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Revista ESMAC Revista Escola Superior da Magistratura do Acre ______________________________ Ano I - Volume I - 2009 COLETÂNEA DE TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE CURSO APRESENTADOS AO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO EM PODER JUDICIÁRIO - FGV DIREITO RIO - Rio Branco - Acre 2009  COLEÇÃO - REVISTA ESMAC - VOLUME I COLETÂNEA DE TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE CURSO APRESENTADOS AO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO EM PODER JUDICIÁRIO - FGV DIREITO RIO EXPEDIENTE Publicação do Tribunal de Justiça do Estado do Acre - Escola Superior da Magistratura Autores: Denise Castelo Bonfim - Juíza de Direito Titular da 2ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, Graduada em Direito pelo Centro Superior de Ciências Sociais de Vila Velha e Especialista em Poder Judiciário. Eva Evangelista de Araújo Souza - Juíza de Direito desde 1975, Desembargadora, promovida em 1984, Graduada em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário. Elcio Sabo Mendes Júnior - Juiz de Direito Titular da Vara de Delitos de Tóxico e Acidentes de Trânsito do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, com competência prorrogada à Auditoria Militar, Graduado em Direito pela Universidade São Francisco e Especialista em Poder Judiciário. Fernando Nóbrega da Silva - Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Família da Comarca de Rio Branco, com competência prorrogada à Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Rio Branco, Graduado em Direito pela Universidade de Rondônia e Especialista em Poder Judiciário. Giordane de Souza Dourado - Juiz de Direito Titular da Vara Criminal da Comarca de Brasiléia e Presidente da Associação de Magistrados do Acre – ASMAC, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário. José Augusto Cunha Fontes da Silva - Juiz de Direito Titular do 1º Juizado Especial Criminal, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário. Laudivon de Oliveira Nogueira - Juiz de Direito Titular da 1ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário. Maha Kouzi Manasfi e Manasfi - Juíza de Direito Titular da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco, com competência prorrogada à Comarca de Bujari, Graduada em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário. Mirla Regina da Silva Cutrim - Juíza de Direito Titular do 3º Juizado Especial Cível e respondendo pela Justiça Comunitária Itinerante, Graduada em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário. Olívia Maria Alves Ribeiro - Juíza de Direito Titular da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Graduada em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário. Raimundo Nonato da Costa Maia - Juiz de Direito Titular da 3ª Vara Criminal, Graduado em Direito pela Universiade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário. Solange de Souza Fagundes - Juíza de Direito Titular do 1º Juizado Especial Cível e respondendo pelo Juizado de Trânsito. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Acre e Especialista em Poder Judiciário. Thaís Queiroz Borges de Oliveira Abou Khalil - Juíza de Direito Titular da Vara Criminal da Comarca de Sena Madureira, com prorrogação de jurisdição à Comarca de Santa Rosa, Graduada em Direito pela Universidade Federal de Urbelândia - UFU e Especialista em Poder Judiciário. E 74 c ESMAC, Escola Superior da Magistratura do Acre – Coletânea de Trabalhos de Conclusão de Curso Apresentados ao Programa de Capacitação em Poder Judiciário – FGV Direito RJ Rio Branco, Ac – Parque Gráfico do TJ/AC – 2009. 643 f 1 – Coletânea – Direito Penal – Direito Cível – Administração - Judiciária – Monografias. CDU 34: 347.98  Revista ESMAC TRIBUNAL PLENO BIÊNIO 2009-2011 Desembargador PEDRO RANZI Presidente Desembargador ADAIR JOSÉ LONGUINI Vice-Presidente Desembargador SAMOEL MARTINS EVANGELISTA Corregedor Geral da Justiça MEMBROS Desembargadora EVA EVANGELISTA Diretora da Escola Superior da Magistratura do Acre Desembargadora MIRACELE DE SOUZA LOPES BORGES Desembargador FRANCISCO DAS CHAGAS PRAÇA Desembargador ARQUILAU DE CASTRO MELO Desembargador FELICIANO VASCONCELOS DE OLIVEIRA Desembargadora IZAURA MARIA MAIA DE LIMA  ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ACRE BIÊNIO 2009-2011 CONSELHO CONSULTIVO Desembargadora EVA EVANGELISTA Diretora REGINA CÉLIA FERRARI LONGUINI Membro LAUDIVON DE OLIVEIRA NOGUEIRA Membro ELCIO SABO MENDES JÚNIOR Membro CLOVES AUGUSTO ALVES CABRAL FERREIRA Membro OLÍVIA MARIA ALVES RIBEIRO Membro MIRLA REGINA DA SILVA CUTRIM Membro MAHA KOUZI MANASFI E MANASFI Membro  Revista ESMAC APRESENTAÇÃO A Escola Superior da Magistratura do Acre centrada na feição acadêmica complementa sua atuação, no exercício de 2009, com a publicação da Revista ESMAC, nº 01/2009, passados onze anos da última edição similar. Assim, o número 01/2009, vol.01, desta Revista, tem como objetivo disseminar a divulgação dos Trabalhos de Conclusão de Curso, apresentados ao Programa de Capacitação em Poder Judiciário, objeto do convênio formalizado entre o Governo do Estado do Acre, o Tribunal de Justiça do Estado do Acre e a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Nesta edição (volume 01), treze temas convergem para os diferentes aspectos da atuação dos magistrados. Decerto que o rigor e a abordagem científica de cada assunto objetivam motivar a reflexão e o repensar do saber jurídico e, notadamente, a busca da excelência no exercício da prestação jurisdicional. Portanto, a realçar o empenho e a construção científica dos trabalhos firmados em práticas de gestão, do novo pensar e atuar, no Judiciário Acreano. Por derradeiro, importa consignar o reconhecimento à Administração do Tribunal de Justiça pela disponibilidade das condições necessárias à Escola de Magistratura, como instrumento de eficiência da jurisdição. Em especial, o tributo aos Desembargadores Samoel Evangelista, Izaura Maia e Pedro Ranzi, ao primeiro por instituir o MBA em Administração do Poder Judiciário, à segunda pela continuidade imposta ao curso de pós-graduação, e ao terceiro, atual Presidente desta Corte de Justiça, por que, passados 23 (vinte e três) anos de criação da ESMAC, destinou uma sede a este Órgão de Ensino, um referencial de capacitação continuada dos magistrados. Eva Evangelista Desembargadora Diretora da ESMAC  SUMÁRIO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: ASPECTOS DE INEFICÁCIA PRÁTICA DA LEI MARIA DA PENHA - Denise Castelo Bonfim ............................... 008 O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ACRE COMO INSTRUMENTO DE QUALIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA Eva Evangelista de Araújo Souza ..................................................................................... 051 PODER DESCENTRALIZADO NOVAS PERSPECTIVAS ORÇAMENTÁRIAS Elcio Sabo Mendes Júnior ................................................................................................ 107 TRANSAÇÃO PENAL E SUA INTERPRETAÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL - Fernando Nóbrega da Silva .................................................................................. 139 APERFEIÇOAMENTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS COMO FATOR TÉCNICO E PSICOLÓGICO DE EFICIÊNCIA: PROPOSTA PARA A IMPLEMENTAÇÃO NAS UNIDADES JUDICIÁRIAS DO ESTADO DO ACRE DE PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PERIÓDICA DOS SERVENTUÁRIOS Giordane de Souza Dourado ............................................................................................. 181 O MAIOR APROVEITAMENTO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS NAS MODALIDADES DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE (...) José Augusto Cunha Fontes da Silva ............................................. 233 INFORMAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA Laudivon de Oliveira Nogueira ........................................................................................ 291 DA IMPLANTAÇÃO DO PROCESSO ELETRÔNICO JUNTO À VARA DE EXECUÇÕES PENAIS - Maha Kouzi Manasfi e Manasfi ...................................................................... 347 A AGILIZAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL NO TERCEIRO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE RIO BRANCO Mirla Regina da Silva Cutrim ........................................................................................... 407 A INEFICIÊNCIA DO JUDICIÁRIO E A MEDIAÇÃO COMO MECANISMO ALTERNATIVO DE PACIFICAÇÃO SOCIAL NO ÂMBITO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER Olivia Maria Alves Ribeiro .............................................................................................. 455 A UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E DO PROCESSO VIRTUAL/ELETRÔNICO COMO FERRAMENTAS PARA OTIMIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NA TERCEIRA VARA CRIMINAL DE RIO BRANCO – AC Raimundo Nonato da Costa Maia .................................................................................... 493  Revista ESMAC O PODER DE GESTÃO DO JUIZ EM RELAÇÃO ÀS ASTREINTES EFETIVADAS Solange de Souza Fagundes ............................................................................................. 540 CONSIDERAÇÕES SOBRE A GESTÃO DE CARTÓRIO DE VARA CRIMINAL GENÉRICA, INSTALADA EM PEQUENA COMARCA DO INTERIOR DO ESTADO DO ACRE, NO QUE SE REFERE A PROCESSOS DE EXECUÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE, NOS REGIME FECHADO E SEMI-ABERTO, VISANDO ALCANÇAR AS FINALIDADES DAS PENAS Thais Queiroz Borges de Oliveira Abou Khalil ............................................................... 607  VIOLENCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: ASPECTOS DE INEFICÁCIA PRÁTICA DA LEI MARIA DA PENHA DENISE CASTELO BONFIM 1. INTRODUÇÃO Uma vez determinadas legalmente as diretrizes para o combate à violência contra a mulher, faz-se necessário um levantamento minucioso para determinação dos motivos impeditivos da plena eficácia desses ditames. Falhas de direcionamento ou emprenho exacerbado com erro de foco podem gerar resultados diretamente opostos dos pretendidos, ou, no mínimo, dados não satisfatórios para a pretensão da Lei tendo em vista seu alvo pluridirecionado. Eficácia é palavra que reflete a competência ou ineficiência de uma tarefa. Em se referindo a um texto legal, a ineficácia dirimirá se aquela lei está sendo cumprida no cotidiano social da população ou serve apenas de espelho do que seria ideal, mas na prática tornou-se utópico, inalcançável, inatingível. Sem ser extremamente pessimista em relação à aplicabilidade da Lei, esta pode ter sua eficácia limitada tendo em vista os obstáculos culturais, sociais ou econômicos de um povo. Não que é isso seja problemática do texto legal não adequado à realidade, mas tendo em vista sua não efetivação de modo correto ou sua aplicação de modo diverso do pretendido ou determinado no texto, em que pese que esta meia eficácia já seria de bom grado à uma sociedade carente em todos os aspectos. Em suma, se as normas legais fossem seguidas de forma linear e literal, pelo menos em suas intenções sócio-econômicos, a população sentiria a magnífica sensação de justiça em seu viver diário. 2. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 2.1. Conceituação Conceituar a violência contra a mulher é, ao mesmo tempo, defini-la e determinar seus limites, daí sua dificuldade e delicadeza, tendo em vista que se deve, em tese, abranger todas suas formas. Geralmente conceitos de violência contra a mulher restringiam-se às violências física ou sexual, entretanto este conceito, principalmente legal, a partir da entrada em vigor da Lei Maria da Penha, foi ampliado para incluir outros tipos de violência, como a moral e a patrimonial, modalidades antes não identificadas como de prejuízo à mulher, vítima de violência. Este conceito foi ampliado através dos estudos das conseqüências que a violência  Revista ESMAC deixava nas vidas das mulheres em momentos pós agressão, afinal não se resumiam às marcas ou escoriações, mas se refletiam também psicológica e materialmente. Nos termos da Lei 11.340/2006 a violência contra a mulher se dividiria em cinco modalidades: Violência física: qualquer conduta que ofenda integridade ou saúde corporal da mulher; Violência psicológica: qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da auto-estima à mulher ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; Violência sexual: qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; Violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos pertences à mulher, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; Violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Apesar de certas modalidades de violência serem preliminares, por exemplo a violência psicológica, ou posteriores, por exemplo a violência patrimonial, há tipos de violência mais contundentes, como a física ou a sexual. Entretanto todas merecem igual tratamento na temática da violência contra a mulher, pois, embora as mais brandas não deixem resquícios ou marcas físicas, são as que mais denigrem ou humilham o sexo feminino (ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, insulto, chantagem, ridicularização, retenção, subtração, destruição de objetos, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, etc.), sustentando e alimentando a errônea cultura de domínio machista presente no nosso País. Logo, atualmente, a conceituação mais correta de violência contra a mulher deve, obrigatoriamente, abranger todas as modalidades acima descritas, afinal, a preservação da integridade da mulher não deve se restringir apenas a seu corpo físico, mas abranger todas as possíveis conseqüências advindas de um to de violência, a qual não se emerge, como já dito, apenas de forma física. Neste sentido, a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher feita pela Organização das Nações Unidas definiu a violência contra a mulher como: “qualquer ato de violência com base no gênero, sexo, que resulta em ou que é provável resultar em dano físico, sexual, mental ou sofrimento para a mulher, incluindo as ameaças de tais atos coerção ou privação arbitrária de liberdade, ocorrida em público ou na vida particular”.  Lei 11.340/2006, artigo 7º.  CEDAW - Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979).  Ratificando essa postura, o Brasil também assim conceituou a violência contra a mulher: “Artigo 1º - Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. Artigo 2º - Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica: §1. Que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual: §2. Que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e §3. Que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.”. O dimensionamento mais amplo desta conceituação trouxe à realidade o englobamento de todos aos fatores prejudiciais às mulheres vítimas de violência, e, pelo menos à princípio e de modo conceitual, preencheu as lacunas assistenciais outrora existentes e remete à satisfação dos anseios da classe. 