, processo e prática. 3ª Ed. São Paulo: Makron Books, 2007.
408
Revista ESMAC
melhor forma possível, com o menor custo e com a maior eficiência e eficácia”.387 Disso resulta que o conceito de gestão está ligado ao conjunto de recursos e a aplicação de atividades
destinadas ao ato de gerir. Assim, a gestão é uma função orgânica básica da administração
e compreende os processos decisórios de estabelecer o que é necessário fazer e como será
feito.
Focalizando especificamente a administração da justiça, nela incluída a gestão de
unidades jurisdicionais, observa-se que a bibliografia nacional carece de estudos científicos
sobre o Poder Judiciário, sendo ainda bastante reduzida, voltada em sua maior parte para a
elaboração de pesquisas, diagnósticos e divulgação de casos de sucesso, sendo necessário
fomentar um maior aprofundamento de projetos de pesquisas sobre a matéria.
Cláudia Dantas Ferreira da Silva, ao abordar o tema da administração judiciária,
alerta que existem distinções nos conceitos ligados ao assunto:
“Para um estudo analítico do que seja Administração Judiciária, importa fazer algumas distinções. Para designar os principais significados ligados ao termo, inseridos no conceito amplo de Administração Judiciária, será convencionado aqui o uso das terminologias política
judiciária, administração judiciária (em sentido estrito) e administração jurisdicional.”388
De logo observa-se que essas expressões, comumente tratadas como sinônimas,
possuem em verdade, caracteres específicos pelos quais se distinguem.
De fato, prossegue a autora, esclarecendo que como uma espécie do gênero
administração judiciária, porque desempenhada em limites mais estreitos e por um grupo
mais especializado, podemos apreender como administração jurisdicional a administração
das atividades-fim, ou seja, das atividades próprias dos operadores do sistema judiciário, por
eles mesmos executada.
Dessa forma, a administração jurisdicional é a “administração dos meios necessários ou mais adequados à realização do Direito, no âmbito de atuação de determinado
operador do direito”.389
A autora cita ainda, como paradigma, a administração dos magistrados de sua
própria jurisdição, que envolve as estratégias pessoais por eles formuladas para a realização
dos julgamentos de sua competência. Essas estratégias envolvem, por exemplo, decisões
sobre a conveniência ou não de se delegar atividades, a definição da rotina e da divisão de
trabalho no órgão de sua jurisdição, como formas de enfrentar as dificuldades da atividade
jurisdicional diante da elevada demanda. No âmbito dos tribunais, algumas inovações na
atuação dos magistrados têm resultado efetivamente em uma maior celeridade na tramitação
dos processos.
Ainda se aguarda a elaboração de um marco teórico específico no Brasil sobre a
gestão de procedimentos judiciais, quando analisada sob o ponto de vista da administração
global do andamento dos processos em uma dada unidade jurisdicional.
Em nível internacional, a administração da justiça vem sendo objeto de inúmeros
387 LIMA, George Marmelstein. “Organização e Administração dos Juizados Especiais Federais”. Revista do Centro
de Estudos Judiciários, Vol.10. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2005.p.119
388 SILVA, Cláudia Dantas Ferreira da. Administração judiciária: planejamento estratégico e a reforma do Judiciário
brasileiro. Jus Navengandi, Teresina, n. 976. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062.
Acesso em 31.08.2006
389 Ob.cit.
409
estudos e pesquisas, destacando-se os trabalhos do Observatório Permanente da Justiça, em
Portugal, conduzidos pelo sociólogo Boaventura de Souza Santos, colhendo e relatando as
experiências de vários países da Europa, Ásia e América. Valiosos relatórios foram elaborados por esse autor, disponibilizados no ambiente da internet390, dentre os quais destacamse estudos referentes à gestão dos tribunais, atos e tempos dos processos, administração e
gestão da justiça.
Na experiência norte-americana destaca-se o Centro Nacional deTribunais Estaduais (NCSC) cujo banco de informações conta com mais de trinta e cinco mil volumes de
livros sobre administrações de tribunais.
O Desembargador Roberto Portugal Bacellar, do Tribunal de Justiça do Paraná,
após participar de programa de intercâmbio no referido órgão, relata seu funcionamento e
observa que:
“um dos primeiros princípios de gestão ou administração de processos é o de que os Tribunais e juízes assumem a responsabilidade pela demora na tramitação dos processos.
Esse princípio surgiu para resolver a questão da difusão do poder e da falta de responsabilização, na medida em que, quando os tribunais eram criticados em razão da má gestão,
ninguém poderia verdadeiramente falar em nome de todos.” 391
No Brasil, esforços recentes do Conselho Nacional de Justiça têm buscado reunir
representantes dos diversos tribunais em busca de modernização administrativa392 e aperfeiçoamento da gestão.
A par das iniciativas públicas, movimentos voltados ao aperfeiçoamento da
administração da justiça são detectados na sociedade civil, por meio de fundações e institutos, tais como a Fundação Getúlio Vargas, o Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário, o Instituto Pedro Ribeiro de Administração Judiciária, o Instituto Nacional
de Qualidade Judiciária, dentre outros.
Esses registros permitem aferir que há uma demanda social por uma jurisdição
mais célere: o Brasil está instituindo um novo paradigma – mais profissionalizado e técnico
– para a administração da justiça e deve aliar-se a uma verdadeira revolução cultural na
magistratura, na qualidade de responsável direta pela administração da justiça.
Diante dos conceitos iniciais, verifica-se que a agilização da tutela jurisdicional
permeia o debate em torno da administração jurisdicional, pois assumiu uma importância
crescente à medida que os problemas do sistema judiciário foram se agravando ao longo
das últimas décadas, tendo como marco a morosidade, o que motivou não só o avanço das
reformas processuais mas também a maior participação da sociedade organizada envolvida
na questão, por intermédio dos diversos congressos e encontros na comunidade jurídica e na
sociedade organizada.
390 Disponíveis em www.opj.ces.uc.pt.
391 Bacellar, Roberto Portugal. Juizados Especiais – A nova mediação paraprocessual. São Paulo: RT, 2003. P.
238/241..
392 Cf. http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4707&Itemid=42, acesso em 25 de
agosto de 2008.
410
Revista ESMAC
1.2. A administração no poder judiciário
Historicamente, a partir de 1998, com a emenda constitucional nº 19/98, que positivou o princípio da eficiência no “caput” do art. 37 da Constituição Federal, a questão da
gestão passou a assumir destaque na administração pública brasileira, voltando-se a uma
configuração de Estado Gerencial, ou seja, em busca de resultados.
É verdade que, no século anterior, o tema da administração não era considerado
relevante dentro do Poder Judiciário. A formação acadêmica das autoridades judiciárias
voltava-se inteiramente para a condução do processo judicial, formação essa que afetava
diretamente os cartórios. Com efeito, o Juiz Vicente de Paula Ataíde Júnior menciona que:
“quem visita um museu judiciário pode apreciar os antigos autos, do século XIX e mesmo
do século XX, todos elaborados à base da pena e do tinteiro.(...) Não é preciso ir muito longe
para encontrar cartórios judiciais ainda movidos à máquina de escrever e a fichinhas de controle processual, obviamente na contramão de todos os esforços empreendidos pela administração judiciária para combater as causas da morosidade da prestação jurisdicional.”393
Na parte administrativa do Poder Judiciário, o Desembargador Federal do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, Vladimir Passos de Freitas, ao tratar sobre a transparência
nos tribunais, já advertia que:
“Como Poder Público que é, sujeita-se às mesmas regras existentes para o Executivo e o
Legislativo. Desse modo, a administração da justiça não é um problema exclusivo dos juízes, mas de toda a sociedade. Devem os Tribunais, historicamente conhecidos como uma
das organizações mais burocráticas do Estado, alterar suas práticas centenárias para buscar
eficiência e modernização na gestão.” 394
Exímio conhecedor da vida forense, prossegue o magistrado, destacando que:
“A realidade brasileira revela que nossosTribunais, geralmente, são órgãos administrados de
forma tradicional, pouco adequados aos princípios da moderna gestão administrativa, e que,
não raramente, valorizam vestes, rituais, um cerimonial pouco afeito ao século XXI. Retratam uma visão soberana, em que o Estado é o senhor e a pessoa, o súdito. Aí está a origem do
nosso Poder Judiciário. Nesta forte tradição se encontra a explicação para práticas até hoje
adotadas, ainda que em franca decadência, de um excessivo formalismo, que pode ser identificado tanto nos atos judiciais (p. ex. exigência de atualizar-se procuração antiga) ou nos atos
administrativos (p. ex: outorga de medalhas aos próprios integrantes de um Tribunal).”395
No Brasil, os primeiros passos para enfrentar a crise de gestão foram dados em
meio a uma abordagem mais inserida na ótica do processo civil, referindo-se às mudanças
no andamento do processo, de acordo com a sua espécie ou classificação, limitando-se a
393 JUNIOR, Vicente de Paula Ataíde. O novo juiz e a administração da justiça. Curitiba: Juruá, 2006. p.48/491..
394 FREITAS, Vladimir Passos de. A transparência nos tribunais brasileiros. Extraído do site: http://www.trf4.gov.
br/trf4/upload/editor/apg_VLADIMIR_COMPLETO.pdf Acesso em 18.04.2008...
395 Ob.cit
411
descrever e reordenar as etapas sucessivas culminantes na prestação jurisdicional do Estado
– a sentença e ainda com a instituição de procedimentos mais dotados de efetividade.
Embora a legislação de cunho processual tenha tratado do tema, fixando prazos
para a realização de alguns atos processuais, tais como a defesa, a sentença ou o despacho, e
alterando alguns procedimentos nota-se que o legislador não se preocupou, de maneira clara,
em estipular e impor a valoração a um período máximo e razoável de duração do processo,
da propositura até a conclusão do procedimento.
Os passos seguintes foram dados pela sociedade, a partir da ênfase às mazelas
estruturais do Poder Judiciário, destacando-se a total ausência de conhecimentos em gestão
por parte dos magistrados e a inexistência de planejamento a longo prazo pelos Tribunais,
fatores que permitiam a dilação do andamento dos processos por tempo além do esperado pelas partes, perdendo-se os demais prazos em questões não previstas detalhadamente
na legislação, tais como designação de audiências, cumprimentos de mandados, juntadas,
devolução de cartas etc.
A demora no andamento dos processos, ainda que justificada em muitos casos,
impregnou a história do Poder Judiciário como uma das instituições mais burocráticas do
Estado, fazendo com que a lentidão se tornasse sua marca registrada por muitos anos.
Ex-Presidente do Conselho Federal da OAB e do Instituto dos Advogados de São
Paulo, Rubens Aprobato Machado, relata esse aspecto histórico da administração judiciária:
“A crise de gestão é tão antiga quanto o Judiciário, um Poder que tem de ser exercido e
respeitado. Conheço o expediente forense desde quando se costuravam os processos com
barbante e alfinetões enormes. Fiz muitas dessas costuras. O controle dos processos era feito
ou pela memória do escrevente ou por fichinhas nem sempre bem elaboradas ou atualizadas.
É incrível constatar que, após mais de meio século, ainda usamos esses métodos. O acesso
à justiça é condição “sine qua non” para se fomentar a cidadania e fortalecer a democracia,
e só se torna efetivo quando há resposta em tempo razoável. É hora de mudar, enquanto for
possível curar o doente. O Judiciário está à espera de um choque de gestão”396
Foi nas duas últimas décadas que efetivamente se ampliou a focalização na
administração da justiça, não como um problema detectado exclusivamente pelos juízes,
mas muito mais decorrente da mobilização da sociedade civil, insatisfeita com o quadro
então vigente.
Somou-se a isso uma nova ordem mundial, com a ação das grandes forças
econômicas, que assumiram maior destaque com a globalização, enfatizando o quadro em
que se encontrava o Estado democrático, atingido em sua soberania pela degradação da vida
política corrompida e da má gestão das instituições públicas, com efeitos desastrosos para
a economia e para as populações, noticiados em diversos relatórios anuais do Banco Mundial.
É possível afirmar, embora existam divergências quanto a esse assunto, que o
capital internacional impôs, paulatinamente, mediante recomendações do Banco Mundial,
alguns requisitos às diversas nações para que estas pudessem obter financiamentos e benefícios.
396 MACHADO, Rubens Aprobato. “Justiça brasileira pede choque de gestão”, publicado no Jornal Folha de São
Paulo, edição do dia 10 de março de 2008, p. A3.
412
Revista ESMAC
Dentre esses requisitos consta, segundo Candeas, “o aperfeiçoamento dos sistemas de justiça”397 , abordando desde a gestão dos tribunais até o impacto de decisões jurisdicionais na economia.
José Renato Nalini, um dos precursores do debate acerca da administração judiciária já alertava, em 1995, acerca dos motivos de tais exigências, destacando que os
grandes conglomerados econômicos se subtraem à atuação demorada da justiça, pois o interesse financeiro não pode se subordinar à incerteza jurisdicional do processo398. Entendendo
que a globalização do mundo não permite uma visão compartimentada, o autor abordava
com visão ampliada a questão da gestão de qualidade na justiça, afirmando que nada do que
ocorre em qualquer setor da atividade humana vem a ser irrelevante para a Justiça, que atua
exatamente num universo multifário e não ignorar qualquer faceta dele.
Além das forças econômicas, as forças sociais também exigiram modernização do
Poder Judiciário, impulsionando-o a preocupar-se com os procedimentos administrativos e
processos judiciais, de modo que tornou-se impraticável manter essa esfera de Poder como
uma organização isolada, constituída de diversas ilhas institucionais, várias delas pouco dispostas à assimilação de práticas renovadoras.
Com a percepção da necessidade de se adaptar às irreversíveis mudanças, o sistema
judiciário brasileiro, inserido no ambiente mercadológico e social, viu-se diante da necessidade de adequação de sua estrutura à nova ordem, adotando ações voltadas à modernização
gerencial e administrativa, para responder aos efeitos da globalização e dos reclamos da
sociedade.
Só então se passou a olhar com mais atenção para os aspectos operacionais anacrônicos dos cartórios judiciais, onde existia um vácuo teórico e normativo, que foi preenchido e visto de forma interdisciplinar, mediante o uso de conceitos da teoria geral da
administração, vinculados ainda à gestão de recursos humanos na busca de profissionalização das tarefas voltadas à administração judicial e utilização de recursos tecnológicos.
Como resultado, adveio a utilização, por alguns juízes e tribunais, de métodos e
técnicas de gestão oriundas da iniciativa privada, citando-se, como exemplos, o ISO 9001 e o
PDCA, que, aliados ao uso da tecnologia da informação, possibilitam cada vez mais o acesso
a informações processuais e o controle de dados, gerando um desempenho mais célere e com
mais qualidade. A implementação dessas técnicas passou a ser, de certa forma, vital para o
melhor funcionamento dos cartórios.
Valorosa contribuição adveio igualmente da instituição de prêmios visando o estímulo de práticas inovadoras, com vistas a promover a divulgação das medidas voltadas ao
aprimoramento da gestão no âmbito do Poder Judiciário, prevalecendo neste ponto a ênfase
à criatividade em aspectos práticos e casuísticos. Por meio de experiências individuais, nos
mais diversos rincões do Brasil assistem-se os notórios avanços no âmbito da administração.
Essas experiências integram os bancos de práticas divulgados nos vários eventos anualmente
promovidos, tanto pelos poderes públicos quanto por organizações não governamentais.
Pouco a pouco a situação vai adquirindo, como já dito, o almejado contorno da modernização, situação esta que não ocorre apenas no Brasil, mas em diversas outras nações, sendo
necessária, a esta altura, a extensão dessas premiações ao estímulo da produção científica.
397 CANDEAS, Ana Paula Lucena Silva. Os valores recomendados pelo Banco Mundial para os judiciários nacionais. Revista Cidadania e Justiça. Brasília: Associação dos Magistrados Brasileiros, 2004. Volume 13 P.173.
398 NALINI, José Renato. “A gestão de qualidade na Justiça”. In Revista dos Tribunais, vol. 722. São Paulo: RT,
1995. p.367
413
Em estudo comparado sobre os diversos sistemas de administração do poder judiciário, realizado no Observatório da Justiça de Portugal, Boaventura de Souza Santos constata que as agendas estratégicas da reforma da justiça passaram a conferir especial centralidade às reformas no âmbito da administração e gestão, em especial dos tribunais judiciais.
Destacando tais reformas, assevera o renomado autor que:
“No seu lastro estão dois pressupostos essenciais: a adoção de uma nova concepção de
administração pública, assente no abandono do modelo de gestão burocrático e na adoção
dos modelos gestionário e da qualidade total e o reconhecimento de que os déficits de organização, gestão e planejamento dos sistemas de justiça são responsáveis por grande parte da
ineficiência e ineficácia do seu desempenho funcional, reclamando, por isso, a introdução de
profundas reformas estruturais dirigidas não só ao aumento da sua eficiência e eficácia, mas,
também, da sua qualidade e transparência.”399
A perspectiva do Banco Mundial, nos relatórios anuais que enfatizam a importância do Poder
Judiciário, notadamente os dos anos de 1997, intitulado“O Estado num mundo em transformação” e de 2002, intitulado “Instituições para os mercados”, mencionados por Candeas400
registra a constatação de que os magistrados brasileiros têm-se mostrado cada vez mais
receptivos ao valor “eficiência”, o que é demonstrado pelos avanços nas seguintes áreas:
simplificação de procedimentos; instauração de juizados especiais para causas de pequeno
valor; implantação da justiça itinerante – por exemplo, por via fluvial na Amazônia; promoção de seminários e estudos sobre custos e agilização processual; iniciativas legislativas;
e visibilidade nos meios de comunicação por meio de informes publicitários. Além dessas
iniciativas, a preocupação maior dos magistrados em matéria de eficiência se manifesta na
incorporação de novas tecnologias, sobretudo a disponibilização de alguns atos processuais
pela internet nos sites dos órgãos judiciais.
Essas iniciativas apontam que o Poder Judiciário vivencia um momento ímpar na
história, em busca de aperfeiçoamento e modernização, voltando-se à sua capacidade de
resolver as demandas da sociedade, observando o acesso à justiça e a razoável duração do
processo, com os meios que podem ser utilizados para fazer valer esses princípios.
O quadro histórico da Justiça no Brasil é por demais suficiente para demonstrar que
não há mais lugar para o empirismo que outrora imperava, para as improvisações e mesmo
para a burocracia excessiva.
Observa-se, portanto, uma considerável evolução na administração judiciária nacional. O que se requer, agora, é um amadurecimento responsável dos órgãos judiciários
para alcançar os modelos de gestão contemporânea que permitam a melhoria dos serviços
públicos prestados à sociedade.
399 SANTOS, Boaventura de Souza. Como gerir os tribunais? Análise comparada de modelos de organização e
gestão de justiça. Acesso em: 18.04.2008 no site: http://opj.ces.uc.pt/portugues/relatorios/ relatorioComo_gerir_os_
tribunais.html .
400 CANDEAS, Ana Paula Lucena Silva. Os valores recomendados pelo Banco Mundial para os judiciários nacionais. Revista Cidadania e Justiça. Brasília: Associação dos Magistrados Brasileiros, 2004. Volume 13 P.17
414
Revista ESMAC
1.3 Tendências na Administração Jurisdicional
Como já enfatizado no item anterior, é fácil constatar que os métodos de administração usados tradicionalmente, marcados pela burocracia e pela lentidão, não são mais
suficientes para responder com satisfação ao volume de demandas e às pressões da sociedade
que exige qualidade e rapidez nos processos judiciais.
É fato que, a partir dessa constatação, os tribunais vêm reconhecendo sua parcela
de responsabilidade na morosidade da justiça e que os avanços alcançados na administração
jurisdicional não são privilégio da nação brasileira nem exclusividade de um único país:
acontecem mundialmente.
Simultaneamente, ocorre uma grande valorização e destaque aos direitos e garantias fundamentais, constitucionalmente assegurados, o que permite o estabelecimento de
um liame entre alguns desses direitos e a administração jurisdicional. Desse modo, não se
pode conceber tais avanços constitucionais sem cotejá-los com os instrumentos de operacionalização do processo. Isto significa que a gestão deve caminhar e crescer conjunta e
paralelamente aos novos direitos e valores, berçário de ampliação de demandas, que exigem
melhoria da performance da atuação do Judiciário.
O respeito aos direitos fundamentais funciona como pressuposto de todo o
sistema jurídico, pois tem como conseqüência o direito do cidadão de exigir dos poderes
públicos a respectiva proteção, bem como a instituição de meios propícios a esta finalidade,
buscando sanar as deficiências do próprio Estado, de modo que possa representar a mais fiel
concretização dos valores expressos na Constituição da República ou dela decorrentes.
Nesse aspecto, tem-se que uma abordagem sobre agilização da tutela jurisdicional deve passar necessariamente pelo enfoque de alguns direitos fundamentais, já que, em
última análise, visa ela concretizar, por meio de uma gestão adequada, o acesso à justiça
com a garantia de razoável duração do processo, atendendo ao princípio da eficiência judicial, dentre outros valores assegurados na Constituição.
O professor da pós-graduação em Poder Judiciário, promovida pela Fundação
Getúlio Vargas, Luiz Umpierre de Melo Serra anota que diante do novo quadro instalado
com a promulgação da Carta, os cidadãos passaram a exigir “uma melhor atuação do Poder
Judiciário a fim de assegurar aqueles direitos por ela consagrados, com relevante destaque
ao irrestrito acesso à justiça”401.
Para Boaventura de Sousa Santos, a consagração constitucional dos novos direitos
econômicos e sociais e a sua expansão paralela à do Estado de bem-estar “transformou o direito ao acesso efetivo à Justiça num direito charneiro, um direito cuja denegação acarretaria
a de todos os demais”402.
Foi seguindo essa linha doutrinária voltada ao efetivo acesso que o ordenamento
jurídico estabeleceu novas normas de processo, com técnicas diversificadas (juizados especiais de pequenas causas, juízo arbitral, dentre outros) além de reformas legislativas visando solucionar os litígios de maneira mais rápida e menos dispendiosa, ao mesmo tempo
401 SERRA, Luiz Umpierre de Mello. Gestão de Serventias Judiciais. Programa de MBA em Poder Judiciário.
Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2007. p.9
402 SANTOS, Boaventura de Souza. FARIAS, Eduardo. (Org.). Direito e Justiça: A função social do judiciário. São
Paulo: Ática: 1989, p.45.
415
em que intencionava aliviar o congestionamento, gerado pela explosão de demandas e a
morosidade dos tribunais, objeto de inúmeras críticas da sociedade.
A preocupação com o tempo de duração do processo, e sua inserção no corpo
constitucional, positivada no art. 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna é decorrência dos
reclamos quanto ao problema da propalada morosidade.
Em decorrência do princípio, impõe-se que o processo judicial demore apenas o
tempo necessário para sua finalização, assegurando-se os meios que garantam a celeridade
de sua tramitação. Trata-se, em verdade, de uma conseqüência da garantia de acesso à
justiça, exigindo-se não apenas o ingresso no Poder Judiciário, mas também um processo
dinâmico, adequado e justo.
Ademais, face ao princípio da eficiência aplicada ao âmbito judicial, não se pode
permitir que o judiciário postergue a conclusão do processo, sendo necessário resgatar a
devida celeridade, com a finalidade de reparar, ainda em tempo oportuno, os direitos atingidos.
Nos termos deste princípio, inserto no art.37, caput, da Constituição Federal deve
a Administração Pública atuar de forma eficiente, alcançando o fim a que se propõe (o bem
comum) com as maiores qualidade e celeridade possíveis. Para a aferição deste conceito
(eficiência), necessária se faz uma avaliação de custo-benefício acerca da atuação administrativa.
Equivale a dizer que o Poder Público deve atuar de forma a atingir seus objetivos,
visando, de um lado, a qualidade e a celeridade e, de outro, tentando minimizar os custos
(ônus) para o alcance de suas finalidades.
Em adição, o entendimento doutrinário e jurisprudencial anterior à Emenda Constitucional n.º 45 também já dispunha que a mora/omissão administrativa importa em violação aos princípios da eficiência e da razoabilidade.
O Poder Judiciário, para alcançar eficiência deve acompanhar a mesma dinâmica
do mundo moderno, sendo inconcebível que mantenha uma estrutura burocrática alheia às
novas tecnologias que surgem a cada dia. Muito além da simples informatização, a legislação já permite a utilização do processo virtual403, chamado por Vicente de Paula Ataíde
Júnior de “a revolução na prestação dos serviços judiciários”404 que consiste no fim do processo escrito, com a realização de todos os atos por computadores interligados, sem demora
nem gastos desnecessários, beneficiando o usuário dos serviços judiciários.
Essa dinâmica implica em contradições aparentes entre os objetivos a serem
alcançados, pois nem sempre a ampliação e facilitação do acesso à justiça será menos
onerosa, quando se verificam, por exemplo, os custos globais de implantação e manutenção
de complexos sistemas de informatização. Da mesma forma, a aceleração do procedimento
não significará em todas as ocasiões um implemento da qualidade, quando vista, por exemplo, sob o ponto de vista de conteúdo das decisões.
A despeito de tais circunstâncias, é positivo que as medidas mais significativas sejam dirigidas à solução dos problemas da ineficiência e da lentidão. Como solucionar esses
problemas também é objeto dos debates na sociedade e das práticas dos tribunais e juízes.
Entremeando debates, estudos e práticas, algumas tendências se destacam e aqui
403 Cf. Lei 11.419/2006.
404 JUNIOR, Vicente de Paula Ataíde. O novo juiz e a administração da justiça. Curitiba: Juruá, 2006. P.77.
416
Revista ESMAC
passam a ser resumidamente registradas.
A primeira, e mais evidente, é a tendência à simplificação de rotinas e ao maior uso
da tecnologia da informação, decorrente, dentre outros fatores, do aumento da litigiosidade
que resultou na morosidade judiciária.
A manualização de rotinas cartorárias é outra forte tendência dos tribunais, por
meio da adoção de sistemas de gestão e modelos importados da iniciativa privada. O planejamento estratégico é outra ferramenta adotada mais recentemente.
Além disso, aumentou a tendência ao agravamento da avaliação de desempenho
dos tribunais e juízes no que diz respeito à produtividade quantitativa e sua divulgação à
sociedade. Exemplo disso é o sistema “Justiça Aberta” recentemente implantado pelo Conselho Nacional de Justiça, que publica mensalmente as taxas de congestionamento das unidades judiciárias do país, indicando que uma parte das reformas caminham no sentido de
estabelecer e difundir as pendências e a morosidade por meio de indicadores quantitativos
das diversas unidades jurisdicionais.
Mas só isso não basta. A tendência a um novo perfil de juiz e de servidores se impõe. O aperfeiçoamento e o compromisso pessoal são necessários. Sérgio Cavalieri Filho,
citado por Luiz Umpierre de Mello Serra afirma que:
“A alta administração dos tribunais é capaz de construir belos grandes e adequados fóruns,
comprar computadores e sistemas, equipar os prédios com a melhor tecnologia disponível,
mas não consegue impulsionar os processos sem juízes gestores, servidores qualificados,
treinados, e acima de tudo, conscientes da grandiosa tarefa que devem desempenhar.”405
Verifica-se portanto que esses valores constitucionais convergem à unanimidade
em novas tendências de administração em busca da agilização da prestação jurisdicional.
405 SERRA, Luiz Umpierre de Mello. Gestão de Serventias Judiciais. Programa de MBA em Poder Judiciário.
Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2007. p.9.7.
417
02 - OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
2.1. Os Juizados Especiais Cíveis
Depositários da promessa constitucional de ampliação do acesso à justiça e do
pleno exercício da cidadania, os Juizados Especiais resultam de um movimento em busca
de maior efetividade dos direitos das pessoas comuns, cujas pequenas demandas eram reprimidas de forma indireta, em razão dos custos financeiros a serem suportados para ajuizamento de ações e da estrutura precária do Poder Judiciário.
No Brasil, mesmo anteriormente à Constituição Federal de 1988, o sistema processual adotou os Juizados Especiais de Pequenas Causas, instituídos por legislação ordinária, a saber, a Lei n° 7.244/84. Tratava-se, em verdade, de modelo adaptado das Small
Claims Courts dos Estados Unidos da América, por ocasião de visita da coordenação do
Programa Nacional de Desburocratização, dirigida pelo Ministro Hélio Beltrão, que constatou a inadequação da estrutura judiciária para atender às causas de menor valor e encontrou,
no modelo americano, um caminho que abriu espaço para a modernização do Poder.
A orientação normativa firmada naquela lei direcionava para o fim maior da realização da justiça de forma simples e objetiva.
Apesar do êxito daqueles Juizados, era apenas facultativa a sua criação e instalação em todo o país. Contudo, importância tal assumiu a matéria, que foi elevada ao âmbito
constitucional, motivando, após aquele marco inicial, a determinação de que passasse a
ser obrigatória a adoção do novo microssistema, conforme o artigo 98, inciso I, da CF, que
assim dispõe:
“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados
especiais, providos por juízes togados ou togados e leigos, competentes para a conciliação
e o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e de infrações penais
de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitido nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de
primeiro grau.”406
Passando a ser obrigatória em todos os estados da federação, a determinação constitucional foi lastreada no princípio do amplo acesso à justiça, estabelecendo a criação
dos Juizados como mecanismos aptos a propiciarem a rápida e efetiva atuação do direito
voltado à satisfação dos jurisdicionados e à pacificação social. José Guilherme Vasi
Werner assevera que:
“A Constituição da República Federativa do Brasil, edição de 1988, chancelando e consolidando uma
experiência de simplificação do sistema processual civil formalizada por meio da Lei nº 7.244/1984,
criouosistemadosJuizadosEspeciais,comopropostadeumajustiçanova,destacadadaJustiçatradicional, o que levou o Desembargador Thiago Ribas Filho a decretar um ‘novo tempo na justiça”.407
406 BRASIL, Constituição da República Federativa. Art. 98.
407 WERNER, José Guilherme Vasi. Juizados Especiais. Programa de MBA em Poder Judiciário. Fundação
Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2007. p.3
418
Revista ESMAC
A norma assimilou e prestigiou a idéia fundamental defendida pelo jurista italiano
Mauro Capelletti, conducente à maior atuação do cidadão na resolução dos problemas do
grupo social, mediante a adoção de técnicas simplificadoras dos procedimentos e a previsão
de formas alternativas de resolução dos conflitos, convocando o povo para participar da
administração da Justiça.
Essa concepção do sistema representa muito mais do que uma simples mudança
de rito. Dentre os vários meios possíveis de acesso célere e efetivo à justiça, hodiernamente
os Juizados Especiais, sejam estaduais ou federais, representam o que de mais concreto o
Estado brasileiro tem posto à disposição dos cidadãos.
O novo modelo de prestação jurisdicional mostrou-se apto a resolver, pelo menos
em parte, a crise de identidade e de credibilidade vivenciada pelo Poder Judiciário ante
a excessiva morosidade na tramitação dos processos, representando uma alternativa satisfatória para resolver os entraves da jurisdição tradicional.
Assim, o advento dos Juizados Especiais deflagrou uma nova era no Poder Judiciário. Profundas e significativas mudanças provocaram um rompimento com antigos paradigmas marcados por instrumentos burocráticos processuais que, diante de causas de pequenas complexidades e de pequeno valor, travavam o curso do processo e dificultavam o acesso
da maioria das pessoas ao serviço de prestação jurisdicional.
Com a criação dos juizados especiais, podem ser identificados e resumidos os
seus objetivos principais: O primeiro consiste em possibilitar o ingresso em juízo, sem ônus
pelas custas ou responsabilidade por honorários judiciais, em primeira instância, naquelas
demandas em que não haja complexidade probatória ou cujo valor da pretensão econômica
seja pequeno, proporcionando a ampliação do universo das pessoas, aptas a terem acesso à
justiça.
O segundo objetivo é o de garantir a celeridade processual, não alcançada no processo tradicional, mediante a simplificação dos atos processuais, adotando-se a oralidade
como princípio norteador, tudo isso para que cada vez mais, seja diminuída a distância temporal entre a data da propositura da ação e a manifestação final do Poder Judiciário, atribuindo-se ao processo o máximo de efetividade.
Por fim, o terceiro e não menos importante objetivo, consiste em consolidar-se no
âmbito do Poder Judiciário uma forma distinta de efetuar a composição dos conflitos individuais postos sob a sua apreciação, mediante a conciliação, que adquire contorno prioritário
nos Juizados.
O sistema especial traz algumas simplificações com vista à aceleração do procedimento judicial, dentre as quais destacam-se: a) dispensa de advogado e de petição escrita
para a apresentação do pedido inicial; b) vedação da intervenção de terceiros; c) descabimento de provas complexas; d) inexistência de recursos contra decisões interlocutórias; e)
dispensa da cobrança de custas e honorários; etc.
Contudo, pouco tempo após a instituição do novo sistema, um paradoxo começou
a despontar, pois o próprio sucesso dos juizados junto a população forçou a exigência de
uma rapidez que, embora prevista constitucionalmente, não existia na prática, em razão de
deficiências administrativas e limitações orçamentárias.
Nesse sentido, constatou-se a desproporcionalidade entre a reserva orçamentária
destinada ao setor que mais crescia no Judiciário, em percentual muito menor do que a taxa
de crescimento, gerando disparidade no tratamento que veio a afetar diretamente a atividade
419
fim. A falta de alinhamento entre a gestão administrativa e a gestão jurisdicional começou
a gerar indesejados pontos de estrangulamento, pois os recursos humanos e materiais existentes evidenciaram insuficientes para atender o volume de serviço, fazendo com que essa
valiosa instituição de cunho constitucional perdesse um de seus maiores objetivos: a celeridade.
De outra banda, a pressão quantitativa que recaiu sobre os juízes contribuiu para
degradarascondiçõesde funcionamento da administraçãodajustiçaquotidiana,exigindo-se
um maior número de sentenças em detrimento da qualidade necessária à função jurisdicional.
Novamente, os atrasos inaceitáveis outrora da justiça comum contaminaram o
sistema dos juizados especiais e acentuaram o debate sobre a produtividade e a qualidade
dos serviços como uma das questões importantes ao aperfeiçoamento da justiça. Só então
chegou-se à conclusão de que faltava maior avanço gerencial e orçamentário também no
âmbito do sistema especial.
Esses ingredientes históricos permitem concluir que, por um lado a instituição dos
juizados especiais foi um verdadeiro marco no Judiciário mas, por outro, esbarrou no problema da deficiência na gestão.
Atualmente, além de ser paulatino, o avanço gerencial dos juizados não é uniforme no Brasil, sendo possível encontrar, espalhados pela nação, diversos tipos de configurações organizacionais. No âmbito estadual, a situação também se repete em nível interno,
onde o suporte administrativo e orçamentário não é compatível com a importância que alcançaram os juizados.
Os métodos de gestão tradicionais, lentos e burocráticos, lamentavelmente ainda
persistem também no âmbito desses Juizados, e não respondem quer ao volume de demandas, quer às exigências de qualidade e rapidez do andamento dos processos, como exigido
pela sociedade.
Além disso, a carência de uma uniformidade de tratamento gerencial culmina por
gerar desigualdades entre as unidades jurisdicionais e atinge diretamente a própria população destinatária dos serviços. O resultado é de se esperar: a morosidade.
Por isso, é necessário introduzir novos modelos de organização que permitam
maior flexibilidade e gerem maior eficiência no funcionamento das unidades, assentado nos
princípios da racionalidade e da qualidade do sistema, de forma muito bem coordenada.
420
Revista ESMAC
2.2 Configuração dos Juizados Especiais no Brasil
A realidade da gestão dos cartórios judiciais no Brasil ainda hoje é baseada em
uma equipe de servidores subordinados a um único agente decisor – o juiz.
Desde a implantação do sistema dos juizados especiais, essa mesma configuração
básica foi trazida da justiça comum, com poucas variações, alterando-se ao sabor do casuísmo de cada magistrado. Ainda é possível encontrar, em um único foro, juizados de igual
competência com funcionamento bastante diferente e resultados distintos.
Essa estrutura organizacional não se mostra adequada às peculiaridades dos Juizados Especiais, muito menos à finalidade última de acesso buscada pela norma constitucional,
pois a centralização hierárquica e funcional faz com que o processamento dos feitos seja
entremeado por longos tempos de espera, tanto nos gabinetes quanto nos cartórios.
José Guilherme Vasi Werner, professor do módulo “Juizados Especiais” no curso
de Especialização em Poder Judiciário, ministrado pela Fundação Getúlio Vargas em parceria com o Tribunal de Justiça do Estado do Acre, elenca a configuração ideal do sistema dos
Juizados:
“(i) Juizados autônomos, com juízes titulares e quadro próprio de servidores;
(ii)
Juizados descentralizados territorialmente e com serviços itinerantes;
(iii)
Juizados com servidores especificamente capacitados;
(iv)
Juizados com recursos proporcionais à sua demanda;
(v)
Juizados com métodos padronizados de trabalho;
(vi)
Juizados com conciliadores selecionados por concurso e por livre designação,
especialmente capacitados para a função;
(vii)
Juizados com turmas recursais compostas de juízes integrantes do sistema;
(viii)
Juizados com órgão de planejamento e supervisão, com objetivo de implantação
de políticas e ações estratégicas.”408
Tocante aos métodos padronizados de trabalho, o fato é que muitas rotinas são
praticadas de forma automática, sem que se faça um prévio estudo sobre sua necessidade,
viabilidade e relevância para o processo e para o resultado dele esperado.
Isso porque, na prática, uma escrivania mais antiga tende naturalmente a perpetuar
uma forma de trabalho sem uma crítica racional das atividades.
Mesmo que exista uma manualização de rotinas, estas ainda trazem muitas práticas
antigas e desnecessárias, num verdadeiro anacronismo organizacional.
O professor Luiz Umpierre de Melo Serra lembra que:
“Em geral, a organização administrativa das serventias judiciais é empírica, baseada na experiência dos profissionais mais antigos, muitas vezes, sem considerar técnicas existentes. Sem duvida,
a experiência desses profissionais é muito valiosa, especialmente porque adquirida justamente
com o desempenho dessa atividade. Contudo deixa de aproveitar as me-lhores experiências e
pesquisas realizadas no Pais e no mundo. Os profissionais que atuam junto às serventias judiciais,
em sua maioria, não têm formação especifica para o desempenho de atividade de gestão.”409
408 WERNER, José Guilherme Vasi. Juizados Especiais. Programa de MBA em Poder Judiciário. Fundação
Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2007. p.13..
409 SERRA, Luiz Umpierre de Mello. Gestão de Serventias Judiciais. Programa de MBA em Poder Judiciário.
421
O documento“Análise da gestão e funcionamento dos cartórios judiciais”elaborado em junho de 2007 pela Secretaria de Reforma do Judiciário, vinculada ao Ministério da
Justiça, em parceria com o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
com o apoio institucional do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais – CEBEPEJ
e da Fundação Getúlio Vargas, apresentou um estudo sobre a gestão e funcionamento dos
cartórios judiciais no Brasil que serve como indicativo dos modelos adotados na grande
maioria das unidades integrantes do Poder Judiciário.
Trata-se, em verdade, de verdadeiro estudo sobre a“burocracia judicial”colocando
em evidência a questão da pouca atenção dada aos cartórios judiciais como igualmente responsáveis pela morosidade. Referido documento traz a constatação de que “em geral, os
cartórios organizam o serviço interno pela mistura de três critérios: ‘por tarefas’, ‘por finais’
e ‘por ritos”410.
Na organização “por tarefas”, cada funcionário é responsável por uma única tarefa
em todos os processos do cartório. Exemplos práticos são o do servidor responsável pelas
juntadas ou pela expedição de mandados e do servidor responsável pelas intimações telefônicas.
Já na organização “por finais”, os processos são distribuídos entre os funcionários
conforme sua numeração final, ou seja, o funcionário é responsável por todas as tarefas em
processos com determinada numeração final, independentemente do tipo de processo ou de
procedimento.
Por fim, na organização “por rito”, cada grupo de funcionários se encarrega de
processar ações judiciais que tramitam por determinado rito ou procedimento: ações de rito
ordinário, ações de rito sumário, ações de despejo, ações de execução, etc.
Além disso, há o registro de que alguns despachos judiciais mais simples são
minutados pelos servidores para o juiz assinar. Alguns setores também funcionam com relativa autonomia. Na prática, o que ocorre é que os cartórios costumam conjugar mais de um
critério de organização. Prossegue ainda o estudo destacando que:
“Os cartórios judiciais não dispõem de administração profissional e não utilizam ferramental
técnico apurado para planejar, organizar, controlar, dirigir e coordenar os recursos humanos, financeiros, materiais e tecnológicos com base científica. Isso pode ser apontado como
responsável, dentre outras disfunções, por filas, tempos de ciclos extensos e indesejados,
controles em duplicidade, falta de informação ou informação sem credibilidade, estresse
e falta de realização profissional dos recursos humanos. Geralmente, os cartórios adotam
ações pontuais visando reduzir o volume de trabalho de uma determinada rotina, no formato
de mutirão. Essas medidas, contudo, são paliativas e de baixa efetividade. A gestão dos
cartórios (pelo Tribunal ou pelo diretor) não está baseada em relatórios de gestão ou índices
de resultados. Não há contrato de manutenção preventiva dos equipamentos. Também não
há um manual de operações (eletrônico ou físico) nem um plano diretor de informática, ou
similares.”411
Vê-se portanto, a produção nacional de um valioso instrumento de crítica e avaliação da burocracia judicial.
Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2007. p.4..
410 BRASIL, Ministério da Justiça – Secretaria de Reforma do Judiciário. “Análise da gestão e funcionamento dos
cartórios judiciais”, p.13/14
411 Ob.cit. p.41.
422
Revista ESMAC
Por outro lado, o resultado do trabalho realizado pelos Juizados Especiais e pelas
Turmas Recursais no ano de 2006 foi destacado no relatório “Justiça em Números” do CNJ
– Conselho Nacional de Justiça, divulgado em 2007, segundo o qual, do total de 7,8 milhões
de processos (casos novos e casos pendentes) em tramitação no ano de 2006 e pouco mais
de 4 milhões de sentenças, os Juizados Especiais obtiveram taxa de congestionamento de
47,6%.
Já as Turmas Recursais, responsáveis por montante menor de processos (240 mil
casos novos, 77 mil casos pendentes e 213 mil sentenças), alcançaram a menor taxa de congestionamento, cerca de 33%.
Diante de tais dados, os membros daquele Conselho recomendaram às instituições
do Poder Judiciário nacional que “busquem maximizar suas capacidades gerenciais adotando soluções criativas contra a ineficiência administrativa e o anacronismo organizacional
em um contexto de recursos escassos.”412
A conclusão do relatório baseia-se na consideração de que a disponibilidade de
recursos materiais é condição necessária, mas não suficiente, da organização eficiente do
Poder Judiciário. Precisa-se de criatividade.
Historicamente, na Capital do Estado do Acre, os dois primeiros Juizados Especiais foram criados e instalados no ano de 1995, sendo um Juizado Especial Cível e um
Juizado Especial Criminal. Sete anos depois, em novembro de 2002, foram instalados mais
dois Juizados Cíveis e um Juizado Criminal.
No ano de 2007, a Corregedoria Geral da Justiça instituiu por meio da portaria
nº 13/2007 grupo de trabalho com vistas a promover, nos Juizados Especiais, o primeiro
estudo do acervo e do fluxo processual, identificando as causas de obstrução, visando traçar
diretrizes para o aperfeiçoamento das atividades jurisdicionais e administrativas. Para tanto,
foi necessária a elaboração de um prévio diagnóstico de cada unidade, com visitas onde
foram colhidas as manifestações dos servidores e juízes.
O estudo expressou situação bastante conhecida a nível nacional, indicando que as
unidades com a mesma competência funcionam isoladamente.
Constatou-se que a delegação/centralização é variável nas diversas unidades, cada
qual com forma individualizada de gestão, remanescendo boa parte das práticas como herança da justiça ordinária, com poucas adaptações. Cada Juiz disciplina de forma individual
as atividades processuais e administrativas do seu Juizado.
Em conseqüência, os jurisdicionados, completamente alheios a essa situação, não
compreendem porque existem tratamentos diferentes em cada juizado, o que culmina por
atingir negativamente a imagem do Poder. Os advogados, de sua parte, aproveitam para escolher dentre os juizados aquele cuja rotina mais lhe beneficia.
O estudo resultou na realização de um verdadeiro diagnóstico dos Juizados Especiais da capital, valioso para o repensar das práticas adotadas em cada unidade. Assim, as reuniões da segunda etapa do trabalho voltaram-se à discussão e análise da estrutura em vigor
e da necessidade de racionalização das atividades. Como resultado, apontou, dentre outras
conclusões, que o sistema de automação ou de informatização por si só não é suficiente para
a solução do problema de agilização dos trabalhos cartorários, indicando a necessidade de
medidas na área de gestão:
412 http://serpensp2.cnj.gov.br/justica_numeros_4ed/RELATORIO_JN_2006.pdf, acesso em 05 de setembro de
2008.
423
“Os dados do SAJ413 não conferem com a situação real encontrada “in loco” por falta de permanente movimentação dos atos processuais; O SAJ não permitiu verificação do índice de
acordos obtidos, nem há dados estatísticos específicos nesta área; O problema de atendimento das partes e advogados foi constatado em todos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais;
O indicador de taxa de congestionamento do SAJ não reflete a realidade. Quanto ao acervo
constatou-se a existência de grande número de processos que poderiam ser arquivados (40%
desde logo). Não há uniformidade de procedimentos documentados para todos os Juizados.
Os Juizados funcionam como ilhas.”414
Dentre as diretrizes propostas pelo grupo de trabalho, diante da situação apontada,
foram destacadas as seguintes medidas na área da política de atuação nos Juizados:
“Maior atuação da Coordenação dos Juizados Especiais, viabilizando homogeneização dos
serviços. Capacitação dos servidores do setor de atendimento; Capacitação dos conciliadores
e juízes leigos visando aperfeiçoamento das audiências e obtenção de maior índice de acordos; Investimentos urgentes para reverter a lentidão no sistema SAJ (Sistema de Automação
Judiciária), causadora de obstrução no fluxo processual e no atendimento às partes e advogados; Aquisição de computadores compatíveis com o número de servidores e com as necessidades do serviço; Substituição das atuais impressoras por impressoras a laser, resultando
em maior agilidade e em considerável redução dos custos; Criação de um núcleo especial
vinculado à CEMAN (Central de Mandados), com viaturas apropriadas para cumprimento
de mandados de prisão e de condução coercitiva com policiais civis requisitados para auxílio
aos Oficiais de Justiça (Convênio). Por fim, no tocante às medidas de normatização, sugeriuse a gestão junto à ESMAC (Escola da Magistratura) para realização de encontros com a
participação de Juízes e servidores para uniformizar rotinas e procedimentos, tendo em vista
que cada Juizado trabalha de maneira diferente.”415
Observando-se os dados constantes dos relatórios nacionais e locais acima destacados, conclui-se que a configuração dos Juizados não obedece um critério de uniformidade, persistindo certo isolamento funcional, o que resulta em desprestígio do sistema como
um todo.
Nessa problematização, impõe-se buscar um modelo de administração que consiga
eliminar os entraves, outrora vivenciados na justiça comum ordinária, trazidos aos juizados,
com os quais estes não podem conviver, e identificar soluções para alcançar mais celeridade
na condução processual, visando obter melhores resultados com o mínimo de atos, deslocando o foco da atenção para a trajetória dos procedimentos do cartório, do que depende a
agilização da tutela jurisdicional.
413 SAJ é a sigla para o Sistema de Automação Judiciária em uso no Poder Judiciário do Acre.
414 ACRE. Diagnóstico dos Juizados Especiais do Estado do Acre, março de 2007. COGER – Corregedoria da
Justiça do Estado do Acre.
415 Ob.cit.
424
Revista ESMAC
2.3. O Novo Modelo de Gestão dos Juizados Especiais Cíveis em Rio Branco - AC Proposto
à Corregedoria Geral de Justiça do Estado
No ano de 2007, após a elaboração do diagnóstico dos Juizados Especiais, foram
dados os passos iniciais para a implantação do Manual de Gestão Simplificada de Juizados
Especiais Cíveis416, apresentado à Corregedoria Geral da Justiça do Estado, mediante proposta de descentralização de atividades e adoção de formas mais simplificadas de trabalho.
O modelo proposto dispensa o excesso de formulações técnicas, baseia-se na naturalidade das ações do magistrado e dos servidores, que não ficam vinculados a normas de
gestão extremamente detalhadas, sendo mais voltada para a interação das equipes em busca
de metas e resultados. Pede racionalização das tarefas, perquirindo-se a necessidade e utilidade dos atos processuais tanto para o cliente (jurisdicionado) quanto para a equipe.
Importa em verdadeira quebra do paradigma da formalidade na gestão e tem como
lastro o uso intensivo de recursos da computação, mais e mais presente nas áreas meio e fim
do Poder Judiciário. Com efeito, ao adotar as facilidades que a tecnologia pode prover, as
atividades do cartório ficam cada vez mais céleres. Uma das contribuições mais importantes
da informática é fornecer resultados numéricos que permitem e facilitam a detecção de
problemas, mas no Judiciário tem sido pouco utilizada neste aspecto.
Importante destacar que a tecnologia facilita a gestão de processos, mas por si só
não alcança todo o seu potencial se não estiver aliada a uma gestão adequada. Isto porque
a automação resolve problemas de organização, mas não os problemas estruturais nem os
motivacionais, sem os quais a possibilidade de êxito é reduzida. Implica em redução de
custos, pois aposta na simplificação dos processos de trabalho e resulta em melhoria da performance, visto que se torna mais rápida e investe no potencial do ser humano a partir de um
maiorincrementodadelegaçãodeatribuições,capacitandocadapessoaenvolvidaaentender
a atividade fim da sua unidade, dando a motivação e o empoderamento necessário a cada um
e ao grupo como um todo.
Essa proposta também pode ser vista como um modelo competitivo a nível externo, mas de forma saudável, pois permite a adoção do método da comparação417 de resultados para fins de análise de desempenho, bem como estimula o exercício da criatividade,
tendocomolastroaparticipaçãodetodos mediantedelegaçãodasresponsabilidadesoutrora
centralizadas na figura do juiz, liberando-o para maior dedicação à atividade primordial de
julgar, o que funciona como um fator de qualificação das decisões judiciais.
Com isso o magistrado passa a ter, também, um papel mais gerencial, incorporando na gestão os princípios que orientam os juizados especiais associados ao princípio da
eficiência judicial. Desse modo, o modelo proposto acaba por seguir a tendência da administração pública contemporânea que indica que o Estado Brasileiro tornou-se, nos últimos
anos, um Estado “gerencial”.
Com efeito, referido modelo surge como resposta à necessidade de reduzir custos
e aumentar a qualidade do serviço, buscando-se concretizar o princípio constitucional da
eficiência. A diferença fundamental para o modelo burocrático está na forma de controle,
416 ACRE. Gestão Simplificada de Juizados Especiais Cíveis, maio de 2007. COGER – Corregedoria da Justiça do
Estado do Acre
417 O método comparativo é um método científico para coleta e análise de dados.
425
que deixa de basear-se nos processos de trabalho para concentrar-se nos resultados.
Cabe recordar, neste ponto que, ao atuarem sob o princípio da gestão burocrática,
os administradores públicos acabam por direcionar uma parte substancial das atividades e
dos recursos do Estado para o atendimento de necessidades da própria burocracia, e não
para as finalidades últimas do serviço.
Já o modelo gerencial baseia-se na definição precisa dos objetivos a serem atendidos,garantindoautonomianaadministraçãodosrecursoscolocadosàdisposiçãodasequipes
para que se possa atingir os objetivos contratados, com controle posterior aos resultados.
Esse paradigma gerencial contemporâneo, adotado nos novos modelos de gestão,
temcomofundamentoadescentralizaçãoeaconfiançanosagentesenvolvidosnosprocessos
de trabalho. Por isso, exige formas mais flexíveis de organização, com a horizontalização das
estruturas, descentralização de funções e incentivos à criatividade. Esse modelo contrapõese ao paradigma da burocracia, à ideologia do formalismo e do rigor técnico tradicional.
Por outro lado, requer capacitação permanente dos servidores e avaliação sistemática das atividades, com o controle dos resultados alcançados, superando os aspectos anacrônicos e os excessos formais do modelo tradicional. A idéia aqui é a de unir a capacitação
e a avaliação em um só momento, de forma mais econômica. Como os Juízes têm a obrigação de inspecionar suas unidades pelo menos uma vez a cada ano, esse é o melhor momento
para que tais medidas sejam adotadas de forma simultânea, pois a partir da avaliação dos
resultados obtida a partir da inspeção, é possível detectar os pontos que demandam treinamento das equipes e outras medidas.
Paralelo a isso, alia-se a necessidade de orientação aos cidadãos atendidos, proporcionando várias formas de informação, seja pelo balcão, internet, telefone, correios, etc. bem
como demandando sua participação ativa e responsável na colaboração com o resultado do
processo. Campanhas educativas mediante cartazes, folders, folhetos e até mídia ambiental
colaboram nesse ponto.
Em suma, a Administração Pública deve ser permeável à maior participação dos
agentes e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os fins (resultados). Ela procura
ver o cidadão como cliente de seus serviços.
A título de argumentação, esse raciocínio permite traçar um paralelo entre a gestão
simplificada com a teoria da instrumentalidade do processo, segundo a qual a utilidade dos
procedimentos é o alcance último do direito. Repudia-se assim, a “visão puramente técnica
do processo tradicional”418 completamente superada pela doutrina.
No aspecto hierárquico-organizacional, seguindo a previsão do art. 93 da Lei nº
9.099/95 que outorgou aos Estados legislarem sobre a organização dos Juizados Especiais,
a Lei Complementar Estadual nº 90/2001 estabeleceu em seu artigo 7º que tais unidades
jurisdicionais serão coordenadas por um Desembargador, com mandato de dois anos. A
atividade de coordenação deve deixar o aspecto meramente formal e partir para integrar efetiva e cotidianamente a estrutura dos Juizados, ante a constatação de que, na realidade atual,
cada Juizado funciona como uma “ilha”. Com efeito, restou constatado no Diagnóstico dos
Juizados Especiais do Estado do Acre419 que, à época do estudo, os juizados encontravam-se
totalmente descoordenados uns dos outros, cada qual funcionando de modo próprio.
Em razão dessa circunstância e da previsão legal, a figura do desembargador ou
418 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2003. p.275
419 Cf. item 2.2 do capítulo anterior.
426
Revista ESMAC
juiz Coordenador constitui–se relevante para a gestão administrativa e jurisdicional dos
Juizados Especiais, adstrito o modelo proposto à sua efetiva atuação no sistema.
A melhor regulamentação de sua competência e a adoção de força vinculante das
decisões e orientações administrativas dará maior efetividade à Coordenação, para a correção dos atos administrativos mais relevantes que estejam sendo praticados em desacordo
com a uniformidade institucional. Igualmente importante o acesso às informações orçamentárias direcionadas aos Juizados, que permitam estabelecimento de diretrizes de atuação e
planejamento de ações e metas de trabalho.
A coordenação pode inclusive mediar seminários, encontros e reuniões que
busquem soluções para problemas comuns das unidades e que afetam o desempenho global
dos Juizados. São providências que ampliam a cultura do diálogo permanente e da troca de
idéias, desempenhando assim um importante papel no aprimoramento dos serviços.
No plano das estruturas organizacionais se faz necessária a descentralização e a
redução dos níveis hierárquicos. A esse propósito, cabe realizar aqui, uma comparação do
modelo tradicional com um modelo contendo uma estrutura organizacional mais simples e
horizontalizada, representados nos quadros abaixo:
Modelo Tradicional:
Visão Hierárquica/Funcional
Coordenação Geral dos Juizados
Gabinete do Juiz
Secretaria Geral
Gabinete do Juiz
Gabinete do Juiz
Secretaria Geral
Secretaria Geral
Atermação
Conciliação
Atermação
Conciliação
Atermação
Conciliação
Secretaria
Execução
Secretaria
Execução
Secretaria
Execução
427
Modelo proposto:
Organização por processos de trabalho
Coordenação Geral dos Juizados
Administração Recepção e Protocolo Central de Atermação Central de Conciliações Juizados
Gabinete do Juiz Secretarias Execução
É bom lembrar a valiosa lição do professor Mauriti Maranhão, ao destacar que
a administração com estrutura meramente funcional, com hierarquia calcada nos organogramas, “atualmente não soluciona as principais necessidades de gestão, em face da complexidade da cadeia produtiva e das organizações, decorrentes do extraordinário impacto da
informação em nossas vidas”420.
A crítica do autor recai na impossibilidade desse modelo tradicional solucionar
as necessidades de comunicação, fluxo do processo, agilidade de operação, eliminação de
processos que não agregam valor, dentre outros.
Contudo, é igualmente imperativo reconhecer que a visão hierárquica/funcional
em uma instituição como o Poder Judiciário é um paradigma de difícil superação, em face da
inexistência de uma cultura de abordagem por processos, na qual o foco passa da hierarquia
para o ponto de vista do cliente. Como não é possível abandonar esse tipo de organização
da instituição, a solução é alinhar a estrutura com o processo de trabalho, atribuindo menor
ênfase às relações hierárquicas/funcionais e maior à abordagem por processos.421
Adotando-se o modelo organizacional proposto, a gestão dos juizados especiais
cíveis por parte dos juízes de direito se torna bastante simplificada, uma vez que a Coordenação Geral dos juizados passa a assumir especial importância no tocante ao disciplinamento
das atividades mais relevantes e acompanhamento do desempenho, metas estabelecidas e
resultados a serem alcançados, efetuando as correções necessárias às rotinas essenciais do
trabalho.
Embora aparentemente este modelo extraia algumas atribuições dos juízes, em verdade, o benefício é muito maior, uma vez presente a atuação proativa de uma Coordenação
Geral, integrada por equipe de apoio especializada nesta área, os juízes dos juizados otimizam o tempo de trabalho com maior celeridade aos julgamentos e atos processuais de sua
competência, minimizando o congestionamento de feitos em andamento.
A atuação efetivas de uma liderança (coordenação) é importante no aspecto da
coesão e da manutenção da coerência institucional, evitando contradições internas e contribuindo na padronização de rotinas relevantes nas unidades, com vistas a sanar as diferenças
que interferem no atendimento ao jurisdicionado, assim como unificar as rotinas básicas e
processos de trabalho no tocante aos serviços administrativos e aos atos processuais essen420 MARANHÃO, Mauriti. O processo nosso de cada dia: modelagem de processos de trabalho. Rio de Janeiro:
Quality Mark, 2004. p.31
421 Ob.cit. p.38 e 45.
428
Revista ESMAC
ciais (macroprocessos e processos).
Não é imprescindível delimitar os pormenores da atuação judicial (subprocessos),
e sim levar cada um a se comprometer com os resultados almejados. Esses resultados devem
ser delimitados e voltados ao atendimento das necessidades dos jurisdicionados. Há uma
natural priorização dos processos mais abrangentes da organização.
Nesse sentido, cabe à Coordenação viabilizar condições de trabalho aos juizados,
atuando diretamente ou mediante delegação a um magistrado sub-coordenador, a gestão
de atividades administrativas que afetem todas as unidades, tais como a Central de Reclamação, Registro, Autuação e Distribuição, o Serviço de Recepção e Protocolo, o Serviço
de Pregão Unificado de Audiências e Leilões, o Serviço de Contadoria Judicial, o Serviço
de Administração do Prédio, Xérox, Correios, a unificação do corpo de conciliadores, a
seleção e treinamento e acompanhamento de conciliadores e juízes leigos, a promoção de
capacitação de juízes de direito e dos servidores. De outra parte, cabe aos juízes de direito
e respectivas unidades jurisdicionais a tramitação processual dos feitos conforme processo
simplificado de trabalho estabelecido pela Coordenação dos juizados, acompanhamento,
gestão e motivação contínua dos recursos humanos da unidade, delegando ao escrivão e aos
servidores a gestão dos recursos materiais e equipamentos e a execução compartilhada do
planejamento estratégico simplificado, com vistas ao alcance das metas estabelecidas.
O aperfeiçoamento da comunicação interna é fundamental para a gestão simplificada, devendo o líder compartilhar com todos os servidores envolvidos dados concretos de
resultados atuais, para que compreendam como a sua unidade jurisdicional está se comportando, como estão se comportando as demais unidades equiparadas, identificando onde está
posicionada sua unidade frente às demais (em nível local ou nacional).
Essa medida permite estabelecer metas de resultado, identificar quais as ações e o
tempo necessários para que sejam alcançadas, mediante um plano de ação simplificado. Com
uma firme atuação da liderança e com o reforço dos laços de relacionamento, os servidores
incorporam a idéia de que o sucesso depende de cada um e de todos juntos. O gestor deve
ser o primeiro a incorporar em si o princípio da simplicidade, sabendo motivar sua equipe,
identificar oportunidades e talentos, explorando todo o potencial dos recursos humanos.
No tocante à organização do espaço físico, é sabido que um bom ambiente de trabalho é fator que efetivamente contribui para o desempenho das atividades pelos servidores.
Padrões mínimos de limpeza e organização devem ser observados como fatores essenciais
ao alcance de bons resultados. Sendo possível, deve ser evitada a contaminação visual com a
excessiva colagem de papéis diversos nas paredes, ressalvados os espaços apropriados para
esse fim.
Assim, a adequada distribuição das atividades processuais dentro do espaço físico
disponível, para agilizar a movimentação processual, deve seguir o mesmo fluxo procedimental da Lei n. 9.099/95.
Atividades que demandam alta concentração, tais como conferências de prazos,
digitação de atos intimatórios, movimentações, cálculos, etc., devem ficar em espaço reservado sem interferência de pessoas estranhas ao serviço. Tal medida reduz o chamado “retrabalho” oriundo de erro de atenção, que resulta na repetição desnecessária de atos acarretando o atraso no andamento do processo.
O “layout” ideal de um Juizado deve, assim, obedecer a distribuição de mesas,
computadores e prateleiras de processos em sequência aos atos processuais praticados, ob429
servando-se ainda para os atos de conferência e digitação os espaços em que a iluminação é
maisadequada,alémdaalturaergométricanosequipamentosdeusocontinuado,queimpeça
dores lombares e cervicais, proporcionando maior qualidade de vida aos servidores.
Quanto aos subprocessos de trabalho, na gestão simplificada, as equipes terão
liberdade para elaboração das rotinas especificas de cada setor, desde que seja observado o
alcance dos valores prestigiados pelo sistema especial e a observância às normas legais de
procedimento. Essa providência também retira a mão de obra usada em“tempos mortos”do
processo, melhor readequando os parcos recursos humanos.
Encontra-se aqui uma das características do método de abordagem por processos de trabalho, ensinadas por Mauriti Maranhão, no MBA em Poder Judiciário:
“Quando uma organização realmente “emplaca” a abordagem por processos, há uma boa
possibilidade de criar um ambiente favorável ao progresso sustentado,combinado e potencializado pela satisfação das pessoas que nela trabalham. Começa a ser gerado um “círculo
virtuoso”: o trabalho é absorvente, engrandece e dignifica as pessoas e as deixa mais felizes;
as pessoas por estarem mais felizes no trabalho, naturalmente se motivam para introduzir
novas e melhores formas de executar os processos.”422
Sendo assim, é mais do que oportuna a criação de uma comissão de juízes e servidores junto à Coordenação para aprofundar o estudo dos processos de trabalho, estabelecendo tão-somente as normas gerais para as atividades desenvolvidas. As normas específicas
referente aos subprocessos deverão ser elaboradas mediante o processo participativo das
equipes diretamente envolvidas. Eventual intervenção ou alteração dos subprocessos traçados somente vão para análise do Juiz e da Coordenação na hipótese de resultados insatisfatórios. Ocorre assim uma redefinição de papéis e de responsabilidades.
Especial atenção deve ser atribuída ao atendimento, atividade ocorre desde a recepção e protocolo, ao balcão da Secretaria e até ao Gabinete do Juiz.
Considerando que os Juizados são unidades onde predomina a informalidade e
a oralidade, o atendimento às partes e advogados, seja mediante atividade realizada pelo
Juiz de Direito, pelos Juízes Leigos, Conciliadores, seja pelos Secretários e por todos os
demais servidores, deve primar pela excelência, presteza e urbanidade. O atendimento aos
idosos, gestantes e lactantes é prioritário. Recomenda-se ao servidor atendente que seja atencioso, saiba ouvir e compreender as informações. Deve ser paciente e ter habilidade para
acalmar a parte, passando-lhe credibilidade e confiança e, em razão de eventual dificuldade
de expressão, em decorrência de fatores culturais, de linguagem e de comportamento. Deve
manter diálogo de fácil compreensão e sem qualquer envolvimento pessoal com os fatos
relatados. Deve prestar todas as informações possíveis, ainda que não afetas diretamente ao
seu serviço. Deve observar as normas legais, formulários padronizados e rotinas específicas
do seu setor.
Por fim, cabe ao Secretário Geral orientar constantemente os servidores quanto a
esta atividade, devendo acompanhar sua realização, verificando especialmente se são atendidas as orientações e normas.
No tocante à Central de Atendimento de Reclamações da Comarca, para que o
tempo médio de duração desses atos fique em torno de dois dias, é necessária lotação de 10
422 MARANHÃO, Mauriti. O processo nosso de cada dia: modelagem de processos de trabalho. Rio de Janeiro:
Quality Mark, 2004. p. 13
430
Revista ESMAC
(dez) servidores, sendo seis (06) para o registro de reclamações, quatro (04) para os atos
de autuação e atos preparatórios da remessa da citação e distribuição. O manual de gestão
simplificada recomenda que a chefia da Central de Reclamações será ocupada por Bacharel
em Direito.
O registro geral, sendo automatizado, é imediato e concomitante ao recebimento
das reclamações e petições, feito na Central de Recebimento de Reclamação.
Considerando que o sistema SAJ gera imediata e automaticamente no mesmo ato
de registro da reclamação, a etiqueta de autuação e a carta de citação, os atos de autuação do
processo e remessa da Carta aos Correios deverão ser praticados por servidores lotados na
Central de Reclamação. A autuação deve ser realizada diariamente, pela Central de Recebimento de Reclamações, observado o prazo de até dois dias para a distribuição dos processos
às unidades jurisdicionais, as quais ficarão responsáveis pela segunda e posterior tentativa de
citação, desta feita por Oficial de Justiça, na hipótese de a primeira tentativa pelos Correios
restar frustrada. A distribuição deve ser eqüitativa entre as unidades jurisdicionais.
Não se pode esquecer que, no aspecto jurisdicional, as recentes reformas legislativas no processo civil brasileiro englobaram alterações nos procedimentos, nos atos do juiz,
das partes, dos advogados e dos serventuários da justiça. Quanto a estes últimos, a Emenda
Constitucional 45/2004 possibilitou maior atuação na prática de atos ordinatórios, reduzindo os despachos judiciais de mero expediente no andamento processual.
Além disso, a lei 11.419/2006 introduziu significativo avanço tecnológico para facilitar a tramitação dos procedimentos judiciais, de modo que, mesmo sem adoção integral
do processo eletrônico, alguns dispositivos já podem ser utilizados visando à agilização da
tutela jurisdicional. A despeito de tais inovações, muitas práticas antigas continuam entranhadas nas rotinas de trabalho, situação que demanda medidas que criem maior receptividade às mudanças e acompanhem as novas tendências que surgem para atender aos reclamos da sociedade, já não tão tolerante com a conhecida morosidade da justiça.
431
03 - AGILIZAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL NO TERCEIRO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE RIO BRANCO
3.1. A Experiência do Terceiro Juizado Especial Cível da Comarca de Rio Branco - Acre
Partindo do pressuposto de que a agilização da tutela jurisdicional, na verdade, é
resultado da agilização global e individualizada de todos os atos que integram o processo
judicial, conclui-se que o tema integra tanto a administração jurisdicional quanto a administração judiciária, pelo que impõe-se definir um método para o trabalho processual e
um modelo de estrutura funcional que sejam adequados para organizar os serviços de um
Juizado Especial Cível.
A opção por um modelo de gestão constitui-se em questão preliminar relevante, já
que dela depende a maior ou menor eficiência na condução dos processos no âmbito local,
isto é, naquelas medidas internas que não dependam necessariamente de providências da
administração superior dos tribunais, desaguando diretamente no alcance de bons resultados.
Sintonizadas com o modelo de gestão simplificada descrito e na esteira das tendências de administração de escrivanias judiciais, e mesmo a despeito das conhecidas carências
estruturais, algumas práticas adotadas no Terceiro Juizado Especial Cível da Comarca de
Rio Branco, capital do Estado do Acre têm colaborado para a agilização da tutela jurisdicional e passam a ser aqui descritas e compartilhadas, sem embargo do seu aprimoramento
contínuo. Cuidam-se de medidas aplicadas com os conhecimentos obtidos antes e depois do
curso de especialização em Poder Judiciário em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.
rata-se da unidade jurisdicional do Estado que detém o maior volume de processos, bem refletindo a situação nacional detectada pelos diagnósticos nacionais do Conselho
Nacional de Justiça e da Secretaria de Reforma do Judiciário, quanto à necessidade de medidas criativas de gestão que busquem superar os problemas de pouca estrutura de apoio que
resultam na indesejada morosidade.
O diagnóstico local423 relata que o Juizado funciona desde dezembro de 2002, portanto não possui uma estrutura muito antiga.
Iniciou com atendimento direcionado apenas a pessoas jurídicas (microempresas
- MEs) e no início de 2007 passou a receber ações propostas por pessoas físicas, ampliando,
ao depois, esse atendimento para as empresas de pequeno porte (EPPs), tudo num curto
espaço de tempo.
A par disso, o Terceiro Juizado Especial Cível possui uma unidade anexa, o Programa Justiça Comunitária Itinerante, que além dos agentes comunitários de justiça e cidadania, conta também com um ônibus onde funciona um Juizado Especial Cível para atendimento nos bairros periféricos, funcionando desde outubro de 2002, mediante convênios
anuais com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e/ou
com o Município de Rio Branco.
Trata-se de atividade voltada a incentivar o uso da mediação como técnica de
resolução alternativa de conflitos em bairros carentes, difundindo informações jurídicas e
423 ACRE, Corregedoria Geral da Justiça do Estado. Diagnóstico dos Juizados Especiais da Comarca de Rio Branco,
março de 2007.
432
Revista ESMAC
contando com um juizado especial itinerante como coadjuvante. Contudo, a obstrução processual na unidade é idêntica à do Terceiro Juizado, porém em menor proporção, em vista
do reduzido número de feitos em andamento.
Porém, dotada com uma estrutura material e humana bem menor do que a dos
demais Juizados Especiais Cíveis, o Terceiro Juizado Especial logo passou a deter, em curto
espaço de tempo, o maior volume de processos de todo o Estado do Acre, em razão da ampliação sucessiva de sua competência desacompanhada de ações administrativas ao início,
voltadas à melhor estruturação de espaços, equipamentos e recursos humanos.
Paulatinamente esse descompasso com os demais Juizados vem sendo amenizado,
em razão, dentre outros fatores, de recentes medidas voltadas à distribuição equitativa de
feitos e de maior equiparação da quantidade de servidores e conciliadores entre as unidades
, o que não elide a necessidade de aperfeiçoamento das técnicas e processos de trabalho, aqui
definidos como o encadeamento de atos voltados ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.
Nesse ponto, Mauriti Maranhão424, referência em modelagem de processos, destaca a necessidade de se estabelecer limites para a delimitação de um processo de trabalho,
pois ele pode abranger desde um processo elementar até um processo complexo. Cabe a
quem faz o mapeamento dos processos arbitrar esses limites, para que se tenha a melhor
solução ao seu objetivo de análise.
Por convenção, o autor adota as denominações de macroprocessos (os processos
mais abrangentes da organização), processos (as subdivisões dos macroprocessos) e subprocessos (as subdivisões dos processos).
Essa terminologia de modelagem de processos já vem sendo aplicada aos procedimentos judiciais das escrivanias de justiça, embora com termos mais genéricos.
Especificamente no Terceiro Juizado Especial foram definidos alguns processos de
trabalhovoltadosaomacroprocesso,consistentenaentregaoportunadaprestaçãojurisdicional, com cinco subdivisões:
- processamento do atendimento inicial;
- processamento da conciliação;
- processamento da decisão judicial;
- processamento da execução;
- processamento do controle de resultados.
Por sua vez, os subprocessos são os atos repetitivos, que podem ser praticados em
série ou escala, já alcançados pela tecnologia da informação, que muito avançou para melhorar a eficiência desses atos. Especial importância assumem também os atos ordinatórios
como forma de reduzir a tramitação de processos encaminhados ao juiz para atos que impulsionam o processo e que podem ser realizados diretamente na secretaria.
Os subprocessos de trabalho constituem o“conjunto de atividades, funções ou tarefas identificadas, que ocorrem em um período de tempo e que produzem algum resultado.”425
Consistem nas atividades internas e generalizadas da escrivania/secretaria, tais como:
424 Ob.cit. p. 20.
425 Ob.cit. p. 13.
433
- expedição de atos citatórios e intimatórios;
- expedição de atos ordinatórios;
- controle de pauta de audiências;
- controle de prazos processuais.
Maranhão destaca com propriedade que“processos que não agregam valor devem
ser eliminados da organização”426. Sob o aspecto operacional, considera-se de qualidade o
processo que atende a necessidade do cliente. O presente estudo realiza portanto uma crítica
de alguns atos processuais ainda praticados nos Juizados, perquirindo-se sobre sua utilidade
prática no processo.
A idéia motriz deste estudo considera fundamental que tanto os processos de trabalho quanto os subprocessos atendam as peculiaridades do sistema dos Juizados Especiais,
que prestigiam a celeridade, simplicidade e economia processual.
Esses valores devem alcançar todos os atos praticados no cartório. Os manuais
de trabalho precisam ser de fácil manuseio, leitura e compreensão. No processamento das
atividades cartorárias é possível definir o tempo razoável de duração de cada ato processual,
consoante o tempo médio encontrado, para afinal obter o tempo razoável de duração do
processo como um todo.
A Lei nº 9.099/95, em seu artigo 2º, traça as diretrizes operacionais que orientam
os procedimentos do cartório ou secretaria, desde o início até o final:
Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade,
economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.
Na prática, esses valores não são integralmente observados em grande parte dos
atos processuais praticados nos Juizados Especiais. O receio para com os critérios da oralidade e da informalidade faz remanescer a resistência a elaboração de atos que poderiam ser
muito mais simplificados. Como resultado, muitos dos modelos adotados são “importados”
da justiça formal ordinária.
A esse propósito, passa-se a analisar as rotinas – aqui denominadas processos
de trabalho – em conformidade com as disposições legais relativas à prática dos atos da
secretaria do Terceiro Juizado, lançando-se também algumas idéias que poderão ser implementadas em passos seguintes à fase atual.
Não se trata, como podem pensar os mais desavisados, de uma“desprocessualização” do sistema. Não se ignora o grande acervo de experiências até então sedimentadas
pelo processo tradicional. Porém, coloca-se cada qual no seu devido lugar, já que se tratam
de dois sistemas bastante diferenciados.
Naverdade,ovalordoprocessoedoprocedimentoémantidonosJuizadosmedianteuma
conduçãomelhorestruturada,deacordocomassuaspeculiaridades. Aconduçãoracionaledinâmica do processo no Juizado Especial é a melhor garantia da segurança jurídica às partes. O que se
precisaédesmistificaralgunsprincípiosecritériosinstrumentaisdoprocessoqueforamintroduzidos
pela nova legislaçãoeaindanãoplenamenteobservados.Dopontodevistaexterno,essesprincípios
nada mais fazem do que homenagear a própria sociedade e modernizar o direito processual.
3.2 O Atendimento Inicial e a Conciliação
426 Ob.cit.p.28.
434
Revista ESMAC
Nos Juizados Especiais Cíveis de Rio Branco-AC o atendimento inicial, outrora
encargo individualizado, encontra-se desvinculado das unidades jurisdicionais, atualmente
afetado à uma Central de Atermação/Reclamação.
O primeiro objetivo é proporcionar uma distribuição equitativa dos feitos aos
três juizados existentes, evitando a sobrecarga de um dos juízos relativamente aos demais.
A distribuição é computadorizada e imediata, obedecendo-se aos critérios da igualdade e da
alternatividade, submetendo-se à fiscalização das partes e de seus advogados, bem como da
coordenação dos juizados. O sistema informatizado ainda não realiza de forma automática,
a distribuição por dependência na forma do artigo 253 do Código de Processo Civil, a qual
ainda é processada manualmente e somente após a verificação pelo juiz ou conciliador, gerando algum atraso nos feitos, nesta parte. Outro aspecto desfavorável é que as medidas
solicitadas durante o plantão somente são distribuídas no dia seguinte para o juízo de origem,
deixando de computar-se o serviço realizado pelos plantonistas.
O segundo objetivo é o de conferir maior agilidade no atendimento inicial ao cidadão, já que há maior quantidade de servidores no setor. É fundamental que haja um controle apurado do teor das reclamações entradas, já que os pedidos são formulados por pessoas
leigas desacompanhadas de advogado, devendo, para tanto, o setor possuir um bacharel em
direito que efetue a triagem das ações. O ideal seria que todos os atermadores e atendentes
possuíssem bom nível de conhecimentos jurídicos, de modo a evitar ou minimizar erros
nas informações e nas proposituras das reclamações, ocasionando serviço desnecessário às
secretarias, tais como complementações de documentos ou alterações de pedidos ou de partes.
Como regra de informalidade, nessa fase inicial não se exige a juntada imediata de
documentos, ressalvadas as hipóteses de pedidos de tutelas de urgência.
Essa medida é uma das formas de agilização da tutela jurisdicional, pois colabora
para facilitar a autuação e montagem do processo, reduzindo as juntadas, bem como para
reduzir os atos posteriores de desentranhamento nas hipóteses de extinção pelo não comparecimento do autor à audiência preliminar, situação bastante comum.
Com efeito, sabe-se que tais documentos somente serão necessários em momento
posterior, para servirem como prova na audiência de instrução, e isto se não houver acordo
entre as partes, o que denota a possibilidade de serem apresentados apenas na conciliação ou
na instrução. Atribui-se maior responsabilidade às partes na guarda desses documentos até o
momento oportuno de apresentação.
Frisa-se que, no atendimento inicial o autor é desde logo orientado a trazer, na data
da audiência de conciliação, a documentação que dispuser. Em não havendo acordo, é feita
a juntada de documentos no momento da audiência conciliatória, possibilitando-se ainda a
juntada em eventual audiência de instrução e julgamento.
Em havendo conciliação entre as partes, a juntada é desnecessária, passando a valer
o título executivo judicial. Nos casos de cobranças mais comuns, é possível na etapa da conciliação ser procedida a entrega do cheque ou nota promissória ao outro acordante, valendo
em seu lugar o título judicial.
Em uma única hipótese a documentação é solicitada às partes desde o início do
processo, a saber, no caso de haver pedido de tutela de urgência (medida liminar).
Colabora ainda com a agilização da tutela jurisdicional uma outra forma de simpli435
ficação do atendimento inicial, a saber, a instituição do cadastro simplificado de microempresas litigantes habituais, mediante apresentação de cópia do CNPJ e de cópia do registro
na Junta Comercial, juntamente com o ato de designação do preposto apto a representar a
empresa perante o Juizado Especial.
Essa providência é realizada uma única vez, na primeira reclamação movida pela
parte, dispensando a apresentação posterior de seus atos constitutivos todas as vezes em que
comparecer ao Juizado para formular reclamação cível.
Com efeito, a partir da admissão das microempresas como autoras no âmbito dos
Juizados Especiais Cíveis, ocorreu significativo aumento de demandas e, em conseqüência,
de serviços cartorários para o reduzido quadro de servidores.
Outra prática é a disponibilização da gravação em disquetes fornecidos pelas partes, contendo cópias dos formulários e pedidos de reclamação e execução cível mais comuns
(para os litigantes habituais e microempresas). Para efeito educativo, inclui-se, neste caso, de
um termo de responsabilidade da parte contendo seu compromisso e colaboração com o bom
andamento do processo.
Antes da adoção desta medida, a exigência formal de documentação comprobatória da condição de microempresa para juntada nos autos acarretou reclamações dos jurisdicionados, em vista do custo para a obtenção de certidões na Junta Comercial e de cópias
dos atos constitutivos, onerando pequeníssimas empresas que, em regra, foram beneficiadas
com tratamento diferenciado na Constituição Federal e que tinham que realizar deslocamentos prévios a outros órgãos antes de ingressarem com a ação.