2.2 Panorama Mundial: Os verbos típicos da violência (agredir, matar e estuprar) praticados em desfavor de meninas ou mulheres não são incomuns ao longo da história em praticamente todos os países ditos civilizados e dotados dos mais diferentes regimes econômicos e políticos. O que será fator variável, nestes casos e países, será a potencialidade ou dimensão desta violência. Essa realidade nunca foi apenas mera expectativa ou alarde, mas foi severamente estudada e assumida a partir da década 70, época em que estouraram situações dantes inimagináveis e em que a escabrosidade dos fatos chocou o mundo. A partir daí, vários organismos internacionais iniciarão uma mobilização mundial contra este tipo de violência, e em 1975, a ONU realizou o primeiro Dia Internacional da Mulher. Mesmo assim, a Comissão de Direitos Humanos da própria ONU, somente há quinze anos incluiu um capítulo de denuncia e propõe medidas para coibir a violência de gênero, o que ocorreu mais precisamente na Reunião de Viena em 1993. Os fatos originários do Dia Internacional da Mulher datam de 1857, ano em que operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade de Nova Iorque, fizeram uma grande greve. Elas, como forma de protesto, ocuparam a fábrica e reivindicaram melhores condições de trabalho, tais como, redução na carga diária de trabalho, isonomia de salários com os homens e tratamento digno no ambiente de trabalho. Como já era de se esperar para o comportamento da época, a manifestação foi reprimida com extrema violência e de forma  Convenção de Belém do Pará (1994) - Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher. 10 Revista ESMAC contumaz, de modo que as manifestantes foram trancadas dentro da fábrica e, em um ato de desumanidade, esta foi incendiada, causando a morte de mais de 125 tecelãs por carbonização. Apenas 53 anos após os fatos, mais precisamente no ano de 1910, durante uma conferência na Dinamarca, determinou-se que o dia 08 de março tornar-se-ia o “Dia Internacional da Mulher”, em homenagem póstuma às exemplares mulheres que foram assassinadas em 1857, data esta que foi reconhecida pela ONU em 1975. Segundo relatório específico da ONU sobre o tema, a violência contra a mulher é mais freqüente em países de uma dominante cultura masculina, e mais rara em culturas que buscam soluções igualitárias para as diferenças de gênero. Dentre outros dados, o relatório conclui que: ¨(a) as mulheres são mais da metade (52%) dos 5 bilhões de habitantes do planeta e formam 73% da população mundial de miseráveis, estimada em 1,3 bilhão; (b) a violência contra a mulher é maior na América Latina, África, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia, (c) mais de 114 milhões de mulheres no mundo sofreram algum tipo de mutilação sexual, o que conta seis mil por dia, cinco por minuto ; (d) nos EUA, a violência doméstica atinge de 2 a 4 milhões de mulheres, de modo que a cada 18 minutos uma mulher é espancada e a cada 6 minutos, uma é estuprada; (e) na Índia, 9 mil mulheres são assassinadas ao ano porque o dote não é suficiente; (f ) na França, 95% das vítimas de violência são mulheres e 51% sofrem agressões dos próprios maridos; (g) em Lima (Peru), 90% das mães entre 12 e 16 anos foram estupradas; (h) na China, um terço das mulheres diz apanhar dos maridos e nas zonas rurais, as mulheres são vendidas para casar com desconhecidos.¨ Mais aterrorizantes ainda foram os dados divulgados pela Anistia Internacional em 2004, os quais asseveraram que um bilhão de mulheres já foram espancadas ou estupradas e 20% das mulheres do mundo é alvo de estupro, além de, em cada cinco mulheres no mundo, uma será vítima ou sofrerá uma tentativa de estupro até o fim de sua vida. Irene Khan, secretária-geral da Anistia Internacional, naquele ano em Londres, concedeu entrevista ao Jornal ¨Le Monde¨, alarmando o mundo sobre a realidade numérica da violência em desfavor das mulheres: ¨Pergunta - A AI lançou uma campanha de combate à violência contra as mulheres. Qual é a amplitude desse fenômeno? Irene Khan - Trata-se de uma doença grave, que atinge todas as sociedades, e de um escândalo revoltante. Uma mulher em cada três no mundo sofre agressões sérias, como estupro ou agressão sexual. É um mal muito difundido, que não conhece fronteiras geográficas, raciais ou sociais. As sociedades o ignoram, os governos fecham os olhos para ele, as próprias mulheres mantêm o silêncio, pois são estigmatizadas. As que falam sobre o assunto, longe de encontrarem uma solução para o mal, têm sérios problemas. Pergunta - Há exemplos? Khan - No Paquistão, segundo uma pesquisa do governo, 42% das mulheres vêem a violência como parte de seu destino, 32% se acham impotentes demais para resistir, 19% protestam, e apenas 4% se rebelam. Nos EUA, uma mulher é agredida a cada 15 segundos. Nos países desenvolvidos, a violência é a principal causa da morte das mulheres dos 16 aos 44 anos, passando à frente do câncer e das doenças cardíacas.  Sexto Relatório Global sobre Crime e Justiça/ONU - 1990. 11 Pergunta - Como explicar essa violência? Khan - Ela resulta, em parte, da desigualdade e das discriminações que vigoram em diversas sociedades. Estas são dominadas pela exploração econômica e por relações sociais que criam armadilhas. A violência se explica também pela impunidade da qual gozam os agressores. A polícia intervém pouco. Na Rússia, 14 mil mulheres morrem todos os anos em conseqüência de atos violentos cometidos por seus parceiros. Até hoje, nenhum país do mundo conseguiu proteger as mulheres dentro de suas casas. Desde seu quarto até o campo de batalha, as mulheres correm perigo. Em situações de conflito, a violência contra as mulheres constitui uma arma de guerra. Vimos isso nos Bálcãs há pouco. A mesma coisa se repete hoje, por exemplo, na República Democrática do Congo [ex-Zaire], onde estive em outubro. Numa única região em torno de Goma, foi registrada a média de 40 estupros por dia durante o período de um ano.¨ Em que pese a magnitude numérica em relação à violência contra a mulher, a frieza dos números não reflete com clareza material a realidade vivida pelas mulheres em todo o mundo, geralmente basilados em culturas sociais machistas, religiosas xiitas ou políticas. Citemos por exemplo o caso da jovem etíope Kamilat Mehdi, de 21 anos, que vinha sendo perseguida por um homem que lhe assediava há pelo menos 4 anos, o qual, em certa noite quando ela voltava do trabalho com as irmãs, após ser encurralada, teve sua face desfigurada por ácido jogado em seu rosto. O passar das décadas é testemunha da luta mundial no combate à discriminação ou violência contra a mulher. As vitórias foram, aos olhos de hoje mínimas, mas, à época marcos inesquecíveis e franqueadores de novos tempos, por exemplo: em 1788 o político e filósofo francês Condorcet reivindicou publicamente os direitos de participação política,  Entrevista concedida a Jean Pierre Langellier, do Jornal “Le Monde”, Londres, 2004 - publicada pelo Jornal Folha de São Paulo, 06/03/2004.  BBC News, Addis Ababa, Wednesdey, 28 March 2007. 12 Revista ESMAC emprego e educação para as mulheres; em 1840, Lucrécia Mott lutou pela igualdade de direitos para mulheres e negros dos Estados Unidos; em 1859 surgiu na Rússia, na cidade de São Petersburgo, um movimento de luta pelos direitos das mulheres; em 1862, durante as eleições municipais, as mulheres puderam votar pela primeira vez na Suécia; em 1865, na Alemanha, Louise Otto, cria a Associação Geral das Mulheres Alemãs; em 1866, no Reino Unido, o economista John S. Mill escreve exigindo o direito de voto para as mulheres inglesas; em 1869 é criada nos Estados Unidos a Associação Nacional para o Sufrágio das Mulheres; em 1870, na França, as mulheres passam a ter acesso aos cursos de Medicina; em 1874 é criada no Japão a primeira escola normal para moças; em 1878 é criada, na Rússia, uma Universidade Feminina; e em 1901, o deputado francês René Viviani, defende o direito de voto das mulheres Em sendo um problema histórico, a violência contra a mulher não será estirpada ou banida do planeta em algumas décadas, mas o amadurecimento mundial quanto a este assunto afrontará as práticas mais severas e pressionará os governos à tomarem medidas mais enérgicas a seu favor, como ocorreu com o Brasil, que apenas após manifestação da OEA posicionou-se no caso da Sra. Maria da Penha, como veremos a seguir (item 4.1). Hoje em dia, todos os países do mundo, em seus panoramas cultural, social ou político, merecem ser respeitados quando o fazem em relação aos entes participantes de suas sociedades. Respeitar as crenças étnicas, religiosas, morais ou culturais em detrimento de parte da população, quanto mais quando esta é mutilada, explorada ou indignificada, não se sustenta nos tempos atuais e merece severa crítica mundial e políticas regradas ao seu combate, sendo estas condutas as mais assumidas na história moderna da humanidade pela maioria dos países. 2.3 Panorama Nacional 2.3.1 Machismo Culturalmente e historicamente o Brasil é um país machista e preserva essa vertente como se dela se orgulhasse. No cotidiano nacional as relações entre casais, pais e filhas, amigo e amiga, etc., espelham-se em comportamentos ultrapassados de ironia e piadas jocosas de inferioridade feminina. A Autoridade paterna mais severa, a obrigação de submissão da mulher em relacionamentos ou as piadas machistas nas conversas atingindo a capacidade intelectual ou aptidões femininas, são exemplos diários da pseudo-superioridade masculina e denotam a passividade de suas aceitações tácitas. Dentro do contexto cultural dos últimos anos, a mulher é peça fundamental do imaginário brasileiro, fazendo suas vezes na história, meio social, revistas, notícias de jornal, dramaturgia, literatura, novelas de televisão, música popular, etc. Nestes meios, predomina-se o papel de coadjuvante da mulher brasileira ou sua dependência masculina, quer seja financeira, afetiva, emocional, ou de qualquer outra forma, sempre na procura de um esteriótipo já existente. A perduração dessa realidade, apesar de atualmente já modificada em termos, dáse pela persistente cultura de subordinação da mulher ao homem de quem ela é considerada uma inalienável e eterna propriedade, pela alimentação da mídia à fatores familiares machis13 tas, pela falta de visibilidade da mulher como cidadã em contraponto à sua imagem erotizada e apelativa, imagem esta tão utilizada para fins de audiência ou financeiros. Por exemplo, na música Cabocla Teresa de Raul Torres e João Pacífico, a realidade trágica das mulheres é relatada pormenorizadamente, e, por pura aceitação popular, como ocorre com diversas outras músicas de mesmo contexto, fez sucesso: ¨Vancê, Tereza, descansa/ Jurei de fazer vingança/ Pra mordi de nosso amor/ Há tempos eu fiz um ranchinho/ Pra minha cabocla morar/ Pois era ali nosso ninho/ Bem longe desse lugar/ No alto lá da montanha / Perto da luz do luar/ Vivi um ano feliz/ Sem nunca isso esperar/ E muito tempo passou/ Pensando em ser tão feliz/ Mas a Tereza, doto/ Felicidade não quis/ Pus meus sonhos nesse olhar/ Paguei caro meu amor/ Por mordi de outro caboclo/ Meu rancho ela abandonou/ Senti meu sangue ferver/ Jurei a Tereza matar/ O meu alazão arriei/ E ela fui procurar/ Agora já me vinguei/ É esse o fim de um amor/ Essa cabocla eu matei/ É a minha história doto.¨ Exaustivamente as crianças e jovens são bombardeados diariamente com ritmos frenéticos, tipo funk, dance, boate, pagode, forró, ou programas televisivos, os quais, por gosto e aceitação popular, exaltam as festas, bebidas, e o adultério generalizado com apologia à poligamia branca e aos erotismo do tipo feminino. Tudo isso não reflete apenas nossa cultura consumida atual, mais o que permitimos que se passe educacionalmente através destes meios e que, indubitavelmente, servirão de valores aos receptores das mensagens. Uma cultura machista repassada e absorvida obstaculariza a conscientização antiviolência e alimenta sua perduração. No contexto social e nas relações afetivas a situação ainda fica mais grave: para o homem, a mulher é um objeto de posse e de mando, onde pode e deve exercer seu domínio sem ser contrariado. O exercício deste mando, se possível em público, é puro combustível ao ego machista e motivo de glória pessoal ou aprovação social, comportamento ostensivo e permanente que, apesar de violento, não recebe críticas ou é desmotivado comumente. Os casamentos e os relacionamentos estáveis há décadas vem se transformando em direção à igualdade da partes. Escolas estritamente femininas e direcionadas para o ensino exclusivo de tarefas domésticas apenas saíram definitivamente do contexto nacional há cerca de vinte anos. A criança ou adolescente era educada e criada para tornar-se uma ideal esposa e dona de casa, e nunca uma mulher, quando não era superestimada e apreciada pela capacidade procriativa em larga escala. A ótica dos relacionamentos tende a mudar, como de fato vem ocorrendo. Casais modernos que dividem as tarefas domésticas ou maridos que atendem aos anseios e necessidades de suas esposas são mais comuns nos dias atuais, porém estes homens não estão isentos de serem adjetivados com palavras que os definem como inferiores às esposas ou que não possuem poder de mando ou de decisão nas relações afetivas, como se isso fosse o diferencial ou o ponto basilar da relação. Opiniões do passado são ainda presentes nos dias atuais, aplicadas e repassadas dentro dos próprios lares por pais, avôs, filhos, irmãos, esposos ou companheiros, porém não cabem mais no contexto modernizado social, onde a mulher pode ser independente como esposa ou companheira, pilar financeiro do lar ou atividade essencial, e possuir plena liberdade sobre si mesma. 14 Revista ESMAC 2.3.2. Lutas Feministas e Conquistas Com início na metade do século XIX até depois da Primeira Guerra Mundial, a situação econômica e cultural do Brasil sofreu bruscas mudanças. A industrialização e a urbanização alteraram a vida de toda a população, particularmente das mulheres, que passaram a, cada vez mais, ocupar o espaço das ruas, a trabalhar fora de casa, a estudar, etc., enfim exercer de fato seus direitos. Refere-se a socióloga Susan Besse sobre o começo do século XX: ¨A nova mulher ideal foi “liberada” da ignorância, mas os educadores projetaram currículos destinados a prepará-la antes de mais nada, para desempenhar seu papel“natural”como gerente racional da vida doméstica e como socializadora inteligente da geração futura.¨ A nova vida moderna (infra-estrutura econômica, mais alfabetização, cinema, meios de transporte, substituição de bens produzidos em casa pelos industrializados) alterou inteiramente o ritmo de vida e os contatos que as mulheres e homens passaram a usufruir entresi,conjuntamenteouindependentemente.Essasmudançastrouxeramciênciaecontato com os comportamentos e os valores estrangeiros, os quais passaram a ser comparados e confrontados com os costumes patriarcais nacionais, ainda vigentes embora enfraquecidos. Dentre as novidades e assuntos discutidos, o casamento teve destaque: mulheres de classes alta e média, uma vez educadas e com acesso ao trabalho remunerado, adquiriram poder social e econômico e passaram a protestar contra o machismo no casamento, a infidelidade, a brutalidade, o abandono, temas cotidianamente abordados pelas escritoras, jornalistas e feministas dos anos de 1920, como Cecilia Bandeira de Melo Rebêlo de Vasconcelos, a qual escrevia sob os pseudônimos de Chrisanthème, Elizabeth Bastos, Iracema, Amélia de Resende Martins ou Andradina de Oliveira.. Ressalte-se que naquela época, por norma legal do Código Civil de 1916, a mulher deveria ter autorização do marido para poder trabalhar. Concomitantemente promotores públicos como Roberto Lyra, Carlos Sussekind de Mendonça, Caetano Pinto de Miranda Montenegro e Lourenço de Mattos Borges fundaram o Conselho Brasileiro de Hygiene Social, com pretensão de coibir e punir os crimes passionais, um dos mais graves problemas da época, então tolerados pela sociedade e pela Justiça. O movimento conjunto das feministas e promotores alcançou certo êxito, embora os assassinatos por amor continuassem a ocorrer e os assassinos a serem absolvidos. Já na década de 70, um forte movimento pela defesa da vida das mulheres e pela punição dos assassinos voltou a ocorrer, com seu apogeu após 30 de dezembro de 1976, quando a atriz Angela Diniz foi morta pelo seu então namorado Doca Street, de quem ela desejava se separar, crime que marcou época. Doca Street foi condenado à dois anos com sursis no primeiro julgamento, ocorrido em 1979, baseado em uma tese de legítima defesa da honra do polêmico criminalista Evandro Lins e Silva. A morte de Angela Diniz e a libertação de seu assassino judicialmente levantaram um forte clamor das mulheres que se organizaram e lançaram o lema“quem ama não mata”. Pela segunda vez na história brasileira, repudiava-se com veemência e publica Susan Besse, 1998 apud Blay, 2002. 15 mente que o amor justificasse um crime contra a mulher. Sob os árduos protestos feministas, de volta ao tribunal em 1981, Doca Street foi condenado a 15 anos de detenção, ficou preso por 3 anos e meio e passou para o regime semi-aberto, até ser solto em 1987 em liberdade condicional. O repórter Carlos Heitor Cony, na revista Fatos e Fotos – Gente, assim descreveu o crime em sua visão masculina à época: ¨Eu vi o corpo da moça estendido no mármore da delegacia de Cabo Frio. Parecia ao mesmo tempo uma criança e boneca enorme quebrada... Mas desde o momento em que vi o seu cadáver tive imensa pena, não dela, boneca quebrada, mas de seu assassino, que aquele instante eu não sabia quem era. (...) A chamada privação de sentidos provocada pela paixão pode fazer do mais cordial dos homens um assassino.” Durante as décadas de 1960 e 1970, ao mesmo tempo lutando e defendendo direitos diferentes mas assemelhados, uniram-se feministas, militantes políticos contra a ditadura militar, intelectuais, sindicalistas e trabalhadores de diferentes setores. A partir daí a formação de entidades voltadas a abrigar mulheres vítimas de violência doméstica era uma questão de tempo, o que de fato ocorreu. Em todo território nacional, as ativistas e as voluntárias procuravam enfrentar todos os tipos de violência contra a mulher, como estupros, maus tratos, incestos e inclusive perseguição a prostitutas. De forma diferente ao início do século, as denúncias tornaram-se cada vez mais comuns e públicas, as quais foram, aos poucos, sendo reconhecidas pela mídia em geral. Ante as profundas mudanças políticas ocorridas com a anistia de 1979 e a eleição direta de governadores em 1982, a prática feminista tomou rumos partidários, mas não perdeu força e empenho social. Em 1983 foi criado, em São Paulo, o primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina. Já em 1985, criou-se a primeira Delegacia de Defesa da Mulher. Mesmo com a criação das Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) o processo foi de muito treinamento e conscientização para formar profissionais, pois as próprias mulheres que prestavam serviço nas DDM´s foram criadas numa cultura machista e agiam de acordo com tais padrões, de modo que relutaram em entender que meninas e mulheres tinham o direito de não aceitar a violência cometida por pais, padrastos, maridos, companheiros e outros. Com o passar dos anos e o desenvolvimento sócio-econômico a situação se estabeleceu definitivamente em prol das mulheres, porém os crimes de gênero continuaram e estudos verificaram que não eram apenas maridos os autores da violência, mas outros parceiros também agrediam e matavam as mulheres sob os mais diversos e frívolos pretextos. Na década de 90 o combate à violência contra a mulher ganhou atenção mundial e autonomia, vários acontecimentos internacionais relativos ocorreram: o VIII Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes aprova, em Setembro de 1990, uma Resolução sobre a Violência Doméstica; em 1992, o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres adota uma Recomendação sobre Violência contra as Mulheres, no quadro da aplicação da Convenção de 1979; em Junho de 1993, a Conferência Mundial de Direitos Humanos, segunda na história das Nações Unidas, sublinha a importância de estudar e eliminar as situações de violência contra as Mulheres,  Revista Fatos e Fotos - Gente - 1976 16 Revista ESMAC que qualifica de contrárias à dignidade e ao valor da pessoa humana; em Dezembro de 1993, a assembléia geral aprova, sob proposta inicial da Comissão sobre o Estatuto da Mulher, uma Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres (Resolução 48/104); no mesmo mês a Comissão de Direitos Humanos, reunida em Genebra, decide estabelecer um Relator Especial sobre violência contra as Mulheres, incluindo as suas causas e conseqüências (Resolução 1994/45). Seguindo-seaordemmundialdecomportamentoeatitudespolítico-adminstrativas de combate à violência contra a mulher, em 6 de Junho de 1994, na Capital Paraense, foi aprovada a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, que ratificou e ampliou a Declaração e o Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena no ano de 1993, que, como é de domínio público, reconheceu, pela primeira vez, na história da humanidade que os direitos das mulheres são direitos humanos. A Convenção de Belém do Pará foi ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995, quando então ela adquiriu força de lei nacional, conforme artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal. Segundo a Convenção de Belém do Pará: ¨Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica: a. ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual; b. ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e c. perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.¨ Desde então, mais precisamente a partir do ano 2000 até os dias atuais, a violência contra a mulher virou causa social e política de importância nacional, com efetivação das políticas de combate, unidades de apoio às vítimas, surgimentos de ONG´s e entidades particulares, direcionamento de recursos públicos, empenho administrativo e reconhecimento como ordem de saúde pública.  Convenção de Belém do Pará (1994) - Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher. 17 3. RAZÕES COMUNS À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA O combate efetivo à violência doméstica não se resume à medidas remediativas ou repressivas como a legislação específica deu ênfase em grande parte de seu texto. As mazelas sócio-econômicas são as principais causas desta violência ante a total desestrutura de relacionamento, familiar e pessoal da vítima, em todos os aspectos. Fatores pessoais, econômicos e sociais são fundamentalmente causas da violência contra a mulher, pois caracterizam as dificuldades diárias de sobrevivência das pessoas de baixa renda, pouco escolarizadas, dependentes economicamente ou com o dever de sustento de vários filhos, perfil básico das vítimas em geral. A necessidade de identificação dessas causas e seu combate é tão ou talvez mais importante que as medidas de remediação ou repressivas aos agressores. Sem determinar-se uma causa não há como combatê-la, inclusive quanto a evitar a ocorrência de seus resultados, no caso qualquer tipo de violência contra a mulher. Todo tipo de violência contra a mulher sempre possui mais de uma causa, que podem estar relacionadas à pessoa da vítima, seu relacionamento, sua classe social, sua condição econômica, dentre outros. Para dirimir esses fatores faz-se necessário um levantamento de campo, realizado pessoalmente com as vítimas em potencial ou as que já sofreram violência. Dentre os vários meios de levantamento, as pesquisas que tratam o perfil da vítima são as que mais refletem a realidade. As pesquisas de vitimização surgiram nos Estados Unidos em meados da década de 60, no intuito de descobrir uma estimativa da quantidade de crimes sofridos pela população e não comunicados aos órgãos governamentais. Atualmente, em diversos países do mundo, os governos ou institutos independentes realizam, em espaços de tempo variáveis, as denominadas pesquisas de vitimização com amostras da população, sempre na intenção de traçar o perfil da criminalidade e suas conseqüências sociais. Apesar de ser mais viável financeiramente consultar as estatísticas oficiais para se conhecer a quantidade de crimes a que está sujeita a sociedade, bem como se esta quantidade vem diminuindo ou aumentando no tempo, acontece que, por uma série de motivos, principalmente culturais ou pessoais, os dados oficiais nem sempre refletem com fidelidade os números da realidade. As estatísticas oficiais seriam perfeitas e reflexas da realidade caso todos as cidadãs vitimizadas relatassem os crimes de que foram vítimas aos órgãos oficiais, entretanto isto não ocorre. No Brasil, exatamente pela característica sócio-econômica das vítimas, essas amostragens são imprescindíveis para a caracterização fidedigna da criminalidade, de seus índices e dos perfis dos envolvidos. A Fundação Perseu Abramo realizou uma pesquisa em 2001, sobre a mulher nos espaços públicos e privados, e nos dados relativos à violência, apareceram os tipos de violência e propostas para o combate a estas violências: ¨A projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao menos uma vez. Considerando-se que entre as que admitiram ter sido espancadas, 31% declararam que a última vez em que isso ocorreu foi no período dos 12 meses anteriores, projeta-se 18 Revista ESMAC cerca de, no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no país (ou em 2001, pois não se sabe se estariam aumentando ou diminuindo), 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/hora ou 4/minuto – uma a cada 15 segundos. Como proposta de combate à violência contra a mulher, a criação de abrigos para mulheres e seus filhos, vítimas de violência doméstica, é a que merece maior adesão (43% na primeira resposta, 74% na soma de 3 menções), dentre oito ações políticas públicas sugeridas. Criação de Delegacias Especializadas no atendimento a mulheres vítimas de violência (21%) aparece como segunda principal medida de combate à violência contra a mulher, seguida por um serviço telefônico gratuito – SOS Mulher e um serviço de atendimento psicológico para as mulheres vítimas de violência (propostas empatadas tecnicamente com 13% e 12%, na ordem).¨10 Segundo demais pesquisas nacionais as vítimas se caracterizariam da seguinte forma: a) a maioria das mulheres tem uma união consensual (57%), seguida da legal (42%); b) 65% delas têm filhos com este parceiro; c) Cerca de 40% são do lar e 60% trabalham fora; d) sua idade varia de 15 a 60 anos, mas a maioria é jovem (21 e 35 anos- 65%); e) elas são brancas. O tempo de união varia de menos de 1 a 35 anos, sendo as concentrações no período de 1 a 3 anos (38,%) e de 4 a 7 anos (26%), havendo uma diminuição gradativa a partir dos 7 anos. No tocante ao agressor: a) ele é branco; b) a maioria está empregado, prevalecendo a profissão de pedreiro; c) possui no máximo 8 anos de escolaridade; d) sua idade varia de 16 e 80 anos. Quanto à Percepção da mulher sobre seu relacionamento: a) predomina a visão de que ele é ruim, marcado por desentendimentos (91%); b) o agressor é visto como ignorante, implicante, grosseiro, violento, bruto e ciumento (cerca de 13% para cada característica negativa). Os Motivos da agressão são vários, porém destacaram-se: bebida (28%), ciúmes (14%), não aceitação da separação (16%), presença da amante (5%), sem motivo (12%), desemprego (3%), mulher trabalhar fora (2%), por motivo banal (3%) e sexo (4%). Em 2004 foi feito um minucioso estudo sobre o perfil da mulher agredida e da violência sofrida11 e seu resultado não foi nada além do esperado, ou seja, as mazelas sociais e pessoais imperam no perfil da mulher vítima de violência. Segundo este estudo a mulher agredida que registrou queixa na Delegacia da Mulher teria o perfil jovem, casada, católica, com filhos, pouco tempo de estudo e baixa renda familiar, com tempo de relacionamento em torno de 10 anos, e um histórico de agressões sofridas há cinco anos. Segundo este estudo a mulher agredida que registrou queixa na Delegacia da Mulher teria o perfil jovem, casada, católica, com filhos, pouco tempo de estudo e baixa renda familiar, com tempo de relacionamento em torno de 10 anos, e um histórico de agressões sofridas há cinco anos. 10 A mulher brasileira nos espaços públicos e privado - 2001 - Fundação Perseu Abramo 11 Rev. Saúde Pública v.39 n.1 São Paulo fev. 2005, Qualidade de vida e depressão em mulheres vítimas de seus parceiros - Faculdade de Medicina da UFCE (2004), de Vanessa Gurgel Adeodato, Racquel dos Reis Carvalho, Verônica Riquet de Siqueira e Fábio Gomes de Matos e Souza, da Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil, e Departamento de Medicina Clínica. Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil 19 Osresultadosapresentados mostraram uma relaçãoopostaentretempodeestudoe tempo de agressão, ou seja, quanto mais escolarizada a mulher, menor o tempo de agressão. De outra banda o estudo comprovou que as mulheres mais agredidas são as que possuem mais tempo de relacionamento com o agressor. Quanto aos agressores, anteriormente às agressões, 70% dos parceiros ingeriam álcool e 11% consumiam drogas ilícitas. Já após as agressões, 44% costumavam pedir perdão pelas agressões. O agressor é pessoa violenta também com outras pessoas (58%), inclusive com os filhos (50%). A ingestão de bebida alcoólica é fator preponderante para a violência, inclusive com os filhos. Consubstanciandoosmotivosapresentadosemescalanacional,oestudoespecífico mostrou como principais fatores que desencadearam as agressões o álcool e o ciúme. A associação desses dois fatores estava presente em 30% do total da amostragem. 20 Revista ESMAC Quanto à freqüência das agressões, foi constatado o seguinte resultado: semanalmente (49%), diariamente (27%), esporadicamente (15%) e primeira vez (5%), sendo 83% agressões verbais e físicas (83%). Uma amostragem interessante realizada nesse estudo foi o motivo das vítimas terem permanecido com o relacionamento com o agressor após a efetivação da violência: o principal motivo verificado foi o fato dos agressores prometerem melhorar (58%), seguido do fator filhos (48%). Os demais motivos para a mulher não ter deixado o parceiro foram: dependência financeira (38%), paixão pelo parceiro (27%) e medo (27%). Segundo os dados obtidos quando a mulher aponta o item dependência financeira como motivo de não ter deixado o agressor, normalmente este vem associado ao fato de ter filhos. O Governo Federal, através da sua Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM, recebeu neste primeiro semestre de 2008, 121.891 denúncias via o disque denúncia que disponibiliza à população, o que reflete um aumento de 107,9% em relação ao mesmo período de 2007 (58.417). Em todos os Estados da Federação houve número significativo de denúncias, conforme. Tabela abaixo com número de denúncia por 50.000 mulheres: UF Atendimento UF Atendimento DF 132,8 PR 46 SP 96,4 RN 45,4 PA 79,5 MG 40,6 GO 71,3 PB 39,2 AL 70,7 AP 38,1 RS 66,8 SE 34,2 RJ 65,4 SC 34,1 BA 64,5 RR 31,7 TO 62,3 RO 29,6 MS 57,4 CE 27,4 ES 53,9 AM 26,3 MT 50,9 MA 22 PE 47,7 AC 21,5 PI 5,8 21 Na maioria das denúncias de violência auferidas neste disque-denúncia (disque 180), as vítimas usuárias do serviço declararam sofrer agressões diariamente (61,5%) e semanalmente (17,8%), sendo que dos relatos de violência (9.542), mais da metade (5.879) foi de violência física e outra parcela considerável de ameaças (2.278). Os agressores citados geralmente eram os próprios companheiros (63,9%) que, muitas vezes, utilizaram drogas e/ou álcool (58,4% dos casos relatados). Tipo de Violência 1º Semestre 2008 Violência Física 5.879 Violência Psicológica 2.502 Violência Moral 717 Violência Sexual 213 Violência Patriomonial 152 Cárcere Privado 79 Total 9.542 Traçando-se o perfil das vítimas, apurou-se que a maioria é negra (37,6%), tem entre 20 e 40 anos (52,6%), é casada (23,8%) e cursou parte ou todo o ensino fundamental (32,8%). Conforme citado acima nas três análises apresentadas, verifica-se a unanimidade das características da ocorrência da violência doméstica em todo o País. Primeiramente percebe-se que o problema tem enfoque nacional e realidade significativa em cada Estado, de importância extrema ao ponto de ser considerado de saúde pública. O fator sócio-econômico é o mais refletido nos números apresentados, e isto não é de estranhar em ambas as partes da relação de violência, em que pese os gravames serem sofridos mais diretamente pelas mulheres. Verifica-se que a vítima de violência doméstica é pessoa predominantemente de classe baixa, com filhos, em plena idade laborativa, de pouca escolaridade e dependente economicamente. Perfil este que é o pior ante a gama de necessidades e o aspecto da legislação atual específica. A Lei Maria da Penha, apesar de conter em seu texto medidas protetivas e amparo multidisciplinar, não abrangeu as necessidades integrais das vítimas, principalmente à longo prazo. A mulher vítima de violência precisa de imediato de apoio para sair da classe verificada como maioria nas pesquisas, devendo integrar as menores porcentagens citadas. Conforme dados pesquisados junto às vítimas de violência, número significativo de mulheres que permanecem em relacionamentos marcados por situações de violência (física ou verbal), alega não ter condições de se manter ou manter seus filhos, se saírem da relação com o agressor. Essa situação de dependência reflete a realidade machista da sociedade onde o homem tem no dinheiro uma forma de controle sobre a mulher. Geralmente ocorre desde a fase do namoro e a tem origem na família da vítima, onde sua liberdade era controlada pelo dinheiro. 