Além disso, gerava indesejável acúmulo do serviço de juntadas na Secretaria do
Juizado, demorando ainda mais a prestação jurisdicional. Eram necessários pelo menos
dez atos processuais preliminares que duravam em média trinta dias, quando não solicitada
dilação ou suspensão pelo autor, por falta de condições financeiras ou outros motivos:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Ingresso da reclamação cível;
Despacho ordenando a juntada/complementação de documentos;
Intimação da parte;
Preenchimento de termo de comparecimento da parte apresentando documentos
para juntada.
Juntada dos documentos.
Aferição da regularidade da documentação;
Certidão de regularidade.
Designação da audiência preliminar de conciliação.
Intimação do reclamante;
Expedição da citação ao reclamado.
Tais procedimentos não se coadunavam com os princípios da celeridade e informalidade previstos na Lei 9.099/95, de modo que foi criado, por meio de portaria, um cadastro simplificado de microempresas, permitindo o arquivamento em Cartório dos atos constitutivos das microempresas em uma única vez, dispensando-as das juntadas individualizadas
em todos os processos.
Foram delegados à Secretaria a conferência da documentação e intimação da parte
para complementação se necessário, designação de audiências com pauta organizada para
facilitar inclusive o comparecimento da parte para solucionar vários processos em uma única
436
Revista ESMAC
data.
As intimações também são feitas em bloco, isto é, por microempresa, o que facilita a realização dos trabalhos cartorários. Adota-se igual procedimento quando a empresa
encontra-se no pólo passivo da reclamação.
Essa prática trouxe benefícios que tornaram a Justiça acessível à todos. Isso porque
as medidas extinguiram vários atos processuais preliminares, reduzindo a carga de serviço
da secretaria e o tempo do processo, além de melhorarem a pauta de audiências e democratizaram o acesso à justiça com a redução de custos financeiros desnecessários para as partes.
Também facilitou e democratizou o acesso aos Juizados Especiais, pois reduz a oneração
financeira das partes com os gastos com certidões e cópias de documentações. Simplifica os
procedimentos cartorários e acelera o andamento dos processos, suprimindo aproximadamente dez atos processuais.
O processo de implementação do cadastro simplificado ocorreu de acordo com as
seguintes fases:
1.
2.
e
3.
4.
5.
6.
7.
Elaboração de uma Portaria instituindo o Cadastro Simplificado em cartório.
Reunião para orientação do procedimento aos servidores do atendimento inicial
da secretaria.
Reunião para orientação do procedimento aos conciliadores.
Reunião com os litigantes habituais do Juizados, fornecendo orientações sobre
o cadastro simplificado e sobre a disponibilização de modelos de pedidos para
gravação em disquete ou CD apresentado pelas partes.
Criação de um folder educativo sobre o procedimento dos Juizados.
Reunião com os litigantes microempresários, orientando-se sobre procedimentos
que simplificam o andamento processual.
Adoção do cartaz: “Fale com a Juíza” para reclamações quanto aos
procedimentos dos conciliadores e servidores.
Nenhuma dificuldade foi encontrada para a implementação, pois dependeu apenas
da edição de uma Portaria do Juiz, que redundou em sucesso devido à busca por uma visão
que encontrasse o ponto de vista do jurisdicionado e democratizasse o acesso à justiça, e
ainda à colaboração dos servidores e das partes.
Posteriormente, o procedimento foi encaminhado ao Cartório Distribuidor para
adoção junto aos demais Juizados Especiais que passaram a receber reclamações das microempresas. Não houve aumento de despesas em cartório, e sim redução de tempo e de
serviços, agilizando a tutela jurisdicional.
Ainda no tema do atendimento inicial, a Lei nº 9.099/95 dispõe a regra de processamento do pedido inicial:
Art. 16. Registrado o pedido, independentemente de distribuição e autuação, a Secretaria do
Juizado designará a sessão de conciliação, a realizar-se no prazo de quinze dias.
De acordo com esse dispositivo legal, o registro do pedido inicial não obriga nem requer distribuição e autuação imediata, bem diferente da justiça comum ordinária. O que se prioriza é a designação da sessão de conciliação, que deveria realizar-se no prazo de quinze dias.
A norma permite inferir a possibilidade de os dois primeiros momentos do pro437
cesso serem realizados por uma “central” de recebimentos das reclamações cíveis e por
uma “central” de conciliações, o que seria uma medida bastante salutar, tanto nas comarcas
em que os Juizados são reunidos em um único prédio, quanto nos Juizados descentralizados
em bairros que contam com mais de uma unidade no mesmo local.
Em outras palavras, a distribuição e autuação ocorreriam somente em caso de não
acordo ou ainda de execução de título judicial ou extrajudicial. As etapas iniciais seriam
operacionalizadas antes do encaminhamento dos autos às unidades, que ficariam responsáveis pela instrução, julgamento e execução. Uma forma de organização mais econômica e
mais sistemática, consonante com o espírito de celeridade e de tratamento igualitário da lei.
Atualmente, após a atermação do pedido inicial e a autuação do processo, os autos
são distribuídos a um dos Juizados que providencia a remessa da citação e a realização da
conciliação. Ainda se constata distorção entre as unidades no tocante ao alongamento da
pauta, fazendo com que alguns jurisdicionados sejam atendidos de forma mais ou menos
rápida, dependendo do juizado onde “cai” o seu processo. A criação de uma central de conciliações, como já destacado, também resolve de vez este problema.
O dispositivo legal também prevê a designação da conciliação em um prazo de
quinze dias. Na prática, questões operacionais vinculadas aos atos externos da empresa de
correios na região amazônica, responsável pela realização da citação por carta, e à quantidade de salas para conciliação impedem que esse prazo seja obedecido, de modo que foi
estabelecido como padrão a ser alcançado o prazo mínimo de quarenta e cinco dias para a
conciliação.
Atendendo-se aos critérios norteadores do processo, previstos no art. 2º da mesma
Lei, é possível afirmar que a conciliação pode preceder a distribuição e autuação do pedido.
Essa medida não gera qualquer prejuízo ao reclamante, ao contrário, acelera o procedimento, pois dispensa os atos iniciais de capeamento dos autos e distribuição a um dos
Juizados.
Assim, formulado o pedido inicial, a central de atermação poderia tão somente
registrá-lo no sistema automatizado, imprimindo e entregando uma via para o reclamante a
título de recibo e de intimação para a conciliação.
Na hipótese de dispensa de autuação, o controle de remessa e devolução da carta
de citação pode ser feito pela listagem dos correios, cuja via fica em cartório, bem como
pela pasta de juntada dos Avisos de Recebimento - ARs, organizada de forma cronológica,
por data de audiência, em local específico. O Aviso de Recebimento – AR pode inclusive ser
escaneado para os autos virtuais, quando se tratar de Juizado virtual.
Nesta etapa, deve ainda ser verificada de forma manual ou automaticamente os
possíveis casos de prevenção ou continência, se o próprio sistema não for preparado para
acusar e emitir aviso imediatamente sobre a situação.
Considerando que a conciliação é cadastrada na pauta informatizada, os únicos papéis impressos neste momento seriam as vias do reclamante (cópia do termo de reclamação)
e do reclamado (carta de citação contendo o termo de reclamação).
Além disso, há um caso em que o processo começa diretamente com a sessão de
conciliação, dispensando até mesmo o registro inicial do pedido e a citação:
Art. 17. Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurar-se-á, desde logo, a sessão de
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Revista ESMAC
conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a citação.
Desse modo, surge mais uma quebra de paradigma, com maior informalidade
no Juizado, já que o juiz poderá homologar de imediato o acordo, sem que haja o registro
prévio do pedido. Para fins estatísticos, o registro poderá ser posterior.
As vantagens principais da existência de uma central de atermação/reclamação são
a agilização do atendimento e a eliminação de alguns que atos normalmente ocorreriam ao
depois, como a designação de audiência, juntadas e dispensa de impressão de documentos,
medidas adiadas para a fase posterior do processo, caso não haja acordo.
Junto a esse serviço central também funciona o protocolo geral onde são recebidas
as petições intermediárias dos processos e os avisos de recebimento dos correios, encaminhados à unidade respectiva, o que colabora para a redução de atendimentos diretamente no
balcão de cada Juizado, reservando os servidores para a prática de atos que demandam maior
atenção e concentração mental.
No tocante aos atos de citação, a Lei nº 9.099/95 também possui dispositivos simplificadores, senão vejamos:
“Art. 18. A citação far-se-á:
I - por correspondência, com aviso de recebimento em mão própria;
II - tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado
da recepção, que será obrigatoriamente identificado;
III - sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta
precatória.
§ 1º A citação conterá cópia do pedido inicial, dia e hora para comparecimento do
citando e advertência de que, não comparecendo este, considerar-se-ão verdadeiras as alegações iniciais, e será proferido julgamento, de plano.
§ 2º Não se fará citação por edital.
§ 3º O comparecimento espontâneo suprirá a falta ou nulidade da citação.”
Regra geral, a citação por carta é a mais utilizada no Juizado, porém não exclui
totalmente a citação por oficial de justiça nos bairros e localidades não atendidos pelos serviços dos Correios.
Como regra de informalidade e simplicidade, agilizando a prática de atos judiciais,
a lei dispensa a elaboração de mandado de citação neste caso, cumprindo-se o ato citatório
com a simples entrega de cópia do termo de reclamação no qual deverá constar, além do
pedido e da data da audiência, a advertência acerca da revelia ao reclamado. Nesse caso, a
simples via do pedido inicial terá efeito de servir como mandado judicial.
Ao certificar o cumprimento do ato, o Oficial deverá registrar que realizou a citação com as advertências de lei, o que supre a ausência de formalidade do mandado judicial.
Porém, na prática, ainda há resistência à supressão do “mandado judicial”, remanescendo
no Juizado a mesma formalidade da justiça comum, resultando em mais dispêndio de tempo
para a emissão do mandado, cadastramento e remessa ao setor competente, cumprimento e
devolução, gerando uma delonga de mais de trinta dias.
A propósito da prática dos atos intimatórios nos Juizados, dispõe a Lei nº
9.099/95:
Art. 19. As intimações serão feitas na forma prevista para citação, ou por qualquer outro
meio idôneo de comunicação.
439
Em tal processo de trabalho também é possível a agilização da intimação das partes por meio idôneo de comunicação, sendo o mais comum a ligação telefônica para a parte
reclamante, já que não se trata neste caso de ato citatório. É o caso da complementação do
pedido ou de documentação faltante em pedidos de tutela de urgência, ou ainda do comparecimento em audiência redesignada.
A esse respeito foi baixada uma Portaria no Terceiro Juizado Especial, disciplinando as intimações telefônicas, hipóteses de cabimento, além dos requisitos necessários para a
prática do ato e de sua validação no processo. Essa portaria foi reaproveitada posteriormente
pela Corregedoria Geral de Justiça que emitiu provimento similar aplicável às demais unidades.
Outra forma de agilização da tutela jurisdicional, e questão peculiar dos Juizados,
diz respeito ao tratamento conferido aos litigantes habituais e às grandes empresas, ou seja,
aqueles autores ou réus que diariamente estão presentes nos Juizados Especiais Cíveis, o que
permite a realização de termos de cooperação para citações e intimações dos atos processuais em cartório, com data e hora previamente marcadas.
O entendimento com as partes é possível inclusive para a designação de pautas
específicas, separadas por empresas ou por assuntos. Trata-se de medida que colabora em
muito com a aceleração dos processos, por minimizar os atos de intimação por carta, telefone e mandado.
A utilização dos oficiais de justiça deve ser reduzida, por servir como fator de
delongamento do processo, face ao acúmulo de serviço e à redução dos recursos humanos.
Assim, prioriza-se o uso dos correios e as intimações telefônicas, de modo que aqueles devem ser deixados ou reservados para os mandados constritivos realmente relevantes, que em
regra ocorrem posteriormente, na fase de execução.
Aqui, surge um problema comum. Ainda não é integralmente utilizado o disposto
no artigo acima mencionado sobre as intimações por qualquer meio idôneo de comunicação,
resistindo-se ao uso do telefone, sobrecarregando os oficiais de justiça, o que demandará
medidas futuras tendentes a correção da situação.
Muito já se falou sobre o processo de trabalho referente aos atos da conciliação.
Neste ponto, cabe ainda ressaltar que os conciliadores desempenham um dos mais
importantes papéis do Juizado, no tocante à solução dos conflitos, urgindo a constante capacitação e acompanhamento por equipe especializada. Se bem usarem suas habilidades e
competências conciliatórias, os conciliadores atenderão ao verdadeiro objetivo dos Juizados
– a solução pacífica dos conflitos, colaborando com a redução dos processos e do tempo de
duração dos litígios.
É patente que os investimentos orçamentários devem recair na melhoria e aperfeiçoamento das fases iniciais dos processos nos Juizados, notadamente o atendimento inicial e a conciliação, já que um atendimento bem feito e uma conciliação bem conduzida
resultam no encerramento precoce e exitoso do processo, minimizando os atos posteriores
e atendendo aos preceitos constitucionais do acesso à justiça e da razoável duração do processo.
A falta de investimentos ou sua aplicação atrasada nestes setores fundamentais dos
juizados gera inúmeros prejuízos aos jurisdicionados, já que do reduzido quadro de conciliadores decorre o indesejado alongamento da pauta de audiências, ante a maior demora nas
440
Revista ESMAC
audiências preliminares. De sua parte, o Terceiro Juizado Especial Cível conta atualmente
com apenas dois conciliadores e duas salas parcialmente equipadas para as audiências preliminares, fator que impede o juizado de funcionar a contento, a despeito das diversas solicitações de servidores e computadores.
Esse travamento da pauta de audiências consubstancia uma das principais causas
de obstrução no fluxo das atividades do Terceiro Juizado e tem sido solucionado de forma
paliativa, com a realização de diversos mutirões, já que no âmbito administrativo depende
de providências externas à administração local do Juizado. Solução definitiva e a contento
demanda a contratação de novos conciliadores, medida afeta à administração superior.
Ainda no tocante à conciliação, a Lei nº 9.099/95 dispõe o procedimento a ser
adotado:
“Art. 22. A conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua
orientação.
Parágrafo único. Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz
togado, mediante sentença com eficácia de título executivo.
Art. 23. Não comparecendo o demandado, o Juiz togado proferirá sentença.
(...)
Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei:
I - quando o autor deixar de comparecer a qualquer das audiências do processo;
(...)
§ 1º A extinção do processo independerá, em qualquer hipótese, de prévia intimação pessoal
das partes.”
O princípio da celeridade e da economia processual é muito bem constatado nesta
etapa da conciliação, visto que a agilização da tutela jurisdicional é obtida mediante a preparação prévia de diversos modelos de termos de audiência contendo as situações mais comuns, cabendo ao conciliador tão somente selecionar o modelo de acordo com a situação
ocorrente. Os modelos disponibilizados possuem inclusive as determinações de providências
posteriores à audiência, de modo a enxugar e facilitar a tramitação do processo na secretaria,
após o ato.
Algumas sentenças mais simples também já constam desses modelos, agilizando
a tutela jurisdicional, desde que muito bem orientado o conciliador. Exemplifica-se com
as hipóteses de extinção pelo não comparecimento do autor, de extinção por pedido de desistência da reclamação, homologação imediata do acordo e ainda, a decisão de revelia nos
casos mais comuns de cobrança que já possuam prova documental hábil e suficiente à condenação.
A existência de uma “Central de Conciliações” já destacada no item anterior,
se devidamente organizada e preparada, consubstancia uma medida administrativa apta a
agilizar a tutela jurisdicional, fornecendo tratamento igualitário às partes e evitando que haja
distorção na pauta de audiências. Porém, para que o tempo médio de duração da fase conciliatória fique em torno de trinta a quarenta e cinco dias, é necessária lotação de pelo menos
doze conciliadores, sendo quatro para as audiências de cada um dos três Juizados.
Atualmente, as audiências de conciliação são realizadas em espaço próprio e separado das
unidades jurisdicionais, sendo portanto necessária a designação de servidores responsáveis
pela elaboração e acompanhamento da pauta, distribuição dos processos aos conciliadores,
441
realização do pregão, recebimento com o resultado da audiência, movimentação estatística e
devolução dos autos às Unidades de origem.
As audiências deverão são realizadas concomitantemente, conforme o número
total de conciliadores existentes, a partir das 8h30min, em intervalos de trinta minutos,
período de tempo considerado suficiente a possibilitar ao conciliador entabular o diálogo
com as partes, conduzir as propostas de acordo, elaborar o termo respectivo, conferir, imprimir e colher as assinaturas. O espaço físico é propício ao tipo de atividade desenvolvida,
para evitar tumulto, interrupções, barulho e outros atos que atrapalhem o entendimento das
partes.
Uma idéia interessante é a de atribuir à Central de Audiências a atuação extensiva
às arrematações, já que a prática mostra ser comum a possibilidade de uma conciliação entre
as partes presentes por ocasião do leilão, sendo regra bastante comum o resultado negativo
da arrematação. Assim, aproveita-se a presença das partes para nova tentativa de acordo.
Quanto à simplificação da Conciliação, a experiência comum mostra que é possível uma melhor organização da pauta de audiências, mediante tratamento diferenciado
aos litigantes habituais (comumente nas relações de consumo) com pauta mensal própria,
como já destacado anteriormente, em datas e horários fixados mediante prévio contato com
os advogados ou microempresários, agilizando a tramitação processual em bloco.
Para a obtenção de acordos, os Juizados dispõem de programas geradores de planilhas de cálculo de atualização, o que também facilita os entendimentos das partes.
Em situações temporárias de alongamento de pauta, a agilização da tutela jurisdicional é feita através de mutirões de conciliação, sendo oportuno frisar que o calendário
anual do Judiciário acreano já conta com períodos tradicionalmente separados para tais
medidas, como por exemplo, a semana da Justiça, no mês de dezembro de cada ano.
Por fim, cabe ressaltar que, para o acompanhamento dos resultados das conciliações, o Terceiro Juizado Especial Cível dispõe de tabela que mensalmente é informada pelos
conciliadores, de modo a identificar o maior ou menor índice de acordos e outras situações,
como revelias, extinções, suspensões e redesignações.
Não sendo o caso de extinção ou remarcação, e não sendo alcançada a conciliação,
será fixada data para a audiência de instrução e julgamento, procedendo-se no mesmo ato às
advertências necessárias, saindo intimadas as partes desde logo.
442
Revista ESMAC
3.3 A Decisão Judicial e a Execução
Como foi visto, em decorrência das regras de procedimento e dos princípios da
simplicidade e informalidade, pouca ou quase nenhuma presença do juiz togado ocorre nas
fases preliminares de atendimento inicial e conciliação. Este apenas recebe os autos para
colher as provas orais e documentais, e julgar a lide, na hipótese de não acordo.
Se a unidade possuir um quadro de juízes leigos, o juiz togado receberá o processo
apenas para a análise da decisão proferida por aqueles, para o fim de homologá-la ou proferir
outra decisão em substituição.
O sistema foi organizado de tal forma que, em funcionando a contento, o juiz
togado fica reservado para as decisões que demandam análise e estudos mais aprofundados,
fazendo cair por terra a alegação de baixa qualidade das sentenças proferidas nos juizados
especiais. Nesta linha, entende-se por qualidade da decisão não a quantidade de laudas preparadas, eis que atende ao anseio de justiça das partes a sentença que, embora sintética, bem
aprecia o caso e fundamenta de maneira compreensível às partes a razão de decidir.
Desse modo, o quarto processo de trabalho refere-se à fase de decisão judicial, por
ocasião da instrução e julgamento, a respeito do qual a Lei nº 9.099/95 dispõe:
Art. 27. Não instituído o juízo arbitral, proceder-se-á imediatamente à audiência de instrução
e julgamento, desde que não resulte prejuízo para a defesa.
Parágrafo único. Não sendo possível a sua realização imediata, será a audiência designada
para um dos quinze dias subseqüentes, cientes, desde logo, as partes e testemunhas eventualmente presentes.
Art. 28. Na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as partes, colhida a prova e,
em seguida, proferida a sentença.
(...)
Art. 36. A prova oral não será reduzida a escrito, devendo a sentença referir, no essencial, os
informes trazidos nos depoimentos.
Art. 37. A instrução poderá ser dirigida por Juiz leigo, sob a supervisão de Juiz togado.”
No Terceiro Juizado Especial Cível, as audiências de instrução são conduzidas
tanto pelo juiz togado quanto por um juiz leigo, e realizadas em outro espaço, distinto das
audiências preliminares. Similar ao que ocorre na conciliação, existem modelos diversos de
termos de audiências de instrução, muitos deles já contendo uma decisão previamente esquematizada em conformidade com o tipo de assunto, para alteração e adaptação de acordo
com o resultado da audiência e a convicção do julgador em cada caso concreto sob apreciação.
O número de audiências a serem marcadas depende da quantidade de juízes leigos
existentes e do acúmulo ou não do Magistrado titular com outras unidades ou atribuições.
O quadro insuficiente de juízes leigos é um dos fatores que limita a pauta, gerando o seu
indesejável alongamento.
Embora no âmbito dos Juizados a lei permita que a conciliação e instrução sejam realizadas no mesmo ato, se não resultar prejuízo para a defesa, tal prática ainda não
é adotada no Terceiro Juizado nas hipóteses de comparecimento de ambas as partes, visto
que a audiência preliminar destina-se à conciliação e também a um maior contato das partes
443
viabilizando conhecimento mais aprofundado do litígio e permitindo posterior produção de
provas. Outros motivos são a questão orçamentária e a situação estrutural.
A viabilização futura da audiência uma (conciliação e instrução) depende do maior
incremento do aparato judicial. Além disso, aspectos operacionais ainda impedem o cumprimento do prazo de quinze dias para a realização da instrução, como por exemplo, a não
localização das partes ou os procedimentos de remessa e devolução das citações e intimações pelos correios, que na prática ultrapassam o prazo legal.
O Terceiro Juizado não faz uso da gravação digital da audiência, contudo busca reduzir o quanto possível os termos elaborados, com a indicação da norma voltada ao registro
apenas do essencial.
Interessante aspecto concernente à fase de agilização da tutela jurisdicional na etapa de instrução e julgamento diz respeito à possibilidade de “administração ativa de casos”
consistente em agrupar e decidir em conjunto processos com o mesmo conteúdo, medida que
pode ser implementada desde a designação da audiência de instrução.
Ao Juiz de Direito, sendo o líder por excelência do Juizado Especial, cabe, além
da prestação jurisdicional, promover a gestão compartilhada de sua unidade, motivando e
gerenciando suas equipes, traçando planos e metas em conjunto com os servidores.
O Juiz togado pode minimizar a centralização de poder, delegar maiores atribuições
e responsabilidades ao escrivão e aos servidores. No Terceiro Juizado Especial Cível, independentemente das inspeções e correições anuais, é realizada a coleta mensal de dados estatísticos para envio ao Conselho Nacional de Justiça e Corregedoria Geral, oportunidade em
que são realizadas reuniões periódicas com os servidores para avaliar os resultados obtidos.
Essa medida promove a cultura da melhoria contínua, analisando e revendo periodicamente
as atividades realizadas e permite aprimorar os laços de comunicação interna, tanto com a
Coordenação Geral quanto com os seus servidores. Cabe destacar neste ponto que, quando
não é o caso da prática de atos ordinatórios, o uso de despachos padronizados com assinatura
digital para as situações mais comuns já de conhecimento das equipes de trabalho, de quem
se requer atitude proativa no ambiente de trabalho.
Cita-se como exemplo o despacho judicial com assinatura digitalizada do magistrado para o caso de deferimento dos pedidos de redesignações de audiências quando acompanhadosdaprovadeimpedimentoaocomparecimentodaparte,odespachocomassinatura
digital para arquivamento de autos já findos, dentre outros.
A prática de atos da secretaria nesse contexto da decisão judicial diz mais com designações, com as respectivas intimações, quando não marcada a audiência na própria sessão
de conciliação, além da publicação. Um problema comum é o das redesignações, motivadas
por acúmulo de outras atividades pelos magistrados, o que eventualmente resulta no alongamento temporário da pauta, e a demora nas intimações e na publicação das decisões.
Esse atraso decorre do acúmulo de atividades diversas pelos servidores, e pela
realização de diversos atos menores para a consumação do ato processual propriamente dito.
Em outras palavras, significa dizer que, quando o juiz dá uma ordem de intimação, a secretaria realizará pelo menos dez atividades para este ato processual:
444
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1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Recebimento dos autos pelo Escrivão;
Movimentação e baixa da conclusão;
Aposição do carimbo de recebimento;
Encaminhamento à mesa da servidora responsável pela intimação.
Colocação do processo na fila de intimações, por ordem cronológica
de recebimento.
Movimentação para a fase seguinte “aguardando intimação”;
Emissão do ato de intimação.
Aposição da certidão de intimação.
Movimentação da realização do ato no sistema;
Lançamento para a fase seguinte.
Essa rotina evidencia que, por maior rapidez que se lhe imprima, o ato processual
de intimação não é imediato, demandando algum tempo até ser efetivado. A solução consiste em reduzir o máximo possível os atos menores, como os itens 1,2,3,4 e 6 do exemplo
anterior, aproveitando ao máximo os dados registrados apenas no sistema, e documentando
no processo apenas aqueles atos mais relevantes.
Nesse sentido, o Terceiro Juizado Especial Cível passou a registrar as baixas, conclusões, juntadas e remessas apenas no sistema informatizado, denominado SAJ – Sistema
de Automação Judiciária, o que colaborou com a agilização da tutela jurisdicional mediante
a redução do tempo de espera em cartório para aposição e assinatura de termos nos processos, ganhando assim, tempo para os atos mais relevantes.
Com a informatização, também foram totalmente abolidos diversos livros outrora
obrigatórios, dentre eles o livro de registro de sentenças, ante a constatação de sua total
desnecessidade na secretaria, o que culminou com a agilização da tutela jurisdicional, mediante a redução de serviços, materiais de consumo e tempo. Assim, uma via da sentença fica
no processo e uma via com cada uma das partes interessadas, cabendo à secretaria apenas
eventual publicação da decisão na hipótese de não ter sido prolatada em audiência.
Cabe à Secretaria o processamento das reclamações, observando os prazos processuais da fase de conhecimento até decisão definitiva ou terminativa e arquivamento
dos autos, observadas as normas legais e as rotinas de trabalho definidas. O processamento
das execuções, pelo setor competente, observadas as normas legais e as rotinas de trabalho
definidas.
A Secretaria também é responsável pelo acompanhamento imediato dos Recursos
Humanos e Materiais, e execução do plano de ação sob seu encargo, observadas as normas
legais e as rotinas de trabalho definidas. Atribui-se maior responsabilidade do escrivão e dos
servidores com material permanente e de consumo, cautelas e requisições. Programa-se a
reciclagem anual das equipes.
Quanto à simplificação dos atos da Secretaria, cita-se como exemplos, o encerramento dos antigos livros de registro (redução de custos e serviço desnecessário); A redução e
simplificação das certidões e termos (redação); A dispensa de intimação das partes nos casos
de extinção a pedido, quando verificada a ausência de prejuízo; A renúncia ao prazo recursal,
que pode constar do próprio formulário do pedido de extinção (redução do tempo).
Conquanto a realização de atividades em bloco, por meio do sistema de automação
judiciária – SAJ tenha permitido um significativo ganho de tempo no andamento dos processos, outras atividades passaram a constituir gargalos, como por exemplo, o atendimento das
445
partes no balcão de informações e realização de audiências com datas distantes.
Na área da gestão das secretarias dos Juizados, um ponto crucial é o atendimento
ao público, realizado mediante fornecimento de informações e redução a termo das declarações e pedidos das partes. A movimentação processual pode ocorrer mediante organização
e movimentação dos processos e demais documentos nos espaços físicos onde se encontrarem, em layout apropriado, conforme a etapa do procedimento a ser adotado.
Já se avançou o suficiente para compartilhar a atribuição de maior responsabilidade
às partes após a conciliação, ficando cada uma delas com a responsabilidade pela guarda
do termo de acordo, de modo que o processo seja imediatamente arquivado e não fique na
situação de “suspenso”, resultando em indesejável acúmulo de processos na secretaria.
Tocante à tramitação dos recursos inexiste dificuldade, já que a legislação confere
autonomia à realização dos procedimentos diretamente pela Secretaria Judicial. Com efeito,
diz a Lei nº 9.099/95:
Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por
petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente.
§ 1º O preparo será feito, independentemente de intimação, nas quarenta e oito horas
seguintes à interposição, sob pena de deserção.
§ 2º Após o preparo, a Secretaria intimará o recorrido para oferecer resposta escrita no prazo
de dez dias.
Computados os prazos de dez dias para cada parte, somados ao prazo de quarenta
e oito horas para o preparo e de dois dias para os atos da secretaria a cada intervalo entre
um ato e outro, chega-se a um período vinte e oito dias, para a tramitação do recurso em
primeiro grau, não computado o período de seu andamento na Turma Recursal. De modo
geral, a forma de tramitação do recurso por si só já permite a aceleração do andamento do
processo.
O processo final de trabalho é o da tramitação da execução, o ponto crucial de congestionamento do Terceiro Juizado Especial, onde são localizados os processos mais antigos
em tramitação.
Como medida de agilização da tutela jurisdicional nessa fase, foram adotadas
medidas de economia de despachos e redução da aposição de termos nos autos.
Também foi concedida maior autonomia e maior confiança à equipe para o processamento da execução, mediante ampliação da prática de atos ordinatórios e da utilização
de despachos com assinatura digitalizada do Juiz togado, nas situações mais comuns similares às da secretaria (indeferimentos de mandados repetitivos para os mesmos endereços,
indeferimento de suspensões repetitivas de processos, redesignações, arquivamentos, etc.).
O método de trabalho adotado é o por tarefas, o que otimiza a realização das atividades em ciclos, fazendo com que o processo venha à conclusão o mínimo possível, apenas
para as decisões necessárias e mais relevantes.
A Lei nº 9.099/95 norteia o procedimento da seguinte forma:
“Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que
couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
II - os cálculos de conversão de índices, de honorários, de juros e de outras parcelas serão
efetuados por servidor judicial;
446
Revista ESMAC
III - a intimação da sentença será feita, sempre que possível, na própria audiência em que for
proferida. Nessa intimação, o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu
trânsito em julgado, e advertido dos efeitos do seu descumprimento (inciso V);
IV - não cumprida voluntariamente a sentença transitada em julgado, e tendo havido solicitação do interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á desde logo à execução, dispensada
nova citação;
(...)
VII - na alienação forçada dos bens, o Juiz poderá autorizar o devedor, o credor ou terceira
pessoa idônea a tratar da alienação do bem penhorado, a qual se aperfeiçoará em juízo até a
data fixada para a praça ou leilão. Sendo o preço inferior ao da avaliação, as partes serão ouvidas. Se o pagamento não for à vista, será oferecida caução idônea, nos casos de alienação
de bem móvel, ou hipotecado o imóvel;
VIII - é dispensada a publicação de editais em jornais, quando se tratar de alienação de bens
de pequeno valor;
Art. 53. A execução de título executivo extrajudicial, no valor de até quarenta salários mínimos, obedecerá ao disposto no Código de Processo Civil, com as modificações introduzidas
por esta Lei.
§ 1º Efetuada a penhora, o devedor será intimado a comparecer à audiência de conciliação,
quando poderá oferecer embargos (art. 52, IX), por escrito ou verbalmente.
(...)
§ 4º Não encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoráveis, o processo será imediatamente extinto, devolvendo-se os documentos ao autor.”
A penhora on-line, ferramenta de grande utilidade merece ser destacada em uma
fase onde a localização de bens do devedor é extremamente dificultada.Trata-se de inovação
adotada por meio de convênio assinado entre o Tribunal de Justiça do Estado e o Banco
Central, permitindo a constrição de valores pecuniários depositados em quaisquer bancos do
país e dificilmente localizados pelos credores nas execuções.
A medida não enseja a quebra do sigilo bancário dos executados, uma vez que
consiste no envio de um ofício eletrônico ao banco central informando a quantia devida e a
ordem de pesquisa de informações sobre a localização de ativos financeiros do devedor.
Considerando que o setor onde tramitam as execuções é o que possui maior número
de atendimentos em balcão, uma medida externa à unidade que agilizou a tutela jurisdicional
foi a divulgação dos atos processuais mediante a disponibilização de consulta processual às
partes por meio da internet. Essa iniciativa acabou por reduzir o movimento de pessoas e os
atendimentos no balcão do Juizado, possibilitando às partes acompanharem seus processos
acessado as informações do andamento processual sem necessidade de deslocamento até o
cartório.
O fator de demora dos processos nesta etapa deve-se aos sucessivos pedidos de suspensão para indicação de endereço ou localização de bens penhoráveis, agravando-se ainda
na hipótese de expedição de cartas precatórias. Para a agilização da tutela jurisdicional no
Terceiro Juizado Especial, a situação foi resolvida mediante redução/limitação mais severa
do prazo de suspensão (apenas sessenta dias ou dois pedidos de trinta dias), adotando-se
como última medida, a extração de cópia da sentença ao credor para posterior execução.
Outro fator de demora consiste no cumprimento dos mandados judiciais de citação,
penhora adjudicação e prisão a cargo dos Oficiais de Justiça, por intermédio da Central de
Mandados, externa porém vinculada à unidade. O Terceiro Juizado Especial optou por re447
duzir ao máximo os atos a serem praticados por Oficial de Justiça, incrementando o uso da
intimação telefônica e por carta também na fase de execução, como forma de agilização dos
serviços. Nesta parte, a melhor solução, afeta à estruturação da Central de Mandados, deve
partir da administração superior do tribunal.
Essas constatações permitem aferir que se caminha cada vez mais para uma nova
forma de tramitação processual em cartório muito mais agilizada e informal, já que diversas
formalidades adotadas como regra na justiça comum ordinária são plena e expressamente
dispensadas nos Juizados Especiais Cíveis.
3.4 O Controle de Resultados
As práticas adotadas e destacadas nos itens anteriores permitem aferir uma nova
forma de tramitação processual em cartório muito mais agilizada e informal, já que diversas
formalidades adotadas como regra na justiça comum ordinária são plena e expressamente
dispensadas nos Juizados Especiais Cíveis.
Como foi visto, o uso da tecnologia da informação na administração jurisdicional
e judiciária facilita e reduz em muito o tempo de realização dos serviços, mas não é tudo. É
imprescindível a avaliação contínua das atividades realizadas.
Neste ponto, a idéia é a de aproveitar, de forma mais prática e racionalizada, uma
ferramenta antiga posta à disposição do juiz togado – a inspeção. Com efeito, boa parte dos
problemas estruturais são oriundos da omissão no aspecto gerencial das unidades. Como destacado no primeiro capítulo, uma das atuais tendências da administração judiciária mostra
que a atividade judicante não se resume mais à elaboração de despachos e sentenças. A
atividade dos juízes não se esgota na capacidade advinda de sua formação jurídica, sendo necessário ampliar o conhecimento específico para as matérias atinentes à capacidade gerencial. O novo juiz é um juiz“empreendedor”: age como um articulador das ações das pessoas
que lhe são subordinadas e, especialmente, planeja e gerencia as ações, daí a importância de
inspecionar permanentemente o cartório.
Tradicionalmente, a inspeção é vista como uma forma de verificação do funcionamento global do cartório, apontando falhas e solicitando providências aos magistrados e
servidores. Porém, vista por esta nova ótica, a inspeção não se limita somente à atividade de
mera constatação de falhas “in loco”, mas, acima de tudo, pretende implementar um jeito
novo de avaliar as atividades e os resultados obtidos com o fim de auxiliar o escrivão e os
servidores na administração eficiente do Juizado. Serve assim, como instrumento de implantação de uma cultura de aperfeiçoamento contínuo no Juizado e de mudança de paradigmas,
deixando de ser vista como algo a causar temor aos servidores e passando a ser tratada como
um momento esperado e agradável, de crescimento coletivo e institucional.
No Terceiro Juizado Especial Cível, o controle dos resultados é concretizado mediante um uso inovador das inspeções judiciais.
A experiência mostra como ponto positivo a realização da inspeção ao final do exercício,nosmesesdenovembrooudezembro,poispermiteextrairumquadrodofuncionamento
do cartório no ano que finda, possibilitando um planejamento para o ano seguinte, com o
estabelecimento de novas metas e alterações de processos de trabalho – a revisão das rotinas.
448
Revista ESMAC
Quando obedecida sua implementação de forma sistemática e contínua, a inspeção
gera o chamado “círculo virtuoso”, pois a avaliação dela decorrente gera um novo planejamento, que por sua vez gera uma nova execução e em seguida uma nova avaliação.
É possível afirmar que tal conduta, embora com a denominação jurídica de inspeção judicial, equipara-se, em outras palavras, ao conhecido método de gestão P-D-C-A
(Plan – Do – Check – Act) estudado no MBA em Poder Judiciário da Escola da Magistratura
do Estado do Acre em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.
De outra parte, além da inspeção local, o Terceiro Juizado passa por correições
ordinárias e extraordinárias realizadas a cada biênio pela Corregedoria Geral de Justiça, com
o mesmo objetivo, de maneira global no Poder Judiciário, nas quais também ocorrem novas
orientações e reuniões com os servidores.
Em ambas as oportunidades, aos servidores também é facultada a apresentação
de propostas de alterações e melhorias nos processos de trabalho, bem como são recebidas
críticas e sugestões dos jurisdicionados.
Porém, a participação ativa do jurisdicionado, apesar de facilitada e divulgada,
ainda é mínima no momento da inspeção. Nessa situação, buscam-se outras medidas que
envolvam a participação proativa das partes na melhoria dos trabalhos, de forma direta ou
indireta.
Quando se busca identificar os problemas de gestão, é bastante comum, na inspeção judicial, a ênfase aos problemas internos, como espaço, recursos humanos e materiais. Em geral, deixa-se de fora os problemas da sociedade que podem refletir no aumento
de demandas e adoção de medidas que os alcancem. A mudança dessa atitude, procedendose à extensão da visão do quadro externo da sociedade aos atos de inspeção e de controle
de resultados também pode repercutir positivamente na agilização da tutela jurisdicional.
Um exemplo vivenciado no Terceiro Juizado Especial Cível de Rio Branco é o do
preenchimentoincorretodenotaspromissóriaspelasmicroempresaseempresasdepequeno
porte, gerando demandas ordinárias de cobrança que poderiam ser agilizadas caso os títulos
executivos fossem preenchidos corretamente, fato que foi constatado durante a inspeção
judicial.
Diante da falta de informação das partes quanto aos requisitos necessários à formação do título executivo, foram adotadas duas medidas: primeiramente foi realizada uma
reunião de esclarecimentos e informações na Associação Comercial, esclarecendo-se que o
preenchimento correto das notas permite execução direta, dispensando-se o rito da cobrança
ordinária que estava assoberbando desnecessariamente o Terceiro Juizado. Também foi esclarecido sobre a necessidade de se obedecer os prazos de prescrição para evitar a extinção
de diversos processos, em prejuízo aos credores, situação que também não era de amplo
conhecimento dos jurisdicionados.
Em segundo lugar, foi afixado em locais de fácil acesso do Terceiro Juizado e da
Justiça Comunitária Itinerante um modelo de nota promissória preenchida corretamente, em
tamanho bem ampliado, de modo a alcançar não apenas os microempresários, mas também
os créditos das pessoas comuns.
Essas medidas tornaram mais célere o acesso à justiça, suprimindo etapas desnecessárias no andamento processual e permitindo maior número de execuções diretas.
Outras medidas no âmbito interno demandam parcerias com a administração superior do tribunal e com a sociedade podem gerar melhores resultados, tais como a capacitação
449
periódica dos conciliadores e juízes leigos e uso intensivo de algumas das técnicas de mediação, que resultam em maior índice de acordos; a realização de campanhas educativas contínuas de conciliação nas salas de espera de audiência, com ambiente adequado a quebrar
barreiras comportamentais e amenizar o temperamento das partes; a instituição e seleção de
um cadastro reserva de conciliadores e juízes leigos, medidas a cargo da coordenação dos
juizados, da escola da magistratura, do centro de capacitação e da administração mediante
convênios com outras instituições.
A propósito, algumas experiências divulgadas no FONAJE – Fórum Nacional de
Juizados Especiais, mostram que Juizados Especiais de outras comarcas do país realizam
entendimentoscomgrandesempresas,notadamenteasmaisdemandadas,nosentidodedisponibilizarem advogados, prepostos e órgãos de atendimento aos reclamantes em espaços
cedidos na sede das unidades jurisdicionais, facilitando em muito a obtenção de acordos
judiciais em menor prazo, bem como de transações extrajudiciais.
Importante também se mostra levantar, em momento futuro, o perfil dos demandantes e demandados dos Juizados, bem como dos tipos de ações mais ajuizadas, como medida de política administrativa que permitirá uma atuação mais direcionada junto às partes.
Com efeito, observa-se que o tratamento adequado dos litígios de massa que motivam o alto volume de feitos nos Juizados Especiais, tanto pela via da administração jurisdicional quanto pela via da administração judiciária, notadamente a gestão proativa envolvendo a participação da sociedade, colabora em muito para a agilização da tutela jurisdicional,
encaminhando simultaneamente outras soluções extrajudiciais com o fim de minimizar os
problemas que ensejam aumento de demandas judiciais.
Para a gestão em caso de congestionamento, detectado nas inspeções anuais ou no
acompanhamento periódico dos resultados, pela Coordenação Geral ou pela própria unidade
jurisdicional, o comprometimento da celeridade em virtude do índice de congestionamento
de feitos, são adotadas medidas especiais direcionadas para a solução do caso concreto,
valorizando-se o recém destacado princípio da solidariedade entre magistrados, mediante
formação de grupos temporários de trabalho para identificação e atuação nos processos que
demandam regularização de tempo.
Ademais, como já constatado nas unidades que a adotam, com o advento da prenunciada virtualização do processo, em muito reduzirá o tempo de realização de diversos
atos processuais, simplificando rotinas e minimizando o indesejável acúmulo de feitos.
Em conseqüência da adoção de medidas de simplificação a taxa de congestionamento tende a decrescer de forma gradativa e natural. A virtualização associada à gestão
simplificada é hábil a implementar a almejada celeridade prestigiando e garantindo a razoável duração do processo.
As medidas exemplificadas são evidências de que a gestão administrativa mais
proativa dos magistrados pode culminar em efeitos positivos para os jurisdicionados e para a
sociedade como um todo. A precariedade de recursos não deve servir de omissão ou escusa
para a manutenção do“status quo”e sim de desafio à criatividade, notadamente na administração jurisdicional, trazendo, como já destacado anteriormente, um papel mais empreendedor ao juiz dos Juizados Especiais.
Mesmo sem o uso de um método de gestão advindo da iniciativa privada, o Poder
Judiciário dispõe de ferramentas legais e institucionais que promovam sua melhoria. A
inspeção judicial e as correições, se utilizadas adequadamente, podem funcionar com instru450
Revista ESMAC
mentospotenciaisdeanálise de resultados, planejamento estratégicoeacompanhamentoda
execução na forma planejada, permitindo ações para corrigir os eventuais desvios entre o
planejamento e a execução.
Imperfeições ainda existem e existirão, o que deve ser reconhecido com humildade
e como desafio constante à criatividade e busca de soluções. Como ensina o magistrado
José Renato Nalini, “os juízes não têm a chave para resolver os problemas do mundo. Mas
integram o Estado e não podem considerar-se descomprometidos da tarefa de contribuir para
a consecução de seus objetivos.”
451
CONCLUSÃO
O Judiciário passa por um novo momento, indicando a disposição dos juízes em
mudar o quadro negativo que estava se solidificando. Pouco a pouco vão se vencendo os
problemas que atordoavam a Justiça, como a falta de orçamento, métodos ultrapassados de
organização e o falta de tratamento do excesso de demandas.
O acesso à justiça, como um direito fundamental, recomenda uma atuação sintonizada com outros mecanismos que permitam a agilização da tutela jurisdicional, criando-se
aqui um vínculo entre gestão e esses direitos e valores, que também devem nortear a gestão
e condução da máquina burocrática judicial levada a efeito pelos magistrados.
A adoção de métodos de gestão compatíveis com a nova realidade do Poder Judiciário, mediante a utilização plena dos recursos tecnológicos constitui-se em relevante
contribuição para o alcance dos princípios constitucionais do acesso à justiça, da razoável
duração do processo e da eficiência.
Porém, o incremento da tecnologia da informação por si só não é suficiente para
o alcance das finalidades almejadas pelo sistema. Também não é o simples aumento de recursos humanos e financeiros que fará do Judiciário uma instituição mais eficiente, mas a
introdução de mecanismos de gestão que tornem a tutela jurisdicional mais ágil de forma a
atender os postulados constitucionais.
Criatividade é a palavra de ordem. Alterações simples e eficientes nos sistemas de
organização podem conferir celeridade e racionalidade à gestão dos Juizados, o que produz
conseqüências internas, ao melhorar o andamento dos serviços, e externas, aumentando a
confiança da sociedade, sem necessidade de reformas legislativas.
Oralidade, simplicidade, informalidade, economia e celeridade são fundamentos
dos juizados especiais e precisam ser incorporados não só no processo judicial mas também
na forma de gestão.
Igual entendimento se aplica quanto ao princípio da instrumentalidade, aqui aplicado extensivamente à gestão, eis que o grande diferencial do presente trabalho consiste
em não valorizar excessivamente os meios, e sim os resultados, prestigiando a criatividade
e a inovação na medida em que dá liberdade aos juízes e suas equipes de trabalho para que,
observando normas gerais, encontrem, eles mesmos, o seu caminho de eficiência.
A virtualização está às portas e por si só dispensará inúmeras rotinas, suprimindo
os detalhados manuais hoje existentes. Ela demandará não uma gestão simplificada, mas
ultra-simplificada, de modo que o modelo aqui apresentado atende também a nova realidade
que se avizinha.
Não basta a disposição do Juiz. É necessária a disposição da administração superior, aliando-se àquele para fornecer os meios materiais e organizacionais que viabilizem a
concretização, em última análise, dos fins constitucionais destacados.
O compartilhamento de responsabilidades entre Coordenação-Geral, juízes e servidores contribui para que cada um assuma o seu papel, com vistas a atender aquilo que o jurisdicionado mais deseja: celeridade e efetividade. Esse o propósito da gestão simplificada.
Outras idéias e medidas surgem com o passar do tempo, funcionando como um
motor de criatividade, que somente benefícios apresenta. Alerta-se, porém, que a proposta
aqui destacada não tem o condão de resolver todos os problemas dos Juizados Especiais,
452
Revista ESMAC
mas são apresentadas neste estudo no intuito de colaborar com a agilização da tutela jurisdicional e com a construção de uma justiça cada vez mais moderna.
A metodologia da “Gestão Simplificada” não é uma realidade plena no Poder Judiciário, eis que dotado em grande parte de seus órgãos, de complexa estrutura demandando
detalhamentometiculosodosprocedimentos.Contudo,noqueconcerneespecificamenteao
sistema dos Juizados Especiais, é possível permitir o uso desta ferramenta inovadora, eis que
também fundamentada na busca de racionalização dos serviços.
Simplicidade, informalidade, economia e celeridade aqui são considerados mais
do que princípios processuais do microssistema, revestindo-se em verdadeiros vetores para
a atuação do juiz também no aspecto gerencial.
Se o grande desafio dos Juizados é dar cumprimento à sua missão constitucional
de implementar o acesso à Justiça e a razoável duração do processo, com simplicidade e
celeridade, o modelo de gestão simplificada encontra-se apto ao atendimento de tais requisitos.
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454
Revista ESMAC
A INEFICIÊNCIA DO JUDICIÁRIO E A MEDIAÇÃO COMO MECANISMO
ALTERNATIVO DE PACIFICAÇÃO SOCIAL NO ÂMBITO DA VARA DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Olivia Maria Alves Ribeiro
1. INTRODUÇÃO
As mudanças sociais havidas nas últimas décadas fomentam a necessidade de repensarmos o Judiciário, emprestando-lhe maior eficiência, com o fim de enfrentar as dificuldades advindas da modernidade. A sociedade já não suporta conviver com a tão propalada
“crise do Judiciário” que parece não ter fim.
Fazendo um breve retrospecto na história, verificamos que não é de hoje que o
povo anseia por novas formas de paz social, tanto que em 1988 o preâmbulo da nossa Constituição Federal já trazia delineado o anseio pela solução pacífica das controvérsias:
“ Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte
para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a Justiça
como valores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República
Federativa do Brasil”427
Rámon Soriano428 sintetiza, com precisão, os “três males endêmicos” da administração da Justiça: as incertezas do Direito, a lentidão do processo e os seus altos custos.
Com razão o nobre jurista. Mas não basta ter o diagnóstico, é preciso tratar a doença. A inacessibilidade, a burocracia, o formalismo inútil, a linguagem rebuscada, os altos
custos, a morosidade, decorrente, principalmente, dos “escapes” processuais, as decisões
ineficazes, com soluções pontuais e apenas jurídicas, afora tantas outras mazelas por demais
conhecidas de todos, devem ser extirpadas da história do Judiciário brasileiro.
Para tanto, precisamos fazer uma grande reforma. Não reformas normativas, já que
essas vêm ocorrendo há mais de uma década e não têm se mostrado eficazes. As reformas
têm que ser feitas a partir de nós, magistrados, com uma mudança de mentalidade, mudança
de postura na forma de julgar.
A Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Fátima Nancy Andrighi, em sua fala
no discurso de abertura do I Congresso de Mediação Judicial, ocorrido em março do ano
pretérito, em Brasília, delineou, com muita precisão, o Juiz que a sociedade moderna espera,
427 BRASIL, Constituição de 1988. Preâmbulo.
428 SORIANO, Ramón, Sociologia del derecho
455
quando afirmou que “o mundo contemporâneo exige um juiz pacificador de almas”.
Por certo. O mito da inimputabilidade política, da neutralidade, da fuga social para
manter-se imparcial, onde o magistrado não deve envolver-se com os problemas sociais,
políticos, econômicos e culturais de sua comunidade, já não encontra eco no seio da sociedade contemporânea.
O magistrado, antes de ser um julgador, e para bem julgar, deve estar inteirado
com os problemas do meio em que vive. Antes de ser uma máquina de produzir sentenças, é
um ser humano e, como tal, deve viver e sentir a problemática do seu tempo e do seu semelhante.
Se é certo que o juiz não deve julgar pelo sentimento, já que o sistema não permite,
também é certo que não está impedido de julgar com sentimento. Daí tem-se que um novo
magistrado, com formação humanística, preocupado em efetivamente cumprir a sua missão
de promover a paz social, voltado, também, para políticas públicas de gestão da justiça, deve
surgir nesse novo milênio.
Nesse contexto, a difusão de nova cultura de pacificação de conflitos encontra terreno fértil para se desenvolver, mostrando-se extremamente propício o momento histórico
por que passa o judiciário brasileiro para a disseminação das técnicas autocompositivas entre
os magistrados.
Assim, a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem ganham especial
atenção, ao colocarem-se, ao lado do tradicional processo judicial,
“como uma opção que visa a descongestionar os tribunais e a reduzir o custo e a demora
dos procedimentos; a estimular a participação da comunidade na resolução dos conflitos e a
facilitar o acesso à solução do conflito, já que, por vezes, muitos deles ficam sem resolução
porque as vias de obtenção são complicadas e custosas, e as partes não têm alternativas disponíveis, a não ser, quem sabe, recorrer à força”429.
Para tanto, e com o fim de se garantir mais efetividade ao sistema de distribuição de
justiça, se propõe a utilização desses mecanismos, em especial, a mediação, tanto no âmbito
judicial quanto numa fase pré-judicial, anterior à judicialização do conflito.
Para a implementação destes mecanismos poderão ser utilizadas parcerias com o
Executivo e outros órgãos ou instituições, aproveitando-se de estruturas físicas e humanas
já existentes (a exemplo dos PROCONS), além de criação de Câmaras de conciliação e
mediação nos bairros, as quais podem atuar nas escolas, nas sedes das associações, podendo
contar, inclusive, com conciliadores e mediadores voluntários, estes constituídos por aposentados das áreas de direito e de outras áreas que lidam com conflitos sociais, profissionais
este que, quando em atividade, em muito contribuíram para a pacificação social.
Na fase pré-judicial, deve o Poder Judiciário atuar apenas como parceiro, disponibilizando, no caso do Acre, por exemplo, a estrutura que possui e que já vem fazendo
um trabalho de conciliação, através da Justiça Comunitária Itinerante.
Na fase judicial, no âmbito do primeiro grau, embora entenda que as técnicas autocompositivas devam ser implementadas após a colheita das provas e antes da prolação da
sentença ou, após esta, antes de endereçá-la ao Tribunal, no caso de recurso, consideramos
que o magistrado poderá utilizá-las no curso do processo, sempre que considerar conveni429 MORAIS, José Luis Bolzan de. Mediação e Arbitragem - Alternativas à Jurisdição, p. 107/108.
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ente e propício o momento. No segundo grau, as técnicas poderão ser desenvolvidas por uma
equipe de mediadores constituída pelo Tribunal, antes da distribuição do recurso, ou pelo
próprio relator, antes de incluí-lo em pauta para julgamento.
Por fim, sugere-se uma mudança de mentalidade de todos os profissionais da área,
a começar por uma revisão dos cursos jurídicos, para que, valorizando aqueles profissionais,
como instrumentos de pacificação social, possam contribuir para a solução dos conflitos,
desde o seu nascedouro e em toda a sua extensão, servindo de elo entre a estrutura administrativa, a população e o Judiciário. Neste aspecto, a Ordem dos Advogados do Brasil, por sua
Seção Acre, poderá servir como importante aliada.
Assim é que, no presente trabalho será dado, em breve abordagem, um enfoque
acerca da crise da jurisdição e da utilização das técnicas de autocomposição de conflitos,
centrando-se na mediação judicial e pré-judicial e sua aplicação no âmbito da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
457
2. A CRISE NO JUDICIÁRIO
O Brasil é o país da toga. Mesmo com um judiciário desgastado perante a sociedade, não só pelo envolvimento em escândalos, que vão desde o nepotismo, venda de
sentenças e envolvimento de magistrados com o crime organizado, mas, e principalmente,
pela morosidade na prestação jurisdicional, o brasileiro ainda atribui (graças a Deus) muita
credibilidade ao Poder Judiciário.
Essa credibilidade é revelada pelo acervo processual existente nos Cartórios das
Varas e Secretarias dos Juizados e Tribunais de todo o país.
Segundo o Ministro Gilmar Mendes (informação verbal), Presidente do Supremo
Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça430, tramitam nos juízos brasileiros em
torno de 68 milhões de ações, para um universo de aproximadamente 189,6 milhões de
habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística431, sendo que, na
Justiça Estadual brasileira, existem, em média, oito magistrados para cada cem mil habitantes, conforme se observa da tabela abaixo432:
430 Em Reunião com a Magistratura Acreana, com o tema “Administração da Justiça”, ocorrida em Rio Branco, em
13 mar. 2009.
431Dadosdisponíveisemhttp://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2008/POP_2008_TCU.pdf
. Acesso em 13 mar. 2009.
432Dadosdisponíveisemhttp://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justica_em_numeros_2007.pdf.
Acesso em 13 mar. 2009..
458
Revista ESMAC
Em discurso acerca desta questão, o Ministro Nilson Naves afirmou (informação
verbal)433, que o Superior Tribunal de Justiça, com menos de vinte anos de existência, tem
mais de um milhão de recursos especiais e mais de cento e dez mil habeas corpus, o que
revela, segundo ele, o prestígio do judiciário brasileiro.
As tabelas a seguir evidenciam essa realidade, senão vejamos434:
433 Em discurso de abertura do Curso de Formação de Multiplicadores, ocorrido em Brasília, no período de 15 a 17
de dezembro do ano passado.
434 Dados disponíveis em http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Boletim/sumario.asp . Acesso em 11 mar. 2009
459
460
Revista ESMAC
No âmbito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca
de Rio Branco, no estado do Acre, com apenas um ano de instalação, os números são os
seguintes:
Processos distribuídos
3.288
Processos arquivados
461
Processos Ativos
2.827
Processos Julgados
264
Medidas Protetivas apreciadas
2.054
Prisões:
- Auto de Prisão em Flagrante
246
- Prisão Preventiva
45
Liberdade Provisória
92
Revogação de Prisão Preventiva
9
Relaxamento de prisão
32
Renúncia à representação
262
Se por um lado isto é bom, por outro é muito maléfico, na medida em que contribui
para o inchaço da máquina judiciária e, por conseguinte, para o retardamento da prestação
jurisdicional, confirmando, assim, o que disse o Desembargador Lécio Resende (informação
verbal), Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal435, quando afirmou que “o
sistema garante o acesso ao Judiciário, mas não permite a saída”.
A afirmação do ilustre magistrado é constatada pelo número de casos novos protocolados em 2007 no âmbito do primeiro e segundo grau da Justiça Estadual brasileira,
conforme se observa da tabela fornecida pelo programa Justiça em Números (2007), do
Conselho Nacional de Justiça436:
435 Em sua fala na palestra de abertura do I Congresso Brasileiro de Mediação Judicial, realizado em Brasília, no
período de 03 a 05 de março do ano pretérito.
436Dadosdisponíveisemhttp://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justica_em_numeros_2007.pdf.
Acesso em 13 mar. 2009.
461
462
Revista ESMAC
463
É de se registrar que esse congestionamento afeta não apenas a prestação jurisdicional, mas também outras áreas e setores de âmbito estadual ou nacional, como é o caso,
por exemplo, da questão orçamentária, cujos gastos com toda a estrutura judiciária alcançam, no caso do Acre, por exemplo, 1,68% das despesas totais do PIB Estadual, conforme se
verifica na tabela do programa anteriormente referido437:
Outro aspecto que tem contribuído para a lentidão do Judiciário é a questão do
grande número de recursos. Mesmo com as reformas legislativas no âmbito processual e
a criação de outros instrumentos, através da Emenda Constitucional nº 45/2004, com o fim
de frear essa demanda, como, por exemplo, a súmula vinculante, decorrente de reiteradas
decisões em matéria constitucional, e a repercussão geral como pressuposto de admissibi437Dadosdisponíveisemhttp://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justica_em_numeros_2007.pdf.
Acesso em 13 mar. 2009.
464
Revista ESMAC
lidade do recurso extraordinário, tratada nos arts. 102 § 3º e 103-A da CF, regulamentadas,
respectivamente, pelas leis nº 11.417, de 19.12.2006 e nº 11.418, de 19.12.2006, a redução
do número de recursos, seja especial, seja extraordinário, ainda é insipiente.
O desembargador Cláudio Balbino Maciel438, do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, ao comentar a Reforma do Judiciário, afirmou que ela não interessava aos grandes
perdedores de causas judiciais, quais sejam, a União, os Estado e os municípios, os quais
diuturnamente se utilizam dos recursos apenas para adiar o cumprimento das sentenças,
conscientes de que as causas já estão perdidas.
Segundo aquele Desembargador, o problema, neste particular, reside no fato de que
há muitos interesses em jogo, considerando que, hoje, protelar o cumprimento de sentenças
por meio de recursos traz lucros para os devedores, já que o custo é de apen as 0,5% de juros
por mês.
Ressalta, ainda, o eminente magistrado, que “Talvez mais da metade dos processos
hoje existentes sejam falsos litígios, ou seja, sejam causas perdidas, em que o perdedor só
quer ganhar tempo”.
Aponta ele, também, outros beneficiários da lentidão: os advogados que têm a
remuneração vinculada à realização de atos processuais, ganhando, por exemplo, pela interposição de um recurso.
Todas estas mazelas são por demais conhecidas do Judiciário. Não obstante, referido poder não tem conseguido encontrar mecanismos para contê-las ou mesmo eliminá-las do
âmbito de sua atuação. Isso decorre do fato de que, ao longo de décadas, o mesmo preferiu
manter-se passivo, como se nada lhe atingisse.
Surgem daí as acirradas críticas e o descontentamento do povo brasileiro que tem
se perguntado, sem obter respostas: Como se falar em cidadania se o Poder Judiciário não
tem cumprido o seu papel de promover a pacificação social, nem, tampouco, garantido ao
cidadão o acesso à justiça?
Nem se diga que acesso à justiça é o mesmo que acesso a jurisdição. A primeira
tem a ver com resolver a causa e, a segunda, com julgar a causa. Não basta ter uma ação em
curso no Judiciário, é necessário que esta ação seja julgada, ainda que contrária aos interesses de quem a promoveu.
Não é demais lembrar que o acesso à justiça, que antes se constituía apenas em
uma garantia formal, passou a representar um direito efetivo.
Assim, não basta resolver o processo, faz-se necessário resolver o conflito. E aqui
reside o outro lado da ineficiência do Poder Judiciário, o qual tem se limitado a solucionar
as controvérsias apenas no âmbito jurídico, sem se preocupar com as outras questões que
envolvem o conflito (sociológica, econômica, psicológica, etc...), as quais, embora não colocadas de forma expressa na inicial e contestação, integram o litígio, porém não são consideradas pelo magistrado ao julgar a causa.
É que o magistrado, no seu dia-a-dia, lida apenas com uma parcela do conflito que
envolve as partes. Na maioria das vezes sequer toma conhecimento do conflito de fundo, ou
seja, daquele que gerou o litígio jurídico, e sua decisão, que se atem apenas ao aspecto jurídico-formal, resolve o processo, mas não resolve o litígio. Muitas vezes, tal decisão acaba
por agravar o(s) conflito(s) de fundo (social, familiar, econômico, político...), o que o Juiz
438 MACIEL, Cláudio Balbino. Reforma só atenua a lentidão da Justiça. Folha de S. Paulo, São Paulo, 09 Jul.04.
465
de Direito da Bahia, André Gomma439, chama de “litigiosidade remanescente”, fazendo com
que estas partes novamente procurem o Poder Judiciário para resolver aquelas questões que,
no passado, não ficaram evidenciadas.
Nesse contexto, muitos tribunais do país, preocupados em reverter esse cenário,
têm tentado inserir no âmbito da atividade judicial, e até mesmo pré-judicial, novas técnicas
de resolução de conflitos.
Apesar dos esforços, esses mecanismos não têm tido a atenção que merecem.
Não obstante, alguns tribunais já despontam com um trabalho de sucesso nessa
área, dentre eles pode-se mencionar o Mediativa – Instituto de Mediação Transformativa,
em São Paulo, que vem desenvolvendo vários projetos de mediação nas Comarcas daquele
estado.
Há, ainda, o trabalho de mediação que vem sendo realizado, com êxito, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no âmbito familiar, e que, a partir de 2008, foi estendido
também para as varas cíveis.
Além destes, há, também, a mediação familiar implementada nas comarcas do Rio
Grande do Sul; o trabalho de conciliação e mediação realizado, com grande êxito, por agentes comunitários nos bairros da capital de Rio Branco, e tanto outros trabalhos merecedores
de destaque nessa área.
Também preocupado com os rumos do Judiciário brasileiro, o Conselho Nacional
de Justiça instituiu, em agosto de 2006, o Movimentação pela Conciliação, o qual tem como
objetivo a solução de conflitos por meio da conciliação, posto que esta técnica estimula a
cultura do diálogo, com a finalidade de tornar a Justiça mais rápida e efetiva.
Em 2007, por exemplo, foram mobilizados cerca de 3 mil magistrados e 20 mil
servidores e colaboradores, possibilitando o atendimento de mais de 300 mil pessoas.
Somente na 3ª Semana Nacional pela Conciliação, a qual ocorreu nos dias 1º a 5
de dezembro do ano pretérito, foram realizadas mais de 305 mil audiências e homologados
mais de 135 mil acordos, totalizando cerca de R$ 1 bilhão de processos solucionados por
meio do diálogo entre as partes.440
Muito embora tal movimento venha apontando resultados excelentes, há que melhor ser avaliado, na medida em que o mesmo não alcança a finalidade precípua das técnicas
de autocomposição dos conflitos, já que o objetivo maior da instituição deste movimento
pelo Conselho Nacional de Justiça é o de desobstruir o Judiciário, conforme salientado acima, e não de pacificar os conflitos existentes entre as partes.
Não resta dúvida de que há diversas vantagens no uso das técnicas de autocomposição. Ada Pellegrini441, por exemplo, aponta três fundamentos para a utilização das vias
conciliativas: o funcional, o social e o político.
O fundamento funcional, justificado pela crise da Justiça, traduz-se pelo eficientismo, isto é, buscar a racionalização na distribuição da justiça, desobstruindo os tribunais, ao atribuir-se a solução de certas controvérsias a instrumentos institucionalizados que
buscam a autocomposição, tais como a mediação e a conciliação, além da recuperação de
439 AZEVEDO, André Gomma. Mudança de paradigma. Revista Justilex, Distrito Federal, n. 44, p. 6-8, ago. 2005.
Entrevista.
440Dadosdisponíveisemhttp://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6977:movimento-pela-conciliacao-e-institucionalizado-no-cnj&catid=1:notas&Itemid=675 . Acesso em 22 mar. 2009.
441 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da justiça conciliativa. Revista da Escola Nacional da Magistratura Distrito Federal, n. 05, p. 22-27, mai. 2008.
466
Revista ESMAC
certas controvérsias que permaneceriam sem solução na sociedade contemporânea, em face
da inadequação da técnica processual.
O segundo fundamento das vias conciliativas, o social, consiste na função da pacificação social, isto é, na solução não só da parcela de lide levada a juízo, ou seja, não só
da ponta do iceberg, mas também dos problemas de relacionamento que estão na base da
litigiosidade, os quais não ficam evidenciados no processo tradicional.
Por fim, há o fundamento político, que está contido no aspecto da participação do povo na
administraçãodaJustiça,pelacolaboraçãodocorposocialnosprocedimentosdemediaçãoeconciliação.
É sobre essas diversas formas de solução de conflitos que o próximo tópico irá abordar.
467
3. FORMAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
“O homem é um ser social. O que vive, isoladamente, sempre, ou é um Deus ou
uma besta.”442
A célebre frase de Aristóteles resume a necessidade do ser humano de se relacionar
com outros de sua espécie e, por conseguinte, de se adaptar às normas vigentes, sejam elas
sociais ou impostas por Lei, para que possa ter uma convivência harmônica em sociedade,
sob pena de sofrer sanções.
Tem-se, então, que o conflito decorre da inobservância das regras de direito comum, pautadas no brocardo “o direito de um termina onde começa o do outro”. A ser assim,
pode-se afirmar que o conflito nasceu com o homem, na sua convivência em sociedade e,
com ele, foram surgindo, desde os primórdios, diversas formas de resolução dos conflitos.
Daí se conclui que o homem é o elemento comum entre todas elas, já ele é o foco de todos
os interesses, para que se alcance uma convivência pacífica entre os indivíduos.
O mais primitivo meio de resolução de conflito é a autotutela, em que a solução da
controvérsia se dá pelas próprias partes, através da força, ao se impor, mediante violência
moral (vis relativa) ou física (vis absoluta), uma vontade sobre a outra, vencendo a resistência do adversário, sem a interferência de um terceiro com poder de decisão.
Tal forma de resolução dos conflitos é, em regra, vedada no sistema jurídico
brasileiro, havendo, entretanto, algumas exceções.
A heterocomposição constitui-se em outra forma de resolução de controvérsias,
onde a solução do conflito decorre da imposição de uma decisão de um terceiro, neutro ao
conflito, ficando as partes vinculadas àquele.
No sistema brasileiro, essa função é atribuída aos órgãos jurisdicionais, havendo
órgão jurisdicional de natureza pública ou estatal, que é o Poder Judiciário, e o de natureza
privada, que é a arbitragem, instituída pela L. 9.307/96.
Na heterocomposição, seja na função exercida pelo Poder Judiciário, seja naquela
exercida pelo árbitro, a decisão é imposta às partes, em uma solução adversarial, sendo
absolutamente comum, exatamente por conta da imposição, que uma delas não fique satisfeita com aquilo que ficou decidido, o que acarreta não só a interposição de diversos
recursos, quando cabíveis, com o retardamento da prestação jurisdicional, como já dito, bem
como o desgaste do relacionamento entre autor e réu, quando existente.
Um terceiro tipo de solução de conflito é a autocomposição, que é a resolução do
conflito mediante ajuste voluntário entre os litigantes. Pode ser direta ou bipolar (quando as
próprias partes resolvem o conflito) ou indireta ou assistida ou triangular (quando as partes
são assistidas por um terceiro, neutro ao conflito, como ocorre na mediação e na conciliação).
A autocomposição pode dar-se: pela transação, onde cada parte abre mão de um
pouco, fazendo concessões recíprocas; pela renúncia, quando o autor renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação; e pelo reconhecimento jurídico do pedido, quando o réu dá razão
ao autor.
Esta terceira forma de solução de controvérsia – autocomposição – se utiliza de
442Disponívelemhttp://www.pucsp.br/pos/cesima/schenberg/alunos/paulosergio/teologia.htm. Acessoem 17mar.
2009.
468
Revista ESMAC
três técnicas para obter a resolução do conflito: a negociação, onde há a aproximação das
partes sem a intervenção de terceiro, como, por exemplo, quando há a conversação direta entre as partes ou quando o advogado do autor conversa com o advogado do réu, a conciliação
e a mediação.
Nestas duas últimas, a aproximação é realizada com a intervenção de um terceiro,
sendo que, na conciliação, o terceiro é ativo, sugerindo soluções.
Para Roberto Bacellar443, a conciliação pode ser definida como “um acordo de vontades, onde as pessoas fazem concessões mútuas, a fim de solucionar o conflito”.
Na mediação, diferentemente, o terceiro é passivo, funcionando como apaziguador
de ânimos, deixando que as próprias partes cheguem a uma solução. De acordo com o mesmo autor, a mediação pode ser definida, grosso modo, como técnica de indução das pessoas
interessadas na resolução de um conflito a encontrarem, através de uma conversa, soluções
criativas para o mesmo, com ganhos mútuos e com a preservação do relacionamento entre
elas.
Isto é, trata-se de um diálogo assistido por um mediador, cujo fim é propiciar um
acordo satisfatório para os interessados e por eles desejado, preservando-lhes o bom relacionamento.
Geralmente, a conciliação é utilizada para as causas patrimoniais, situações circunstanciais, como, por exemplo, um pedido de indenização por acidente de veículo, onde
as partes não se conhecem e o único vínculo entre elas é o objeto do acidente.
Já a mediação, por lidar com os sentimentos das partes envolvidas na questão, é
utilizada para causas não patrimoniais, como aquelas que envolvem questões de amizade,
vizinhança, relações comerciais, trabalhistas, mais principalmente as causas de família, onde
há múltiplos vínculos.
Nesse passo, ensina o Professor Sousa Santos444 que, quando as partes estão envolvidas em relações multiplexas, ou seja, relações de múltiplo vínculo (opostas às relações
circunstanciais, de vínculo único, que se estabelecem entre estranhos), “a continuidade das
relações por sobre o conflito tende a criar um peso estrutural a cuja equilibração só a mediação adequa”. Isto porque, valorizando os laços fundamentais de relacionamento, incentivando o respeito à vontade dos interessados e ressaltando os pontos positivos de cada um
destes, ao final se extrai, como conseqüência natural do processo, os verdadeiros interesses
em conflito.
O que há de comum em todas as técnicas de resolução de controvérsias é que, a
todas elas, aplicam-se os princípios processuais previstos na Constituição (devido processo
legal, Juiz natural, contraditório, ampla defesa...), havendo sempre, segundo André Gomma,
a possibilidade de reexame pelo órgão estatal445.
Doravante, a abordagem será em torno da mediação.
443 BACELLAR, Roberto Portugal. A mediação no contexto dos modelos consensuais de resolução de conflitos. In:
I ENCONTRO ESTADUAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS, 11.., 1998, Rio Branco, Anais ... Rio Branco: Tribunal
de Justiça – Coordenadoria dos Juizados Especiais, 1998, pp. 12,13.
444 BACELLAR, 1998, p. 17 apud SOUSA SANTOS, 1980, p. 08.
445 AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação - série Grupos de Pesquisa
em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 152-154
469
4. MEDIAÇÃO
Historicamente o Direito Processual era voltado exclusivamente à composição de
litígios, cujo foco, até meados do séc. XX, era a conceituação e compreensão dos seus institutos.
Passada a fase imanentista (ou privada) e a fase autonomista, já não há mais razão
para se manter a idéia axiológica de que o Direito Processual é o único instrumento de resolução de conflitos; novas funções, modelos e escopos devem ser atingidos através de um
sistema jurídico-processual moderno e efetivo, voltado para os fins do processo.
Niceto Alcalá Zamora Y Castillo446 apresenta em sua obra Processo, Autocomposición y Autodefesa, três missões transcendentais do sistema processual: a jurídica (em
que o sistema processual serve como instrumento para a realização do direito objetivo em
caso de litígio), a política (voltada à realização de garantias e liberdades decorrentes das
estruturas institucionais do Estado) e a social (voltada à contribuição para a convivência
pacífica dos jurisdicionados).
Ao que o autor chama de missões do processo. Ada Pellegrini447, citada anteriormente, denomina de fundamentos para a utilização das vias conciliativas.
Inspirado no mesmo autor Cândido Rangel Dinamarco estabeleceu os escopos do
sistema processual também em três categorias: sociais, políticas e jurídicas.
A primeira, voltada à realização efetiva da pacificação social; a segunda, relacionada com a função do ordenamento jurídico-processual de influenciar politicamente as relações do Estado com o cidadão; a terceira, voltada à realização do direito material, ou seja, à
atuação da vontade concreta da lei.
Enfim, embora com denominações diferentes, seja pelo aspecto jurídico, político
ou social, o sistema processual vigente caminha para novos horizontes, e novos escopos
sociais estão lentamente sendo introduzidos nos sistemas processuais modernos, estabelecendo alguns doutrinadores, como Baruch Bush e Dinamarco448, as orientações voltadas à
compreensão recíproca das partes (validação) e a educação destas para composição da controvérsia (capacitação ou empoderamento) com escopos da mediação.
Por ter como principal escopo a pacificação social, dentre os chamados métodos
alternativos de resolução de conflitos a mediação é a que tem recebido maior atenção.
Enquanto há uma corrente que critica sua utilização, questionando se não seria
parte de um processo de privatização das funções judiciais, as quais são consideradas eminentemente estatais; se não estaria havendo um enfraquecimento da figura estatal, com a
outorga, pelo Estado, de suas atribuições jurisdicionais aos cidadãos, diminuindo-lhe a autoridade de arbitrar conflitos e equilibrar desigualdades para promover a paz social, outros
entendem que a mediação surge como uma alternativa eficaz para combater a morosidade e
a inacessibilidade do processo judicial oficial, na medida em que o acesso à Justiça, embora
garantido constitucionalmente, ainda é difícil para muitos cidadãos, além do que o processo
446 Citado por AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação - série Grupos
de Pesquisa em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 152-154.
447 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da justiça conciliativa. Revista da Escola Nacional da Magistratura Distrito Federal, n. 05, p. 22-27, mai. 2008.
448 Citados por AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação - série Grupos
de Pesquisa em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 156-157
470
Revista ESMAC
tradicional demora muitos anos para ser decidido.
Há, ainda, aqueles que a consideram um instrumento de resgate do estatuto do
cidadão e da comunidade, para restaurar a sua capacidade emancipatória, através da autogestão de seus conflitos.449
Não obstante o reconhecimento da eficácia deste novo instrumento de resolução
de controvérsias, pouco ou quase nada tem sido escrito a respeito. No cenário nacional o assunto, por se apresentar ainda novo, não tem tido a atenção que requer e merece.
4.1 Conceito
O conceito de mediação ainda é bastante controvertido e varia de acordo com o
núcleo de abordagem do doutrinador.
A corrente majoritária a define como um processo autocompositivo, informal,
porém estruturado, no qual um terceiro imparcial auxilia as partes em disputa a encontrar,
elas mesmas, soluções que compatibilizem os seus interesses e necessidades450.
Para Christopher MOORE451:
Amediaçãoéumprolongamentoouaperfeiçoamentodoprocessodenegociaçãoqueenvolve
a interferência de uma aceitável terceira parte, que tem poder de tomada de decisões limitado
ou não-autoritário. Esta pessoa ajuda as partes principais a chegarem de forma voluntária a
um acordo mutuamente aceitável das questões em disputa. Da mesma forma que ocorre com
a negociação, a mediação deixa que as pessoas envolvidas no conflito tomem as decisões. A
mediação é um processo voluntário em que os participantes devem estar dispostos a aceitar a
ajuda do interventor se sua função for ajudá-los a lidar com diferenças – resolvê-las.
Já o autor Karl A. Slaikeu452 define mediação como “um processo através do qual
uma terceira pessoa auxilia duas ou mais partes a elaborar sua própria solução para um conflito”.
449 JUSTIÇA COMUNITÁRIA – Uma experiência, 2008, Brasília. Anais... Brasília: Ministério da Justiça, 2008,
185p.
450 SLAIKEU, Karl A. No final das contas: um manual prático para a mediação de conflitos. Tradução Grupo de
Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 35-38.
451 MOORE, Christopher W. O Processo de Mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. Porto
Alegre: ArtMed, 1998. p. 22-23
452 SLAIKEU, Karl A. No final das contas: um manual prático para a mediação de conflitos. Tradução Grupo de
Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 35-38.
471
4.2 Contextualização histórica
Se fizermos um retrospecto na história iremos observar que a mediação esteve
presente em quase todas as culturas ao redor do mundo, a qual era praticada, inclusive, pelos
nativos.
Nas comunidades religiosas, fossem elas judaicas, cristãs, islâmicas, hinduístas
ou budistas, era comum que os líderes religiosos desempenhassem o papel de mediadores,
resolvendo conflitos civis e religiosos.
Na China, as idéias de Confúcio desempenharam um importante papel na evolução
e desenvolvimento da mediação no âmbito comunitário. Isto porque, segundo referido pensador, preservar a harmonia era dever de todos. Apenas quando a comunidade reconhecesse
ser incapaz de realizar essa tarefa é que a mesma deveria recorrer ao direito positivo e à
regulação. Segundo a filosofia confuncionista, a harmonia entre os homens só pode ser conseguida quando as pessoas suportam mutuamente a natureza individual de cada um.
Após a colonização das Américas, as comunidades que passaram a se formar com
a migração de diversas culturas para esses continentes, também utilizavam métodos não-judiciais para a resolução de seus conflitos.
No período colonial, a resolução não-judicial dos conflitos expressava um forte
impulso comunitário e era tanto maior quanto mais forte fossem os laços entre seus membros. Em algumas comunidades, especialmente nas religiosas, a resolução dos conflitos por
via judicial era explicitamente desencorajada, implicando até mesmo sanções sociais para
aqueles que não respeitassem essa regra.
Com o desenvolvimento do comércio criou-se a necessidade de uma uniformização
das práticas de resolução de disputas para a proteção dos interesses individuais dos comerciantes perante as diversas comunidades em que atuavam, o que fez com que a importância
da mediação comunitária fosse mitigada diante da supremacia da lei.
Os grupos imigrantes do século XIX também tiveram importante participação
no histórico da mediação comunitária. Colônias italianas, gregas, holandesas, escandinavas
e judaicas, principalmente na América do Norte, freqüentemente desenvolviam câmaras de
mediação e arbitragem para resolver conflitos internos.
Contemporaneamente, a mediação surge nos Estados Unidos da América, na
década de 1970. Sua evolução ocorreu de forma rápida e eficaz, sendo logo incorporada ao
sistema legal. Em alguns Estados, a mediação tornou-se obrigatória, na fase que antecede o
procedimento judicial.
No final da década de 70, a mediação chegou à Inglaterra, passando a ser
aplicada por alguns advogados independentes.
Sua primeira manifestação, no Brasil, decorreu das Ordenações Filipinas. Depois
foi regulamentada nacionalmente, na Carta Constitucional do Império, de 1824, ao reconhecer a atuação conciliatória do Juiz de Paz, ante o desenvolvimento dos processos.
Na legislação brasileira, a mediação teve sua importância reconhecida, inicialmente, na reforma do Código de Processo Civil de 1994 (audiências de conciliação prévia)
e igualmente na Lei n. 9.099/95, dos Juizados Especiais.
Atualmente, tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei, de autoria da deputada Zulaiê Cobra, propondo a institucionalização e disciplina da mediação como método de
472
Revista ESMAC
preservação e solução consensual de conflitos.
Dessacontextualizaçãopode-seafirmarqueamediaçãosurgiuconcomitantemente
com os conflitos do homem, como instrumento de pacificação dos conflitos com seus semelhantes.
Porém, ante a falência de métodos tradicionais, observa-se que, durante as últimas
duas décadas, o uso de métodos de resoluções alternativas de disputas vem se desenvolvendo
em grande escala, o que tem gerado grande interesse acerca de sua vantagem conceitual e
eficiência institucional453.