22 Revista ESMAC Até em certos casos a mulher ocupa certa cumplicidade na mantença do comportamento agressivo do parceiro. Mulheres nascidas e criadas em famílias violentas, onde a violência ou os castigos físicos faziam parte do dia-a-dia, possuem falhas na sua estrutura educacional interna, que na vida adulta refletem na aceitação de situações agressivas, pois, inconscientemente, buscam repetir situações primitivas em suas relações. Estas falhas educacionais familiares influenciam inclusive na escolha do parceiro, pois este tipo de mulher tende a optar por parceiros propensos a agressividade, como forma de solucionar problemas. Na etapa do namoro chegam a admirar a agressividade masculina como virtude, e namorados valentes acabam sendo vistos como protetores e a atitude agressiva do parceiro contra os outros, como forma de proteger-se a si mesma. Até parceiros mais ciumentos acabam sendo prediletos como se o ciúme exacerbado reflita a maior intensidade do amor. Nas famílias mais tradicionais a educação sempre se moldou na fragilidade feminina e da necessidade de sua proteção. Em alguns casos, na infância, o apanhar transmudava-se como forma de afeto, como se o existisse como meio de ensino e proteção sobre os próprios erros. Uma vez adulta, esta mulher pode sentir as atitudes agressivas como estar sendo querida ou protegida, ou então tardiamente ensinada. Existem também casos que a aceitação da violência se dá por necessidade de mantença da imagem ou do casamento, como forma de não ser esteriotipada como fraca, perdedora ou derrotada. Parte das mulheres que permanecem em relações agressivas, sentem-se culpadas por não ter realizado um casamento tido como ideal, e, muitas acabam escondendo que apanham dos parceiros para não quebrar a impressão passada à família ou à sociedade, as quais atrelaram essa condição ao sucesso ou à felicidade. Algumas mulheres foram educadas para cumprir um papel de esposa e dona-de-casa, de modo que se sentem incapazes de aceitar o fato de que erraram na escolha ou que o casamento/relacionamento está ruindo. Um bom casamento ou relacionamento torna-se objetivo de vida em primeiro momento, e posteriormente meio de sustento. Falhar nesses intentos acaba sendo pior que sustentar uma falsa realidade perante terceiros ou mascarar uma verdade violenta no seio familiar. Por óbvio que os exemplos dados não constituem regras, mas remetem a mulheres portadoras de problemas emocionais que precisam de ajuda psicológica para exorcizar estes males e traumas de infância. Apesar de existirem órgãos públicos e particulares de apoio à mulher agredida, seus respaldos não tem eficácia à médio ou longo prazo, de modo que a vítima retorna a sua anterior condição e a violência tende a ser reiterada, pelo mesmo ou novo agressor. A ressocialização efetiva da mulher é essencial nesse contexto de combate à violência. Darlhe respaldo econômico e educacional, básico ou profissional, dar-lhe sustentação física e habitacional com seus filhos, dar-lhe oportunidade de ingresso no mercado de trabalho são os pontos basilares dessa reconquista, sem a prática de uma política nestes termos, as medidas emergenciais ou paliativas posteriores à agressão sucumbirão ante a realidade da vítima verificada e comprovada pelos números. Neste sentido a própria atividade social, por meio de seus profissionais e estudiosos, assevera: ¨O serviço social encontra muitos desafios como consolidar uma rede de atendimento que seja capaz de atender as demandas, não só físicas, mais também psicológicas, destas mu23 lheres, não trabalhar somente com as demandas explícitas, mas também com as demandas implícitas que vão além do primeiro olhar, especialização para as assistentes sociais, capacitação continuada para melhor atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica.¨ (SILVA. M. 2008:3)12 . ¨Creio que o serviço de assistência social deve estar em sintonia com o serviço de psicologia, para fazer com que a mulher se sinta mais segura. A assistência social não deve, entretanto, servir apenas como um paliativo para resolução de situações que se apresentem. Deve levar a mulher a caminhar com as próprias pernas, ajudando-a na independência emocional e material, dando-lhe condições de alcançar sua autonomia. O relatório do assistente social pode embasar Inquéritos Policiais, decisões de juízes sobre casos como, por exemplo, guarda de filhos, entre outros (SILVA, M., 2008:14).¨ 13 ¨É necessário que o profissional envolvido em trabalhos interdisciplinares funcione como um pêndulo, que ele seja capaz de ir e vir: encontrar no trabalho com outros agentes, elementos para a (re)discussão do seu lugar e encontrar nas discussões atualizadas pertinentes ao seu âmbito interventivo, os conteúdos possíveis de uma atuação interdisciplinar (MELO E ALMEIDA, 1999: 235).¨ 14 4.LEI MARIA DA PENHA 4.1 Caso Maria da Penha Em 1998, o CEJIL-Brasil - Centro para a Justiça e o Direito Internacional, e o CLADEM Brasil - Comitê Latino-americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, juntamente com uma senhora chamada Maria da Penha Maia Fernandes, até então desconhecida nacionalmente por seu nome, encaminharam à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, uma petição/denúncia em desfavor do Estado Brasileiro no tocante ao dirimidor caso de violência doméstica sofrido pela mesma (caso Maria da Penha n.º 12.051). A Sra. Maria da Penha, durante todo seu período de casamento, sofreu agressões e ameaças por parte de seu marido Sr. Marcos Antônio Heredia Viveiros, permanecendo casada por medo. Seus receios das coisas se agravarem tornaram-se realidade quando, em 1983, seu marido tentou matá-la atirando em suas costas, o que lhe causou paraplegia permanente. Na ocasião, o então marido tentou eximir-se de culpa alegando para a polícia que se tratava 12 Silva, Madalena Ferreira da, 1967- Violência contra a mulher: o papel do Serviço Social na rede de enfrentamento a violência contra a mulher em Rio Branco / Madalena Ferreira da Silva -- Rio Branco : IESACRE, 2008. 13 Silva, Madalena Ferreira da, 1967- Violência contra a mulher: o papel do Serviço Social na rede de enfrentamento a violência contra a mulher em Rio Branco / Madalena Ferreira da Silva -- Rio Branco : IESACRE, 2008 14 MELO, A. I. S. C. de et ALMEIDA, G. E. S. de. Interdisciplinaridade: possibilidades e desafios para o trabalho profissional. In: Capacitação em Serviço social e Política Social, Módulo 4: Brasília: NED/Cead – Universidade de Brasília, 1999. 24 Revista ESMAC de um caso de tentativa de roubo. Apenas duas semanas após a tentativa de homicídio, seu marido tentou matá-la novamente, desta vez tentando eletrocutá-la durante o banho. Na ocasião, ela tinha 38 anos e três filhas, entre 6 e 2 anos de idade Verificado o risco de vida iminente, a Sra. Maria da Penha resolveu separar-se e denunciar o marido. O caso foi a julgamento pela primeira vez em 1991. O júri, por seis votos a um, decidiu que ele era culpado pelo crime, sendo condenado a 15 anos de reclusão. Seus advogados entraram, então, com recursos que anularam a decisão judicial. Eles alegavam que havia má formulação de um dos quesitos do julgamento. Depois de três adiamentos, o segundo julgamento aconteceu no dia 14 de março de 1996, com uma nova condenação de Marcos Antônio, desta vez com uma pena menor de 10 anos e 6 meses de reclusão. Novamente os advogados do réu entraram com um pedido de anulação da condenação, porque esta ia contra as provas dos autos. No processo judicial, ficou comprovado testemunhalmente, que o Sr. Heredia Viveiros agiu de forma premeditada, pois dias antes dos crimes tentou convencer a vítima a contratar um seguro de vida e obrigou-a a assinar um recibo em branco de venda de seu veículo. Posteriormente à agressão, a Sra. Maria da Penha, já separada, descobriu que seu esposo teria outra família com filhos na Colômbia, país de origem deste. Passados quinze anos das agressões o Estado Brasileiro ainda não tinha decidido o processo da Sra. Maria da Penha, e o agressor ainda se encontrava solto. Inércia que prevaleceu até a apresentação do caso ante a OEA, onde foi denunciada a tolerância da Violência Doméstica contra a vítima por parte do Estado Brasileiro. Neste sentido, assim se manifestou a Comissão: “considera conveniente lembrar aqui o fato inconteste de que a justiça brasileira esteve mais de 15 anos sem proferir sentença definitiva neste caso e de que o processo se encontra, desde 1997, à espera da decisão do segundo recurso de apelação perante o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. A esse respeito, a Comissão considera, ademais, que houve atraso injustificado na tramitação da denúncia, atraso que se agrava pelo fato de que pode acarretar a prescrição do delito e, por conseguinte, a impunidade definitiva do perpetrador e a impossibilidade de ressarcimento da vítima (...)”. Importante destacar que, à época, o Estado Brasileiro não respondeu à denúncia perante a Comissão. No ano de 2001, através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Informe n.º 54 de 2001), o Estado Brasileiro foi responsabilizado pela negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres, recomendando-se, entre outras medidas: a finalização do processamento penal do responsável da agressão; proceder a uma investigação a fim de determinar a responsabilidade pelas irregularidades e atrasos injustificados no processo, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias correspondentes, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o responsável civil da agressão, a reparação simbólica e material pelas violações sofridas por Maria da Penha por parte do Estado Brasileiro por sua falha em oferecer um recurso rápido e efetivo; e a adoção de políticas públicas voltadas a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher. O caso Maria da Penha foi o primeiro caso de aplicação da Convenção de Belém do 25 Pará, e, quase vinte anos depois, em cumprimento às orientações internacionais, o agressor foi preso. No dia 15 de outubro, foi dada a ordem de prisão pela Justiça Brasileira. No dia 29 de outubro, munidos por uma carta precatória assinada pelo juiz Henrique Jorge Holanda Silveira, responsável pela 1ª Vara do Júri, policiais da delegacia de capturas e Polinter de Natal prenderam Marcos Antônio quando este dava aulas na Universidade Potiguar. 4.2 Projeto de lei e Exposição de Motivos Explícita a intenção social descrita no texto da exposição de motivos do Projeto da Lei Maria da Penha. Esse caráter, deveras já discutido no item das causas da violência doméstica (item 3), reflete não somente a intenção remediativa da Lei ou sua preocupação punitiva, mas visou o combate à violência em suas causas, dando total apoio à vítima nos aspectos necessários para sua retirada dos números estatísticos. ¨19. O artigo 8° tem por objetivo definir as diretrizes das políticas públicas e ações integradas para a prevenção e erradicação da violência doméstica contra as mulheres, tais como implementação de redes de serviços interinstitucionais, promoção de estudos e estatísticas, avaliação dos resultados, implementação de centros de atendimento multidisciplinar, delegacias especializadas, casas abrigo e realização de campanhas educativas, capacitação permanente dos integrantes dos órgãos envolvidos na questão, celebração de convênios e parcerias e a inclusão de conteúdos de eqüidade de gênero nos currículos escolares. 20. Somente através da ação integrada do Poder Público, em todas as suas instâncias e esferas, dos meios de comunicação e da sociedade, poderá ter início o tratamento e a prevenção de um problema cuja resolução requer mudança de valores culturais, para que se efetive o direito das mulheres à não violência.¨15 A proteção da família e sua mantença ou integralidade também foi ponto chave tratado nos motivos. A manutenção da família deveria ser primeiro plano em detrimento da prática inquisitória e judicial, fatores práticos estes que minam sua subsistência, ao ponto de vítimas de violência, mesmo por crimes mais brandos (calúnia, injúria, difamação, ameaça, etc.), verem suas famílias desestruturadas ou desfeitos seus vínculos ante o vigor punitivo da Lei. ¨5. A Constituição Federal, em seu art. 226, § 8º, impõe ao Estado assegurar a “assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações”. A Constituição demonstra, expressamente, a necessidade de políticas públicas no sentido de coibir e erradicar a violência doméstica.¨ No tocante ao combate às causas e conseqüências da violência perpetrada em desfavor de mulheres, o projeto hiper-dimensionou as necessidades, mas não de modo exagerado, mas sim em plena concordância aos fatores cotidianos e reais, apesar de, na prática, esta estrutura multifuncional não ser efetivada, deixando as raízes intactas deste mal. 15 Projeto de Lei nº 4559/2004 - Não-violência contra a Mulher, Exposição de Motivos 26 Revista ESMAC ¨24. É de fundamental importância o atendimento por equipe multidisciplinar, conforme prevê os artigos 14 a 17 da proposta de projeto de Lei. A equipe multidisciplinar deverá ser formada por profissionais de diversas áreas de conhecimento, inclusive externa ao meio jurídico, tais como psicólogos, assistentes sociais e médicos. Esse sistema viabiliza o conhecimento das causas e os mecanismos da violência. A implementação deste sistema em alguns Juizados Especiais Criminais tem se mostrado eficaz no enfrentamento à violência doméstica contra as mulheres. 30. O artigo 27 inova ao propor o encaminhamento das mulheres e seus dependentes, em situação de violência, a programas e serviços de proteção às mulheres, resguardando seus direitos relativos aos bens e a guarda dos filhos. Imputa ao agressor a responsabilidade econômica pela provisão alimentar e determina a recondução da mulher e seus dependentes, ao domicílio, após o afastamento do agressor. 37. O atual procedimento inverte o ônus da prova, não escuta as vítimas, recria estereótipos, não previne novas violências e não contribui para a transformação das relações hierárquicas de gênero. Não possibilita vislumbrar, portanto, nenhuma solução social para a vítima. A política criminal produz uma sensação generalizada de injustiça, por parte das vítimas, e de impunidade, por parte dos agressores.¨ Apesar desta fundamentação valorativa da família e do direcionamento da Lei para o combate efetivo da violência desde a sua fonte, a realidade prática deixa a desejar quanto aos resultados pretendidos pela assinante do Projeto. A simples intenção não produz resultados quando não alicerçada em compromisso político-econômico. A implementação das idéias do Projeto não se restringe apenas às atividades ora praticadas ou aos escassos órgãos engajados, mas transpassam as medidas de curto prazo previstas na Lei. Enfim, os valores citados e textualizados no Projeto são os mesmo tratados no texto constitucional há duas décadas, são unanimidades nos julgamentos familiares em todo o País, definem-se como característica de uma sociedade, porém, na aplicação prática do texto legal, deixa a desejar em sua efetividade de resultado conforme veremos a seguir. 