4.3 Princípios da mediação
A mediação possui alguns princípios peculiares, necessários para o desenvolvimento
da atividade e o sucesso na solução dos litígios. Dentre eles, destacam-se os seguintes:
- Princípio da Confidencialidade/Privacidade: tem-se por este princípio que o processo de
mediação deverá ser realizado em um ambiente privado, havendo, inclusive, um acordo de
confidencialidade entre as partes, seus advogados, acaso existentes, e o mediador, com o fim
de oportunizar um clima de confiança e respeito, necessários para que se tenha um diálogo
franco, possibilitando, portanto, as negociações;
- Princípio da Imparcialidade: na mediação, as partes são auxiliadas por um terceiro, dito
imparcial, ou seja, o mediador não pode tomar partido por qualquer uma das pessoas em
conflito, devendo manter-se neutro, eqüidistante das partes, não podendo se aliar a nenhuma
delas;
- Princípio da Informalidade/Oralidade: o procedimento da mediação, em relação ao processo judicial, é informal, simples, sendo valorizada a oralidade, uma vez que a grande maioria
das intervenções é feita através do diálogo. Este princípio busca a celeridade, a simplicidade
e a economia na resolução dos conflitos;
- Princípio da Reaproximação das partes: ao contrário do que ocorre em um processo judicial
tradicional, onde as partes são adversárias, a mediação busca aproximar as partes, nivelandoas a um mesmo patamar com o fim de se estabelecer reciprocidade entre elas; não basta a
resolução do litígio, com a redação de um acordo, mas o restabelecimento do relacionamento. Se as pessoas em conflito não conseguirem restabelecer referido relacionamento, o
processo de mediação não terá sido completo, não será possível o diálogo e, por conseguinte,
a mediação não terá tido qualquer êxito.
Deste princípio, decorre um outro, o da não-competitividade, que se traduz pela
estimulação de um espírito colaborador entre as partes. Com a mediação, não se busca que
uma parte seja perdedora e a outra ganhadora, mas, sim, que ambas possam ceder um pouco
e ganhar de alguma forma. Procura-se amenizar eventuais sentimentos negativos entre as
pessoas em conflito;
- Princípio da Autonomia das decisões/Autocomposição: na mediação o acordo é obtido
pelas próprias pessoas em conflitos, as quais são auxiliadas por um ou mais mediadores, cabendo a elas a responsabilidade por suas escolhas. O mediador, por sua vez, não pode decidir
pelas partes, não tem qualquer poder de decisão. Ele é apenas o facilitador da comunicação,
estimulador do diálogo, um auxiliar na resolução dos conflitos, mas não os decide.
453 AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação - série Grupos de Pesquisa
em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 109.
473
4.4 Papel do mediador
O papel do mediador, como regra, é apenas facilitar a comunicação das partes, as
quais deverão, com o auxílio daquele, encontrar a solução para chegar a um acordo. O mediador, diferentemente do árbitro e do Juiz, não decide nada, nem profere decisão, servindo
apenas de intermediário entre as partes.454
Não há uma fórmula específica para definir um bom mediador.455
Em decorrência dos princípios acima citados, a literatura tem apontado como atributos fundamentais para que um mediador tenha êxito em sua atividade: ser imparcial (neutro no que concerne à questão de substância do processo de mediação); transmitir confiança
e garantir a confidencialidade; ser bom ouvinte e não ter pressa (a pressa é inimiga da mediação), além de demonstrar serenidade.
Deve, ainda, o mediador conhecer seus próprios preconceitos; estar atento às influências culturais e ter familiaridade com o sentimento das partes.
Na busca dos seus objetivos o mediador deve encontrar seus limites de controle
e influência frente às partes em conflito, prestando cuidadosa atenção nos interesses das
mesmas. Deve interpretar o que escuta quando as partes contam suas histórias, fazendo anotações, para depois revê-las nas reuniões conjuntas.456
Embora não se exija formação acadêmico-jurídica, o mediador deve ser especialista no processo de resolução de conflitos e conhecedor, ainda que de forma superficial, das
questões substantivas que serão discutidas (diferentemente da arbitragem, em que se exige
do árbitro conhecimento da matéria sobre a qual irá versar a discussão, como responsabilidade civil, engenharia, entre outras).
Além disso, deve o mediador ser assertivo, ao invés de ficar inerte à discussão entre
as partes, tudo sob pena de estar fadado ao fracasso.457
Por conta de todas essas características que um bom mediador deve ter é que se
faz necessário um treinamento específico, isto é, a capacitação dos mediadores, posto que
a maior dificuldade na mediação é a falta de conhecimento das técnicas. Um mediador preparado é sinônimo de mediação com sucesso.
Em que pese não haja, ainda, em nosso país, um critério estabelecido para a seleção,
capacitação e acompanhamento das atividades realizadas pelos mediadores, necessária a
regulamentação, com critérios objetivos, de como será feito o processo seletivo, ainda que
simplificado, para não só verificar a capacidade do candidato a mediador, mas também para
se reduzir os prejuízos advindos da falta de qualidade e interesse daquele que atua nesta área,
principalmente no que concerne à satisfação das partes e à solução dos litígios.
Ainda não há, também, nenhuma forma de licenciamento governamental para mediadores, apesar de várias organizações conferirem certificados aos que participam de semi454 AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação - série Grupos de Pesquisa
em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 193.
455 Idem – Ibidem, p. 35..
456 SLAIKEU, Karl A. No final das contas: um manual prático para a mediação de conflitos. Tradução Grupo de
Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 18..
457 SLAIKEU, Karl A. No final das contas: um manual prático para a mediação de conflitos. Tradução Grupo de
Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 35-38.
474
Revista ESMAC
nários e treinamento em mediação.
No cenário internacional, os mediadores são escolhidos mais pela confiança que
inspiram ou de sua aceitação pelas partes e por suas experiências anteriores do que pelo
credenciamento profissional ou treinamento acadêmico.
Espera-se que, num futuro bem próximo, com o crescimento, divulgação e aplicação da mediação, que os mediadores passem a ser licenciados e regulados e que a mediação
possa ser encarada como uma disciplina profissional, incluídas nos currículos das faculdades.
Aliás, nesse aspecto, faz-se necessária a mudança de mentalidade dos responsáveis
pelo conteúdo programático dos cursos de direito, a fim de que se possa extirpar a idéia de
litigiosidade da atividade jurídica acadêmica, demonstrando-se ser o campo da mediação
mais uma oportunidade de atuação dos bacharéis em Direito.
Já há algumas iniciativas, neste sentido, nas faculdades de direito de São Paulo e
do Distrito Federal, onde já possuem a disciplina de mediação na grade curricular. Por conta
disso, em Brasília grande parte dos advogados daquele estado/município aconselham seus
clientes participar da mediação.
Outra questão que se encontra pendente de regulamentação, e que, com o crescimento, divulgação e aplicação da mediação, deve ser objeto de profunda análise e reflexão, é
a responsabilidade civil do mediador por danos causados às partes, seja na mediação judicial
ou extrajudicial.
Na medida em que a mediação passa a ser utilizada como forma de resolução de
conflitos, e ante a falta de previsão legal acerca da responsabilidade civil do mediador, não
nos parece coerente deixá-lo isento da reparação dos danos que por ventura possa causar
às partes envolvidas no processo de mediação, ainda que estas tenham optado, voluntariamente, pela mediação e pela escolha do mediador.
No que tange à mediação judicial, penso que a questão deve ser tratada na forma
do que dispõe o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, na medida em que, à falta de regulamentação, o mediador, assim como o árbitro (art. 17 da Lei n. 9.307/96), fica equiparado a
funcionário público quando no exercício da função ou em razão dela.
Assim, quaisquer danos causados por funcionário público ao particular - no caso,
às partes que optaram pela mediação - serão imputados diretamente à pessoa jurídica de cuja
organização faz parte referido funcionário. Portanto, uma vez sendo o mediador nomeado
pelo Juiz, atua na condição de funcionário público, e os atos por ele praticados deverão ser
imputados à pessoa jurídica de cuja organização no caso, o Tribunal de Justiça, fizer parte o
Juiz que o nomeou, cabendo à parte lesada buscar a reparação.
Por outro lado, na mediação extrajudicial, ainda que as partes tenham optado, voluntariamente, pela mediação e pela escolha do mediador, a partir do momento em que este
é nomeado por aquelas, passa a existir uma relação jurídica contratual, na medida em que
nasce uma convenção entre as partes, por um compromisso, expresso e volitivo, de elegerem
o mediador para condução, pelo processo de mediação, do conflito que os envolve, de uma
forma neutra e imparcial, mantendo a confidencialidade.
Uma vez infringindo esses preceitos e causando dano a uma das partes ou a ambas,
deverá o mediador responder sob aquele enfoque, qual seja, da responsabilidade civil contratual subjetiva, na forma do que dispõe o art. 927 e seguintes do CC, ou, ainda, nos termos
458
458 AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação - série Grupos de Pesquisa
em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 38.
475
do art. 14, § 4º, da Lei n.8.078/90.
Analisados estes aspectos, passaremos, agora, a enfocar a aplicação prática da mediação em uma vara de violência doméstica, seja através da mediação pré-judicial, seja na
pós-judicial.
476
Revista ESMAC
5. A MEDIAÇÃO NA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A
MULHER
5.1. Breve contextualização da violência no âmbito doméstico e familiar
A violência contra a mulher é uma realidade presente na vida da maioria das mulheres, principalmente das pobres e negras. Ela decorre da cultura patriarcal e machista,
incorporada na sociedade, a qual oprime e violenta as mulheres, na medida em que, embora
homens e mulheres nasçam iguais, a sociedade impõe papéis diferenciados para ambos os
sexos, prevalecendo, em todos os aspectos, a superioridade daqueles sobre estas.
O fenômeno da violência contra a mulher é inerente ao padrão das organizações
desiguais de gênero que, por sua vez, são tão estruturais quanto à divisão da sociedade em
classes sociais, ou seja, o gênero, a classe e a raça/etnia são igualmente estruturantes das
relações sociais.
Na realidade, as diferenças entre homens e mulheres têm sido sistematicamente
convertidas em desigualdades em detrimento do gênero feminino, sendo a violência contra
mulher a sua face mais cruel.
No caso da realidade brasileira, além da violência física, sexual, moral, psicológica
e patrimonial, as quais ocorrem frequentemente dentro dos lares, praticadas por companheiros, maridos, namorados, amantes, filhos, pais e outros parentes ou por aqueles que já
tiveram com elas uma relação doméstica ou familiar, o que as torna mais vulneráveis a estas
práticas, existe, ainda, a violência social disfarçada, que se reflete fortemente no dia-a-dia
de todas as mulheres fora de suas casas, fazendo com sejam discriminadas na vida pública
como, por exemplo, no trânsito, nos salários inferiores aos dos homens, na maior dificuldade
de ingressar no mercado de trabalho, etc...
No Brasil, a preocupação com a violência contra a mulher, como problema social,
teve como marco a atuação dos movimentos feministas, a partir de meados da década de
1970, lutas que se ampliaram, no início dos anos 1980, para a denúncia de espancamentos
e de maus-tratos conjugais, conduzindo à criação dos primeiros serviços de atendimento às
mulheres vítimas de violência, a exemplo dos SOS Mulher, e, no âmbito governamental, das
Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM’s), criadas a partir de 1985.
Em nosso país, pesquisas apontam que, a cada 15 segundos, uma mulher é vítima
de violência. Segundo fontes oficiais, somente na capital do Acre, em 2008, quatro mulheres
foram brutalmente assassinadas, não se tendo dados acerca do número de mortes ocorridas
no interior do estado.
Conforme relatório constante do corpo deste trabalho, em apenas um ano de instalação (fevereiro/2008 a fevereiro/2009), a Vara de Violência Doméstica e Familiar registrou
um acervo processual de 3.288 feitos, o que demonstra o índice de violência e a falta de
estrutura para combater, de forma eficaz, os diversos tipos de crimes praticados contra as
mulheres.
De se ressaltar que, em contraposição a esses números, existem, no estado, apenas
uma Delegacia e uma Vara Especializada no Atendimento à Mulher. Acrescente-se a isso a
frágil rede de serviços disponíveis na prevenção e combate à violência contra a mulher.
477
Aliado à falta de estrutura, há que se considerar, ainda, que as experiências têm
revelado que as mulheres vítimas de violência e de maus tratos que buscam recursos e apoios
nas DEAM’s sofrem outro tipo de violência, aquela decorrente da discriminação e do corporativismo da maioria dos agentes policiais, os quais, não se sabe se intencionalmente, não
estão aptos a compreender a dinâmica destes atos violentos e, em algumas vezes, até mesmo
fazem pouco caso das agressões sofridas por aquelas.
O dia-a-dia frente à Vara da Violência Doméstica e Familiar tem revelado que esses
profissionais têm dificuldade em lidar com fenômenos dessa natureza por estarem inseridos
na mesma estrutura social e cultural de relações e de simbolizações do gênero, origem de
variados tipos de violência contra as mulheres. É exatamente essa estrutura, a qual desvaloriza as mulheres, que norteia as concepções e práticas destes profissionais.
Percebe-se, por outro lado, que apesar dos índices alarmantes de violência contra
as mulheres, em nosso país as políticas públicas de prevenção e combate à violência nesta
área se mostram, muitas vezes, ineficientes ou mesmo inexistentes, existindo poucos serviços disponíveis e uma carência de profissionais capacitados e sensibilizados para atuar
junto a esta problemática.
Outra questão que dificulta o trato do problema é a escassez de dados e a forma
preconceituosa como é tratado o assunto no âmbito jurídico, mormente quando se trata da
constitucionalidade da lei e do que se pode chamar de violência doméstica e familiar, o que
dificulta traçar um retrato completo da violência. Porém, basta que se leia ou se assista os
noticiários para se ter uma idéia da dimensão do problema.
Em que pese a Constituição de 1988 preconize que:“homens e mulheres são iguais
perante a Lei”, e apesar do avanço com a promulgação da Lei n. 11.340/2006, as leis da força
física e do preconceito ainda imperam.
Além disso, as causas da violência, na grande maioria o uso de drogas lícitas e ilícitas, refogem ao aspecto jurídico e legislativo, uma vez que são questões de saúde pública, as
quais não têm tido a atenção que merecem.
Apesar dos percalços, penso que avançamos, na medida em que a idéia principal
que norteia esta Lei é caracterizar o tipo de violência, tido como violação dos direitos humanos; tratar do grave problema de saúde pública; além de garantir proteção e procedimentos
policiais e judiciais humanizados para as vítimas.
Afora isso, a lei tem um cunho social de grande relevância, pois tem por fim promover uma mudança real nos valores sociais, que naturalizam a violência contra a mulher, em que os modelos de dominação masculina e subordinação feminina, durante séculos,
foram aceitos pela sociedade.
Com esta preocupação, a Lei Maria da Penha apresenta, de maneira detalhada,
os conceitos e diferentes formas de violência contra a mulher, pretendendo ser um instrumento de mudança política, jurídica e cultural, criando mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher e dispondo sobre a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como medidas de prevenção da violência, de
proteção e assistência integral à mulher.
478
Revista ESMAC
5.2. A ação penal na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher
Os crimes de maior incidência no âmbito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, no estado do Acre, são: calúnia (art.138, CP), injúria (art. 140, CP),
ameaça (art. 147, CP) e lesão corporal leve (art.129, caput, do CP).
No que pertine aos dois primeiros delitos, considerando que são crimes contra a
honra da vítima, o Código Penal dispõe que os mesmos são processados através de ação
penal privada.
Já o crime de ameaça deverá ser processado através de ação penal pública condicionada à representação, por força do que dispõe o Código Penal, em seu art. 147, parágrafo
único.
Nestes crimes que se processam mediante ação penal pública condicionada à representação, a Lei n. 11.340/06 possibilita à vítima a renúncia à representação criminal,
instituto que será examinado a seguir.
Em face da controvérsia que se instaurou acerca da natureza jurídica da ação penal
nos crimes de lesão corporal leve, a questão será abordada também em tópico específico.
5.3. Da renúncia à representação
Como é cediço, renúncia significa abdicação do exercício de um direito, refere-se
ao ato através do qual o ofendido abre mão do direito de oferecer a queixa, ou seja, é própria
das ações penais privadas.
Não obstante a renúncia se constitua num instituto exclusivo da ação penal privada,
a Lei n. 9.099/95, entretanto, criou uma hipótese de aplicação deste instituto às infrações de
menor potencial ofensivo apuráveis mediante ação pública condicionada.
O artigo 74, parágrafo único, da referida lei, estabeleceu que, nos crimes de ação
privada e pública condicionada, a composição em relação aos danos civis, homologada pelo
juiz da audiência preliminar, implicaria em renúncia ao direito de queixa ou de representação.
Esta é a explicação encontrada para o termo utilizado pelo legislador no artigo 16
da Lei n. 11.340/2006, ao enunciar que, nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência
especialmente designada para este fim, ouvido o representante do Ministério Público.
Entretanto, este termo sofre muitas críticas, pois juridicamente o termo correto
seria retratação da representação, uma vez que a renúncia somente poderia ocorrer antes do
exercício do direito de representação.
Há, portanto, uma imperfeição na lei, pois renunciar significa não exercer o direito
de representação e, sem representação, não há inquérito policial e nem a possibilidade de o
Ministério Público oferecer a denúncia.
A retratação da representação acarreta a decadência, desde que ultrapassado o prazo
de seis meses, que tem como efeito a decretação da extinção da punibilidade do agente, ligada,
portanto, ao direito de punir do Estado, isto porque o seu exercício afasta o jus puniendi estatal.
479
Nota-se que na parte final do artigo em comento, o legislador inova ao permitir que
a retratação seja feita até o recebimento da denúncia.
Com efeito, os artigos 25 do Código de Processo Penal e 102 do Código Penal,
que dispõem ser a retratação cabível até o oferecimento da denúncia, nos casos abrangidos pela Lei Maria da Penha, estariam derrogados, pois essa retratação é permitida até seu
recebimento. Contudo, para dificultar que a vítima requeira a retratação apenas por conta de
pressões do agressor, a Lei n. 11.340/06 dispõe que o ato somente será eficaz se ocorrido
em audiência especialmente designada para essa finalidade, ou seja, cria uma formalidade
processual antes do recebimento da denúncia.
Em que pese esta autorização - para que a retratação possa ser feita até o recebimento da denúncia - implique em ganho de tempo para que o agressor procure a vítima e,
assim, a convença a desautorizar a procedibilidade da ação penal, pensamos que o legislador
buscou preservar a harmonia das relações domésticas ou familiares, posto que, na grande
maioria dos casos, as partes, após a instauração do processo, reatam o relacionamento e
continuam a conviver juntos, sendo esta uma razão a justificar a utilização dos métodos
alternativos, em particular a mediação, para a solução dos conflitos no âmbito da Vara.
5.4. Natureza jurídica da ação penal nos casos de lesões corporais leves e culposas
Na medida em que se propõe a aplicação da mediação no âmbito da Vara de Violência Doméstica e Familiar, faz-se necessária uma breve análise acerca da natureza jurídica
da ação penal no que tange aos delitos de lesões corporais leves e culposas, posto que estes
delitos têm ocorrido com maior incidência nesta unidade jurisdicional.
Pois bem. Após a Lei Maria da Penha, instalou-se um intenso questionamento a
respeito da natureza jurídica da ação penal nos crimes de lesões corporais leves e culposas. A
dúvida é se a ação penal continua sendo condicionada à representação ou voltou a ser pública
incondicionada.
Senão vejamos:
É desnecessário dizer que os delitos previstos no Código Penal são, em regra, de
ação pública incondicionada. Porém, em alguns casos, a lei expressamente reclama a iniciativa do ofendido, havendo a necessidade de representação, ou, em outros, dispõe que a ação
proceder-se-á mediante queixa para aqueles crimes de ação penal privada.
Como não havia ressalva quanto ao crime de lesão corporal, nunca houve qualquer
dúvida sobre sua natureza. No entanto, com o advento da Lei 9.099/95, os crimes de lesão
corporal leve e lesões culposas passaram a ser processados mediante ação pública condicionada à representação do ofendido.
Com a promulgação da Lei n. 11.340/2006, foi acrescentado ao artigo 129 do Código Penal o § 9º, que trata das lesões corporais tendo como especialidade uma relação
doméstica ou de afetividade.
Eis a redação do dispositivo:
(...) § 9º - se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das
relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
480
Revista ESMAC
Pena – detenção de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
Denota-se da leitura do aludido texto que a violência doméstica, embora considerada como lesão corporal, é forma qualificada da lesão, não dependendo de representação da
vítima desde o advento da Lei n. 10.886, de 17 de junho de 2004.
Portanto, o que a Lei n. 11.340/2006 fez foi reforçar este entendimento, na medida
em que vedou a utilização dos Juizados Especiais Criminais para esses delitos. Em verdade,
operou-se uma revogação tácita do art. 88 da Lei n. 9.099/95, no que diz respeito aos crimes
de lesão corporal praticados nas circunstâncias que implicam violência doméstica.
Isto porque, apesar de a Lei Maria da Penha fazer referência à representação nos
artigos 12, I e 16, não indicou quais crimes estariam sujeitos à representação da vítima.
Ademais, a Lei Maria da Penha afastou a incidência da Lei dos Juizados Especiais dos
crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena
prevista (artigo 41).
Inobstante tais disposições, uma parcela considerável da doutrina, como Marcelo
Lessa Bastos, Damásio de Jesus, Maria Berenice, Ana Paula Schwelm Gonçalves, Fausto
Rodrigues de Lima e outros, entende que o delito de lesão corporal leve deve ser perseguido
mediante ação penal pública condicionada, por força do artigo 88 da Lei n. 9.099/95.
Já a segunda corrente, que tem, entre outros defensores, Luis Flávio Gomes e Gonçalves e Lima, entende que a Lei Maria da Penha vedou a aplicação dos institutos processuais da Lei n. 9.099/95, especialmente no tocante ao art. 88, de modo que a ação penal
passou a ser pública incondicionada para as lesões corporais leves e culposas.
Gonçalves e Lima459 exteriorizam seus pensamentos:
A Lei não fez expressamente qualquer menção à natureza da ação penal nas infrações de
que trata, no entanto, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico, observando-se
os princípios que regem a matéria e os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos, induz à conclusão de que tais crimes não mais dependem da vontade das vítimas
para seu processamento. A nova Lei 11.340/2006, ao determinar expressamente que não se
aplica a Lei 9.099/1995 para a violência doméstica contra a mulher (art.41), efetivamente
afasta toda a Lei anterior. No entanto, apesar de afastar da Lei 11.340/2006, em seu artigo 16,
determinar que nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida só será
admitida a renúncia perante o juiz, tal situação não se aplica aos crimes de lesão corporal
leve praticadas no âmbito doméstico, somente aos crimes em que o Código Penal expressamente determine que a ação seja condicionada à representação.
Assim sendo, os defensores dessa corrente fundamentam-se no fato de que o dispositivo que determina a necessidade de representação para esses crimes é o artigo 88 da
Lei n.9.099/95 e, uma vez afastada a aplicação da referida lei, inexistindo qualquer ressalva,
conclui-se que a mesma não se aplica por inteiro, inclusive o seu artigo 88, de forma que o
artigo 100 do Código Penal, que dispõe ser ação penal pública incondicionada, regularia a
matéria.
Outros têm esse mesmo pensamento, mas fazem ressalva no tocante aos crimes
culposos, pois nestes não tem relevância a situação de mulher como vítima, sendo ainda
necessário para estes delitos a representação da vítima.
459 LIMA, Fausto Rodrigues de; GONÇALVES, Ana Paula Schwelm. A lesão corporal na violência doméstica: nova
construção jurídica. Jus Navegandi, ano 10, n.1.169, Teresina, 13 set. 2006. Disponível em < www.jusuol.com.br >.
Acesso em: 14 mar. 2009.
481
Existem, também, aqueles que, fazendo uma interpretação sistemática dos dispositivos da Lei n. 11.340/2006 (arts. 12, I, 16 e 17), concluem que o afastamento da lei n.
9.099/95 é uma determinação atinente aos institutos despenalizadores alheios à autonomia
volitiva da vítima – a transação e a suspensão condicional do processo – entretanto, a representação continua sendo exigida nos crimes de lesões corporais, pois concorre em favor
da ofendida, que decidirá acerca da instauração do processo contra o acusado. Além disso,
o legislador assegurou à ofendida a garantia de que a retratação somente seria eficaz se feita
na presença do juiz, depois de ouvido o Ministério Público.
Nesse sentido, Damásio de Jesus460:
É contraditório afirmar, em face do art. 41 da Lei Maria da Penha, que a ação penal é incondicionada, e, ao mesmo tempo, defender, perante o art. 16, que não se pode interpretar
a expressão renúncia no sentido de desistência da representação. Adotada a tese de ação
penal pública incondicionada, como falar em renúncia ou retratação da representação? (...)
Não pretendeu a lei transformar em pública incondicionada a ação penal por crime de lesão
corporal cometido contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, o que contrariaria a
tendência brasileira da admissão de um Direito Penal de Intervenção Mínima e dela retiraria
meios de restaurar a paz no lar.
Ao meu sentir, entender que a contravenção de vias de fato e o crime de lesão
corporal comum devem ser processados por meio de ação penal pública incondicionada,
seria um retrocesso legislativo lastimável, ferindo, por outro lado, o princípio da intervenção
mínima.
Além do mais, a severidade da ação penal pública incondicionada poderá levar
a impunidade do agente agressor, posto que, em muitos casos, a mulher deixará de levar o
fato à autoridade policial, por não querer que seu marido, companheiro ou namorado tenha
conseqüências processuais alheias a sua vontade.
Na realidade, a vontade da mulher agredida é que as agressões cessem, não porque
o marido ou companheiro foi preso, mas porque de alguma forma o Estado interveio para
apaziguar o problema familiar.
A jurisprudência, seguindo as correntes doutrinárias acima citadas, tem se orientado por duas posições. A primeira posição jurisprudencial foi firmada recentemente pelo
Superior Tribunal de Justiça, onde, por três votos a dois, a Sexta Turma decidiu que lesões
corporais leves praticadas contra a mulher no âmbito familiar também constituem delito de
ação penal pública incondicionada.
Segundo a Relatora, Desembargadora convocada Jane Silva:
(...) um dos princípios elementares do direito preconiza que a legislação não utiliza palavras inúteis, e o artigo 41 da Lei Maria da Penha diz claramente que não se aplicam aos crimes praticados
com violência doméstica os ditames da Lei n. 9.099/1995, que transferiu para os juizados especiais os procedimentos relativos às lesões corporais simples e culposas. Se a Lei n. 9.099/1995 não
pode ser aplicada, significa que seu artigo 88, que prevê a representação para a lesão corporal leve
e culposa nos casos comuns, não pode, por conseguinte, ser aplicado a essas espécies delitivas
460 JESUS, Damásio E.de. Da exigência de representação da ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006). São Paulo: Complexo
Jurídico Damásio de Jesus, 2006. Disponível em < www.damasio.com.br > Acesso em 14 mar. 2009.
482
Revista ESMAC
quando estiverem relacionadas à violência doméstica encampadas pela Lei Maria da Penha.461
Já a segunda corrente entende que se trata de ação condicionada à representação,
porque o artigo 41 da Lei n. 11.340/06 deve ser interpretado em consonância com o artigo
16 da citada Lei, ou seja,
(...) nos crimes de lesão corporal culposa ou dolosa simples que atinge a mulher no âmbito
familiar, tratados pela Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha), a ação penal é pública condicionada à representação, podendo haver a retratação da ofendida.462
Diante das posições apresentadas, filio-me à segunda, levando em consideração os
modernos fundamentos do Direito Penal, em especial o princípio da intervenção mínima,
que propõe ao ordenamento jurídico penal uma redução dos mecanismos punitivos do Estado ao mínimo necessário, só se justificando a intervenção penal quando for absolutamente
necessária para a proteção dos cidadãos.
Ou seja, o Direito Penal deve apenas sancionar as condutas mais graves e perigosas que lesem os bens jurídicos de maior relevância, deixando de se preocupar com toda e
qualquer conduta lesiva, caracterizando, destarte, o caráter fragmentário do Direito Penal,
que é corolário do Princípio da intervenção mínima.
Isto porque, no caso da violência doméstica e familiar, a rigidez da lei acaba destruindo a unidade familiar em vez de tentar harmonizá-la e reconstruí-la.
É certo que a Lei Maria da Penha está aí para coibir a violência doméstica, tendo o
magistrado o desafio de aplicá-la a cada caso concreto, considerando as suas peculiaridades,
mas deve deixar, entretanto, de representar a figura repressora e, sim, procurar mediar os
conflitos e, principalmente, tratar as causas que levam o agressor a cometer este tipo de violência.
Assim, aplicando-se o princípio da intervenção mínima aos crimes cometidos na
Vara de Violência Doméstica e Familiar e se considerando que o crime de lesão corporal leve
é processado mediante ação penal pública condicionada à representação, cabível a renúncia
à representação e, por conseguinte, a mediação dos conflitos existentes, o que será abordado
a seguir.
5.5. O que mudou após a promulgação da Lei Maria da Penha
De tudo que se disse até aqui acerca da violência doméstica e familiar, não se
pode negar que a Lei n. 11.340/2006 foi um grande avanço no combate à violência contra a
mulher, considerando que ampliou a proteção em face dessa violência, passando a alcançar
não só a violência física, mas psicológica, patrimonial, sexual e moral; aumentou o tempo
de prisão do agressor, bem como permitiu sua prisão em flagrante ou preventivamente, além
de ter eliminado o pagamento de cestas básicas como forma de punição, fato este que servia
461 STJ.SEXTA TURMA. HC n.º 106805. Disponível em http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.
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462 RSE 1.0024.07.564783-4/0011. TJ-MG. Quarta Câmara Criminal; Rel. Des. Ediwal José de Morais; Julg. em
21/05/2008; DJEMG 11/06/2008.
483
de desestímulo às vítimas para que prestassem queixa de seus agressores, por acreditar que
os mesmos ficariam impunes.
Entretanto, mesmo prevendo a utilização de outros profissionais, com um trabalho
interativo com o magistrado e equipe multidisciplinar, percebe-se que os conflitos que deram
causa à agressão continuam sem solução, gerando novos conflitos.
Tanto assim, que, mesmo decorridos quase três anos após a promulgação da Lei
nº 11.340/2006 e inobstante o maior rigorismo no que tange à punição do homem agressor,
os índices de violência não sofreram redução, pelo contrário, chegaram a aumentar, observando-se, em diversos casos, que os agressores pensam ser melhor matar do que agredir a
vítima, já que, no primeiro caso, não ficarão presos, e no segundo, sim.
Assim, percebe-se, de forma clara, que não basta a inovação legislativa, sendo necessária a utilização de outros métodos para que os conflitos sejam, de fato, resolvidos e não
voltem a acontecer.
Nesse sentido, sem adentrar na questão das políticas públicas que devem ser implementadas na área, tanto para conscientização dos agressores e agredidas, mas também para
o tratamento da dependência de drogas lícitas e ilícitas, a experiência como titular de uma
Vara de Violência Doméstica e Familiar no meu estado tem revelado que as causas que deram ensejo à violência não são resolvidas com o afastamento do agressor do lar ou com a
aplicação de outras medidas protetivas.
Ao contrário, em diversas ocasiões, que não são poucas, a agressão toma proporções drásticas, e o que antes era apenas ameaça, por exemplo, evolui para uma efetiva
agressão. Por outra, observa-se que as medidas judiciais não têm efetividade, tornando-se,
vítimas e agressores, verdadeiros “clientes” desses Juizados.
5.6. Mediação pré-judicial ou mediação judicial?
Diante desse cenário, entendo que a mediação pode ser perfeitamente usada no âmbito da Vara da Violência Doméstica e Familiar como instrumento de pacificação familiar e
social, tanto numa fase pré-judicial ou paraprocessual como nas questões já judicializadas.
Na mediação pré-judicial ou paraprocessual, pode-se utilizar, no caso do Acre,
em particular, da estrutura da Justiça Comunitária e da Polícia da Família, tendo os agentes
comunitários e os policiais da família, devidamente treinados, como mediadores, valendo
salientar que os primeiros já têm, inclusive, curso de mediação.
Além disso, pode-se trabalhar na área da prevenção, com a realização de palestras,
as quais poderão ser proferidas não só pelos magistrados, como também por profissionais
da área de psicologia, assistência social e saúde, em locais comunitários, tais como igrejas,
escolas, centros esportivos... visando não só o tratamento e a conscientização do homem
agressor, mas também das mulheres vítimas de violência, conscientizando-as de seus direitos e valorizando sua auto-estima.
Outra forma de utilização da mediação pré-judicial seria proceder como já fazem
os advogados no estado do Rio Grande do Sul, os quais, na petição inicial, e antes que esta
seja despachada pelo juiz da causa, já postulam que o caso seja enviado à mediação e serviço
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Revista ESMAC
social, conforme salientou Josiane Barbieri (informação verbal)463, em palestra específica
sobre este tema.
Trabalhando-se com a mediação pré-judicial, fazendo-se todo este trabalho de prevenção, conscientização e valorização das pessoas envolvidas no conflito, não resta dúvida
de que os conflitos serão resolvidos em seu nascedouro, solucionando-se não só o litígio
aparente, mas todos os sentimentos e questões dele decorrentes, o que é a sua finalidade
precípua.
Outro benefício que se poderá obter com a mediação será uma sensível redução na
judicialização das demandas, tanto na instauração de novos processos quanto na resolução
daqueles já existentes, reduzindo-se o acervo processual da Vara de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher.
No que tange à mediação judicial, esta poderá ser feita já no momento em que as
vítimas procurem as delegacias especializadas de atendimento à mulher para formular suas
representações, oportunidade em que poderão ser encaminhadas, juntamente com o agressor, diretamente à presença do Juiz, o qual deverá submetê-las à mediação, que poderá ser
feita tanto pelo magistrado quanto por uma equipe de mediadores voluntários, não institucionalizados.
Tais mediadores poderão ser os aposentados das carreiras jurídicas, como desembargadores, juízes, procuradores, promotores e defensores públicos, e outros de outras áreas,
como psicólogos, assistentes sociais, que tenham experiência com questões de vilência doméstica e familiar os quais, uma vez capacitados, poderão ser utilizados não só para fazer
mediação propriamente dita, mas também para fazer um trabalho com o agressor e a vítima,
com a ministração de palestras ou encaminhamento e acompanhamento dos mesmos a centros de tratamento e recuperação de dependentes de drogas lícitas e ilícitas e até mesmo a sua
inserção no mercado de trabalho, tornando-se a mediação judicial - como disse o Min. José
Delgado (informação verbal)464 - um moderno instrumento de pacificação de litígios.
Note-se que não só nessa fase inicial, ou seja, quando a vítima comparece à DEAM
para representar contra o agressor, mas em todas as fases do processo, até o momento que
antecede ao recebimento da denúncia, a mediação judicial pode ser realizada.
De fato, este procedimento já tem sido feito na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Rio Branco, seja em audiência prévia para oitiva das
partes, antes da concessão das medidas protetivas requeridas, seja em qualquer momento em
que for requerido por uma das partes.
É relevante consignar que, sendo realizada dentro de um processo judicial, a mediação seria colocada no mesmo patamar das sentenças e acórdãos de um tribunal, na medida
em que o acordo resultante daquela terá a mesma força de uma sentença, de um acórdão,
podendo, inclusive, ser executado, em caso de descumprimento.
Por fim, visando evitar o desgaste das partes e o descrédito da técnica de mediação,
entendo que as partes devem ser submetidas, no máximo, a 03 (três) sessões de mediação,
seja pré-judicial ou judicial. Caso já tenha se submetido a sessões pré-judiciais, deverá ocorrer apenas mais uma sessão judicial.
463 Em palestra realizada no I Congresso Brasileiro de Mediação Judicial, realizado em Brasília, no período de 03
a 05 de março do ano pretérito..
464 Em palestra realizada no I Congresso Brasileiro de Mediação Judicial, realizado em Brasília, no período de 03
a 05 de março do ano pretérito.
485
Uma vez não sendo obtido êxito nas sessões de mediação pré-judicial, deverá a
vítima ser encaminhada à Delegacia especializada de atendimento à mulher, para formulação do termo de representação criminal, com o encaminhamento ao Juiz, para o deferimento
das medidas protetivas de urgência postuladas, se for o caso. Após, sendo hipótese de crime
de ação penal privada, a vítima deverá ser encaminhada à Defensoria Pública, para a propositura da ação.
Caso o crime seja de ação penal pública condicionada à representação, deverá,
após o encaminhamento do inquérito policial respectivo, ser dado vista dos autos ao representante do Ministério Público, para o oferecimento da denúncia.
Já no caso da mediação judicial, não havendo acordo entre as partes, dar-se-á continuidade ao processo anteriormente instaurado, da fase em que o mesmo se encontrava,
quando se iniciou a mediação.
CONCLUSÃO
A crise que assola o Poder Judiciário, que não é de hoje, já não incomoda apenas
aos seus membros. Tem mobilizado a sociedade, a qual tem exteriorizado sua insatisfação e
exigido resposta eficaz e efetiva, principalmente no que diz respeito à celeridade e eficácia
das decisões.
Por outro lado, tem conduzido todos os profissionais que atuam no meio jurídico,
sejam eles advogados, defensores, promotores e, principalmente, os magistrados, a grandes
reflexões e a uma busca incessante de meios alternativos para a solução dos conflitos, de
modo que possam diminuir o hiato existente entre a “identidade do direito” e a “materialidade da realidade”, na medida em que o processo tradicional, além de moroso, tem resolvido
apenas a controvérsia colocada em Juízo, deixando de lado as outras questões que envolvem
o conflito, o que se constitui em grande erro.
Porém, no esforço que se tem feito para diminuir a dicotomia “Direito e Realidade”, garantindo o acesso à justiça, tem-se praticado um outro erro: a errônea interpretação
de que o direito fundamental ao “acesso à justiça” corresponde a um “direito à prestação
jurisdicional”, o que em nada, ou quase nada, se assemelha.
Isto porque, embora tenha o Judiciário a função de dizer o Direito, isto é, aplicar o
direito ao caso concreto, não significa dizer que, com o esgotamento da prestação jurisdicional, a justiça tenha, efetivamente, sido feita.
Aliás, quanto a esta questão, já asseverava o autor Marc GALANTER em 1993
(1993 :75): “O problema posto pelo acesso à justiça não é, apenas, assim, permitir a todos
recorrer aos tribunais; implica que se procure realizar a justiça no contexto em que se colocam as partes; nesta ótica, os tribunais só desempenham um papel indireto e, talvez mesmo,
menor.”
A ser assim, os mecanismos não jurisdicionais de resolução de controvérsia, como
a mediação, enfoque do trabalho em apreço, os quais se realizam através da negociação direta, sem depender, a priori, da atuação do Estado-Juiz, mas apenas da manifestação volitiva
das próprias partes ou de terceiros que intervêm na relação litigiosa, têm despontado como
instrumentos eficazes para a realização dessa justiça, na medida em que resolvem não só a
486
Revista ESMAC
lide central, mas todos os conflitos e sentimentos que a ela deram causa.
E é exatamente por resolver todos os conflitos que englobam a litigiosidade entre
as partes que a técnica da mediação se nos revela como importante mecanismo de pacificação social a ser usado no âmbito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher,
não devendo o magistrado ficar preso apenas aos instrumentos processuais previstos na legislação, a fim de proporcionar integral proteção às mulheres que sofrem agressões das mais
variadas espécies.
Chega-se a esta conclusão porque, na grande maioria dos casos que tramitam nestas unidades jurisdicionais, há relação de afetividade entre as partes, as quais, mesmo depois
de ajuizado o processo, continuam mantendo seu relacionamento, o que dá ensejo a diversas
renúncias à representação e a novos pedidos de medidas protetivas pela promovente, em um
círculo vicioso sem fim.
Essa situação ocorre porque, na grande maioria das vezes, a vítima não quer que
seu agressor seja preso e, ao final condenado, mas que seja tratado, ou mesmo apenas conscientizado, para que ambos possam continuar vivendo em harmonia.
Portanto, é necessário um trabalho de harmonização e de dialogo entre as partes,
para que, resolvido o conflito, elas possam continuar este relacionamento, de forma positiva.
Esse trabalho pode ser feito tanto através da mediação pré-judicial, com palestras
de conscientização e prevenção, a serem realizadas em locais comunitários, facilitando o
acesso à população, como através da mediação judicial, o que, como dito anteriormente,
já vem sendo feito, embora de forma tímida, na Vara de Violência Doméstica e Familiar
contra a mulher da Comarca de Rio Branco, no estado do Acre, da qual sou titular, o qual se
pretende ampliar, brevemente, mediante a realização de convênios, contratação de pessoal e
melhor estrutura, para se trabalhar também a mediação pré-judicial.
Utilizando-se a mediação, seja na fase pré-judicial, seja após a instauração do
processo, a mesma servirá não só para a resolução de todos os conflitos que englobam a
litigiosidade entre as partes, sua finalidade primeira, mas também para a desobstrução do
judiciário, posto que grande parte dos conflitos poderá ser evitada, com a mediação pré-judicial e, aqueles já judicializados, poderão ser resolvidos pela mediação judicial, reduzindo-se
o número de processo e, por via de conseqüência, a taxa de congestionamento do judiciário
brasileiro.
Conclui-se, portanto, que a utilização desses mecanismos alternativos de resolução
de conflitos virá ao encontro do povo que anseia por justiça, de forma rápida e eficaz, fazendo com que o mesmo continue mantendo a confiança e credibilidade no Poder Judiciário.
Sendo assim, e diante dos resultados positivos da mediação nas causas de família,
não custa tentar o uso dessa técnica no âmbito dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, a qual, por certo, também dará excelentes resultados, como de fato
já vem acontecendo.
487
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A UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E DO PROCESSO VIRTUAL/
ELETRÔNICO COMO FERRAMENTAS PARA OTIMIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL NA TERCEIRA VARA CRIMINAL DE RIO BRANCO – AC
Raimundo Nonato da Costa Maia
INTRODUÇÃO
O escopo primordial que norteia a elaboração deste Trabalho de Conclusão de
Curso-TCC tem por objetivo demonstrar como a tecnologia da informação e o processo
virtual/eletrônico podem contribuir para o aprimoramento da prestação jurisdicional e, neste
caso em particular, pretende-se fazer esta demonstração com a aplicação específica numa
vara criminal onde o autor exerce suas atividades regulares.
Tais ferramentas, a meu ver, são indispensáveis no estágio atual em que se encontra a sociedade contemporânea, delas não sendo mais possível prescindir para que sejam alcançados os
desideratos buscados pelo Poder Judiciário.
A partir do início do Século XX as organizações passaram a experimentar um
período de forte inovação e emprego de tecnologias, elementos críticos para a busca de
patamares superiores de desempenho e competitividade. A Tecnologia de Informação (TI) é
reconhecida neste contexto pelo potencial de contribuição que pode trazer ao sucesso organizacional.
A Tecnologia da Informação e o Processo Virtual/eletrônico vêem demonstrando
serem ferramentas poderosas na otimização da prestação jurisdicional, notadamente no que
tange aos aspectos da celeridade, da eficiência e da economia na realização das tarefas inerentes aos serviços postos à disposição do cidadão pelo Poder Judiciário, traduzindo-se em
reais benefícios para os destinatários finais, cumprindo, assim, alguns dos objetivos do Estado Democrático de Direito.
As mudanças decorrentes do processo de globalização experimentadas pela sociedade atual, cuja característica principal é a evolução, com avanços tecnológicos e sociais,
certamente acarretam grandes transformações em praticamente todas as áreas, de modo que
não poderia ser diferente com o direito, que precisa estar conectado às novas tecnologias, a
fim de que possa continuar a proporcionar ao cidadão a possibilidade de dispor, sempre, dos
meios mais modernos para a solução de suas lides.
O grande desafio da moderna administração é a implantação de uma forma de
gestão gerencial, focada na busca incondicional da eficiência, cujo resultado final deve primar pela qualidade, economia, oportunidade e satisfação do usuário, notadamente porque
tais princípios são oriundos da própria Constituição Federal de 1988.
No Poder Judiciário a sempre crescente demanda acarreta grande morosidade na
entrega da prestação jurisdicional, razão pela qual a utilização da tecnologia da informação
e a implantação do processo virtual/eletrônico certamente possibilitarão maior agilidade no
gerenciamento desta delicada questão.
493
O detalhamento de como essas novas ferramentas de gestão poderão ser efetivamente aplicadas para criar novos paradigmas de atuação dentro do Poder Judiciário, tendo
como meta a ser alcançada a real e célere entrega da prestação jurisdicional constitui o
objeto principal deste trabalho, cuja metodologia a ser adotada será a revisão bibliográfica,
enriquecida pela ilustração de experiências práticas inovadoras já adotadas em outros órgãos
da Administração Judiciária ou até mesmo de entidades paraestatais ou do Terceiro Setor,
que posam servir de norte para esta mudança que se pretende ver operar o mais rapidamente
possível, a fim de evitar que o Poder Judiciário seja esmagado por este verdadeiro rolo compressor que é a evolução tecnológica.
No primeiro capítulo será abordado o tema referente à tecnologia da informação,
onde se pretende discorrer acerca do referencial histórico, conceito, classificação e vantagens de sua utilização, de igual modo como se objetiva especificar, no segundo capítulo,
no tocante ao tema relacionado ao processo virtual/eletrônico, para, no terceiro capítulo,
ingressar diretamente sobre a questão da prestação jurisdicional, traçando-se o conceito, a
forma, as vantagens decorrentes da utilização das novas tecnologias e os reflexos na atuação
do magistrado.
Assim, objetiva-se demonstrar que a implementação da utilização dessas novas
tecnologias será importante instrumento para garantir a eficiência de uma gestão democrática, focada especificamente no atendimento das expectativas do cidadão/jurisdicionado.
494
Revista ESMAC
1. A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Breve histórico sobre a evolução da tecnologia da informação
Se num passado mais distante o homem dependia quase que exclusivamente de
sua força física para sobreviver, pois naquele ambiente inóspito em que habitava não havia
quaisquer instrumentos capazes de facilitar a sua principal atividade, a caça, hoje, depois de
passar por inúmeras evoluções, dentre elas a industrialização e a massificação da utilização
das máquinas para ajudá-lo ou até mesmo substituí-lo na execução das tarefas cotidianas,
chegou-se a um estágio tal de avanço que não basta mais possuir a força física ou as máquinas para deter o domínio da atividade econômica, política, ou social. Atualmente, no mundo
globalizado em que vivemos, somente quem detém o conhecimento da tecnologia da informação poderá se sobressair e almejar obter êxito em qualquer ramo da vida social, seja na
política, na economia, nos esportes, na medicina, na educação, etc.
A Tecnologia da Informação (TI) vem causando profunda e contínua revolução nas
estruturas de trabalho e da sociedade em geral, pois está intimamente associada à reformulação do sistema capitalista de produção, que caracterizou as últimas décadas do século XX
e para a qual o desenvolvimento tecnológico deu suporte. Ao esboçar cenários no mundo do
trabalho é necessário frisar como a tecnologia, notadamente a partir dos anos 90, passar a
causar profundos impactos tanto na sociedade quanto nas organizações em particular.
Com o objetivo de fazer um mergulho, ainda que de forma mais superficial, no processo histórico que norteou a evolução da tecnologia da informação, a fim de que tenhamos
uma breve noção de como tudo começou, desenvolveu-se e chegou ao estágio atual, é que
passaremos a relatar esse contexto histórico.
De acordo com MANUEL CASTELLS465: A seqüência Histórica da revolução da
tecnologia da informação tem os seguintes aspectos:
A breve, porém intensa, história da revolução da tecnologia da informação foi contada tantas vezes nos últimos anos, que é desnecessário dar ao leitor um outro relato completo.
Além disso, devido ao ritmo acelerado dessa revolução, qualquer outro relato tornar-se-ia
obsoleto, tanto que, entre o momento em que este livro está sendo escrito e o de sua leitura
(digamos 18 meses), microchips terão dobrado seu desempenho a um determinado preço, de
acordo com a geralmente aceita “lei de Moore”. Todavia, considero útil para a análise nos
lembrarmos dos principais eixos da transformação tecnologia em geração/processamento/
transmissão da informação, colocando-os na seqüência que se deslocou rumo à formação de
um novo paradigma sociotécnico. Este breve resumo me autorizará, posteriormente, a omitir
referências sobre aspectos técnicos ao discutir sua interação específica com a economia, cultura e sociedade por todo o itinerário intelectual deste livro, exceto quando novos elementos
de informação forem necessários.
E é o próprio MANUEL CASTELLS quem delineia todo o perfil seqüencial que
norteou a evolução histórica da tecnologia da informação, do qual citaremos os trechos mais
relevantes, de forma bastante resumida:
465 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede; tradução: Roneide Venâncio Majer; atualização para 6ª edição:
Jussara Simões – (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v. 1) São Paulo: Paz e Terra, 1999
495
Macromudanças da microengenharia: eletrônica e informação
Apesar de os antecessores industriais e científicos das tecnologias da informação
com base em microeletrônica já poderem ser observados anos antes da década de 1940
(não menosprezando a invenção do telefone por Bell, em 1876, do rádio por Marconi, em
1898, e da válvula a vácuo por De Forest, em 1906), foi durante a Segunda Guerra Mundial
e no período seguinte que se deram as principais descobertas tecnológicas em eletrônica:
o primeiro computador programável e o transistor, fonte da microeletrônica, o verdadeiro
cerne da revolução da tecnologia da informação no século XX. Porém, defende-se que, de
fato, só na década de 1970 as novas tecnologias da informação difundiram-se amplamente,
acelerando seu desenvolvimento sinérgico e convergindo em um novo paradigma. Vamos
reconstituir os estágios da inovação em três principais campos da tecnologia que, intimamente inter-relacionados, constituíram a história das tecnologias baseadas em eletrônica:
microeletrônica, computadores e telecomunicações.
E continua CASTELLS mais adiante:
Contudo, o passo decisivo ma microeletrônica foi dado em 1957: o circuito integrado (CI)
foi inventado por Jack Kilby, engenheiro da Texas Instruments (que o patenteou) em parceria
com Bob Noyce, um dos fundadores da Fairchild.
Na seqüência CASTELLS afirma:
O avanço gigantesco na difusão da microeletrônica em todas as máquinas ocorreu em 1971
quando o engenheiro da Intel, Ted Hoff (também no Vale do Silício), inventou o microprocessador, que é o computador em um único chip. Assim, a capacidade de processar informações poderia ser instalada em todos os lugares.
Para CASTELLS a Segunda Guerra Mundial teve papel fundamental na criação e desenvolvimento de novas tecnologias:
Os computadores também foram concebidos pela mãe de todas as tecnologias, a Segunda
Guerra Mundial, mas nasceram somente em 1946 na Filadélfia, se não considerarmos as
ferramentas desenvolvidas com objetivos bélicos, como o Colossus britânico (1943) para
decifrar códigos inimigos e o Z-3 alemão que, como dizem, foi criado em 1941 para auxiliar
os cálculos das aeronaves.
E arrematando, acerca das telecomunicações, CASTELLS assevera:
É claro que essa capacidade de desenvolvimento de redes só se tornou possível graças aos
importantes avanços tanto das telecomunicações quanto das tecnologias de integração de computadores em rede, ocorridos durante os anos 70. Mas, ao mesmo tempo, tais mudanças somente foram possíveis após o surgimento de novos dispositivos microeletrônicos e o aumento
da capacidade de computação, em uma impressionante ilustração das relações sinérgicas da
revolução da tecnologia da informação.
As telecomunicações também foram revolucionadas pela combinação das tecnologias de “nós”
(roteadores e comutadores eletrônicos) e novas conexões (tecnologias de transmissão).
496
Revista ESMAC
Outro fator considerado relevante por CASTELLS na evolução histórica da tecnologia da informação foi a criação da internet:
A criação e o desenvolvimento da internet nas três últimas décadas do século XX foram conseqüência de uma fusão singular de estratégia militar, grande cooperação científica, iniciativa tecnologia e inovação contracultural. A internet teve origem no trabalho de uma das mais
inovadoras instituições de pesquisa do mundo: a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada
(ARPA) do Departamento de Defesa dos EUA.
Mais adiante afirma o mesmo autor, ainda se referindo à criação e desenvolvimento
da internet como um dos componentes fundamentais no processo histórico-evolutivo da
tecnologia da informação:
A primeira rede de computadores, que se chamava ARPANET – em homenagem ao seu
poderoso patrocinador – entrou em funcionamento em 1 de setembro de 1969, com seus
quatro primeiros nós na Universidade da Califórnia em Los Angeles, no Stanford Research
Institute, na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara e na Universidade de Utah. Estava
aberta aos centros de pesquisa que colaboravam com o Departamento de Defesa dos EUA,
mas os cientistas começaram a usá-la para suas próprias comunicações, chegando a criam
uma rede de mensagens entre entusiastas de ficção científica.
Na obra outrora citada o autor continua a descrever a evolução histórica da tecnologia da informação, especificamente delineando o passo-a-passo que tornou possível a
expansão, em larga escala, do uso da internet, notadamente com o desenvolvimento das
tecnologias de rede, bem como a massificação do uso da computação.
Tecnologias de rede e a difusão da computação
Em fins da década de 1990, o poder de comunicação da internet, juntamente com
os novos progressos em telecomunicações e computação provocaram mais uma grande mudança tecnologia, dos microcomputadores e dos mainframes descentralizados e autônomos à
computação universal por meio da interconexão de dispositivos de processamento de dados,
existentes em diversos formatos. Nesse novo sistema tecnológico o poder de computação é
distribuído numa rede montada ao redor de servidores da web que usam os mesmos protocolos da internet, e equipados com capacidade de acesso a servidores de bases de dados e
servidores de aplicativos.
Seqüenciado na explanação o autor comenta sobre o que se pode chamar de praticamente o divisor tecnológico dos anos 70, eis que é, a partir de então, que se estabelece
um divisor de águas, por assim dizer, devido à rapidez com que os avanços tecnológicos
começaram a se verificar.
497
O divisor tecnológico dos anos 70
Esse sistema tecnológico, em que estamos totalmente imersos na aurora do século
XXI, surgiu nos anos 70. Devido à importância de contextos históricos específicos das trajetórias tecnológicas e do modo particular de interação entre as tecnologias e a sociedade,
convém recordarmos algumas datas associadas a descobertas básicas nas tecnologias da
informação. Todas têm algo de essencial em comum: embora baseadas principalmente nos
conhecimentos já existentes e desenvolvidas como uma extensão das tecnologias mais importantes, essas tecnologias representaram um salto qualitativo na difusão maciça da tecnologia em aplicações comerciais e civis, devido a sua acessibilidade e custo cada vez menor,
com qualidade cada vez maior. Assim, o microprocessador, o principal dispositivo de difusão
da microeletrônica, foi inventado em 1971 e começou a ser difundido em meados dos anos
70. O microcomputador foi inventado em 1975, e o primeiro produto comercial de sucesso,
o Apple II, foi introduzido em abril de 1977, por volta da mesma época em que a Microsoft
começava a produzir sistemas operacionais para microcomputadores.
Além de citar outros eventos importantes para o desenvolvimento da tecnologia
da informação, ocorridos nas décadas de 1970 e seguintes, CASTELLS também se reporta
sobre a utilização desses novos conhecimentos nas chamadas “Tecnologias da Vida”, bem
como estabelece “O contexto social e a dinâmica da transformação tecnológica”, para, na
seqüência, discorrer acerca dos personagens e locais onde mais se intensificou a revolução
da tecnologia da informação.
Modelos, atores e locais da revolução da tecnologia da informação
Se a primeira Revolução Industrial foi britânica, a primeira revolução da tecnologia da informação foi norte-americana, com tendência californiana. Nos dois casos, cientistas e industriais de outros países tiveram um papel muito importante tanto nas descobertas
com na difusão das novas tecnologias. A França e a Alemanha foram fontes importantes
de talentos e aplicações da Revolução Industrial. As descobertas científicas originadas na
Inglaterra, Fraca, Alemanha e Itália constituíram a base das novas tecnologias de eletrônica
e biologia. A capacidade das empresas japonesas foi decisiva para a melhoria do processo
de fabricação como base em eletrônica e para a penetração das tecnologias da informação
a vida quotidiana mundial mediante uma série de produtos inovadores como videocassetes,
fax, videogames e bips. Na verdade, na década de 1980, as empresas japonesas atingiram o
domínio da produção de semicondutores no mercado internacional, embora em meados da
década de 1990, as empresas norte-americanas já tivessem reassumido a liderança competitiva.
Continuando seu relato sobre o tópico acima elencado, CASTELLS faz referência
ao que se pode chamar de o berço da revolução da tecnologia da informação, o chamado
Vale do Silício, localizado próximo à San Francisco, nos Estados Unidos da América:
498
Revista ESMAC
Para entender as raízes sociais da revolução da tecnologia da informação nos Estados Unidos, além dos mitos que a cercam, farei um breve relato do processo de formação
de sua fonte tecnológica mais notável: o Vale do Silício. Como já mencionei, foi no Vale
do Silício que o circuito integrado, o microprocessador e o microcomputador, entre outras
tecnologias importantes, foram desenvolvidos, e é lá que o coração das inovações eletrônicas bate há quarenta anos, mantido por aproximadamente 250 mil trabalhadores do setor
de tecnologia da informação. Além disso, toda a área da Baía de São Francisco (inclusive
outros centros de inovação como Berkeley, Emeryville, condado Marin e a própria São Francisco) também participou do início da engenharia genética e é, na virada do século, um dos
principais centros mundiais de software avançado, projetos e desenvolvimento da internet,
engenharia genética e projetos de processamento de dados em multimídia.
O Vale do silício (condado de Santa Clara, 48 km ao sul de São Francisco, entre
Stanford e San Jose) foi transformado em meio de inovação pela convergência de vários
fatores, atuando no mesmo local: os novos conhecimentos tecnológicos; um grande grupo
de engenheiros e cientistas talentosos das principais universidades da área; fundos generosos
vindos de um mercado garantido e do Departamento de Defesa; a formação de uma rede
eficiente de empresas de capital de risco; e, nos primeiros estágios, liderança institucional da
Universidade de Stanford.
Após fazer precioso relato sobre a fonte de formação tecnológica mais notável da
tecnologia da informação, o Vale do Silício, CASTELLS cita seus atores mais importantes,
a exemplo dos “Oito da Fairchild”, Bill Gates, Steve Jobs, Steve Wozniak, entre outros, esclarecendo que sem eles certamente a revolução da tecnologia da informação teria adquirido
outras características.
Porém, sem esses empresários inovadores, como os que deram início ao Vale
do Silício ou aos clones de PCs em Taiwan, a revolução da tecnologia da informação teria
adquirido características muito diferentes e é improvável que tivesse evoluído para a forma
de dispositivos tecnológicos flexíveis e descentralizados que se estão difundindo por todas as
esferas da atividade humana. Sem dúvida, desde o início dos anos 70, a inovação tecnológica
tem sido essencialmente conduzida pelo mercado: e os inovadores, enquanto ainda muitas
vezes empregados por grandes empresas, em particular no Japão e na Europa, continuam a
montar seus negócios nos Estados Unidos e, cada vez mais, em todo o mundo. Com isso,
há um aumento da velocidade da inovação tecnológica e uma difusão mais rápida dessa
inovação à medida que mentes talentosas, impulsionadas por paixão e ambição, vão fazendo
pesquisas constantes no setor em busca de nichos de mercado em produtos e processos. Na
realidade, é mediante essa interface entre os programas de macropesquisas e grandes mercados desenvolvidos pelos governos, por um lado, e a inovação descentralizada estimulada
por uma cultura de criatividade tecnológica e por modelos de sucessos pessoais rápidos, por
outro, que as novas tecnologias da informação prosperam. No processo, essas tecnologias
agruparam-se em torno de redes de empresas, organizações e instituições para formar um
novo paradigma sociotécnico.
Para finalizar, CASTELLS estabelece as características que formam o paradigma da
tecnologia da informação, cuja matéria-prima primordial é justamente a informação, aliada à
penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias numa lógica de redes ou sistemas de relações,
499
baseados na flexibilidade, de modo a permitir a convergência para um sistema integrado:
O paradigma da tecnologia da informação
A primeira característica do novo paradigma é que a informação é sua matéria-prima; são
tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação para agir sobre a tecnologia, como foi o caso das revoluções tecnológicas anteriores.
O segundo aspecto refere-se à penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias. Como a informação é parte integral de toda a atividade humana, todos os processos de nossa existência
individual e coletiva são diretamente moldados (embora, com certeza, não determinados)
pelo novo meio tecnológico.
A terceira característica refere-se à lógica de redes em qualquer sistema ou conjunto de relações, usando essas novas tecnologias da informação.
Mais adiante o autor estabelece a quarta característica:
Em quarto lugar, referente ao sistema de redes, mas sendo um aspecto claramente distinto, o
paradigma da tecnologia da informação é baseado na flexibilidade. Não apenas os processos
são reversíveis, mas organizações e instituições podem ser modificadas, e até mesmo fundamentalmente alteradas, pela reorganização de seus componentes.
E continua com a quinta característica, asseverando:
Então, uma quinta característica dessa revolução tecnológica é a crescente convergência de
tecnologias específicas para um sistema altamente integrado, no qual trajetórias tecnológicas antigas ficam literalmente impossíveis de se distinguir em separado. Assim, a microeletrônica, as telecomunicações, a optoeletrônica e os computadores são todos integrados nos
sistemas de informação.
Arrematando o que foi dantes estabelecido, o autor conclui que o paradigma da tecnologia
da informação não tende a se fechar como um sistema, mas a abrir-se como uma rede de
acessos múltiplos:
Em resumo, o paradigma da tecnologia da informação não evolui para seu fechamento como
um sistema, mas rumo a abertura como uma rede de acessos múltiplos. É forte e impositivo
em sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento histórico. Abrangência, complexidade e disposição em forma de rede são seus principais atributos.
Assim, a dimensão social da revolução da tecnologia da informação parece destinada a cumprir a lei sobre a relação entre a tecnologia e a sociedade proposta algum tempo atrás por
Melvin Kranzberg: “A primeira lei de Kranzbeg diz: A tecnologia não é nem boa, nem ruim
e também não é neutra”. É uma força que provavelmente está, mais do que nunca, sob o atual
paradigma tecnológico que penetra no âmago da vida e da mente. Mas seu verdadeiro uso na
esfera da ação social consciente e a complexa matriz de interação entre as forças tecnológi500
Revista ESMAC
cas liberadas por nossa espécie e a espécie em si são questões mais de investigação que de
destino. Portanto, prosseguirei agora com essa investigação.
A nova revolução da informação
De acordo com MALTA466 é em conceitos que se processa a nova revolução da
tecnologia da informação:
A nova revolução da informação se processa em conceitos. Peter Druker diz que há
50 anos a TI – Tecnologia da Informação tem se centrado em dados (coleta, armazenagem,
transmissão, apresentação), sendo hoje muito mais T do que I e é aí que se dá a transformação; para o futuro, o foco estará na informação, para determinar seu significado, sua finalidade, redefinindo tarefas e as próprias instituições.
O primeiro impacto revolucionário ocorreu por volta de 1950, com o “milagre” do
computador. Depois surgiram os softwares, que, numa fração de tempo e custos tradicionais,
projetam edifícios, fazem cirurgias virtuais, permitem às empresas organizarem suas operações nos mais diversos cantos do planeta.
Até agora o computador e a tecnologia da informação, dele originária, não foram
além de meros produtores de dados para as tarefas da alta gerência. Isso ocorreu porque os
sistemas de Informações Gerenciais (SIG) tomaram os dados do sistema contábil tradicional
de preservação de ativos e controle de custos, que são tarefas operacionais, nunca tendo sido
tarefas de alta gerência.
São necessárias decisões estratégicas baseadas em novas realidades para a criação
de valor e riqueza, essa a força motriz de uma nova contabilidade que vem se empenhando
em obter as informações de que as organizações necessitam, isto é, ao invés de prover dados,
visam a prover informações para as tarefas e decisões da alta gerência.
Druker conta que a atual revolução da informação é a quarta da história da humanidade. A primeira foi a invenção da escrita, há cerca de 6.000 anos atrás, na Mesopotâmia,
depois na China e depois na América Central, pelos Maias; a segunda revolução da informação ocorreu com o livro escrito, primeiro na China, talvez em 1300 a.C. e, 800 anos mais
tarde, na Grécia, onde Peisistratos, o tirano de Atenas, mandou copiar em livros os épicos de
Homero, até então apenas recitados. Entre 1450 e 1455, gutemberg inventou a impressora
e o tipo móvel, causando a terceira revolução da informação, que se consolidou com a contemporânea gravação. Esta provocou um grande impacto sobre o significado da informação
e teve enorme importância pela redução de custos e pela velocidade da nova tecnologia de
impressão.
Trabalhar com informações talvez seja um dos maiores desafios gerenciais para o
século XXI, porque são a base do desafio da produtividade do trabalhador do conhecimento
e o desafio do autogerenciamento.
Outra abordagem histórica acerca da evolução da tecnologia da informação nos é
fornecida por PENNAFORTE467, o qual traça, inclusive, um paralelo com a globalização e
seus efeitos nas relações de trabalho:
466 Malta, Maria Lucia Levy. Direito da Tecnologia / Maria Lucia Levy Malta – Campinas: Edicampo, 200
467 Pennaforte, Charles. Globalização: A Nova Dinâmica Mundial / Charles Pennaforte – Rio de Janeiro: Ao Livro
Técnico, 1998.
501
Tecnologia e globalização
Em 1932 surgia o telégrafo. Em 1925, a televisão. Em 1945, o computador. Em
1971, o chip. Em 1997, o pager de voz. Estas são algumas das inovações tecnológicas que
mudaram e estão mudando o mundo.
O avanço da tecnologia assume um caráter de fundamental importância no momento atual. A utilização do computador, do fax ou do modem encurtou sensivelmente as
distâncias. Através dos computadores, milhões de pessoas podem se comunicar ou fazer
transações comerciais. Bilhões de dólares podem desaparecer das bolsas de valores de Manila, nas Filipinas e aparecer na cidade do México instantaneamente.
Para o professor Krishan Kumar468, da Universidade de Kent, na Inglaterra: “A
combinação de satélites, televisão, telefone, cabo de fibra ótica e microcomputadores enfeixou o mundo em um sistema unificado de conhecimento. Ela acabou com a imprecisão da
informação. Agora, pela primeira vez, somos uma economia realmente global porque, pela
primeira vez, temos informações compartilhadas de forma instantânea pelo planeta”.
Mais adiante o autor continua exemplificando como a evolução da tecnologia da
informação nos conduziu ao que hoje se pode definir como uma verdadeira “aldeia global”,
pois o que se compra, o que se vende, o que se come, o que assiste está presente nos quatro
cantos do planeta.
Uma sociedade global
As mudanças pelas quais a sociedade vem passando há algum tempo chamam a
atenção de vários teóricos. Para designar tais transformações, já surgiram vários rótulos:
terceira onda para Alvin Toffler, sociedade informática para Adam Schaft e, como já mencionamos no início, “aldeia global” para McLuhan.
Mas o que, na prática, configura uma sociedade global? Esta é uma pergunta rápida
de se responder. Basta você olhar os seriados que passam em nossas televisões (e nas do
mundo), o McDonalds e seus hambúrgueres deliciosos, os filmes hollywoodianos, a CNN,
que transmitiu para todo o mundo a Guerra do Golfo, a internet que possui atualmente 100
milhões de usuários etc.
Referindo-se ao novo padrão tecnológico PENNAFORTE, na mesma obra anteriormente citada, afirma:
O antigo modelo industrial dos EUA, da Europa Ocidental e do Japão, baseado
nos setores de metalurgia, siderurgia e mecânica, já foi ultrapassado. Os novos setores da
vanguarda tecnológica, a chamada tecnologia de ponta, são a robótica, a telemática (informatização com a telecomunicação) a microeletrônica (informática), a biotecnologia (engenharia genética) e a química-fina (novos materiais sintéticos). Alguns denominam essa nova
etapa tecnológica da Terceira Revolução Industrial ou Revolução Técnico-Científica.
Na seqüência PENNAFORTE relata sobre a importância que teve a chamada Guerra
Fria para o desenvolvimento tecnológico, assim como a Segunda Guerra Mundial, citando
como exemplo mais importante a invenção do computador, durante o período da guerra.
468 Krisham Kumar. Da sociedade Pós-industrial à Pós-moderna, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p. 22, 1997
502
Revista ESMAC
Hoje o computador está presente na maioria das casas, graças à produção em massa, que permitiu a redução dos custos e o acesso mais fácil para grande parte da população.
O autor supracitado ainda discorre sobre a sociedade pós-industrial, acerca da qual
teoriza:
A Terceira Revolução Industrial impôs também mudanças na organização da
sociedade. Se, até os anos 60, as economias tinham uma participação do setor industrial
(secundário) muito grande, hoje a realidade é bem diferente. O setor de prestação de serviços (terciário) predomina. A produção manufatureira perdeu seu posto para a concepção de
projetos que permitam criar novos produtos de uma maneira mais racionalizada. O principal
exemplo é a produção de softwares (programas) para computadores.
Para alguns intelectuais, vivemos na sociedade da informação, em que a informática passa a ser o principal produto de consumo, já que ela está presente no dia-a-dia de
todos, tanto das empresas como da população. Ir ao banco ou acessa-lo pelo computador em
casa nos obriga ao contato com a tecnologia. As TVs, seja a cabo ou de recepção direta dos
satélites, mostram essa importância. Esta é a principal característica dos anos 90.
Por fim, PENNAFORTE enumera as mudanças que tais progressos tecnológicos
operaram nas relações de trabalho e no processo de produção, comentando sobre o fordismo,
a crise do fordismo, o pós-fordismo, e a “desindustrialização”, concluindo com a chamada
reestruturação do espaço industrial e os tecnopólos, definindo-os como áreas de alta tecnologia e centros de excelência, onde ocorrem os maiores avanços e descobertas no campo da
microeletrônica, citando como exemplo mais conhecido o Vale do Silício, nos EUA, além
do Sophia Antipolis, na França, Terceira Itália, na Itália, Corredor M4, na Inglaterra, entre
outros.
Após esse breve histórico acerca da evolução da tecnologia da informação, partese para a conceituação do termo.
Conceito de tecnologia da informação
Mais uma vez é CASTELLS quem nos auxilia, quando afirma:
Como tecnologia, entendo, em linha direta com Harvey Brooks e Daniel Bell, “o
uso de conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de uma
maneira reproduzível”. Entre as tecnologias da informação, incluo, como todos, o conjunto
convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão, e optoeletrônica. Além disso, diferentemente de alguns analistas,
também incluo nos domínio da tecnologia da informação a engenharia genética e seu crescente conjunto de desenvolvimentos e aplicações.
Do
site
wikipedia
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Tecnologia_da
informa%C3%A7%C3%A3o), acessado no dia 19.02.2008, foi extraído outro conceito de
tecnologia da informação, conforme abaixo transcrito a título de ilustração:
503
A Tecnologia da Informação é um termo comumente utilizado para designar o
conjunto de recursos não humanos dedicados ao armazenamento, processamento e comunicação da informação, bem como o modo de como esses recursos estão organizados num
sistema capaz de executar um conjunto de tarefas. A TI não se restringe a equipamentos
(hardware), programas (software) e comunicação de dados. Existem tecnologias relativas ao
planejamento de informática, ao desenvolvimento de sistemas, ao suporte ao software, aos
processos de produção e operação, ao suporte de hardware, etc.
A sigla TI, tecnologia da informação, abrange todas as atividades desenvolvidas na
sociedade pelos recursos da informática. É a difusão social da informação em larga escala de
transmissão, a partir destes sistemas tecnológicos inteligentes. Seu acesso pode ser domínio
público ou privado, na prestação de serviços das mais variadas formas.
A aplicação, obtenção, processamento, armazenamento e transmissão de dados
também são objeto de estudo na TI. O processamento de informação, seja de que tipo for, é
uma atividade de importância central nas economias industriais avançadas por estar presente
com grande força em áreas como finanças, planejamento de transportes, design, produção
de bens, assim como na imprensa, nas atividades editorias, no rádio e na televisão. O desenvolvimento cada vez mais rápido de novas tecnologias de informação modificou as bibliotecas e os centros de documentação (principais locais de armazenamento de informação)
introduzindo novas formas de organização e acesso aos dados a obras armazenadas; reduziu
custos e acelerou a produção dos jornais e possibilitou a formação instantânea de redes
televisivas de âmbito mundial. Além disso, tal desenvolvimento facilitou e intensificou a
comunicação pessoal e institucional, através de programas de processamento de texto, de
formação de bancos de dados, de editoração eletrônica, bem de tecnologias que permitem a
transmissão de documentos, envio de mensagens e arquivos, assim como consultas a computadores remotos (via rede mundiais de computadores, como a internet). A difusão das novas tecnologias de informação trouxe também impasse e problemas, relativos principalmente
à privacidade dos indivíduos e ao seu direito à informação, pois os cidadãos geralmente não
tem acesso a grande quantidade de informação sobre eles, coletadas por instituições particulares ou públicas.
Para ilustrar colacionamos um conceito sociológico acerca do termo tecnologia,
extraído do Dicionário de Sociologia469:
Tecnologia é o repositório acumulado de conhecimentos culturais sobre como
adaptar, usar e atuar sobre os ambientes físicos e seus recursos materiais, com vistas a satisfazer desejos e vontades humanas. Os conhecimentos sobre como plantar e colher culturas,
fabricar aço, abrir estradas ou construir computadores são, todos eles, parte da tecnologia
cultural.
Embora a tecnologia não tenha adquirido ainda um lugar proeminente no pensamento sociológico, certo número de sociólogos defende sua importância, especialmente
para compreender o curso da história e a mudança social. Tipos importantes de sociedades
– tais como a DE CAÇADORES-COLETORES, HORTELÃ, AGRÁRIA, INDUSTRIAL,
ou PÓS-INDUSTRIAL – distinguem-se, primeiro e acima de tudo, pelas diferenças em tecnologia, que se vinculam a diferenças espetaculares na forma das instituições sociais, tais
como a família, religião e política, e nos termos e condições da vida social. A REVOLUÇÃO
469 Johnson, Allan G. – Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociologia/Allan G. Johnson: tradução Ruy Jungmann; consultoria, Renato Lessa. – Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed., 1997
504
Revista ESMAC
INDUSTRIAL, que gerou enormes mudanças, baseou-se em grau muito alto em inovações
tecnológicas.
Tecnologia, porém, não deve ser confundida com CIËNCIA. A tecnologia consiste
de conhecimentos práticos sobre como usar recursos materiais, ao passo que a ciência consiste de conhecimento abstrato e teorias sobre como as coisas funcionam. É por certo verdade que o desenvolvimento tecnológico e cientifico com freqüência andam de mãos dadas,
mas este não é sempre necessariamente o caso.
Benefícios da Utilização da Tecnologia da Informação
Por meio da internet são realizadas um sem número de transações nos mais diversos campos, que vão desde o comércio eletrônico (e-commerce, e-business, e-banking
etc.) até relações afetivas. Obviamente, essas transações possuem conseqüências jurídicas e
freqüentemente acarretam conflitos. O Poder Judiciário deve estar preparado para lidar com
esses conflitos. Para tanto, deve buscar se familiarizar com as provas digitais.
A tecnologia da informação exerce vasta influência no campo probatório, a exemplos que
vão de uma simples mensagens de e-mail até complexas fórmulas matemáticas certificadoras da autenticidade de documentos digitais tornam-se comuns nas discussões forenses.
Atualmente certidões negativas de débitos fornecidas, on-line, nas páginas dos órgãos públicos são aceitas com plena validade.
O Governador de São Paulo, José Serra, em artigo recente, publicado no jornal O
Estado de São Paulo, no dia 24.08.2007, defendeu o uso das novas tecnologias pela justiça,
referindo-se mais especificamente ao recurso da videoconferência, eis que a Segunda Turma
do Supremo Tribunal Federal decidiu pela anulação de um interrogatório realizado por esse
meio, com o acusado no local em que estava custodiado e o juiz na sala de audiências do
Fórum.
Para o Governador o Código Penal não regula, mas também não proíbe o uso dessa
tecnologia, fazendo-se faz necessária, no entanto, a aprovação de projeto de lei para a devida
regulamentação.
Entre outras vantagens da videoconferência o Governador José Serra afirma que:
A videoconferência traz para o ambiente judicial o que o telefone e a internet trouxeram para a convivência humana. Elimina o espaço e encurta o tempo. Sob fiscalização
e acompanhamento do defensor, do Ministério Público e da sociedade, permite o interrogatório a distância. Também permite que o processo tenha, sem prejuízo das garantias constitucionais, uma duração menor, que o juiz multiplique sua capacidade de trabalho e que o
Estado não exponha a sociedade a riscos desnecessários nem dissipe seus escassos recursos
com o transporte de presos.
Não há razão para impedir esse ganho de eficiência, que tem entre seus defensores
tribunais como o nosso Superior Tribunal de Justiça, a Corte Constitucional da Itália e a
Corte Européia dos Direitos Humanos. Estes dois tribunais já examinaram a validade da
videoconferência para o interrogatório, que é prevista na legislação italiana, e concluíram
que essa técnica garante a ampla defesa e o direito ao processo justo.
Ao redigir a decisão, um dos grandes juristas italianos, Giuliano Vassali, argu505
menta que não tem fundamento a premissa segundo a qual somente a presença física do
acusado no Fórum poderia assegurar a efetividade do seu direito de autodefesa, princípio
que não pode ser confundido com as modalidades práticas pelas quais se concretiza em cada
processo e cuja realização requer, apenas, que se garanta a participação pessoal e consciente
do réu e meios técnicos que sejam idôneos para alcançar esse objetivo.
A Corte Européia dos Direitos Humanos recorda que o uso da videoconferência
é previsto no direito internacional, como, por exemplo, na Convenção da União Européia
sobre a extradição judiciária em matéria penal. A videoconferência realizada em São Paulo,
com o apoio do tribunal de Justiça, conforme procedimento regulado por uma lei do Estado,
não torna a atividade judiciária mecânica e insensível, não sacrifica nem diminui a defesa.
Como já foi lembrado em decisões do Superior Tribunal de Justiça, o que muda é
a forma de apresentação do acusado, com uma extensão digital da sala de audiências, que
“possibilita o contato visual e verbal, em tempo real, entre todas as pessoas envolvidas com
o processo, quais sejam, réu, juiz, promotor, defesa, vítima e testemunhas”. E tudo garantindo-se que o réu se comunique “com seu advogado através de telefone, reservadamente”, e
facultando-se a presença de um defensor “na sala de audiências e outro no presídio”. Ou
seja, este é um modo de assegurar a participação livre e consciente do acusado, por meio de
uma tecnologia moderna, cuja aplicação é cercada de todos os cuidados para garantir que se
expresse com liberdade.
Além disso, o uso da videoconferência torna possível a filmagem do interrogatório
e o seu registro perene num CD-ROM, que fica arquivado para consulta de todos, inclusive
de outros magistrados. Assim, no julgamento de eventuais recursos, o tribunal pode ver
e ouvir exatamente o que o réu disse e o modo como o fez, o que não acontece na forma
tradicional de documentação do interrogatório. E este é um benefício valioso, pois faculta a
observação direta dessa prova pelo tribunal, o que é melhor do que a mera leitura de palavras
impressas, que são veículos imperfeitos do pensamento e estão mais expostas a equívocos
de interpretação do que a observação atenta do modo como o interrogatório realmente ocorreu.
O ponto de vista defendido pelo Governador José Serra é extremamente pertinente,
pois a utilização dessa ferramenta tecnológica, a videoconferência, certamente se traduz
num recurso indispensável para agilizar a entrega da prestação jurisdicional, da qual não
há como o Poder Judiciário prescindir, se quiser realmente estar em sintonia com os novos
tempos.
Conforme muito bem demonstrado pelo signatário do artigo supracitado, inúmeras
são as vantagens na realização do interrogatório de acusados pelo sistema da videoconferência, dentre elas pode ser citada a segurança, evitando-se o deslocamento de presos, muitas
vezes de alta periculosidade, pelas regiões centrais das grandes cidades, onde normalmente
estão localizados os Fóruns Criminais, evitando-se os riscos de fugas ou arrebatamentos.
Tais operações, quase sempre, exigem grande aparato policial, elevando demasiadamente os
custos para o Estado e, em última análise, para o cidadão contribuinte.
Por outro lado, há como se observar o respeito aos direitos e garantias individuais
previstos na nossa Constituição Federal, não havendo qualquer razão para obstar o uso desse
meio para a realização dos atos processuais, notadamente o interrogatório dos acusados que
se encontrem custodiados.
A AJUFE – entidade de classe dos juízes federais – é outra defensora da validade
506
Revista ESMAC
dos interrogatórios feitos através do sistema de videoconferência, inclusive fazendo publicar
nota pública no dia 15 de agosto de 2007, na qual reafirma a posição firme daquela associação na defesa desse meio eletrônico:
Não há ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório, uma vez que o
sistema de audiência por videoconferência (teleaudiência) permite o contato privativo – em
linha exclusiva e criptografada – entre o acusado e seu defensor. Além disso, o defensor não
fica em nenhum momento impedido de contatar o preso, no presídio, antes da audiência.
A teleaudiência – exatamente porque permite a gravação das imagens do ato processual – opera em favor e não contrariamente ao acusado, pois permite que no momento
de valoração das provas, o depoimento do réu seja recuperado na sua mais ampla extensão,
consubstanciando-se, por isso mesmo, em um importante instrumento para o julgamento da
causa, especialmente quando o magistrado responsável pela decisão não tenha tido participação nos atos de instrução, situação essa que ocorre amiúde.
É de se notar, outrossim, que o sistema de audiência por videoconferência restringe-se aos casos de presos de maior periculosidade, cujo transporte pelas vias das cidades
traz insegurança à sociedade, devido ao risco de fuga por tentativa de resgate. Além disso,
é relevante lembrar o alto custo do transporte desses presos de alta periculosidade, que, não
raro, são levados para presídios de segurança máxima, localizados em local afastado dos
grandes centros urbanos e, em determinados casos, em outros estados, como nos de presos
sujeitos à jurisdição federal.
Não é raro, ainda, que dificuldades burocráticas na disponibilização dos presos ou
a falta de contingente para a escolta levem a adiamentos das audiências com réus presos,
atrasando significativamente a resolução dos seus processos.
Nações democráticas da Europa já adotam o interrogatório por videoconferência
sem qualquer lesão a direitos individuais dos acusados.
Por isso, é preciso mudar a mentalidade para que o Poder Judiciário possa aprimorar a prestação da jurisdicional atividade jurisdicional, compassada com os novos tempos, valendo-se dos necessários avanços tecnológicos.
A AJUFE, enfim, manifesta sua preocupação de que esse entendimento, se adotado, venha a gerar a declaração da nulidade de inúmeros processos relativos a réus presos de
alta periculosidade.
507
2. O PROCESSO VIRTUAL/ELETRÔNICO
O processo eletrônico, concebido pela promulgação da lei 11.419/2006, estabeleceu um novo paradigma para a administração cartorária e judicial no Brasil, pois com a
adoção desse novo instrumento torna-se possível o armazenamento em mídias eletrônicas de
todos os atos processuais, constituindo num grande passo em direção à aplicação dos meios
eletrônicos no âmbito jurisdicional.
Os computadores e recursos tecnológicos deles decorrentes, que até então eram
utilizados basicamente como editores de textos ou meros substitutos das antigas máquinas
de escrever ou, ainda, como simples mecanismos de acompanhamento processual, podem, a
partir de agora, traduzir-se em efetivas ferramentas para a prática de atos processuais, eis que
a tecnologia hoje existente é capaz de permitir a confecção, armazenangem e manutenção
em mídia digital de tudo o que for praticado dentro de um processo judicial.
A intensificação do uso desses meios eletrônicos tanto na confecção dos atos processuais como na formação dos próprios autos eletrônicos permitirá rapidamente a concepção de uma nova visão da justiça, contribuindo para combater um dos males que mais afetam
a imagem do Poder Judiciário, que é justamente a morosidade.
De acordo com dados extraídos de uma pesquisa feita pelo Supremo Tribunal Federal, 70% (setenta por cento) do tempo gasto em processos se restringe aos atos relativos a
andamento, tais como expedição de certidão, protocolo, registro e carimbo compulsório. À
vista de tal quadro, não há mais dúvida acerca da vantagem da informatização do processo
judicial.
E não seria apenas o jurisdicionado que teria grandes vantagens com a implantação do processo eletrônico, mas também e muito importante nesses tempos de aquecimento
global e destruição da camada de ozônio, o meio ambiente, pois inúmeras toneladas de papel
que seriam utilizadas para a formação dos processos que ingressariam na Justiça não precisariam ser utilizadas, fato que evitaria o corte de enorme quantidade de árvores.
Conforme acentuado por Sérgio Renato Tejada Garcia – Juiz Federal e ex-Secretário-Geral do Conselho Nacional de Justiça, “o processo eletrônico põe em cheque as
noções de tempo e espaço. Isso porque, não mais existem obstáculos físicos para a movimentação processual, nem limitações de horários de expedientes”.
Tais condições virtuais possibilitam o acesso do magistrado ao processo, em
qualquer hora ou dia, do lugar onde se encontre, seja qual for, bem como às partes, incluindo-se o Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradores Públicos e Advogados, que
poderão exercer maior controle, com a utilização de ferramentas que darão transparência e
segurança, permitindo imprimir maior celeridade ao processo.
A grande tarefa a ser enfrentada, no entanto, é a da transformação de todos os
processos judiciais em eletrônicos, pois a efetividade da lei que o instituiu depende de ferramenta tecnológica adequada para instrumentalizá-la, razão pela qual resulta de grande
relevância o empreendimento do Conselho Nacional de Justiça em desenvolver e distribuir
aos tribunais para instalação o software de processo eletrônico, sistema livre, sem o qual
restaria inviabilizada a instalação e a execução do processo eletrônico e, por extensão, a
sonhada virtualização da Justiça.
508
Revista ESMAC
Conceito de Processo Virtual/Eletrônico
Por se tratar de ramo novo do direito, o chamado Direito Eletrônico ainda não
encontrou uma definição definitiva. Assim, encontramos diversas denominações, tais como
Direito da Informática, Direito Eletrônico, Direito Virtual, Direito Cibernético, entre outras.
Para José Carlos de Araújo Almeida Filho470 definir o que venha a ser esse novo
ramo do direito não é tarefa das mais fáceis. Segundo este autor:
Doutrinadores pátrios, de reconhecida autoridade no assunto, como os professores
Paulo Sá Elias e Aldemario Araújo Castro defendem a tese de que a denominação mais correta seria Direito da Informática...
...Contudo, diante da definição que ora se apresenta, não se pode admitir que um
ramo novo do direito seja definido com tamanha simplicidade. Em que pese todo o respeito
atribuído ao Prof. Aldemario Araújo Castro, sempre ousamos divergir de sua posição.
Se as relações e implicações são oriundas das modernas tecnologias da informação, não se pode restringir o direito a um ramo específico de outra área do conhecimento.
Não podemos admitir que o direito seja da informática, nem ao menos, quando se trata da
Informática Jurídica, que os conhecimentos se apresentem tão dissociados...
...Assim sendo, a partir do momento em que o direito tem por natureza tratamentos
transdisciplinares, que vão além da multidisciplinariedade e da interdisciplinaridade, definir
este novo ramo como sendo próprio de uma ciência, ou seja, da informática, é desprezar
todos os demais meios de comunicação e técnicas que estão além destas, mas, ao mesmo
tempo, entre estas.
Admitir o direito como sendo de uma área da ciência, poderemos ter a definição de
Direito da Informática. Contudo, o direito não é da informática, mas se apresenta como meio
de definir conflitos oriundos de todos os segmentos da sociedade.
A partir do momento em que insistimos ser o termo Direito da Informática ultrapassado, necessária se faz uma justificativa pela contraposição à definição do Prof. Aldemario.
Analisando o conceito do Professor Aldemario, podemos alavancar nossa teoria
de que a denominação mais correta é a de Direito Eletrônico, porque nem todos os canais
de comunicação da era moderna são afeitos, especificamente, à informática. Ainda que não
se possa assim admitir, porque a informática é uma realidade presente e substancialmente
importante, se partirmos da premissa que tudo envolve a informática, primariamente, em um
campo secundário a informática deixa de ter importância e passamos a uma segunda fase
– que é a eletrônica.
Assim sendo, quando admitimos que a informática seja uma fonte primária – inclusive geradora de direitos e deveres -, passamos a uma segunda etapa, admitindo fontes
secundárias e, assim, teremos um conceito mais abrangente quando adotamos o termo Direito Eletrônico.
E é certo que a informática é espécie do gênero eletrônica.
Desta forma, entendemos por direito Eletrônico o conjunto de normas e conceitos doutrinários, destinados ao estudo e normatização de toda e qualquer relação onde a
informática seja o fator primário, gerando direitos e deveres secundários. É, ainda, o estudo
470 Almeida Filho, José Carlos de Araújo, 1967 – Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a
informatização judicial no Brasil – Rio de Janeiro: Forense, 2007
509
abrangente com o auxílio de todas as normas codificadas de direito, a regular as relações dos
mais diversos meios de comunicação, dentre eles os próprios da informática.
Almeida Filho afirma que o processo é elemento indissociável de toda a estrutura
de Direito Constitucional, permitindo acesso à justiça e aos Direitos e Garantias Fundamentais do ser humano e o processo eletrônico é o meio pelo qual o Poder Judiciário poderá
imprimir maior agilidade na resolução das lides. Nas palavras do autor:
Dentro dessa nova ordem processual, o processo eletrônico aparece como mais
um instrumento à disposição do sistema judiciário, provocando um desafogo, diante da possibilidade de maior agilidade na comunicação dos atos processuais, que se identifiquem no
processo eletrônico os denominados pontos-mortos e os gargalos processuais.
Contudo, o processo eletrônico deve ser precedido de toda a segurança e cautela e
não pode se admitir tratar-se de uma panacéia para os males do Judiciário. Trata-se de mais
um instrumento colocado à disposição dos jurisdicionados, a fim de terem garantia de acesso
á justiça – eficaz e célere.
Mas não nos basta somente o processo eletrônico. Cappelletti e Garth apontam
outros elementos a serem transpostos, a fim de que este acesso à justiça seja integral e pleno,
como: A) custas elevadas; b) possibilidades das partes (questões financeiras); c) problemas
especiais dos interesses difusos; e d) as barreiras ao acesso...
...Relativamente ao processo eletrônico, pela eliminação do papel e a redução substancial dos gastos, inclusive com grande apego em questões ambientais, porque a economia
também se refere às madeiras e água, entendemos que a superação de obstáculos financeiros
demandará muito mais de políticas internas dos Tribunais e dos Governos Estaduais, do que
das partes.
No que concerne à expressão processo virtual, correlata a todo processo judicial
que integra a ‘realidade virtual’ forense e científica, como preconiza o sempre citado jurista,
essa deve ser concebida como gênero do qual o processo telemático e o processo cibernético
são espécies – sendo que esse último teria um plus em relação àquele, uma vez que o seu
procedimento “além do emprego de meios informáticos e telemáticos, que proporcionam a
digitalização de peças processuais e o seu envio por redes computacionais, também utiliza a
inteligência artificial na tomada de decisões judiciais” (PIMENTEL, 2003, p. 887)471.
Segundo Pierre Levy, citado por Áurea Maria Lowenkron472, o virtual não se opõe
ao que é real e também não pode ser confundido com o falso, passando mais a idéia do que
é atual, no sentido que pode se atualizar em qualquer tempo e lugar, o que é característico do
ciberespaço, onde não existem limites territoriais geográficos definidos:
Dada a impossibilidade de resumir o pensamento de Pierre Levy, mencionarei apenas algumas de suas idéias. Uma das premissas é a de que o virtual está ligado à idéia de força, de
potência, e “não se opõe ao real”, mas sim ao que é “atual”. Como potência, o virtual pode
se atualizar em qualquer tempo e lugar. Ao atualizar-se, produz efeitos, razão pela qual Levy
recusa a identificação do virtual ao falso, ao ilusório. Seria um modo de existência do qual
nascem a verdade e a mentira.
471 PIMENTEL, Alexandre Freire. Principiologia juscibernética. Processo telemático. Uma nova teoria geral do
processo e do direito processual civil. Recife, 2003. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco.
472 LOWENKRON, Áurea Maria. Tecnologia da informação e da comunicação: a busca de uma visão ampla e
estruturada / Fátima Bayma de Oliveira (org). – São Paulo: Pearson Prentice Hall: Fundação Getúlio Vargas, 2007.
vários autores.
510
Revista ESMAC
Tendo negado a identificação do virtual ao falso, Levy passa a definir o virtual em
termos de categorias de tempo, espaço e existência que lhe são associadas. Qual é o espaço
em que se dão as relações virtuais? Para responder, Pierre Levy define o ciberespaço pela
característica da desterritorialização que, simplificando bastante, pode ser apresentado como
o desprendimento do aqui e do agora, um tornar-se não presente, uma espécie de nomadismo, que pode se territorializar ou se atualizar. Seria o que não pertence a lugar algum, o
que desengata do espaço físico e do tempo do relógio, mas existe. Nele, há unidade de tempo
sem unidade de lugar. Em vez de unidade de lugar, tem-se a sincronização, e em vez de
unidade de tempo, há interconexão. Um exemplo fornecido por Levy ajuda a esclarecer essa
noção: o fato de freqüentar um espaço não designável (“onde ocorre a conversa telefônica?”,
questiona o autor) ou de não estar somente “presente” num espaço geográfico demarcável,
nada disso impede a existência. Apesar de desterritorializado, o virtual atualiza-se e- o que é
mais importante – produz efeitos. “Embora não se saiba onde, a conversação telefônica tem
lugar” argumenta Levy (1996).
Para o sociólogo Zygmunt Bauman473 também citado por Áurea Maria Lowenkron
no livro há pouco referido, a noção de virtual pode ser assim compreendida:
A compreensão do tempo e do espaço possibilitada pelas novas tecnologias de
comunicação relaciona-se com a forte tendência ao imediatismo, à fluidez e à volatilidade
das coisas, desde o trabalho até os relacionamentos. Por essa característica de estar sempre
correndo em busca de mudanças, num processo compulsivo de modernização, a era atual
foi chamada por esse sociólogo de “modernidade líquida”, que suplantou sua antecessora,
a “modernidade sólida”, com suas promessas de que o processo de modernização traria
soluções definitivas para os problemas humanos.
473 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
511
PROCESSO ELETRÔNICO E LEGISLAÇÃO
A legislação que rege o Processo Judicial Eletrônico no Brasil foi devidamente
documentada por CLEMENTINO474, conforme a seguir se transcreve:
Leis e Atos Normativos relativos ao Processo Judicial Eletrônico, anteriores à Lei
11.419, de 19.12.2006
Cabe agora traçar um panorama das iniciativas normativas que tiveram por escopo
regular a utilização da Via Eletrônica no Processo.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) estabelece
que compete privativamente à União legislar sobre direito processual, além de civil comercial e penal. Todavia, também estabelece que no tocante às custas dos serviços forenses;
criação, funcionamento e Processo do Juizado de Pequenas Causas; aos procedimentos processuais e assistência jurídica e defensoria pública, a competência legislativa é concorrente
entre a União, os Estados e o Distrito Federal.
A Lei 9.800, de 26.05.1999 (DOU 27.05.1999) permite às partes a utilização de
sistema de transmissão de dados para a prática de Atos Processuais...
...Diversos Tribunais pátrios já vêm utilizando os novos recursos eletrônicos para
tentar resolver seus graves problemas relativos ao grande número de demandas e recursos
materiais insuficientes. Vejamos alguns deles.
Em São Paulo e Mato Grosso do Sul (Tribunal Regional da 3ª Região – TRF 3),
a partir dos trabalhos realizados pela Comissão temporária constituída pela Portaria 3.222
(de 08.08.2001), encontra-se em funcionamento o Juizado Virtual, que busca substituir o
Processo físico por meio eletrônico..
...O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4) que abrange os Estados do
Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, por intermédio da Resolução 13, de 11.03.2004,
implantou e estabeleceu normas para o funcionamento do Processo eletrônico nos Juizados
Especiais Federais no seu âmbito de atuação...
...Com o mesmo intuito de inserir-se na era eletrônica, o Tribunal de Justiça do
Distrito Federal foi um dos primeiros Tribunais do país a contar com a certificação digital...
...O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul lançou na mesma data a Assinatura
Digital de seus Acórdãos. A 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça teve seus acórdãos assinados simultaneamente no encerramento da sessão de julgamento, totalmente informatizada,
em 18.02.2004. O fato somente foi possível devido à implantação da Assinatura Digital.
O próprio Supremo Tribunal Federal já ingressou, só que de maneira mais tímida,
na era Virtual. A Resolução 287, de 14.04.2004, instituiu o e-STF, sistema que permite o uso
de correio eletrônico para a prática de Atos Processuais, no âmbito daquela Corte de Justiça,
mediante a utilização de um sistema de transmissão de dados e imagens, tipo correio eletrônico, para a prática de Atos Processuais, nos termos e condições previstos na Lei 9.800,
de 26.05.1999...
...De modo geral, os Tribunais que integram o Judiciário nacional vêm em maior
ou menor medida procurando integrar e ampliar o uso dos Computadores e dos Meios Eletrônicos de transmissão de dados para a utilização no Processo Judicial.
474 Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2004.
CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. O processo judicial eletrônico. 1. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2007
512
Revista ESMAC
OUTROS EXEMPLOS DE INFORMATIZAÇÃO NO PODER JUDICIÁRIO
Talvez o melhor exemplo que possa ser citado como passo decisivo para a total
informatização do Poder Judiciário, que ainda não ocorreu, mas começa a tomar maior amplitude, tenha sido a criação do sistema PROJUDI pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça
– cuja finalidade essencial era a de tentar imprimir certa padronização nas incipientes experiências isoladas que havia nos diversos tribunais espalhados pelo País afora.
Na seqüência da criação do PROJUDI podem ser citadas outras experiências que
também alcançaram considerável êxito, como a implantação, no âmbito da Justiça Federal,
especificamente nos Juizados Especiais Federais, de um programa denominado JUSTIÇA
SEM PAPEL, através do qual o juiz passou a receber, despachar, decidir, presidir audiências
e sentenciar num ambiente virtual, sem a utilização de impressora. Esta nova tecnologia
trouxe grande impacto aos Juizados Especiais Federais, especialmente para atividade específica do juiz, causandou profunda revolução na rotina forense, contribuindo sobremaneira
para o alcance da tão sonhada celeridade e informalidade na prestação jurisdicional.
Merece grande destaque também a experiência inovadora experimentada pelo
Tribunal de Justiça do Amapá, com a criação e implantação de um sistema denominada
TUCUJURIS, no qual os autos físicos continuam existindo, muito embora toda a tramitação
processual tenha passado a ser feita eletronicamente, com o processo judicial totalmente
eletrônico em todas as áreas da Justiça (Cível, Criminal, Júri, Família, Infância e Juventude,
Juizados Especiais e alguns núcleos descentralizados, criados graças à implementação desse
sistema, tais como N.A.M – Núcleo de Atendimento à Mulher - causas afetas à Lei Maria da
Penha - e Postos Descentralizados dos Juizados Especiais).
Esta experiência corajosa e inovadora do Tribunal de Justiça do Amapá permitiu
posteriormente a tomada de outras decisões no âmbito administrativo, tendentes a tornar
ainda mais célere a tramitação processual, com a eliminação de vários carimbos e da conclusão física dos autos ao juiz, que passou a controlá-los eletronicamente, sendo que, nessa
mesma esteira, foram também eliminados os os livros de registros de sentenças, audiências
e de carga.
O advogado e consultor empresarial André Luiz Junqueira475, em artigo publicado
sob o título a virtualização do processo judicial, relata várias experiências que estão sendo
implementadas no âmbito do Poder Judiciário, com a finalidade de utilização, em cada vez
maior escala, dos benefícios decorrentes da informatização e da tecnologia da informação,
como as que abaixo colacionamos a título de ilustração:
Vários são os exemplos bem-sucedidos do uso da Tecnologia da Informação na
Justiça, uma vez que muitos tribunais já possuem sistemas informatizados internos, sistemas de acompanhamento processual por correio eletrônico (chamado de Push), bibliotecas
jurídicas eletrônicas, etc.
O Diário Oficial da União e o Diário da Justiça já são publicados na Internet há alguns
anos (vide o endereço: www.in.gov.br). A Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, por
exemplo, também está tomando medidas para disponibilizar o seu Diário Oficial em meio
475 Texto extraído do artigo Virtualização do Processo Judicial por André Luiz Junqueira. Advogado e consultor empresarial, formado pela Universidade Veiga de Almeida (RJ); orientador jurídico do Grupo APSA - Gestão Patrimonial e Negócios Imobiliários; associado ao escritório Schneider Advogados Associados (www.schneiderassociados.
com.br ) e coordenador do portal JurisIntel (www.jurisintel.com ).
513
eletrônico. A partir de julho de 2006, somente serão aceitas para publicação, as matérias enviadas eletronicamente pelos órgãos públicos. Vide o sítio: www.imprensaoficial.rj.gov.br.
Vários juizados especiais espalhados pelo Brasil estão adotando a “justiça sem
papel”. Exemplificando: o Juizado Especial Federal de Rio Sul (Santa Catarina) já adotou o
processo eletrônico para causas de Benefícios Previdenciários (em face do Instituto Nacional
do Seguro Social) e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (em face da Caixa Econômica
Federal). Diversas outras sedes do Judiciário de Santa Catarina também já aderiram ao processo eletrônico (Seção de Comunicação Social da JFSC, 14 de julho de 2006). Todos os
atos processuais são feitos eletronicamente, incluindo as intimações (a auto-intimação para
os advogados cadastrados, regulamentada pela Resolução n° 30/2004 do TRF 4ª Região).
A Seção Judiciária de Santa Catarina da Justiça Federal também iniciou uma campanha recente para diminuir o consumo de papel digitalizando documentos (Seção de Comunicação Social da JFSC, 14 de julho de 2006). Campanha esta que visa também a preservação ambiental. Citamos a página: www.jfsc.gov.br.
Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro adicionou um
novo item para a sua gestão de trabalho, mais especificamente em seu plantão judiciário
noturno: “trata-se de um programa de informática [elaborado pela Corregedoria Geral de
Justiça] que reúne as questões mais comuns surgidas nos plantões, com modelos de decisões
e a respectiva jurisprudência, autorizações, certidões, ofícios, além de toda a legislação necessária para a fundamentação dos atos” (Assessoria de Imprensa do TJ/RJ, 17 de julho de
2006). O sítio oficial do tribunal é: www.tj.rj.gov.br.
Devemos salientar o trabalho desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça
(desde a sua instalação em 14 de junho de 2005) no acompanhamento do PL n° 5828 e no
estímulo e adoção de medidas administrativas para a uniformização do uso das tecnologias
disponíveis em prol do exercício das atividades meio e fim dos órgãos do Judiciário.
Entre outras questões, a Comissão de Informatização do CNJ vem trabalhando na
padronização processual, para a utilização em um sistema único de classificação processual
e até de tramitação eletrônica de processos. Assim como estuda os melhores sistemas de
informação a serem adotados pelos tribunais (no momento, 13 sistemas de tramitação processual diferentes são utilizados por tribunais brasileiros). Para mais detalhes, o relatório das
atividades da comissão mencionada está disponível n página oficial do CNJ: www.cnj.gov.
br.
Concluímos que o projeto de lei em questão tem o objetivo fundamental de eliminar as dúvidas sobre a licitude da adoção de um processo judicial totalmente realizado em
meio eletrônico. E já existem diversos exemplos desse tipo de uso da Tecnologia de Informação no Poder Judiciário brasileiro.
Finalizando, o Projeto de Lei n° 5828 é um excelente instrumento para uniformizar o uso da Tecnologia de Informação na prestação da tutela jurisdicional, diminuindo as
despesas e morosidade da Justiça brasileira. Em nossa opinião, este projeto representa a peça
mais importante da Reforma do Judiciário.
Arrematando todos os exemplos anteriormente citados, há que se fazer o registro
de duas experiências bastante inovadoras e importantes sobre a questão da informatização e
utilização da tecnologia da informação e do processo virtual no âmbito do Poder Judiciário,
ambas ganhadoras do Prêmio Innovare, que é realizado pelo Instituto Innovare com o apoio
do Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Reforma do Judiciário, da Associação
514
Revista ESMAC
dos Magistrados Brasileiros – AMB, da associação Nacional dos Membros do Ministério
Público – CONAMP, da Associação Nacional da Defensoria Pública – ANADEP, da Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB
e da Vale, em sua terceira edição, realizada no ano de 2006. A primeira delas na categoria
Juizado Especial, de autoria do Desembargador Federal José Eduardo Santos Neves, de São
Paulo/SP, com o título “Sistema Informatizado do Juizado Especial Federal de São Paulo”,
cuja prática consiste na implementação de um sistema informatizado nos Juizados Especiais
Federais da 3ª Região para armazenamento de informações processuais em mídias digitais,
andamento processual e gravação de audiências. A segunda, na categoria Tribunal, de autoria do Desembargador Federal Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, de Recife/PE, com o título
“Processo Judicial Digital da Justiça Federal da 5ª Região”, consistente na implantação de
um sistema de informática desenvolvido totalmente em software livre que possibilitou a instituição do processo judicial digital na Justiça Federal da 5ª Região, integrando o Judiciário,
o Ministério Público, a Advocacia, a Defensoria Pública e as universidades.
Tramitação de Projetos de Lei relativos ao Processo Judicial Eletrônico no Congresso
Nacional e o advento da Lei 11.419, de 19.12.2006
Em pesquisa nas páginas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal logrou-se
encontrar inúmeros projetos de Lei relativos à tentativa de regulamentação da utilização da
internet em benefício da Sociedade, de modo a auxiliar a implementação de políticas públicas, e também no incipiente desenvolvimento do Processo Virtual. O congresso Nacional,
como não poderia deixar de ser, vem sendo palco de discussões de inúmeras idéias inovadoras no tocante à utilização da Via Eletrônica como instrumento eficaz para a persecução
dos objetivos fundamentais do Poder Público, bem como para combater a morosidade dos
Processos judiciais...
...Em 2001, a Associação dos Juízes Federais – Ajufe apresentou uma sugestão de
projeto de lei (dispondo sobre a informatização do Processo Judicial) à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, recém-criada (à época) pelo Presidente da
Câmara, Deputado Aécio Neves, presidida pela Deputada Luíza Erundina.
515
UMA NOVA PERSPECTIVA DE PROCESSO JUDICIAL
Essa nova perspectiva de processo judicial é demonstrada com maestria por CLEMENTINO, quando o autor traça um paralelo de uma situação hipotética entre um processo
judicial tradicional e o novo modelo de processo judicial, o processo eletrônico ou virtual.
A demonstração feita pelo autor acima citado é tão didática que nos permitiremos
reproduzi-la na íntegra:
Precisamos nos acostumar com uma nova realidade processual que veio se inserindo gradativamente em nosso sistema jurídico, mediante iniciativa de alguns Tribunais,
consoante já exposto, e agora se consolida com a publicação da nova Lei. Diversos autores
já vinham proclamando a possibilidade/necessidade de se ampliar a utilização dos meios
eletrônicos como meio de aperfeiçoamento da Justiça, antevendo as mudanças que se avizinhavam.
Analise de uma situação hipotética
Imaginemos uma situação processual corriqueira dentro de um Processo Judicial
simples como o de cobrança (dentro de toda a sua complexidade), para ilustrar essa idéia.
Processo Judicial Tradicional
Segundo o tradicional Processo Judicial de cobrança, o credor busca o escritório de
advocacia, conta-lhe toda a sua história, contrata honorários advocatícios, assina procuração,
adianta as custas judiciais ao seu patrono, que reduz toda a historia fática relatada aos fatos
jurídicos relevantes, produz a sua petição inicial com todos os requisitos processuais e segue
ao Fórum para o protocolo, sujeitando-se ao transito, assim como a eventuais filas e outros
contratempos. Depois disso, o funcionário do protocolo restitui uma via protocolizada, enquanto põe a via original na pilha que aguardara a necessária distribuição posterior. Após a
audiência de distribuição, os autos seguem ate a respectiva vara, onde aguardara na pilha de
petições iniciais a serem autuadas.
Após esse “percurso”, os autos, dependendo da natureza do pedido, ou da urgência dos requerimentos, podem tomar diferentes caminhos. No exemplo utilizado, ação de
cobrança, usualmente se procede à verificação dos pressupostos processuais e condições da
ação, o que normalmente é feito por funcionários do próprio cartório, seguindo-se diretamente ao Juiz com a proposta de despacho no sentido de Citação do Réu, ou de determinação
de emenda da inicial em caso de irregularidade passível de ser sanada.
A Citação, vale lembrar, é o Ato Processual pelo qual se dá notícia ao Réu de que
contra ele estão se imputando certos fatos, com determinada conseqüências jurídicas, dandolhe oportunidade para que apresente sua versão dos fatos, deixando-lhe claro que se não se
pronunciar a respeito, presumir-se-ão verdadeiros os fatos alegados pelo Autor da ação. Para
516
Revista ESMAC
tanto, o Réu terá, de ordinário, prazo e quinze dias para entender o conteúdo da pretensão
jurídica do Autor, buscar a necessária orientação profissional e apresentar sua resposta em
Juízo.
O termo inicial desse prazo para resposta tem diversas regras distintas para cada
uma das diversas formas de Citação; pessoal por mandado; pessoal por correio; por hora
certa; por edital ou por carta precatória. Apresentada a resposta do Réu, esta deverá ser juntada aos autos para que, mediante conclusão, chegue ao Juiz para se verificar a existência de
matéria preliminar, ensejando-se ao Autor oportunidade para manifestação. Em seqüência,
há ainda determinação às partes para que se manifestem quanto à necessidade de dilação
probatória, após o que o Juiz decidirá em decisão saneadora as preliminares argüidas, bem
como deliberará a respeito das provas requeridas pelas partes, deferindo-as ou denegando-as
acaso desnecessárias ou impertinentes.
Após a instrução processual, proferirá o Juiz a sua sentença, com o que encerrará
o Processo em primeira instância de jurisdição (ou única, em caso de não interposição de
recurso), ao menos no que diz respeito ao Processo de conhecimento que objetiva a constituição de um título executivo judicial. Constituído este e promovida sua liquidação, que, no
caso, demandaria a simples apresentação de memória discriminada e atualizada do valor
a ser executado, promover-se-ia, em caso de inocorrência do cumprimento voluntário da
obrigação, a execução forçada, mediante a competente Ação Executiva, no bojo da mesma
base material (mesmos autos).
Narrado dessa forma parece relativamente simples o trâmite processual. Contudo,
se levam em consideração os fatores intervenientes, tais Atos Processuais podem se revelar
de difícil concretização, por obstáculos de toda ordem. O descumprimento do Autor quanto
aos prazos que lhe são impostos pela Lei e pelo Juiz resolve-se com o indeferimento da inicial (em caso de inobservância dos requisitos do art. 282 do CPC), ou com base no art. 267,
III, do CPC, quando a causa já está em curso. A inércia do Réu resolve-se com a decretação
da revelia e todas as suas conseqüências. Quanto ao mérito, no que diz respeito ao ônus da
prova, com relação a ambos, tem-se o disposto no art. 333.
Entretanto, com relação aos Magistrados, outra deve ser a solução, haja vista que
a extinção do Processo, por óbvio, não resolve adequadamente o problema da demora na
prestação jurisdicional do Estado. Os casos em que a demora na solução do litígio decorrem
de desídia do Magistrado, por certo devem ser corrigidos na via disciplinar. Ocorre, contudo,
que o que se dá na maioria das vezes é a absoluta impossibilidade material para o Processo
e julgamento célere das questões postas em juízo, seja pelo grande número de feitos em
tramitação, seja pelo reduzido número de Juízes, funcionários e, principalmente, pela falta
de recursos materiais e tecnológicos ou subutilização dos disponíveis. Da necessidade da
concretização da solução determinada na sentença/acórdão surgem outras dificuldades. A
execução forçada implica, no caso, a expropriação dos bens do Executado para a satisfação
do direito creditício do Exeqüente. E tal atuação envolve a localização dos bens do Executado, tarefa nem sempre simples diante da prática comum de ocultação destes.
517
Novo modelo de Processo Judicial
Analisemos, então, uma situação hipotética em que a mesma série de atos supra
descrita esteja contextualizada em um sistema processual moderno, com otimização da utilização dos recursos que já estão disponíveis no presente, sem excessivos dispêndios, dentro
da realidade e possibilidade nacionais.
O credor digita sua versão dos fatos jurígenos e a encaminha, via Correio Eletrônico, para dois ou três escritórios advocatícios, para, dentre eles, escolher o que lhe inspirar mais confiança. Assina contrato Virtual com os profissionais que irão defender seus
interesses em Juízo, bem como outorgará poderes para tanto, mediante procuração assinada
digitalmente. Provavelmente os advogados virtualmente contratados aproveitarão sua narrativa escrita, conferindo “formatação jurídica” à sua pretensão, a qual poderá rapidamente
ser ajuizada Via Eletrônica, juntamente com todos os Documentos probantes, aptos a serem
“transformados” em fotografias digitais, mediante a utilização de máquinas de digitalização
de imagens (scanners).
No Juízo competente a petição eletrônica recebida é automaticamente distribuída,
sendo-lhe atribuída identificação numérica, podendo ser imediatamente analisada pelos assessores do Magistrado, que de pronto deverão selecionar a proposta de despacho padrão, a
ser digitalmente assinada.
Ressalte-se que é materialmente possível que todas as etapas, desde a apresentação
da narrativa fática até a determinação do “cite-se”, sejam feitas em um único dia, o que seria
absolutamente impossível na “sistemática do papel”, hoje vigente. No que diz respeito à
concretização do julgado, a conexão do Judiciário a diversas bases de dados poderia reduzir
significativamente as dificuldades que hoje emperram a efetivação do comando contido na
sentença.
Nesse sentido Madalena e Oliveira vão além, chegando a admitir a possibilidade
da produção de uma sentença por um sistema inteligente, mediante o emprego de técnicas
de gerenciamento de informações pertinentes aos procedimentos judiciais, com a simples
respostas a determinados quesitos vinculados a respostas específicas do programa de Computador, especialmente desenvolvido para tal finalidade. No mais, com a adoção de fragmentos de fórmulas jurídicas logicamente concatenadas, poder-se-ia chegar a um modelo de
sentença racionalmente correspondente ao conteúdo dos autos eletrônicos.
Entretanto, tal proposta somente seria viável em demandas simples e repetitivas,
como uma ação de cobrança, por exemplo, sendo inviável em ações dotadas de maior complexidade e passíveis de maiores desdobramentos, especialmente aquelas de conteúdo cuja
reprodução seja de difícil repetição, por sua especificidade.
Os problemas da utilização dos recursos eletrônicos crescem à medida que se desenvolvem os Atos Processuais a partir da determinação de Citação do Réu.
O Processo Judicial Eletrônico em alguns pontos manifesta-se apenas como uma
maneira diferente de realizar alguns Atos Processuais, em outros, implica uma verdadeira
revolução conceitual. As formas de Intimação e de contagem de prazos têm que ser adequadas à realidade Virtual, onde tempo e espaço têm uma concepção distinta.
Não se podem ignorar as possibilidades que são oferecidas pelos modernos recursos
tecnológicos. Todavia, o uso desses instrumentos está sujeito às respostas possíveis a uma série de
indagações que se pretende fazer ao longo das linhas que se seguem.
518
Revista ESMAC
Finalidade do Processo Virtual
Segundo Bruno Arone, advogado e mestrando em direito processual, no artigo
Processo Digital, Informatização da Justiça Exige Empenho e Cautela, publicado na revista
Consultor Jurídico de 29 de abril de 2008, a implantação do processo digital ou virtual, ou
eletrônico é uma realidade iminente, mas que é preciso adotarem-se certas cautelas e cuidados para que não sejam desrespeitados os princípios processuais ou se criem duas justiças,
uma rápida e informatizada para os ricos e outra lenta e ineficiente para os pobres.
Nas exatas palavras do autor supracitado:
A onda tecnológica abraçou o planeta e fincou suas garras sobre todos os ramos de atuação da humanidade. A jurisdição, obviamente, não ficou de fora do impacto cibernético.
Mas, conforme comentado acima, ainda que a informatização do processo judicial seja um
caminho sem volta, não se pode olvidar que os princípios processuais devem ser respeitados,
sob risco de um grave retrocesso na constante busca pelo processo justo.
É importante frisar que, se a informatização do processo judicial vem para ajudar,
ela não pode atrapalhar. Por mais redundante que seja essa preocupação, ela é necessária.
José Carlos Barbosa Moreira já faz, há um bom tempo, o alerta para se ter cautela com esse
açodamento legislativo nas reformas processuais.
O cuidado na implantação do sistema da Lei 11.419/06 deve ser redobrado, especialmente
com relação aos princípios do acesso à Justiça e da igualdade. Como muito bem advertiu
Edilberto Barbosa Clementino, a informatização do processo judicial não pode dividir a
Justiça entre aquela dos ricos (informatizada e veloz) e aquela dos pobres (lenta e ineficiente). Diante da exclusão digital que assola o Brasil, será necessária uma vasta política de
integração populacional aos meios cibernéticos, tal como ocorreu com a telefonia, em decorrência do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), instituído
pela Lei 9.998, de 17 de agosto de 2000.
Se essas circunstâncias forem levadas em consideração, com a adoção dos devidos
métodos preventivos, poderemos esperar um impacto positivo da informatização judicial
sobre todos os princípios processuais.
Vantagens Decorrentes da Utilização do Processo Virtual/Eletrônico
As relações virtuais e seus efeitos são realidade no nosso cotidiano, delas não havendo como se furtar. A tendência é a substituição gradativa do meio físico (processo tradicional em papel) pelo virtual ou eletrônico, o que já ocorre e justifica a adequação, adaptação
e interpretação das normas jurídicas nesse novo ambiente
Em artigo publicado no site jus navigandi o juiz federal George M.lima476, citando
476 LIMA, George Marmelstein. e-Processo: uma verdadeira revolução procedimental. Jus Navigandi, Teresina,
ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3924>. Acesso em: 07 jul.
2008.
519
o juiz Edison Aparecido Brandão, que foi o primeiro a implantar o interrogatório por vídeoconferência no Brasil, afirma que:
“O processo tal como o conhecemos está acabando, vindo a seu lugar meio inédito, apto a
novas realidades, que formará e criará parâmetros de um futuro em muito diferente do que se
imaginava em nosso passado ou que se tem em mente em nosso presente”.
Na seqüência LIMA discorre acerca de como o processo eletrônico irá mudar
radicalmente a realidade do Poder Judiciário, vaticinando que as mudanças não demorarão
muito a se espalhar por todo o País, muito embora reconheça que haverá alguns Tribunais
onde as dificuldades de adequação a essa nova realidade serão bem maiores:
A princípio, pode-se dizer que as palavras acima, proferidas pelo Juiz Edison Aparecido Brandão, que foi o pioneiro em implantar o interrogatório por vídeo-conferência no
Brasil, são meros devaneios de um entusiasta da tecnologia da informação. Muitos pensam
assim e consideram que o processo, pelo menos por algum tempo, ainda permanecerá com as
mesmas características que possui há mais de um século. Ledo engano. O novo direito processual que surge (verbo colocado propositadamente no presente, mas que também poderia
ser colocado no passado ou no futuro que o sentido permaneceria o mesmo), com o uso da
tecnologia da informação, é totalmente diferente do que imaginaram os grandes processualistas do século passado. Não há papel. Não há documentos físicos. Não há carimbos. Tudo
é digital. Tudo é novo. Tudo é diferente.
Esse novo processo, que, na onda dos modismos cibernéticos, pode ser chamado
de e-processo (processo eletrônico), tem as seguintes características: a) máxima publicidade;
b) máxima velocidade; c) máxima comodidade; d) máxima informação (democratização
das informações jurídicas); e) diminuição do contato pessoal; f) automação das rotinas e
decisões judiciais; g) digitalização dos autos; h) expansão do conceito espacial de jurisdição;
i) substituição do foco decisório de questões processuais para técnicos de informática; j)
preocupação com a segurança e autenticidade dos dados processuais; k) crescimento dos
poderes processuais-cibernéticos do juiz; l) reconhecimento da validade das provas digitais;
k) surgimento de uma nova categoria de excluídos processuais: os desplugados.
Nem pensem que essas mudanças ocorrerão daqui a vinte ou cinqüenta anos. Elas já iniciaram e caminham a passos rápidos. Como se verá neste artigo, em que serão analisadas de
maneira genérica algumas dessas conseqüências ocasionadas no processo pela tecnologia da
informação. O processo “virtual”, com o perdão do jogo de palavras, já é uma realidade.
No desenvolvimento do seu excepcional artigo LIMA (12) discorre sobre o que considera
serem as características que norteiam o e-processo (processo eletrônico), cujas idéias principais reproduziremos para ilustrar este trabalho, haja vista que bastante se assemelha com
aquele.
A primeira característica apontada por LIMA é a da máxima publicidade, que é
decorrente de comando constitucional (art. 93, IX, da CF/88), segundo o qual todos os atos
processuais deverão ser públicos, à exceção daqueles que correm em sigilo e, com o desenvolvimento e larga utilização da tecnologia da informação, em breve essa publicidade será
universal, pois qualquer pessoa, com acesso a internet, de qualquer lugar do mundo, poderá
acompanhar a realização de atos processuais, como também já ocorre com a divulgação de
acórdãos pelos tribunais brasileiros ou o acompanhamento de audiências, mesmo de juízes
520
Revista ESMAC
de primeiro grau, através da internet, possibilitando, inclusive, maior fiscalização pública
dos atos judiciais ou administrativos.
A característica da máxima velocidade permitirá estancar um dos gargalos do Poder
Judiciário, que é justamente a tão propalada morosidade, pois tão logo um ato seja realizado,
imediatamente estará disponível na rede mundial de computadores, com a devida comunicação direta, via e-mail, às partes interessadas, meio pelo qual também poderão ser realizadas a
maioria das comunicações processuais, como as citações, intimações e notificações, tudo em
tempo real, como já vem ocorrendo na maioria dos Juizados Especiais Federais, decorrente
de previsão da própria lei que os instituiu.
Alguns tribunais já instituíram também o sistema de acompanhamento processual
conhecido por push, no qual se recebe uma comunicação eletrônica todo vez que houver
uma movimentação processual, bastando, para tanto, apenas um prévio cadastramento.
O Diário Oficial virtual também já é uma realidade em vários tribunais, de forma
que a versão impressa está praticamente com os dias contados e a morte anunciada.
A máxima comodidade é outra característica do processo eletrônico, afigurandose como uma de suas grandes vantagens, através da utilização da internet, a comodidade
de peticionar, pagar custas, etc. sem a necessidade de deslocar-se pessoalmente ao foro,
conforme já havia previsto a Lei nº 9.800/99, através de fac-símile (fax) “ou outro similar”,
como por exemplo, o correio eletrônico, embora que com a desvantagem da obrigatoriedade
de juntada dos originais no prazo de 05 (cinco) dias da data do término do prazo, circunstância que praticamente inviabiliza a utilização do e-mail para o envio de petições.
Há notícias alvissareiras de práticas tendentes à adoção dos meios eletrônicos para
a remessa de petições ou acompanhamento processual por vários tribunais pelo Brasil afora,
como por exemplo, a dispensa da apresentação física da “petição original”.
O acompanhamento processual por telefone também já é uma realidade bastante
concreta, conforme se verifica em Santa Catarina, na parceria entre aquele Tribunal e a operadora de telefonia celular TIM, assim como a utilização de terminais remotos de alguns
bancos para esta mesma finalidade, como é o caso do convênio firmado entre o Tribunal de
Justiça de São Paulo e a Nossa Caixa.
A internet também possibilitou maior velocidade no acesso às informações, democratizando-as, muito embora tal fenômeno possa trazer um incremento na litigiosidade,
mas, por outro lado, poderá diminuir a necessidade de contato pessoal, possibilitando a
realização de atos processuais através de vídeo-conferência, dispensando-se dispendiosos e
inseguros deslocamentos de réus ou testemunhas às unidades jurisdicionais para prestarem
depoimentos, embora tal modalidade tenha sido alvo de severas críticas, notadamente por
parte das entidades de classe da advocacia, sob o argumento do desrespeito ao princípio
constitucional da ampla defesa.
A tendência de utilização desse meio, no entanto, parece irreversível e o Superior
Tribunal de Justiça, através do RHC 6272/SP, 5a Turma, rel. Min. Félix Fischer, j. 3/4/1997,
validou o primeiro interrogatório feito dessa forma no Brasil, o que também foi autorizado
pela Medida Provisória nº 28, de 04.02.2002.
A utilização desses meios eletrônicos certamente contribuirá para a automação das
rotinas e das decisões judiciais através do desenvolvimento de softwares que, num futuro
bem próximo serão capazes de elaborar decisões judiciais com a simples alimentação de
dados em campos previamente estabelecidos, não obstante seja prudente frear o ímpeto de
521
alguns mais alvoroçados que já prevêem a substituição do magistrado por uma máquina de
elaborar sentenças, pois a sensibilidade humana jamais ou dificilmente poderá ser suplantada por um frio programa de computador.
Na verdade, o que se busca com a utilização da tecnologia da informação, do processo virtual ou eletrônico e de tantas outras formas de substituição das práticas até então
vigentes é simplesmente dotar o magistrado do melhor arsenal para enfrentar os desafios de
entregar a prestação jurisdicional para uma sociedade que não tem mais tempo para esperar
pelos meios tradicionais de resolução de seus conflitos.
A sociedade evoluiu muito mais rapidamente e se o Poder Judiciário não acompanhar esta evolução certamente cairá em descrédito e será, inexoravelmente, substituído por
outros meios que surgirão para a solução das lides.
A digitalização dos processos e a conseqüente substituição dos autos físicos por
meros registros digitais, armazenados nos bancos de dados do Poder Judiciário é uma realidade da qual não há como esquivar-se, assim como a expansão do conceito espacial de
jurisdição deverá sofrer profundas alterações, pois a internet é um ambiente sem fronteiras
ou limites territoriais geográficos delimitados, o que importará obrigatoriamente em revisão
das regras de competência territorial e internacional.
Todas estas mudanças inevitáveis poderão deslocar o foco decisório das questões
processuais para técnicos de informática, os quais terão sua importância aumentada na medida em que questões ligadas à parte técnica certamente serão dirimidas por eles, que informarão aos juízes para a tomada da decisão acerca da qual não possuem conhecimento
específico.
A conseqüência de tudo isso é que deverá ser muito maior a preocupação com a
segurança e a autenticidade dos dados processuais, pois nos autos tradicionais, em papel,
não são muito comuns os casos de falsificação de documentos. É certo que os autos virtuais
serão revertidos de todo um aparato disponível para garantir sua autenticidade, tais como
assinatura digital, senha, criptografia, biometria, etc. não obstante, no universo cibernético
existem os aficionados em justamente desvendar tais sistemas de segurança, os hackers, cujo
maior divertimento é conseguir violar e penetrar nos sistemas de empresas ou organismos
governamentais, às vezes por mero prazer e, na maioria, com objetivo de auferir lucro fácil.
Daí porque a preocupação com a segurança deverá sempre fazer parte da pauta de discussão
dos processualistas.
Os Tribunais Superiores como o STF e o STJ já saíram na frente com a adoção de
algumas medidas para garantir a segurança no acesso às informações que disponibilizam
para consulta pública. O STF, por exemplo, está adotando o sistema de identificação biométrica, que só permite o acesso à rede com a exibição da impressão digital do usuário e o
STJ, ao reconhecer a validade de cópias de acórdãos obtidas de sua Revista Eletrônica de
Jurisprudência, adota, como mecanismo de segurança, uma marca d’água com a logomarca
do STJ e a certificação digital por um terceiro (Autoridade Certificadora).
Em diversos outros tribunais estaduais, regionais federais e trabalhistas também
estão sendo adotadas políticas referentes à implantação e o desenvolvimento de sistemas
próprios visando garantir a segurança das informações e dos dados processuais que tramitam
de forma virtual.
522
Revista ESMAC
3. A PRESTAÇÃO JURISDICONAL
A prestação jurisdicional é função típica de Estado e constitui-se num dos princípios
fundamentais do estado democrático de direito oriundos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
A tão propalada demora na entrega da prestação jurisdicional é tema recorrente
tanto na mídia em geral quanto no seio da sociedade, muito embora pouco se fale acerca dos
reais motivos da ocorrência dessa possível morosidade, quando e porque acontece, notadamente para que sejam observados e analisados pelo grande público, pelos meios de comunicação e pelos litigantes.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, quando trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, prescreve que a todos deve ser assegurada a razoável
duração do processo, embora também preveja o dispositivo constitucional que devem ser
destinados os meios para garantir a tão almejada celeridade, como por exemplo, as condições
de trabalho, a demanda compatível com a estrutura existente, pessoal suficiente e qualificado
e o pronto oferecimento de elementos e cumprimento de diligências pelos advogados, incluindo aí os defensores públicos e procuradores fazendários, Ministério Público, Polícia e
outros órgãos públicos e privados.
Constitui-se, portanto, num direito constitucional básico de qualquer cidadão o
pleno acesso ao Judiciário, onde lhe seja garantida a resolução da sua demanda com observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, num processo com razoável
duração.
O direito à prestação jurisdicional vem evoluindo ao longo da história, conforme
afirma Aluísio Gonçalves de Castro Mendes477:
O homem e a sociedade vivem em constante evolução. Por conseguinte, o direito, como um
todo, e o direito processual, como objeto do presente estudo, também precisam acompanhar
pari passu as transformações sociais.
O princípio do direito à prestação jurisdicional representa construção que vem se desenvolvendo ao longo da história. Em síntese, resulta da evolução consubstanciada nos sistemas
anglo-saxão (common law) e codificado de direito (civil law). A Profa. Ada Pellegrini Grinover escreveu, há trinta anos, estudo valioso sobre as garantias constitucionais do direito
de ação.
Nos países de direito costumeiro, a necessidade da proteção judicial, como direito fundamental, surge a partir do art. 39 da Magna Carta de 1215, na Inglaterra, que estabelecia, em
suma, que nenhum homem livre poderia ser privado da sua liberdade, exilado, condenado ou
de qualquer forma aniquilado, salvo mediante o devido processo legal (due processo of law).
A regra possuía inicialmente, como se vê, caráter defensivo.
A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê, no artigo 8º, que
“Toda pessoa tem direito a um recurso efetivo perante as jurisdições competentes contra os atos
violando os direitos fundamentais que lhe são reconhecidos pela Constituição ou pela lei”.
477 Mendes, Aluísio Gonçalves de Castro, Estudos de direito processual civil/Luiz Guilherme Marinoni, coordenador. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. Vários autores. “Homenagem ao Professor Egas Dirceu
Moniz de Aragão” - Bibliografia
523
No Brasil, segundo o professor MENDES o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional sofreu alguns reveses durante o período da ditadura militar, mas hoje se encontra fortemente consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
O princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional passa a figurar expressamente nas
constituições a partir da Carta de 1946. Entretanto, viveu momentos de agonia durante os
anos de ditadura. O Ato Institucional 5, de 13.12.1968, determinou, no seu art. 11, a exclusão
de qualquer apreciação judicial de todos os atos praticados de acordo com o respectivo Ato
e seus atos complementares. A Emenda Constitucional de 1969 foi ainda mais longe, excluindo da apreciação judicial os atos em geral praticados pelo Governo Federal, bem como atos
institucionais e atos complementares etc.
Encontra-se, atualmente, inscrito no art. 5º, XXXV, da Constituição: “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Conceito de Prestação Jurisdicional
Para Chiovenda a jurisdição seria o meio de realização do ordenamento jurídico
tendo a lei como sinônimo exclusivo de direito, cabendo aos juízes somente a aplicação
da vontade abstrata da lei à realidade do caso concreto sem qualquer juízo de valor em sua
aplicação.
Já para Carnelutti a jurisdição poderia ser definida como a justa composição da
lide.
Na definição do professor Moacyr Amaral Santos478, “Como legislador, o Estado
estrutura a ordem jurídica. Formula as leis destinadas à conservação e desenvolvimento da
vida em sociedade. Realizando a ordem jurídica, aplica a lei. Aplica-a no exercício de sua
função administrativa, de garantia do bem comum, ou no exercício de sua função jurisdicional, de compor conflitos de interesses perturbadores da paz jurídica”.
O renomado professor Moacyr Amaral Santos, na obra a pouco citada, complementa seu pensamento afirmando que:
A jurisdição, portanto, é uma das funções da soberania do Estado. Função de poder, do
Poder Judiciário. Consiste no poder de atuar o direito objetivo, que o próprio Estado elaborou, compondo os conflitos de interesses e dessa forma resguardando a ordem jurídica e
a autoridade da lei. A função jurisdicional é, assim, como que um prolongamento da função
legislativa, e a pressupõe. No exercício desta, o Estado formula as leis, que são regras gerais
abstratas reguladoras da conduta dos indivíduos, tutelares de seus interesses e que regem a
composição dos respectivos conflitos; no daquela, especializa as leis, atuando-as em casos
ocorrentes.
Caracterizando-se como uma típica função de Estado, a jurisdição é exercida de
478 Santos, Moacyr Amaral, Primeiras linhas do direito civil – São Paulo: Saraiva, 1998, vol. 1:20. ed. rev. e atual.
Por Aricê Moacyr Amaral Santos
524
Revista ESMAC
forma exclusiva pelo Poder Judiciário na composição dos conflitos de interesses que porventura ocorram, consolidando-se a idéia do Estado de Direito, já que não é permitida a
autotutela dos interesses individuais em conflito, porque, se assim fosse, comprometida estaria, certamente, a paz jurídica, eis que somente o Estado dispõe da força e tem interesse em
assegurar a ordem jurídica estabelecida, conforme assevera o citado mestre:
A idéia do Estado de Direito consolidou neste a função jurisdicional, cujo objetivo
é “resguardar a ordem jurídica, o império da lei e, como conseqüência, proteger aquele dos
interesses em conflito que é tutelado pela lei, ou seja, amparar o direito objetivo”.
SANTOS faz questão de frisar a separação de poderes, bem como a incumbência
específica da jurisdição ao Poder Judiciário:
A atribuição da jurisdição ao Poder Judiciário pressupõe o Poder Legislativo, com
a incumbência de formular as leis, de criar o direito objetivo, a regular a ordem jurídica. A
jurisdição, portanto, pressupõe a lei, o direito objetivo. Diversamente do que ocorria em
Roma, no período formulário, em que legislação e jurisdição podiam se exercer concomitantemente, pois os magistrados, a quem era conferida a iurisdictio, ao concederem a actio,
podiam e muito comumente criavam o direito a ser aplicado.
Mas a jurisdição se exerce em face de um conflito de interesses e por provocação
de um dos interessados. É função provocada. Quem invoca o socorro jurisdicional do Estado
manifesta uma pretensão contra ou em relação a alguém. Ao órgão jurisdicional assistem o
direito e o dever de verificar e declarar, compondo assim a lide, se aquela pretensão é protegida pelo direito objetivo, bem como, no caso afirmativo, realizar as atividades necessárias
à sua efetivação prática.
A conclusão lógica a que se chega é que a efetividade da prestação jurisdicional
se caracteriza como um direito fundamental sob o prisma da concepção normativa, ou seja,
aquela em que o próprio ordenamento constitucional do Estado define quais são os direitos
fundamentais segundo sua ideologia, decorrente do próprio texto Constitucional, conforme
se extrai da simples leitura dos dispositivos normativos abaixo transcritos:
Art. 5°, LXXVIII “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Art. 5°, XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça
de direito.”
A efetividade da prestação jurisdicional, sob caráter materialista, é um direito fundamental, por ser suporte imprescindível ao exercício da cidadania e a própria dignidade da
pessoa humana, denegá-lo, fere não só o direito de cidadão, mas também, a própria dignidade de ser humano.
Segundo Marinoni479 o direito à prestação jurisdicional é fundamental pois dele
depende a efetividade dos demais direitos, uma vez que esses últimos, diante de situações
de ameaça e agressão, sempre restam na dependência de sua realização. De forma incisiva
o jurista completa que é por esse motivo que o direito à prestação jurisdicional efetiva é
proclamado o mais importante dos direitos, exatamente por construir o direito e fazer valer
os próprios direitos.
Compete ao Poder Judiciário a tarefa de realizar o “munus” judicante a cargo do
Estado. Este preceito está claramente inserto no art. 5º, inc. XXXV da Constituição Fede479 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p.184-185.
525
ral/88, principal fonte normativa de nosso país, que nenhuma lesão ou ameaça a direito
individual ou coletivo poderá ser subtraída ao seu exame. É o chamado direito a jurisdição,
que está umbilicalmente atrelado ao conflito de interesses, condição imprescindível e justificadora da necessidade da prestação da tutela jurisdicional.
CARMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA, então Procuradora do Estado de Minas
Gerais e Professora Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC/MG,
atualmente Ministra do Supremo Tribunal Federal, em sua obra “As Garantias do Cidadão
na Justiça”, pág. 31/51, sob o título “O Direito Constitucional à Jurisdição” estabelece que o
“direito à jurisdição é o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado ao cidadão
de exigir do Estado a prestação daquela atividade. A jurisdição, é, então, de uma parte direito
fundamental do cidadão, e, de outra, dever do Estado.”
Dessa forma, pode se afirmar com convicção que o acesso à justiça é o mais fundamental dos direitos fundamentais, por garantir a realização concreta dos demais direitos.
O Poder Judiciário tem a missão de garantir a execução dos direitos, sendo este o mais fundamental dos direitos, justamente porque sem ele os demais direitos não passam de meras
proclamações abstratas.
Formas de Prestação Jurisdicional e modos de exercê-la
Segundo o escólio de BARROS480 a prestação jurisdicional é exercida pelo Estadojuiz, tendo como finalidade primordial a composição dos litígios, a fim de que o litigante
vencedor possa ver triunfar a sua pretensão em relação à vontade do vencido, nas formas
abaixo elencadas:
Como todos nós sabemos, a função jurisdicional tem como escopo compor litígios, com a
supremacia da pretensão do litigante vitorioso, substituindo-se à vontade do derrotado.
Ao exercer o direito de ação, o autor torna-se credor do Estado. Este passa a dever-lhe a solução do conflito. Por isso, afirma-se que a sentença corresponde à entrega da
prestação jurisdicional. Hoje se entende que tal entrega pode ocorrer de várias formas:
a) declaração de que o demandante não pode reclamar o direito (por efeito de prescrição,
decadência, etc);
b) declaração de que a pretensão do autor é procedente (ou improcedente);
c) condenação do réu.
Nosso CPC afirma que, com a sentença, o Estado cumpre sua função, entregando a
prestação jurisdicional. Se o derrotado não obedece à condenação, deve o vitorioso promover a
liquidação, se a sentença for ilíquida (o que ocorre constantemente) e, após, propor a execução.
Temos, então, três processos autônomos e sucessivos. Todos eles com potencial de
acesso ao STJ e ao STF.
480 BARROS, Humberto Gomes de. O que é a prestação jurisdicional? Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 8, nov./dez. p. 65-67, 2000.
526
Revista ESMAC
sual.
Para os doutrinadores a autonomia dos processos homenageia a ciência proces-
Como foi afirmado há pouco, a função jurisdicional visa à atuação da lei aos conflitos de interesses ocorrentes, compondo-os para resguardar a ordem jurídica vigente, com
o fim específico de manter a paz jurídica e social, manifestando-se por três formas, quais
sejam: pela decisão, pela execução e pelas medidas preventivas, ou cautelares.
A decisão, de acordo com SANTOS, “pressupõe uma pretensão real ou virtualmente contestada. O juiz deverá conhecer a lide para então atuar a lei aplicável ao caso. Decide após regular conhecimento, isto é, servindo-se do processo de conhecimento”. Ocorre
que “o vencido pode não satisfazer a condenação. A pretensão, acolhida pela decisão, pode
não ser satisfeita. A ordem jurídica não estará, portanto, restaurada. Nesse caso, o juiz, ainda
atuando a lei, exercerá atividades destinadas a transformar em realidade o comando contido
na decisão. É a execução, por via de processo de execução”. Por fim, o autor define como
se dá a tutela jurisdicional preventiva ou cautelar, esclarecendo que “a providência jurisdicional de conhecimento, a de decisão, ou de execução, que reclamam atividades várias, que
exigem tempo mais ou menos demorado, podem chegar tarde demais, em desprestígio da lei
e, consequentemente, em prejuízo do direito das partes. A fim de impedir ou obviar as conseqüências do periculum in mora, recorre-se ao processo cautelar ou preventivo, por meio do
qual a jurisdição determina providências preventivas ou cautelares. Essa é a chamada tutela
jurisdicional cautelar ou preventiva”.
Na jurisdição estão compreendidos três poderes: o de decisão, consistente no poder
de conhecer, prover, recolher os elementos de provas para decidir. O de coerção, utilizado
para compelir o vencido a cumprir a decisão emanada do órgão jurisdicional e o poder de
documentação, que nada mais é do que a representação por escrito dos atos processuais.
Três são os princípios fundamentais que dominam e regem o exercício da jurisdição, sendo o primeiro deles o princípio da investidura, que preconiza que a jurisdição só
pode ser exercida por quem dela se acha legitimamente investido, eis que se trata de função
do Estado, de modo que qualquer ato processual praticado por quem não é legitimamente
investido padecerá de nulidade plena.
O segundo princípio é o da indelegabilidade da jurisdição, segundo o qual o juiz
exerce função jurisdicional delegada pelo Estado, em caráter pessoal, não podendo delegá-la
a outrem.
E o terceiro princípio é o da aderência ao território, estabelecendo que os juízes
exercem jurisdição somente nos limites da circunscrição territorial que lhes é traçada pelas
leis de organização judiciária, enquanto o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal
de Justiça têm jurisdição em todo o território nacional, assim como os Tribunais de Justiça
de cada Estado da Federal têm jurisdição sobre o território do respectivo Estado.
O instrumento da jurisdição para a composição das lides é o processo, nas modalidades previstas no ordenamento processual brasileiro, que são especificamente os processos de conhecimento, de execução e cautelar, às vezes utilizado sincreticamente, quando
cabível. O processo é instaurado por iniciativa da parte, através da ação, seja qual for sua
modalidade ou natureza, mas tem impulso por iniciativa oficial, através do juiz que o preside, até a sentença e eventual execução latu sensu.
SYDNEY SANCHES481, discorrendo sobre o processo, afirma que “no de
481 SANCHES, Sydney, Revista da AMB, Poder Cautelar Geral do Juiz, Ano I, 02/90, p. 10.
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conhecimento o que se busca é um juízo de certeza do direito. No de execução o objetivo é
a satisfação do direito. E no cautelar o simples acautelamento de eventual direito de uma das
partes, enquanto não se obtém um juízo de certeza ou satisfação do direito.”
O direito processual entra em sua quase totalidade na categoria de disposições que
foram denominadas “regras finais”: que não impõem obrigações, sendo que, quem se propõe
a um determinado fim, que seria obter justiça, oferece o método, a receita para conseguilo482.
Da ação decorre a jurisdição e o processo é o instrumento desta, consolidando um
complexo de direitos e deveres, tanto das partes quanto do juiz, objetivando-se em atos até
a prolatação da sentença; o processo nada mais é do que uma relação jurídica, daí a denominada relação jurídica processual.
O processo é apenas o conjunto de meios destinados à proteção dos direitos483,
fornecendo, assim, os meios jurídicos para tutelar os direitos e atuar o seu sistema, através
de atos das partes e do juiz, interligados pela unidade do escopo a ser alcançado, qual seja,
a justa composição da lide, que nada mais é do a finalidade precípua da atuação jurídicoracional.
A otimização da prestação jurisdicional de forma qualificada e efetiva deverá partir
da compreensão da jurisdição à luz dos objetivos do Estado brasileiro emanados da Constituição Federal de 1988, que prevê no art. 3º: “construir uma sociedade livre, justa e solidária;
garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; promover o bem comum de todos, sem preconceito de
origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação”.
A Produtividade com a Utilização das Novas Tecnologias
Não há qualquer sombra de dúvida acerca dos reais benefícios que a utilização das
novas tecnologias, notadamente a implementação do processo virtual ou eletrônico, proporcionará para garantir a efetividade da prestação jurisdicional, gerando considerável aumento
na produtividade dos magistrados e garantindo aos jurisdicionados uma razoável duração
dos processos, com os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, conforme preceitua a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII.
Para ilustrar com um exemplo concreto de como as novas tecnologias causam grande
impacto na redução do tempo médio de tramitação dos processos entre as datas da distribuição até a prolação da sentença, reprodui-se parte dos relatórios de atividades elaborados
pelas Coordenadorias dos Juizados Especiais Federais. Confira-se os dados do TRF da 4ª
Região, MS nº.2004.04.01.036333-0/RS:
- Justiça comum 719,87 dias;
- Juizado com tramitação exclusiva no papel 206,62 dias;
- Juizados mistos – processos de papel e virtuais 104,33 dias;
- Juizados exclusivamente virtuais 47,67 dias (pág. 05).
482 COUTURE, Eduardo, Fundamentos Del Derecho Procesal Cvil, Buenos Aires: Depalma, 1988, p. 285.
483 LIEBMAN, Enrico Tullio, Manual de Direito Processual Civil, tradução de Cândido Rangel Dinamarco, v. I,
Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 72
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Revista ESMAC
A implementação do e-Processo avança para possibilitar aos jurisdicionados e profissionais da área do direito inúmeras vantagens, pois poderão acompanhar o trâmite dos
processos e praticar atos processuais à distância – de sua sede, de seu escritório ou de sua
residência -, pela rede mundial de computadores.
O Sistema representa economia, agilidade, segurança e transparência, decorrências
da difusão do e-Processo no âmbito do Poder Judiciário.
Com tais facilidades certamente a produtividade dos juízes e das unidades jurisdicionais alcançará considerável incremento, como já se observa em praticamente todas as
empresas, corporações ou organismos governamentais que fazem uso dos recursos decorrentes da tecnologia da informação, notadamente as que já avançaram na implantação do
e-Processo.
A implantação de novo Sistema de Automação da Justiça (SAJ) está sendo considerado internamente uma evolução no processamento de dados do Tribunal de Justiça de
São Paulo (TJSP). O sistema, fornecido pela empresa privada Softplan/Poligraph e em fase
de implantação em todo o Estado, está aos poucos substituindo o anterior, fornecido pela
Prodesp.
De acordo com o juiz Eduardo Marcondes, responsável pela administração dos
sistemas de informática da Justiça paulista na gestão anterior, o novo programa permite
integrações que dispensam trabalhos de redigitação antes feitos pelos serventuários. “Agora,
todos os atos dos processos são registrados via on-line em um só banco de dados e automaticamente lançados no Diário da Justiça Eletrônico”, afirma. Antes do SAJ, muitas varas
não tinham nem cabeamento de rede instalado. “As informações eram trocadas entre funcionários e setores por disquete até alimentarem o site do TJSP”, explica o juiz Luis Paulo
Aliende Ribeiro, da Quarta Vara de Fazenda Pública da capital paulista.
Segundo Marcondes, já é possível notar os resultados do novo sistema, pois o
número de processos julgados em relação ao de ações ajuizadas no Estado aumentou. Em
2006, uma em cada duas ações recebidas foi julgada. Já em 2007, este número aumentou
para 1,4. O juiz, porém, destacou que o número de petições diminuiu de 5,63 milhões, em
2006, para 3,36 milhões em 2007.
Considerado pelo TJSP como o “primeiro fórum totalmente digital do mundo”, o
Fórum Nossa Senhora do Ó, na região da Lapa, na capital paulista, é a grande bandeira da
informatização da Justiça do Estado. A unidade é a única da capital a não ter mais arquivos
em papel .
Segundo o diretor do fórum, Paulo Eduardo Sorce, desde o início do funcionamento virtual, em julho do ano passado, as cerca de 70 petições protocoladas diariamente são
digitalizadas - quase todas no mesmo dia do protocolo. “Isto significa um andamento 70%
mais rápido dos processos, e com apenas um terço dos funcionários que seriam necessários
em um fórum comum”, afirma.
As cinco varas instaladas no fórum - três cíveis e duas de família e sucessões - e
o setor de conciliação contam com um total de 25 servidores. Para o diretor do fórum digital, a agilidade nos processos da unidade aumentará na medida em que o peticionamento
eletrônico - via internet, com assinatura digital do advogado - for mais utilizado. Segundo
Sorce, hoje apenas l% das petições são recebidas via internet. (informação constante no
site http://www.alexandreatheniense.com.br/documento_eletrnico/index.html, acessado em
09.07.2008, às 10:37 horas).
529
As informações acima citadas demonstram e reforçam o que vimos afirmando ao
longo de todo este trabalho sobre as vantagens na utilização da tecnologia da informação
para o incremento das atividades judiciais, notadamente no que se refere à agilização na
entrega da prestação jurisdicional, o que, na verdade, é uma exigência do nosso tempo, da
qual nenhum administrador pode se dar ao luxo de ignorar.
É evidente que não deveremos perder o foco nem nos distanciarmos da informatização e da alta tecnologia, que devem ser recebidas como verdadeiras aliadas, em face das
inúmeras facilidades e vantagens que proporcionam, sem as quais ocorrerá certo desajustamento na atual conjuntura. Na área do direito, são incontáveis os exemplos de facilidades,
como a possibilidade da transmissão de petições, informações, jurisprudência e outros dados
pela Internet ao computador (laptop/notebook) do advogado, do magistrado, do promotor de
justiça, enfim, dos operadores do direito em qualquer lugar em que se encontrem, como por
exemplo, numa viagem, na própria sala de audiências, em palestras ou em congressos.
Reflexos do Processo Virtual/Eletrônico na Atuação do Juiz
Todas essas mudanças de paradigmas certamente causarão enormes transformações
nas atividades judicantes, exigindo dos magistrados constantes reciclagens e diversificação
de conhecimentos para poder acompanhar a evolução da sociedade. Na precisa definição de
LIMA, haverá um aumento dos poderes cibernéticos dos juízes:
Atualmente, a autoridade judicial tem poderes que vão desde penhorar um automóvel até autorizar escutas telefônicas e determinar quebras de sigilo bancário. Tradicionalmente, essas atividades são feitas mediante ofícios enviados pelo juiz.
Com a tecnologia da informação, essas atividades serão realizadas diretamente
pelo juiz, sem intermediários. Por exemplo, se o juiz determinar a penhora de um automóvel,
ele próprio (ou um servidor a seu mando) irá efetuar o bloqueio do referido veículo de seu
computador. Isso já é feito aqui na Justiça Federal do Ceará.
Outros poderes, ainda mais assustadores, vão surgir.
Com o Bacen Jud, que é um sistema de solicitação de informações via internet, o
magistrado pode enviar ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional com uma facilidade
impressionante. Com isso, as quebras de sigilo bancário e os bloqueios de contas correntes
de pessoas físicas e jurídicas poderão ser efetivados com alguns cliques.
O juiz será uma espécie de hacker oficial, com poderes para invadir sistemas de
computadores, interceptar mensagens eletrônicas e obter livre acesso aos mais sigilosos bancos de dados, compartilhando informações com órgãos como a Polícia Federal, a Interpol, a
Receita Federal, o INSS etc.
No combate contra a criminalidade, alguns convênios estão sendo implementados
visando facilitar o acesso às informações policiais, como o cadastro de estrangeiros, passaportes, veículos, folhas de antecedentes, procurados, registro de armas, Sistema Nacional
de Informação Criminal (Sinic) e Integração Nacional de Informação de Justiça e Segurança
Pública (Infoseg).
Obviamente, sem uma plena consciência tecnológica e sem uma efetiva ciberética,
haverá inúmeros abusos dos poderes cibernéticos do juiz.
530
Revista ESMAC
Como bem observou LIMA, a utilização dos recursos e facilidades proporcionados
pela tecnologia da informação e, especificamente, com a implantação do processo eletrônico
ou virtual, causará fortes impactos na forma de prestação jurisdicional, pois se o processo
tradicional já é elitista, o que se dirá do processo eletrônico. A não ser que seja desenvolvido
um grande esforço geral no sentido de proporcional a inclusão digital, sob pena de se criar
uma legião de “desplugados”, o que só contribuiria para aumentar ainda mais o enorme
abismo já existente entre o povo e a Justiça.
E não serão somente os juízes que experimentarão reflexos na vida funcional com
a implantação do processo eletrônico ou virtual. Com a utilização das mais diversas possibilidades decorrentes da tecnologia da informação, que certamente farão parte das nossas
vidas de forma cada vez mais forte e presente em muito breve espaço de tempo, ocorrerão
mudanças consideráveis, que deverão ser bem equacionadas para que não se transformem na
causa de insucesso de tais mudanças, conforme bem observou FETZNER484:
O desenvolvimento da TI, considerada em estado “puro” ou em convergência com
outras tecnologias, compondo as chamadas Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs), possibilitou novos modelos de negócio e formatos organizacionais, mudando a maneira como as organizações operam e como as pessoas realizam os seus trabalhos.
Cada vez mais os indivíduos trabalham em estreito contato com computadores e
esta interação pode ter efeitos diferentes sobre diferentes pessoas, ambientes de trabalho e
organizações.
Embora haja a convicção de que a tecnologia tem potencial para melhorar a nossa
vida, criando tarefas mais interessantes e desafiadoras, facilitando a realização do trabalho e
melhorando a eficiência e a eficácia de um modo geral dos processos de trabalho, há também
a constatação de que pode afetar as pessoas trazendo algum tipo de efeito negativo. Estes seriam, por exemplo, desumanização, impactos psicológicos (depressão, solidão), redução do
nível de emprego, ansiedade da informação, stresse, lesões por esforços repetitivos, exclusão
digital (TURBAN; McLEAN; WETHERBE, 2004). Em decorrência, encontram-se muitas
reações contrárias à tecnologia, inclusive rejeição, seja explicita ou não. Mas o desenvolvimento tecnológico e a inovação empresarial são fatos dados, havendo uma preocupação
crescente voltada para como administrar as tecnologias de forma competente, na qual se
entende essencial considerar as pessoas.
A literatura acadêmica, a imprensa especializada e a observação diária apontam
as pessoas como um dos fatores críticos para o sucesso da implantação de Tecnologias da
Informação (LORENZI; RILEY, 2003; MALHOTRA; GALLETTA, 2004). Se a tecnologia
transforma a ação das pessoas, estas, por sua vez, transformam a tecnologia. Atentar para o
sujeito em processos de implantação de tecnologia se justifica não só pela constatação inicial
de que são as pessoas, afinal, que usam a tecnologia e é através delas que se realizam os
resultados organizacionais, mas porque uma das características da tecnologia é possibilitar a
geração de novos conhecimentos. Como diz Castells (1999, p. 51), “computadores, sistemas
de comunicação, decodificação e programação genética são todos amplificadores e extensões da mente humana”. Para ele, os usuários apropriam-se da tecnologia e a redefinem,
e assim “as novas tecnologias de informação não são simplesmente ferramentas a serem
484 FETZNER, M. A. M.; FREITAS, H. Implantação de Tecnologia da Informação nas Organizações
− os Desafios da Gestão da Mudança. In: Encontro de Administração da Informação (EnADI), I,
2007, Florianópolis/SC. Anais...Florianópolis/SC: Anpad, 2007.
531
aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos” (Castells, 1999, p. 51). Assim, sem efetivo
envolvimento das pessoas dificilmente o valor potencial de uma tecnologia será alcançado.
Concluindo seu pensamento FETZNER reafirma que para o pleno sucesso na implantação de novas tecnologias numa organização é necessário o envolvimento de todos,
desde a alta gerência até o mais simples servidor, sob pena de completo fracasso:
O sucesso nos resultados de implantação de novas tecnologias implica várias mudanças e em diversos níveis da organização. Sobre o assunto refere Albano (2001, p. 10):
Não basta disponibilizar novos recursos tecnológicos e de sistemas. As pessoas, os grupos e
os diversos níveis gerenciais que compõem a força de trabalho da organização devem estar
plenamente comprometidos com os resultados almejados, familiarizados com o processo de
mudança proposto e motivados para a assimilação e o uso efetivo da nova tecnologia.
Gerenciar mudanças, a partir da introdução de novas tecnologias, exige das organizações uma habilidade muitas vezes difícil de ser encontrada. O exame de aspectos
humanos da implantação sob o prisma da gestão da mudança possibilita pensar as pessoas
em relação com a tecnologia e o contexto organizacional mais amplo, sem limitar de pronto
os aspectos que podem contribuir para o entendimento da questão. Ou seja, permite conciliar
abordagens sobre cultura, aceitação de tecnologia, etc., tendo presente que iniciativas bem
sucedidas numa organização envolvem considerar pessoas, processos e tecnologias articulados em torno da visão estratégica, necessidades e objetivos do negócio.
532
Revista ESMAC
4. A TERCEIRA VARA CRIMINAL DE RIO BRANCO/AC. – REFLEXOS E INFLUÊNCIAS DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E DO PROCESSO VIRTUAL/ELETRÔNICO PARA A OTIMIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Breve referencial histórico da Terceira Vara Criminal da Comarca de Rio Branco/
AC.
A Terceira Vara Criminal da Comarca de Rio Branco/AC. foi criada pela Lei Complementar Estadual nº 47/95, em seu artigo 230, inciso I e foi efetivamente instalada no dia
22 de março do ano de 2002, sendo seu primeiro juiz titular o próprio signatário deste trabalho de conclusão de curso.
Inicialmente a vara começou a funcionar no Fórum Barão do Rio Branco,
o principal desta Capital, mas posteriormente foi transferida para novo prédio locado pelo
Tribunal de Justiça, na Avenida Getúlio Vargas, no Centro, onde foram sediadas as quatro
varas residuais, mais a vara de execuções penais e a central de penas alternativas.
Até meados deste ano de 2008 a terceira vara criminal também detinha a competência para processar e julgar os feitos referentes à Lei Maria da penha, mas com a instalação da 5ª vara criminal, especializada nesta matéria, houve a cessação desta competência
e, atualmente, há em tramitação um acervo aproximado de 2.100 processos.
Praticas adotadas para agilizar a entrega da prestação jurisdicional
Muito antes da edição da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, que alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal brasileiro, dentre eles os relativos aos procedimentos, esta unidade jurisdicional já vinha inovando, com a adoção de algumas mudanças
que verdadeiramente trouxeram grande contribuição para dar maior celeridade na tramitação
processual e, conseqüentemente, para a entrega da prestação jurisdicional final.
Talvez a maior contribuição para o alcance desses objetivos tenha sido a implantação do sistema de gravação de audiências em mídia digital, pois este recurso trouxe inegável
ganho de tempo e grande aumento da produtividade. Se antes da adoção desse sistema era
possível, com muito esforço, realizar de quatro a cinco audiências por dia, ouvindo-se cerca
de dez a doze pessoas, depois que se passou a fazer a tomada de depoimentos através do
sistema de gravação em mídia digital (áudio), o número de audiências realizadas diariamente
aumentou para dez ou mais, e o número de pessoas inquiridas subiu para mais de trinta, havendo dias em que foram ouvidas até quarenta pessoas.
Outra decisão que contribuiu decisivamente para o aumento da produtividade foi
o que podemos chamar de concentração de atos processuais, mas sem qualquer prejuízo
para as garantias dos princípios constitucionais da ampla defesa ou do devido processo legal. E já explico como se dava essa concentração: como quase 90% (noventa por cento)
dos processos em tramitação nesta unidade jurisdicional eram assistidos pela Defensoria
Pública, e o Defensor Público que oficia no juízo era sempre o mesmo, assim como o repre533
sentante do Ministério Público, foi combinado entre o juízo e as partes de se realizar o interrogatório dos réus e, logo em seguida, no mesmo dia, fazer a inquirição das testemunhas
arroladas na denúncia, sendo que, ao final da inquirição, o Defensor Público era instado a
manifestar-se para declarar se ainda pretendia oferecer a defesa prévia e arrolar testemunhas.
Caso o Defensor, após o interrogatório do réu e inquirição das testemunhas de acusação,
entendesse necessário o oferecimento da defesa prévia, com a possibilidade de arrolar novas testemunhas, era concedido normalmente o prazo de 03 (três) dias para a adoção de tal
providência. Mas, caso o defensor, diante das provas já produzidas, verificasse que não havia
mais necessidade, já dispensava o prazo para tal finalidade, ocasião em que se declarava
encerrada a produção de provas e fazia-se imediata consulta as partes sobre o interesse em
requerer alguma diligência, o que sempre ocorria naquele momento ou, quando não havia
interesse, já se declinava pela desistência daquele prazo processual, partindo-se diretamente
para a produção das alegações finais. Repita-se que a concentração desses atos em nada feria
as garantias constitucionais, eis que contava com plena adesão da própria defesa, já que isto
proporcionava rápida conclusão da instrução processual, diminuindo sensivelmente o prazo
em que os acusados permaneciam presos provisoriamente.
Esta forma de concentração de atos processuais também era utilizada em processos
com patronos particulares devidamente constituídos pelos réus, mas somente quando estes,
devidamente informados das vantagens, concordavam formalmente em aderir ao procedimento, notadamente em face das vantagens que dele decorria. Tanto é verdade que jamais
houve um recurso sequer questionando este tipo de instrução, alegando cerceamento de defesa ou qualquer outra garantia constitucional.