27 5. INEFICÁCIA PRÁTICA DA LEI MARIA DA PENHA A Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, inaugurou uma nova fase na história das ações afirmativas em prol da mulher brasileira. Uma lei que congrega um conjunto de regras penais e extrapenais, contendo objetivos, princípios, diretrizes, programas e conceituação de condutas, entre outras normatizações, com o propósito precípuo de reduzir a morosidade processual, introduzir medidas de caráter social, diminuir a impunidade e, na ponta, como desiderato maior, proteger a mulher e a entidade familiar. Entretanto, para a Lei 11.340/06 funcionar e produzir os efeitos desejados exige-se do aparelho estatal, especialmente do Poder Judiciário e consonância com o Poder Executivo, um esforço concentrado, sobretudo com a implantação imediata dos Juizados de Violência Doméstica. A criação destes juízos especializados oferecerá maior presteza na busca da Tutela Jurisdicional, visto que, por sua área de atuação (competência) está adstrita aos crimes relacionados à violência doméstica ou familiar contra a mulher, a análise dos autos se dará de forma mais célere, dando, assim, maior agilidade a resolução dos casos que, por vezes, são bastante delicados, indo além das partes envolvidas (agressor e agredida), vindo a afetar, na maioria dos casos, os filhos e familiares mais próximos, diante de um constante ambiente nebuloso, revolto, inseguro e traumatizante. Além disso, mesmo atingindo o objetivo de um menor no período de duração do processo criminal, é imprescindível a atuação de uma equipe multidisciplinar dedicada ao atendimento dessas mulheres (comprovadamente vítimas de violência no lar), buscando entender com profundidade o drama familiar que se esconde atrás de cada folha ou documento encostado aos autos do processo. Corroborando com isso, a prática tem demonstrado que medidas isoladas, como o simples aumento das penas ao agressor tem tão somente anestesiado a problemática, visto que, de fato, em muitos casos a violência praticada dentro dos lares esconde em seu bojo muito mais uma grave crise moral e econômica vivida em nossa sociedade do que um simples reflexo da natureza perversa e criminosa entrelaçada a personalidade desses homens que praticam violência física psíquica e moral contra suas próprias companheiras. Diante do reconhecimento da influência de mazelas sociais e econômicas nos números medidores da violência praticada contra a mulher, a saída está no combate direto das reais causas que provocam a maior parte desse tipo de crime, isto é, enquanto o Estado não encarar os problemas sociais com a mesma atenção que dar ao mercado financeiro ou aos percentuais de aceitação do seu governo, as estatísticas nunca atingirão níveis aceitáveis a qualquer sociedade desenvolvida. Entretanto, na contramão dessa realidade, alguns dispositivos da Lei 11.340/06 têm, na prática, provocado verdadeiros óbices ao adimplemento dos objetivos fundamentais que embasaram sua idealização por parte do legislador. Talvez o desejo de assegurar a punibilidade do agressor e a cede de justiça das mulheres, sufocada por séculos de opressão física, moral, emocional, social e econômica, fez esse legislador equivocar-se em alguns pontos cruciais deste diploma legal. Esses equívocos acabam, indiretamente, prolongando a vida desses processos e, conseqüentemente, gerando uma indesejada morosidade na resolução dos casos que restam 28 Revista ESMAC congestionados nas prateleiras do judiciário, causando ainda mais consternação as partes envolvidas. Por sua vez, as famílias deixam de ser amparadas pelo Estado quanto ao oferecimento de condições à manutenção de sua estrutura, muitas vezes apenas atingida por motivos insignificantes e fáceis de serem combatidos por programas sociais especializados. O novel diploma protetor da mulher traz a lume alguns aspectos que têm causado embaraços nos reais anseios da sociedade de modo geral. 5.1 Fase Policial A mudança em torno da idéia de representação, nas ações penais públicas condicionadas à representação da vítima, ou seja, aquelas que necessitam da expressa autorização da parte ofendida para que possa haver a persecução criminal, transformou substancialmente a realidade das delegacias especializadas no atendimento a mulher, visto que, outrora, havendo ainda a necessidade do registro de ocorrência por parte da vítima com sua representação para que houvesse a ação ministerial, a grande maioria dos casos acabava não prosseguindo à fase judicial, pois a própria vítima requeria o arquivamento do inquérito alegando os mais variados motivos. Esse fenômeno definido com renúncia ao direito de representação era comum mesmo nos casos encaminhados aos juizados especiais criminais, pois a tentativa de reconciliação nas audiências preliminares, com o escopo de evitar futuras ações penais, era largamente estimulada tanto pelo legislador como pelo próprio Poder Judiciário, que, através de seus agentes (conciliador), tentava, pautado nos mais diversos argumentos, conciliar as partes. Entretanto, o que se verificava corriqueiramente nos corredores das delegacias (e mesmo nas secretarias dos JECrim’s) eram as inúmeras reincidências de violências praticadas contra a mulher por seus companheiros (como agressões, ameaças, perseguições, danos morais e materiais), sobretudo nas classes economicamente hipossuficiente e menos instruídas, as quais não possuíam recursos financeiros para buscarem o auxílio e acompanhamento de profissionais especializados que ajudassem o casal a restabelecer o convívio harmonioso, ainda que não restasse a possibilidade de dar continuidade a relação matrimonial, ou mesmo nem tinham a consciência da importância do trabalho de tais profissionais. Deste modo, a ineficácia da lei 9.099/95, quanto a sua tentativa de diminuir os casos de violência doméstica dando mais celeridade processual diante dos crimes praticados com menor potencial ofensivo, estimulando a conciliação entre as partes ante as benesses de um convívio pacífico e harmonioso, e, outrossim, possibilitando penas alternativas como a prestação pecuniária ou pagamento de cestas básicas, foi mais um propulsor à criação da chamada Lei Maria da Penha, que, no que tange à fase inquisitória, mitiga a capacidade da própria mulher agredida em relação a abertura ou continuidade do inquérito policial. Nesse sentido, a nova lei protetiva veio para impor uma maior certeza de punição aos agressores e obstáculos a tentativa da própria vítima de resguardá-lo do Jus Puniendi estatal, ao passo que após tomar conhecimento da violência doméstica ou a simples suspeita de sua iminência, a autoridade policial detém o poder-dever de adotar todas as medidas legais cabíveis para proteger a mulher, ainda que esta se recuse a colaborar. 29 Sendo assim, o artigo 10 da Lei Maria da Penha dispõe: Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis. Pelo dispositivo acima citado, constata-se que, a autoridade policial ao conhecimento da notitia criminis, terá o poder de agir de ofício, como ocorre nas ações penais públicas incondicionadas, visando de forma mediata a manutenção da ordem pública e, como objetivo imediato, a proteção da integridade física, psíquica ou moral da mulher face um agressor que, por vezes, domina e manipula emocional e psicologicamente a vítima. Nesse contexto, a atuação da autoridade policial não depende da manifestação expressa da vítima, ou da denúncia de um terceiro, sendo suficiente a sua ciência acerca da situação crítica e ilegal que vive aquela mulher para, então, a adotar todas das medidas prevista em lei, podendo inclusive agir preventivamente com o fito de evitar maiores conseqüências tanto em relação a mulher bem como em relação a seus filhos menores. 5.1.1 Atuação Preventiva A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo um renovado celeiro de valores e princípios que propõem assegurar e promover, em primeiro plano, a dignidade da pessoa humana, colocando o operador do Direito diante da obrigação de se dedicar ao estudo dos mais variados institutos jurídicos, a fim de congregá-los à ordem constitucional então vigente. Dentre as garantias fundamentais do indivíduo, albergadas no artigo 5º da Carta Magna, encontram-se positivados, dentre outros, os direitos à intimidade e à vida privada, os quais podem ser vislumbrados como elementos da integridade moral de cada ser humano. Nesse contexto, a família surge como o alicerce para a formação social e moral de cada indivíduo, onde, como ensina Pietro Perlingieri: ¨(...) a tutela constitucional se dá não por ser portadora de um direito superior ou superindividual, mas por ser o local onde se forma as características mais intrínsecas à pessoa humana.¨16 Diante disso, a instituição familiar ganha fundamental importância na ordem jurídica da sociedade brasileira, de modo a encontrar inúmeros instrumentos capazes de promover sua manutenção e proteger modo de vida. Deste modo, os aspectos preventivos desta lei cria na sociedade uma sensação de instabilidade, visto que a qualquer momento a autoridade policial poderá intervir no convívio familiar, mesmo em detrimento da figura feminina, objeto da proteção estatal. Pensando acerca dessa situação, muitos juristas têm alegado que a vida íntima e familiar poderá ser afetada pela intervenção do Estado, através de seus agentes. 16 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 243. 30 Revista ESMAC 5.1.2 Colheita de Provas e Verificação de Tipicidade O artigo 12 (inciso II) da lei em comento17, determina que em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, (isto é, do mais irrelevante ao mais gravoso), a autoridade policial deverá adotar todos os procedimento legais possíveis para colher o número máximo de evidencias (provas) que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias. Isso, sem dúvida, demonstra a preocupação do legislador em respeitar o princípio da Presunção de Inocência, conceituado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, como sendo aquele onde todo acusado é presumido inocente até que se comprove a sua culpabilidade, mesmo na fase inquisitória onde privilegia-se, inicialmente, a busca de indícios capazes de identificar a materialidade e autoria do crime, em tese, praticado. Sendo assim, todo pessoa acusada de algum crime, ainda que disciplinado pela lei 11.340/06, terá a garantia de ser inicialmente considerado inocente até que as evidências (provas) convençam a autoridade policial do contrário, o que para tanto necessitaria de sua verdadeira disposição em buscar, pelas vias legais, conhecer os reais esclarecimentos dos fatos antes de encaminhar a peça inquisitória ao órgão do Ministério Público competente para denunciar o acusado. É certo que o inquérito policial não possui em seu bojo princípios comumente inerentes à esfera judicial, como a ampla defesa e o contraditório, porém, as delegacias especializadas no atendimento a mulher em situação de risco devem ter como primazia a busca da justiça, o que de sobremodo se adequa aos pilares de sua atividade policial, ainda que ao final da investigação, reste comprovada a inocência do acusado de agressão. Nesses moldes, não há o que se questionar quanto aos princípios que norteiam a atividade policial, visto ser um braço estendido da ação do Estado-administração no seio da sociedade, portanto, atrelado aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade de seus atos. Sendo assim, verifica-se que a autoridade policial não poderá jamais dar tratamento diferenciado aos acusados, levando em consideração interesses individuais ou causas apaixonadas relacionadas à histórica luta entre os sexos; mais ainda, não podendo utilizar a máquina estatal para servir de escudo e lança protetora das militâncias feministas contra o sexo masculino, criando, de tal modo, uma verdadeira discriminação por questões de gênero, o que acabaria por contrariar o que fortemente é combatido pelos próprios organismos feministas. Noutros termos, embora o inquérito policial tenha caráter inquisitivo, onde as atividades caracterizam-se pela presidência de uma única autoridade, agindo de ofício ou quando provocada, sem a necessidade de observância aos princípios do contraditório e ampla defesa, a busca pelo real esclarecimento dos fatos e circunstancias devem nortear o seu trabalho, visto que função do delegado restringe-se, em suma, às atividades probatórias, com o escopo de embasar futura e casual ação penal, e não um simples trabalho de secretariado onde recebe-se a reclamação e repassasse ao conhecimento do promotor para a posterior análise do caso. 17 II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; 31 Nesse compasso, a investigação criminal surge como instrumento essencial da justiça, verificando previamente a existência de indícios que possam provar da tipicidade dos fatos e sua autoria, servindo, se for o caso, de subsídios a uma eventual ação penal. Na prática, o levantamento probante, na fase policial, é escasso e baseado em versões soltas no contexto fático. A palavra da vítima tem imenso valor na configuração do ilícito, muitas vezes sem está sustentada por algum forte indício, o que prejudica enormemente o bom andamento da justiça, principalmente nos crimes onde se tem a necessidade de comprovação material. Não é raro, em um procedimento de medidas protetivas, antecessor do processo crime do tipo propriamente dito, haver tão somente a palavra da vítima como sustentáculo de uma dezena de petitórios urgentes. Nesses casos, inclusive nos procedimentos disponibilizados e/ou requeridos pela vítima (como o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida), não são poucas as vezes que posteriormente verifica-se a medida aplicada foi infundada ou desnecessária. 5.1.3 Prescindibilidade De Representaçao Da Vítima Em relação aos crimes de ação penal pública condicionada à representação da vítima, a Lei Maria da Penha trouxe uma polêmica inovação, como já fora dito, a desconsideração da manifestação expressa da vontade da vítima em ter assegurada a ação policial a fim de protegê-la, podendo dela se dispor a qualquer momento da fase inquisitorial, ampliando, assim, o conceito de representação, ao instituir a figura da representação tácita. Sendo assim, a autoridade policial prescindirá da anuência da mulher agredida para efetuar os procedimentos previstos na referida Lei protetiva, mesmo com a recusa da vítima em colabora ou mesmo preventivamente, quando o fato ilícito ainda não tiver sido consumado, o que será abordado posteriormente com maior profundidade. Essa permissividade legal à atuação policial restringe a liberdade da própria vítima e amplia o poder de ação do agente público, que passa a ter sobre si a responsabilidade de agir de forma mais ostensiva e, em muitos casos, invasiva, levantando, destarte, questionamentos acerca de sua real capacidade e preparo para saber discernir o liame entre o uma situação de grave tensão e um simples conflito de doméstico e/ou familiar, para, com isso, não intervir indistintamente na vida íntima e privada dos cidadãos. Por esses motivos, muito se tem discutido acerca da aplicabilidade deste dispositivo, que, na verdade, transporta o poder discricionário da parte ofendida (que decidia acerca da necessidade ou não de socorre-se da intervenção estatal na sua vida familiar) para as autoridades policiais, pondo dúvida sobre até que ponto os dispositivos deste diploma legal se unem aos reais anseios do interesse de nossa sociedade de forma geral. À revelia da realidade vivida por muitas famílias brasileiras, onde os reais motivos que ajudam a compreender o aumento dos graves índices de violência contra a mulher residem na desagregação dos valores mais íntegros e premissos que preenche os fundamentos de qualquersociedade,formandoocarátereapersonalidadedapessoahumana,afetadosgrandemente por fatores socioeconômicos, a Lei Maria da Penha se deteve sobremaneira na criação de meios que obstacularizasse o arquivamento do caso antes mesmo da devida ação penal. 32 Revista ESMAC Com isso, a chamada representação tácita deixou de lado questões sociais altamente complexas e que, em muitos casos, prescindem da atuação da justiça. Casos que muitas vezes são resolvidos apenas com o acompanhamento de profissionais especializados, os quais poderiam ser encaminhados pela própria autoridade policial, evitando assim muito desperdício de tempo e constrangimentos nos corredores dos fóruns criminais. Nesse sentido, Damásio de Jesus assevera: “A lei disciplinou as atitudes da vítima da violência doméstica, familiar ou íntima que mais ocorrem no dia-a-dia: inicialmente, ainda sob o impulso de revolta que a move no ambiente emocional de flagrância da agressão, ela procura a delegacia de polícia e “dá parte” do ofensor; depois, serenados os ânimos e conscientizada dos efeitos da sua ação, “retira a queixa”. Não se disciplinou a hipótese de a mulher, antes do exercício da representação, manifestar vontade de não acionar a autoridade pública para fins de iniciar a persecução penal. Se o art. 16 tratasse desse caso incomum, estaríamos diante de um incrível excesso de formalismo: a autoridade pública notificando a ofendida para que, perante o Juiz, em audiência especialmente designada com tal objetivo, manifestasse a vontade de não representar contra o ofensor, ouvido depois o Ministério Público. Não seria o caso de a autoridade respeitar essa vontade, deixando de intervir em um lar no qual o sujeito passivo da agressão não tenciona processar o agressor? Não estaria essa medida infringindo o princípio da Lei n. 11.340/2006 que, em seu art. 3.º, assegura à mulher o direito à convivência familiar?”18 O excesso de anseio do legislador em proteger a mulher, alegando a incapacidade da mesma de decidir sobre a sua renuncia ao direito representação ainda na fase de inquérito policial, acabou por criar outros problemas sociais quiçá ainda maiores, visto que a impossibilidade de se renunciar à representação antes de encaminhado o inquérito ao juiz e ao Ministério Público, têm congestionado inutilmente o andamento das audiências com muitos conflitos que poderiam ser resolvidos por outros meios que não os que rumam ao judiciário. Essa discussão tem levado a sociólogos e jurista de todo país a refletir até que ponto a atividade discricionária da autoridade policial milita em favor ou detrimento da vítima, da sua vontade e da integralidade da sua família. Mais ainda, em detrimento da vontade e da opinião da vítima, a sociedade anseia mais por medidas legais que contribuem mais com as melhorias sociais ou apenas com a repressão e punição aos agressores. Por óbvio a capacidade técnica superior da autoridade policial é colocada em cheque, pois o que se faz notório é que não raras vezes as ciências jurídicas e as sociais não andam em consonância, se afastando cada vez mais da realidade familiar. Nesse sentido, entende-se que a família não é apenas uma instituição de origem biológica, mas, sobretudo, um organismo com nítidos caracteres culturais e sociais. Nas palavras da Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, família é: “E uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história através dos tempos (...); a história da família se confunde com a história da própria humanidade.” 19 18 JESUS, Damásio de. A questão da renúncia à representação na ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica ou familiar contra a mulher (Lei n. 11.340, de 07 de gosto de 2006). São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, set. 2006. disponível em: www.damasio.com.br. 19 Família e casamento em evolução, in Revista Brasileira de Direito de Família, p. 7 33 5.1.4 Atendimento Multidisciplinar Nos últimos anos a sociedade tem entendido que a presença de violência na família implica muito mais em fatores sociais e econômicos do que em simples razões isoladas e sem conexões, reconhecendo que, sem dúvida, há um grande desequilíbrio nas relações familiares. Destarte, destacam-se três principais fatores que levam ao aumento significativo dos índices de violência doméstica, a saber, cultural, social e pessoal. O cultivo de uma proteção aos acontecimentos no seio de uma família, oferece estereótipos quanto a questões de gênero, impondo situações consideradas de caráter aceitável no que concerne aos papéis masculinos e femininos, onde ao homem cabe a função de provedor do lar, sustentáculo da família, de forma que seus sentimentos devem ser sufocados e reprimidos para não demonstrar fraqueza ante as dificuldades e não aceitações que ele enfrenta. Deste modo, o não acesso aos seus sentimentos de tristeza, medo, ansiedade, validam a agressividade como o meio mais aceitável de demonstrar sua masculinidade, virilidade e brio. Nesse contexto, a cultura machista e patriarcal reforça o peso sobre os ombros do homem impondo de forma velada a necessidade de alcançar também o sucesso profissional, mormente ante a ascensão feminina nesse ponto em particular. Já nas mulheres a cultura estimula o acesso aos sentimentos de aceitação de sua posição de “inferioridade” frente o pseudopoderio masculino, adaptando-se aos desejos e anseios de seu companheiro, e colocando a felicidade e aos interesses da família acima de sua realização pessoal. Embora estejam ocorrendo mudanças nestas questões, muitas famílias ainda reproduzem estes estereótipos de forma mais intensa que outras. As razões de cunho social, através do desemprego, do risco de demissões, surgimento de doenças e dificuldades econômicas, aumentam o stress das pessoas, elevando a frustração e o sentimento de incompetência, provocando momentos de tensão e desespero que muitas vezes cuminam em violência doméstica. Além disso, questões pessoais e sem nexos comuns, resultantes principalmente das experiências infantis e/ou adolescência refletem de forma intensa na forma com que as relações familiares são vividas. Não são raros os casos que numa análise mais profunda revelam traumas e patologias oriundas de tempos remotos e, muitas vezes, guardados inconscientemente na memória desses agressores. De certo, a família é o lugar de socialização e educação do indivíduo, possibilitando a emergência de significados, valores e critérios de conduta, onde o sujeito pode adquirir experiência sobre a convivência humana e daí, ter base para estabelecer relações interpessoais de forma sadia ou não. É na família onde existe a possibilidade de aprender o enfrentamento e superação de conflitos, disputas, e ausências ou mesmo de criar traumas que causam reflexos por anos a fio, mesmo nem adultos de avançada idade. As mudanças oriundas da globalização e pós-modernidade derrubaram múltiplos valores em que antes se pautava a sociedade. A família, enquanto instituição, foi fortemente abalada com a ascedência dos divórcios, a constituição de novas famílias (onde até mesmo sua formação natural, tem sido questionada). Nesse sentido, o artigo intitulado Família pósmoderna, construção de subjetividade e escolha profissional20, assinado por Inalda Dubeux 20 Trabalho apresentado no IV Simpósio de Orientação Vocacional e Ocupacional e I Encontro de Orientadores do Mercosul 34 Revista ESMAC Oliveira21 e Cristina Maria de Souza Brito Dias22, traz a baila um pouco do que psicologia tem entendido acerca da família em tempos hodiernos, conforme se verifica in verbis: “A revista Veja, traz um artigo de capa, Unidos pelo Divórcio, que aborda o relacionamento de 14 milhões de famílias brasileiras formadas por segundos e terceiros casamentos. Uma adolescente de 18 anos, citada no artigo, passou por 5 famílias até o presente momento e, em cada uma delas, ganhou e perdeu pais e irmãos. Por outro lado, temos os filhos do divórcio, que, segundo o artigo, já somam 200.000 por ano no Brasil. Souza (1997) refere que as famílias monoparentais (e nelas incluímos também as produções independentes), que são, predominantemente, constituídas por mãe e filho(os), tendem a estabelecer relações fechadas que dificultam o desenvolvimento da individualidade do(s) filho(s) pela ausência da figura do pai e a conseqüente triangulação estruturante. Outras organizações familiares já são freqüentes na realidade atual, cada uma com suas especificidades psicodinâmicas e sociais, gerando efeitos na construção da subjetividade. Temos os casais homossexuais que já possuem ou adotam filhos, cujas dificuldades no ajustamento com o meio social pode refletir-se no relacionamento com as crianças. Nesse tipo de relacionamento, pode existir uma dificuldade no casal em manter a individualidade, por tender a ser uma dupla fusional que, muitas vezes, não abre o espaço para a criança. A ausência de um modelo de casal que atenda às suas peculiaridades também pode vir a dificultar o processo identificatório. Encontramos, ainda, os bebês de proveta, constituindo situações nas quais os pais biológicos, algumas vezes, são ignorados. As mães de aluguel, as adoções por solteiros, casais já na idade avançada que se tornam pais e uma multiplicidade de organizações trazem, segundo Katz e Costa (1996), idéias de fusão, de indiscriminação que implicam perda de singularidade.” A desagregação familiar dificulta a integração de um ambiente social capaz de orientar seus membros para o crescimento das noções de civilidade. A crescente situação de crianças carentes, menores abandonados, menores infratores, a crescente marginalidade (já existentes em todas as classes sociais) denuncia a presente incapacidade da família em cumprir com sua tarefa básica de socialização, convergindo em situações de vulnerabilidade que, juntamente com outros fatores, podem gerar a marginalidade e a violência. A sociedade brasileira caracteriza-se por um alto índice de violência familiar que recai sempre sobre as mesmas vítimas (mulheres, crianças ou idosos), o que deve ser considerado a fim de que se possa compreender a sua rotinização. Entendendo esse caráter de urgência, a Lei 11.340/06, veio claramente dispor acerca do papel de suma importância das equipes multidisciplinares, formadas por profissionais de vários ramos ligados as ciências humanas, com o objetivo de auxiliar não só a mulher agredida, mas também seus filhos e até mesmo o agressor, demonstrando, assim, o interesse do legislador de dar condições a famílias desestruturadas de ter reais possibilidades de se restabelecer, combatendo, assim, o foco real do problema, a fim de diminuir consideravelmente os altos números de violência doméstica registrados nas delegacias, conforme se verifica no artigo 30, in verbis: em Florianópolis, realizado entre os dias 03 a 05 de setembro de 1999, e publicado na Revista Symposium, podendo ser encontrado no sítio eletrônico: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/2534/2534.PDF. 21 Inalda Dubeux Oliveira: psicóloga clínica e orientadora profissional, professora e supervisora em Clínica Analítica e Orientação Profissional na Faculdade de Filosofia do Recife, mestranda em Psicologia Clínica na Universidade Católica de Pernambuco. 22 Cristina Maria de Souza Brito Dias: doutora em Psicologia Social, professora e coordenadora do Mestrado em Psicologia Clínica, da Universidade Católica de Pernambuco. 35 “Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.” Assim sendo, a implementação de uma equipe multidisciplinar trabalhando diretamente em sede policial de maneira mais ostensiva é a imperiosa necessidade para obtenção dos resultados almejados pela Lei específica, em tela, do contrário não restará ao Estado nada mais que números e estatísticas a serem apuradas. Há de se estabelecer uma justiça social com reais significados na vida dos cidadãos, de forma a ser vista não como uma força punitiva e severa em resposta as assustadoras estatísticas, mas sim como instrumento da sociedade a fim de restabelecer a paz social, através da proteção aos lares e manutenção, sempre que possível, da relação familiar entre os casais, o que sem dúvida contribui para a formação das crianças e diminuição dos demais índices de criminalidade. Uma vez verificada alguma situação violenta ou ameaçadora à mulher, ainda em fase policial ou nas residências das vítimas, independente das medidas protetivas oferecidas pela autoridade policial, ou da representação ou não por parte da vítima, ou sua renúncia à representação futura, é neste momento que o papel social se faz mais evidente e imperioso. Quando uma situação de risco está explícita, a atividade social é imprescindível para, primeiramente, identificar sua causa, e, por conseguinte, fazer saná-la, remediá-la ou evitar sua reincidência, principalmente quando a vítima desiste de efetivar o procedimento policial ou judicial. Diante disso, o papel da assistência social, ainda na fase inquisitória, é de suma importância, pois esses casos, em sua imensa maioria são sobremodo complexos e delicados, precisando de uma atenção especial da equipes multidisciplinares, não só as vítimas bem como sua prole, que também se vê em condições impróprias, muitas vezes num nível muito mais gravoso do que o da própria mulher agredida. A atuação dessas equipes de assistência social e psicológica deverá ocorrer junto nos lares, verificando in loco a real situação que vivem essas mulheres com seus dependentes, de modo a fazer um apurado perfil social das suas condições financeiras e psicológicas, fazendo, então, os devidos encaminhamento as políticas publicas de amparo específico a mulheres vítimas de violência e àquelas que cuidam de criança e adolescentes em situação de risco. Atualmente o atendimento imediato em sede policial, quando ocorre, trata apenas de questões emergenciais de lapso temporal curto (dias), quando a causa problema perdurará ao longo do relacionamento desta vítima com seu agressor. Vale, entretanto, lembrar que não bastam as ações dessa equipe ou mesmo o ávido interesse do Poder Judiciário em dar soluções eficazes aos casos de violência desse gênero, a luta por uma real sensação de segurança dentro dos lares requer uma ação conjunta entre os órgãos estatais, a iniciativa privada o terceiro setor e a própria sociedade, do contrário teremos apenas valiosas leis quenãopossuemaplicabilidadeemuitomenosproduzemreaisefeitosnanocotidianodaspessoas. 36 Revista ESMAC 6. FASE JUDICIAL 6.1 Renúncia Ao Direito De Representação Como já dito, nos crimes de ação penal pública condicionada à representação da vítima, houve um pomposa a ampliação do conceito de representação, instituindo a figura da representação tácita, enquanto permissivo legal para a atuação tanto da autoridade policial quanto do Ministério Público, sendo, de fato, uma grande inovação trazida a lume pela nova lei. Entretanto muito se tem discutido acerca da aplicabilidade destes dispositivos e sua plena eficácia no interesse de alcançar os reais objetivos deste diploma legal. Diantedessenovoinstituto,muitosdoutrinadorestêmlevantadoquestionamentos, sobretudo quanto a utilização do termo renúncia no artigo 16 da afamada lei e seus reflexos ante o direito da vítima de não permitir a persecução criminal em face do agressor. Sobre o tema, escreveu Damásio de Jesus23 acerca da redação do art. 16 na denominada “Maria da Penha”, verbis: “Retratação significa, no caso, retirada da manifestação de vontade da ofendida de que o ofensor venha a ser objeto de inquérito policial ou de ação penal, o que é impossível depois de oferecida a denúncia, isto é, depois de apresentada ao Juiz (art. 102 do CP; art. 25 do CPP). A renúncia à representação, no entanto, expressão já empregada no art. 74, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95, indica abdicação do direito da ofendida manifestar vontade de movimentar a máquina da Justiça Criminal contra o agressor. Como ficou consignado nos termos do art. 16 da Lei n. 11.340/2006, a renúncia ao direito de representação só é admissível até “antes do recebimento da denúncia.” Destarte, a parte final do artigo 1624 da referida lei conferiu ao Ministério Público o poder-dever de decidir pela continuidade do feito mesmo com a renúncia expressa da vítima, manifestada em audiência preliminar especialmente designada para isso perante o Juiz, antes do recebimento da denúncia, ou, então, promover pelo arquivamento dos autos, baseado nas próprias alegações ou mesmo nos demais fatos analisados. Essa mudança brusca nos procedimentos adotados deve-se em muito a militância dos organismos ligados a proteção dos direitos da mulher, que, aguerridos por um feroz e quase incontrolável desejo de punir severa e duramente homens que violentam e agridem suas companheiras física, psíquica e moralmente, utilizando-se da vantagem física, acabam por inflamar e propagar a idéia de que há a necessidade de serem criados mecanismos que protejam mulheres agredidas de si mesmas, alegando que a maior parte das renúncias ao direito de representação ocorrem por medo e opressão, provocados por constantes ameaças. Portanto, retirando a capacidade jurídica dessas mulheres de decidir acerca do acionamento ou não da Tutela Jurisdicional, como garantia da devida proteção aos seus direitos e/ou a conseqüente punição aos agressores, estariam por fim as protegendo. Como reza o ditado: os fins justificam os meios. 