O próprio legislador foi muito feliz quando aprovou o texto da nova Lei 11.719/2008,
que praticamente veio sacramentar o que já estávamos adotando havia bastante tempo na terceira vara criminal, com pleno êxito.
Não obstante, embora se reconheça o acerto de tais inovações, é de se concluir que
ainda são somente tímidas tentativas de se adequar às novas exigências por uma prestação
jurisdicional cada vez mais célere e em dia com o nosso tempo. Entende-se que muito ainda
precisa ser feito e que o Poder Judiciário precisa utilizar de forma muito mais efetiva os
recursos decorrentes da tecnologia da informação e comunicação, dentre os quais o processo
virtual ou eletrônico surge como uma ferramenta indispensável para proporcionar uma tramitação processual mais rápida e menos dispendiosa para o jurisdicionado, sem falar nos
benefícios indiretos, como por exemplo para o meio ambiente, com a eliminação do papel, o
que evitaria o corte de grande quantidade de árvores, preservando, assim muitas das nossas
riquezas naturais.
Ao longo de todo este trabalho foram citadas várias experiências desenvolvidas por
outros tribunais referentes à utilização de recursos derivados da tecnologia da informação,
algumas extremamente bem sucedidas, outras que necessitam de pequenos ajustes para perfeita harmonização com as garantias constitucionais e processuais, mas todas indispensáveis
para o aprimoramento do objetivo primordial da missão reservada ao Poder Judiciário, que é
a de fazer justiça, certamente uma das tarefas mais difíceis de ser executada e a mais nobre
entre todos os poderes.
O aprofundamento dos conhecimentos para melhor utilização dos benefícios da
tecnologia da informação se constitui na grande tarefa a ser enfrentada pelos administradores, juízes e demais operadores do direito, sob pena cairmos na obsolescência e perdermos
534
Revista ESMAC
a credibilidade perante aqueles que clamam por justiça, mas não uma justiça lenta, desatualizada e sem meios para atender aos anseios de um novo tempo em que as relações humanas
tomaram formas totalmente diferenciadas do que até então era estabelecido.
Sem o pleno conhecimento da novel realidade e a conscientização de que é impossível vislumbrar novos horizontes dissociados desse paradigma que vai se impondo de forma
rápida e avassaladora não resta outra alternativa ao Poder Judiciário que não seja aquela de
buscar intensa e decididamente conhecer e aplicar os benefícios e vantagens proporcionados
pela tecnologia da informação, a fim de seguir cumprindo sua missão constitucional com
credibilidade e eficiência.
535
CONCLUSÃO
Por tudo o que foi pesquisado e explanado no decorrer da elaboração deste trabalho
de conclusão de curso é possível concluir que a tecnologia da informação e comunicação,
com todas as possibilidades dela decorrentes, dentre as quais se destaca o processo virtual ou
eletrônico, tornou-se uma realidade concreta e palpável no âmbito do Poder Judiciário, com
aplicação em suas mais diversas áreas e instâncias, inclusive numa vara criminal, como é o
caso desta em que atua o subscritor, com a preservação e observância dos direitos e garantias
previstos na Constituição da República Federativa do Brasil, assim como as regras processuais vigentes.
É possível concluir-se ainda que a implantação do processo virtual/eletrônico, também chamado e-Processo, se constitui numa verdadeira revolução não só no âmbito do Poder
Judiciário, mas também nos organismos governamentais, ONG’s ou empresas privadas que
já o adotaram ou começam a fazê-lo. Com ele, a publicidade processual ganha contornos
nunca dantes imaginados, pois a comunicação dos atos processuais ocorre em tempo real,
o impulso processual é automático e o contato pessoal entre advogados, servidores, partes,
testemunhas, peritos e juízes torna-se praticamente inexistente.
Com o processo virtual/eletrônico o juiz poderá dispor de novas e mais eficientes
ferramentas para cumprir o seu mister, fazendo, por exemplo, o rastreamento de bens do
devedor de forma direta, ganhando uma efetividade processual até então inimaginável. Ademais, a quantidade de informação jurídica será expandida de maneira bastante veloz, tornando-se disponível a uma infinidade de pessoas em muito menor espaço de tempo. O foco da
execução de muitos atos processuais será deslocado dos juízes ou servidores para máquinas,
dotadas de inteligência artificial e capazes de decidir com tanta desenvoltura quanto um ser
humano.
Não demorará muito para o que hoje se conhece por “autos processuais” passar
a ser uma simples pasta virtual, na qual serão armazenadas todas as peças do processo: a
petição inicial e os documentos que a instruem, a contestação, as imagens da vídeo-audiência e a sentença. O acesso a essa pasta será feito através da internet por qualquer pessoa que
tenha interesse em conhecer o conteúdo nela armazenado em meio digital.
A tecnologia da informação é que proporcionará o acesso a todas essas facilidades
que causam uma espécie de deslumbramento nos operadores do direito, os quais, fascinados
com tais inovações, começam a descobrir toda a infinidade de serviços disponibilizados online e que são, sem nenhuma dúvida, as formas como vão se dar as relações jurídicas num
futuro muito próximo, que já começa a efetivamente se concretizar de forma irreversível.
È forçoso reconhecer, no entanto, que paralelamente às inúmeras vantagens que a informatização do processo está trazendo, surgem sérios problemas capazes de ameaçar a própria
legitimidade que o processo judicial oferece.
Dentre esses problemas o mais preocupante é a questão da segurança e autenticidade dos dados processuais, por abrir um grande leque de possibilidades para o cometimento
de fraudes ainda nem sequer imaginadas pelos operadores do direito, sendo que as punições
encontram grande barreira em relação à identidade do eventual fraudador ou no tocante ao
território físico onde ele possa se encontrar.
Mas tais problemas poderão ser minorados e até mesmo superados com a adoção e o desen536
Revista ESMAC
volvimento de sistemas de senhas, chaves ou outras formas eletrônicas capazes de garantir a
autenticidade e inviolabilidade das informações processuais constantes nos bancos de dados
disponibilizados aos jurisdicionados e demais partes interessadas.
Questão a ser ainda melhor resolvida é a do grande abismo social existente entre os
que têm acesso às mídias digitais e os que não têm esse acesso, os chamados desplugados, os
quais, se não for entrada uma forma de dar-lhes acesso às informações jurídicas, serão alvos
fáceis de serem ludibriados no mundo virtual.
Ainda é muito cedo para se afirmar com convicção se a digitalização total do processo trará mais benefícios ou mais problemas a serem enfrentados pelos que se dedicam a
estudar a questão do acesso à justiça, embora, queiramos ou não, a digitalização será uma
realidade inexorável em muito breve espaço de tempo, para a qual os processualistas, os tribunais, os juízes e os advogados não estão, ainda, devidamente preparados e talvez ninguém
esteja, de modo que só mesmo o tempo será capaz de responder a esta tão cruciante dúvida
acerca das vantagens ou desvantagens dela decorrentes. O que não se pode, no entanto, é
fechar os olhos para esta nova realidade. É preciso urgente e inadiável aprofundamento no
estudo dessas novas tecnologias para que se possa usufruir o que ela oferece de melhor para
a modernização e ingresso definitivo do Poder Judiciário na Era Digital.
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539
O PODER DE GESTÃO DO JUIZ EM RELAÇÃO ÀS
ASTREINTES EFETIVADAS
Solange de Souza Fagundes
INTRODUÇÃO
Embora literalmente resulte exteriorizado da norma do art. 461 do Código de Processo Civil que a fixação e a alteração da periodicidade e do valor das astreintes somente
tenham assento nas obrigações de fazer e de não fazer, não é raro deparar-se com decisões
judiciais fora desses marcos.
Juízes há, como a própria, outrora, que modificam o valor das astreintes mesmo
quando convertidas em obrigação de pagar quantia certa, sob o fundamento da faculdade
plasmada no art. 461 do Código de Processo Civil e sob as regras da proporcionalidade e da
razoabilidade.
Isso, mesmo quando a execução é definitiva e existe julgado superior imantado de
coercibilidade e intangibilidade, nulificando ou alterando decisão interlocutória ou a própria
sentença.
Essa modificação unilateral vem comumente quando o valor apurado em liquidação alcança soma tida por excessiva pelo julgador, e sob o sustentáculo de que decorrentes e
originárias as astreintes de obrigação de fazer ou de não fazer.
Assim é que, após apresentação de memória de cálculo das astreintes efetivadas
pelo credor, ou certificação do contador do juízo quanto ao montante apurado, numa medida
comparativa o crédito em exigibilidade logra por vezes alterado para menor.
No Acre, até antes da reforma do Código de Processo Civil, advinda com a Lei
11.232/05, a questão parecia sedimentada. O entendimento era unânime, e as decisões judiciais nesse sentido encontravam conformação do jurisdicionado credor. Na comunidade
jurídica, enfim, havia consenso quanto a possibilidade de o juiz, com base na regra do art.
461 do Código de Processo Civil, diminuir o valor das astreintes efetivadas, ou fazendo retroagir decisões modificativas do valor na fase de conhecimento, ou na fase de cumprimento
do julgado no que relativo ao montante exigido.
A controvérsia se instalou quando em dois casos particulares as astreintes efetivadas alcançaram montante superior a cem mil reais, tido por excessivo. Frente à diminuição
do montante, e julgando mandados de segurança interpostos pelos credores, enquanto uma
das Turmas Recursais acrianas teve que a possibilidade era legal, a outra teve entendimento
de impossibilidade de gestão do juiz nesse contexto, porquanto as astreintes efetivadas têm
natureza de obrigação de pagar.
A partir de então e ante a controvérsia verificada no seio do Judiciário acriano,
sobretudo nos Juizados Especiais Cíveis, a aluna escrevente, que é juíza titular da Primeira
Vara do microssistema, dedicou-se a estudar detidamente o tema reconstruindo e modifi540
Revista ESMAC
cando sua linha de pensamento e raciocínio. Desde então, em razão da conclusão que extraiu
da interpretação literal e sistemática dos dispositivos legais atinentes e das regras da proporcionalidade e da razoabilidade, não mais interferiu nas astreintes efetivadas.
Passou a ter entendimento que a obrigação principal, causa de pedir, não tem correlação estreita com as astreintes na medida em que estas restam fixadas tão-somente para
forçar o devedor ao cumprimento da prestação e, em conseqüência, conferir eficácia ao
provimento judicial em nome do prestígio e da credibilidade do Judiciário.
Consolidou sua compreensão quanto a que não têm as astreintes caráter indenizatório nem compensatório, nem substituem a pretensão da causa. E que, se elas se efetivam
dia por dia, isso decorre da desídia do devedor, que demonstra preferir arcar com a conseqüência de pagá-las a dar cumprimento à ordem do juiz.
Como se demonstrará no corpo do presente trabalho, que expressa o entendimento
da aluna, obtido também com base nas decisões das Cortes superiores, a modificação, mesmo quando possibilitada, exige demonstração de causa. Sem ela, há violação do preceito
constitucional que impõe a fundamentação das decisões, como também das regras do Código de Processo Civil relativas à fase de cumprimento das decisões.
Ou seja, tanto na fase de conhecimento quanto na de execução de título extrajudicial ou na fase de cumprimento de julgado, a interferência estatal somente logra autorizada
quando o objeto for relativo a obrigação de fazer ou de não fazer. Assim é que a faculdade
de modificação do valor das astreintes encontra limites, dos quais a autoridade judicial não
pode se afastar.
E se há alteração do valor e da periodicidade de incidência, naturalmente quando
haja causa para o novo decisório modificativo, pena de ofensa ao princípio da preclusão e
da coisa julgada quando for o caso, não é de ser retroativa a decisão como sói verificado em
algumas situações, tal que importe em recomposição do valor já efetivado.
Muito menos quando a multa efetivada encontra-se em fase de execução, oportunidade em que parece não haver regramento possibilitador da atuação do juiz no tangente à
modificação do valor depurado do decisório.
As astreintes efetivadas, embora alguns autores entendam equivaler a obrigação de
dar coisa certa – regra que abriga a faculdade estatuída no art. 461 do Código de Processo
Civil (art. 461-A)–, transmuda-se em obrigação por quantia certa mesmo quando dependente
de liquidação.
Nesse particular pelo menos é exigível a distinção, até porque quando a lei dispõe
sobre a obrigação de dar coisa, no que pertinente à exigibilidade da prestação excluiu a obrigação de dar dinheiro (obrigação de pagar quantia certa). Tanto que, referindo-se a valor, são
as disposições de liquidação da sentença tratadas nos arts. 475-A ao 475-H do Código de
Processo Civil.
E quanto ao cumprimento do julgado, o art. 475-I do mesmo compêndio é textual
ao excluir a obrigação de dar coisa, tratada no art. 461-A do Código de Processo Civil. Nele
resta estatuído que, tratando-se de obrigação por quantia certa, o cumprimento da sentença
far-se-á por termos próprios, diverso do cumprimento da sentença que diz respeito a obrigação de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa, tratadas nos arts. 461 e 461-A do Código
de Processo Civil.
A impossibilidade de ingerência do juiz parece singularizada, com sumarização legal
no sentido de que, embora alcance montante astronômico, o valor da multa efetivada é in541
tangível porque convertida em obrigação de pagar quantia certa decorrente de título judicial.
Causa justa, decorrente da lei, consagra a obstaculização de diminuição do crédito
oriundo de astreintes efetivadas, mesmo porque o alcance do valor devido depende de liquidação por mero cálculo aritmético. Ou seja, do produto entre o valor arbitrado e o tempo
transcursado sem cumprimento da obrigação (de fazer ou de não fazer).
As decisões que fixam astreintes são alcançadas pela preclusão também para o juiz.
Daí não parece lógico nem razoável modificar o valor da multa fixada fazendo retroagir os
efeitos da decisão. Isso quando possível fazê-lo, ou seja, quando versar a obrigação sobre
um facere ou um non facere e na fase que admita a interferência judicial. Nem, também, diminuir montante efetivado sob escudo de excessivo e desproporcional. Sobretudo na fase de
exigibilidade (cumprimento da decisão), uma vez terem as astreintes sofrido transmudação
para dívida de valor e porque decorrentes de decisão judicial alcançada pela preclusão ou
pelo trânsito em julgado. E considerando porque a relação daí por diante é tão-somente entre
o credor e o devedor da obrigação (certa, líquida e exigível).
Na Lei pátria, não há um único dispositivo legal que traga essa permissão. O invocar da justiça ou de regras específicas para a hipótese compromete a segurança jurídica das
decisões, desprestigia o Judiciário, guarnece e fomenta a desídia e a recalcitrância quanto
ao cumprimento das ordens judiciais. Parece expressar, não a liberdade e o poder do magistrado, mas o agir à margem da ordem jurídica.
Impróprio, assim, parece escudar-se em regras da proporcionalidade e da razoabilidade, mormente quando apenas citadas para efeito de justificar o arbitramento de valor
diverso daquele depurado da liquidação e do próprio título. Convenha-se que a adequação, a
necessidadeeaproporcionalidade emsentido estrito,estacorrespondendoàprópriarazoabilidade em algumas visões, não dizem respeito a valor aritmético, mas a interesses colidentes
em caso concreto. A medida do razoável e do proporcional exige criteriosidade e aparente
antinomia entre direitos fundamentais, sem o que a decisão alicerçada nessas regras, em
verdade, infringe o processo legal.
Esse o entendimento reconstruído que fez modificar, não o valor das astreintes
mais, mas o posicionamento da aluna magistrada quanto à impossibilidade de alteração do
valor efetivado, e que será exposto minudentemente no presente trabalho.
No primeiro capítulo será buscado demonstrar que o poder político conferido aos
magistrados, como parcela do Poder Estatal, visa à solução dos conflitos, à garantia das
instituições democráticas, à tutela, ao cumprimento e respeito aos direitos e garantias fundamentais.
Que no exercício da jurisdição – meio de exercício do poder estatal monopolista -,
não é absoluto o poder porque nitidamente previsto e delimitado na Constituição e nas leis
infraconstitucionais. Se o juiz é dotado de garantias especiais que lhe distingue dos demais
agentes, isso tem ensejo exatamente dada a relevância do poder estatal a ele conferido.
A margem de liberdade para atuar no processo encontra limites impostos pela
própria lei. Assim, embora seja assegurada a independência à livre convicção, limites existem como em tudo de resto na sociedade à atuação e liberdade do julgador.
A Constituição traz expressos alguns princípios que devem prevalecer em toda
espécie de processo. São postulados que visam a um processo justo e que têm por objetivo
nuclear o acesso a justiça tanto na forma como na substância.
No segundo capítulo o enfoque é dirigido às astreintes mediante análise de suas
542
Revista ESMAC
características especiais e distinções de institutos correlatos, tanto quanto das hipóteses de
sua incidência, aplicação e oportunidade de fixação ou modificação.
No terceiro e último capítulo, sob o título de “O juiz na fase de execução” o presente trabalho busca demonstrar o poder do juiz em relação às astreintes em fase de exigibilidade, tendo em conta suas características especiais e sua natureza jurídica.
Primeiro, cuida de discriminar as características essenciais da execução, delineando
o marco do contraditório na fase e como se alcança a efetividade e o desfecho pretendido.
Num terceiro momento, procede-se a uma análise das astreintes efetivadas no contexto das obrigações de pagar e como crédito líquido e certo. Sempre enfocando as características especiais das astreintes, confronta o poder de gestão do juiz na fase de cumprimento
do julgado, atingido pela coisa julgada ou porque precluída a questão, à luz do art. 461 do
Código de Processo Civil.
É delineado numa análise conjunta, no contexto das fases do processo, a natureza
das obrigações e os efeitos das decisões eficazes, com demonstração final de que impossibilitada qualquer interpretação extensiva de declinado texto adjetivo visando reduzir valor das
astreintes efetivadas.
Nesse capítulo, têm análise especial as regras da proporcionalidade e da razoabilidade, onde buscou-se demonstrar que sequer cogitável de aplicação na hipótese das astreintes efetivadas, uma vez inexistirem direitos colidentes ou princípios em aparente antinomia
tal a requererem essa ponderação.
Enfim, busca-se demonstrar que as astreintes efetivadas, independentemente do
montante, são dívidas de valor cuja relação circunscreve-se ao credor e ao devedor, e somente o primeiro pode abdicar de alguma parcela do crédito exteriorizado no título judicial.
E é essa característica também que descredencia o juiz à interferência para modificar o quantum já efetivado, até porque não o faz em relação aos títulos extrajudiciais qualquer seja o
valor neles consignados.
A conclusão a que se pode chegar parece não ser outra senão a de que o poder de
gestão do juiz em relação às astreintes efetivadas é tão-somente o de ordenar as medidas
(meios adequados) tendentes ao atingimento do fim desejado pelo credor, nos termos literais
dos procedimentos plasmados no Código de Processo Civil.
543
1. O JUIZ, O PODER E A JURISDIÇÃO
1.1. O Poder Estatal dos Magistrados e o Direito ao Exercício da Jurisdição.
O Estado, para desincumbir-se das atividades e dos serviços públicos a seu cargo,
delega poderes a seus agentes espraiando o poder estatal.
Consentâneos e proporcionais aos encargos e incumbências, recebem os agentes os
necessários e instrumentais poderes para o desempenho das tarefas a si afetas.
Os agentes políticos, integrantes da organização constitucional e, portanto, componentes do Estado constitucional, por exercerem funções governamentais, judiciais e quasejudiciais, são detentores de poder político, estrutural e orgânico.485
O art. 37, XI, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº
19/98, dispõe serem agentes políticos, dentre outros, os membros de qualquer dos Poderes.
O poder deve ser entendido, segundo Calmon de Passos, como capacidade, para
qualquer instância que seja (pessoal ou impessoal), de levar alguém (ou vários) a fazer (ou
não fazer) o que, entregue a si mesmo, ele não faria necessariamente (ou faria talvez).486
Tem o autor que o poder é pressuposto essencial à sociedade.
Quanto ao poder político, Diogo de Figueiredo Moreira Neto diz que é um elemento diferenciador caracterizado pela relação comando/obediência, a energia que move os indivíduos e as instituições e que, uma vez concentrado como poder estatal, passa a constituir
a energia suprema que o Estado retira da sociedade nacional para empregar na consecução
de seus fins.487
No aspecto jurídico, o poder, segundo o mesmo autor, é a própria energia criadora
do direito, que contém em si a promessa de realização da idéia social que o representa.
Calmon de Passos acrescenta à divisão de Diogo de Figueiredo o poder ideológico,
que inclui o aspecto antropológico e o sociológico como o que, mediante mecanismos de
convencimento, legitima o próprio poder em todas as suas manifestações.
O poder político é, assim, o poder decorrente da organicidade, estrutura e hierarquia constitucional que o Estado confere a seus agentes como verdadeiro instrumento para o
desempenho das tarefas estatais.
Mas o poder é do Estado. Os agentes apenas recebem dele a delegação para desempenho de atividades e serviços próprios do ente concedente.
O poder é atributo dessa delegação. Os serviços públicos continuam sob império,
muito embora para melhor atingimento dos fins públicos sejam desconcentrados e delegados, espraiando-se por entre Poderes, Órgãos e agentes.
Ao juiz, via do poder político, restou atribuída a função de exercer a jurisdição,
medida e extensão da delegação e do poder propriamente.
A parcela do poder estatal conferida aos membros do Poder Judiciário (magis485 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26ª ed. São Paulo, Ed. Malheiros, 2001, p. 108.
486 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2003, p. 45.
487 Diogo de Figueiredo Moreira Neto Apud PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo:
julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2003, p. 46.
544
Revista ESMAC
trados) tem por finalidade a solução dos conflitos e, sobretudo, a garantia das instituições
democráticas, a tutela, o cumprimento e respeito aos direitos e garantias fundamentais.
No exercício da jurisdição – meio de exercício do poder estatal monopolista, que
não é absoluto porque nitidamente previsto e delimitado na Constituição e nas leis infraconstitucionais –, o juiz é dotado de garantias especiais que lhe distingue dos demais agentes
exatamente dada a relevância do poder estatal a ele conferido.
O poder dos juízes é poder de solucionar litígios mediante decisões normativas
individuais, além dos poderes ordinatórios, instrumentais e instrutórios.
Segundo Calmon de Passos “o magistrado não é um homem para se contrapor à
ordem jurídica. O magistrado é um homem para dar concreção a uma ordem jurídica.” Segundo ele a“Ordem jurídica que tem uma feição política irrelutável, porque não tem sentido
que você imagine uma condição dialética dentro do exercício do próprio poder.”488
Os magistrados, como agentes estatais do Poder Judiciário, detêm poder político
para o exercício da jurisdição visando a que as instituições democráticas tenham garantia e
os direitos fundamentais sejam respeitados. O juiz, assim, tem limitação do poder que lhe foi
conferido pelo Estado na ordem jurídica do sistema pátrio.
É um poder fundado no dever, cujo direito indelegável imanente exige perfeita e
integral sintonia com os primados legais e constitucionais.
Os juízes, que receberam do povo, através da Constituição, a legitimação formal de
suas decisões, têm o dever de proteger eficazmente os direitos dos cidadãos, decidindo com
justiça. Jamais devem decidir nem ordenar como indivíduos, mas na condição de agentes públicos, usando ponderadamente do poder discricionário que lhes é imanente em contrapeso
com a responsabilidade que detêm. Como dito por Dalmo de Abreu Dallari, “daí vem a sua
força”.489
Não há outro meio e forma de exercitamento do poder estatal de solucionar conflitos, e antes ordenar a forma de processamento das lides, fora da jurisdição.
E jurisdição, não é mais, segundo Rosemberg, que a atividade do Estado dirigida à
realização do ordenamento jurídico. É a que tem por escopo a aplicação do direito objetivo
a uma pretensão de direito material, compondo o litígio e declarando aplicável aos fatos
levados a juízo490.
É, no dizer de Amilcar de Castro, um poder-dever do Estado de distribuir justiça,
aplicando a lei ao caso concreto.491
Afonso Borges, ainda sobre jurisdição, leciona que ela se constitui em um poderdever. Poder, porque o Estado é o titular da jurisdição, monopólio do Poder Judiciário; dever,
porque a ele compete manter a paz e, conseqüentemente, o primado do direito objetivo,
ameaçado ou violado pela lide deduzida em juízo, bem como atender à pretensão dos interessados referente a interesses particulares à sanção judicial.492
488 Calmon de Passos Apud TAKOI. Sérgio Massaru. Mandado de segurança para controle dos atos jurisdicionais.
São Paulo, Ed. Pillares, 2006, p. 20.
489 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3ª ed. rev. São Paulo : Saraiva, 2007, p. 92
490 Rosemberg Apud DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. 2ª edição revista e aumentada.
Curitiba, Ed. Juruá, 2001, p. 520.
491 Amilcar de Castro Apud DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. 2ª edição revista e aumentada. Curitiba, Ed. Juruá, 2001, p. 521.
492 Afonso Borges Apud DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. 2ª edição revista e aumentada. Curitiba, Ed. Juruá, 2001, p. 521.
545
Importante ainda citar José Frederico Marques, que afirma: “a jurisdição, no Estado Moderno, é atividade pública; (...)”.493
Sobre a atuação do magistrado, ou melhor, o exercício da jurisdição, diz o autor
citado que é objeto da atividade jurisdicional, efetivamente, a declaração de certeza ou a
realização coativa e concreta dos interesses tutelados em abstrato pelas normas de direito objetivo, quando, por falta de certeza ou por inobservância de ditas normas, não há satisfação
nem conformação direta pelos envolvidos.494
Ivo Dantas arremata lecionando que no Estado Moderno-contemporâneo a jurisdição detém o monopólio de aplicação da Lei.495
O poder dos magistrados, segundo o mesmo autor, é um poder-dever ou um deverdireito de dizer a lei, aplicando-a ao caso concreto e em sua perspectiva (dela, a lei) de fazer
Justiça.
O juiz, assim, é o delegado do Estado. É o terceiro imparcial selecionado para
promover a pacificação social mediante a aplicação das regras legais ao caso concreto.
Mas não basta o poder, nem, tampouco, o direito de exercer a jurisdição. O direito
exige conhecimentoeaperfeiçoamento contínuo, pena de infringênciado deverde bem prestar a jurisdição, ou seja, com base e em estrita observância das regras legais.
No exercício do poder, que se dá via da jurisdição e através de instrumento formal
denominado processo, o juiz está jungido a deveres relativos ao poder ordinatório, instrumental ou instrutório.
Mas não apenas a isso. Também está jungido a um processo compreendido como a exteriorização concreta da atividade jurisdicional.
Está-se a falar do processo substancial, ou seja, da observância, do respeito e da
garantia de cumprimento das regras legais do Ordenamento Jurídico, que devem estar exteriorizadas nas decisões compositivas da lide.
A Lei Complementar n. 35, de 14.03.79, conhecida como Estatuto da Magistratura,
em seu art. 35, I, dispõe ser “dever do magistrado cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e atos de ofício”.
É certo que o juiz não se posta mais como um mero escravo ou aplicador insensível
da lei, posto que pode dela divergir quando entendê-la inconstitucional. No entanto, exigente
nesse caso, e em prol da verdadeira justiça, que se descortinem argumentos que justifiquem
e solidifiquem a equidade aplicável ao caso concreto.
Justiça nesse contexto só pode significar o dar a cada um o que é seu na medida em
que haja motivo, prova, regras próprias dispositivas aplicáveis e certifique o justo no caso
concreto.
Quanto ao conteúdo de fundo do processo, ou seja, relativamente à efetiva prestação da tutela, o dever do magistrado é de cumprir e fazer cumprir as disposições legais,
ofício indelegável e inarredável.
Quer dizer, o poder é também dever pena de até contrariar os fins e a própria dignidade da justiça.
A propósito, a dignidade da justiça pode estar comprometida de diversos modos
493 José Frederico Marques Apud DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. 2ª edição revista
e aumentada. Curitiba, Ed. Juruá, 2001, p. 521
494 Dantas, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. 2ª edição revista e aumentada. Curitiba, Ed. Juruá,
2001, p. 522
495 Idem - Ibidem, p. 523.
546
Revista ESMAC
e conforme o comportamento das partes no processo. Mas também do comportamento de
todos os mais que nele atuarem, na proporção que ofenderem à moral e às regras legais reguladoras da vida na sociedade estatal.
Sem dúvida, qualquer dos atores do processo podem propiciar indignidade da
justiça, e essa é uma preocupação não apenas dos tempos modernos. Tanto que o art. 125
do Código de Processo Civil traz estatuído que o juiz deve dirigir o processo “conforme as
disposições deste Código”.
Infringir as regras do Ordenamento Jurídico parece implicar em subtrair dignidade
à Justiça. Implicar em infração de dever e em contrapor-se ao legal processo.
Em complemento à ordem processual citada acima, tal a consolidar que o poder
do juiz encerra dever conseqüente de atrelamento à observância, tanto das regras formais de
desenvolvimento do processo quanto das regras substanciais, é o que se dessume do art. 126
seguinte, que regra que “No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais”.
É dizer que ao julgar uma causa está o juiz intimamente umbicado às regras legais
do ordenamento jurídico, mesmo quando para a questão posta não houver regra própria,
para cujo pronunciamento deve recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do
Direito (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º).
Em suma, o poder que o Estado confere ao magistrado é dever de prestar a jurisdição dignificando a justiça. E isso só se efetiva com a observância e prestígio das regras
compositivas da ordem jurídica brasileira. Assim, o direito-poder do magistrado não é absoluto na medida em que se encontra ele vinculado ao devido processo legal substancial.
Pode-se concluir, assim, que não apenas as partes e os auxiliares da justiça podem
comprometer a dignidade da justiça. O juiz, quando deixa de cumprir as disposições legais
e atos de ofício, com independência, serenidade e exatidão, parece atuar em direção contrária a essa reputada dignidade. Também quando deixa de dirigir o processo conforme as
disposições das normas adjetivas. De igual, quando no julgamento da lide deixa de aplicar as
normas legais.
Inegavelmente, extraordinária importância detém o Poder Judiciário como um todo
no cenário estatal onde o poder político dos juízes está implícito na organização constitucional dos Poderes.496
Porém, essa politicidade implícita na conduta dos juízes requer socialidade inerente ao direito que, segundo Dalmo de Abreu Dallari, é mais um elemento informador do
caráter político da função jurisdicional.497
Segundo o mesmo autor, a raiz da função jurisdicional está na necessidade de esclarecer o direito e de garantir sua aplicação justa. Ou seja, o juiz terá sempre de fazer
escolhas quando estiverem em conflito normas, argumentos, interpretações e até mesmo
interesses. A solução dos conflitos no caso tem nítida conotação política, mas não dispensa
o conhecimento e a interpretação do direito tendo em conta o contexto das normas.498
Mesmo quando discordante da aplicação de determinada norma, exigível que o
juiz bem instrumente sua posição de modo que a ideologia decisional reste escudada em
bases sólidas do Estado de Direito. Os preceitos constitucionais guardam relevância nessa
seara, sendo de convir que o sistema processual brasileiro é colorário constitucional.
496 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3ª ed. rev. São Paulo : Saraiva, 2007, p. 95
497 IIdem - Ibidem, p. 96.
498 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3ª ed. rev. São Paulo : Saraiva, 2007, p. 97.
547
A lei que rege o procedimento das causas cíveis comuns encontra-se regrada no
Código de Processo Civil. Portanto, o que nele disposto deve ter observância tanto pelas
partes como pelo condutor do processo (o juiz). Sobretudo quando disserem respeito a matéria de substância, cujo preterimento possa gerar prejuízo a qualquer das partes ou infringir
preceito constitucional.
Parece claro que o poder do juiz de exercer a jurisdição é também dever de cumprir
e fazer cumprir a lei. Desse modo, se a lei adjetiva traz determinação expressa, de compreensão literal, sujeita o juiz em suas decisões. Sem essa sujeição, o poder transforma-se em
arbítrio, e o juiz pode estar comprometendo a dignidade da justiça.
1.2. A livre convicção e a independência do magistrado frente aos princípios e garantias
constitucionais do processo.
É fato que o juiz, hoje, tem margem de liberdade maior para atuar no processo.
Entretanto, encontra ele limites impostos pela própria lei.
O simples desprezo às formas processuais, como observado por João Batista
Lopes, como também o não conduzir a prestação jurisdicional qualificada, pode resultar,
muitas vezes, em graves injustiças.499
A atuação do juiz pode desaguar para o campo da nulidade do ato.
Assim, embora seja assegurada a independência à livre convicção (não sendo o
juiz, no processo, a imagem do “convidado de pedra”), limites existem, como em tudo de
resto na sociedade, à atuação e liberdade do julgador.
Desse modo, é inquisitivo que o juiz se curve à necessidade de formar livremente
sua convicção com base em uma interpretação lógica e sistemática da norma e com observância aos princípios e garantias constitucionais.
A Constituição traz expressos alguns princípios que devem prevalecer em toda
espécie de processo, jurisdicional ou não.
São limitações. Postulados que visam a um processo justo (desenvolvido por meios
adequados e aptos a produzir resultado justo) e tenha por objetivo nuclear o acesso a justiça,
tanto na forma como na substância, ou seja, desenvolvidos os atos e prestada a jurisdição sob
o devido e legal meio (CF/88, art. 5º, LV - do devido processo legal).
Consigne-se serem complementares os princípios da igualdade, da liberdade, do
contraditório e ampla defesa, do juiz natural, do duplo grau de jurisdição e da exigência de
motivação das decisões judiciais. Em verdade, esses primados encontram-se contidos nos
preceitos mestres que devem embasar toda a realização da jurisdição.
Enfim, a inafastabilidade do controle jurisdicional, o acesso a justiça e o devido
processo legal contêm em si todos os demais e prevalentes princípios especificados. São
aqueles consectários destes. São também princípios-garantias a que o juiz se encontra
umbicado e cuja interpretação e aplicação da lei atrelam-se inquestionavelmente.
Então, a livre convicção do magistrado só exterioriza a garantia consagrada nesse particular quando fundar-se e basear-se em respeito aos demais princípios-garantias do processo.
499 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença, 6ª ed. rev. ampl. e atual de acordo com
a Reforma Processual 2006/2007 – São Paulo, Ed. Revistas dos Tribunais, 2007, p. 165
548
Revista ESMAC
Convenha-se que não há preceitos contraditórios. Eles convivem harmonicamente
e dependem tão-somente de análise conjuntiva.
Como as normas não se confundem com a lei que as contêm, necessário serem
interpretadas as leis em busca do conhecimento das normas que vivem no plano ideal do
direito.
Senão, desnecessária a livre convicção uma vez que ela só se pode dar com análise
do caso concreto em face da idéia normativa. E desnecessário pode apresentar até mesmo a
figura do juiz, uma vez que julgar não passaria de adequar o caso concreto à norma fria da
lei, tarefa não esperada de agente com tal qualificação.
É a interpretação jurídica, que consiste especificamente na atenção ao bem comum,
ou seja, em descobrir a projeção da lei sobre a vida das pessoas.
Os textos legais comportam diferentes leituras conforme o contexto em que se
inserem. Assim é que a interpretação deve ter em conta o espaço e o tempo, o verdadeiro
significado das palavras, a intenção e objetivos do legislador, tudo considerado em face do
caso concreto.
A despeito da diversidade de métodos e técnicas, a interpretação deve deixar imperar harmonia tal que alcance o justo, até porque interpretação isolada oferece risco de
distorções.
É dizer que o juiz deve realizar uma interpretação sistemática, já que a lei é apenas
parte de um contexto normativo, e a norma dela exauriente deve ser resultado da interação entre todos os elementos da ordem jurídica positivada. Sobretudo da Constituição, que
encerra norma mater.
Segundo Cândido Rangel Dinamarco, a interpretação, no que diz respeito às garantias individuais, exige sistematização e avaliação à luz da suprema garantia de acesso à
justiça.500
Numa interpretação sistemática, indispensável ter em conta os princípios e garantias integrantes da tutela constitucional do processo, quais o dogma da legalidade, da
publicidade, da igualdade, do juiz natural, da necessidade de motivação das decisões, do
contraditório e da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição, que conglomeram-se nos
preceitos sínteses da inafastabilidade do controle jurisdicional e do devido processo legal.
Com a interpretação lógico-sistemática ameniza-se o que se prega quanto a dever
o juiz vinculação formal à letra da lei. O juiz só é escravo da lei no sentido em que dela deve
subtrair a verdadeira norma, porque só assim estará apto a prestar a atividade jurisdicional
justa.
Assim é que se diz também que no Estado moderno-contemporâneo o juiz é um
criador do direito. Que é dotado de independência e do poder de formar livremente sua convicção.
Em verdade, o juiz está vinculado à interpretação e a garantir a observância da lei,
notadamente dos preceitos fundamentais. Essa a medida da liberdade da livre convicção do
julgador, uma vez que só pode haver justiça se a lei for observada e devidamente aplicada
ao caso concreto. E isso só se exteriorizará de uma interpretação lógico-sistemática, pena de
propiciar incursão em abuso, em ilegalidade e em desprestígio ao devido processo legal.
500 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo, Ed. Malheiros, 2001, vol. I,
p. 248.
549
2. AS ASTREINTES E SUAS CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS
2.1. Espécies e distinções
Astreintes ou multas, vocábulo originário do latim, implica penalidade, sanção imposta ao devedor de obrigação na hipótese de infringência a regra ou a princípio de lei ou de
contrato.
Além de multa, segundo a natureza do ato ou do fato jurídico motivador de sua
incidência, recebe denominações diversas.
Pode ser compensatória, moratória, cominatória, fiscal, penal ou penitencial.
A multa compensatória, estipulada conjunta ou separadamente do contrato e da
obrigação principal, é pacto acessório e visa a compensar o credor em caso de inadimplemento. Integra as perdas e danos e pode substituir a obrigação principal, porém inacumulável com esta.
Tem natureza indenizatória, e tanto configura penalidade ao devedor como o
coercta ao cumprimento da obrigação principal no tempo e modo pactuados.
A multa moratória, também integrante da cláusula penal e contrato acessório, destina-se a compensar o credor pelo retardamento no cumprimento da obrigação principal e a
evitar que o devedor incorra em mora. Mas pode ser estipulada tão-somente para assegurar o
cumprimento de alguma cláusula especial do contrato, podendo ser exigida juntamente com
a obrigação principal.
A multa fiscal é imposição pecuniária prevista na legislação tributária e tem por
objeto as prestações, positivas ou negativas, no interesse da arrecadação ou da fiscalização
dos tributos.
É obrigação acessória, mas não implica para o sujeito ativo (fisco) o direito de exigir um comportamento do sujeito passivo, mas o poder jurídico de criar contra ele o crédito
correspondente à penalidade pecuniária. É como se encontra textualizado no art. 113, §3º,
do Código Tributário Nacional.
Sinteticamente, a obrigação acessória tem o objetivo de viabilizar o controle dos
fatos relevantes para o surgimento da obrigação principal.
Corresponde a obrigação de fazer – como por exemplo a de emitir uma nota fiscal
–, a de não fazer – como por exemplo não receber mercadoria sem a exigida documentação
legal – e a obrigação de tolerar – como por exemplo permitir a fiscalização de livros e documentos.
A multa fiscal, assim, tem como fato gerador qualquer situação que, na forma da
legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação
principal (Código Tributário Nacional, art. 115).501
Enquanto a obrigação tributária principal é obrigação de dar – tem por objeto o
pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (art. 113, §1º do CódigoTributário Nacional)
–, a obrigação acessória é obrigação de fazer, de não fazer e ou de tolerar.
501 MACHADO, Hugo de Brito, Curso de direito tributário, 20ª ed. rev. Atualizada e ampliada, Malheiros Editores,
2006.
550
Revista ESMAC
E embora as obrigações acessórias só existam em função das principais, não há
necessariamente um liame entre determinada obrigação principal e determinada obrigação
acessória. O objeto da obrigação acessória é sempre não patrimonial, diversamente do objeto
da obrigação tributária principal, que é uma prestação de natureza patrimonial.502
Apesar de não ter correlação direta com as astreintes, coincide com ela quanto a,
pelo menos, duas hipóteses de incidência, quais nas que decorrentes do descumprimento de
obrigação de fazer e de não fazer.
A multa fiscal vem expressamente fixada em dispositivos legais conforme o tipo da
infração. Logra transformada em obrigação principal. É penalidade acessória, mas previsiva
de sanção. Não tem exigibilidade própria, mas tão-somente quando convertida em obrigação
principal em decorrência de uma atitude omissiva ou comissiva do sujeito passivo.
A multa penal é derivada de condenação criminal. É obrigação de pagar quantia
em dinheiro. É pena, e não tem caráter de acessoriedade, nem decorre de vontade pessoal do
agente. Tem previsão de aplicação e de cálculo nas leis penais.
A multa penitencial, ou arras, ou sinal, diz respeito à hipótese de desfazimento de
contrato. É parte do pagamento da obrigação que tanto pode ser devolvida ao que a adiantou
como pode ser retida por quem a recebeu. Além, presta-se a indenizar a parte inocente da
relação contratual desfeita.
A multa cominatória ou astreintes, propriamente, é meio de coação para cumprimento de ordem judicial. Tem aplicação restrita às obrigações de fazer ou de não fazer e
de entregar coisa certa, na forma dos arts. 461, 461-A e 645 do Código de Processo Civil.
É fixada pelo juiz no curso do processo e visa ao cumprimento da obrigação. Nessa
medida, reveste-se de dimensão pública porque têm por fito conseqüente a dignidade da
justiça.
É espécie de multa anômala. A multa cominatória pune violação de dever, daí
porque só se aplica às obrigações que têm por objeto algum ato corporal do devedor.
Funcionam as astreintes como mecanismo ressocializador, punitivo ou retributivo,
na medida em que prestam-se a exemplar e desestimular condutas ilícitas.
Para alguns, a multa cominatória tem índole de responsabilidade por inadimplemento eventual. Para outros, é obrigação fruto de outras obrigações anteriores acaso descumprida a ordem judicial que as fixou.503
A multa cominatória ou astreintes é penalidade pecuniária correlata à cláusula penal, mas com ela não se confunde. Primeiro porque inexiste por vontade das partes, não
havendo limite ou vinculação com a causa principal. Além, só aplicável na medida das previsões legais, quais nas obrigações de fazer ou de não fazer e nas de entrega de coisa.
As astreintes encontram semelhança com a multa fiscal na medida do que lecionado no Código Tributário Nacional em seus arts. 113 e 115.504
502 Idem - Ibidem.
503 SOUZA FILHO, Luciano Marinho de B. E. Multas “astreintes”: um instituto controvertido. Jus Navigandi,
Teresina, ano 7, n. 65, maio 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4070>. Acesso em:
08 abr. 2008.
504 Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do
fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito
dela decorrente. §2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou
negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo
simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. Art.
551
Do primeiro texto legal citado deflui-se já no parágrafo primeiro que a penalidade
pecuniária consubstancia obrigação principal. Quer dizer que com o surgimento do fato
gerador, concretizado pela prática ou abstenção de um ato em matéria tributária, há criação
de um crédito correspondente.
A obrigação acessória na hipótese não tem natureza patrimonial, traduzindo-se no
fazer ou não fazer do contribuinte. Tanto que o parágrafo segundo é clarividente quanto a
que “a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações,
positivas ou negativas, nelas previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos
tributos”.
O esclarecimento final e conclusivo encontra-se no parágrafo terceiro, que textualmente regra que“a obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se
em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária”.
Confrontando esses regramentos com as astreintes pode-se concluir que o liame
é providencial para a questão enfocada no presente trabalho, muito embora haja inversão
quanto a natureza das obrigações.
Desimportando se as astreintes sejam obrigação acessória, a relevância consolidase na regrada conversão da multa fiscal em obrigação principal. À similitude, as astreintes
efetivadas, independentemente da obrigação que as gerou, consubstanciam-se em também
obrigação certa de pagar quantia, sendo de convir que o fato gerador da obrigação tributária
encontra sintonia com o fato gerador das astreintes.
Demais disso, o art. 115 do Código Tributário Nacional equipara a obrigação
acessória a um fazer ou não fazer com as espécies de obrigação suscetíveis de gerar as astreintes. E no art. 116 e seguintes, a Lei Tributária faz consolidar que a obrigação principal
(multa fiscal) tem seus efeitos protraídos e efetivamente constituída desde o momento inicial
de infração à legislação, por omissão ou prática de conduta, positiva ou negativa, nela prevista no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
As astreintes são similares, uma vez que também se efetivam a partir do momento
da abstenção ou da prática de obrigação de fazer ou de não fazer determinada judicialmente,
sendo de anotar, à semelhança do que disposto acerca da obrigação tributária (art. 118), que
igualmente devem as astreintes ter concretizados seus efeitos desde a ocorrência efetiva do
facere ou non facere.
A principiologia de legalidade para efeito de incidência das astreintes encontra
sustentáculo tão-somente no Código de Processo Civil, nos arts. 461, 461-A e 645.
Não configuram contraprestação de obrigação e nem têm as astreintes caráter indenizatório. A finalidade é, dando cumprimento à determinação judicial e legal, preservando
a valorização, a estabilidade e a eficácia do Ordenamento Jurídico, alcançar a finalidade
específica da prestação obrigacional.
Em verdade, defendem alguns autores que é multa apenas na aparência e que deve
ser fixada em valor exorbitante tal a compelir o devedor a tornar efetiva e eficaz a ordem
emanada do juiz no processo.
Importante anotar que já em 1999, os Juizados Especiais Cíveis do Rio de Janeiro
fizeram consagrar a diferença entre multa moratória e cláusula penal.505 Também a sua não
115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática
ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal.
505“Eis que a multa cominatória fixada para obrigar o devedor a cumprir obrigação de fazer infungível tem natureza
552
Revista ESMAC
vinculação ao teto limitativo da competência do microssistema.506
Além, em mesmo ano, quando ainda não alterado o Código de Processo Civil, mais
especificamente acrescidos os §§5º e 6º ao art. 461, quando ainda não inserido o art. 461-A
e não modificado o processo de execução de títulos extrajudiciais, os Juizados Especiais
Cíveis do Estado do Rio de Janeiro, pelo Enunciado n. 12.2, arregimentaram que a multa
cominatória, cabível apenas nas ações e execuções que versarem sobre o descumprimento de
obrigação de fazer, de não fazer e de entrega de coisa certa, não sofrem limitação de qualquer
espécie em seu valor total, devendo ser estabelecida em valor fixo e diário, contado o prazo
inicial a partir do descumprimento do preceito cominatório.
A cláusula penal é da esfera do direito privado, é decorrente da vontade das partes
contratantes. Já a multa cominatória é imposta pelo juiz nas obrigações de fazer e de não
fazer ou de entrega de coisa (arts. 461, 461-A e 654 do Código de Processo Civil), para garantir efetividade do processo e cumprimento da obrigação.
As astreintes têm semelhança com a multa fiscal na medida em que ambas visam a
efetividade, na medida de suas características específicas em relação às obrigações geratrizes
e pelo fato de que suas naturezas são de obrigação patrimonial, mas cindida esta da obrigação acessória no aspecto da exigibilidade. É de convir que não há liame entre a obrigação
principal e a acessória, embora uma exista em função da outra.
Na multa cominatória, diferentemente do que disposto no art. 412 do Código Civil,
que regra não poder o valor da cominação imposta na cláusula penal exceder ao da obrigação
principal, não há limite de valor.
Assinale-se que o juiz, quando provocado acerca da cláusula penal contratada,
pode reduzir equitativamente a penalidade se manifestamente excessivo o montante ou se já
cumprida em parte a obrigação principal (art. 413, Código Civil), tendo em conta a natureza
e a finalidade do negócio.
A aplicação dessa regra de diminuição, em que o juiz interfere nos contratos alterando-lhe ajuste, tem razão para evitar o enriquecimento ilícito e garantir proporcionalidade
com a parte da obrigação não cumprida. No entanto, segundo a norma do art. 416 do Código
Civil, a pena convencional pode ser exigida pleno iure, sem necessidade de alegação de
prejuízo, muito embora possa o devedor argüir excesso a ser apreciado em mesma sede.
A multa cominatória também pode ser exigida, contanto que efetivada. Mas não há
qualquer vinculação ou correlação com o valor da obrigação principal.
Quanto ao momento, se dúvida ou controvérsia havia, com a reforma do Código
de Processo Civil decisões superiores vieram fazer sedimentar a possibilidade de exigência
a qualquer tempo, mesmo na fase de conhecimento, e dentro do próprio processo.
Nesse norte, é o Enunciado 120 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais Cíveis.507
jurídica diferente da cláusula penal e da multa moratória, que encontram seus limites fixados na lei... O juiz somente
poderá rever o valor da cominação se, e somente se, em face da cláusula “rebus sic stantibus”, alterarem-se de modo
significativo e imprevisível as condições do pacto. Do contrário, é de ser mantido o valor da multa, que só chegou a
patamares elevados, em função da inércia habitual da empresa (1999.700.004893-2, juíza-rel. Teresa Cristina Gaulia)”.
506 “Omissis (...) A multa cominatória não está limitada ao teto insculpido no inciso I do art. 3º da Lei 9.099/95,
posto que tal entendimento viria a beneficiar a inércia e a omissão do devedor da obrigação de fazer, obrigação de
fazer esta que no caso presente é infungível, só podendo ser cumprida pela própria ré. A multa cominatória tem função de fazer cumprir a ordem judicial, que cairia no vazio caso a mesma fosse reduzida, como pretendeu a r. Sentença
(1999.700.005849-4, julgado em 09/12/1999)”.
507 A multa derivada de descumprimento de antecipação de tutela é passível de execução mesmo antes do trânsito
553
Importante assinalar que algumas distorções têm-se verificado em razão da variada
nomenclatura. Juros, multa, ou simplesmente mora. Mas o que precisa ser compreendido é
que a penalidade por descumprimento da obrigação pode estar ajustada em cláusula contratual, instantânea ou posterior, com efeito compensatório ou indenizatório. Mas sempre
será uma penalização moratória.
Os juros de mora, multa de mora ou simplesmente mora diferem completamente da
multa cominatória na medida em que cominação tem sentido diverso de pacto. A cominação
de multa consiste numa imposição (como é o caso da multa fiscal e das astreintes), e nenhum
contratante tem direito de impor ao outro qualquer cominação moratória, até porque isso
desnaturaria o contrato e invalidaria a obrigação conseqüente.
Convenha-se que a revisão judicial dos contratos e a anulabilidade das cláusulas
abusivas e ilegais encontram abrigo legítimo.
Os juros cominatórios não decorrem de contratos. Decorrem de decisão judicial
sujeita a preclusão ou ao atributo de eficácia da coisa julgada, e de lei, à semelhança da multa
fiscal.
Diferentemente da cláusula penal, não há vinculação monetária entre o valor das
astreintes e a obrigação principal. Até porque a cláusula penal é expressão volitiva nos contratos, e a multa cominatória é sanção aplicada pelo juiz ao devedor recalcitrante de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa certa.
A multa cominatória tem natureza processual e o objetivo de forçar o devedor ao
cumprimento da obrigação, assim operando a favor da efetividade processual.
Semelhante à cláusula penal moratória, as astreintes podem sofrer majoração ou
redução nos termos do art. 461, §6º do Código de Processo Civil. Isso, no entanto, em sendo
o caso das obrigações incidentárias e se já não convertida em obrigação por quantia certa.
A multa cominatória, diversamente da multa definida como cláusula penal – que
admite sua isenção por ausência de culpa, redução ou substituição –, tem caráter cogente e
se posta como elemento hábil a dar validade ao processo de execução da decisão na qual foi
fixada.
Enfim, as astreintes são autônomas em relação ao direito material e não há, atualmente, como já mencionado antes, qualquer limite imposto pela legislação, exatamente
porque objetiva garantir o adimplemento da ordem judicial e a efetividade do processo.
E não guardam característica de acessoridade em relação ao objeto principal da ação, em
tudo semelhante à multa fiscal, razão porque não se põe temerário afirmar sua inserção na
categoria de obrigação principal de pagar quantia certa (multa efetivada), insuscetível de
reapreciação do montante em fase de exigibilidade.
em julgado da sentença – Aprovado no XXI Encontro – Vitória-ES.
554
Revista ESMAC
2.2. Incidência, Aplicação e Oportunidade de fixação ou modificação da multa cominatória.
Das possibilidades legais que o juiz tem de fixar as astreintes, dada a sua natureza
e função, é a determinação de incidir ela dia por dia enquanto não resultar provida a tutela
específica ou não obtido o resultado prático equivalente. Convenha-se que a fixação das
astreintes é forma de pressão psicológica e de eficácia persuasiva sobre o réu.508
Natural que se não vier a ser alcançado o pretendido objetivo, o juiz, mesmo de
ofício, pode modificar-lhe o valor ou a periodicidade, e até converter em perdas e danos a
obrigação.
Porém, não há fundamento que guarneça a redução das astreintes porque suplantantes a bem de vida. Nem na fase de conhecimento e muito menos na de execução. O juiz é
livre para impor a multa diária no patamar que entender razoável, mas está tolhido de alterar
o que já se consumou, e jungido à categoria das obrigações de fazer, de não fazer e de dar
coisa (diferente da obrigação de pagar).
A fungibilidade modificativa da multa deve ter em mira tão-somente a efetivação
da tutela ou o resultado prático equivalente. É meio de garantia de adimplemento da ordem
judicial.
Na medida em que os dias se passam, se o devedor permanece recalcitrante em
efetivar a tutela, a multa se perfaz. Quer dizer, se efetiva e logra transformada em obrigação
de pagar quantia certa.
E parece não se afigurar lógico que eventual decisão redutora ou majoradora da
multa possa ter eficácia retroativa, à luz do que plasmado nos arts. 471 e 473 do Código de
Processo Civil.
Como lecionado por Nelson Nery Júnior não há limites para fixação da multa, e sua
imposição deve ser em valor elevado para que iniba o devedor com intenção de descumprir
a obrigação. O objetivo precípuo das astreintes é compelir o devedor a cumprir a obrigação
e sensibilizá-lo de que vale mais a pena cumprir a obrigação do que pagar a pena pecuniária.
A limitação da multa nada tem a ver com enriquecimento ilícito do credor porque não é
contraprestação de obrigação, nem tem caráter reparatório.509
Se o devedor deixa a multa se efetivar, torna-se devedor dia por dia no valor efetivado até que satisfaça a obrigação ou que seja convertida ela em perdas e danos.
A redução de ofício desse valor efetivado parece estar impossibilitado, sob pena de
ofensa ao princípio dispositivo e até ao da impessoalidade.
A redução de multa efetivada, tanto por retroação de decisão que a reduz, quanto
na fase de execução, equivaleria atuar em desprestígio da norma processual que a vincula.
Configuraria desnaturar o instituto.
A preclusão na hipótese tem efeito correlato ao da coisa julgada. O juiz, não podendo decidir as questões já decididas, não pode modificar retroativamente o valor da multa
já efetivada. O valor modificado só pode passar a ter efeito após a nova decisão, uma vez que
até então a multa já se efetivou no patamar da decisão anterior.510
508 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por
parágrafo: leis processuais civis extravagantes anotadas. Barueri, SP : Manole, 2007.
509 NERY Júnior, Nelson, Código de processo civil comentado, 9ª ed. RT - pág. 589
510 Acórdão REsp 521183 - DJ 06.03.2006, p. 198 e REsp 706799 – DJ 06.12.2004, p. 287 do Superior Tribunal
555
Em mesmo contexto, não parece adequado modificar quantia calculada de astreintes efetivadas, em fase de exigência de cumprimento do julgado, sob o pálio de enriquecimento ilícito. A uma porque o valor apurado decorre de título executivo judicial e não de
prática alguma contrária a lei. Também porque há causa jurídica nítida assentada na recalcitrância e desídia do devedor em dar cumprimento à determinação judicial.
Traga a lume, quanto às correlatas medidas cautelares, a regra do art. 807 do Código de Processo Civil que dispõe conservarem elas sua eficácia durante todo o tempo que
durar o processo principal.
Quanto à parte final do texto legal em comento, que dispõe da possibilidade de
revogação ou modificação quantitativa ou redutora, a decisão naturalmente não pode retroagir, porque já efetivada a cominação.
De considerar que a modificação ou revogação da medida cautelar diz respeito à
tutela específica em si, de natureza obrigacional diversa da de pagar quantia certa, causa de
pedir da cautelar ou da ação de conhecimento.
Anote-se que com a reforma de 2006, o processo de conhecimento deixou de ser
extinto. Segundo regra modificativa do art. 269 do Código de Processo Civil, o processo passou a ser objeto de resolução ante a alteração do conceito de sentença (art. 162, §1º).
Ou seja, ou o juiz decide o mérito (art. 269) resolvendo a lide, ou não, extinguindo
o processo sem resolvê-lo (art. 267).
Embora o processo de conhecimento contemple a fase de conhecimento e a fase de
cumprimento do julgado, trata-se de dois momentos distintos, com regras próprias. Assim,
a sentença não é mais ato do juiz que põe fim ao processo, mas tão somente ato decisório de
transição da fase cognitiva para a fase executiva.
Se a sentença reconhecer a existência de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa, pode consignar astreintes para o caso de descumprimento. De igual, na fase de
execução, alterando o valor e a periodicidade conforme verifique que se tornou insuficiente
ou excessiva para efeito de obtenção de resultado prático.
Se se houver fixado astreintes no curso do processo (na fase de conhecimento), em
tutela específica, dado que tem esta a mesma natureza de cautelar, deve haver, na sentença,
pronunciamento confirmando ou não a mesma.
Mesmo quando a sentença é terminativa (art. 267 do Código de Processo Civil) e
dela decorra a cessação de eficácia da medida concedida, parece não haver como desguarnecer a multa efetivada, porque já convolada em obrigação de pagar.
Em recente decisão sobre a questão, o Tribunal de Justiça acreano teve voto vencedor no sentido de que o escopo magno das astreintes é dissuadir o mau comportamento e a
insubordinação das partes, sobretudo das que têm maior poder econômico que imaginam estar acima da Justiça, cumprindo ou descumprindo as decisões judiciais de acordo com a sua
própria conveniência. E que, visando as astreintes a salvaguardar a eficácia subordinante das
decisões do Poder Judiciário e sendo imprescindíveis, pouco importa a vitória ou derrota
ao final da demanda da parte que dela se beneficiou, devendo a multa ser integralmente
paga mesmo no caso de eventual sucesso da parte que preferiu desobedecê-la (Acórdão
5.077. Diário da Justiça 3.740, de 01.07.08).
Essa inovadora decisão veio – sem falsa modéstia – em reconhecimento à tese
e posicionamento da aluna escrevente após a análise detida do instituto, conferindo força
de Justiça.
556
Revista ESMAC
maior à certeza de que as astreintes, embora fixadas em razão de uma obrigação tida por
principal na causa, com elas não guardam liame ao ponto de credenciar a interferência judicial para diminuir o valor das que efetivadas.
Bom de registrar que em tempos passados, antes mesmo desse detido estudo enunciado, e quando a aluna escrevente era juíza substituta em uma Comarca interiorana do Acre,
quando ainda não vindas as disposições dos parágrafos 5º e 6º do art. 461 do Código de
Processo Civil, que houve fixação de multa diária a uma instituição creditícia na fase de conhecimento (então processo de conhecimento), que visava alcançar obrigação de não fazer.
A multa se efetivou, e a sentença deixou de formalizar a convolação da medida
liminar. E vinda a então execução das astreintes, esse foi o ponto que levou o banco a refutar
a obrigação de satisfazê-las. O Tribunal de Justiça acreano, já naquela ocasião, decidiu pela
independência e consolidação da obrigação de pagar quantia certa, mas a questão encontrase submetida à instância superior, não se sabendo na hipótese que entendimento virá.
Ainda que se considerem as astreintes como obrigação de pagar, há, ainda, controvérsia quanto ao momento de sua exigibilidade. Partes há que requerem execução parcial e
quando em curso a fase de conhecimento do processo. E julgados há que entendem ser exigíveis as astreintes efetivadas tão-somente após o advento da sentença de mérito da causa.
Entretanto, há decisões superiores que já fizeram sedimentar que a execução em
causa pode ser imediata, e na fase de conhecimento, dispensando-se processo de execução
autônomo.
Em comentário ao art. 461 do Código de Processo Civil, de Thetônio Negrão, a
nota 8c traz disposto que a decisão impositiva da multa com eficácia liberada autoriza a
execução de seu valor mesmo que contra ela penda recurso. A nota 7c, entretanto, assinala
que, inobstante incidente a partir da data designada pelo juiz, a multa cominatória somente
poderá ser cobrada a partir da data em que a sentença transitar em julgado, ou, mesmo
pendente recurso, se for permitida a execução provisória (RT 810/315) e, também, após o
executado ter sido citado para a execução e inadimplido a obrigação (JTJ 260/314).
Guilherme Rizzo Amaral, embora condicione a execução das astreintes fixadas,
reduzidas ou alteradas no transcurso da fase de conhecimento, ou seja, à resolução da lide,
já antes da reforma do Código de Processo Civil defendeu a incidência de atualização monetária e juros de mora no valor apurado das astreintes efetivadas, em razão de sua liquidez
e certeza, para efeito de execução.511
Noutro turno, o advogado e professor Luiz O. Amaral, também antes da reforma da
execução, veio lecionar e requerer incidência das astreintes na obrigação líquida e certa de
pagar, como já institucionalizado para as obrigações de fazer e de não fazer. O autor citado
alinha-se com as lições de Pontes de Miranda, Silvio Rodrigues e Serpa Lopes, tal que equipara a obrigação de fazer à obrigação de pagar. 512
Pontes de Miranda, de fato, tem que “Dar é fazer. Fazer é todo ato positivo.”
Silvio Rodrigues ensina que a obrigação de fazer consiste na prática de um ato, até
mesmo jurídico. E que na idéia de fazer encontra-se a de dar.
Serpa Lopes afirma ser inútil a distinção entre obrigação de fazer e obrigação de
511 AMARAL, Guilherme Rizzo, “As astreintes e o processo civil brasileiro - Multa do artigo 461 do Código de
Processo Civil e outras”, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2004.
512 AMARAL, LUIZ O. Do injusto ónus processual para se executar obrigação pecuniária. Disponível em:
http://www.verbojuridico.net/doutrina/brasil/br_la02.html - 52k. Acesso em 03.04.2008.
557
dar, mas não afasta o alcance prático da diferenciação.
O apelo do advogado e professor citado acima restou recepcionado pela legislação
na medida da regra do art. 475-I, vinda através da Lei n. 11.232/05. Embora não se trate
de astreintes propriamente, mas de multa de mora legal, visa o texto normativo, além da
satisfação da obrigação, exatamente conferir efetividade às decisões judiciais e guarnecer a
credibilidade do Judiciário.513
Sobre a possibilidade de aumento ou diminuição das astreintes, os Tribunais Superiores têm se manifestado, mas sempre quando relativa a obrigação de fazer, de não fazer ou
de entrega de coisa.
A guisa de exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 763975/RS514, por sua
Terceira Turma, em julgamento do dia 13.02.2007 (DJ 19.03.2007 p. 330), como também
no REsp 705914-RN515, quanto a possibilidade de modificação da multa, teve que seu valor
pode ser alterado a qualquer tempo, contanto que nova situação a justifique. O julgado é
claro quanto a que o valor das astreintes pode ser alterado a qualquer tempo, mas quando se
modificar a situação em que fora cominada a multa. Por evidente, está o julgado a referir-se
a execução de obrigações receptíveis dessa incidência (obrigação de fazer e de não fazer).
No REsp 914389-RJ516, publicado no DJ de 10.05.2007, o Superior Tribunal de Justiça,
apesar de reservar a interpretação constitucional ao Supremo Tribunal Federal, lançou no
513 Idem – Ibidem
514 PROCESSO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ASTREINTES. ALTERAÇÃO DO VALOR. EXECUÇÃO.
COISA JULGADA. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NO STJ. SÚMULA 7. JUROS DE MORA. SÚMULA 54. O valor das astreintes pode ser
alterado a qualquer tempo, quando se modificar a situação em que foi cominada a multa (...).
515 PROCESSO CIVIL – OBRIGAÇÃO DE FAZER – ASTREINTES – ALTERAÇÃO DO VALOR – EXECUÇÃO
– COISA JULGADA – ART. 461, §6º, CPC, POSSIBILIDADE. O valor das astreintes pode ser alterado a qualquer
tempo, quando modificar a situação em que foi cominada a multa.
516 ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. NORMA
CONSTITUCIONAL. REVISÃO RESTRITA AO STF EM SEDE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 131
DO CPC. NÃO-PREQUESTIONADO. ASTREINTES. REDUÇÃO EM BUSCA DE PROPORCIONALIDADE.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Autos que versam sobre execução em face da CEF objetivando a satisfação de astreintes fixada em R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de atraso no cumprimento de ordem judicial que
determinava a recomposição das contas vinculadas ao FGTS. Acórdão do TRF 2ª Região que confirmou a redução
da multa para o valor máximo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), aos fundamentos de que: a) seu objetivo é o cumprimento do julgado e não o enriquecimento da parte autora; b) não há falar em ofensa à coisa julgada eis que a multa
foi cominada não por sentença, mas por decisão interlocutória; c) o valor da multa deve ser adequado ao da obrigação
principal, que in casu, foi de apenas R$ 11.644,00 (onze mil, seiscentos e quarenta e quatro reais), não podendo ser
executado o valor de R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil) a título de astreintes. Recurso especial em que se alega
violação dos artigos 5º, inciso XXXVI da CF/88, 131, 461, § 5°, 467 e 474, do CPC, art. 6º, caput e § 3º, da LICC e
884 do CC/2002, afirmando-se, em síntese: a) a causa do enriquecimento do recorrente “decorre de decisão judicial
cominando multa atribuída por uma razão justa, derivada de um título legítimo, por um motivo lícito, com objetivo
de coagir o devedor a cumprir obrigação específica”; b) “no caso concreto, a decisão interlocutória de natureza terminativa, cominando multa, fez coisa julgada”. Pugna pela execução da multa diária no valor fixado inicialmente.
2. A interpretação da norma constitucional é reservada, unicamente, ao egrégio Supremo Tribunal Federal, em sede
de recurso extraordinário, consoante delimitação de competência atribuída pela Carta Magna (art. 102, III). 3. Com
relação à tese de negativa de vigência do art. 131, do CPC, não se vislumbra no aresto guerreado pronunciamento a
respeito da matéria inserta nesse dispositivo legal, ressentindo-se o recurso do necessário prequestionamento nesse
ponto. Incidência, portanto, da Súmula 282 do STF. 4. Este Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou quanto
à possibilidade de ser reduzido o valor de multa diária em razão de descumprimento de decisão judicial quando
aquela se mostrar exorbitante. 5. Precedentes: REsp 836.349/MG, de minha relatoria, 1ª Turma, DJ 09.11.2006; REsp
422966/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, DJ 01.03.2004; REsp 775.233/RS, Rel. Min. Luiz
Fux, 1ª Turma, DJ 01.08.2006; 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não-provido
558
Revista ESMAC
dispositivo do acórdão que é possível a redução do valor da multa diária em razão de descumprimento de decisão judicial quando aquela se mostrar exorbitante. Esse julgado disse
respeito a um caso idêntico, em que houve redução do valor de astreintes efetivadas. Porém,
a possibilidade redutora, como citada no acórdão, encontra ressonância em anteriores julgados da mesma Corte, adiante conferidos.
No REsp 422966/SP517, a questão versava da possibilidade de aplicação de astreintes na fase de execução de sentença. Especificamente, quanto a título extrajudicial (contrato
de seguro e acerca de cláusula penal). Fez sumarizar o Superior Tribunal de Justiça que
cabíveis apenas as astreintes nas obrigações de fazer ou de não fazer. O Superior Tribunal
de Justiça bem esclareceu a linha diferencial das astreintes em relação a cláusula penal,
determinando a limitação da multa decendial compensatória e tão-somente porque o título
exeqüendo não mencionou o período de incidência.
No REsp 775233/RS518, citado como precedente no REsp 914389/RJ, a questão,
igualmente, referiu-se à cominação de multa diária em obrigação de fazer. O Superior Tribunal de Justiça, convém dizer, no item 2 do dispositivo, fez anotar que“a função das astreintes
é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação e incide a partir da ciência
do obrigado e de sua recalcitrância”.
No item 4 seguinte do julgado, a Corte Superior fez consolidar a possibilidade de
aplicação das astreintes na fase de execução, mas de obrigação que comporte, no caso, um
517 CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CLÁUSULA PENAL E ASTREINTES. DISTINÇÃO. ART. 920, CC/1916.
APLICAÇÃO NA EXECUÇÃO DE SENTENÇA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ENRIQUECIMENTO
SEM CAUSA. RECURSO DESACOLHIDO. I - Na linha da jurisprudência desta Corte, não se confunde a cláusula
penal, instituto de direito material vinculado a um negócio jurídico, em que há acordo de vontades, com as astreintes,
instrumento de direito processual, somente cabíveis na execução, que visa a compelir o devedor ao cumprimento de
uma obrigação de fazer ou não fazer e que não correspondem a qualquer indenização por inadimplemento. II - A
regra da vedação do enriquecimento sem causa permite a aplicação do art. 920, CC/1916, nos embargos à execução
de sentença transitada em julgado, para limitar a multa decendial ao montante da obrigação principal, sobretudo se
o título exeqüendo não mencionou o período de incidência da multa. III - Sendo o processo “instrumento ético de
efetivação das garantias constitucionais” e instrumento de que se utiliza o Estado para fazer a entrega da prestação
jurisdicional, não se pode utilizá-lo com fins de obter-se pretensão manifestamente abusiva, a enriquecer indevidamente o postulante
518 PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A NECESSITADO. OBRIGAÇÃO DE FAZER DO ESTADO. INADIMPLEMENTO. COMINAÇÃO
DE MULTA DIÁRIA. ASTREINTES. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. VALOR DESPROPORCIONAL. 1. Ação ordinária c/c pedido de tutela antecipada ajuizada em face
do Estado objetivando o fornecimento do medicamento Miflasona 400 Spray e Zetron 150 mg, indicado para paciente portador de doença de Chagas e doença pulmonar obstrutiva. 2. A função das astreintes é vencer a obstinação
do devedor ao cumprimento da obrigação e incide a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância. 3. In casu,
consoante se infere dos autos, trata-se obrigação de fazer, consubstanciada no fornecimento de medicamento ao
paciente que em virtude de doença necessita de medicação especial para sobreviver, cuja imposição das astreintes
objetiva assegurar o cumprimento da decisão judicial e conseqüentemente resguardar o direito à saúde. 4.“Consoante
entendimento consolidado nesteTribunal, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juízo da execução, de
ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda
Pública.” (AGRGRESP 189.108/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 02.04.2001). 5. Precedentes jurisprudenciais do STJ: REsp 775.567/RS, Relator Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 17.10.2005; REsp 770.524/RS, Relatora Min. ELIANA CALMON, DJ 24.10.2005; REsp 770.951/RS, Relator Min. CASTRO MEIRA, DJ 03.10.2005;
REsp 699.495/RS, Relator Min. LUIZ FUX, DJ 05.09.2005. 6. À luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana,
valor erigido com um dos fundamentos da República, impõe-se a concessão dos medicamentos como instrumento de
efetividade da regra constitucional que consagra o direito à saúde. 7. In casu, a decisão ora hostilizada pelo recorrente
ratifica multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) que, além de comprometer as finanças do Estado do Rio Grande
do Sul, revela-se exorbitante. 8. Recurso especial parcialmente provido.
559
fazer. Dizendo da regra de proporcionalidade, a Corte, confrontando o princípio da dignidade da pessoa humana (item 6) com o comprometimento das finanças do Estado do Rio
Grande do Sul (item 7), recomendou ponderação desses interesses para efeito de fixação da
multa diária, outrora fixada em R$5.000,00.
Como se percebe sem esforço, a decisão esteve a referir-se a multa diária fixada,
não ao montante efetivado e exigível, tanto que no mesmo dispositivo determinou cálculo
das astreintes efetivadas.
No terceiro dos repertórios mencionados no Acórdão 914389/RJ, qual o REsp
836349/MG519, já no primeiro item do dispositivo do julgado confere-se que as questões ventiladas guardam perfeita sintonia com a questão enfocada. O Superior Tribunal de Justiça,
nos itens seqüenciais, mencionando o firme posicionamento nesse sentido, trouxe lição no
sentido de que se da sentença decorre obrigação de pagar quantia, o seu cumprimento não
pode se dar sob o regime do art. 461 do Código de Processo Civil.
Para ser mais explícito, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, decorrendo a
sentença de obrigação de fazer, consectário lógico é a aplicação do dispositivo mencionado e
a possibilidade de imposição de multa diária como meio de compelir o devedor recalcitrante
ao cumprimento da obrigação que lhe foi imposta.
E foi nesse contexto que consagrou caber ao Juízo de Primeiro Grau “precisar a
quantidade de dias em que incorreu em mora a recorrida, além do quantum devido a título de
astreintes”.
Ora, não parece ser outro o entendimento que não referente esse chamamento à
liquidação tangente às astreintes efetivadas.
Há menção complementar quanto a que o juiz jamais deve perder de vista a regra
da proporcionalidade estampada no §6º, do art. 461 do Código de Processo Civil. Nesse contexto, convém relembrar que essa proporcionalidade é consentânea e estritamente relativa à
fixação ou modificação das astreintes, tanto na fase de conhecimento quanto na fase de exigibilidade, por força da própria regra do art. 461 quanto do art. 475-I, ambos do Código de
Processo Civil. Contanto, naturalmente, que relativas a obrigação de fazer ou de não fazer.
519 PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FGTS. CORREÇÃO MONETÁRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REGIME DO ART. 461 DO CPC. INADIMPLEMENTO. MULTA DIÁRIA. ASTREINTES. AUTORIZAÇÃO
DO § 4° DO ART. 461 DO CPC. PRECEDENTES DA 1ª TURMA. 1. Historiam os autos que os ora recorrentes
ajuizaram ação de execução visando a satisfação de multa fixada em razão do atraso no cumprimento de ordem judicial que determinava a recomposição das contas vinculadas do FGTS. Acórdão que entendeu incabível a fixação de
astreintes em razão do atraso no cumprimento da obrigação de creditar dinheiro em conta vinculada do FGTS, porque
incompatível com o objeto de obrigação de dar dinheiro, cuja única sanção
legalmente prevista é o pagamento de juros moratórios. Recurso especial no qual se alega violação dos arts. 461, §§
4° e 6°, e 645, paragrafo único, todos do CPC. Argumenta-se que inexiste autorização legal para supressão da astreinte, mas tão-somente para a sua modificação. Suscita-se dissídio jurisprudencial com julgado advindo do TRF/2ª
Região que considerou cabível a imposição de multa diária, nos termos do art. 461, § 4°, do CPC, em razão da demora
da CEF no cumprimento da obrigação de creditar nas contas do FGTS as diferenças apuradas nos meses de janeiro/89
e abril/90. 2. A jurisprudência da 1ª Turma deste Sodalício firmou posicionamento no sentido de que“decorrendo da
sentença, não a obrigação de pagar quantia, mas sim a de efetuar crédito em conta
vinculada do FGTS, o seu cumprimento se dá sob o regime do art. 461 do CPC” (REsp n° 789.287/RJ, Rel. Min.
Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJ de 03/04/2006). Consectário lógico da adoção dessa premissa é a possibilidade
da imposição de multa diária (art. 461, § 5°, do CPC) como meio de compelir o devedor recalcitrante ao cumprimento
da obrigação que lhe foi imposta. 3. Caberá ao juízo de primeiro grau precisar a quantidade de dias em que incorreu
em mora a recorrida, além do quantum devido a título de astreintes, jamais perdendo de vista a regra de proporcionalidade estampada no § 6° do art. 461 do CPC. 4. Recurso especial provido.
560
Revista ESMAC
Até porque astreintes efetivadas não são obrigação de fazer ou de não fazer, mas
de pagar. Se alcançada a decisão que as fixou ou modificou pela preclusão, ou pela coisa
julgada, há impedimento legal de reapreciação do valor efetivado.
Ora, parece evidente que o entendimento superior diz respeito ou à fase de conhecimento
ou à fase de exigibilidade de julgado tangente a obrigação de fazer ou de não fazer. De considerar que inexiste previsão legal de incidência de multa diária em título judicial, salvo a
que prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil.
Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que parece não comportar
interpretação contrária.
Todos os magistrados que entendem que a possibilidade tem elastecimento na fase
de exigibilidade e no que tangente às astreintes já efetivadas, até citam equivocadamente esses e outros julgados superiores. Olvidam eles, entretanto, a natureza de um título de crédito,
para o qual jamais nenhuma Corte Superior viria lecionar redução de ofício do valor, uma
vez que isso configuraria invasão vedada na esfera da privacidade das partes envolvidas na
relação obrigacional.
Embora pareça desnecessário, não é demais consignar que esse é o mesmo entendimento da Primeira Turma da Corte Superior, exteriorizado no REsp 938605/CE (DJ
08.10.2007 p. 234). Também no REsp 438003/RS, da Segunda Turma, (DJ 18.08.06 p. 363),
no qual resta exteriorizado que as astreintes efetivadas são obrigação de pagar quantia certa.
Também que incabível a cominação de astreintes nesse tipo de obrigação.520
O Superior Tribunal de Justiça, quanto a aplicabilidade do art. 461 do Código de
Processo Civil, nos REsp 663774-PR521 e 776922-SP522, fez sumarizar que a cominação de
astreintes está atrelada às obrigações de fazer e de não fazer. Ou seja, fez consolidar que
nesse marco assenta-se a faculdade conferida ao juiz para fixar ou modificar o valor ou a
periodicidade da multa, inclusive de ofício, mas desde que verifique que ela se tornara insuficiente ou excessiva.
Também é do Superior Tribunal de Justiça jurisprudência firme no sentido de que
não pode o juiz decidir novamente as questões já decididas, isso referindo-se ao modo de
520 (...) 2. Consoante a jurisprudência do STJ, na hipótese de obrigação de pagar quantia certa, predomina o entendimento de que “a multa é meio executivo de coação, não aplicável a obrigações de pagar quantia, que atua sobre a
vontade do demandado a fim de compeli-lo a satisfazer, ele próprio, a obrigação decorrente da decisão judicial. (...)
Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100 da CF)” (REsp
n. 784.188/RS, relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 14.11.2005).
521 PROCESSO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EXECUÇÃO DO ART. 461 DO CPC. MULTA DIÁRIA
(ASTREINTES) MOMENTO DE INCIDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. SÚMULAS 282 E 356/STF. Na tutela das obrigações de fazer e de não fazer do art. 461 do CPC, concedeu-se
ao juiz a faculdade de exarar decisões de eficácia auto-executiva, caracterizadas por um procedimento híbrido no
qual o juiz, prescindindo da instauração do processo de execução e formação de nova relação jurídico-processual,
exercita, em processo único, as funções cognitiva e executiva, dizendo o direito e satisfazendo o autor no plano dos
fatos (...).
522 PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – ART. 461 DO CPC – ASTREINTES: SUSPENSÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ
– POSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE DECISÃO ULTRA PETITA – NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO – OFENSA AO ART. 128 DO CPC. 1. O art. 461 do CPC prevê a cominação de multa para cumprimento da
obrigação de fazer e não fazer, podendo ser fixada de ofício ou a requerimento da parte. 2. O juiz, também de ofício
ou a requerimento da parte, conforme autorizado pelo §6º do mesmo dispositivo legal, está autorizado a modificar o
valor ou a periodicidade da multa, caso verifique se se tornou insuficiente ou excessiva. (...)
561
liquidação de título judicial, com aplicação no caso das astreintes efetivadas.523
Nesse mesmo norte, mas também fazendo acrescentar que o art. 461 do Código de
Processo Civil só tem aplicação em obrigação de fazer ou de não fazer, é o Acórdão no REsp
521184.524
O Tribunal de Justiça do Paraná, nos autos do Processo n. 0328399-6, AI, originário da 8ª Vara Cível de Curitiba, perfilhou decisório no sentido de que impossível reduzir
de ofício multa cominatória em fase de execução.525
OTribunal paranaense deixou claro no voto do acórdão mencionado que se tratava
de execução de título judicial por quantia certa, e não de execução para cumprimento de
obrigação de fazer ou de não fazer. Aduziu que a multa nasceu no processo de conhecimento
e que não era o caso de buscar moderação e razoabilidade, uma vez que o elevado valor
efetivado teve causa no franco descaso do devedor.
Fez registrar, em resumo, no julgado, que o magistrado não poderia ter reduzido de
ofício o valor executivo, líquido e certo, porque ofendeu a coisa julgada material no âmbito
da tutela antecipada em processo de conhecimento, e também porque não há limite de teto
para o valor acumulado da multa.
A questão, embora não pareça suscitar dúvida, tem propiciado incursões diversas.