23 JESUS, Damásio de. A questão da renúncia à representação na ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica ou familiar contra a mulher (Lei n. 11.340, de 07 de gosto de 2006). São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, set. 2006. disponível em: www.damasio.com.br 24 “(...) e ouvido o Ministério Público.” 37 Diante disso, dispõe a Lei Maria da Penha em seu artigo 16, o seguinte: ¨Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.¨25 Sem muitas controvérsias, o artigo sob comento, em verdade, restringiu a capacidade da vítima de decidir, única e exclusivamente, acerca de sua vontade de não movimentar a máquina da Justiça Criminal contra o agressor, pondo fim a persecução criminal. De modo que somente perante o juiz, em audiência preliminar antes do recebimento da denúncia, designada especialmente para isso, e havendo anuência do órgão do Ministério Público, é que, então, a renúncia poderá ser admissível. Em suma, a discricionariedade ministerial, em conluio com a decisão judicial, é a parte decisória inicial do feito, subjugando e prejulgando a decisão da vítima em efetivar a persecução criminal ou obstá-la. Diante deste mérito decisório, a vítima passar a ser coadjuvante nesse cenário onde cabe ao Ministério Público atuar de forma decisiva. Sendo, nasce no direito uma verdadeira “usurpação” legal da capacidade da mulher de decidir fundamentalmente quanto ao destino do feito, podendo inclusive ocasionar maiores problemas do que o já existente pelas razões que provocaram a ação penal. Deste modo, não há dúvidas de que a restrição ao direito de renúncia à representação deve ser profundamente analisado pelos operadores do direito face ao cotidiano vivido nos corredores do Poder Judiciário. 6.1.1 Posição do STJ A Lei Maria da Penha define o crime de violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão corporal, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; ou em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.26 Sendo assim, praticado o crime definido nesta lei, nasce no mundo jurídico o direito de acionamento da máquina estatal contra o agressor. Esse acionamento se dá através da ação penal pública, quer seja incondicionada, aquela que não necessita que a vítima impulsione a sua investigação ou o ajuizamento da devida ação penal e que pode ser movida pelo Ministério Público ou, na falta desse, pela própria parte interessada, quer seja condicionada, onde a ação criminal só é ajuizada com o consentimento expresso da vítima. 25 Lei Maria da Penha (11.340/2006). 26 Artigo 5º da Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006. 38 Revista ESMAC Com o surgimento da chamada Lei Maria da Penha, muitas controvérsias têm se levantado com o objetivo de se estabelecer qual espécie de ação penal pública é cabível nos crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher. Em sede de habeas corpus (HC 96.992-DF) impetrado contra acórdão que deu provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal, determinando que a denúncia, antes rejeitada pelo juiz de 1º grau, fosse recebida contra o paciente pela conduta de lesões corporais leves contra sua companheira, mesmo tendo ela denegado o interesse de representá-lo em audiência especialmente designada para tal finalidade, na presença do juiz, do representante do Parquet e de seu advogado, visto que, após o advento da Lei n. 11.340/2006, grandes debates têm se travado nos fóruns e tribunais no sentido de definir qual é a espécie adequada de ação penal a ser aplicável no caso de crime de lesão corporal leve qualificada, relacionado à violência doméstica, isto é, pública incondicionada ou pública condicionada à representação. A 6ª Turma do STJ, ao prosseguir o julgamento, por maioria, denegou o pedido, por entender que se trata de ação penal pública incondicionada, como anotou a MINISTRA JANE SILVA, em seu voto de Relatora: “(...) A intenção do legislador ao criar a nova figura típica, na realidade uma nova modalidade de lesão corporal leve qualificada, tendo em vista o novo montante de pena estabelecido, foi atingir os variados e, infelizmente, numerosos casos de lesões corporais praticados no recanto do lar, local em que deveria imperar a paz e convivência harmoniosa entre seus membros e, jamais, a agressão desenfreada que muitas vezes se apresenta, pondo em risco a estrutura familiar, base da sociedade. (...)” No mesmo e sentido do Sr. Ministro Paulo Galloti, bem elucida a posição majoritária do STJ: “(...) A própria lei indica diretrizes para sua exegese, ao estabelecer, no art. 4º, que “na interpretação desta lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”. E sob um enfoque sociológico, é inegável reconhecer que grande parte das mulheres vítimas de violência doméstica, especialmente aquelas de classes econômicas menos favorecidas, quando levam seus casos ao conhecimento das chamadas“autoridades”, acabam por ser coagidas a se retratar, sofrendo intimidação de todos os tipos por parte dos infratores, inclusive físicas, morais, psicológicas, financeiras etc. Casos há, por certo, em que as mulheres retratam-se por livre e espontânea vontade, dada a reconciliação da família. Mas no confronto entre os dois cenários, deve prevalecer o que melhor atenda ao interesse social, isto é, que efetivamente contribua para a preservação da integridade física da mulher, historicamente vítima de violência doméstica e tida como elo mais fraco na relação conjugal e familiar. Esse, aliás, o motivo que levou à criação da legislação de proteção, considerada uma importante conquista dos direitos humanos das mulheres, amparada no art. 226, § 8, da Constituição Federal, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e em outros tratados internacionais. A prescindibilidade da representação da vítima, de outra parte, não impede a reconciliação 39 da família. Muito refleti sobre os argumentos de que o processo criminal poderia prejudicar a restauração da paz no lar, de que poderia se converter em um mal maior para a própria mulher, de que é mais benéfico a ela ter um instrumento de barganha para negociar com o agressor, de que há muito vem sido tolhida sua liberdade de escolha e de que o Estado deve intervir nas relações individuais de forma mínima. Não me convenceram, todavia. O princípio da intervenção mínima deve ser observado em situações de normalidade. Situações extremas exigem medidas rigorosas e maior intervenção estatal. Se o quadro fático é de alto índice de violência contra a mulher no âmbito familiar, sem que ela, sozinha, consiga enfrentá-la, cabe ao Estado desenvolver políticas que visem a garantir os seus direitos, o que certamente se teve em vista com a edição do diploma em exame. O argumento de que não se deve retirar da mulher o poder de decisão sobre a situação de violência em sua família, com todo o respeito aos que pensam de modo diverso, termina por não solucionar o grave problema, mantendo a possibilidade de serem vítimas de inaceitável coação na busca de impunidade, circunstância que acaba por estimular a reiteração criminosa. Se for possível restabelecer a paz no âmbito familiar, melhor, e que isso realmente se concretize. Mas o agressor deve estar consciente de que responderá a um processo criminal e será punido se reconhecida sua culpabilidade. (...)” De forma geral, os ministros do STJ têm argumentado que o art. 88 da Lei n. 9.099/1995 foi derrogado em relação à Lei Maria da Penha, em razão de o art. 41 deste diploma legal ter expressamente afastado a aplicação, por inteiro, daquela lei ao tipo descrito no art. 129, § 9º, CP, isso devido ao fato de que as referidas leis possuem escopos diametralmente opostos, visto que, enquanto a Lei dos Juizados Especiais busca evitar o início do processo penal, que poderá culminar em imposição de sanção ao agente, a Lei Maria da Penha procura punir com maior rigor o agressor que age às escondidas nos lares, pondo em risco a saúde de sua família. Além disso, os membros do STJ alegaram que a Lei n. 11.340/2006 procurou criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres nos termos do § 8º do art. 226 e art. 227, ambos da CF/1988, assim sendo, não seria possível falar em representação quando a lesão corporal culposa ou dolosa simples atingir a mulher, em casos de violência doméstica, familiar ou íntima. Ademais, até a nova redação do § 9º do art. 129 do CP, dada pelo art. 44 da Lei n. 11.340/2006, impondo pena máxima de três anos à lesão corporal leve qualificada praticada no âmbito familiar, corrobora a proibição da utilização do procedimento dos Juizados Especiais, afastando assim a exigência de representação da vítima. Entretanto, há quem defenda a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, pelo fato de homens e mulheres serem iguais perante a lei, o que possivelmente baseou a tese adotada pelo juízo de primeiro grau. 6.1.2 Análise Objetiva da Renuncia A celeuma jurídica criada em torno da possibilidade ou não de renúncia da vítima poderia facilmente ser resolvido ante a estipulação de critérios objetivos a serem analisados pelo Ministério Publico e pelo Juízo. Desta forma se retiraria do crivo ministerial e do magistrado a decisão unipessoal quanto ao caso em concreto, cujas conseqüências não seriam suportadas pelas figuras de firmadas condições financeiras e bem estruturadas presentes em audiência, mas pela parte 40 Revista ESMAC hipossuficiente e carente de assistência social, ou seja, a vítima. A estipulação de critérios objetivos vincularia as decisões e ensejaria a obrigação de cumprimento de certos requisitos para tanto. Esta análise objetiva não seria simples ou por amostragem, mas taxativamente estipularia fatores de convicção de decisão, até porque futuras conseqüências poderiam ocorrer em decorrência de uma má análise dos critérios. Primeiramente a gravidade do delito já seria ponto paradigma para nortear a aceitação ou não da renúncia da vítima, o que de certa forma já ocorre nos termos da Lei Maria da Penha. Obviamente casos mais severos em termos de tipo penal, mesmo com a expressa vontade da vítima não mereceriam ter suas renúncias acatadas ante o nível de dependência da vítima em relação ao agressor. É exatamente neste ponto que adentraria mais um critério objetivo. As vítimas, apesar de um perfil nacional determinado em amostragens, possuem realidades familiares, classes econômicas, níveis sociais e educacionais diferenciados. Uma aferição desta realidade da vítima é extremamente necessário para se ter o conhecimento se a vítima está em condições de decidir acerca da renúncia ou não da representação. O agressor também seria analisado por seu comportamento atual e pretérito. Maus antecedentes,reincidências,comportamentosagressivosoudesordemsocialtambémpoderiam ser utilizados na definição dos critérios objetivos, o que traria conhecimento dos fatos ocorridos anteriormente ao caso judicial presente bem como resguardaria a vítima de novamente sofrer alhures violências. Enfim, em se determinando a pessoas alheias à situação fática a decisão acerca da aceitação ou não da renúncia da vítima retira desta sua capacidade decisória, quando em muitos casos ainda a resta e de modo precípuo à proteção familiar. Ao revés, para se evitar pecados ou excessos, a criação de critérios objetivos supriria esta dúvida na prática cotidiana das audiências judiciais nos casos de violência doméstica. 6.2 Parcial Vedação às Penas Alternativas Com o advento da lei 9.099/95 (que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais), o Estado oferecia penas alternativas ao acusado de crimes de menor potencial ofensivo, com o arquivamento dos autos e a conseqüente extinção do processo ao final do cumprimento da pena. Deste modo, o acusado livrava-se do enfretamento processual e da possibilidade de perder a primariedade em processos criminais. No entanto, o legislador entendeu que algumas penas alternativas não provocavam os efeitos esperados tanto pelo Estado como pela vítima, vindo então a, com a nova lei, estabelecer restrições a aplicação de certos tipos de penas alternativas, buscando encontrar mais formas de dar à lei um caráter cabalmente punitivo. Sendo assim, o legislador vedou, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, as penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa, conforme se verifica no artigo 17 da lei sob análise: 41 ¨Art. 17 É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.¨27 Entretanto, muitos operadores do direito têm questionado essa vedação, entendendo que a lei não pode impor indistintamente a todos o mesmo rigor, sem dar possibilidade para a análise de cada caso, tendo em vista suas peculiaridades. Deste modo, surgem no cenário nacional, diversos posicionamentos e apontamentos acerca dessa vedação, que ao serem refletivos pelos membros do congresso nacional, talvez modifique essa falta de flexibilidade e pouca confiança no trabalho dos órgãos ministeriais, responsáveis por propor a melhor medida a ser aplicável ao caso concreto, seja esta a reclusão ou as demais em caráter alternativo. 6.2.1 Possibilidade e Criterios Objetivos Diante do exposto, urge a necessidade de retirar a proibição à aplicação das penas de prestação pecuniária, bem como o pagamento de cestas básicas ou mesmo a imposição de multas, ainda que isoladamente, tendo em vista as peculiaridades de cada caso como explanado anteriormente. Para isso, algumas soluções têm sido encontradas no sentido de, no mínimo, flexibilizar a aplicação dessas medidas, a fim de equilibrar os efeitos da sanção penal nos casos não tão relevantes, porém que mesmo assim requerem punição. Tem-se apontado a idéia da criação de mecanismos objetivos à análise do caso concreto, de forma a balizar a decisão quanto a mais adequada medida penalizadora a ser aplicada. Deste modo, citam-se a adoção do critério de análise de possíveis reincidências do tipo, mesmo que durante um lapso de tempo maior, para estabelecer a possibilidade ou não a aplicação de penas alternativas menos gravosas. Outrossim, o exame da vida pregressa do autor dos fatos e a gravidade do delito, sem dúvida são de imenso valor no momento de decidir sobre essa possibilidade, de forma que tanto o magistrado quanto o representante do ministério público terão mais base para entender a possibilidade de aplicar uma sanção mais adequada. Além disso, ainda baseado na própria lei, faz-se extremamente necessário a utilização de profissionais tanto da área de psicologia, responsáveis por elaborar relatórios que definam as reais condições psicológicas que se encontram tanto o agressor quanto a vítima, além de uma apurada investigação social realizada por uma equipe de assistentes sociais, capazes de informar ao juízo as condições sociais e econômicas, além de outras que desvendem como se encontra a relação familiar. Desse modo, o juízo terá mais subsídios que apontem para uma melhor decisão quanto as medidas a serem adotadas em cada caso e, quando couber, a efetiva pena a ser aplicada. 