Alguns juízes, mesmo resolvendo a lide julgando-lhe o mérito em favor do credor
de obrigação de fazer ou não fazer ou de entrega de coisa, na fase executiva da sentença,
mesmo quando já trânsita em julgado a decisão, têm diminuído o montante apurado das
astreintes efetivadas. Isso sob o fundamento da norma do art. 461 do Código de Processo
Civil.
No Estado do Acre, embora a maioria tenha aderido à posição defendida, a cada dia
engrossando a fileira nesse particular, ainda é díspare a posição dos juízes das três Varas dos
Juizados Especiais Cíveis em relação a questão.
No Primeiro Juizado, houve um tempo em que a multa efetivada e calculada era
reduzida para montante entendido pelo juízo como razoável. Isso quando o montante atingia
valor que o juiz taxava de “patamar excessivo”. Enfim, havia fixação do valor, desprezandose o montante efetivamente incidentário da multa.
Posteriormente, sob novo entendimento, sobretudo em razão das novas regras do
Código de Processo Civil, o montante efetivado e calculado passou a ter acolhida na íntegra
sob o fundamento de que convertida em obrigação de pagar e desatrelada da obrigação principal (de fazer ou de não fazer).
523 II – O Tribunal de origem considerou, quanto à forma de liquidação da sentença exeqüenda, que não se pode
decidir novamente as questões já decididas (art. 471, do CPC) e que é defeso à parte discutir questões já decididas,
para as quais já se operou a preclusão (art. 473, do CPC). REsp 706799 – Primeira Turma – DJ 06.03.2006, p. 198
do Superior Tribunal de Justiça.
524 PROCESSUAL – PRECLUSÃO – COMINAÇÃO – DESOBEDIÊNCIA – MULTA – COBRANÇA – REFORMATIO IN PEJUS. I – Só é lícito ao tribunal conhecer de ofício, antes de proferida a sentença de mérito, as questões
a que se refere o CPC, nos incisos IV, V e VI do art. 267. Fora disso opera-se preclusão, tanto mais quando há perigo
de reformatio in pejus. II – O art. 461 do CPC não impede a imposição de multa diária para o cumprimento de obrigação fungível. III – Não é fungível a obrigação de abster-se na prática de determinado ato. Não se concebe que
alguém se abstenha em lugar de outra pessoa, (...)
525 AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. MULTA COMINATÓRIA. DESÍDIA DO DEVEDOR.
REDUÇÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA MATERIAL. AUSÊNCIA DE TETO PARA
AS ASTREINTES. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO ENTRE PRINCIPAL E ACESSÓRIO. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.
562
Revista ESMAC
Houve multas que alcançaram patamares superiores a R$30.000,00, e até
R$170.000,00, sendo de anotar que em algumas oportunidades a parte devedora insurgiu-se
com a decisão recorrendo à instância superior das Turmas Recursais.
Houve um momento, particularizando a Segunda Turma Recursal, que o entendimento era de que o valor fixado a título de astreintes não deveria ser reduzido (Acórdão
n. 2.007, MS n. 2007.900001-7).526 Do voto do relator, colhe-se que andou ele na mesma
direção do Superior Tribunal de Justiça, qual seja, da possibilidade de modificação caso se
verifique que as astreintes se tornaram insuficientes ou excessivas, mas na hipótese de obrigação de fazer ou de não fazer.
ATurma, unanimemente, reconheceu que o impetrante tinha direito líquido e certo
a executar o devedor pela quantia integral das astreintes efetivadas, sem qualquer redução.
Assim, determinou que a execução tivesse prosseguimento pelo valor de R$78.000,00, exatamente no correspondente ao resultado obtido do cálculo aritmético (produto) entre o valor
fixado de multa diária e os dias em que ela se efetivou (até o dia de cumprimento da obrigação de fazer ou da transformação da obrigação em perdas e danos).
A mesma Segunda Turma Recursal, nos termos do Acórdão n. 2.146, em recurso inominado de uma sentença da Primeira Vara do Juizado Especial Cível, consolidando
posição anterior, teve que impossibilitado modificar astreintes no curso do processo sem
motivação.527
No caso, o magistrado singular, no curso do processo, diminuiu o valor da multa
diária fixada anteriormente, quando a desídia do destinatário da ordem era imperante. Ou
seja, sem qualquer motivo para a redução. E, além, tornando sem efeito duas decisões anteriores que haviam majorado o valor diário das astreintes, fez retroagir a decisão pautada.
A Segunda Turma Recursal, no julgado enfocado, lançou no voto que as astreintes
devem cumprir função punitiva pelo descumprimento de ordem judicial e que seu valor não
se limita ao da condenação. Fez convalidar as decisões revogadas e estatuiu que a multa se
efetiva e é devida de exigibilidade até o cumprimento da obrigação de fazer.
Enfim, teve a Segunda Turma Recursal, à unanimidade, que a multa diária em valor
elevado era proporcional à desídia da devedora. E que impunha o resguardo à segurança
jurídica das decisões judiciais, em face do que nula e ineficaz restou declarada a decisão do
juiz singular.
O mesmo magistrado, entretanto, sob o escudo do §6º do art. 461 do Código de
Processo Civil, deu mostras de não acolher a decisão do Acórdão 2.146. Na fase de exigibi526 MANDADO DE SEGURANÇA – ASTREINTES – DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL – MANUTENÇÃO DO VALOR – SEGURANÇA DEFERIDA. 1. Aquele que sem qualquer motivo justificável descumpre
ordem judicial, mesmo informado que tal comportamento importaria no pagamento de astreinte, deve por ele se
responsabilizar. 2. Objetivando conferir respeitabilidade às decisões judiciais, o valor fixado a título de astreinte não
deve ser reduzido, mormente tratando-se de litigante habitual, a fim de desestimular condutas omissivas. 3. Segurança
deferida.
527 DANO MORAL – QUANTUM – MAJORAÇÃO – DESCUMPRIMENTO DE LIMINAR JUDICIAL – ASTREINTES – MODIFICAÇÃO NO DECORRER DO PROCESSO – VEDAÇÃO À ALTERAÇÃO IMOTIVADA –
SEGURANÇA JURÍDICA DAS DECISÕES JUDICIAIS – CONVALIDAÇÃO DE DECISÃO DE JUIZ TOGADO
– RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 4. Tal medida se justifica, não somente porque
a majoração da quantia ali fixada mostra-se razoável e proporcional à desídia da Empresa recorrida, mas, principalmente, para que se resguarde a segurança jurídica das decisões judiciais já decididas. Não se está a negar a prerrogativa concedida ao Juiz de Direito de poder, a qualquer tempo, rever e modificar o valor da multa quando esta se
mostrar exorbitante ou ínfima, podendo fazê-lo a partir do momento em que é investido nos autos, desde que ocorra
fato novo que leve à necessidade de redução, o que, frise-se, não ocorreu na presente demanda (...).
563
lidade (cumprimento do julgado) reduziu de ofício a multa efetivada e calculada em mais de
R$100.000,00 para apenas R$1.000,00, extinguindo de pronto o processo.
Em novo recurso inominado, após alguns incidentes processuais, a Primeira
Turma Recursal, no Acórdão 3.801, julgando embargos de declaração no Recurso Cível
n. 2008.900073-5, deu a eles efeito infringente e fez sumarizar a nulidade da sentença que
extinguiu o processo de execução, determinando o prosseguimento daquela nos termos do
Acórdão 2.146 da Segunda Turma Recursal.528
O juiz da Segunda Vara do Juizado Especial Cível da Comarca de Rio Branco ora
defere a executividade da multa total, mesmo quando o montante resulte elevado, reconhecendo ser ela obrigação de pagar quantia certa (Processo n. 070.06.012415-6, p. 344), ora
manda calcular a multa diária e requer a conclusão dos autos para exame e decisão quanto a
fixação da multa diária (Processo n. 070.07.020989-8, p.63). E ora reduz-lhe o valor, sob o
argumento de que o arbitramento judicial da multa judiciária deve resultar invariavelmente
do sentir subjetivo e objetivo do magistrado, e não da resolução automática de uma operação
matemática que torne o juiz da causa refém de números (Processo n. 070.07.008519-6, p.
60).
Caso recente que deve ser trazido a cotejo desenvolveu-se nos autos do Processo n.
070.05.016990-4 em que a multa efetivada e calculada alcançou em 17.12.2007 o montante
de R$173.000,00.
À solicitação de cumprimento de um julgado superior, que “cassou” a sentença
monocrática que teve por cumprida a obrigação de fazer529, o juízo singular deferiu a execução solicitada, vindo a devedora interpor mandado de segurança de referida decisão sob o
argumento de que o valor exeqüendo postava-se abusivo.
Apesar de o cálculo expressar o comando do Acórdão, o mandado de segurança
teve acolhida unânime e o montante da multa restou modificado para R$8.650,00, conforme
voto do relator.
No caso, a sentença de conhecimento, acolhendo o pedido de apresentação de documentação que deu azo ao ilícito objeto da reclamatória, e consignando prazo para satisfação da obrigação de fazer, fixou multa diária de R$1.000,00, também considerando a
inocuidade da que fixada anteriormente em liminar, tanto da que majorada posteriormente.
528 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – COISA JULGADA – APARENTE COLISÃO – EXECUÇÃO – SENTENÇA DE EXTINÇÃO – QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA – NULIDADE. 1) Inexiste colidência de coisas
julgadas entre os acórdãos 3.462 e 2.146, ambos transitados em julgado, posto que o primeiro deixou de apreciar,
embora pedido pela parte, a matéria sobre as astreintes, a qual foi analisada pelo segundo. 2) A sentença da execução,
além debasear-se em acórdão que não havia analisado a matéria, desprezouentendimentodeórgãohierarquicamente
superior, bem como as normas procedimentais aplicáveis à espécie, além de declarar a extinção de referida execução
sem que houvesse ocorrido a satisfação da obrigação, razão pela qual deve ser considerada nula. 3) Sendo a nulidade
questão de ordem pública, deve ser conferido efeito modificativo e infringente aos embargos para prosseguir-se a execução na forma como determinada no Acórdão nº. 2.146. 4) Embargos conhecidos e parcialmente providos. Vistos,
relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração n° 2008.90073-5, da Comarca de Rio Branco, ACORDAM os membros da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, por unanimidade, ante
a reforma do voto do relator originário, o qual acompanhou o voto vista, apreciando questão de ordem pública nos
embargos de declaração, os acolheu e deu-lhes efeito modificativo e infringente, declarando a nulidade da sentença
que extinguiu o processo de execução, e determinando o prosseguimento daquela, nos termos do acórdão n.º 2.146
da 2ª Turma Recursal, consoante o voto vista da relatora designada.
529 Acórdão no Recurso Cível n. 2007.900656-9, p. 123 – Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis
e Criminais do Estado do Acre.
564
Revista ESMAC
Transitada em julgado, vindo pedido de cumprimento da referida sentença, o demandado vencido foi notificado. E ante a apresentação dos documentos no prazo assinalado,
houve sentença reconhecendo o cumprimento da obrigação, extinguindo o processo. Em Recurso Inominado dessa sentença, o Acórdão da Primeira Turma Recursal naquela oportunidade, cassando-a, teve por deferir a pretensão executória da multa diária ao reconhecimento
de que não cumprida a obrigação de fazer.
Nos termos do Acórdão do Recurso Cível n. 2007.900656-9, veio novo pedido
executivo das astreintes. Da decisão deferitória, após liquidação por cálculo aritmético nos
termosdadecisãosuperior, a parte executada interpôs mandadodesegurança,oqualrecebeu
inexplicável decisão unânime de redução (de R$173.000,00 para R$8.650,00).
O argumento do relator, cujo voto serviu de fundamento ao julgado, teve que a
decisão que deferiu a execução da multa diária no montante de R$173.000,00 estava apoiada
em frágeis e insubsistentes premissas. A contraposição fundante do julgado teve que o valor
não era razoável nem proporcional. Era excessivo e absurdo, e que podia ser modificado e
reduzido na presente fase.
O relator comparou o montante com o poder de compra de bens pelo salário mínimo, e argüiu a regra do art. 461, §6º do Código de Processo Civil e do Enunciado 25 do
Fórum Nacional dos Juizados Especiais.530
O magistrado relator voltou a fazer ressaltar que a fixação por arbitramento judicial
da multa diária deve resultar invariavelmente do sentir subjetivo e objetivo do magistrado e
não da resolução automática de uma operação matemática que torne o juiz da causa refém
de números. De registrar que o arbitramento judicial mencionado certamente não guarda
correlação com a forma de liquidação tratada no Capítulo IX do Código de Processo Civil,
vinda com a Lei nº 11.232/05.
Fez sumarizar que não há falar em trânsito em julgado do acórdão anterior que cassou a sentença reconhecedora do cumprimento da obrigação de fazer, deferindo a execução
das astreintes. E que, a qualquer tempo, por autorização expressa do art. 461, §6º do Código
de Processo Civil, pode ser modificado o valor efetivado, já que “a multa fixada a título de
astreinte não transita em julgado”.
Assim foi que, pelo que considerou justo e equânime, arbitrou em R$8.650,00 o
montante da multa que deveria ter exigibilidade certa. A parte recorreu da decisão e atualmente ainda não se sabe de decisão posterior e superior quanto a questão.
A Terceira Vara dos Juizados Especiais Cíveis da Comarca de Rio Branco tem decidido em linha semelhante a do Segundo Juizado. A guisa de exemplo, consigne-se que, sob os
auspícios da proporcionalidade e razoabilidade, nos autos da reclamação n. 070.05.0206559, fez reduzir astreintes efetivadas no valor de R$78.000,00 para R$30.000,00. A Segunda
Turma Recursal, entretanto, reformou essa decisão fazendo restabelecer o patamar original
(Acórdão 2.007-MS nº 2007.900001-7).
Na mesma linha, nos autos da reclamatória n. 070.06.023419-9, a magistrada reduziu igualmente um valor calculado de aproximados R$18.000,00, para R$9.000,00. Mas,
julgando mandado de segurança interposto dessa decisão, a SegundaTurma Recursal, através
530 (...) O montante da multa diária de R$173.000,00, apenas para descortinar o seu caráter excessivo, daria para
pagar mais de 455 trabalhadores com 01 SALÁRIO MÍNIMO ou, por outra, comprar à vista 02 AUTOMÓVEIS
CITROEN C-4 PALLAS e sobrar dinheiro; ou 01 TOYOTA LAND CRUISER PRADO AUT (mais R$1.978,00); 01
TOYOTA/SRW4/SRV/A/T (e sobrar dinheiro), contudo, salta à vista e grita à consciência que o referido montante
representa 34.600 vezes o valor atribuído à causa (R$5,00) pelo litisconsorte (...).
565
do Acórdão n. 2.460531, na mesma linha da decisão anterior, teve ser defeso ao juiz reduzir
valor de multa efetivada.
Volte-se a anotar que não se questiona a possibilidade dessa modificação no que
tange a obrigação causa de pedir em si mesma. Porém, no que tange à multa efetivada, por já
consubstanciada dívida de valor, a aplicação do art. 461 parece infringir o devido processo.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com muita propriedade, pronunciouse no sentido de que as astreintes são dívidas por quantia certa, independentes em relação à
obrigação principal, para elas não havendo limites de valor.532
Nesse mesmo sentido é a recente decisão do Tribunal de Justiça acreano no julgamento do Agravo de Instrumento n. 2008.001029, de Rio Branco – Acórdão n. 5.077, por
voto vencedor da Revisora533.
O Tribunal acreano asseverou que não se pode admitir o exercício arbitrário das
próprias razões do magistrado na hipótese. Ou seja, que qualquer redução das astreintes no
531 MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – ASTREINTES – REDUÇÃO DA MULTA
– IMPOSSIBILIDADE –SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Conheço do mandamus, por não haver outro meio cabível
para recorrer da decisão judicial, no âmbito dos juizados, quando a parte entende-se prejudicada, por ato ilegal. 2. É
cediço que ao magistrado é facultado modificar o valor ou a periodicidade da multa, se verificar que esta se tornou insuficiente ou excessiva, conforme disposto no art. 461, §6º do Código de Processo Civil, desde que em ação que tenha
por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. 3. A teor do artigo 475-g, é defeso modificar a sentença
que a julgou, sendo pois inconcebível reduzir valor de multa em sentença, o que é cabível somente com relação ao
período restável a execução, não podendo retroagir para reduzir valor já concebido. 4. Segurança concedida. (...)
532“A obrigação de fazer ou não fazer fixada em compromisso de ajustamento, caso não adimplida, enseja execução
específica, sem prejuízo da multa estabelecida no título, que pode ser cobrada pela via da execução por quantia certa.
Não há limite para a fixação da multa, e sua fixação deve ser em valor elevado, para que iniba o devedor com intenção
de descumprir a obrigação. O objetivo das ‘astreintes’ é compelir o devedor a cumprir a obrigação e sensibilizá-lo
de que vale mais a pena cumprir a obrigação do que pagar a pena pecuniária. Nesse sentido, a ilimitação da multa
nada tem a ver com enriquecimento ilícito do credor, porque não é contraprestação de obrigação, nem de caráter
reparatório”.
533 VV. PROCESSUAL CIVIL: ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DETERMINANDO A EXCLUSÃO DO NOME
DE CLIENTE DOS CADASTROS DE RESTRIÇÃO DE CRÉDITO; FIXAÇÃO DE ASTREINTES, PARA O
CASO DE DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL; EXECUÇÃO DA MULTA. 1.- As astreintes não têm
qualquer relação com o objeto litigioso do processo, isto é, com o bem da vida pleiteado na demanda, representando,
apenas e tão-somente, uma sanção processual, também de caráter dissuasório, com a finalidade precípua de evitar ou
prevenir qualquer resistência ilegal das partes, eventualmente oposta ao exercício da função jurisdicional. 2.- Em outras palavras, o seu escopo magno é dissuadir o mau comportamento e a insubordinação das partes, sobretudo das que
têm maior poder econômico, que imaginam estar acima da Justiça, cumprindo ou descumprindo as decisões judiciais,
de acordo com a sua própria conveniência. 3.- Portanto, as astreintes visam salvaguardar a eficácia subordinante das
decisões do Poder Judiciário, sendo imprescindíveis nas obrigações de fazer ou não fazer, pouco importando a vitória
ou derrota, ao final da demanda, da parte que delas se beneficiou. 4.- Logo, se a decisão judicial for descumprida, a
multa deve ser integralmente paga, e em razão do próprio descumprimento, mesmo no caso de eventual sucesso da
parte que preferiu desobedecê-la, por sua própria conta e risco, do que usar os meios próprios para impugná-la. 5.- Se
a parte não está satisfeita com a decisão que concede antecipação de tutela ou, ainda, que estabelece uma obrigação
de fazer ou não-fazer, cominando pena de multa para o caso de descumprimento, que interponha o recurso adequado,
e o Tribunal, reexaminando a matéria, poderá cassar a decisão de Primeiro Grau, liberando das astreintes a parte
prejudicada. 6.- Mas não se pode admitir o exercício arbitrário das próprias razões, que é um vilipêndio não apenas
à dignidade da Justiça, mas ao direito das partes, não apenas deste processo, mas de todas as demandas judiciais, que
precisam ter a certeza de que as decisões proferidas a seu favor serão cumpridas pela parte contrária e, sobretudo, de
que deverão cumprir, sob as penas da lei, as que forem contra si proferidas. 7.- Qualquer redução das astreintes, no
momento da sua execução, implica em violação ao princípio da segurança jurídica, que confere aos jurisdicionados
o direito subjetivo público de exigir do Estado a preservação da autoridade das decisões dos seus tribunais, além de
representar uma capitis diminutio à própria força das decisões judiciais, pois seria muito mais cômodo não cumprilas, confiando a parte na impunidade ou, ainda, na eventualidade de um recurso favorável.
566
Revista ESMAC
momento de sua execução afeta a dignidade da justiça. A Corte fez esclarecer que as astreintes não têm qualquer relação com o objeto litigioso do processo, representando apenas uma
sanção processual.
No caso, a multa efetivada alcançou o montante de R$365.000,00, e o relator teve
que ela era exorbitante e desproporcional pelo simples fato de a parte obrigada não ter retirado a negativação do credor, determinada pelo Juízo.
Marta Helena Baptista da Silva Jung anota que o caráter acessório das astreintes
está relacionado com a tutela do bem jurídico que se busca preservar no curso do processo. E
que, deferido o pedido em tutela antecipada, a qualquer tempo, seja através de decisão interlocutória, sentença ou acórdão, é fundamental que na fase executória a obrigação se cumpra.
E mais. Que o resultado do processo que der origem à imposição da multa desimporta para
efeito de exigibilidade da multa efetivada.534
Teori Albino Zavascki, com muita propriedade, ensina que o título executivo, mesmo se consubstanciado em decisão interlocutória, define norma jurídica individualizada,
cujo fato gerador é superveniente à relação processual e, por isso mesmo, dá origem a obrigação autônoma e independente da que constitui objeto do processo.535
Registre-se que o Tribunal de Justiça acreano, como já dito linhas atrás, não vincula as astreintes efetivadas e a conseqüente exigibilidade delas ao resultado do processo.
Tem que não importa a vitória ou derrota do credor nem do devedor.
Quanto ao momento da exigibilidade, após a Reforma do Código de Processo Civil,
parece não haver dúvida de que pode se dar no corpo do próprio processo de conhecimento
na medida do quantum efetivado.
Nos Juizados Especiais Cíveis, conforme Enunciado n. 120, “A multa derivada
de descumprimento de antecipação de tutela é passível de execução mesmo antes do
trânsito em julgado da sentença”.
Não parece haver qualquer objeção quanto a execução das astreintes efetivadas
antes mesmo da sentença, em razão de que o cumprimento da sentença – ou de qualquer
decisão interlocutória – tem lugar, na atualidade, dentro dos mesmos autos. É como sumarizado no art. 475-I e seguintes, em particular do que extraído do §5º do art. 475-J, ambos do
Código de Processo Civil.
A lição do Ministro Teori Zavasck é de que o título executivo que autoriza a cobrança da multa é autônomo e independente em relação ao que sustenta a execução da obrigação de fazer ou não fazer. E admite a execução antes mesmo da sentença de mérito, execução esta que será definitiva ou provisória dependendo de estar ou não a decisão que fixa as
‘astreintes’ submetida a recurso.536
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua 14ª Câmara Cível, no Agravo
de Instrumento n. 70005680657, que teve por Relator o Desembargador Aymoré Roque
Pottes de Mello, ementou que “As astreintes são auto-executáveis nos próprios autos da
demanda em que cominadas (...)”.
Ante tantas decisões balizadas não é difícil constatar que a seriedade do sistema
534 JUNG, Maria Helena Baptista da Silva, Astreintes – Eficácia e Efetividade – Disponível em: <www.baptistadasilva.com.br/artigos007> Acesso em: 04 abr. 08.
535 Teori Albino Zavasck apud JUNG, Maria Helena Baptista da Silva, Astreintes – Eficácia e Efetividade – Disponível em: <www.baptistadasilva.com.br/artigos007> Acesso: em 04 abr. 08
536 Idem – Ibidem.
567
jurídico brasileiro e a dignidade da justiça exigem integridade, sendo, afinal, nesse propósito
a previsão legal das astreintes. Se o juiz descumpre norma legal tangente à matéria, parece
comprometer a justiça.
Volte-se a lembrar que o Tribunal de Justiça acreano, no Acórdão 5.077, fez anotar
no dispositivo do julgado não se poder admitir o exercício arbitrário das próprias razões.
Isso, referindo-se ao magistrado que reduz montante de astreintes efetivadas e em fase de
exigibilidade. O Tribunal de Justiça teve que decisão desse mote é um vilipêndio à dignidade
da justiça, ao direito das partes, e não apenas do processo específico, mas de todas as demandas judiciais que precisam dar às partes a certeza de cumprimento das decisões.
De imaginar nesse contexto quando a parte ignora e descumpre a medida determinada sem razão, incorrendo assim em ilícito processual. E o juiz, simplesmente por entender
ser desarrazoado, desproporcional e propiciador de enriquecimento sem causa, vem a diminuir o valor exeqüendo da multa já efetivada.
Parece mesmo configurar desprestígio e propiciar indignidade à justiça. E estimular que outros ajam de igual forma desidiosa. Pelo menos é assim que professam os Tribunais
Superiores, como já exposto linhas atrás.
Nessa ótica, razão parece estar com aqueles magistrados que, independentemente
da sentença de procedência, façam cumprir o julgado relativo às astreintes na medida exata
de seu montante efetivado e apurado. Inclusive antes da sentença, de forma a não permitir
que a parte infratora permaneça impune até o resultado final da lide. E, eventualmente, no
caso de receber guarida, lograria desonerada do pagamento, e a punição aplicada, assim,
restaria sem nenhum efeito prático. Inclusive é nesse sentido a decisão do Tribunal de Justiça
acreano no Acórdão n. 5.077.
Guilherme Rizzo Amaral, em palestra a respeito das astreintes no Processo Civil
Brasileiro, diz ter resolvido estudar as astreintes em razão da perplexidade que lhe tomou,
frente as enormes diferenças entre o que se lê, o que se aprende e o que se pratica.537
Iniciou ele a palestra fazendo várias indagações acerca do tema, dentre elas, se a
multa fixada na antecipação da tutela, não confirmada pela sentença, continua sendo devida.
Se, quando e como pode ser executada, e se pode o juiz reduzir crédito resultante da multa.
Antes de responder detidamente a cada uma delas, o ilustre palestrante fez assinalar que “O Código de Processo Civil atual não é o Código de Processo Civil de 1973, ou,
pelo menos, não tal qual foi originariamente concebido”.
O palestrante prenotou que não bastava trazer a execução de título judicial para
dentro do processo de conhecimento, mas conferir ao juiz ferramentas que lograssem eficazes para efetividade e cumprimento da sentença.
Uma delas é a multa diária, expõe o autor, de natureza coercitiva, para inibir resistência
injustificada às ordens do juiz e proteger a dignidade do Poder Judiciário.
O palestrante fez anotar, mencionado o Projeto de Lei n. 3.253, que no sistema
pátrio incabível a aplicação de multa periódica nas obrigações de pagar quantia.
Ocorre que o mencionado Projeto de Lei resultou convertido na Lei n. 11.232, de
07.12.2005, que exatamente veio impingir multa (não periódica) às obrigações de pagar,
tudo na medida do art. 475-J do Código de Processo Civil.
Daí, inclusive, é que se solidifica e se confirma que a incidência de multa diária
537 AMARAL, Guilherme Rizzo. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br/.../doutrina/congressodireito processual civil/08.02.2006.doc> Acesso em: 03 abr. 08.
568
Revista ESMAC
tratada no art. 461 e 461-A do Código de Processo Civil somente tem aplicação estrita nas
obrigações de fazer ou de não fazer e nas de entregar coisa.
Obrigações de fazer ou de entregar, que para essa finalidade específica não comportam a abrangência que muitos autores lhes conferem, qual inserindo em seu contexto
genérico a espécie obrigação de pagar quantia certa.
Volvendo à questão específica da exigibilidade da multa efetivada, e ainda referindo-se à providencial palestra do Professor Guilherme Rizzo, anotem-se as seguintes ponderações.
Entendidas as astreintes como medida de proteção à dignidade do Poder Judiciário,
mesmo quando a sentença resolve improcedente o pedido do autor e revoga a antecipação da
tutela outrora concedida, o crédito relativo às astreintes efetivadas continuaria sendo devido
uma vez que houve decisão judicial e a mesma resultou descumprida.
Por outro lado, se entendido as astreintes como objeto de promoção da tutela específica do direito do autor, sendo improcedente o pedido e de caráter acessório à multa, o
crédito restaria extinto, não podendo ser exigido.
Parece ser esta última posição a mais adequada, uma vez que o processo não pode
beneficiar aquele que não tem razão.
E somente nessa hipótese é que se poderia justificar a inexigibilidade das multas
efetivadas e a revogação retroativa dos efeitos da decisão posterior.
Sendo resolvido o processo com procedência do pedido, parece evidente, mesmo
quando não explícito na sentença, que houve confirmação das decisões interlocutórias versantes da multa, efetivando elas seus efeitos na medida dos valores e tempo relativos à multa
fixada.
Quando o cálculo da multa efetivada alcança valor estratosférico, caso em que na
fase executiva tem levado muitos juízes, sob o argumento da proporcionalidade, razoabilidade e da proibição de enriquecimento sem causa, a reduzi-lo, o palestrante evidenciado
lembra que se está na fase de execução. E que embora se admita a redução do montante, que
isso não pode se consubstanciar em regra, devendo ser verificadas as circunstâncias caso a
caso.538
De convir que o Código de Processo Civil brasileiro não mais acolhe, nem é sustentado tão-somente pelas teorias liebmanianas, muito embora ainda delas releve influência.
Com a Lei n. 11.232/05 houve completa mudança do paradigma, e o sistema fez
consolidar que a execução é mero prolongamento do processo de conhecimento. As alterações advindas com a Lei n. 10.358/01 e 10.444/02, de igual, fizeram processar alterações
no sistema em abandono as Teorias de Liebmam como das que as sucederam e que hoje
conferem tratamento ímpar e diferenciado à exigibilidade de crédito decorrente de título
judicial.
Porém, embora a execução tenha se transmudado em mera fase do processo de
538 (...) I – A disposição contida no §6º, do artigo 461, do Código de Processo Civil não obriga ao magistrado alterar
o valor da multa mas, em verdade, confere uma faculdade, condicionada ao preenchimento de um requisito, qual seja,
que tal valor tenha se tornado insuficiente ou excessivo. II – Ainda que na hipótese o acórdão recorrido tenha decidido
sobre a inviabilidade do exercício daquela faculdade por entender pela existência da coisa julgada, não deixou de
considerar sobre a inobservância do requisito, não demonstrada qualquer alteração superveniente da situação fática
a justificar a redução do valor arbitrado. (...). REsp 938605/CE. Rel. Ministro Francisco Falcão. Primeira Turma. DJ
08.10.2007.
569
conhecimento e que a definição tenha sido alterada, a sentença não perdeu suas características essenciais.
Ou seja, conservou a eficácia que adquire com o trânsito em julgado, e a publicação
continuou sendo o marco de cumprimento e finalização do ofício jurisdicional. A norma do
art. 463 do Código de Processo Civil só admite que o juiz altere a sentença para lhe corrigir
inexatidões materiais ou lhe retificar erro de cálculo e por meio de embargos de declaração
para sanar obscuridade, contradição ou omissão.
Daí que se a sentença de mérito deu procedência ao pedido, logrou por confirmar
eventuais decisões interlocutórias que tenham fixado ou alterado o valor das astreintes.
Mesmo não havendo sedimentada qualquer dessas hipóteses, sobretudo quando
transitada em julgado e já em fase de exigibilidade do crédito, não parece adequado alterar
o montante apurado, pena de infringência à coisa julgada e ao devido processo legal.
Convenha-se que a sentença que resolve o mérito da lide é definitiva. E se resolve a
lide, conferindo procedência à pretensão, configura condenação, e é por si só auto-suficiente
à exigibilidade em execução, do montante liquidado.
Aliás, a sentença condenatória serve instrumentalmente a permitir a instauração da
atividade executiva, mas a execução é exterior à sentença condenatória.
Tenha-se em conta que o primeiro momento lógico da sentença refere-se à obrigação, enquanto o segundo, o propriamente condenatório, é o que impõe ao réu o cumprimento
de um dever jurídico. Este pode ser de dar, de fazer ou de não fazer.
E conforme seja a natureza da condenação é que se delimitam as obrigações que
exigem coerção para ter efetivado o objeto da condenação.
Ou podem ser executadas prontamente, como é o caso da obrigação de pagar, cuja
única multa incidente é a de 10% prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil, ou contêm mandamentos – e essa é sua natureza específica -, de fazer, de não fazer ou de entregar
coisa.
Nas decisões (sentenças) mandamentais, por expressa autorização de lei (art. 461 e
461-A do Código de Processo Civil), é que o juiz pode fazer incidir, diminuir ou aumentar a
multa cominatória até que a obrigação seja adimplida ou convertida em perdas e danos.
Mas nem assim, com relação às multas efetivadas, em face de tudo que exposto,
parece ser possível a ingerência do juiz no montante efetivado. Até porque inexiste sentença
de mérito na fase de execução do julgado.
A fase executiva tem regras próprias, e no caso específico citado não haverá oportunidade ao juiz de alterar ou modificar decisão anterior ou sentença. Apenas em decisões
interlocutórias e com efeito ex nunc pode fazê-lo. A execução, afinal, só se extingue por
sentença declaratória nas hipóteses dos arts. 794 e 795 do Código de Processo Civil.
Volte-se a anotar que as obrigações de fazer e de não fazer encerram um fato, enquanto as obrigações específicas de pagar encerram uma obrigação pura e simples. O objeto
da obrigação de pagar não é ato do devedor, mas o bem jurídico que através da prestação o
devedor está obrigado a outorgar ao credor.
Nas obrigações de fazer e de não fazer, o objeto é a atitude do obrigado e, portanto,
da relação jurídica.
Sem demanda quanto a oportunidade de exigência das astreintes, em prestígio ao
teor das decisões judiciais, parece indiscutível dever incidir desde o momento em que veri570
Revista ESMAC
ficada a desobediência à ordem. E até que venha ser modificada ou alterada, quando então
passa a ter incidência o novo valor prefixado. Ou quando transformada a obrigação em perdas e danos, ou cumprida ela a custa de terceiros ou do próprio devedor.
A doutrina também, como posto linhas atrás, já fez sedimentar que a multa diária
deve ser fixada em valor exorbitante e desproporcional ao valor do direito posto em causa, e
tão somente em função da capacidade econômica do devedor de modo a coerctá-lo a satisfazer a prestação.
Convenha-se que embora no Código de Processo Civil não haja regra específica, à
semelhança do que tratado no Código Tributário Nacional, a Lei da Ação Civil Pública (Lei
n. 7.347/85), em seu art. 12, §2º, estabelece que a multa é devida desde o dia em que configura o descumprimento do dever jurídico de fazer ou não fazer. Disciplina que tem inteira
aplicação aos processos regidos no Código de Processo Civil, conforme lição de Eduardo
Talamini.539
Daí parece lógico que vencido o prazo dia por dia, a multa torna-se exigível convolando-se em obrigação de pagar. Afinal, todas as mudanças efetivadas no Código de Processo Civil não tiveram senão o escopo de dar maior efetividade ao processo, garantir o
acesso a justiça justa e propiciar composição célere da lide.
Em suma, o direito do credor em receber a multa vencida parece inibir o juiz de
modificar-lhe o valor na fase executiva. Mesmo porque a multa fixada, embora possa sofrer
modificações ao longo da fase de conhecimento, exige demonstração lógica da insuficiência
ou excessividade, e sempre em função e em relação à postura do devedor quanto ao cumprimento da obrigação.
E essas modificações só se operam ex nunc. Demais disso, a preclusão, a coisa julgada e o processo legal, enfim, inibem postura similar na fase de cumprimento do julgado.
Ao juiz, desse modo, não parece possibilitado, sem razão efetiva, alterar o valor e
a periodicidade das astreintes. Muito menos quando já efetivadas, ou fazendo retroagir os
efeitos de novel decisão, ou, ainda, sob o espectro de excessividade e desproporção, lançar
decisório que subtraia do credor o direito à percepção do montante integral consumado, a
toda evidência, dívida líquida, certa e exigível.
539 TALAMINI, Eduardo. Disponível em: <www.ambito-jurídico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_
leitura&artigo_id=2280–53k> Acesso: em 03 abr. 08.
571
3. O JUIZ E A FASE DE EXECUÇÃO.
3.1. Características essenciais da execução
A Constituição brasileira consagra o devido processo legal no art. 5º, LV, no
qual restam inseridos, dentre outros, o princípio da legalidade, o princípio da igualdade,
o princípio do juiz natural, o princípio da independência e da livre convicção do juiz, o
princípio de acesso a justiça, o princípio do contraditório e da ampla defesa, próprios e
aplicáveis ao processo de execução.
E emerge do Código de Processo Civil, destacados pelos doutrinadores, o princípio
da efetividade da execução forçada e o princípio do desfecho único, aqui enfocados por sintonizantes com o tema.
Consectário do devido processo legal é o contraditório e a ampla defesa conseqüente, que devem ter lugar e observância em qualquer procedimento pena de invalidade de
todos os atos desenvolvidos em qualquer espécie de processo.
3.1.1. O Contraditório e a defesa
No processo de execução de título extrajudicial, mesmo após as reformas do Código de Processo Civil, a lei conservou os embargos do devedor (art. 736 do Código de
Processo Civil). Embargos com natureza de ação de conhecimento incidente ao processo de
execução, através do qual o executado se defende contra a execução ajuizada, buscando uma
sentença que a extinga.540
Já no tangente à execução de título judicial, hoje transmudada a fase do processo
de conhecimento, a reforma, substancial em sua inteireza, em substituição aos embargos,
trouxe previsão de Impugnação (art. 475-L do Código de Processo Civil).
O instituto não tem natureza de ação de conhecimento incidente como os embargos
à execução, traduzindo-se em simples exercício do direito de defesa simplificada contra a
fase de cumprimento da sentença.
A resistência que se pode expressar via da impugnação é direcionada tão-somente
aos atos executivos propriamente, processando-se de regra nos próprios autos e dispensando
citação.
A impugnação, segundo regra do art. 475-L do Código de Processo Civil, só pode
versar sobre a falta ou nulidade da citação no processo de conhecimento se correu ele à
revelia, sobre a inexigibilidade do título, a penhora incorreta ou avaliação errônea, a ilegitimidade das partes, excesso de execução ou em qualquer causa superveniente à sentença que
possa impedir, modificar ou extinguir a obrigação.
Ainda que sejam transposições literais da versão original do art. 741, o processamento da impugnação é simplificado em relação ao dos embargos. E como se pode conferir,
540 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por
parágrafo. 7. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2008. p. 1048
572
Revista ESMAC
apenas a citação é correlata à fase de conhecimento.
Pode-se concluir daí que a impugnação não tem o condão de discutir matéria já
decidida pela sentença, só podendo versar acerca de matéria atinente e específica ao próprio
cumprimento do julgado.
Essa a medida do contraditório e da ampla defesa na execução de título judicial ou,
segundo a novel denominação, na fase de cumprimento da sentença.
Importante consignar que a impugnação é resolvida por decisão impugnável por
agravo de instrumento (art. 475-M, §3º). Somente resolvível por sentença quando depurada
alguma causa que leve à extinção do processo executivo, quais nas hipóteses previstas no art.
794 do Código de Processo Civil.
Nesse contexto, o julgamento da impugnação depende apenas do seu efeito sobre
o processo. Ou seja, se das matérias alegadas resultar aferido que o processo deverá ter
continuidade, a impugnação se resolve por decisão interlocutória. Se restar reconhecido, de
outro lado, alguma causa que leve à extinção, isso se declarará por sentença nos termos dos
arts. 794 e 795 do Código de Processo Civil.
Deve ser anotado que a impugnação apenas excepcionalmente tem efeito suspensivo, e que segundo regra do art. 475-G do Código de Processo Civil, é defeso, na liquidação,
discutir de novo a lide ou pretender modificar a sentença que a julgou.
A liquidação não é mais nem menos senão o ato de tornar líquido o valor não
determinado na sentença. É procedimento seguinte à emissão da sentença ou do acórdão,
por meio do qual, quando nos decisórios não estiver determinado o valor devido para efeito
de exigibilidade, permite-se o preenchimento do requisito de liquidez do título executivo a
viabilizar a instauração da fase de cumprimento do julgado.541
O Capítulo IX, que trata da liquidação, inserido no Código de Processo Civil pela
Lei n. 11.232/05, ao tempo em que permite que a parte elabore e apresente a memória de
cálculo, também permite o juiz valer-se do contador do juízo sem embargo da liquidação por
arbitramento e por artigos quando for a hipótese.
Sendo as astreintes efetivadas dependentes apenas de cálculo aritmético, a regra aplicável
dispensa – aliás, inibe – as duas últimas modalidades, tal que a impugnação quanto ao montante apresentado ou calculado cinge-se ao excesso eventualmente estampado na memória
apresentada pelo credor ou no cálculo do contador do Juízo.
Tanto que o art. 475-A, §1º, dispõe que o devedor deve ser intimado do requerimento de liquidação da sentença. E o §4º do art. 475-B, que se o credor não concordar com
os cálculos feitos pelo contador do juízo, a execução se processa pelo valor originariamente
pretendido.
Sendo as partes legítimas para a fase executiva e não havendo nulidade de citação, a exigibilidade do título (da sentença ou do acórdão) depende apenas da liquidação, uma vez que a execução provisória se processa nos mesmos termos da definitiva. Quanto às outras causas de defesa
passíveisdeseremargüidasnaimpugnação,nãodizemelasrespeitoaomontanteexeqüendoemsi,
significando dizer que quanto a ele, salvo erro ou excesso manifesto, não há irresignação cabível.
Essa a medida do contraditório e da defesa na execução de título judicial e na fase de
cumprimento do julgado, independentemente de ser provisória ou definitiva.
541 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por
parágrafo. 7. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2008. p. 498/499..
573
3.1.2. A efetividade e o desfecho único
Araken de Assis, in Manual do Processo de Execução, leciona que toda execução
deve ser específica, e que consiste ela na busca de entrega rigorosa do bem perseguido ao
exeqüente, objeto da prestação inadimplida.542
Ou seja, a execução é limitada ao seu objeto, à obrigação textualizada no título.
Essa a exata medida do princípio da efetividade da execução forçada, que consiste
em que deve visar em dar a quem tem o direito exatamente o que o indivíduo tenha o direito
de conseguir.
Mais especificamente, em se tratando de astreintes efetivadas, ao montante do valor apurado em liquidação por mero cálculo aritmético, ou o exato quantum já assinalado no
corpo da sentença.
A execução é específica nesse particular, e consiste tão-somente em compelir o
devedor a pagar o valor da multa efetivada decorrente de inadimplemento ou mora de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa.
Consectário do princípio da efetividade da execução forçada é o princípio do desfecho único.
O princípio da efetividade da execução encerra desfecho único conforme o bem
perseguido pelo credor.
E o único fim normal da execução, ou seja, o único desfecho que dela se espera, é
a satisfação do crédito exeqüendo, muito embora possa ser encerrada de outras formas anômalas.
Segundo regra do Código de Processo Civil, art. 794, a execução é extinta quando
o devedor satisfaz a obrigação, quando o credor renunciar ao crédito, quando é concedida
remissão total da dívida, ou for ela objeto de transação.
A satisfação da obrigação é o desfecho único mencionado na medida do objetivo
da execução. Porém, nada impede que o credor renuncie ao crédito, que haja auto-composição bilateral ou perdão da dívida.
Não há regrado qualquer ingerência do juiz, a não ser declarar nessas hipóteses a
extinção da execução
Quanto à forma primeira, própria de desfecho da execução, é ela discriminada no
Código Civil brasileiro, sendo de anotar que as demais formas nele previstas quanto a extinção das obrigações, salvo a remissão e o perdão, não figuram como hipóteses de extinção da
execução.
A satisfação da obrigação mencionada no art. 794-I do Código de Processo Civil,
na execução por quantia tem lugar, segundo norma do art. 708 do mesmo codex, pela entrega
do dinheiro, pela adjudicação dos bens penhorados ou pelo usufruto de bem imóvel.
Diferentemente, na execução de obrigação de fazer a satisfação da obrigação somente resta configurada pelo cumprimento do julgado pelo devedor, ou seja, por um facere.
Ou pela execução da obrigação por um terceiro (art. 632 e 633 do Código de Processo
Civil).
Em qualquer dessas modalidades, o processo de execução se extingue na forma
542 ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 2002, p. 116.
574
Revista ESMAC
do art. 794-I do Código de Processo Civil, porque o provimento satisfativo da obrigação foi
alcançado mediante a realização concreta do direito consagrado no título executivo.543
Daí que a sentença declaratória de extinção da execução só pode ser confeccionada
quando verificada a ocorrência de alguma das causas citadas como meio hábil a extinguir a
execução.
Convenha-se que satisfazer a obrigação, em relação às astreintes efetivadas, diz
respeito ao montante do valor calculado dia por dia.
A efetividade da satisfação do crédito exeqüendo nos termos da lei (art. 794 do
Código de Processo Civil) é que enseja o proferimento de uma sentença declaratória de
finalização da relação processual pendente entre o exeqüente e o executado.544
Essa sentença não encerra nenhum provimento, muito menos satisfativo da obrigação, mas configura mero ato formal declaratório de encerramento do processo.
Importante anotar que, com a reforma do Código de Processo Civil através da Lei n.
11.232/05, o conceito de sentença restou definido como o ato do juiz que implica resolução
ou não do mérito da lide (art. 162, §1º).
Na execução de título judicial inexiste lide, mas tão-somente a busca de efetividade
da sentença oriunda da lide.
Portanto, inexiste resolução de mérito, mas apenas reconhecimento de que ocorreu
causa de extinção da execução (ou não, quando o processo for extinto por outra causa).
De mais a mais, tratando-se de título judicial, embora não suprimido de todo o
processo próprio de execução, a exigibilidade de obrigação decorrente de sentença condenatória ou mandamental é mera fase do processo de conhecimento, intitulada“Cumprimento
da Sentença”, na forma disposta nos arts. 475-I a 475-R.
O texto anterior do art. 162, §1º, do Código de Processo Civil, ditava que a sentença era todo ato pelo qual o juiz punha termo ao processo, decidindo ou não o mérito da
causa.
Até aí poder-se-ía admitir que a sentença plasmada no art. 795 do Código de Processo Civil pudesse gerar incursão em dúvida quanto a natureza do ato, no sentido de que o
juiz pudesse ater-se a mérito de execução de título judicial.
Porém, após as novéis reformas, parece restar claro que não havendo lide, mas
apenas fase de cumprimento da sentença (quanto aos títulos judiciais), sentença de fato não
é a que extingue a execução por reconhecer qualquer das hipóteses do art. 794 do Código de
Processo Civil.
Assim, se antes pudesse se admitir que o juiz, na execução de astreintes efetivadas,
pudesse modificar o valor exeqüendo, calculado dia por dia de incidência, atualmente essa
possibilidade inexiste à luz das regras reformadoras do Código de Processo Civil.
Pagamento, assim, só se tem caracterizado quando a satisfação do crédito vier na
medida do valor exato apurado.
E sem pagamento nesses termos não parece adequado declarar extinta a execução.
Muito menos, o juiz, de ofício, sob o argumento de enriquecimento sem causa e desproporcionalidade, retirar unilateralmente do credor direito ao crédito e à obrigação integral.
De considerar que até os títulos extrajudiciais têm exigibilidade autônoma. O título
543 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por
parágrafo. 7. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2008. p. 1336.
544 Idem – Ibidem. p. 1337
575
de crédito cambiário ou cambiareiforme expressa obrigação exigível no seu vencimento,
tanto que passível de execução própria.
O credor de obrigação consignada em título de crédito não necessita promover
prévia ação de conhecimento para convertê-lo em título judicial. Os títulos de créditos são
definidos como títulos executivos extrajudiciais (Código de Processo Civil, art. 585, I), possibilitando a execução imediata do valor devido.
E o juiz nessa hipótese – pelo menos não se tem conhecimento – não diminui o
valor exeqüendo sob fundamento de excessivo ou desproporcional.
A não ser em julgamento de embargos do devedor quando apreciar a matéria disposta no art. 745, V, do CPC, não contemplada na impugnação.
Vivante conceitua título de crédito como o “documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado”.545
A sentença é também um título (judicial), que se não exterioriza crédito líquido,
sumariza sua certeza. A liquidez depende apenas de liquidação na forma prevista no Código
de Processo Civil para então se tornar executável.
Convenha-se que o Código de Processo Civil traz como requisitos necessários para
qualquer execução apenas o inadimplemento do devedor (art. 580) e o título em si, líquido,
certo e exigível (art. 586).
Se o título de crédito tem autonomia e literalidade para efeito de exigibilidade do
valor nele consignado, a sentença, por evidente, muito mais consubstancia-se em ato irrefutável de certeza e exigibilidade.
O pagamento, assim, deve ser, também, no valor que da sentença ou da decisão
resultar apurado.
A extinção da execução, declarada por sentença, parece só ser devida, então, quando esse exato valor resultar pago.
E desimporta o montante do valor exeqüendo, bastando tão-somente que tenha ele
causa que o justifique.
Justa no sentido de ter cobertura da lei como é o caso previsto nos arts. 461, 461-A
e 645, do Código de Processo Civil.
Quer dizer que se há na lei subsistência do enriquecimento é porque há reconhecimento
de justa causa para o empobrecimento.
O injusto, a falta de causa, enfim, somente se sustenta quando houver oposição
entre a aquisição da vantagem e a legitimidade de sua manutenção. 546
Como lecionado por Orlando Gomes, quando a vantagem se funda em dispositivo
de lei ou em negócio jurídico anterior, o enriquecimento tem causa justa.547
No caso das astreintes efetivadas, a culpa do empobrecido deve ser verificada em
relação ao descumprimento da ordem judicial que as fixou. Portanto, se o valor calculado
alcança volume, não se é creditar ao credor a causa, mas tão-somente à inércia e à desídia
desvelada do próprio devedor que deixou protrair e efetivar as astreintes dia por dia.
De outro lado, tão-somente em função do valor, não parece adequado buscar guarida para diminuir na fase de exigibilidade as astreintes efetivadas ao fundamento da propor545 Vivante apud COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 17 ed. rev. e atual. de acordo com a nova Lei
de falências. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 233.
546 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. O enriquecimento sem causa do novo código civil brasileiro. Professor Doutor em Direito da Universidade de Lisboa/Portugal.
547GOMES, Orlando. Obrigações. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 250.
576
Revista ESMAC
cionalidade e razoabilidade.
Analisando e adaptando os elementos ou sub-princípios específicos frente ao caso
concreto de uma execução de astreintes efetivadas, a situação aflora-se da seguinte forma.
Pertinente lembrar inicialmente que a execução é meio posto a disposição do credor de qualquer espécie de obrigação não satisfeita voluntariamente. A execução, assim, das
astreintes efetivadas, é meio hábil de ver o valor referente às elas devidamente satisfeito.
Naturalmente que só se chega a uma execução quando há mora ou inadimplemento, ou seja, escusa de satisfação espontânea da obrigação.
A finalidade, ou o fim propriamente dito é, valendo-se do meio legal (execução),
obter o pagamento do valor apurado em liquidação ou já expressado na sentença ou nas decisões interlocutórias do processo.
Parece claro restar verificada a adequação entre o meio e o fim.
Quanto à necessidade, considerando que no Ordenamento Jurídico há disposição
quanto aos títulos exeqüíveis, que há previsão do meio executivo para o pagamento resistido
de obrigação e que não há exigência de qualquer medida extrajudicial como pressuposto
e requisito da execução senão a mora ou o inadimplemento, afigura-se elemento legal a
própria via executiva para o alcance da satisfação da obrigação.
Quanto à suavidade do meio executivo, inserido na necessidade, pode ser ela traduzida no que se chama modo menos gravoso para o executado.
A própria lei nesse particular limita a penhora sobre determinada categoria de bens
e, na execução fora dos autos principais ou de título extrajudicial, confere prazo ao devedor
para cumprimento espontâneo da obrigação.
Bruno Marini, usando ditado popular e com base em posições doutrinárias, diz
que a necessidade do meio pode ser comparada com a utilização de um“canhão para matar
um passarinho”, que equivale à utilização de uma limitação grotesca para se resguardar uma
finalidade. 548
Não é demais lembrar que com a reforma do Código de Processo Civil, na execução
de títulos judiciais deixou de haver exigência de nova citação, determinando-se pronta penhora. Esse procedimento já era adotado nos Juizados Especiais quando a parte já houvesse
sido intimada da sentença condenatória (art. 52, IV, da Lei n. 9.099/95).
Os Juizados Especiais Cíveis, via do Enunciado 14 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais - Fonaje, levam à constrição bens guarnecedores da residência do devedor não
essenciais a habitabilidade.549
Anote-se que após a Reforma do Código de Processo Civil o devedor passou a ser
instado a oferecer bens passíveis de garantir o crédito exeqüendo, e a Lei Pátria é recheada
de normas que revelam fraude à execução, notadamente se o devedor aliena bens sem reserva
a garantir obrigações anteriores.
Enfim, tudo converge na direção de satisfação da obrigação.
Com relação ao montante apurado das astreintes efetivadas, não parece apropriado,
por entendido astronômico, compará-lo com um canhão em relação ao valor da obrigação
principal (o passarinho), uma vez que as astreintes têm natureza diversa da obrigação que lhe
548 MARINI, Bruno. O princípio da proporcionalidade como instrumento de proteção do cidadão e da sociedade
frente ao autoritarismo . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1376, 8 abr. 2007. Disponível em: http://jus2.uol.com.
br/doutrina/texto.asp?id=9708>. Acesso em: 04 abr. 2008.
549 Os bens que guarnecem a residência do devedor, desde que não essenciais a habitabilidade, são penhoráveis
– Fórum Nacional dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
577
deu causa.
Importa dizer que a redução das astreintes efetivadas na fase executiva, sob o argumento da desproporcionalidade do valor, ou melhor, do vulto da importância, se não analisados os elementos do princípio, parece configurar abuso intolerado.
As astreintes efetivadas, independentemente da obrigação que as gerou, restaram
convertidas em dívida de valor, daí porque, independentemente do montante que alcançarem, segue regra de execução por quantia certa, descabendo qualquer ingerência do juiz
quanto a modificação do montante exeqüendo.
Convenha-se que as astreintes se efetivam por decisão alcançada pela preclusão
quanto ao valor do que se efetivou. O art. 471 é textual quanto a que nenhum juiz decidirá
novamente as questões já decididas relativas a mesma lide, com ressalva apenas da modificação da relação jurídica continuativa e em outros casos previstos em lei como é o caso, p.ex.,
da ação condenatória em alimentos e do restabelecimento da sociedade conjugal antes do
divórcio.
3.2. Do Princípio da Proporcionalidade e da Razoabilidade
No Brasil, embora não explícito na Constituição, a proporcionalidade tem sido
erigida à categoria de princípio fundamental utilizado como se comportasse extensão da
razoabilidade.
Nessa direção tem decidido o Supremo Tribunal Federal, que baseia a associação
ao substantive due process americano.
No Direito Pátrio, a proporcionalidade e a razoabilidade são analisadas em sinonímia, cuja invocação, se não se dá quase sempre como mero recurso de prestígio ao interesse
público (topos), é com caráter meramente retórico. É assim, sem análise sistemática, que
inúmeras decisões têm expressado a proporcionalidade como meio de conter o que considerado abusivo em sentido subjetivo e abstrato.
Essa subjetividade e abstração, sem fundamentos lógicos e consistentes, quer dizer,
fundada a decisão em mera retórica sem demonstração do conteúdo informador do princípio
na hipótese concreta, parece não ter o condão de produzir qualquer efeito, primeiro porque
é exigência constitucional a motivação de todas as decisões. Depois porque a proporcionalidade, como regra ou como princípio, exige a aparente colidência de interesses legítimos das
partes, de modo imponha ao julgador o aquilatamento de ambos para, então, compatibilizálos ou conferir relevo ao direito em prevalência.
Como lecionado por Luiz Virgílio Afonso da Silva, se o direito brasileiro assemelha a regra da proporcionalidade com a razoabilidade, justificando o princípio da exigência
constitucional do devido processo legal,“acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, (...)” e qualifica-se “como um parâmetro
de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais”.550
Segundo Hely Lopes Meirelles, esses princípios tratados no Brasil como equiva550 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de
2002, p. 32.
578
Revista ESMAC
lentes e consentâneos, são chamados de princípio da proibição de excesso, que, em última
análise objetiva, visa aferir a compatibilidade entre os meios e os fins de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas.551
O autor sedimenta que “a razoabilidade não pode ser lançada como instrumento de substituição da vontade da lei pela vontade do julgador ou do intérprete, mesmo
porque ‘cada norma tem uma razão de ser”.552
A razoabilidade envolve a proporcionalidade, diz o autor, anotando ele que não é
conforme a ordem jurídica a conduta decorrente de critérios personalíssimos.
No que interessa ao presente trabalho, sob argumento de excessivo o valor encontrado em liquidação, e por mera citação retórica de que escudo tem no princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, sem nenhum critério o montante das astreintes efetivadas em
fase de cumprimento do julgado tem sofrido diminuição.
De consignar em primeiro plano que nenhuma decisão judicial pode refugir dos
argumentos lógicos e de uma fundamentação consistente, do que se pode asseverar que as
que se fundam apenas na retórica, sem demonstração do conteúdo informador do princípio
na hipótese concreta, não se amolda à exigência constitucional preconizada no art. 93, inciso
IX da Carta Magna cidadã.
Num segundo momento, é preciso ter em conta a relação entre regras e princípios
quando se adota o conceito de princípio jurídico em contraposição ao conceito de regra jurídica.553
Regras, segundo Alexy, expressam deveres definitivos e são aplicadas por meio de
subsunção. Princípios, por seu turno, expressam deveres prima facie, cujo conteúdo definitivo somente é fixado após sopesamento com princípios colidentes. Alexy definiu princípios
como“normas que obrigam que algo seja realizado na maior medida possível de acordo com
as possibilidades fáticas e jurídicas” sendo, assim, mandamentos de otimização.554
Inobstante a classificação de Alexy, pode-se já concluir que o princípio da proporcionalidade, como anotado por Luiz Virgílio Afonso da Silva, não é um princípio em sentido
estrito, mas uma regra cuja forma de aplicação submete-se à subsunção ainda que considerado como dever.555
Luiz Virgílio propõe como termo apropriado “regra da proporcionalidade”, o que
não retira, aliás impõe, a subsunção.
Ainda que a proporcionalidade se refira à proibição de excesso, de convir que ela
não é utilizada simplesmente como mecanismo de controle de excesso dos poderes, mas
como instrumento contra a omissão ou ação insuficiente do Estado. Significa dizer que a
aplicação da proporcionalidade não guarda sintonia com a propagada proibição de excesso,
e do que parece refulgir, sobretudo quando inexiste parâmetro para o que configura excessivo, que inexiste regra de proporcionalidade a ser aplicada sob esse argumento na fase de
execução de astreintes efetivadas.
A regra de proporcionalidade (como princípio) nasceu como dogma no direito
551 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26ª ed. São Paulo, Ed. Malheiros, 2001, p. 86
552 ANTUNES, Carmem Lúcia, apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26ª ed. São
Paulo, Ed. Malheiros, 2001, p. 87.
553 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de
2002, p. 25/26 .
554 Idem – Ibidem, p. 25.
555 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de
2002, p. 25/26.
579
alemão tão-somente dirigida ao controle da constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Equivale ao princípio da razoabilidade do direito americano. Na Inglaterra, apesar de muitos afirmarem ter sido a Magna Carta de 1.215 a primeira fonte do
princípio da razoabilidade, diz ela de princípio da irrazoabilidade implicando meramente na
rejeição dos atos irrazoáveis, inclusive qualquer decisão judicial. Na Inglaterra, em verdade,
como anotado por Luiz Virgílio, somente a partir de 1998, com o debate acerca da adoção do
Human Ritghts Act, é que a regra da proporcionalidade passou a ser desempenhada ao lado
do princípio da irrazoabilidade.556
Disso, inclusive, decorre a sustentação de não serem sinônimos proporcionalidade
e razoabilidade, muito embora no Brasil a tendência seja esta sob o argumento de influência
germânica.
Registre-se que no direito alemão a regra da proporcionalidade nem é uma simples
análise da relação meio-fim, nem uma simples pauta que sugira a razoabilidade de todos os
atos estatais.557
Tem“uma estrutura racionalmente definida, com subelementos independentes – a
análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito -, que são
aplicados em uma ordem pré-definida”. Esses subelementos, segundo Wilson Antônio, funcionam como indicadores de mensuração do princípio da proporcionalidade e, por não se
ter por definidos os indicadores de mensuração do princípio da razoabilidade, no aspecto
estrutural e em forma de aplicação a regra da proporcionalidade não tem a mesma origem do
chamado princípio da razoabilidade.558
É por isso também que a mera citação da proporcionalidade, sem nenhuma referência a processo racional ou de efetiva comparação entre os fins almejados e os meios utilizados, tem sido entendido pelos estudiosos como simplista e mecânico e, por essa razão,
fragilizada sua aplicação e admissibilidade.
Parece evidente que a exigência da razoabilidade baseada no processo legal substancial não tem outra tradução senão na exigência de compatibilidade entre os meios e os
fins do ato estatal.
Como lecionado por Luiz Roberto Barroso, está na exigência de compatibilidade
entre o meio empregado pelo legislador e os fins por ele visados, bem como na aferição da
legitimidade desses fins. A primeira, segundo o autor nominado, é que expressa a razoabilidade interna, enquanto a segunda a razoabilidade externa. E do que, segundo Luiz Virgílio,
faz nítida a não identidade da razoabilidade com a proporcionalidade. O motivo, segundo o
autor, assenta-se no fato de o conceito de razoabilidade corresponder apenas à primeira
das três sub-regras da proporcionalidade, qual seja a exigência de adequação.559
Daí porque, apesar da equivalência entre um e outro pela jurisprudência pátria,
inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, parece imprópria a sinonímia. No entanto, mesmo para os que consideram a razoabilidade como sub-regra da proporcionalidade, prejuízo
556 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de
2002, p. 29
557 Idem – Ibidem, 30.
558 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de
2002, p. 30-31.
559 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de
2002, p. 29
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Revista ESMAC
nenhum resultará se bem analisada sua incidência e aplicação no caso concreto. Assim,
qualquer seja o entendimento que se tenha a respeito de uma ou de outra, a questão relevante
centra-se na verdadeira análise frente ao caso concreto.
A razoabilidade sempre será relacionada ao aspecto qualitativo da relação
meio-fim. A proporcionalidade diz respeito à questão quantitativa, ou seja, se o meio
escolhido não comporta excesso.
Bom de frisar que para a invocação do princípio ou regra em comento exigível a
colisão de direitos fundamentais, sem o que a mera alegação de razoabilidade e de proporcionalidade não expressa relevo nem análise e aplicação concreta. Ao contrário, é a própria
decisão desse teor que parece requerer a análise sob o foco desses princípios, uma vez que o
maior ancoradouro da aplicação deles é afastamento do arbítrio estatal.
A regra da proporcionalidade, conforme Gilmar Mendes e Suzana de Toledo Barros, que entendem conter em si a razoabilidade, exige análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Não apenas mera citação ou retórica quanto a aplicação, com exigência mesmo de análise dessas regras na ordem predefinida e de
subsidiariedade entre si. Ou seja, da análise dos atos estatais, quer seja quanto ao excesso
de poderes, quer seja quanto a omissão ou quanto a ação insuficiente dos poderes estatais. A
análise da adequação precede à sub-regra da necessidade, e esta por sua vez ao da proporcionalidade em sentido estrito.560
Essa ordem de importância inafastável vincula o juiz, notadamente quanto à análise
da abusividade de determinado ato estatal. Não que tenha de superá-las uma a uma, mas de
buscar resolver a situação de forma que comprovada uma das subseqüentes regras. Basta
que uma reste comprovada para se ter por prejudicada a análise das demais. E, conseqüentemente, para a aferição e constatação quanto à impossibilidade de aplicação do princípio da
proporcionalidade.
Melhor explica Luiz Virgílio. Segundo ele, “com subsidiariedade quer-se dizer que
a análise da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com
a análise da adequação”. E assim sucessivamente, tal que “a análise da proporcionalidade
em sentido estrito só é imprescindível se o problema já não tiver sido solucionado com as
análises da adequação e da necessidade”.561
Adequar não seria apenas o meio “com cuja utilização o objetivo é alcançado, mas
também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, (...)”.
A proporcionalidade, estando ligada à idéia de adequação do ato estatal, numa
simetria com a questão objeto do presente trabalho, leva à perquirição da adequação das
normas procedimentais do Código de Processo Civil quanto à forma de cumprimento do
julgado que fixou as astreintes.
O meio previsto visa a que o comando judicial tenha alcance efetivo, qual seja,
após a liquidação, também pelos meios legalmente previstos no Código de Processo Civil,
leve o credor a perseguir a satisfação de seu crédito. O cerne do julgado não é outro senão a
condenação do desidioso nas penas moratórias então fixadas. Então, se não há cumprimento
espontâneo da obrigação, impõe-se sacramentar o cumprimento do julgado para o alcance
do fim desejado pelo Estado ainda que esse objetivo possa não ser completamente realizado.
560 MENDES, Gilmar Ferreira e BARROS, Suzana de Toledo apud SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional
e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de 2002, P. 33
561 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de
2002, p. 34.
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Mas essa não realização não guarda correlação com a adequação em si do meio que o Estado
pôs a disposição do credor. Guarda sintonia tão-somente com o meio (execução strictu sensu
do julgado) para alcance de efetividade do julgado.
Esse tem sido o entendimento de grandes estudiosos, ou seja, de que uma medida
estatal é adequada quando o seu emprego faz com que o objetivo legítimo pretendido seja
alcançado, ou pelo menos fomentado. 562
Pode-se dizer, assim, que o desencadeamento da fase de cumprimento do julgado
(medida) somente poderia ser considerado inadequado se não contribuísse em nada para
a realização do objetivo pretendido pelo credor das astreintes efetivadas. Muito mais pelo
objetivo do próprio julgado, condenatório ao pagamento de valor, pela desídia do devedor,
ao credor.
Em suma, a aferição da sub-regra da proporcionalidade relativa à adequação só se
pode limitar ao exame de aptidão da medida para alcance dos fins ou objetivos visados.
Desse modo, conferida a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito logram inexigentes de aferição, dado o caráter subsidiário dessas sub-regras.
Se a adequação resta confirmada, pois, desnecessária a análise da necessidade,
e muito mais da proporcionalidade em si, do que ressai afirmativo ser o ato estatal não
abusivo e, portanto, não se havendo falar em regra de proporcionalidade. Muito menos
de dever de otimização que possa afastar a subsunção do “tudo ou nada” de Alexy, da
regra procedimental própria.563
A “dimensão de peso” da proporcionalidade não tem lugar de aplicação na hipótese ainda que se admita a prevalência do princípio, porquanto a regra válida e a conseqüência normativa são correlatas e não colidentes.
Ainda que abstratamente a necessidade exija incursão de análise, porque reconhecido inadequado o meio para atingimento dos fins, o primeiro questionamento que se põe é
qual direito está sendo limitado pela medida.
Isso porque o princípio, ou a regra da proporcionalidade, exige confrontação da
prevalência dos direitos fundamentais antagônicos das partes.
No plano de exigibilidade das astreintes efetivadas, inquestionável que aquele que
sofreu os efeitos da desídia é o credor do resultado material da coerção. Mais simplificadamente dizendo, do valor que o juiz fixou pelo inadimplemento de obrigação de fazer ou de
não fazer. A lei limita a desídia exatamente impondo astreintes. Se a parte a quem foi dirigida
a ordem preferiu descumpri-la, desde o início esteve ciente de que o resultado disso seria a
afetação de seu patrimônio.
É de perquirir que direito fundamental do devedor está sendo afetado com a exigibilidade das astreintes efetivadas pelo meio adequado previsto no Código de Processo
Civil.
Não parece lógico nem adequado referir-se à excessividade do montante alcançado
para se dizer necessária e adequada a aplicação da proporcionalidade, até porque inexiste
no Ordenamento Jurídico Pátrio qualquer regra limitativa quanto a este fator. Nem regra
que garanta ao devedor o direito a pagar menos do que deve. Muito mais quando se trata de
562 Martins Borowski apud SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano
91. Vol.798. Abril de 2002, p. 36.
563 ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista
Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 4, Julho, 2001. p. 14. Disponível em:
http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 14 de agosto de 2008.
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parte desidiosa,normalmente alicerçada de grande poderioeconômico-financeiro,cujovalor
alcançado não lhe provocará indignidade.
E muito mais quando não cumpre espontaneamente a obrigação cuja necessidade
aflora, fazendo exsurgir a sub-regra da necessidade de valer-se o credor do meio adequado
da instauração da fase de cumprimento do julgado.
Assim, a resposta específica que se obtém do questionamento da necessidade na
hipótese é única e afirmativa.
Mas se superada a necessidade, resta a análise da proporcionalidade em sentido
estrito, terceira sub-regra da regra da proporcionalidade que, para muitos, engloba a razoabilidade e consiste no aquilatamento entre o nível da restrição ao direito fundamental do
devedor (na hipótese de execução das astreintes efetivadas) atingido pela medida utilizada
pelo credor e a importância desse já então sedimentado direito fundamental do devedor. Ou
seja, é preciso demonstrar qual dos dois direitos – se o do credor ou do devedor – deve ter
prevalência.
Luiz Virgílio sintetiza com muita propriedade como deve ser a aplicação da regra
da proporcionalidade para a solução de colisões entre direitos fundamentais. Segundo ele,
imprescindível a averiguação subsidiária da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, nos termos precedentemente descritos.564
Para os que apenas limitam-se à menção retórica do princípio, entendível como
medida de proteção abstrata, ainda assim, sem demonstração argumentativa da prevalência
do direito da outra parte, há afronta ao dispositivo constitucional do art. 93, IX, que, de
qualquer sorte, parece tornar inócua a decisão.
Num ou noutro aspecto, não se pode olvidar que a razão de ser do princípio ou da
regra de proporcionalidade é exatamente a contenção do abuso do Estado. E dado que a exigibilidade de aplicação requesta a colisão entre direitos fundamentais, é a própria estrutura
desses direitos fundamentais colidentes que vai determinar qual deles terá prevalência pela
aplicação da regra. Isso significa que sem a colisão instrumental parece não ser o caso de
invocar e de aplicar a regra da proporcionalidade, pena de também constituir isso em abuso
de ato de Estado.
Aplicando essa asserção ao caso concreto do direito de crédito decorrente de astreintes efetivadas, não parece perceptível na seara da principiologia jurídica algum direito
fundamental do devedor senão a fórmula menos onerosa prevista do Código de Processo
Civil.
Para que se possa dizer da violação desse direito é preciso que se aponte possibilidade alternativa do credor de haver seu crédito, fomentado pela desídia do devedor de um
lado e pela decisão judicial de outro.
Nesse contexto, só há duas delas, qual o pagamento espontâneo previsto no art.
475-J, ou, subseqüentemente, a exigibilidade de cumprimento do julgado. Daí não se há
dizer de otimização proporcional e, portanto, de aplicação do princípio da proporcionalidade,hajavistasubjacentetão-somenteamedidacoercitivadesencadeadacomainstauração
da fase de cumprimento da decisão que fixou as astreintes.
Ora, se o Código de Processo Civil é norma de aplicação obrigatória, se a instauração da medida constritiva decorreu da inércia do próprio devedor, não há ponderação a fazer
564 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de
2002, p. 41.
583
de modo se fale em dever de proporcionalidade.
Aproporcionalidadetangenciadatão-somenteaomontantealcançadopelaliquidação do julgado, por não encontrar albergue legal, ao contrário, viola a substância do processo. É o oposto ao due process of law, porque há previsão legal de possibilidade da privação
de bens.
É que trata-se da exigibilidade de um crédito extraído de um título judicial imantado de imodificabilidade e de coercibilidade para o qual a lei traz previsão expressa de
liquidação e de penhora subseqüente do montante apurado. Com efeito, decisões judiciais
condenatórias em valores, ainda que dependentes de apuração, são documentos que expressam obrigação inquestionável, mormente quando já alcançadas pela preclusão ou pela coisa
julgada.
De trazer à lembrança que a Lei n. 9.492/97 traz previsão de que até a sentença,
como documento de dívida, pode ser levada a protesto para efeito de demonstrar a mora. E
no âmbito do registro descabe qualquer ponderação quanto ao montante do título, de modo
que, protestada a sentença ou qualquer outro título ou documento de dívida, para cancelamento do protesto exigível o pagamento do montante nela expressado. Inclusive para efeito
de não efetivação do solicitado registro no prazo conferido pelo oficial.
Noutro norte, é de considerar que o juiz não interfere nos títulos extrajudiciais. A
execução processa-se no exato montante neles textualizados. Então, não parece lógico, nem
adequado, nem razoável, que invocando esses princípios ou regras e sob o argumento de que
excessivo o valor, venha ser diminuído o montante exigível de astreintes efetivadas.
De dizer também que um título de crédito tem características próprias, sendo uma
delas, peculiar do título de crédito judicial, a literalidade e autonomia.
A gestão do juiz na fase de cumprimento do julgado cinge-se à incursão das medidas arregimentadas para efeito de atingir o devedor em seu patrimônio e, conseqüentemente,
conferir efetividade ao julgado e ao direito do credor. Reduzir valor de título executivo, e
judicial, assim, é que parece desproporcional e irrazoável.
É preciso, em suma, para se cogitar da aplicação da regra de proporcionalidade,
que existam dois direitos fundamentais em confronto. Sem apontamento de qual direito do
devedor esteja contrastado com o direito do credor, parece impossível juridicamente a otimização da proporcionalidade uma vez que ela não dispensa o sopesamento entre princípios
colidentes.
É que a proporcionalidade, que não encontra seu fundamento em dispositivo legal
do direito positivo brasileiro, decorre da lógica da estrutura dos direitos fundamentais com
princípios jurídicos. E para os que sustentam ser ela decorrência do Estado de Direito ou do
devido processo legal, resta a tarefa indeclinável dos argumentos sem os quais a ponderação
não passa de mera retórica.565
Diz Humberto Ávila que as normas contêm ordens diretas, enquanto os princípios
apenas fundamentos. Que os princípios se dirigem a um número indeterminado de pessoas
e a um número indeterminado de circunstâncias, enquanto as regras são menos gerais e
contêm mais elementos de concretude relativamente à conduta. Que as regras são dedutíveis
de textos normativos e que apesar de as decisões serem também tomadas com fundamento
em argumentos não-recondutíveis diretamente a textos normativos, é preciso adotar critérios
565 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de
2002, p. 45.
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objetivos para melhor fundamentar a interpretação e a aplicação baseada em princípios. Que
osprincípiosdevemserfundamentadoseconjugadoscomoutrosfundamentosprovenientes
de outros princípios.
Em meio a tantas ponderadas anotações, Humberto Ávila, valendo-se dos ensinamentos de Alexy Dworkin, leciona que a aplicação de um princípio deve ser vista sempre
como uma cláusula de reserva, sendo imprescindível observar se no caso concreto há outro
princípio de maior peso que exija a otimização da proporcionalidade.
Proporcional é o ponderado. Se não há conflito, evidentemente, não há o que ponderar.
Não se ponderam valores; ponderam-se princípios, repita-se, e segundo as possibilidades normativas e fáticas. Nesse ponto, Humberto Ávila explica: “(...) porque a aplicação
dos princípios depende dos princípios e regras que a eles se contrapõem”. No campo fático,
faz explicitar que“o conteúdo dos princípios como normas de conduta só pode ser determinado quando diante dos fatos”.
Ainda referindo-se a Alexy, o autor fez transcrever a posição do jurista alemão
concluindo que as regras jurídicas, só em caso de colisão, buscarão solução principiológica
de modo a excluir o conflito e a solucionar a contradição aparente.566
Sobre a lição de Alexy no tangente à questão, anotada por Humberto Ávila, é ela
textual quanto a que “De um lado regras são normas, que podem ou não podem ser realizadas. Quando uma regra vale, então é determinado fazer exatamente o que ela exige,
nada mais e nada menos”567 .
Parece lógico que para se aplicar a regra da proporcionalidade, diminuindo o valor
de astreintes efetivadas, já exigíveis, se devesse declarar antes inadequado o meio previsto
pelo legislador, qual a instauração da fase de cumprimento do julgado. Sem essa declaração,
e tendo em conta que a adequação não guarda qualquer correlação com a conseqüência ou o
fim visado pela medida, ou seja, com o montante do crédito, mas sim com a norma em si e
com o fim visado pela própria, a proporcionalidade é letra morta.
A lição continua. Na distinção entre princípios e regras, mesmo inadmitindo-se o
“tudo ou nada” destas últimas, o autor faz a indicação de que os princípios diferem das regras quanto à obrigação que instituem, “já que as regras instituem obrigações absolutas,
(...) enquanto os princípios instituem obrigações prima-facie, (...)”568.
Todos esses fundamentos não têm razão de ser em função da simplicidade que
plasma a otimização ou o dever, ou a regra da proporcionalidade. É que implica regras de
colisão, e aí a dependência de uma ponderação. Sem tensão entre princípios, impróprio é falar de proporcionalidade. Impróprio invocar adequação e necessidade. E não há dispensa do
aquilatamento conseqüente, tal a fazer ressair qual das normas em colisão tem prevalência.
Sem normas ou princípios em colisão, sem direitos contraditórios, a lógica da proporcionalidade inexiste.
Convenha-se que a interpretação das regras depende da conjunta interpretação dos
566 ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista
Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 4, Julho, 2001, p. 10. Disponível em:
http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 14 de agosto de 2008.
567 Idem – Ibidem.
568 ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista
Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 4, Julho, 2001, p. 10. Disponível em:
http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 14 de agosto de 2008.
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princípios que a elas digam respeito.
A proporcionalidade exige que o meio e o fim sejam sopesados. Mas da norma em
si, não das conseqüências ou do resultado que o direito protege. Segundo Humberto Ávila,
“não é o dever de proporcionalidade em si que estabelece a medida substancial da excessividade, mas sua aplicação conjunta com outros princípios materiais”. Tem o autor que é
condição negativa da proporcionalidade o elemento da proibição de excesso posto apenas
em retórica, sem a verdadeira e necessária ponderação dos interesses que, embora exteriorizados de um caso concreto, guardam generalidade dos destinatários.
Quanto a razoabilidade, como já declinado antes, a defesa dos grandes juristas é
de que não se confunde ela com a proporcionalidade, mas determina tão-somente que as
condições pessoais e individuais dos sujeitos sejam consideradas na decisão.
Assim, se foi essa circunstância ventilada, inarredável que o julgador aquilate também as condições das partes de modo a deixar esclarecida a impossibilidade de se permitir
que um ou outro valor comprometa a justiça. Aí sim, é que permitida a análise das conseqüências normativas num juízo referente à pessoa atingida.
Humberto Ávila conclui que a proporcionalidade, necessariamente, como estrutura
formal de aplicação do direito, requer correlação com os elementos substanciais normativos
“sem os quais não passa de um esqueleto”. Ou seja, exige aplicação “correlata com conteúdos, esses determináveis pela análise das normas constitucionais materiais assecuratórias de
bens jurídicos e não apenas instituidoras de procedimentos”.
Convém trazer a lume parte do repertório das decisões superiores quanto à regra da
proporcionalidade em nosso direito pátrio no ritmo da discussão.
No REsp 775233/RS569, referindo-se à cominação de multa diária em obrigação
de fazer, teve do Superior Tribunal de Justiça, como se colhe do item 2 do dispositivo, que
“a função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação e
incide a partir da ciência do obrigado e de sua recalcitrância”.
No item 4 seguinte do julgado, a Corte Superior fez consolidar a possibilidade de
aplicação das astreintes na fase de execução, mas de obrigação que as comportem. No caso,
obrigação de fazer.
Dizendo da regra de proporcionalidade, a Corte, confrontando o princípio da dignidade da pessoa humana (item 6) com o comprometimento das finanças do Estado do Rio
Grande do Sul (item 7), ponderando esses interesses recomendou proporcionalidade na refixação da multa diária outrora fixada em R$5.000,00.
Como se percebe sem esforço, a decisão esteve a referir-se a multa diária, não ao
montante integral efetivado e exigível. Tanto que houve determinação de cálculo da que
já efetivada. A ponderação recomendada estava a dizer respeito a um novo valor de multa
diária. Ou seja, o Tribunal recomendou que o juiz verificasse a situação das finanças públicas
do Estado do Rio Grande do Sul de modo a não comprometê-la com valor de multa diária.
No REsp 836349/MG570, confere-se que o Superior Tribunal de Justiça, mencionando o firme posicionamento nesse sentido, trouxe lição de que se da sentença decorre
obrigação de pagar quantia, o seu cumprimento não pode se dar sob o regime do art. 461 do
569 STJ - REsp 775233/RS – Recurso Especial. Rel. Min. Luiz Fux. T1 Primeira Turma. 20.06.2006. DJ 01.08.2006
p. 380.
570 STJ - REsp 775233/RS – Recurso Especial. Rel. Min. Luiz Fux. T1 Primeira Turma. 20.06.2006. DJ 01.08.2006
p. 380.
586
Revista ESMAC
Código de Processo Civil.
Para ser mais explícito, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, decorrendo a
sentença de obrigação de fazer, consectário lógico é a aplicação do dispositivo mencionado e
a possibilidade de imposição de multa diária como meio de compelir o devedor recalcitrante
ao cumprimento da obrigação que lhe foi imposta.
E foi nesse contexto que consagrou caber ao Juízo de Primeiro Grau “precisar a
quantidade de dias em que incorreu em mora a recorrida, além do quantum devido a título de
astreintes”.
Ora, não parece ser outro entendimento que não referente esse chamamento à liquidação tangente às astreintes efetivadas.
No mesmo julgado há menção complementar quanto a que o juiz jamais deve
perder de vista a regra da proporcionalidade estampada no §6º, do art. 461 do Código de
Processo Civil. Nesse contexto, convém relembrar que essa proporcionalidade é consentânea
e estritamente relativa aos interesses em conflito, marco do quantum objeto da fixação ou
modificação das astreintes, tanto na fase de conhecimento quanto na fase de exigibilidade,
por força da própria regra do art. 461 quanto do art. 475-I ambos do Código de Processo
Civil. Contanto, naturalmente, que relativas à obrigação de fazer ou de não fazer.
Até porque astreintes efetivadas não são obrigação de fazer ou de não fazer, mas
de pagar. Se alcançada a decisão que as fixou ou modificou pela preclusão ou pela coisa
julgada, há impedimento legal de reapreciação do valor efetivado. É que o que se efetivou
tornou-se obrigação de pagar, cuja relação é cindida unicamente ao credor e ao devedor.
Evidente que o entendimento superior diz respeito a obrigação de fazer ou de não
fazer, tanto na fase de conhecimento como na fase de exigibilidade de julgado. Até porque
inexiste previsão legal de incidência de multa diária em título judicial condenatório em obrigação de pagar, salvo a que prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil.
Esse entendimento do SuperiorTribunal de Justiça parece não comportar interpretação contrária. Elucidativo é ele quanto a que não tem lugar a aplicação do princípio da proporcionalidade em obrigação de pagar, muito mais quanto ao valor apurado em liquidação
de título judicial alcançado pela coercibilidade e intangibilidade.
Volte-se a dizer que a proporcionalidade não é dirigida a nenhum valor pecuniário,
mas sempre à adequação entre o meio e o fim sendo nessa direção o entendimento do SuperiorTribunal de Justiça quando advertiu ao magistrado da ponderação dos interesses para
efeito de fixação da multa diária em obrigação de fazer. A advertência foi quanto a ponderação dos princípios, da dignidade da pessoa humana do requerente e da estabilidade das
finanças públicas do Estado requerido.
No caso, portador de doença gravíssima, o requerente pretendia o fornecimento de
medicamentos. O magistrado, então, para fixação da multa diária, haveria de levar em consideração o direito a vida e à dignidade da pessoa humana como fundamentos da República,
mas sem comprometimento das finanças públicas do Estado do Rio Grande do Sul.
Nessa análise de aparente conflito de direitos fundamentais, a preponderância de
um deles, frente aos valores mais relevantes, é que determinará se a multa é meio eficaz a
atingir o fim pretendido. Naturalmente que o valor da multa funciona na hipótese como meio
apto a coerctar o Estado a cumprir a obrigação determinada de fornecer o medicamento.
Certamente, quanto maior for o valor fixado a título de multa, mais celeremente o Estado
buscará fornecer os medicamentos necessários a preservar a vida do reclamante. Mas, reafir587
me-se, a razoabilidade e a proporcionalidade nada tem a ver com o valor enfim, mas com a
medida do que necessário ao alcance da pretensão.
Convém aqui anotar que, em nenhuma hipótese, o sentir subjetivo do magistrado é
critério razoável ou de proporcionalidade. Se pelo menos, quando houvesse diminuição do
montante exigível das astreintes efetivadas, com base nessas regras, houvesse uma demonstração lógica e consistente que pudesse guarnecer o valor tido por razoável e proporcional,
pelo menos um parâmetro se teria para se avaliar a aplicação dessas regras.
No entanto, por meras referências, é certo que critério não houve. Também inexistiu análise das sub-regras, quais da adequação, da necessidade e da proporcionalidade
em sentido estrito na sua forma subsidiária. E sem isso, a aplicação põe-se inócua mesmo
porque qualquer decisão exige fundamentação.
Convém anotar que não existe autorização para fixação de multa diária por arbitramento judicial fora das hipóteses de obrigação de fazer e de não fazer e relativa a obrigação
de pagar, natureza das astreintes efetivadas.
O único arbitramento, fora disso, é tratado na liquidação de sentença, tão-somente
nas hipóteses, numerus clausus, consignadas no art. 475-C do Código de Processo Civil. A
primeira delas é quando houver determinação na própria sentença ou convencionado pelas
partes. A segunda dá-se quando a natureza do objeto da liquidação o exigir.
Certamente, inocorrente uma ou outra hipótese, e em sendo possível a liquidação
por cálculo aritmético na forma do art. 475-B do Código de Processo Civil, não há que se
falar em “arbitramento judicial”.
Demais disso, nem mesmo na liquidação por arbitramento pode o juiz refugir do
laudo técnico. É que, se a lei exige a atuação de perito na hipótese, é por reconhecer que o
juiz tanto não pode arbitrar sponte sua o valor do título, como a ele deve vinculação.
Então, o “arbitramento judicial” de multa efetivada não tem amparo no Ordenamento Jurídico pátrio. O arbitramento possível é de multa diária, que se efetivará conforme o comportamento do obrigado depois de ciente da decisão, nas hipóteses, e somente
nelas, previstas na Lei Adjetiva pátria já a tanto mencionadas.
O juiz está guindado a aceitar o cálculo aritmético como forma de liquidação e,
portanto, o valor que dele vier ser apurado com base em título de crédito judicial, descabendo, assim, refixação do valor por “arbitramento judicial” numa justificativa retórica em
regras da proporcionalidade e da razoabilidade.
Pode-se concluir que desproporcional e irrazoável é mesmo a decisão que, entendendo excessivo o montante alcançado pelas astreintes efetivadas, invoca sob retórica as regras da proporcionalidade e da razoabilidade para diminuir o montante liquidado ao patamar
arbitrário e subjetivo do que entende razoável e proporcional. Reafirme-se que, princípio ou
regra, o objetivo maior de tais preceitos não é menos que frear o arbítrio do Estado. E se o
próprio Estado “arbitra” valor em confronto e à margem de título judicial, é o Estado quem
está a afetar direito da parte.571
571 No processo n. 070.07.008519-6, do Segundo Juizado Especial Cível da Comarca de Rio Branco, a guisa de
exemplo, já que esse tem sido seu posicionamento na maioria dos casos, a decisão, apenas citando a proporcionalidade e a razoabilidade da cominação, diminuiu a multa efetivada, apurada de operação aritmética simples, ressaltando que“a fixação por arbitramento judicial da multa diária deve resultar, invariavelmente, do sentir subjetivo e objetivo do magistrado e não da resolução automática de uma operação matemática que torne o juiz da causa, como se
possível fosse, refém de números em detrimento do seu sentimento de justiça em relação às pessoas envolvidas e ao
caso concreto”. Há casos em que o magistrado decide reconhecendo que o valor apurado nas mesmas circunstâncias
588
Revista ESMAC
Portanto, impossível jurídica e legalmente qualquer gestão judicial sob o pretexto
da razoabilidade e da proporcionalidade na fase de exigibilidade de astreintes efetivadas.
Todos os magistrados que entendem que a possibilidade tem elastecimento na fase
de exigibilidade e no que tangente às astreintes já efetivadas citam equivocadamente os
julgados superiores como escudo de suas decisões. Sem esforço verifica-se o equívoco, uma
vez que as decisões não caminham nessa direção. Olvidam eles a natureza de um título de
crédito, para o qual jamais nenhuma Corte Superior viria lecionar redução de ofício do valor
nele textualizado, uma vez que isso configuraria invasão vedada na esfera da privacidade das
partes envolvidas na relação obrigacional.
Embora pareça desnecessário, não é demais consignar que esse é o mesmo entendimento da Primeira Turma da Corte Superior, exteriorizado no REsp 938605/CE (DJ
08.10.2007 p. 234). Também no REsp 438003/RS, da Segunda Turma, (DJ 18.08.06 p. 363),
no qual resta exteriorizado que as astreintes efetivadas são obrigação de pagar quantia certa.572
O Superior Tribunal de Justiça, quanto a aplicabilidade do art. 461 do Código de
Processo Civil, nos REsp 663774-PR573 e 776922-SP574, fez sumarizar que a cominação de
astreintes está atrelada às obrigações de fazer e de não fazer. Ou seja, fez consolidar que
nesse marco assenta-se a faculdade conferida ao juiz para fixar ou modificar o valor ou a
periodicidade da multa, inclusive de ofício, mas desde que verifique que a mesma se tornara
insuficiente ou excessiva.
Também é do Superior Tribunal de Justiça jurisprudência firme no sentido de que
não pode o juiz decidir novamente as questões já decididas, isso referindo-se ao modo de
liquidação de título judicial, com aplicação no caso das astreintes efetivadas.575
é dívida de valor, e imediatamente determina seguir a execução por quantia certa. O Terceiro Juizado Especial Cível
segue linha idêntica. Porém, o que diferencia as decisões de um e de outro Juizado é o valor “arbitrado”, uma vez que
neste, é sempre a metade do montante encontrado, enquanto naquele não há parâmetro. O magistrado do Segundo
Juizado Cível simplesmente “arbitra” sem demonstrar que critérios considerou para a fixação do valor.
572 (...) 2. Consoante a jurisprudência do STJ, na hipótese de obrigação de pagar quantia certa, predomina o entendimento de que “a multa é meio executivo de coação, não aplicável a obrigações de pagar quantia, que atua sobre a
vontade do demandado a fim de compeli-lo a satisfazer, ele próprio, a obrigação decorrente da decisão judicial. (...)
Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100 da CF)” (REsp n.
784.188/RS, relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 14.11.2005).
573 PROCESSO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EXECUÇÃO DO ART. 461 DO CPC. MULTA DIÁRIA
(ASTREINTES) MOMENTO DE INCIDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. SÚMULAS 282 E 356/STF. Na tutela das obrigações de fazer e de não fazer do art. 461 do CPC, concedeu-se
ao juiz a faculdade de exarar decisões de eficácia auto-executiva, caracterizadas por um procedimento híbrido no
qual o juiz, prescindindo da instauração do processo de execução e formação de nova relação jurídico-processual,
exercita, em processo único, as funções cognitiva e executiva, dizendo o direito e satisfazendo o autor no plano dos
fatos (...).
574 PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – ART. 461 DO CPC – ASTREINTES: SUSPENSÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ
– POSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE DECISÃO ULTRA PETITA – NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO – OFENSA AO ART. 128 DO CPC. 1. O art. 461 do CPC prevê a cominação de multa para cumprimento da
obrigação de fazer e não fazer, podendo ser fixada de ofício ou a requerimento da parte. 2. O juiz, também de ofício
ou a requerimento da parte, conforme autorizado pelo §6º do mesmo dispositivo legal, está autorizado a modificar o
valor ou a periodicidade da multa, caso verifique se se tornou insuficiente ou excessiva. (...)
575 (...) II – O Tribunal de origem considerou, quanto à forma de liquidação da sentença exeqüenda, que não se pode
decidir novamente as questões já decididas (art. 471, do CPC) e que é defeso à parte discutir questões já decididas,
para as quais já se operou a preclusão (art. 473, do CPC). REsp 706799 – Primeira Turma – DJ 06.03.2006, p. 198
do Superior Tribunal de Justiça.
589
Nesse mesmo norte, mas também fazendo acrescentar que o art. 461 do Código de
Processo Civil só tem aplicação em obrigação de fazer ou de não fazer, é o Acórdão no REsp
521184.576
Daí que parece impróprio dizer da aplicação de regra da proporcionalidade e razoabilidade para reduzir montante de astreintes efetivadas.
3.3. O crédito e a exigibilidade das astreintes efetivadas.
A questão de maior relevo é mesmo em que tipo de obrigação as astreintes podem
ser cominadas. Isso em razão de que tanto é possível fixá-las, reduzi-las ou majorá-las, tanto
na fase de conhecimento como na de execução.
Necessário atentar para o fato de que as astreintes são de natureza processual e que visam
compelir o devedor ao cumprimento da obrigação. Operam a favor da efetividade processual.
Essa a diferença nuclear das astreintes em relação à cláusula penal e à multa de
mora.
O art. 461 do Código de Processo Civil é marco do instituto, sendo de anotar a
regra do §6º, que dispõe da possibilidade do juiz, de ofício, modificar o valor da multa.
De literal compreensão é o caput do artigo mencionado, que giza que as providências para assegurarem resultado prático equivalente ao do adimplemento devem se dar nas
ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
As astreintes figuram como uma dessas providências ao lado da tutela específica
da pretensão. Assim é que o §4º, do art. 461, do Código de Processo Civil, dispõe que o juiz,
concedendo a tutela, liminarmente ou mediante justificação prévia, ou na sentença, poderá
impor multa diária ao réu independentemente de pedido do autor. Porém, se for compatível
com a obrigação.
O caput do art. 461 é textual quanto a que a tutela específica da obrigação nele
mencionada deve dizer respeito a obrigação de fazer ou não fazer.
Parece, desse modo, que a multa diária mencionada no §4º somente pode ter ensejo
se as obrigações forem desta natureza. E somente até a oportunidade da sentença.
Significa dizer que as astreintes, na hipótese do art. 461 do Código de Processo
Civil, restaram cingidas à fase de conhecimento do processo, porque não se colhe nenhuma
autorização para aplicação das astreintes além de nas obrigações de fazer ou de não fazer.
Essa regra sob menção, introduzida no Código de Processo Civil pela Lei n. 8.952,
de 13.12.1994, veio ter acréscimo em 2002, pela Lei n. 10.444, com os parágrafos 5º e 6º.
No primeiro deles, reforçando a função das astreintes, qual seja coerctar o devedor a cumprir a determinação judicial, veio a previsão de imposição de multa por tempo de
atraso dentre outras medidas possibilitadoras de obtenção do resultado prático equivalente à
576 PROCESSUAL – PRECLUSÃO – COMINAÇÃO – DESOBEDIÊNCIA – MULTA – COBRANÇA – REFORMATIO IN PEJUS. I – Só é lícito ao tribunal conhecer de ofício, antes de proferida a sentença de mérito, as questões
a que se refere o CPC, nos incisos IV, V e VI do art. 267. Fora disso opera-se preclusão, tanto mais quando há perigo
de reformatio in pejus. II – O art. 461 do CPC não impede a imposição de multa diária para o cumprimento de obrigação fungível. III – Não é fungível a obrigação de abster-se na prática de determinado ato. Não se concebe que
alguém se abstenha em lugar de outra pessoa, (...)
590
Revista ESMAC
tutela específica concedida precedentemente.
O §6º também inserido no art. 461 do Código de Processo Civil pela mesma lei,
sempre na concepção de satisfazer a obrigação e conferir credibilidade à justiça, fez consagrar que o juiz pode modificar de ofício o valor ou a periodicidade da multa caso verifique
que se tornou insuficiente ou excessivo.
Analisando o texto normativo por inteiro, não é difícil constatar que a modificação arregimentada visa a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático
equivalente.
Assinale-se que a modificação em pauta só pode ocorrer, dada a norma do caput,
no momento anterior à fase de cumprimento da sentença.
Essa alteração também adveio com a Lei 10.444/02, que estendeu, na forma do §3º
do art. 461-A, as mesmas possibilidades, à ação que tenha por objeto a entrega de coisa.
Anote-se que a sentença relativa às obrigações de fazer e de não fazer e de entrega
de coisa, dada sua natureza mandamental, não mais se executa, mas apenas se efetiva em
fase própria no mesmo processo de conhecimento.
Sempre referindo-se a obrigação de fazer ou de não fazer, encontra-se previsto no
art. 645 do Código de Processo Civil que o juiz, ao despachar a inicial da execução, fixará
multa por dia de atraso no seu cumprimento.
O parágrafo único desse dispositivo traz previsão de redução da multa se a mesma
estiver prevista no título. Nesse caso, a multa insere-se na categoria de cláusula penal, e a
redução tem amparo nas regras do Código Civil versantes da matéria.
Atente-se para que as astreintes aplicáveis na fase de conhecimento do processo
não encontram limites. A redução ou majoração preconizadas devem ter em conta o alcance
do resultado da obrigação tutelada, e sempre exigem demonstração de que se tornou insuficiente ou excessivo o valor antes cominado.
Se as sentenças relativas às obrigações de fazer ou de não fazer e de entrega de
coisa tornaram-se mandamentais, na fase de cumprimento as inteiras regras do art. 461 têm
aplicação irrestrita, mas nos termos de seus mandamentos.
Assim encontra-se positivado no art. 475, I, do Código de Processo Civil, primeira
parte, introduzido pela Lei n. 11.232/05.
Mas tratando-se de obrigação por quantia certa, considerando que o tipo não encontra agasalho na regra do art. 461, e tendo em conta as disposições da segunda parte do art.
475-I como também do 475-J, parece descaber falar-se em fixação, redução ou majoração de
astreintes.
O cumprimento da sentença relativa a obrigação por quantia certa dá-se diferentemente da que contém condenação em obrigação de fazer, de não fazer ou de entrega de
coisa.
Enquanto as últimas são cumpridas na forma dos arts. 461 e 461-A, segundo norma
do art. 475-I, as primeiras, sob igual regramento, têm lugar na forma dos artigos seguintes
versantes sobre liquidação e cumprimento da sentença.
Consigne-se que a única multa prevista para a hipótese é a do art. 475-J - de 10%
sobre o montante da condenação -, acaso o condenado não efetue o pagamento no prazo de
quinze (15) dias.
E quanto a ela, não há previsão legal de modificação, de fixação de ofício, de
redução ou de majoração pelo juiz.
591
Importante assinalar que diferente da obrigação em si é a multa pelo seu descumprimento da mesma. A multa efetivada é sempre obrigação por quantia certa, enquanto a
obrigação de que ela decorreu, mesmo se infungível, mantém o elo pessoal entre as partes.
É pacífico nas Jurisprudências dos Tribunais Superiores quanto a que a cominação
de multa diária prevista no art. 461 do Código de Processo Civil é meio de coerção ao cumprimento da obrigação de fazer ou de entrega de coisa, cabível inclusive contra a Fazenda
Pública.577
O Supremo Tribunal Federal, mesmo inadmitindo o recurso extraordinário, no
AgRg 544.297-5/RJ, teve que a redução do valor da multa cominatória, aplicada nos termos
do art. 461, §6º do Código de Processo Civil, ofendeu norma constitucional indiretamente,
irradiada de má interpretação, aplicação, ou até de inobservância de normas infraconstitucionais.578
Importante anotar ainda algumas características das obrigações incidentárias das
astreintes.
Segundo Costa Machado in Código Civil Interpretado, obrigação pode ser conceituada como a relação jurídica transitória existente entre o sujeito ativo (credor) e o sujeito
passivo (devedor), tendo como objeto uma prestação. A obrigação, segundo o mesmo autor,
vincula-se sempre à idéia de dever, cujo descumprimento gera conseqüências amplas para
todos os envolvidos, surgindo daí a responsabilidade.579
O Código Civil vigente, adotando a mesma estrutura do anterior, classifica as obrigações nas modalidades de dar coisa certa e de dar coisa incerta, nas obrigações de fazer e
de não fazer, além de dispor sobre as obrigações alternativas, as divisíveis e indivisíveis e as
solidárias, dentre outras concepções que no presente trabalho deixam de ser enfocadas por
não guardarem estreita correlação.580
No presente estudo têm relevo somente as que passíveis de cominação de astreintes, assim merecendo enfoque.
A obrigação de dar coisa certa é denominada obrigação específica, uma vez já
individualizado seu objeto.
É tratada nos arts. 223 a 242 do Código Civil, estando deferido ao credor, em caso
de resistência ao cumprimento da obrigação, o uso das técnicas de tutela específica, busca
577 (...) 3. É cabível, mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação de multa diária (astreintes) como meio executivo
para cumprimento de obrigação de fazer (fungível ou infungível) ou entregar coisa. Precedentes. REsp 808343/RS.
(...) 3. O presente recurso carece do necessário prequestionamento quanto aos artigos 1º da Lei n. 9.494/97, 461 do
CPC, uma vez que o acórdão recorrido não se manifestou sobre a possibilidade de concessão de tutela antecipada
contra o Poder Público, nem acerca da aplicação das astreintes, nada obstante a oposição dos embargos de declaração
. O mesmo se diga em relação à pretendida ofensa aos artigos 43 da Lei n. 4.320/64 e 267, VI, do CPC. 4. Ainda
que assim não fosse, oportuno ressaltar o entendimento deste relator, no tocante ao cabimento de astreintes contra a
Fazenda Pública, com o objetivo de forçá-la ao adimplemento da obrigação de fazer no prazo estipulado. AgRg no
REsp 572601/RS.
(...) 2. As astreintes do art. 644 do CPC, multa de caráter eminentemente coercitivo, e não sancionatório, visa compelir o devedor a cumprir sua obrigação de fazer ou não fazer, determinada em sentença, que se sujeita às regras do art.
461 do CPC. REsp 647175/RS. Rel. Ministra Laurita Vaz. DJ 26.11.2004, p. 393.
578 (...) 2. RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Acórdão impugnado que reduziu o valor da multa cominatória. Aplicação do art. 461, §6º, do CPC. Alegação de ofensa do art. 5º, XXII, XXIII, XXV, XXXII, LIV e LXIX,
da Constituição Federal. Ofensa constitucional indireta. (...).
579 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (organizador). CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu (coordenadora).
Código civil interpretado Brasil – Barueri, SP : Manole, 2008.
580 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (organizador). CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu (coordenadora).
Código civil interpretado Brasil – Barueri, SP : Manole, 2008.
592
Revista ESMAC
e apreensão da coisa e de multa (astreintes) conforme a regra do art. 461-A do Código de
Processo Civil neste introduzida pela Lei n. 10.444/2002.581
A obrigação de dar coisa incerta, por seu turno, é denominada de obrigação genérica porque identificada apenas pelo gênero e pela quantidade. O objeto, assim, é meramente
determinável, como bem descreve o art. 104, II, do Código Civil, como requisito necessário
à validade do negócio jurídico.
A obrigação de fazer, tratada nos arts. 247 a 249 do Código Civil, inicia por incursar o devedor que recusar a prestação só a ele imposta ou por ele exeqüível na obrigação de
indenizar perdas e danos.
Pode ser conceituada como uma obrigação positiva, cuja prestação consiste no
cumprimento de uma atribuição ou tarefa por parte do devedor.
Classifica-se em obrigação de fazer fungível – aquela que pode ser cumprida por
outra pessoa à custa do devedor originário (art. 249) – e em obrigação de fazer infungível
– aquela de natureza personalíssima por regra do contrato ou decorrente da natureza da
prestação.
Ao credor, em qualquer das duas modalidades, é assegurado o direito de requerer
o cumprimento da obrigação de fazer por meio de medidas de tutela específica nos moldes
do artigo 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, este
sendo consumerista a relação.
A obrigação de não fazer é tratada no Código Civil em dois artigos (art. 250 e
251).
Primeiro diz da extinção para depois dizer da imposição ao devedor que praticar
o ato a cuja abstenção se obrigou, à pena de desfazimento a sua custa e ao ressarcimento de
perdas e danos.
É uma obrigação negativa que tem por objeto uma abstenção. E exatamente por
essa característica que o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o
ato a que devia se abster, conforme arregimentado no art. 390 do Código Civil.
É sempre infungível, personalíssima (intuitu personae) e predominantemente indivisível por sua natureza consoante definição do art. 258.
Pode ter origem legal ou convencional, sendo garantido ao credor, igualmente, as
medidas de tutela específica previstas nos arts. 461 do Código de Processo Civil e 84 do
Código de Defesa do Consumidor.
Pertinente fazer anotar que após as reformas substanciais do Código de Processo
Civil, ocorridas através da Lei n. 11.232/05, não se fala mais em execução de sentença (de
título judicial), mas simplesmente de “Cumprimento da Sentença”.
A Lei citada fez inserir no Livro I (De Conhecimento) o Capítulo IX, que dispõe sobre a liquidação da sentença, constituída das novéis disposições postas nos artigos
numerados de 475-A ao 475-H. Em seguida, dispôs sobre o Cumprimento da Sentença no
Capítulo X, eliminando o processo de execução de título judicial antes inserido no Livro II.
O Cumprimento da Sentença segue a regra estatuída nos arts. 475-I ao 475-E.
Daí que a outrora denominada execução de título judicial passou a figurar como
mera fase do processo de conhecimento.
Sobre a possibilidade de cominação de astreintes na fase executória do título judicial, regra o art. 475-J do Código de Processo Civil que, condenado o devedor ao pagamento
581 Idem - Ibidem.
593
de quantia certa ou já fixada em liquidação, não efetue ele no prazo de quinze dias o pagamento do montante, incorre em acréscimo de multa no percentual de 10%.
Essa multa recém estatuída nas obrigações de pagar quantia certa configura sanção
econômica para o devedor recalcitrante.Tem natureza indenizatória em decorrência da mora
espontânea. E embora não regrado o dies a quo de incidência, tem aplicação após atualização
monetária e cálculo dos juros de mora legais sobre o montante apurado da condenação.
Se deve se dar após o trânsito em julgado, ou não, da sentença, cabe ao devedor
a opção de previsibilidade quanto a reforma do julgado. Convém assinalar que os Juizados
Especiais já fizeram sumarizar que esse prazo conta-se a partir do trânsito em julgado da
sentença conforme Enunciado 105 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais.582
Sem embargo da farta jurisprudência citada, convém trazer à tona o julgado da
Corte Maior deste país no Recurso Extraordinário n. 85263, de 1977, do Rio de Janeiro583
que, apesar de longa data e mesmo não conhecendo do recurso, deixou anotado noVoto não
poder haver ofensa a coisa julgada relativa a multa. Melhor dizendo, nem quanto ao montante e tempo de incidência, salvo se omisso o Acórdão inferior quando, então, a questão
pode ser objeto de decisão após o trânsito em julgado.
Também no Acórdão n. 82382, de 1976, do Rio de Janeiro584, o Supremo Tribunal
Federal teve que não é possível modificar a fluência da multa diária pena de ofensa a coisa
julgada. Os Embargos opostos pelo devedor na execução do julgado foram rejeitados, guarnecendo-se o que decidido quanto a multa na sentença já transitada em julgado.
De qualquer forma, exigível a intimação do sucumbente tal possa ele exercer a
opção de satisfazer prontamente a obrigação ou submeter-se a eventualidade de reforma do
decisum.
No mais, tangente à fase de execução do título judicial, a regra aplicável é a do art. 475I do Código de Processo Civil, segunda parte, qual a que dispõe observância dos termos
atinentes à natureza da execução (provisória ou definitiva), à delimitação das matérias de
impugnação e dos atos subseqüentes de penhora, avaliação e pagamento do crédito em fase
executiva.
Resta, assim, arregimentado, que nas obrigações de pagar quantia certa exarada em sentença ou decorrente de liquidação do título judicial só tem pertinência incidir a multa tratada
no art. 475-J do Código de Processo Civil, ou seja, de 10% sobre o montante apurado da
condenação.
Quanto à execução dos títulos extrajudiciais houve reforma advinda com a Lei n.
11.382/06. Porém, permaneceu intacta a regra do art. 645, que dispõe dever o juiz, ao despachar a inicial de execução de obrigação de fazer ou não fazer fundada em título extrajudicial, fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação.
Essa regra é correlata ao que disposto no art. 52, V, da Lei n. 9.099/95, embora neste haja
referência de fixação também na sentença (fase de conhecimento). É análoga à regra do art.
461 do Código de Processo Civil, só que própria da execução de título extrajudicial e quando
582 Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, não o efetue no prazo de quinze dias, contados do
trânsito em julgado, independentemente de nova intimação, o montante da condenação será acrescido de multa no
percentual de 10% (Enunciado aprovado no XIX Encontro – Aracaju/SE)
583 (...) A questão do momento a partir do qual há de fluir a multa, não fixado tal momento expressamente na decisão
exeqüenda, constitui matéria de execução, quando porventura não contemplado na sentença cujo cumprimento se
pretende (...).
584 RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 82.382, Rio de Janeiro. Recorrente: Estado do Rio de Janeiro. Recorrido:
Hotel Gran Pará Ltda - Segunda Turma. Supremo Tribunal Federal.
594
Revista ESMAC
a mesma tiver por conteúdo obrigação de fazer ou de não fazer.
A regra da Lei dos Juizados Especiais mencionada só tem aplicação na esfera de
competência do microssistema, muito embora o Código de Processo Civil seja aplicado
subsidiariamente.
Em resumo, constata-se que ao magistrado restou conferido apenas o poder de dar
efetividade às suas próprias decisões, fazendo acreditada a justiça na medida da coerção
exercida sobre o devedor de obrigação de fazer e de não fazer. Nesse contexto, possibilitado
ao magistrado na fase de conhecimento e até a sentença, como também na execução, mas
desde que versante sobre obrigação de fazer ou de não fazer, fixar, modificar e alterar o
valor e a periodicidade das astreintes. Mas sempre motivadamente e quando existente causa
justificadora. Ainda assim, deve haver respeito à operada preclusão da decisão anterior nos
limites do tempo em que efetivada a multa.
Na fase de exigibilidade das astreintes, decorrência de sua efetivação, uma vez
transmudada em obrigação de pagar quantia certa, não logra legalizado nenhum poder ao
juiz para modificação do valor calculado. Decisões nesse contexto certamente desnaturam o
próprio título, o próprio julgado, a própria decisão. Importam em injustiça na medida em que
subtrai do credor direito líquido, certo e exigível a crédito que a lei lhe assegura. Importam
em infringência ao devido processo legal.
3.4. Interpretação Normativa da Possibilidade de Atuação do Juiz
O Código de Processo Civil tornou defeso às partes a discussão no curso do processo acerca das questões já decididas, cujo efeito se operou por preclusão (art. 473).
Aliás, nem as partes, nem o juiz poderá mais discutir as questões já decididas,
devendo ser esclarecido que a preclusão (operada no curso do processo e, portanto, antes da
sentença) tem reservas no que diz respeito ao juiz.
E essa impossibilidade é correlata com o efeito da coisa julgada. A preclusão é
análoga. Apenas diz respeito às decisões interlocutórias ou à perda de oportunidade para a
prática de determinado ato.
Assim, parece que nenhuma decisão pode ter o condão de produzir efeito ex tunc
no que se refere à multa efetivada. A ressalva que se tem, embora até nesse ponto haja quem
defenda a intangibilidade das astreintes efetivadas, é tão-somente na hipótese de ser a causa
resolvida improcedente.
Insta dizer que as sentenças condenatórias não exigem mais a instauração de processo próprio. Em vez de execução propriamente, deve a parte credora requerer o cumprimento da sentença nos próprios autos, mesmo quando já decorridos seis meses e o juiz
tiver determinado o arquivamento do processo, quando, então, será desarquivado para efeito
de processamento do pedido (art. 475-J, §5º do Código de Processo Civil).
A liquidação da sentença é tão-somente ato preparatório ao desencadeamento do
cumprimento da sentença, pois.
E a execução propriamente dita restou relegada aos títulos extrajudiciais, uma vez
que, com a reforma, quanto aos títulos judiciais, foi ela convertida em fase do processo de
conhecimento.
595
O Livro II, ao tratar do processo de execução, apenas dispõe sobre a legitimidade
das partes para promovê-la, do juízo competente para processá-la, dos requisitos necessários
para realizar qualquer execução e de discriminar os títulos executivos extrajudiciais, tanto
assim seus requisitos formais.
Com a revogação dos arts. 588 a 590, seus dispositivos lograram transferidos para
o Livro I do Código de Processo Civil.
No livro próprio de execução, o Código de Processo Civil também cuidou de discriminar os responsáveis pelo cumprimento das obrigações e os poderes do juiz no processo.
Com a revogação dos arts. 603 a 611, que tratavam da liquidação da sentença, as disposições
lograram transferidas para o processo de conhecimento sob os arts. 475-A ao 475-H.
A sentença – volte-se a gizar –, restou objeto de cumprimento no processo de
conhecimento, do que se deflui, sem esforço, estar reservada na atualidade a execução tãosomente aos títulos extrajudiciais.
Portanto, as regulações subjacentes do Código quanto ao processo de execução dizem respeito somente aos títulos executivos relacionados no art. 585, ou, conforme seja para
entrega de coisa ou de obrigação de fazer ou de não fazer tangentes a títulos extrajudiciais.
Isso porque, quando tais obrigações forem objeto de sentença (título judicial), a execução se
dará conforme regramento do art. 475-I.
Aliás, resta claro no art. 621, alusivo à execução de obrigação de coisa certa, que
ela só diz respeito a título extrajudicial.
O mesmo se dá em relação à execução de entrega de coisa incerta, muito embora
não literalizada no art. 629, de vez que a mesma depende obrigatoriamente de prévia determinação da coisa (Código Civil, art. 85), no que se converte em execução de obrigação de
entregar coisa certa.
Tenha-se em conta que a execução para entrega de coisa incerta só se pode fundar
mesmo em título executivo extrajudicial, uma vez que por sentença exigível a discriminação
da coisa para efeito da condenação, ainda que alternativa a obrigação.
Tangente às obrigações de fazer ou de não fazer, considerando que o art. 475-I,
quanto à sentença, determina expressamente que o cumprimento se dê conforme os arts. 461
e 461-A, evidente que o regramento executivo tratado nos arts. 632 e seguintes só está a se
referir às obrigações cujo título seja extrajudicial.
Não é demais lembrar que o art. 644, em reforço à norma do art. 475-I, regra que
a sentença relativa a obrigação de fazer ou de não fazer cumpre-se de acordo com o art.
461, apenas observando-se subsidiariamente o que disposto no capítulo próprio da execução
(Livro II).
Em suma, analisando o Livro II e as reformas advindas com a Lei nº 11.232/05,
constata-se que a partir desta não há mais execução de sentença. Mas cumprimento da sentença, que se processa nos próprios autos de conhecimento.
Consigne-se que o art. 644 teve modificação de redação pela Lei n. 10.444/02,
anterior, portanto, à reforma de 2005. Mesmo assim já previa que a obrigação de fazer e de
não fazer cumpria-se de acordo com o art. 461.
Com a última reforma, é de ser analisado o art. 644 em combinação com o art. 475-I,
porque na época da alteração da redação do art. 644 não havia ainda o art. 475-I, nem o 461-A.
O mesmo pode ser dito em analogia quanto ao art. 645 que, mesmo tratando de
execução fundada em título extrajudicial, permite a fixação de multa por dia de atraso no
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cumprimento da obrigação.
Quanto à execução por quantia certa contra devedor solvente – naturalmente em
se tratando de título extrajudicial –, são aplicáveis as disposições do art. 646 e seguintes do
Código de Processo Civil. Mas para o caso de execução de título judicial, quando a parte
credora preferir a execução da sentença de forma independente e até em outro juízo, como
lhe faculta o art. 475-P, parágrafo único (local onde se encontram bens ou do domicílio do
devedor), a regra será a do art. 475-I.
De lembrar que com a última reforma do processo de execução foi revogado o art.
584 que enumerava os títulos judiciais, tendo suas disposições sido inseridas no processo de
conhecimento, no art. 475-N.
No mais, o art. 475-R do Código de Processo Civil dispõe que o processo de execução (Livro II) apenas se aplica subsidiariamente à fase de cumprimento da sentença. Ou
seja, no que não conflitante com as novas regras vindas com a Lei nº 11.232/05, devendo se
dar atenção à parte final da redação do artigo, clarividente por demais ao fazer consolidar
que as normas mencionadas são as que regem a execução de título extrajudicial.
Melhor dizendo, o Livro II (processo de execução) regra tão-somente a execução
por título extrajudicial, restando a aplicação subsidiária mencionada quanto a responsabilidade patrimonial, quanto a nomeação e constrição de bens, quanto a penhora e ao depósito,
quanto a avaliação, quanto a arrematação, quanto ao pagamento do credor e quanto a adjudicação.
Quanto aos embargos, em se tratando de sentença nos autos do processo de conhecimento, não têm eles lugar, uma vez que com a reforma a via própria prevista (art. 475-J,
§1º) de resistir o devedor é a Impugnação.
Isso também se confere dos arts. 744 a 795, que literalmente excluem a sentença
da possibilidade de embargos, ressalvando os tangentes à adjudicação, à arrematação e de
terceiros, aplicados subsidiariamente na fase de cumprimento da sentença.
Por conseguinte, não é temerário afirmar que, requerido o cumprimento da sentença nos próprios autos de conhecimento ou em autos apartados, a regra a ser observada é a
do art. 475-I e seguintes.
Ou seja, no tangente às obrigações de fazer ou de não fazer, nos termos do art. 461
e 461-A. E em tratando-se de cumprimento da sentença por quantia certa, segundo literalidade colhida do texto legal mencionado, por execução nos termos dos demais artigos do
capítulo.
Quer dizer, uma vez liquidada a sentença ou já contendo ela valor certo, mediante
requerimento da parte instaura-se a fase própria com penhora e avaliação, intimando-se o
executado para, querendo, impugnar no prazo de quinze (15) dias.
E tanto faz que a execução seja provisória ou definitiva. Após liquidada a sentença,
devedeprontoserexpedidomandadodepenhoraeavaliação,intimando-seoexecutadopara
oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze (15) dias, sobre as matérias discriminadas no art. 475-L, a qual só terá efeito suspensivo excepcionalmente.
O art. 475-B textualiza que a execução solicitada na forma do art. 475-J pode ser
instruída com memória de cálculo ou pode ser liquidada pelo contador do juízo. E somente
quando o credor não concordar com estes últimos, mas processando-se a execução pelo valor
originadamente pretendido, é que a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador
(art. 475-B, §4º).
597
Não há, como se vê, à luz da lei, nenhuma oportunidade na fase processual de
cumprimento do julgado para modificação do valor nele sumarizado ou no que extraído de
sua liquidação.
Aliás, nem mesmo quando a execução é provisória por não ainda trânsita em julgado a sentença, porque ela, no que couber, dá-se nos mesmos termos da definitiva (art.
475-O).
Bem mais porque, com base no mesmo texto mencionado, há permissão legal
quanto até ao levantamento de depósito em dinheiro.
Os arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil dizem respeito tão-somente a
ação de conhecimento que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou de não
fazer (art. 461), e a entrega de coisa (art. 461-A). Isso se constata da literalidade dos textos
mencionados em consonância com a regra do art. 475-I.
Em face disso, impossível parece a redução do valor apurado e objeto de cumprimento de sentença ou acórdão só pelo fato de o valor ser oriundo de multa cominatória.
Tenha-se em conta que a liquidação é fase própria para se apurar o valor objeto
da condenação que não guarda correlação com obrigação de fazer. É, assim, obrigação por
quantia certa dependente tão-somente de apuração. Obrigação de valor.
Tanto é que não há previsão legal de liquidação tangente às sentenças que determinam a entrega de coisa nem, tampouco, por evidente, daquelas que determinam o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer.
O art. 463 do Código de Processo Civil regra que, publicada a sentença, o juiz só
poderá alterá-la para lhe corrigir inexatidões materiais ou lhe retificar erro de cálculo. Ou por
meio de embargos de declaração para sanar omissão, contradição ou obscuridade.
De outro lado, as regras processuais quanto à execução dispõem que a provisória
far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, correndo por conta e responsabilidade do exeqüente, ficando sem efeito se sobrevier acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução e permitindo inclusive o levantamento de depósito em dinheiro.
Também o art. 466 do Código de Processo Civil regra que a sentença condenatória
do pagamento de uma prestação vale como título constitutivo de hipoteca judiciária.
Estas observações e cotejos de mandamentos legais guardam pertinência com os
atos do juiz possíveis na fase de cumprimento da sentença. Sobretudo em face da reforma do
Código de Processo Civil, advinda com a Lei n. 11.232/05, específica do título judicial.
Após as regras aplicáveis à fase de resolução da lide, de modo a atingir os requisitos da liquidez e exigibilidade, fez a lei inserir o Capítulo IX (Da Liquidação da Sentença),
tratada nos arts. 475-A ao 475-H.
O credor, assinale-se, pode exigir o valor devido mesmo antes do trânsito em julgado da sentença mediante execução provisória.
Se não houver determinado o valor devido, pode requerer antes a liquidação da
sentença.
Se requerida, o primeiro ato do juiz, segundo norma do §1º do art. 475-A, é determinar a intimação do devedor, na pessoa de seu advogado. Esse o início do desenvolvimento
da fase de liquidação, cujo pedido, naturalmente, deve encontrar-se articulado na petição do
credor.
Após a liquidação, ou se já apresentada a memória de cálculo, segundo norma do
art. 475-B, o credor requererá de pronto o cumprimento da sentença na forma do art. 475-J,
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devendo ser também intimado o devedor, que pode pagar o valor, ou impugná-lo e, então,
nesse caso, sujeitar-se à possibilidade do acréscimo ali preestabelecido.
O juiz, ante o requerimento de cumprimento da sentença, submete-se ao dever da
intimação.
Somente se a liquidação depender de arbitramento ou da forma de artigos é que ao
juiz resta deferido o poder de decidir quanto ao valor, mas sempre limitado ao que extraído
do decisório. Quando depender de cálculo aritmético, do contador ou apresentado pela parte,
não há base legal que sustente manifestação judicial para modificar-lhe o valor. A manifestação ficou reservada às próprias partes nos termos da nova regra liquidatória do título judicial.
É o que se confere do art. 475-B e do 475-G, do Código de Processo Civil.
Dedique-se atenção à regra do último dispositivo mencionado que, mesmo reproduzindo o texto do revogado artigo 610, é clarividente na restrição, tanto do devedor quanto
do magistrado, na oportunidade de liquidação do julgado, no que diga respeito ao quantum
debeatur.
Essa novel norma veio solucionar interpretação anterior, quando vigente o então
revogado artigo 610 e então possibilitado ao devedor, na liquidação por artigos, frente a interferência interpretativa, conferindo natureza jurídica diversa à liquidação, invocar carência
de ação, matéria circunscrita à fase de conhecimento.
Segundo a regra atual (art. 475-G), resta clara a vedação de sequer discutir de novo
a lide ou modificar a sentença que a julgou. Significa dizer que as astreintes efetivadas não
podem receber do juiz qualquer decisório modificativo do patamar devido.
Enfim, superada a fase de liquidação, o título tornou-se líquido e certo, considerando que exigível já o era antes de transitar em julgado a sentença de vez que a execução
pode se dar provisoriamente em termos análogos.
O cumprimento da sentença se desenvolverá na forma prevista no Capítulo IX, do
Livro I. A primeira atuação do juiz nessa fase é quanto a multa e a penhora prevista no art.
475-J do Código de Processo Civil.
Ou seja, apurado em liquidação o valor e dele intimado o devedor, não havendo
pagamento no prazo de quinze (15) dias, deve o juiz deferir a multa incidentária do art. 475-J
determinando a penhora e a avaliação se não houve indicação de bens passíveis de penhora
pelo credor já na inicial.
Se apresentada impugnação, o juiz deve julgá-la nos termos do art. 475-L e
seguintes. Nesse contexto, atribui efeito, manda processar, decide resolvendo a impugnação
e suspende ou finaliza o processo, extinguindo-o nos termos dos arts. 794 e 795 do Código
de Processo Civil.
As alterações que promovem os juízes nas astreintes efetivadas, ou por retroatividade de decisão posterior modificativa do valor ou sob o pálio de onerosidade excessiva ou
locupletamento ilícito (enriquecimento sem causa), parecem equivocadas, assim. Afinal, o
art. 461 do Código de Processo Civil dispõe da fase de conhecimento do processo e diz respeito a obrigação de fazer e de não fazer. A multa, que se efetiva dia por dia, diferentemente,
é obrigação de pagar, que atrai a regra dos arts. 475-I e 475-J do Código adjetivo civil.
Na fase de cumprimento do julgado que encerre obrigação de pagar, natureza
das astreintes efetivadas, seja decisão ou sentença, transitada em julgado ou não, segundo as regras legais e posições doutrinárias e jurisprudenciais enfocadas, o juiz está
vinculado tão-somente a agir para efeito de liquidação do valor exeqüendo (quando
599
a parte não apresentar memória discriminada e atualizada de cálculo), às intimações
das partes, aos atos de constrição, a eventual julgamento de impugnação e, a final, a
declarar por sentença satisfeita a obrigação nas hipóteses previstas em lei.
A atuação, diminuindo o valor de obrigação certa de pagar, como é a hipótese das
astreintes efetivadas, viola as normas aplicáveis à espécie, do Código de Processo Civil e,
conseqüentemente, o devido processo legal.
Razão disso, não se põe temerário afirmar ser vedado ao juiz alterar o quantum
apurado, das astreintes efetivadas.
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CONCLUSÃO
A Lei nº 11.232/05, revogando dispostivos atinentes e insertos no livro próprio,
transmudou a execução de título judicial para o Livro I, que dispõe acerca do processo de
conhecimento.
A antes denominada execução de título judicial converteu-se então em fase do
processo de conhecimento sob a denominação de “Cumprimento da Sentença”, tratada no
Capítulo X do Livro I, nos arts. 475-I e seguintes.
O cumprimento da sentença, segundo norma do art. 475-I do Código de Processo
Civil, passou a se dar conforme a natureza do julgado. A regra é de que far-se-á conforme os
arts. 461 e 461-A ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução nos termos
dos demais artigos do Capítulo X do Livro I.
O processo de execução (Livro II) restou relegado aos títulos extrajudiciais, sendo aplicado ao cumprimento da sentença tão-somente no que não colidente com as regras
próprias inseridas no processo de conhecimento (Livro I). Ou seja, quanto a legitimidade,
responsabilidade patrimonial, penhora, depósito e avaliação, arrematação, remissão, adjudicação e praça. Quanto aos embargos, só se relativo a estes últimos atos.
O art. 461, que determina que o juiz pode a qualquer tempo modificar o valor ou a
periodicidade da multa, encontra-se no Livro I.
Conforme literalidade do art. 461, que regra aplicação na fase de conhecimento, é
ele incindível tão-somente nas ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou de não fazer.
A concessão da tutela específica da obrigação mencionada no caput do art. 461
tanto pode se dar liminarmente, intermediariamente no curso do processo ou na sentença,
consoante se pode extrair das regras do próprio art. 461 e também do mandamento do art.
475-I, neste caso quando se tratar de multa efetivada em fase de exigibilidade.
A modificação tratada no §6º do art. 461, portanto, só se pode nos estritos marcos
e situações previstas para tal. Ou seja, entre o ajuizamento da ação e por ocasião da análise
de eventual pedido liminar, ou no curso do processo, até a sentença cognitiva, contanto
que se trate de obrigação de fazer ou de não fazer. Se já em fase de execução do julgado,
condenatório nessas modalidades obrigacionais, a regra tem também aplicação consoante
mandamento do art. 475-I.
O art. 461, caput e seus §§1 º, 2 º, 3 º e 4 º, do Código de Processo Civil, tiveram
suas redações alteradas através da Lei nº 8.952 de 13.12.94. Já os §§5º e 6º do art. 461 vieram ser incluídos no Código de Processo Civil através da Lei nº 10.444, de 07.05.2002.
O art. 461-A, também acrescentado pela Lei nº 10.444/2002, já que o art. 461 houvera versado sobre obrigação de fazer ou de não fazer, passou a regrar a ação cujo objeto seja
a entrega de coisa, também prevendo a concessão de tutela específica com fixação de prazo
para cumprimento da obrigação.
O §3º do art. 461-A, acrescentado em mesma oportunidade, estatui que para esse
tipo de ação – entrega de coisa certa ou incerta –, podem ser aplicadas as normas dos §1º ao
6º do art. 461 referentes a obrigação de fazer e de não fazer.
Corroborando que referidos artigos dizem respeito unicamente à fase de conhecimento é a norma do art. 462, que determina ao juiz tomar em consideração eventual fato
601
constitutivo, modificativo ou extintivo do direito que possa influir no julgamento da lide. O
julgamento da lide se dá exatamente via de sentença, na fase de conhecimento.
Também o art. 463 faz consolidar a afirmação, uma vez que sumariza que o juiz só
pode alterar a sentença, depois que for ela publicada, para lhe corrigir inexatidões materiais
ou lhe retificar erros de cálculos, e através de embargos de declaração.
O art. 466, mesmo sem transitar em julgado a sentença, dispõe que é dela efeito a
produção de hipoteca judiciária.
O Capítulo X do Livro I, que trata da Liquidação da Sentença, resultou inserido no
Código de Processo Civil via da Lei nº 11.232/06, como de igual o instituto do Cumprimento
da Sentença (Capítulo X) que se inicia exatamente com o art. 475-I.
Antes de tratar do cumprimento da sentença, o Código de Processo Civil tratou de
prever sua liquidação quando necessário. Ou seja, se não determinado o valor devido, caso
em que prevê o §1º do art. 475-A a necessidade de intimação da parte do requerimento de
liquidação.
Dependendo a sentença apenas de cálculo aritmético, o art. 475-B dispõe que o
credor requererá seu cumprimento na forma do art. 475-J.
O art. 475-J mencionado preconiza que se o devedor, condenado ao pagamento
de quantia certa ou fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, suportará
acréscimo de 10% sobre a condenação, expedindo-se o mandado de penhora a requerimento
do credor.
O §1º de mencionado artigo dispõe que o executado deve ser intimado da penhora, passando daí a correr o prazo de quinze dias para o oferecimento de impugnação, que
só poderá versar acerca das hipóteses previstas no art. 475-L recém inserido no Código de
Processo Civil em 2006, também pela Lei nº 11.232/05.
A impugnação, segundo o art. 475-M, de regra, não terá efeito suspensivo, o qual
só se dará em caso de relevância dos fundamentos e o prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado dano de difícil ou incerta reparação.
Mesmo que atribuído efeito suspensivo à impugnação, ao exeqüente restou assegurado
o direito de pedir o prosseguimento da execução mediante oferecimento de caução idônea,
processando-se a impugnação com esse efeito nos próprios autos de conhecimento como
determina o art. 475-M, §§1º e 2º.
O §1º do art. 475-I dispõe da possibilidade de ser executada a sentença antes de se
operar seu trânsito em julgado, cujo recurso tenha sido recebido somente no efeito devolutivo.
O art. 475-O dispõe que a execução provisória, no que couber, se dará do mesmo
modo que a definitiva, correndo por conta e responsabilidade do exeqüente e ficando sem
efeito sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, com liquidação de eventuais danos.
O inciso III do art. 475-O prevê até a possibilidade, na execução provisória, de
levantamento de depósito em dinheiro mediante caução suficiente e idônea.
Segundo as regras do art. 461, somente na ação (fase de conhecimento) que diga
respeito a obrigação de fazer ou de não fazer e na que tenha por objeto a entrega de coisa (art.
461-A) podem ter aplicação as regras nele estatuídas. Em execução, conforme literalidade
do art. 645, somente se disser respeito a título extrajudicial e ao mesmo tipo de obrigação.
Quando o título exeqüendo tiver natureza judicial, a incidência das regras dos arts. 461 e
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Revista ESMAC
461-A tem lugar se a condenação for, também, em obrigação de fazer, ou de não fazer ou de
dar coisa certa, conforme disposto no art. 475-I do Código de Processo Civil.
Com as novéis alterações do Código de Processo Civil, que revogaram os artigos
próprios do Livro II, não existe mais execução de título judicial (sentença). Mas apenas cumprimento da sentença, como fase do processo de conhecimento e após a liquidação quando
necessária.
Mesmo quando a execução de sentença se processar em autos apartados, no caso
de execução provisória ou no caso de execução onde se encontrar bens ou no domicílio do
devedor (art. 475-P, parágrafo único), a regra a ser aplicada é a do art. 475-I por tratar-se de
título executivo judicial.
Volte-se a anotar que o processo de execução (Livro II) restou relegado aos títulos extrajudiciais, sendo aplicado ao cumprimento da sentença tão-somente no que não
colidente com as regras próprias inseridas no processo de conhecimento (Livro I). Ou seja,
quanto a legitimidade, responsabilidade patrimonial, penhora, depósito e avaliação, arrematação, remissão, adjudicação e praça. Quanto aos embargos, só se relativo a esses últimos
atos, uma vez que na execução de título judicial a irresignação cabível se processa via de
impugnação.
Na fase de cumprimento da sentença não cabem embargos do devedor, mas impugnação (art. 475-J, §1º) sobre as matérias elencadas no art. 475-I. Os embargos restaram
reservados somente às execuções de título extrajudicial e às execuções da Fazenda Pública.
A sentença recebeu nova definição após a Lei nº 11.232/05, de modo que é hoje
o ato do juiz que implica algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 do Código de
Processo Civil. Ou seja, o ato que resolver, ou não, o mérito da causa (art. 162, §1º).
A sentença na fase de cumprimento do julgado (execução) não contém provimento
satisfativo, mas consubstancia-se meramente em ato formal declaratório de encerramento do
processo quando ocorrente alguma das causas extintivas elencadas no art. 794 do Código de
Processo Civil.
Não havendo resolução de mérito na fase de cumprimento da sentença, mesmo
porque não há mérito a ser apreciado na execução, a sentença plasmada no art. 795 do Código de Processo Civil tem natureza estrita e vinculada à satisfação da obrigação, à transação,
à remissão ou a outro meio de extinção do litígio por concessões recíprocas, além de quando
ocorrente renúncia ao crédito exeqüendo.
A satisfação da obrigação, salvo ajuste em contrário entre as partes, atrela-se ao
que depurado do julgado.
A multa cominatória tem natureza e função distinta de multa moratória e de multa
compensatória integrantes da cláusula penal. Não pode decorrer de negócio jurídico, só
tendo aplicação e incidência nos casos previstos em lei e quando houver processo judicial
em curso. As astreintes, diferentemente da cláusula penal, não têm vinculação a teto algum.
Nem mesmo com a obrigação principal.
Embora as astreintes não sejam a pretensão da lide, uma vez cominadas e descumprida a ordem judicial, incidem dia por dia tornando-se efetivas. Tornam-se dívida de
dinheiro e comportam execução por quantia certa nos termos do art. 475-I e seguintes do
Código de Processo Civil.
O pagamento, como forma de extinção das obrigações, segundo art. 708 e seguintes
do Código de Processo Civil, far-se-á ou pela entrega do dinheiro, pela adjudicação dos bens
603
penhorados ou pelo usufruto de bem imóvel. Portanto, sem que haja pagamento efetivo do
montante apurado relativo às astreintes, mediante a entrega de dinheiro ou pelas outras duas
vias correspectivas, impróprio se afigura extinguir o processo de execução dizendo satisfeita
a obrigação.
A aplicação das regras da proporcionalidade e da razoabilidade, para efeito de
reduzir valor efetivado de astreintes, não parece apropriado porque não guardam elas correlação com valor pecuniário, mas tão-somente com a adequação entre os meios e os fins.
Para a exigibilidade das astreintes efetivadas o meio não é outro senão a via da instauração
da fase de cumprimento do julgado após liquidação para apuração do quantum exeqüendo se
necessário. E a finalidade é buscar o desfecho único de todo processo executivo, ou seja, o
pagamento do valor correspondente às astreintes efetivadas, depuradas de decisório judicial
alcançado pela preclusão ou pela coisa julgada.
O princípio do devido processo legal contém ínsito o da legalidade que regra obediência às normas compositivas do Ordenamento Jurídico estando afetas ao juiz como dever.
O Código de Processo Civil, em seu art. 125, dispõe que o juiz dirigirá o processo conforme
as disposições do Código. E esse Código tem regramentos próprios para a fase de cumprimento do julgado, estatuídas a partir do art. 475-I após superada a fase de liquidação.
O enriquecimento é instituto que exige a existência de amparo legal e causa justa.
Em relação à multa cominatória efetivada, uma vez ser ela decorrente de texto de lei (arts.
461, 461-A ou 645 do Código de Processo Civil), e de decisão judicial antecedente, encerra
plena e legítima causa jurídica, do que parece lógico não se haver falar em ausência dela
para eventual enriquecimento dessa origem. Nem de, em razão de vultuoso montante, tê-lo
por excessivo e por isso só invocar regras da proporcionalidade e da razoabilidade como
estanques ao enriquecimento com causa.
Em conclusão, depreende-se não ser adequado modificar valor de astreintes efetivadas, quer seja na fase de conhecimento quanto na de cumprimento da sentença. Nenhuma
decisão parece poder retroagir para modificar as astreintes consumadas, mesmo quando nova
decisão sobrevier modificando-lhes para menor o valor diário de incidência. As decisões
nesse porte violam o devido processo legal. E quando verificada, sendo a matéria de ordem
pública, deve ser conhecida de ofício e em qualquer grau de jurisdição. Convenha-se que o
que afronta o devido processo legal é nulo pleno iuris, e mesmo sob o rótulo de transitado
em julgado o decisório deve ser declarado sem qualquer efeito.
Afinal, as astreintes somente produziram efeito inter-partes, não ensejando qualquer
prejuízo a terceiro. E a nulidade absoluta por afronta ao devido processo legal não pode
merecer resguardo.
Na fase de exigibilidade das astreintes efetivadas, o poder conferido ao juiz, conforme dispositivos legais e firme jurisprudência, cinge-se às medidas propiciadoras de satisfação da obrigação de pagar o montante calculado. Sendo decorrentes de título judicial
(decisões ou sentença), a regra a ser aplicada é a do art. 475-I e seguintes do Código de
Processo Civil.
Tratando-se de fase de cumprimento do julgado, a modificação do valor e da periodicidade da multa efetivada viola o devido processo legal sendo passível de nulificação.
Deve ser considerado que qualquer montante expresso em título extrajudicial não sofre apreciação do magistrado em fase executiva, nem mesmo sendo questionado qualquer aspecto da
substancialidade que possa desnaturar a literalidade e autonomia do título. Com muito mais
604
Revista ESMAC
razão, parece irrazoável e desproporcional alterar valor de um título judicial.
O poder de jurisdição e o da livre convicção do julgador exigem observância e
cumprimento da lei, pena de configurar abuso, propiciar indignidade da justiça, senão ser
sumário da própria injustiça.
As astreintes efetivadas fluem dia por dia, convertendo-se assim em obrigação de
pagar em face do que incabível pretender reduzir o valor calculado em fase de exigibilidade
sob o escudo do art. 461 do Código de Processo Civil, aplicável apenas na fase de conhecimento ou quando a execução disser respeito a obrigação de fazer ou de não fazer.
Assim, e por estas razões, a aluna conclui que as astreintes efetivadas não
comportam nenhum poder de gestão do juiz para modificar-lhes o valor. Que decisão
nesse sentido é nula pleno iuri. Que o credor de astreintes efetivadas tem direito líquido
e certo à percepção de qualquer montante que vier alcançar a liquidação do título que
as fixou. Que, afinal, o poder de gestão limita-se à direção do processo visando ao alcance do fim consignado no decisório, que é também o do credor.
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606
Revista ESMAC
CONSIDERAÇÕES SOBRE A GESTÃO DE CARTÓRIO DE VARA
CRIMINAL GENÉRICA, INSTALADA EM PEQUENA COMARCA DO
INTERIOR DO ESTADO DO ACRE, NO QUE SE REFERE A PROCESSOS
DE EXECUÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE, NOS REGIME
FECHADO E SEMI-ABERTO, VISANDO ALCANÇAR
AS FINALIDADES DAS PENAS
Thais Queiroz Borges de Oliveira Abou Khalil
1. INTRODUÇÃO
O novo tempo vivenciado pelo Poder Judiciário no Brasil, precedido de críticas e
duras manifestações de desagrado por parte da população, insatisfeita com a ineficiência e
com a morosidade da prestação jurisdicional, e também com a dificuldade de acesso à tutela
estatal, tem despertado os juízes e suas equipes para a responsabilidade que têm pela verdadeira reprovação, por parte da população, dos serviços que vêem prestando.
Após a Constituição Federal de 1988, a demanda ao Poder Judiciário cresceu consideravelmente, e não encontrou vazão em razão da precariedade das estruturas humanas
e físicas, bem como da legislação ultrapassada. Ao mesmo tempo, os olhos da população,
impulsionados pela imprensa, voltaram-se para os Fóruns e Tribunais, dando-se publicidade
ao fracasso da prestação jurisdicional em muitos, para não se dizer, na maioria dos litígios
submetidos a julgamento.
O despertar veio em primeiro momento através de alterações legislativas, que facilitaram o acesso à tutela jurisdicional e racionalizaram os procedimentos, criando-se mecanismos para freiar o uso indiscriminados de atos meramente protelatórios, que perpetuavam o processamento dos feitos, tornando intempestivas as decisões judiciais.
Ao lado das reformas legislativas, precipuamente processuais, os tribunais
começaram a investir em recursos humanos e a melhorar a estrutura física de suas instalações, tudo de modo a propiciar adequadas acomodações aos jurisdicionados e às equipes de
trabalho, além de estruturar e capacitar estas últimas, para bom atendimento dos primeiros e
para o adequado processamento dos feitos.
Constataram-se, finalmente, as deficiências dos tribunais, em todas as suas esferas,
no que se refere aos atos de gestão. Desde a administração dos tribunais, passando-se pelos
chefes de setores da administração, e chegando-se até os juízes, dentro de suas unidades
judiciais, em nenhuma dessas esferas havia consciência da imprescindibilidade da boa administração, e os atos de gestão eram executados intuitivamente, já que seus executores sequer
detinham formação acadêmica para tanto.
Trazendo a questão especificamente às unidades judiciais, o que se verificava eram
juízes extremamente capacitados e operosos, porém especificamente em relação a suas atribuições jurídicas. O excesso de trabalho, decorrente do fato de se responsabilizaram por
607
processos em número bastante superior ao recomendável, aliado ao fato de, muitas vezes,
responderem por outras unidades judiciais além da de sua titularidade, os impediam de atentar-se para outros assuntos senão a prolação de sentenças, a realização de audiências, enfim,
a temas jurídicos, para os quais estavam capacitados.
Porém, verificou-se que, mesmo com os avanços legislativos, com a melhoria das
condições de instalação física de suas unidades, do aumento do número de membros nas
equipes de trabalho e a satisfatória capacidade destes para o desempenho das tarefas cartorárias, a ineficiência se manteve em larga escala e a celeridade não foi alcançada.
Nesse momento, então, é que foi constatada a grave deficiência da gestão cartorária
e as implicações diretas e negativas que traziam sobre o desempenho da atuação jurisdicional.
Um simples olhar mais atento às unidades cartorárias foi suficiente para que muitos
magistrados percebessem que de nada valiam as estruturas físicas e humanas disponíveis, se
não estivessem bem coordenadas e usufruídas em sua integralidade.
A boa atuação de um magistrado é totalmente dependente da atuação do cartório
que movimenta o processo. Sentenças e despachos não executados pelo cartório, nada representam aos jurisdicionados senão um amontoado de papéis.
Por isso, o processo de modernização do Poder Judiciário, que hoje pode ser constatado em muitos tribunais, deve-se, em muito, a este despertar para a imprescindibilidade
dos atos de gestão cartorária.
Seguida a esta constatação, surgiu vasto interesse dos profissionais do Direito que
exercem atos de gestão, por conhecimento em torno do tema, já que a administração cartorária não pode continuar a ser feita intuitivamente.
A grande dificuldade dos magistrados é exatamente alinhar seus conhecimentos
jurídicos e sua experiência na movimentação dos processos, aos atos conscientes e preordenados de gestão.
Nos grandes centros, em que as unidades cartorárias são especializadas e, em muitos casos, movimentam um único modelo de processo, é mais simples planejar-se a tramitação dos feitos, que se assemelha em muito à área de produção de uma empresa, executando-se cada etapa, de maneira sempre idêntica, até se alcançar o produto final que, em um
processo, seria uma sentença ou o resultado da execução desta.
Porém, esta realidade não se aplica a unidades judiciais genéricas, nas quais são
movimentados vários procedimentos distintos. Nesses casos, requer-se maior conhecimento
por parte da equipe de trabalho e mais complexidade na organização do cartório.
Pretende-se, justamente, através da presente pesquisa, voltada a juízes e a profissionais que atuam na movimentação de processos, propor-se um modelo de gestão de um
cartório judicial genérico, que movimenta feitos exclusivamente criminais, mas focando-se
o estudo aos processos de execução de penas em meios fechado e semi-aberto, já que a experiência demonstra que, embora em número inferior, representam a parte mais complexa
das atividades cartorárias.
A pesquisa localiza-se, também, em uma vara instalada em pequena comarca do
interior do Estado do Acre, onde o reduzido número de habitantes e a força da imprensa local, através da rádio, apresenta-se como fator de auxílio à atuação jurisdicional nas ações de
execução penal.
Não se trata, exatamente, da revelação do “segredo de um sucesso” ou de uma
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Revista ESMAC
“fórmula milagrosa”. Na verdade, procura-se encontrar mecanismos de profissionalizar a
gestão cartorária especificamente dos feitos de execução penal em meios fechado e semiaberto, após a consciência da imprescindibilidade destas ações para que referidos processos
cheguem a termo alcançado o objetivo proposto e esperado pelo apenado e pela sociedade
em geral.
Para tanto, inicia-se o trabalho abordando conceito de gestão e enfatizando-se a
imprescindibilidade da gestão eficaz de cartórios judiciais.
Fala-se sobre as penas, narrando-se a origem e evolução das mesmas, apresentando-se as diversas teorias a respeito de suas finalidades e demonstrando-se as que foram
adotadas pelo ordenamento jurídico pátrio, já que a meta dos cartórios que movimentam
processos de execução penal deve ser, justamente, que a pena imposta alcance os objetivos
propostos na legislação.
Focam-se, em linhas gerais, as regras da execução penal no Brasil, abordando-se
a recente alteração legislativa que permitiu a progressão de regime aos condenados pela
prática de crimes hediondos, já que esta inovação repercutiu sobremaneira na tramitação dos
processos de execução penal, simplesmente porque o número de incidentes possíveis em um
processo de execução de pena cumprida em regime semi-aberto é consideravelmente maior
se comparado ao processo em que a pena é cumprida exclusivamente em regime fechado.
Aborda-se a grande relevância da atuação jurisdicional ao longo da execução da
pena, intermediando, com a necessária imparcialidade, os interesses de punir do Estado, e de
que sejam cumpridas as leis, por parte dos reeducandos.
Finalmente, aborda-se a atuação de todos os entes envolvidos e interessados no
sucesso da execução das penas, quais sejam, o reeducando, a sociedade, o juiz, a unidade
prisional e o cartório judicial, focando-se a análise a este último e apresentando-se, então,
propostas de gestão justamente para que, a depender da atuação cartorária, os objetivos das
reprimendas sejam efetiva e tempestivamente alcançados.
609
2. O QUE É GESTÃO?
Pode-se dizer que até agora o empirismo tem remado na administração dos negócios. Cada
chefe dirige à sua maneira, sem se preocupar em saber se há leis que regem a matéria. É necessário introduzir o método experimental, como Claudio Bernard introduziu na medicina,
isto é, observar, recolher, classificar e interpretar os fatos. Instituir experiências. Impor regras.585
Estas são palavras de Henri Fayol, celebre engenheiro francês do século XIX que
deu origem ao fayolismo, desenvolvendo conceito e técnicas de gestão. A constatação de
Fayol foi o marco para que diversos estudos fossem desencadeados em torno da relevância
da atuação direcional das instituições, que, conforme suas lições, devem ser administradas
pautando-se nos seguintes princípios: “previsão, organização, mando, coordenação e fiscalização”.586
Na obra entitulada Administração Industrial e Geral, Henri Fayol relacionou seis
operações existentes em todas as empresas, sendo elas as operações técnicas, comerciais,
financeiras, de segurança, de contabilidade e administrativa. Sobre esta última, adotou a
seguinte definição:
Administrar é prever, organizar, comandar, coordenar e controlar. Prever é perscrutar o futuro e traçar o panorama de ação. Organizar é constituir o duplo organismo, material e social,
da empresa. Comandar é dirigir o pessoal. Coordenar é ligar, unir e harmonizar todos os atos
e todos os reforços. Controlar é velar para que tudo ocorra de acordo com as regras estabelecidas e as ordens dadas.587
Contemporâneo a Henri Fayol, o também engenheiro Frederick Winslow Taylor
foi o precursor da Escola de Administração Científica. Americano, Taylor, tal qual Fayol,
também vislumbrava a necessidade da improvisação e do empirismo cederem lugar à ciência
e ao planejamento. Entretanto, sua abordagem partiu da meta de aumentar a produtividade
da empresa aumentando o nível operacional. Seu estudo focou o operário, os métodos de
trabalho, os movimentos e o tempo necessários à execução de uma tarefa, criando o que se
chamou de Organização Racional do Trabalho.588
Abordando a Administração sob diversas frentes, Idalberto Chiavenato ressalta a
Relevância da Escola das Relações Humanas, na medida em que reconhece que o sucesso da
organização depende da abordagem humanística das pessoas e, por conseguinte, do poder de
lide-rança do administrador.
Sobre a Teoria Neoclássica da Administração, que se pauta nos princípios da Teoria Clássica, adaptando-se, porém, aos dias de hoje, Idalberto Chiavenato cita suas principais
características, quais sejam: “1. Ênfase na prática da administração. 2. Reafirmação dos postulados clássicos. 3. Ênfase nos princípios gerais de Administração. 4. Ênfase nos objetivos
e nos resultados. 5. Ecletismo nos conceitos”.589
585 FAYOL, Henri. Administração Industrial e Geral. São Paulo: Atlas, 1986, p. 11.
586 FAYOL, Henri. Op. cit., p. 12.
587 FAYOL, Henri. Op. cit., p. 26.
588 TAYLOR, Frederick W. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 1998.
589 CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, p.27.
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Revista ESMAC
Em relação à abordagem estruturalista da Administração, citando-se o sociólogo
alemão Max Weber, Chiavaneto ressalta a relevância da análise da burocracia como forma
de contribuição para toda a organização, mas informa que “a oposição entre a Teoria Clássica e a Teoria das Relações Humanas criou um impasse na Administração que a Teoria da
Burocracia não teve condições de ultrapassar.”590 E conclui: “A Teoria Estruturalista significa
um desdobramento da Teoria da Burocracia e uma leve aproximação à Teoria das Relações
Humanas. Representa uma visão crítica da organização formal”.591
Sob o ponto de vista comportamental, a Administração também deve focar nas pessoas, porém, em contexto organizacional mais amplo, oferecendo ao administrador vários
estilos de administrar (teorias X e Y), a serem selecionados conforme a visão daquele acerca
do comportamento humano da organização. Fala-se, ainda, na Teoria do Desenvolvimento
Organizacional, cujo foco principal “está em mudar as pessoas e a natureza e a qualidade de
suas relações de trabalho”. Trata-se de “uma mudança organizacional planejada”.592
Influenciada pela Teoria Geral dos Sistemas, elaborada por volta de 1950, pelo
alemão Ludwig von Bertalanffy, a Teoria Geral da Administração abandonou os princípios
do reducionismo, do pensamento analítico e do mecanicismo, que influenciavam a Teoria
Clássica, substituindo-os pelos princípios do expansionismo, do pensamento sintético e da
tecnologia.
Constatando-se a inexistência de uma fórmula de sucesso a ser adotada em todas
as organizações, percebeu-se que as instituições sofrem influências do meio externo e, por
isso, que a eficácia dependerá de modelos organizacionais únicos, implantados em cada uma
delas. Eis a abordagem contingencial da Administração, que visa traçar modelos adequados
para situações específicas.
Dentre as funções administrativas, cite-se, modernamente, o planejamento, que,
na lição de Idalberto Chiavenato “é a função administrativa que define objetivos e decide
sobre os recursos e tarefas necessários para alcançá-los adequadamente”.593 O processo de
planejamento faz parte da gestão e inclui etapas de definição dos objetivos da organização, constatação da situação atual, relação das premissas a serem alcançadas, proposição
de alternativas para tanto, opção pela melhor alternativa proposta, implementação do plano
escolhido e avaliação dos resultados obtidos. Antes da execução de qualquer ato de gestão,
deve-se elaborar o planejamento da instituição. Aliado ao controle, à organização, e à direção, o planejamento integra o ciclo administrativo da instituição, cuja meta é otimizar o
desempenho instituição, garantindo a eficácia de sua atuação.
590 CHIAVANETO, Idalberto. Op. cit., p. 47.
591 CHIAVANETO, Idalberto. Op. cit., p. 47.
592 CHIAVANETO, Idalberto. Op. cit., p 61.
593 CHIAVENATO, Idalberto. Op. cit., p. 409.
611
3. RELEVÂNCIA DA GESTÃO DO CARTÓRIO JUDICIAL
O Poder Judiciário é visto e reconhecido na sociedade, comumente, através dos
magistrados que o compõem. Os méritos e deméritos da prestação jurisdicional são geralmente atribuídos exclusivamente aos julgadores. Esta é a visão da sociedade e não precisa
ser mudada. Ao jurisdicionado pouco importa o que se movimenta para que haja uma decisão judicial e para que a mesma se concretize. Importante é que tal ocorra em tempo oportuno, com eficiência e, principalmente, com justiça.
Esta é a visão do jurisdicionado, mas não deve ser a do próprio Poder Judiciário
que, compreendendo-a, não pode se olvidar de conhecer-se a si próprio através de outros
olhos. É fundamental o estudo pormenorizado da estrutura institucional, para que se possa
reconhecer e priorizar os instrumentos mais relevantes à prestação jurisdicional adequada.
É sob este ponto de vista que devem ser analisados os Cartórios Judiciais que, vistos inicialmente como meros instrumentos que propiciam ao julgador exercer a jurisdição e
executar suas decisões, ganharam especial atenção na medida em que se constata que do seu
desempenho depende o desempenho do próprio julgador e, por conseguinte, da jurisdição
estatal.
Para responder a demandas, solucionar litígios, compor as partes, aplicar a lei, penalizar criminosos, pacificar a sociedade, enfim, para exercer a jurisdição estatal, o julgador
não pode agir isoladamente, sob pena de total ineficácia de seu trabalho. Por mais operoso,
dedicado, comprometido, preparado ou justo que seja um magistrado, seus méritos de nada
valem se a ele não estiver agregada uma equipe, igualmente valorosa e competente, para
permitir exeqüibilidade às decisões judiciais.
Neste contexto é que se insere a relevância da gestão dos Cartórios Judiciais. A
estes, devem-se voltar as atenções da administração dos Tribunais e também de seus chefes imediatos – os juízes. As atividades cartorárias devem ser planejadas estrategicamente.
Deve-se estabelecer a missão, a visão e os valores que as permeiam. Devem-se traçar objetivos e metas, mapear-se procedimentos, avaliar-se criticamente o desempenho, ouvir-se os
jurisdicionados e os co-autores de sua atuação (Ministério Público, Ordem dos Advogados,
Defensoria Pública, Procuradorias, Polícias, Conselho Tutelar, dentre outros).
Os Cartórios Judiciais devem ser dotados da estrutura física e humana necessária
a realização de suas tarefas, mas, mais que isso, devem ser reconhecidos como instrumentos
vitais da prestação jurisdicional e não meros coadjuvantes. O Poder Judiciário se faz, na
verdade, da atuação conjunta do saber jurídico, concentrado no juiz, e da operosidade do
Cartório.
Na medida em que são chefiados por magistrados, cuja formação acadêmica não
inclui a de gestão, os cartórios acabam sendo geridos sem o necessário planejamento, agem
quase que por inércia. Adequam-se ao sabor do magistrado que o chefia. Geralmente, não
é dispensado o cuidado necessário para a seleção e capacitação da equipe que os compõe.
Também não se dedica atenção à estrutura física. Não se ocupa de mapear os processos de
trabalho que, por conseqüência, acabam não sendo uniformes e precisos. Enfim, toda a desatenção à gestão cartorária finda repercutindo negativamente na atuação jurisdicional, daí a
relevância de se buscar reverter este processo, chamando a atenção das administrações dos
tribunais e dos juízes para a relevância do tema.
612
Revista ESMAC
As empresas privadas, com o objetivo de atingir a meta de aumentar seus lucros,
reconhecendo que para tanto necessitam satisfazer seus clientes, investem na elaboração de
planos de gestão, compreendendo a relevância do tema para que a meta seja cumprida. Assim também deve ser a atuação do Poder Judiciário, responsável pela prestação jurisdicional
que, embora não vise lucros, objetiva satisfazer o jurisdicionado.
A compreensão em torno das atividades cartorárias não pode ignorar a existência
de um processo de trabalho, voltado à entrega de um produto – jurisdição. Este produto deve
atender às necessidades daquele que o recebe e, em se tratando da prestação jurisdicional,
não se está fazendo referência ao seu mérito. Pouco importa, neste processo, se a decisão
judicial foi ou não favorável ao demandante. Importa se houve uma decisão, se foi proferida
em tempo oportuno e se foi executada correta e tempestivamente.
O produto da atividade jurisdicional é também a entrega e não apenas o conteúdo
da manifestação judicial, por isso, a qualidade deste produto não depende apenas do conhecimento jurídico ou da eficiência do julgador, mas do comprometimento e do empenho de
toda sua equipe.
A administração dos tribunais é responsável pela estrutura física que abriga o
Cartório Judicial, pela disponibilização de instrumentos de trabalho, pelo fornecimento, remuneração e capacitação da mão-de-obra. Ao juiz, compete liderar a equipe, estabelecendo
as atribuições de cada um e fiscalizando, permanentemente, o cumprimento e a qualidade de
suas tarefas.
Ainda que não lhe compita a providencia em torno da estrutura física do Cartório,
o juiz deve cuidar para otimizar a estrutura disponível. O cuidado vai da disposição e do desenho dos móveis, à acomodação de cada funcionário no espaço de trabalho. Tudo interfere
na qualidade do serviço: se a cadeira não é adequada para a tarefa de digitação, há prejuízos
à produtividade e à saúde do servidor; se os servidores não estão acomodados de forma conveniente, há desnecessária movimentação de processos e de pessoas no espaço.
Uma fórmula interessante que pode ser utilizada para auxiliar na organização física
do Cartório é apresentada por Karou Ishikawa, que a criou em 1950. Trata-se do “Programa
5S”,sendo que cada “S” corresponde a uma ação, no idioma do idealizador da proposta
(japonês):
- Seiri – descarte: Separar o necessário do desnecessário.
- Seiton – arrumação: Colocar cada coisa em seu devido lugar.
- Seisso – limpeza: Limpar e cuidar do ambiente de trabalho.
- Seikestu – saúde: Tornar saudável o ambiente de trabalho.
- Shitsuke – disciplina: Padronizar a aplicação dos “S” anteriores.
O juiz deve voltar sua atenção, também, a conhecer sua equipe, tomando cuidado
para definir atribuições conforme aptidões de cada um. Deve ser atento à motivação da
equipe de trabalho, mantendo-a a par das metas a serem alcançadas e dos indicadores de
desempenho do tribunal.
Como forma de imprimir transparência e celeridade aos processos de trabalho, o
julgador deve padronizar e mapear as tarefas do Cartório Judicial, construindo árvores de
processo de trabalho e trazendo toda a equipe à discussão em busca de soluções para os
pontos de estrangulamento da capacidade produtiva, sem deixar de intercambiar soluções
criativas que tenham sido implementadas em outras unidades.
É de extrema relevância que todo o grupo de trabalho tenha ciência dos objetivos a
613
serem alcançados, da relevância de seus desempenhos para o sucesso da atuação jurisdicional, além de estarem comprometidos e motivados. Deve-se eliminar dos Cartórios Judiciais
aquelas atividades mecânicas e repetitivas, executadas por quem não sabe o porquê ou o para
que faz.
Os pequenos detalhes da ação cartorária devem ser previamente pensados, estudando-se a melhor forma de execução das tarefas. O planejamento das ações deve ser minucioso e observado com rigor. O Cartório deve ser compreendido como uma indústria,
responsável pela fabricação de um produto e ciente da missão de o fazer com celeridade e
eficácia. Qualquer falha na elaboração ou na execução do processo de trabalho pode frustrar
ou atrasar a entrega do produto ao destinatário, prejudicando a credibilidade e comprometendo o alcance da meta da instituição: a pacificação social.
614
Revista ESMAC
4. ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS PENAS
As relações entre os homens fez surgir a necessidade das punições, em virtude dos
conflitos inerentes às relações sociais.
Inicialmente, as penas extrapolavam a pessoa do ofensor, na medida em que
atingiam todo o grupo social ao qual o mesmo pertencia.
Tratava-se da vingança de sangue, estabelecida entre as tribos, como forma de
solidariedade e força.
Se um membro da tribo ou clã era ofendido, todo o grupo estava legitimado a atacar não apenas o ofensor, como também todos os membros do grupo ao qual este pertencia.
Esta forma de punição não levava em consideração a gravidade da falta praticada,
nem tampouco questões de equidade ou justiça. Trazia conseqüências irreparáveis a ambos
os grupos envolvidos, além de vitimar inocentes.
Justamente por todos estes inconvenientes, foi que a vingança de sangue findou
substituída pela expulsão e banimento do ofensor do grupo. Assim, garantia-se que apenas o
próprio ofensor fosse penalizado.
Surgiu, também, a noção de pena proporcional à falta praticada.
Extrai-se do Código de Hamurabi e do Livro de Êxodos a lei do talião, através da
qual a pena era imposta na mesma proporção e gravidade da ação.
Porém, conforme lição de José Antônio Paganella Boschi:
a crítica mais aguda ao olho por olho, dente por dente foi articulada por Ferrajoli, ao dizer
que o modelo padecia do defeito de impossibilitar o processo de formação da tipicidade. Se
as penas deviam ter a mesma qualidade que os delitos, seria imprescindível que existissem
tantos tipos quantos fossem aqueles. Como isso não é possível, disse ele, a multiplicidade
de penas consiste em uma multiplicidade de aflições não taxativamente predeterminadas em
lei, desigualdades, dependente de sensibilidade de quem as padece e da ferocidade de quem
as inflige.594
A Idade Média foi período marcado pela punição desumana e cruel. Aplicada apenas ao ofensor, mas que não se propunha à prevenção de delitos ou à reincerssão social do
criminoso, mas apenas a demonstrar o poder absoluto do Estado, alicerçado em crenças
fanáticas apregoadas pela Igreja e avesso a críticas ou questionamentos.
Assim, as penas eram voltadas ao corpo do acusado e executadas publicamente, em rituais
tenebrosos que atraiam a atenção da população, carente da assistência estatal.
Nesse período, a confissão era tida como a “rainha” das provas e, via de regra, era obtida
através de tortura.
Beccaria, através de sua obra “Dos delitos e das penas”, foi das primeiras vozes a
se levantar publicamente contra este modelo equivocado e distorcido da lei penal. Beccaria
questionou a atuação dos órgãos públicos que, em lugar de freiar a atuação desmedida dos
particulares, exercia “crueldades inócuas e utilize o instrumento do furor, do fanatismo e da
covardia dos tiranos”!595. Segundo ele, “uma pena para ser justa, precisa ter apenas o grau de
594 BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Quarta edição. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2006, p. 94.
595 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Hemus, 1974, p. 42..
615
rigor suficiente para afastar o homem da senda do crime”.596
A humanização do processo de punição fez surgirem as penas que não se voltavam
ao corpo, mas ao patrimônio do ofensor. Tratavam-se de indenizações pagas às vítimas ou
seus familiares. Esta fase tese por marco a Revolução Francesa e a restrição da liberdade é
uma de suas formas mais costumeiras.
Surgiram, então, as penitenciárias, locais onde são cumpridas as penas privativas
de liberdade, que modernamente se seguiram das medidas restritivas de direito.
Ainda hoje, são aplicadas penalidades corporais, sendo a pena de morte a mais radical de
todas elas. Durante muitos anos, a tendência foi de flexibilização, atentando-se para a proporção entre a falta e a pena. Porém, como bem enfatizou José Antônio Paganella Boschi, os
recentes atentados terroristas que abalaram os Estados Unidos, realçando uma nova forma
de violência, têm feito surgir movimentos no sentido de reduzir “as liberdades fundamentais, maximiza o direito penal, desvia recursos orçamentários para o aparelhamento bélico
e militar e, assim, reproduz a desigualdade e a exclusão social, fontes de violência e de
criminalidade”.597
No Brasil, o panorama não tem sido diferente. Sob influência da Revolução Francesa, as penas de galés e perpétuas, previstas nas Ordenações Filipinas, cederam lugar ao
princípio da prescrição, da limitação ao tempo da prisão e do computo da prisão provisória à
execução penal. Porém, hodiernamente, agora sob influência da crescente violência e criminalidade, também aqui se tem vivenciado o retrocesso da legislação penal, cada vez mais
ocupada em aumentar as penas e agravar as regras da execução penal, como se a severidade
da reação estatal e não a certeza desta reação, fosse a responsável pela solução da criminalidade e da violência que, no dizer de José Antônio Paganella Boschi, “jamais serão erradicadas por decreto.”598
596 BECCARIA, Cesare. op. cit., p. 47.
597 BOSCHI, José Antônio Paganella. op. cit., p. 95- 96.
598 BOSCHI, José Antônio Paganella. op. cit., p. 102..
616
Revista ESMAC
5. OBJETIVOS DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE
O ordenamento jurídico vigente no Brasil permite a aplicação de penas privativas
de liberdade e restritivas de direitos àqueles que praticam delitos. Assim, após um juízo condenatório, o infrator estará sujeito ao ius puniendi do Estado, a quem competirá a execução
da reprimenda imposta.
Verifica-se, atualmente, verdadeiro clamor social em torno de impor-se maior rigor
aos condenados, no que concerne à quantidade e à forma de execução da pena imposta. Isto
porque tem sido crescente a criminalidade e muitas vezes inócuas as penas já aplicadas, diante do elevado índice de reincidência, esquecendo que o que fomenta esta é a forma e não
a quantidade da execução da pena.
Muñoz Conde599 afirma que a pena é indispensável para que seja possível a convivência em sociedade em nossos dias. Por isso, espera-se do Estado a imposição de penas
que não apenas intimidem pretensos transgressores, como também que reeduquem, reinserindo à comunidade aqueles que já transgrediram a Lei Penal.
Várias teorias foram formuladas em torno do objetivo da pena, podendo-se citar as
que vêem na pena uma concepção retributiva e as que dela extraem uma formulação preventiva.
As teorias absolutas ou retributivas da pena encontram guardia nos Estados absolutistas, nos quais havia verdadeira identidade entre o soberano e Deus, entre o Estado e a
Igreja, entre o Direito e a moral. Partindo-se da premissa de que aquele que agia contra o
soberano rebelava-se também contra Deus, é que surgia a idéia de que a pena deveria ser um
“castigo com o qual se expiava o mal (pecado) cometido”600.
Kant.601 foi um dos defensores dessa teoria. Para ele, a aplicação da pena decorre
da simples prática do delito e não deve ter qualquer utilidade para o delinqüente ou para os
demais integrantes da sociedade. “A pena jurídica, poena forensis, - afirma Kant – não pode
nunca ser aplicada como um simples meio de procurar outro bem, nem em benefício do
culpado ou da sociedade; mas deve sempre ser contra o culpado pela simples razão de haver
delinquido;”602
Outro defensor da teoria retributiva da pena foi Hegel603, com a diferença que,
para ele, a função da pena tem conotação mais jurídica, na medida em que encontra sua
justificação na necessidade de restabelecer a vigência da “vontade geral”, simbolizada na
ordem jurídica e que foi negada pela vontade do delinqüente. Por conseguinte, a pena “vem
retribuir ao delinqüente pelo fato praticado, e de acordo com o quantum ou intensidade da
nova negação que é a pena”.604
Carrara, Binding, Mezger, Welzel, Jescheck e o Papa Pio XII são também defensores da teoria retributiva da pena. Este último, inclusive, afirmou em sua mensagem ao VI
599 MUÑOZ, Conde. Introducción al Derecho Penal. Barcelona: Bosch, 1975, p. 33 e s.
600 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual e Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2000, p.
67.
601 KANT, Immanuel. Fundamentación metafísica de lãs costumbres. Trad. Garcia Morente. 8 ed. Madrid: 1983;
Princípios metafísicos de la doctrina del Derecho. México: 1978.
602 KANT, Immanuel. Princípios metafísicos. op. cit., p. 167; Fundamentación metafísica de las costumbers. op.
cit., p. 85.
603 HENGEL, G. F.. Filosofia del Derecho. Espanha: 1975
604 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 72.
617
Congresso Internacional de Direito Penal: “O Juiz Supremo, em seu julgamento final, aplica
unicamente o princípio da retribuição. Este há de possuir, então, um valor que não deve ser
desconhecido”.
Várias são as críticas em torno desta teoria. Na medida em que visa ressocializar
o apenado, surge o questionamento em torno do fato da própria sociedade haver produzido,
em seu meio hostil, o infrator, o que leva à conclusão de que a própria estrutura social é que
deve ser modificada, e não a pessoa que transgrediu as regras impostas. Assim, José Antônio
Paganella Boschi, citando Durkheim, indaga: “aceitando-se que a sociedade é criminógena,
que a criminalidade sempre existirá (...), não teríamos, então, que deslocar o eixo das nossas preocupações com o criminoso para a fonte de produção do crime, ou seja, a própria
sociedade?”605 e prossegue: “Desse modo, o projeto de ressocialização do homem criminoso
não estaria viciado em sua base, na medida em que, na tentativa de legitimar-se socialmente,
o direito penal tenta resolver o problema a partir dos efeitos, mantendo intocadas as suas
causas?”606
Além disso, os críticos a esta teoria ressaltam que, na medida em que trata da ressocialização, a tese encontra resistência no fato de que a todos os indivíduos é assegurada liberdade de pensamento, de crença, de expressão cultural e artística. Enfim, em uma sociedade
democrática e pluralista, o tratamento necessário à ressocialização deveria ser submetido à
aceitação do apenado, a quem deve ser garantida a possibilidade de optar por ser diferente
daquilo que se convencionou socialmente como sendo certo e aceitável nas relações sociais.
Por fim, cite-se, também, a crítica a esta teoria, no que se refere à absoluta impropriedade das unidades prisionais para dispensar aos apenados o “tratamento” que seria
necessário à ressocialização dos mesmos. Na medida em que as prisões regem-se por regras próprias, criadas pelo próprios apenados e diferentes das leis que vigoram no mundo
dos “livres”, bem como que estas regras impõem muitas vezes tratamento desumano, degradante, humilhante ao apenado, não é de se esperar que a prisão produza efeitos no sentido
de readequar quem quer que seja ao convívio social.
Ao contrário dos adeptos da tese de que a pena deve ter caráter eminentemente
retributivo ao delinqüente, estão os que atribuem à sanção concepção preventiva.
Para as duas teorias a pena é considerada um mal necessário. No entanto, para as teorias preventivas, essa necessidade da pena não se baseia na idéia de realizar a justiça, mas na função,
já referida, de inibir, tanto quanto possível, a prática de novos fatos delitivos.607
Feuerbach608 atribui ao Direito Penal a solução ao problema da criminalidade, por
um lado através da cominação da pena e, por outro lado, com sua efetiva aplicação, como
forma de verdadeira ameaça à sociedade para que se abstenha de praticar crimes. Sob a
ameaça da pena o indivíduo estaria motivado a não delinqüir. Tem-se, então, a teoria da
prevenção geral.
Esta tese, contudo, desconsidera uma revelação relevante da psicologia do delinqüente, qual seja, sua convicção de que não será descoberto, de modo que o temor da pena
605 BOSCHI, José Antônio Paganella. op. cit., p. 110-111
606 BOSCHI, José Antônio Paganella. op. cit., p 111.
607 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p.75.
608 WINFRIED, Hassemer, Fundamentos de Derecho Pena. Barcelona: Bosch, 1984, p. 380.
618
Revista ESMAC
não o impede de praticar o crime, justamente porque acredita que não estará sujeito à mesma. Fosse o contrário, países que adotam a pena de morte deveriam ter índices baixíssimos
de criminalidade, o que não ocorre, conforme se observa nos Estados Unidos, por exemplo.
Além disso, critica-se o fato de que não haveria limites ao poder punitivo do Estado, na medida em que a quantidade da pena poderia ser modificada até que o resultado
visado fosse obtido. Critica-se, também, a possibilidade de legitimar-se ao Estado impor
a um cidadão um castigo destinado a estimular os outros membros da sociedade a não delinqüirem. Em outras palavras, Roxim e Boschi enfatizam, respectivamente: “difícil compreender que possa ser justo que se imponha um mal a alguém para que outros omitam
cometer um mal”609 e “como efetivamente admitir que, no plano ético, qualquer autoridade
pública transforme o indivíduo, embora criminoso, em instrumento de políticas oficiais de
educação do povo?”610
Assim como a teoria da prevenção geral, a teoria da prevenção especial também
vislumbra na pena um meio de se evitar a prática de delitos, com a diferença que esta se
dirige exclusivamente ao delinqüente em particular, para que ele não volte a delinqüir, enquanto aquela volta-se para a sociedade como um todo.
Vários são os defensores dessa corrente, podendo-se citar Marc Ancel, na França e
Von Liszt, na Alemanha.
A prevenção especial não visa a intimidação do grupo social ou a retribuição pelo
crime praticado. Visa apenas o próprio delinqüente, com o intuito de que ele não volte a
transgredir as normas jurídico-penais. Para tanto, a pena deve ter o condão de corrigir, ressocializar e inocuizar.
A crítica a essa teoria consiste em mencionar situações em que haveria impunidade, como no caso do delinqüente que, embora tenha praticado delito grave, não tenha
nenhuma probabilidade de reincidir.
Partindo da premissa de que a pena é um fenômeno complexo é que surgiu a teoria
eclética, mista ou unificadora da pena, cujo primeiro idealizador foi Merkel, na Alemanha.
No dizer de Mir Puig611, esta tese entende que tanto a retribuição quanto a prevenção geral e
a prevenção especial são aspectos da pena.
Esta combinação entre as teorias retributiva e preventiva não satisfez, fazendo surgir a teoria da prevenção geral positiva, que subdividiu-se em nas teorias da prevenção geral
positiva fundamentadora e limitadora. A primeira considera que, ao tipificar uma conduta
que fere bens jurídicos, o Estado está expressando e garantindo a vigência de tais valores.
Já a segunda, assevera que “a prevenção geral deve expressar-se com sentido limitador do
poder punitivo do Estado”.612
Em síntese, a pena deve ter caráter preventivo geral, visando intimidar e limitar
a prática de delitos, agindo em prol da comunidade, mas deve estar pautada em limites de
cunho preventivo especial, na busca de ressocializar o delinquente. Um Estado Democrático
de Direito não pode invadir a esfera de direitos individuais de um cidadão, ainda que ele
tenha praticado um delito, sem pautar-se por limites concretos e previamente estabelecidos.
A pena deve conciliar o interesse da sociedade na pacificação social, sem olvidar para o
interesse do delinqüente, de ver-se reintegrado ao convívio social.
609 ROXIN, Claus. Política Criminal e Estrutura Del Delito. Barcelona: PPU, 1992, p. 24
610 ROXIN, Claus. op. cit., p. 123.
611 MIR PUIG. Derecho Penal – Parte Geral. Barcelona: PPU, 1985, p. 36.
612 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 88.
619
Foi justamente esta a tese adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, na medida
em que menciona, no artigo 59, do Código Penal, os fins de retribuição e de prevenção da
pena, e no artigo 1º, da Lei de Execuções Penais, o cunho de ressocialização do apenado
almejado pela reprimenda.
620
Revista ESMAC
6. REGRAS DA EXECUÇÃO DAS PENAS EM MEIOS FECHADO E SEMI-ABERTO
A Lei 7.210/84, aliada ao Código Penal, disciplina a execução de penas no Brasil.
Alicerçada em preceitos do Direito Penal, a Lei institui um sistema de execução das penas,
regulamenta os direitos e as obrigações dos que estão sujeitos às mesmas, estabelece as regras dos regimes de cumprimento, institui benefícios prisionais, dentre outros.
Especificamente em relação à execução das penas privativas de liberdade, impostas aos que são apenados com sanções acima de quatro anos ou que não se enquadrem nas
possibilidades de substituição por medidas restritivas de direito ou suspensão condicional da
pela, a Lei de Execução Penal traça as regras dos regimes fechado, semi-aberto e aberto e
institui os requisitos necessários para benefícios como remição, saída temporária, trabalhos
interno e externo, livramento condicional, dentre outros institutos criados para que a pena
alcance seu propósito de reintegrar o apenado ao convívio social e prevenir a prática de outros crimes.
Embora anterior à Constituição Federal de 1988, a Lei de Execuções Penais foi recepcionada pela Lei Maior, na medida em que preconiza o necessário à individualização da
pena e de sua execução progressiva. Sobre este último aspecto, aliás, a exceção apresentada
à progressividade da execução da pena pela Lei dos Crimes Hediondos, editada em 1990,
foi recentemente abolida do ordenamento, após decisão do Supremo Tribunal Federal, que
culminou na alteração legislativa, ampliando o prazo para a progressão de regime dos crimes
hediondos, em lugar da vedação anteriormente existente.
Em linhas mais claras, explica-se: a Lei dos Crimes Hediondos vedava a progressão
de regime aos apenados pela prática dos delitos graves, nela relacionados. O Supremo Tribunal Federal, diversas vezes acionado a se manifestar sobre a compatibilidade de tal vedação
com o princípio da individualização e progressividade da pena, assegurados pela Constituição Federal, manifestou que o preceito legal era constitucional. Porém, quando acionado
para julgamento de um habeas corpus, em decisão histórica, a Corte Suprema modificou
seu entendimento, contagiando os demais tribunais pátrios, que passaram a adotar o novo
posicionamento, admitindo a progressão de regime aos que praticaram crimes hediondos.
Pressionado pelo clamor social, o Congresso Nacional editou lei que modificou a
Lei dos Crimes Hediondos, substituindo a antiga vedação pela atual permissão à progressão
de regime, mas estabelecendo prazos mais rigorosos, em comparação aos que estão disciplinados na Lei de Execuções Penais, para os delitos de menor gravidade que, por isso, não são
taxados como hediondos.
Atualmente, portanto, caiu por terra o cumprimento de pena em regime integralmente fechado. Reeducando que praticou crime hediondo deve cumprir dois quintos de
sua pena, se primário, ou três quintos, se reincidente, e ostentar bom comportamento, para
alcançar a progressão. Para os demais delitos, prevalece o prazo de um sexto ou um terço da
pena, variando conforme a primariedade ou a reincidência.
O novo entendimento da Corte Suprema e a conseqüente alteração da Lei 8.072/90,
refletiram o clamor de especialistas que sinalizavam no sentido de que o simples enclausuramento, desacompanhado de medidas aptas a capacitar o apenado ao retorno ao convívio
social, impede o alcance ao objetivo da pena, na medida em que induz à reincidência, devolvendo, não precocemente, mas prematuramente, aqueles que não estão ainda aptos a tanto.
621
“A afirmação de que é possível, mediante cárcere, castigar o delinqüente, neutralizando-o
por meio de um sistema de segurança e, ao mesmo tempo, ressocializá-lo com tratamento
já não se sustenta, exigindo-se a escolha de novos caminhos para a execução das penas,
principalmente no que tange às privativas de liberdade. Assim, tem-se entendido que a idéia
central da ressocialização há de unir-se, necessariamente, o postulado da progressiva humanização e liberação da execução penitenciária, de tal maneira que, asseguradas medidas
como as permissões de saída, o trabalho externo e os regimes abertos, tenha ela maior eficácia. Os vínculos familiares, afetivos e sociais são sólidas bases para afastar os condenados
da delinqüência.”613
Atualmente, portanto, independente da gravidade do delito praticado, todas as penas são executadas progressivamente. A única diferença está no maior tempo que os criminosos hediondos devem cumprir de suas penas, para conquistarem a progressão.
Aos que cumprem pena em regime fechado e semi-aberto, a Lei da Execução Penal
e o próprio Código Penal asseguram outros benefícios além da progressão de regime.
Três dias de trabalho interno no presídio diminuem um dia na pena a ser cumprida.
Em regime semi-aberto, o enclausuramento pode restringir-se ao período noturno, permitindo-se a saída para o trabalho externo. Tem-se, também, a possibilidade de saída durante sete
dias consecutivos, cinco vezes ao ano, para visita à família ou outros fins. Além disso, há
o livramento condicional, que permite o convívio social do reeducando em tempo integral.
Enfim, todas estas são medidas que relativizam o enclausuramento e preparam o preso, gradativamente, para o retorno ao convívio social, dando-lhe oportunidade de manter-se no
mercado de trabalho, de relacionar-se com a família, de se mostrar apto ao cumprimento das
regras e merecedor da extinção da reprimenda.
A recente alteração legislativa imprimiu novo ritmo aos presídios e Cartórios que
executam pena, na medida em possibilitou a “movimentação” dos processos, que antes simplesmente aguardavam nas prateleiras o curso da pena, até que o reeducando cumprisse o
lapso necessário a galgar o livramento condicional (dois terços, se primário, ou três quintos,
se reincidente). De qualquer sorte, solucionou a celeuma antes existente, que sancionava o
próprio reeducando, na medida em que não o preparava ao retorno social, levando-o a descumprir e a perder o benefício do livramento condicional, e também à sociedade, que recebia
o reeducando, sem qualquer preparo prévio, após longo e tortuoso período de enclausuramento, quase que o convidando à reincidência.
613 Julio Fabbrini Mirabete, Execução Penal, São Paulo, Saraiva, 2004, p.25
622
Revista ESMAC
7. RELEVÂNCIA DA ATUAÇÃO JURISDICIONAL AO LONGO DA EXECUÇÃO DAS
PENAS
Debate-se acerca da natureza jurídica do procedimento de execução penal, concluindo-se, conforme lição de Ada Pellegrini Grinover, que se trata de atividade complexa, na
qual atuam os Poderes Judiciário e Executivo614.
A parte administrativa do procedimento fica a cargo do Poder Executivo, mais
precisamente das autoridades penitenciárias. Já a apreciação dos incidentes no curso da execução fica a cargo da atuação jurisdicional, que abrange matérias de direito penal substancial
(no que se refere à vinculação da sanção e do direito subjetivo estatal de castigar) e processual penal (no que tange à vinculação como título executivo)615.
O artigo 1º, da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) estabelece: “Art. 1º. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”
A partir do momento em que é editada a sentença condenatória, surge ao Estado o
direito de punir e ao apenado o direito de que tal ocorra conforme os preceitos legais. Entre
tais direitos podem surgir conflitos, a serem dirimidos pelo Poder Judiciário, através de sua
atuação jurisdicional imparcial. Como bem disse Julio Fabbrini Mirabete: “Na verdade, a lei
não jurisdicionaliza a execução, mas reconhece que a execução é prevalentemente jurisdicional.”616
A atuação jurisdicional ao longo do cumprimento da pena é de extrema relevância,
pois a imparcialidade do juiz se coloca como viga mestra a garantir o equilíbrio entre os
interesses do Estado e do reeducando.
Foi mencionada a importância da progressividade do cumprimento da pena, como
requisito indispensável a que a mesma atinja seus objetivos. A legislação estabelece os parâmetros e os requisitos a serem observados para a progressão ocorra, os quais não são de ordem apenas objetiva, abrindo-se campo para a atuação jurisdicional, através da manifestação
imparcial do juiz, à luz da legislação vigente.
Além disso, vários são os incidentes que podem surgir ao longo da execução da
pena, que demandam intervenção jurisdicional e não apenas administrativa do Poder encarregado da execução da pena. Soma de pena, livramento condicional, indulto, aplicação da lei
mais benéfica, enfim, várias são as situações que podem surgir durante a execução da pena,
cuja solução deve passar pelo crivo contundente do magistrado.
Entretanto, esta atuação não afasta também a intervenção administrativa do juiz,
como a inspeção, vigilância e fiscalização dos estabelecimentos prisionais e a criação do
conselho da comunidade.
Fato é que a atuação do julgador e de sua equipe de trabalho é de crucial importância para que a pena seja cumprida nos moldes estabelecidos pela legislação pátria. Assim,
garante-se ao reeducando o conforto de que todo o processo de execução de sua pena está
sendo acompanhado e submetido ao crivo da ação jurisdicional imparcial.
614 Enciclopédia de Direito. São Paulo: Saraiva, v. 35, e Natureza jurídica da execução penal. Execução Penal, vários
autores. São Paulo: Max Limonad, 1987, p. 7.
615 Cf. LEONE, Giovani. Tratado de derecho procesal penal. Tradução de Santiago Sentis Melado. Buenos Aires:
1961. p. 472.
616 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11º edição. São Paulo: Jurídico Atlas, 2004, p. 177
623
Sendo assim, atentando-se para as determinações do primeiro artigo da Lei de
Execução Penal, deve-se concluir que a atuação jurisdicional ao longo da execução da pena
deve ser, em primeiro lugar, para de garantir que a decisão criminal seja fielmente cumprida
e, em seguida, para propiciar a harmônica integração social do condenado.
624
Revista ESMAC
8. ANÁLISE DA ATUAÇÃO DE TODOS OS ENTES ENVOLVIDOS E INTERESSADOS
NO SUCESSO DA EXECUÇÃO DA PENA
8.1 Juiz
Além de responsável pela análise jurídica dos processos de execução penal, o julgador é também o chefe do Cartório responsável pela movimentação do feito, tem poder
correicional sobre as unidades de cumprimento de pena, além de influência junto à sociedade
e instituições para buscar parcerias em torno da boa execução das reprimendas.
Na qualidade de julgador, o juiz que atua em unidade que processa execuções penais, além do conhecimento técnico a respeito da legislação aplicável à espécie, da doutrina
e dos entendimentos dos tribunais pátrios, deve ter em mente a relevância de sua atuação
junto ao apenado, a seus familiares e à sociedade.
A legislação não pode ser aplicada às cegas, sem ser compatibilizada com as peculiaridades do local. O rigor não pode ser excessivo, a ponto de criar ao apenado apenas
revolta, em lugar de arrependimento. A celeridade deve ser um compromisso observado
fielmente, assim como a justeza das decisões, que devem ser compreendidas pelo reeducando. Os entendimentos a respeito de temas relevantes aos reeducandos devem ser objetivos, uniformes e as decisões até mesmo previsíveis. Assim, cria-se em torno do julgador a
figura daquele que aplica a lei com equidade, com respeito aos direitos e com exigência ao
cumprimento das obrigações, dispensando tratamento igual a todos que se encontram em
situações iguais.
A atuação do juiz na qualidade de julgador de execuções penais se dá por ocasião
da apreciação de benefícios como progressão de regime, livramento condicional, saída temporária, remição e outros. Ocorre, também, na apreciação das faltas praticadas.
No primeiro aspecto, o juiz deve cuidar para que o reeducando, especialmente
aquele que ainda não esteve em meio aberto, tenha oportunidade de demonstrar que está
apto a esta nova forma de cumprimento da pena, mostrando-se capaz de disciplina e auto
responsabilidade. Deve, sempre, deixar claro ao reeducando quais as regras e condições a
ele impostas e as conseqüências do descumprimento. Não pode, jamais, julgar condutas que
em tese seriam consideradas infrações a tais regras e condições, sem antes dar ouvidos ao
próprio reeducando, concedendo-lhe oportunidade de apresentar suas explicações.
Na apreciação de faltas praticadas, nada impede que, mesmo reconhecendo o descumprimento de condição imposta, o julgador dê ao reeducando uma nova oportunidade,
desde que a gravidade do fato assim o permita. Deve-se compreender ou até mesmo esperar,
que, após longo período de enclausuramento, o apenado encontre certa dificuldade de reinserir-se socialmente e que, neste processo, venha a descumprir alguma das condições que lhe
foram impostas por ocasião do agraciamento com algum benefício. Assim, ciente da falta e
deixando claro ao apenado que a mesma foi constatada, é recomendável conceder ao mesmo
nova oportunidade para demonstrar aptidão com o benefício recebido, em lugar de retirarlhe imediatamente a benesse, devolvendo-o ao cárcere.
Tal entendimento justifica-se pela prática diária. Constata-se, por exemplo, que diversos reeducandos em regime semi-aberto, beneficiados com trabalho externo (geralmente
625
primeiro contato com o meio externo após a prisão), ausentam-se do local do trabalho, muitas vezes para visita a familiares. Casos como estes são diferentes de situações em que o
reeducando forja uma proposta de trabalho, apenas para ausentar-se do presídio durante o
dia. Uma e outra situação não podem ser sancionadas com o mesmo rigor, embora em ambos os casos tenha sido descumprida a mesma condição imposta: permanência no local de
trabalho.
Apesar de adequada a concessão de nova oportunidade a reeducando que pratica
falta isolada, o julgador não pode ser benevolente e renovar as oportunidades indefinidamente, sob pena de cair em descrédito, inviabilizando o adequando cumprimento das penas.
Uma vez advertido de que está recebendo única e, portanto, última chance de se mostrar preparado para o gozo de determinado benefício e que este será revogado em caso de nova falta,
ocorrendo esta, a decisão não pode ser outra senão a prometida revogação do benefício, por
maiores que sejam os apelos do reeducando
Tratando mais uma vez da situação específica do apenado em regime semi-aberto,
que pleiteia autorização para o trabalho externo, a praxe cartorária é solicitar a juntada aos
autos da proposta de trabalho, para que o julgador avalie se é compatível e adequada para o
reeducando.
A avaliação desta espécie de pleito deve ser bastante criteriosa, pois, uma vez autorizado, o reeducando poderá se ausentar diariamente da unidade prisional, sem escolta.
Este benefício pode ser utilizado inadequadamente por apenados ainda não preparados para
o convívio social, impondo risco à sociedade.
É corriqueiro em todas as regiões do país e não é diferente na região Norte, que
há poucas oportunidades de trabalho para quem cumpre pena. Muitos reeducandos não conseguem o benefício do trabalho externo simplesmente porque não conseguem propostas de
trabalho e, quando as têm, dificilmente são compatíveis com a legislação trabalhista, que
impõe salário mínimo e carteira de trabalho assinada.
Neste aspecto, a decisão do julgador não pode desconsiderar a realidade do meio
onde vive, mas também não deve fechar os olhos para as artimanhas que podem ser criadas
no intuito de ludibria-lo. Assim, não são recomendáveis as propostas de trabalho ambulante
(que inviabiliza a fiscalização) e as oferecidas por familiares próximos ao preso (por igual
motivo), sob pena de desvirtuar-se o propósito do benefício, que consiste em possibilitar ao
apenado o retorno ao convívio social, através do trabalho.
Para melhor avaliar cada situação e para colher do empregador o devido compromisso diante do acolhimento de apenado em seu ambiente de trabalho, o juiz pode realizar
audiência destinada a oitiva de ambos, reeducando e empregador, avaliando, na ocasião, a
pertinência do acolhimento do pedido, após colher informações sobre o tipo de trabalho a
ser desenvolvido, o local e o horário das atividades e, principalmente, o comprometimento
do empregador com a fiscalização das condições impostas ao reeducando, que devem ser
conhecidas por ele. Além disso, o próprio empregador deve ser responsabilizado no caso de
prestar declaração falsa, se não honrar a proposta formulada ou se mancumunar-se com o
reeducando, no intuito de permitir que este se ausente da unidade prisional por motivo que
não seja efetivamente o trabalho.
O juiz, seja qual for a unidade onde presta a jurisdição, não pode olvidar, também,
para a sua função de gestor. Toda a ação acima descrita, voltada a extrair da pena o melhor
possível ao reeducando e à sociedade, é inútil se as decisões judiciais não são cumpridas,
626
Revista ESMAC
ou o são, mas a destempo. Daí a relevância da atuação conjunta do juiz e de sua equipe de
trabalho, responsável pela operacionalização da ação judicial.
Para tanto, o juiz precisa conhecer sua estrutura de trabalho, precisa planejar, juntamente com a equipe, as ações cartorárias e deve estar sempre atento para conferir se a
unidade está atuando conforme o planejamento estabelecido.
Não pode o julgador, a pretexto de não ter formação acadêmica voltada à gestão,
eximir-se de praticar, ele próprio, na qualidade de chefe maior da unidade judiciária, os atos
de gestão previamente planejados.
A ação do juiz deve ser de tal forma a liderar sua equipe, com autoridade e sabedoria, apontando as diretrizes a serem seguidas por ele próprio e por todo o grupo. Compete ao juiz motivar sua equipe, mantê-la a par dos objetivos e compartilhar com ela os bons
resultados.
Além disso, na qualidade de corregedor permanente das unidades prisionais, o juiz
não pode se esquecer que são elas – as prisões – as protagonistas de toda a ação em torno do
cumprimento da pena privativa de liberdade em regimes mais rigorosos. Por isso, o juiz tem
obrigação de conhecer a estrutura da unidade prisional onde estão encarcerados os autores
das ações de execução penal. Deve estar atento para que tais unidades cumpram a legislação
específica e se prestem a propiciar ao apenado a retribuição e o aprendizado necessário ao
retorno do mesmo ao convívio social, regenerado.
Infelizmente, alardeia-se sobre o que se tem chamado de falência do sistema prisional no Brasil. As vozes dos estudiosos e especialistas são praticamente unânimes em
afirmar que os presídios se tornaram grandes escolas de criminosos. Diz-se que o apenado
sai da prisão com a índole ainda mais voltada à criminalidade e constata-se que os índices de
reincidência são altíssimos.
As falhas do sistema prisional repercutem, obviamente, no desempenho da pena
para o próprio apenado e para a sociedade. Entretanto, o juiz não pode estar alheio a toda a
situação, a pretexto de que a estrutura carcerária deve ser providenciada pelo Estado, assim
entendido pelo Poder Executivo, e não pelo Judiciário, que representa.
A inoperância da unidade prisional frustra, por completo, a ação pessoal do juiz e
da unidade judiciária responsável pela movimentação dos feitos de execução penal. Trata-se
de um elemento externo, porém, fundamental para que as metas da unidade sejam alcançadas. Por tudo isso, é que o juiz deve exercitar com grande zelo sua ação correicional na
unidade prisional do lugar exerce a jurisdição. Visitar a prisão regularmente, conhecer sua
estrutura, conversar frequentemente com os enclausurados, cobrar soluções, ajudar a encontrá-las e a executá-las, quando possível, tudo isso faz parte da ação do juiz frente à unidade
prisional, com o fim último de garantir que ela seja, de fato, o local adequado para que o
reeducando cumpra sua pena em meio fechado.
Finalmente, o juiz deve estar ciente de que exerce poder junto à comunidade, que
tem prestígio e autoridade, podendo utilizar-se de todas estas circunstâncias para envolver a
sociedade e as instituições na execução das penas, já que estas, como já dito, não interessam
apenas ao próprio apenado, mas também à comunidade onde ele vive.
A ação do juiz junto à comunidade é ainda mais eficaz em comarcas pequenas,
onde as instituições se comunicam com facilidade, onde todos se conhecem e interagem.
A imprensa, aliás, é parceira inestimável na intermediação entre o juiz e a comunidade.
Através dela, aquele pode se fazer ouvir, conclamando a todos a ajudar, especialmente na
627
fiscalização das unidades prisionais, através dos conselhos da comunidade, e dos que cumprem pena em meio aberto.
Em diversos países foi implantado sistema de monitoramento eletrônico de presos
em meio aberto. Através desse sistema, controla-se facilmente se o apenado está cumprindo
todas as condições a ele impostas. Porém, apesar de tramitar no Congresso Nacional projeto
de lei destinado a trazer ao Brasil esta tecnologia, fato é que, em cidades pequenas, a própria
população pode contribuir em muito para que nada escape dos “olhos” da justiça, e para que
as penas sejam cumpridas da maneira como devem ser.
Em outras palavras, diz-se que as relações sociais e institucionais próximas, favorecidas pelo reduzido número de habitantes da comarca, permite ao juiz conquistar o apoio
de toda a comunidade que, conhecendo-se, acaba auxiliando o Poder Judiciário que, por si
só, não tem condições de monitorar os apenados em regime aberto.
Além da comunidade, as polícias são, também, parceiras valorosas nesta missão,
na medida em que, igualmente favorecidas pelas relações sociais próximas, têm a capacidade de detectar e, se for o caso, impedir, que faltas sejam cometidas por apenados em meio
aberto. Além da atuação corriqueira, o juiz pode acordar com o comando das polícias locais,
especialmente da Polícia Militar, conferência periódica, no endereço residencial ou no local
de trabalho dos apenados em meio aberto, fazendo-o diariamente, de modo a não sobrecarregar os milicianos, mas também de forma a demonstrar aos reeducandos que há formas de
controle dos mesmos, ainda que liberados do cárcere, garantindo-se, assim, que as penas
sejam efetivamente cumpridas e que seus objetivos sejam realmente alcançados.
Em síntese, conclui-se que várias são as frentes de atuação do juiz encarregado das
execuções penais. Sua missão, que a princípio pode ser comparada à ação mecânica de avaliar tempo e comportamento, limitando a tanto a ação jurisdicional, amplia-se, na verdade,
como grande ator e relevante autor da empreitada rumo ao sucesso da pena.
8.2 Unidade Prisional
Tratando-se especificamente de penas cumpridas em meio fechado e semi-aberto,
a unidade prisional acaba sendo o cenário principal da execução das mesmas. Nela devem
ocorrer grande parte das atividades destinadas a convencer o apenado da falta praticada,
fazê-lo se sentir punido diante da infração das regras sociais, além de regenerá-lo e de o
preparar para o retorno ao convívio social, sem risco de reincidência.
Várias são, portanto, as missões das unidades prisionais ao longo do cumprimento
das penas, todas, porém, voltadas a um só objetivo: que estas alcancem os objetivos propostos.
Inicialmente, a unidade prisional deve estar preparada a educar o apenado em relação à existência das regras de convivência social e da importância de que sejam cumpridas.
Depois, deve ser capaz de esclarecer ao reeducando que ele ali está não como forma de
castigo, mas de aprendizado, convencendo-o do fato de que o enclausruamento, para ele, é
necessário, ou quiçá, benéfico, na medida em que o irá preparar para lhe dar melhor com as
regras de convivência social.
Em seguida, dentro da unidade prisional o apenado deve arrepender-se do mal
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Revista ESMAC
praticado e propor-se, sinceramente, a não reiterar no erro para, só então, capacitá-lo para
o retorno ao convívio em sociedade, preparando-o para enfrentar as dificuldades decorrentes do enclausuramento, habilitando-o para que consiga sustentar-se através de ocupação
lícita. Finalmente, deve cuidar para que o retorno à sociedade seja gradativo e só se conclua
quando o apenado demonstrar, por seus méritos, sua aptidão. Neste estágio, considera-se que
a pena alcançou o sucesso esperado.
Não é objetivo deste trabalho detalhar as formas como as unidades prisionais devem realizar todas estas etapas da execução da pena. Porém, deve-se ressaltar que estas
atuações não podem ser isoladas ou desconectadas das ações judiciais.
A execução da pena é composta por vários atores, cada qual desempenhando seus
papéis, mas todos imbuídos do mesmo propósito. As unidades prisionais, necessariamente
passageiras ao longo deste processo (que se extinguirá quando o reeducando já houver
alcançado o meio aberto, ante a progressividade de seu cumprimento), são, do ponto de vista
do apenado, a parte mais árdua. Por isso mesmo, esta etapa deve ser cumprida com o maior
zelo possível, pois dela depende o sucesso da “operação”. Fracassando em suas missões, as
unidades prisionais põem a perder todas as outras etapas e, em lugar de reeducar e reinserir
socialmente, acabam superlotadas de criminosos reincidentes. O equilíbrio entre disciplina
e dignidade permite que tal não ocorra.
Imprescindível, nos dias atuais, é que as unidades prisionais disponham de estrutura capaz de oferecer aos reeducandos que tenham interesse tratamento contra dependência
química.
Constata-se que em muitos casos o processo de reabilitação do apenado frustra-se,
justamente, pela influência de fatores externos, como a dependência química. Por isso, a
unidade prisional deve estruturar-se para atuar, também, nesta frente, preservando a voluntariedade imprescindível para o sucesso de qualquer tratamento contra vício.
Outra frente de atuação das unidades prisionais deve ser o combate à corrupção.
Vê-se frequentemente nos noticiários e vivencia-se, à frente de uma unidade jurisdicional
responsável pela execução penal, várias situações em que a corrupção dentro das prisões
inviabiliza o sucesso da pena.
Através da corrupção, são introduzidos entorpecentes e celulares dentro
dos presídios. Chefes de quadrilhas continuam a liderar seus bandos, sem que as grades
representem empecilhos. Algumas vezes, as grades são simplesmente trespassadas em fugas
facilitadas ou permitidas por quem é pago para as evitar.
O remédio para esses males é conhecido, mas não se conhece experiência de aplicação prática no Brasil. Passa pela melhor remuneração dos agentes penitenciários e pelo
melhor aparelhamento das unidades prisionais.
Seja como for, fato é que o presídio de funcionar pautado em regras rígidas, mas
que não comprometam a dignidade dos apenados. Deve abrigar poucos reeducandos, para
que não se perca a individualidade que deve existir não apenas na fixação, como também no
cumprimento das penas. Deve ter estrutura suficiente e adequada, aparelhada com sistema
de segurança modernos e eficientes, tudo com vistas a garantir o cumprimento das regras
impostas, sem olvidar para as relações que deve manter sempre ativas com outros entes
também responsáveis pela execução das penas, inclusive com o Juízo da execução penal.
629
8.3 Reeducando
sua pena.
Reeducando: certamente o maior interessado não apenas no sucesso, mas no fim de
A prática faz perceber que, enquanto ré em um processo, a pessoa sente-se devedora do Estado, especialmente quando reconhece que praticou um delito. Porém, uma vez
condenada, o devedor dá lugar ao credor. Em meio fechado esta sensação é ainda mais forte.
Na medida em que está sujeita à restrição da liberdade, o sentimento é de que sua parte está
sendo cumprida, cabendo ao Estado oferecer-lhe as condições necessárias a tanto.
É assim que pensa quem está enclausurado e sob esta ótica deve ser compreendido.
Na medida em que galga benefícios que permitem o convívio social, o pensamento
do apenado não é outro. Daí a explicação para o fato de terem tanta dificuldade em se submeter a condições que, aos olhos de quem nunca viveu o enclausuramento, parecem mínimas.
À primeira vista, pensa-se que, para quem já esteve atrás das grades, deixar de
freqüentar um bar ou obedecer determinada restrição de horário são tarefas bastante simples.
Entretanto, para quem está acostumado a entender sua relação com o Estado sob a ótica de
um credor, é difícil convencer de que ainda há regras a serem cumpridas, mesmo em meio
aberto.
O juízo da execução penal não deve ignorar esta circunstância e sua atuação deve
levá-la em consideração. Exemplifica-se: inúmeras são as situações em que, progredindo
para o regime semi-aberto e conquistando o direito de trabalhar externamente, o reeducando
se desvia da rota e, em lugar de trabalhar, vai embriagar-se em um bar. Diante da situação,
a ação natural do juiz seria retirar do apenado o direito que lhe permita se ausentar da cela,
mas, certamente, na primeira ocasião em que o retorno à sociedade voltasse a ocorrer (ainda
que por ocasião da extinção da pena), o apenado não estaria preparado para o convívio.
Mais adequado, na situação relatada, seria ouvir as explicações do reeducando.
Compreender que ele está em um processo de reeducação em que, como em todos os outros,
os erros são inevitáveis, mas ajudam no aprendizado.
A intransigência do juízo da execução penal, apenando com a mesma severidade
os que praticam faltas leves e graves, trazem a quem cumpre a pena o sentimento de incompreensão e de injustiça. Como dito, para quem enxerga sua relação social sob a ótica
de credor, não é fácil compreender que beber uma dose de cachaça ou deixar de retornar à
prisão no horário aprazado são formas igualmente reprováveis de se descumprir regras de
cumprimento de pena em meio aberto.
O procedimento a ser aplicado em situações como as exemplificadas deve ser, em
primeiro lugar, dar-se ao reeducando a oportunidade de se manifestar. Depois, avaliando a
real gravidade da falta, verificar se não é caso de conceder-lhe nova oportunidade de manutenção de seu benefício. Sendo este o caso, o reeducando deve ser expressa e formalmente
advertido de que, reiterando na falta, será sancionado.
Em situações em que a sanção é inevitável, o julgador pode informar ao reeducando o período no qual a ele não será concedido outro benefício, ainda que diferente do
que foi perdido. Assim, age-se de forma a prevenir novas faltas e a realmente demonstrar
que o convívio social tão almejado por quem está enclausurado só será permitido quando o
630
Revista ESMAC
apenado der mostras de sua capacidade de autodisciplina e senso de responsabilidade.
Além disso, é de extrema relevância que o reeducando esteja bem informado a
respeito de sua pena, por isso, o diálogo entre ele e o juízo da execução e à direção do estabelecimento prisional é fundamental.
Uma vez ciente do montante da pena a ser cumprido, da previsão e dos requisitos
necessários para galgar benefícios e das condições que deverá cumprir no gozo destes, bem
como das conseqüências do descumprimento de tais condições, tem-se legitimidade para
cobrar do reeducando o comportamento esperado.
Uma das formas mais simples e eficazes de comunicação são as “cartas” que os
apenados costumam enviar através de seus companheiros de cela ou de pavilhão, àqueles de
quem deseja informações ou esclarecimentos.
O juiz, o diretor, o promotor de justiça, o escrivão, o defensor público, enfim,
qualquer que seja o destinatário de uma dessas “cartas”, deve ter a sensibilidade de compreender que, embora rudimentar para quem vive em liberdade, esta é uma das únicas formas de comunicação que a pessoa enclausurada possui com quem está fora da prisão.
O reeducando sente-se fortemente entrelaçado com os que são responsáveis pela
execução de sua reprimenda, com quem tem poder de decidir ou de executar medidas que
venham a repercutir diretamente na pena, daí a explicação para a necessidade e o direito que
tem de dialogar, seja de que modo for, pois é ínsito a qualquer ser humano adotar todas as
medidas possíveis para conquistar a liberdade.
A equipe da execução penal, objeto do presente estudo, deve estar ciente e sensível
para esta circunstância e, pelo mesmo motivo que processa pedidos formulados diretamente
pelo apenado, sem intermédio de advogado, deve adotar as providências desencadeadas
pelas famosas “cartas”, levando ao conhecimento do remetente o recebimento e as providências adotadas.
Na medida em que esperam que a pena cumpra seus objetivos e que o apenado se
reabilite, retornando ao convívio social sem oferecer riscos de reincidência, todas as instituições envolvidas na execução da pena devem se empenhar para cumprir seu papel neste
mister, sendo a primeira e quiçá principal medida, o tratamento humanitário e respeitador a
todos os reeducandos, indistintamente.
Por pior que seja a vida pregressa do apenado, quem executa a pena deve saber que
a restrição de liberdade é a única penalidade constitucionalmente admissível a quem pratica
delitos. O preconceito social é conseqüência sobre a qual quem executa a pena não pode influir, porém, não pode se igualar ao senso comum, desprezando as garantias constitucionais
que conferem também aos criminosos os direitos à dignidade e respeito.
A conduta do juiz e a recepcionalidade do cartório devem deixar claro ao reeducando que há abertura para a comunicação, que há respeito à sua condição, que há interesse
no seu sucesso. A equipe responsável pela execução da pena deve não apenas agir de modo
a propiciar a reintegração social do apenado, deve fazê-lo de modo a demonstrar ao mesmo
que este é o seu objetivo e que todo o trabalho é desenvolvimento em torno e em prol do
mesmo, sabendo que esta é condição indispensável para a pacificação social e, por conseguinte, para que a meta da unidade judiciária seja alcançada.
631
8.4 Sociedade
Grande tem sido o clamor da sociedade brasileira em torno da crescente violência
e impunidade.
Nos grandes centros constata-se em maior volume a insegurança das pessoas e a
descrença em torno da aplicação de penas e da efetividade destas.
Fala-se em aumentar o rigor das reprimendas e da execução das mesmas, mas ao
mesmo tempo, há grande inconformismo em torno dos gastos estatais com pessoas presas.
O cidadão de bem não aceita a idéia de viver enclausuradado atrás de grades, protegido por cães e cercas elétricas, enquanto os que julga bandidos estão tranquilamente nas
ruas afrontando a polícia. Também não concebe que, uma vez descobertos e condenados, os
meliantes sujeitam-se a penas que se considera brandas e enchem-se de “regalias” dentro dos
presídios, de onde saem ainda mais perigosos.
Não há dúvida de que os sistemas penal e prisional brasileiros não têm satisfeito
a população, cada vez mais revoltada e desacreditada com a crescente criminalidade. Entretanto, afora o trabalho das polícias, crucial para que os criminosos sejam descobertos e
levados à julgamento, deve-se admitir que as instituições responsáveis pela execução das
penas não se dedicam em envolver a sociedade, levando ao conhecimento dela o que se
passa ao longo deste processo e buscando dela o precioso auxílio que pode ser prestado.
Em uma cidade de poucos habitantes, onde todos acabam se conhecendo e onde a
imprensa – rádio – se revela excelente meio de comunicação, é relativamente fácil trazer a
sociedade para o processo da execução penal. O destino de todos os apenados é o retorno ao
convívio social, daí o grande interesse de que retornem preparados para tal convívio e que
deixem de representar perigo a bens juridicamente tutelados.
Os conselhos da comunidade, que por força de lei devem existir em todas as localidades onde há unidades prisionais, são excelente forma de atuação da sociedade nos
processos de execução de pena. Um conselho atuante, que realmente visita as prisões, ouve
os presos, reivindica soluções, enfim, que se empenha no sentido de que a unidade prisional
e o juízo das execuções penais cumpram seus papéis, auxilia sobremaneira, na medida em
que é a voz de toda a sociedade que fala através dele.
Entretanto, os conselhos não são a única forma de atuação da sociedade frente a
este processo. Primeiro, é preciso que haja um convencimento da comunidade acerca da
importância de se dar oportunidades àqueles que, mesmo ainda submetidos a reprimendas,
estão retornando à vida em sociedade. Estas oportunidades podem ser de várias naturezas,
mas principalmente, através da proposta de trabalho e do tratamento digno aos reeducandos
em meio aberto.
A grande queixa de quem sai das prisões é o descrédito junto às outras pessoas.
O preconceito pelo fato de terem estado na prisão e a permanente desconfiança oprimem e
repercutem junto ao apenado, como incentivo a continuarem à margem, na criminalidade,
pois não se sentem integrantes do grupo social que o rejeita.
Mesmo com incentivos trabalhistas, poucos são os que se dispõem a oferecer emprego a um reeducando, mas é justamente o desinteresse em se envolver que acaba alimentando a violência, muitas vezes reincidente.
Além de oferecer oportunidades a quem retorna ao meio aberto, a sociedade como
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Revista ESMAC
um todo deve se engajar no sentido de auxiliar na fiscalização do cumprimento das obrigações que devem ser observadas justamente como forma de demonstrar aptidão ao convívio
social.
Já foi mencionado que não há no Brasil, ainda, lei que autorize o monitoramento
eletrônico de presos em meio aberto. Por isso, são altíssimos os números de apenados que
simplesmente ignoram restrições de horário, de freqüência a determinados locais, dentre
outras, sem qualquer repercussão em suas penas, simplesmente por não serem descobertos.
Esta fiscalização é de extrema importância, pois sua ineficácia pode ensejar a permanência junto ao grupo social de quem ainda não está apto e que pode representar risco.
Por isso, se a comunidade, especialmente se é pequena, tem meios de auxiliar a justiça e a
polícia neste trabalho, dando informações a respeito de fatos que tomem conhecimento. Na
medida em que todos se transformam em fiscais, incentiva-se o apenado a observar suas
obrigações.
Através das rádios locais, o juiz pode falar frequentemente à população,
deixando-a a par de quais são os requisitos impostos aos apenados em meio aberto. A própria
rádio, além da polícia ou, se a demanda justificar, um serviço de recebimento de denúncias,
podem ser meios de comunicação da sociedade com as autoridades constituídas, a fim de dar
informações sobre apenados que estejam descumprindo condições de seu regime de cumprimento de pena, resguardando-se o anonimato dos informantes.
Muitas vezes as pessoas se deparam com reeducandos pelas ruas e não sabem
exatamente a que título reconquistaram a liberdade. Não sabem se se trata de um foragido,
se é alguém que já cumpriu integralmente a pena ou se se trata de um apenado que está
cumprindo a reprimenda em meio aberto. Se tiver uma forma de colocar-se a par destes esclarecimentos, a pessoa pode prestar relevante contribuição à justiça e à polícia, trazendo ao
conhecimento das instituições fatos que geralmente não se tornam conhecidos, prejudicando
a correta execução da pena.
O envolvimento da sociedade, contudo, depende em muito da intermediação do
juiz, como já foi tratado no tópico anterior.
Na medida em que se relaciona bem com as outras instituições e tem o respeito
da comunidade, o juiz pode encabeçar um processo que viabilize a participação popular
no cumprimento das penas. Assim, todos acabam compreendendo melhor o processo e se
sentindo responsáveis pelo sucesso do mesmo, contribuindo para que tal ocorra e, se a força
da sociedade se une em torno de garantir que as penas alcancem seus objetivos, não há
dúvidas de que se terá um processo vitorioso. A resposta será sentida na própria sociedade,
através da redução da criminalidade.
633
8.5 Cartório
Estudou-se que o ordenamento jurídico pátrio filiou-se às teorias que extraem da
pena caráter retributivo e preventivo. Nesse contexto, e visando assegurar que tais objetivos
sejam alcançados, é que deve ser voltada a atuação dos Cartórios que movimentam feitos
de execução penal. A meta a ser alcançada pela Unidade Judiciária deve ser, portanto, que
a reprimenda seja integralmente cumprida, com o rigor necessário a alcançar seu papel retributivo, mas também assegurando o cumprimento de todos os institutos criados pelo legislador para que a ressocialização seja alcançada, de modo a regenerar o criminoso (prevenção
especial) e proteger a sociedade de novos desvios capazes de lesionar bens juridicamente
tutelados (prevenção geral).
A organização do Cartório Judicial deve ser de tal forma a propiciar a adequada e
tempestiva movimentação dos feitos em trâmite, mantendo-se o reeducando a par de todos os
fatos envolvendo o cumprimento de sua pena, viabilizando a apreciação célere do julgador
quando da possibilidade de concessão de benefícios legais e dando imediato cumprimento
às decisões que beneficiam os reeducandos.
Ao mesmo tempo, o Cartório não deve olvidar para o fato de que seus processos
envolvem pessoas enclausuradas, famílias separadas, crianças desassistidas, enfim, de que
há um mundo de emoções que acompanham o andamento e anseiam o fim do processo, e
tudo isso deve ser respeitado e compreendido.
Por outro lado, há a coletividade, que apesar de não participar ativamente tem
interesse no bom andamento dos feitos e espera que as penas cumpram seus objetivos.
A atuação do Cartório, portanto, deve atentar-se para todos os que estão, direta ou
indiretamente, envolvidos e interessados no cumprimento da pena, competindo-lhe abrigar
a todos estes interesses, com olhos sempre voltados ao cumprimento das leis.
Tratando-se especificamente de uma Vara Criminal Genérica e que, portanto, abriga não apenas execuções, como também ações penais e todos os seus incidentes, é que será
avaliada e apresentada proposta de gestão, que leve em consideração a proporção entre as
espécies de processos em trâmite e as peculiaridades do local de instalação da Unidade.
Nos grandes centros, onde há locais adequados para cumprimento de penas em
regime fechado e semi-aberto, costumam ser instaladas Unidades Judiciárias específicas
para o processo das execuções penais. A especialidade permite ao julgador responsável pela
Unidade e à sua equipe a elaboração de estratégias bastante eficazes e específicas, mas que
muitas vezes não podem ser reproduzidas em outros cartórios, nos quais também tramitam
feitos diversos. Nestes casos, a organização e o processamento de feitos de execução penal
devem compatibilizar-se com as outras atividades igualmente urgentes e relevantes, desempenhadas pelo julgador e sua equipe de trabalho, tornando-se imperiosa a elaboração de
estratégias capazes de propiciar que a uns e outros seja dispensada tramitação tempestiva e
adequada.
A regular tramitação de execuções penais é perfeitamente viável em uma unidade
genérica, apesar, como já dito, de algumas práticas adotadas em unidades especializadas não
serem compatíveis e exeqüíveis na situação apresentada.
Trabalhando-se com a hipótese de uma unidade, na qual tramitem ações penais
em número bastante superior ao de execuções penais, é possível criar-se faticamente um
634
Revista ESMAC
Cartório de Execuções, dentro do Cartório Judicial, organizando-se os feitos de execução
separadamente e deles encarregando corpo de servidores específico e especializado.
Algumas Unidades preferem evitar a criação de “especialistas”, ou seja, servidores
que movimentam apenas um ou outro tipo de processo. Isto porque, como geralmente os
quadros de servidores são reduzidos, acontece frequentemente de um estar afastado, por
férias, doença ou outros motivos, e se nenhum outro servidor saber executar a tarefa do que
está ausente. O serviço realizado pelo servidor ausente simplesmente pára, prejudicando o
regular andamento dos feitos, que se insere em verdadeira cadeia produtiva.
Para evitar que tal ocorra, é importante que toda a equipe esteja capacitada a desempenhar as atividades da execução penal, especialmente se o número de servidores é
insuficiente para se estabelecer um sistema adequado de substituições da equipe destinada
exclusivamente ao trabalho das execuções. Porém, apesar do imprescindível conhecimento
que todos devem ter a respeito de todo o trabalho desenvolvido na Unidade, parte da equipe
pode, e preferencialmente, deve ser destacada a se dedicar exclusivamente às execuções,
o que lhe permite especializa-se sobre o tema, além de favorecer ao julgador a identidade
daqueles responsáveis pela movimentação de tais feitos.
O cuidado com o espaço físico destinado aos processos de execução penal também
é importante. Deve ser suficiente a abrigar os processos, separando-se cada caso e identificando-se clara e expressamente cada situação, para que a todos seja visualmente possível
perceber a realidade da Unidade e para que a equipe de trabalho não deixe de dar aos feitos
a movimentação adequada.
Assim, os feitos devem ser separados por regime (fechado, semi-aberto, aberto),
separando-se, também, os feitos referentes a livramento condicional do processo. O mesmo
deve ser feito em relação aos feitos de execução de medidas restritivas de direitos, que não
são, porém, objeto deste trabalho.
Uma vez separados por regime de cumprimento de pena, devem os processos ser
também organizados de forma que fique bastante identificado o dia em que será alcançado
o requisito objetivo para a concessão de algum benefício (progressão de regime, livramento
condicional).
Ambas as separações (de regime de cumprimento de pena e de data para a concessão do benefício) são importantes, para evitar, por exemplo, a concessão de benefícios
peculiares ao regime semi-aberto, a reeducando que esteja em regime fechado (saída temporária, por exemplo).
Sabe-se que atualmente há Unidades informatizadas com sistemas que apontam,
diariamente, os feitos que naquele dia, comportam a concessão de benefícios. Porém, esta
não é a realidade do Cartório em análise e não deve ser a da maioria das Unidades instaladas em Comarcas pequenas, ainda não agraciadas com sistemas de informatização desta natureza. Por isso, o cuidado na separação dos processos deve ser extremo, pois um
processo guardado na prateleira errada pode significar imenso prejuízo a um reeducando,
correndo-se sério risco que, para ele, os objetivos da pena não sejam alcançados, inviabilizando-se o alcance da meta do Cartório.
Dentro da equipe de trabalho destinada a movimentar os feitos da execução penal,
deve-se estabelecer divisão de tarefas capaz de permitir que todos os membros movimentem
todos os possíveis incidentes que surgem ao longo da execução penal. Para tanto, pode-se
atribuir a cada servidor a responsabilidade de movimentação de processos através do último
635
número do feito. Assim, divide-se o trabalho igualmente entre os integrantes da equipe,
evita-se que um fique sobrecarregado enquanto outro tenha tempo ocioso, além de capacitar
a todos como forma de evitar a paralisação do trâmite com o afastamento de um deles.
Além disso, deve estar claro que todas as atividades são supervisionadas pelo escrivão, que é o chefe imediato da equipe, subordinando-se ao juiz. Ao escrivão incumbe
a tarefa de verificar permanentemente a adequação e a tempestividade das atividades da
equipe de trabalho, além de intermediar a comunicação entre a equipe da execução penal e
a equipe responsável pela movimentação dos outros feitos em trâmite na Unidade, já que
em algumas situações a interação é necessária, como no momento de elaboração da pauta de
audiências, por exemplo.
O Cartório deve ser organizado, também, de modo a agir de ofício. Um benefício
previsto na legislação não pode deixar de ser concedido por falta de requerimento do interessado, especialmente considerando que os interessados, no caso, estão enclausurados e, via de
regra, não têm suporte financeiro necessário para contratar advogado ou talvez não tenham
até mesmo o mínimo de informação que o leve a contatar um Defensor Público para defesa
de seus interesses.
Além disso, há o fato de que as Defensorias Públicas, geralmente, não estão devidamente estruturas, prejudicando o cumprimento da obrigação inserida na Lei de Execuções
Penais, no que concerne à assistência jurídica aos apenados, sem contar com a ausência de
profissionais do Direito no corpo técnico de algumas unidades prisionais.
Partindo-se dessa premissa é que o Cartório, no que tange às execuções penais,
pode desencadear, automaticamente, processos de análise da concessão de benefícios, tão
logo haja o cumprimento de requisitos objetivos, dispensando requerimento do interessado.
Assim, no exato dia em que é alcançado o requisito temporal necessário a concessão de algum benefício ao reeducando, o Cartório deve solicitar da unidade prisional as
informações que serão utilizadas pelo julgador para avaliar a possibilidade de deferimento
de algum benefício.
De posse de tais informações (certidão carcerária e relatório do conselho penitenciário), o próprio Cartório deve abrir vista dos autos ao Ministério Público, para manifestação, fazendo conclusão do feito ao julgador, que também deve se dedicar à análise do mesmo
no prazo legal.
Aliás, no que pertine aos prazos, é importante que sejam observados e que os reeducandos os conheçam, para que possam reclamar dos atrasos.
O Cartório deve solicitar as informações da unidade prisional no exato dia em que
for alcançado o requisito temporal para a concessão de determinado benefício. Presídio e
Conselho Penitenciário devem enviar as informações no prazo de dois dias. Em quarenta e
oito horas, o Cartório deve juntar aos autos as referidas informações e providenciar a vista
ao Ministério Público. Cinco dias é o prazo Ministerial. Quarenta e oito horas, o prazo do
Cartório para fazer as juntadas aos autos e remete-los conclusos ao juiz. Cinco dias o prazo
do julgador para decisão. Mais quarenta e oito horas o tempo que o Cartório dispõe para
executar o que foi decidido: se o benefício foi concedido, viabilizar que passe a ser usufruído pelo reeducando, inclusive, com a realização da audiência admonitória, se for o caso.
Em síntese, entre a data do cumprimento do requisito objetivo e a data do efetivo gozo do
benefício pelo reeducando, não podem se passar mais que dezoito dias, pois, do contrário, o
reeducando poderá reclamar, com razão, que sua pena “está vencida” (linguajar comumente
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Revista ESMAC
utilizado por apenados, dentro dos presídios).
A eficiência do Cartório deve estar à prova todas as vezes em que um desses processos se desencadeia. É justamente o Cartório que faz a intermediação entre as “idas e
vindas” do processo, até que seja proferida a decisão acerca da concessão do benefício. Por
isso, a equipe de trabalho deve estar atenta e empenhada, cuidando para que os prazos sejam
observados e, se possível, abreviados, já que dezoito dias é o tempo máximo que pode existir
entre o dia em que o requisito objetivo foi cumprido e o dia em que o benefício passa a ser
usufruído pelo reeducando.
Uma alternativa viável para reduzir ainda mais o prazo para a execução do que foi
decidido judicialmente, em relação a benefícios concedidos a reeducandos, é enviar ao presídio e ao conselho penitenciário, mensalmente, relação dos reeducandos e data da perspectiva
de cumprimento do requisito objetivo para algum benefício. Assim, dispensa-se a solicitação
individualizada das certidões carcerárias e dos pareceres do conselho penitenciário que, cientes no início de cada mês sobre quais reeducandos estão na iminência de obtenção de um
benefício, poderiam adotar as providências necessárias para enviar ao Juízo os relatórios no
exato dia do cumprimento do lapso temporal exigido na lei.
A prática da atividade carcerária trouxe à baila uma questão interessante: o reeducando tem direito a gozar o benefício (progressão de regime, livramento condicional) no
exato dia em que cumpre o requisito objetivo? Indiscutivelmente, para os reeducandos a resposta é sim. Na medida em que tem em seu poder a liquidação de pena (imperativo legal), o
apenado cria a expectativa de que, na data marcada naquele documento, estará já usufruindo
do benefício previsto.
Porém, compete ao Cartório fazer constar na liquidação uma observação, informando ao reeducando de que esta expectativa não encontra abrigo em lei e que, portanto,
a resposta à indagação acima é não. Explica-se: a legislação estabelece, por exemplo, que
um apenado por crime não hediondo, que não seja reincidente, deve cumprir um sexto de
sua pena em regime mais rigoroso para, só então, obter a progressão de regime. Além disso,
durante o cumprimento de um sexto da pena, o reeducando deve ostentar bom comportamento. Por isso, o Cartório deve, necessariamente, aguardar o cumprimento do requisito
temporal para, só então, solicitar da unidade prisional informação acerca do comportamento
do preso, possibilitando ao Ministério Público exarar seu parecer e ao julgador proferir sua
decisão, tendo em mãos informações sobre todos os requisitos necessários à concessão do
benefício.
Em outras palavras, para que o Cartório viabilize o efetivo gozo de um benefício,
exatamente na data em que foi cumprido o requisito temporal, seria necessário trazer aos
autos informações sobre o comportamento antes do cumprimento de tal requisito, sujeitando
o julgador à possibilidade de conceder benesses a quem, no dia anterior ao cumprimento do
requisito objetivo, por exemplo, tenha praticado falta grave no interior da unidade prisional,
demonstrando inaptidão com o benefício almejado.
O Cartório Judicial e o julgador devem conquistar a confiança do apenado, deixando-o tranqüilo em relação ao fiel e tempestivo cumprimento de seus direitos. Entretanto,
devem mantê-lo devidamente esclarecido a respeito de quais são realmente seus direitos,
evitando-se criar falsas expectativas que, muitas vezes, podem acarretar imensos prejuízos
às unidades prisionais, com a possibilidade inclusive de rebeliões, causadas, muitas vezes,
por ineficiência do Cartório e do julgador responsáveis pela execução das penas e, outras
637
vezes, por deficiência de comunicação entre ambos e os reeducandos.
A movimentação de feitos em torno da concessão de benefícios não é, contudo, a
única atuação do Cartório em relação às execuções penais. Vários incidentes podem surgir
ao longo da execução da pena. Pedidos de transferência para outras unidades prisionais.
Remição de dias trabalhados e estudados. Pedidos de trabalho externo e saída temporária.
Recursos. Notícias do descumprimento de condições impostas ao cumprimento de regimes
menos rigorosos. O Cartório deve estar preparado para processar, tempestivamente, todos
estes incidentes.
Nas situações em que a decisão judicial depende, antes, da manifestação do Ministério Público, a vista ao Parquet deve ser dada diretamente pelo Cartório, sem necessidade
de prévia conclusão dos autos ao juiz para determinação de tal providência. Antes, porém, o
Cartório deve estar atento no sentido de verificar se o pedido a ser apreciado está instruído
com informações e documentos necessários. Constatando-se a ausência de umas ou de outros, deve certificar o ocorrido, levando o feito à análise do juiz, para que a omissão seja suprida antes da efetiva apreciação do pedido. Exemplifica-se: um pedido de saída temporária
que não especifica o motivo do pedido seria fatalmente indeferido por falta de amparo legal,
em virtude da ausência de tal informação. Para evitar a movimentação de toda a “máquina”
para, ao final, rejeitar-se o pleito por falta de adequação aos requisitos da lei, é que o Cartório
e o juiz devem diligenciar no sentido de permitir ao reeducando suprir a ausência antes da
apreciação do pleito, evitando-se que, dias depois do indeferimento, pedido semelhante seja
formulado, levando novamente a toda a movimentação em torno de sua apreciação.
Em relação à remição, é comum a ansiedade de quem está preso, no sentido de
saber quantos dias foram remidos e, depois disso, qual a data provável da concessão de benefícios. Porém, tendo em vista que a decisão em torno da remição também demanda a movimentação do feito, com pedido de informações da unidade prisional, com vistas dos autos ao
Ministério Público e conclusão do feito ao juiz, deve-se estabelecer um período regular de
apreciação do tema, até porque, uma vez operada a remição, o Cartório deve providenciar
outra liquidação da pena, providenciando a entrega da mesma ao apenado.
A depender da compreensível ansiedade do reeducando, a cada quinze dias seria
feita a remição judicial dos dias que ele trabalhou ou estudou. Porém, isto não é aceitável
diante da movimentação processual a tanto necessária, o que inviabilizaria outras atividades
cartorárias e não traria nenhum benefício concreto ao apenado, além de satisfazer a sua curiosidade.
Noventa dias é prazo razoável para apreciação da remição, a não ser, é claro, que
antes disso a remição possa acarretar a possibilidade de concessão de algum outro benefício
ao reeducando. Esta regra pode ser estabelecida ao Cartório, através de Ordem de Serviço
do juiz, dela cientificando os reeducandos, justamente para se evitar expectativas que, não
concretizadas, podem acarretar em transtornos como os já citados.
De outra parte, atentando-se para a realidade da Comarca, compreendendo a
dificuldade de acesso dos reeducandos à assistência jurídica, conhecendo as deficiências da
Defensoria Pública (não dos Defensores Públicos, geralmente empenhados e comprometidos), enfim, percebendo a realidade social dos que estão submetidos a penas, o Juízo das
execuções penais deve adotar providências no sentido de viabilizar o acesso dos reeducandos à justiça.
O procedimento da execução penal não exige formalismo para que os pleitos dos
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Revista ESMAC
reeducandos sejam apreciados pelo julgador. É comum e aceitável, em Comarcas com as
características da que está sendo apresentada, que o reeducando formule requerimentos de
próprio punho, enviando “cartas” ao juiz. Negar-se esta forma de desencadeamento dos
incidentes significaria inviabilizar aos reeducandos o acesso à manifestação judicial.
Porém, a falta que conhecimento jurídico pode inviabilizar o atendimento de pedidos que poderiam ser deferidos acaso corretamente formulados. Para evitar que tal ocorra, é
interessante que o Cartório tenha a disposição dos reeducandos formulários a serem preenchidos, neles constando todos os dados necessários à análise dos pleitos. Estes mesmos
formulários podem ser colocados à disposição dos apenados, no estabelecimento prisional.
Esta providência garante o acesso ao Judiciário, assegura ao reeducando tratar diretamente
dos assuntos relacionados ao cumprimento de sua pena, além de economizar movimentação
desnecessária de processos, em torno da apreciação de feitos natimortos, ou seja, que por
incorreção no momento em que foram formulados, não podem ser deferidos.
O atendimento ao público em Cartório que movimenta execuções penais é intenso
e inevitável. Não apenas o reeducando, mas também seus advogados e familiares freqüentam
a unidade cartorária em torno de solicitar informações e trazer pleitos a apreciação judicial.
Por isso, o Cartório deve estar preparado para receber e prestar atendimento qualificado, especialmente considerando que muita procura vem de pessoas que não têm formação jurídica
e necessitam compreender o que se passa no processo de seu interesse.
Entretanto, este atendimento não precisa ser feito apenas pela equipe do Cartório
destacada para o movimento das execuções penais. O rodízio entre toda a equipe de trabalho
para o atendimento ao público em geral permite que todos se inteirem sobre as diversas
espécies de procedimento em trâmite na unidade, além de permitir, a cada um, a necessária
concentração ao cumprimento de suas outras atribuições, sem ser interrompido indiscriminadamente para atender ao balcão.
Trocando em miúdos, deve-se estabelecer um rodízio diário entre os servidores
para atendimento ao público, incluindo-se no rodízio o escrivão. O ideal é que a estrutura
física existente proporcione o atendimento em local reservado, para que os assuntos tratados
no balcão não prejudiquem a concentração dos que estão trabalhando no Cartório.
Como todos os servidores participam do rodízio, todos devem estar a par da
localização dos processos e do procedimento a ser seguido em cada um deles. Para tanto, a
capacitação é imprescindível e o mapeamento dos processos de trabalho é relevante.
Além disso, o atendente deve prestar informações completas, corretas e precisas. Se assim
o fizer, estará satisfazendo àquele que buscou o atendimento. O linguajar deve ser simples e
acessível, pois, como já dito, a procura vem de familiares ou do próprio reeducando, pessoas
que não têm formação jurídica.
De qualquer modo, sabendo que o atendimento ao público é uma atribuição à parte
da movimentação processual e que demanda o tempo do servidor, o juiz deve estar atento
para incluir em suas decisões informações suficientemente completas sobre os passos a serem seguidos no processo, diminuindo a procura do público no balcão.
A ação do Cartório Judicial em torno da movimentação das execuções penais é intensa e representa grande parte da ação cartorária em uma unidade criminal genérica. Ações
penais, que são maioria absoluta na unidade, demandam pouca movimentação cartorária.
O procedimento é quase sempre o mesmo e vai, do recebimento da denúncia à sentença,
passando poucas vezes pelo Cartório e, mesmo assim, demandando atividades menos com639
plexas, tais como a juntada de petições, vistas às partes e conclusão ao juiz. As atividades da
execução penal, ao contrário, demandam mais atendimento ao público, mais movimentação
em torno de um único processo, e mais atenção de conferência de dados, já que muitos pleitos não são formulados por advogados.
Assim, apesar de minoria, as execuções representam a maior parte e a parte mais
complexa das atividades cartorárias. Daí outro motivo que justifica tanta atenção a ser dedicada aos processos de execução penal. Entretanto, toda a atividade cartorária e, especialmente, a que concerne à movimentação das ações penais, pode ser mapeada, através de
fluxogramas que demonstrem, de forma simples, mas completa, o trâmite e as providências
cartorárias a serem adotadas em cada caso.
O mapeamento, além de universalizar a informação a toda a equipe de trabalho
(e não apenas aos que operam diariamente a execução penal), uniformiza o procedimento
e pode contribuir, inclusive, para a diminuição da procura no balcão de atendimento. Se as
partes e advogados envolvidos ou interessados nos feitos das execuções penais conhecem
o procedimento adotado pelo Cartório e sente-se seguro em relação ao cumprimento dos
prazos legais, não têm motivos para buscar atendimento, permitindo à equipe dedicar-se à
execução de suas tarefas.
A assertiva supra não tem o cunho de retirar do atendimento ao público a importância que representa para a boa prestação jurisdicional. Já foi dito que há diversos interesses
em torno da execução das penas. Várias podem ser as razões que levam um cidadão ao balcão de uma Unidade Cartorária, em busca de informações e para tratar assuntos referentes
a um processo de execução penal, mas seja qual for o motivo da procura, é imprescindível
que o cidadão seja bem atendido, assim compreendendo-se a cordialidade do atendente, a
tempestividade e a qualidade da informação prestada.
Em suma, após ter clara qual a meta a ser alcançada, são inúmeras as atuações
da Unidade Cartorária em torno da movimentação de feitos referentes a execuções penais.
Porém, embora o julgador responsável pela unidade não possa dedicar-se exclusivamente
às execuções penais, embora a equipe de trabalho também não esteja toda disponível para
a movimentação de tais feitos e, ainda, embora sejam complexas e numerosas as atuações
cartorárias neste aspecto, é perfeitamente possível, através de um planejamento, que todas
as ações sejam implementadas com eficiência e eficácia e que a meta seja alcançada todas as
vezes em que uma pena é extinta, desde que haja verdadeiro comprometimento da equipe de
trabalho e atenção ao planejamento e ao mapeamento pré-estabelecidos.
A rotina cartorária acaba trazendo vivências que impõem uma análise crítica do
planejamento, sempre com o firme propósito de bom cumprimento da missão estabelecida.
É imprescindível, entretanto, que as ações sejam previamente pensadas e nada impede que experiências bem sucedidas de outras unidades sejam intercambiadas. Além disso,
a equipe de trabalho deve estar permanentemente motivada e ciente das repercussões do seu
trabalho no meio em que vive.
O clamor em torno da segurança pública tem sido crescente. Das grandes capitais
ao mais longínquo município do interior, tem-se assistido ao crescente número de crimes,
muitos envolvendo atos de violência. O uso de entorpecentes tem se disseminado, atingindo
a todas as classes sociais, alimentado pelos que se dedicam à traficância.
As unidades cartorárias que movimentam feitos criminais, e mais ainda as que
processam as execuções penais, têm atuação direta sobre o enfrentamento da violência, na
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Revista ESMAC
medida em que é sabido e ressabido que o crime pode ser evitado não pela proporção da
pena, mas pela certeza da punição.
Este, além de muitos outros, pode ser o argumento a ser utilizado para a motivação da equipe de trabalho. Na medida em que se enxerga como beneficiário do sucesso da
operação do cumprimento da pena, tendo a exata noção de que, uma vez ressocializado,
o reeducando pode deixar de reincidir e, por conseqüência, de atacar bem jurídico seu ou
mesmo de um vizinho, o servidor pode ter então mais uma razão para se empenhar a cumprir
suas atribuições e a “vestir a camisa” da unidade judiciária, enxergando-se como verdadeiro
co-autor do processo de melhoria da qualidade de vida e da segurança pública do local onde
vive.
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CONCLUSÃO
Após apresentar-se concepção clara sobre o que é gestão e compreender-se a extrema relevância da gestão das unidades cartorárias, como forma de garantir-se a eficiência e
a celeridade da atuação jurisdicional e, depois, ainda, de se relacionar quais são os objetivos
a serem alcançados pelas penas impostas a quem pratica crimes, conforme previsão legislativa, constatou-se que todas estas informações eram imprescindíveis à boa atuação do Poder
Judiciário, no que se refere à atuação jurisdicional que desempenha ao longo das execuções
penais.
Ciente de que a execução penal não é um procedimento eminentemente jurisdicional, e que nele intervêm outras instituições, precipuamente do Poder Executivo, clareou-se
a idéia de que a atuação a cargo do Poder Judiciário deve estar correlacionada com a destes
outros órgãos. Ao mesmo tempo, verificou-se a extrema importância do acompanhamento
imparcial da execução da pena, feito pelo juiz, intermediando o conflito entre os interesses
do Estado, em efetivar a reprimenda imposta aos criminosos, e o interesses destes, de que tal
ocorra nos exatos limites previstos na legislação.
No passo seguinte, foram analisadas as atuações de todos os entes envolvidos na
execução da pena, frisando-se as razões do interesse de cada um deles no sucesso da “operação”, cujo resultado, conforme previsto na Lei de Execuções Penais, é não apenas o cumprimento da sentença criminal, como também a reinserção social do apenado.
Neste contexto, falou-se do interesse e da atuação do reeducando neste processo, da sociedade, da unidade prisional, do juiz e, especialmente do Cartório Judicial,
frisando-se, neste último caso, a extrema correlação entre o cumprimento dos objetivos das
penas e a eficaz e tempestiva atuação.
Assim, focando-se a análise precipuamente às atividades cartorárias, foram propostas soluções para problemas de gestão comumente enfrentados em unidades que movimentam não apenas execuções, mas também ações penais, inserindo o modelo no contexto
de uma pequena Comarca do interior do Estado, na qual a atuação da imprensa através das
rádios locais é extremamente forte.
Sem a pretensão de esgotar qualquer dos focos de análise, nem tampouco de apresentar um modelo infalível ou sensacional a ponto de ignorar outros modelos implantados
pelo Brasil afora, com grande sucesso, o propósito foi sugerir idéias singelas que, porém, se
têm mostrado bastante eficazes, já que em grande parte já implantadas e aperfeiçoadas ao
longo do tempo.
O fim último, então, não foi simplesmente apresentar propostas de solução dos
problemas de gestão detectados em unidades judiciais com as características citadas, ou
mesmo favorecer a tramitação dos processos, facilitando o dia-a-dia do juiz ou de sua equipe
de trabalho. O grande objetivo foi, sem sombra de dúvida, apresentar, sob um aspecto pequeno, um modelo de atuação estatal, como meio de contribuição para a pacificação social, meta
primordial da atividade jurisdicional.
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Revista ESMAC
BIBLIOGRAFIA
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TAYLOR, Frederick W. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 1998.
WINFRIED, Hassemer. Fundamentos de Derecho Penal. Barcelona: Bosch, 1984.
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Escola Superior da
Magistratura do Acre
Arte da Capa
Fernando de Castro Sobrinho
Diretora
Desa. Eva Evangelista
Diagramação
Izabella Nogueira Tapeocy de Castro
Secretária
Eva da Silva Freire
Revisão
Juraci Regina P. Nunes
Assessora Pedagógica
Juraci Regina P. Nunes
Impressão
Parque Gráfico TJAC
Assistente Técnica Adminstrativa
Silvia Claudia de O. Barrozo
Assistente Pedagógica
Izabella N. Tapeocy de Castro
Tiragem:
150 Exemplares
Tel.: (68) 3211-5545
e-mail: esmac@tjac.jus.br
Assistente de Informática
James Klinger Menezes da Silva
Auxiliar Adminstrativo
Saulo Cezário Ribeiro
Auxiliar Administrativo
Rafaela Yusif Awni El-Shawwa
R e v i s t a E S MAC
AGRADECIMENTO
Ao Diretor Geral do Tribunal de Justiça, Carlos Afonso Santos de Andrade, e servidores
desta Corte de Justiça que enaltecem o Poder Judiciário, o especial agradecimento pela
valiosa contribuição.
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