27 Lei Maria da Penha (11.340/2006) 42 Revista ESMAC 6.3 Desídia da Vítima Embora muito se tenha falado acerca dos meios de proteção a mulher vítima de violência dentro do seu próprio lar ou, por vez, no convívio com pessoas de sua confiança ou de suas relações íntimas, um fato interessante de analisado é a incompreensível falta de compromisso e responsabilidade da vítima na relação processual que se estabelece justamente para protegê-la e dar ao acusado, caso se comprove a conduta típica, a devida punição. A esse fenômeno nada incomum dá-se o nome de desídia, visto o descaso da vítima em relação ao processo. Não raras vezes as vítimas faltam às audiências designadas para oitiva de seu depoimento perante o magistrado, deixam de prestar esclarecimentos ou informações essenciais ao prosseguimento do feito, requeridos muitas vezes pelo Ministério Público e, portanto, de seu próprio interesse, visto ser parte integrante do processo, principalmente quanto aos meios probantes, por exemplo nominação de testemunhas. A desídia da vítima não pode ser confundida com a renúncia do direito à representação ou mesmo a retratação, visto que a primeira, quando manifestada, ocorre antes do recebimento da denúncia, por tratar-se, como já explanado anteriormente, do expresso desejo da vítima pela não persecução penal, e a segunda, embora ocorra dentro do processo já em curso, trata-se da manifestação do interesse da vítima de arquivar os autos e extinguir o processo, nos casos em que a lei permitir. A desídia no processo penal, portanto, é provocada única e exclusivamente pela falta de responsabilidade da vítima ou seu representante em atuar no processo de forma satisfatória, pois embora haja o interesse em punir o réu, a mesma pouco deixa de atuar de praticados os atos necessários ao prosseguimento do feito, fazendo com que o magistrado determine o arquivamento dos autos, visto que o processo não poderá esperar até que a parte interessada, ao seu bel prazer, estabeleça o tempo para seu retorno a atuação na relação processual. Como espeque ao que fora dito, Lopes jr. e Badaró, asseveram que, ocorrendo excesso de prazo irrazoável, a melhor solução compensatória à violação do direito a um processo sem dilações indevidas seria a extinção do feito, como no suso comentado acórdão: “(...) a extinção do feito é a solução mais adequada, em termos processuais, na medida em que, reconhecida a ilegitimidade do poder punitivo pela própria desídia do Estado, o processo deve findar. Sua continuação, além do prazo razoável, não é mais legítimo e vulnera o Princípio da Legalidade, fundante do estado de Direito, que exige limites precisos, absolutos e categóricos – incluindo-se o limite temporal – ao exercício do poder penal estatal” (2006, p. 123 a 126). 43 7. EFETIVIDADE DAS AÇÕES SOCIAIS PREVISTA EM LEI Em que pese toda e qualquer punição que o Estado venha a aplicar àqueles que praticarem os crimes previstos na Lei 11.340/06, a sociedade de forma alguma conseguirá vislumbrar, em sua realidade fática vivenciada no dia-a-dia, o alcance de índices ínfimos ou mesmo o sensível declínio do número de mulheres que dão entrada nos hospitais de pronto atendimento, vítimas das mais brutais violências, desagregando famílias inteiras e gerando para sociedade mais caos, como conseqüência do crescimento de crianças em ambientes tão hostis como estes. Para tanto, as políticas públicas que visam reduzir sensivelmente a violência doméstica e familiar praticada contra a mulher, devem implementar, articulado com organismos do terceiro setor, programas sociais que efetivamente conscientizem toda a sociedade, sobretudo a própria mulher, acerca dos valores relativos a dignidade da pessoa humana, a erradicação da discriminação em razão do sexo e a equidade entre os gêneros, isto é, a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Sendo assim, além das medidas preventivas determinadas na lei sob análise, a sociedade tem reivindicado, através de movimentos em defesa da mulher, a criação de projetos com atribuições específicas no esteio desse tipo de violência, conforme prevê a chamada lei “Maria da Penha”, de forma ampla a atender todos os membros da família, inclusivo o acusado de conduta violenta contra a mulher, ainda que o fato ainda não tenha sido consumado. Para tanto, necessita-se que haja uma ação enérgica do estado em parceira com a sociedade, disponibilizando os recursos necessários para a implementação de programas voltados a esse tipo de atendimento. Esses recursos serão aplicados na instalação e manutenção de prédios que abriguem as equipes multidisciplinar, formada por psicólogos, assistentes sociais, advogados e estagiários, preparando tecnicamente todos para boa presteza no atendimento e acompanhamento não só das mulheres tutelada por este diploma legal, como também àquelas famílias que procurarem ajuda para restabelecer o bom convívio familiar. Esses programas especializados no combate à violência contra a mulher terão por objetivo combater a violência doméstica e prestar todo auxílio possível para tentar proporcionar aos envolvidos a possibilidade de continuação da relação familiar, porém, noutros moldes, primando pela harmonia e segurança na relação. A obtenção de bons resultados nesta área está sujeita, além da ação estatal, à ação dos mais variados movimentos criados para promover proteção dos direitos femininos, à criação de conselhos, a criação de delegacias da mulher composta por agentes capacitados para atender circunstâncias delicadas, sem falar no apoio as casas-abrigo para mulheres vítimas de violência. É de se destacar que a Lei Maria da Penha, em que pese seu caráter preventivo deixa a desejar na efetividade dessas praticas. Conforme já relatado o perfil da mulher vítima de violência é tipicamente da classe baixa brasileira, com todos seus caracteres: baixo nível educacional, dependência financeira, prole dependente e ausência de experiência profissional. Como fator preponderante impeditivo de eficácia da Lei Maria da Penha, a dependência econômica é uma das mais importantes. A mulher sem sustentação financeira fica à mercê dos ditames do marido/companheiro enquanto perdurar o relacionamento. Saliente44 Revista ESMAC se que a situação de dependência, em vários casos, é provocada pelo próprio agressor de modo a impedir o estudo ou o emprego da vítima, exatamente para não quebrar esse vínculo de subordinação. Ademais, os filhos também exercem indireto amparo a esta realidade. Uma vez desfazendo o vínculo com o agressor a vítima não terá meios financeiros eficazes para sustento dos filhos, que, também na maioria dos casos, ficam sob o poder familiar da genitora, que dependerá, possivelmente, da pensão judicial extremamente guerreada. Nesse ponto, a eficácia da Lei teria um sentido mais amplo se conseguisse romper com esse fator, de modo a propiciar, à vítima de violência, meios eficazes educacionais e profissionais, com garantida de reinserção social. Se existem no meio educacional básico e técnico escolas supletivas para alunos em defasagem, por que não criar apenas uma exclusivamente direcionada para este público especial. Além do caráter educacional básico (ler e escrever), seriam ministradas aulas do ensino normal continuado e, por exemplo, seriam ensinadas as técnicas das profissões mais populares (cabeleireiro, manicure, cozinheira, servente, costureira,etc.). Ainda no intuito de obter-se a perfeição da prestação estatal neste ponto, os órgãos de governo, por via de suas secretarias específicas, deveriam celebrar convênios com empresas ou estimular a criação de cooperativas, de modo a absorver esta mão-de-obra qualificada que estaria à disposição do mercado, composta exclusivamente de vítimas de violência com necessidade de meio remuneratório. Em conjunto com a atividade acima, até pelo ponto de impossibilidade prática do projeto, também se deve atenção aos filhos da vítima de violência. Uma vez perdido o pilar financeiro de sustentação familiar e em estando a genitora em processo de educação e/ou profissionalização, os filhos da vítima ficariam à disposição da marginalidade ou do ócio. Neste caso, do mesmo modo do item anterior, seria criada uma creche específica para os filhos de vítimas de violência, ou seja, a educação seria concomitante entre filhos e mães, se possível até em espaços físicos contíguos. A moradia da vítima de violência geralmente é a residência própria ou alugada do agressor, deste modo torna-se inviável fisicamente que a vítima se afaste da situação agressiva por total direcionamento abrigacional de médio ou longo prazo. É de conhecimento público a existência de casas de abrigos em todos os Estados do Brasil, porém as suas características de emergência, rotatividade e não amparo permanente, tornam-nas imprestáveis para os fins duradouros previstos em Lei. Não existe nenhuma medida, quer seja social, política, pública ou privada, que respalde a vítima de violência domestica fisicamente à médio ou longo prazo. Os programas habitacionais não as englobam e não direcionam vagas para esta categoria de necessitados de moradia, o que poderia ocorrer mediante a estipulação de percentuais. Todas as estatísticas sobre a violência contra a mulher tratam de paradigmas conseguidos ou verificados após a efetivação da violência. Na contra-mao desta idéia está amplo texto da Lei Maria da Penha de cunho preventivo: ¨Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes: I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e 45 habitação; II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas; III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal; IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher; V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres; VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceriaentreórgãosgovernamentaisouentre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher; VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia; VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.¨28 Mais uma vez em insistência neste tema, o apoio psico-social à vitima de violência domestica, ou mais precisamente neste ponto à potencial vítima, deve ocorrer anteriormente à sua ocorrência. Os estudos sociais de campo permanentemente vistam lares periféricos, adentram os bairros mais pobres, entrevistam pessoas mais humildes, e, nesta tarefa, identificam de pronto as causas mais comuns da violência domestica. Uma política especifica e não genérica de combate às causas da violência teria resultado amplamente verificado principalmente na diminuição dos índices de criminalidade, no numero de registros policiais e processos judiciais. As pesquisas de vitimização identificam os pontos pessoais inerentes às vítimas e agressores conjugais. O álcool e o ciúme são os primeiros causadores da violência, destarte, essas causas poderiam ser combatidas por meios preventivos, quer sejam de encaminhamento de tratamento de dependentes, homens ou mulheres, ou de sustento psicólogo ou psiquiátrico. A sociedade há de reconhecer o valor do trabalho social em todas suas especificidades e focos, como nas causas e conseqüências dos males sociais. Esse reconhecimento, principalmente em termos de consecução de resultados práticos, também deveria ocorrer politicamente com maiores direcionamentos de verbas neste sentido. 28 Lei Maria da Penha (11.340/2006), Da Assistência à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, Capítulo I, Das Medidas Integradas de Prevenção. 46 Revista ESMAC CONCLUSAO A realidade da vida para as mulheres, dentro de um contexto sócio-cultural brasileiro, não gerou condições de pleno desenvolvimento e reconhecimento. Dos mais primitivos e simples aos mais delicados e estudados fatores, todos tiveram sua parcela de participação neste atraso ou subdesenvolvimento feminino. Os estudos transparecem as realidades diárias através dos números e a expectativa de mudança é refletida no comportamento atual de intolerância à violência contra a mulher. Derrubar tabus ou barreiras sociais, desmistificar situações, assumir responsabilidades, sustentar profissional e economicamente os sonhos não são tarefas fáceis e aceitáveis, porém somente através destas e de forma uníssona, as mulheres farão vingar definitivamente seus anseios. Muitas palavras devem ainda sair do papel e deixarem de ser apenas letras escritas, mas devem se transformar em ações sociais, obras físicas e atendimentos diretos em favor da mulher. O texto legal deve ser aplicado em todas as suas vírgulas e pontos, não deixando a desejar em nenhum aspecto pretendido pelo legislador, afinal, de leis teóricas sem aplicação prática o mundo jurídico já está farto. Que o Estado assuma seu papel legal e cumpra com suas atividades taxadas na legislação, sempre de modo amplo e geral, não visando apenas resultados numéricos ou expressivos à curto prazo. As causas sociais devem ser combatidas a priori de modo a evitar os eventos violentos futuros. Remediar não é o verbo exclusivo da temática da violência contra a mulher, ao revés é ponto final da situação onde a violência já se efetivou. A palavra de ordem é evitar, de modo que os malefícios de uma vida de desemprego, falta de educação básica, desestrutura familiar e dependência econômica seja invertida e transformada em independência pessoal total, caso queira a vítima. A entidade familiar sempre foi o pilar mestre da sociedade, o berço da educação primeira, a fonte do caráter do cidadão. Uma vez perdido esse conceito ante a desestruturação do lar, todos seus entes sofrerão as catastróficas conseqüências da ausência de uma base, de um norte, da união e da convivência entre si. A estrutura familiar é sagrada e deve ser preservada da busca desenfreada pela justiça, na tardia tarefa de querer igualar valores há décadas propositadamente diferenciados. O reconhecimento do valor feminino deve ser fruto de um longo trabalho e não apenas de uma questão de justiça imediata social para compensar anos de discriminação. A normatização desta reviravolta é gradativa, de contrapesos, respeitando o ordenamento jurídico. Vários fatores práticos devem ser levados em conta, sobejamente nas condições sócio-econômicas que se encontram atualmente a típica mulher vítima de violência. Para esta típica mulher vítima de violência não bastam modificações legais ou políticas sociais paliativas, mas a efetivação de uma idéia duradoura, permanente, que atinja, concomitantemente, as causas e as conseqüências da violência. De igual modo, a atividade corriqueira policial ou judicial não deve, com as vendas que lhe dão as Leis, tornar-se inapto ou inerte às realidades sociais e às pessoas que mais sofrem com as mesmas. A adequação fática e legal é imprescindível, no mínimo para o resultado de uma justiça básica, sem almejar perfeições. 47 A aplicabilidade e a eficácia da Lei não se dão em palanques, tribunas ou congressos, mas devem se de forma interpessoal e para as vítimas da violência contra a mulher e suas famílias, exclusivamente. Que a beleza do discurso social, que o ideal moral difundido e que o objetivo salvador da Lei se cumpram e perdurem na eternidade, mesmo ante os percalços cotidianos sociais presentes nas vidas das vítimas e seus familiares e ante a aplicação das normas de acordo com os ditames da Lei e não plenamente coma realidade. REFERÊNCIAS __________BRASIL. Código de Processo Penal. (Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941). __________BRASIL. Código Penal. (Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940.). __________BRASIL. Constituição Federal. Constituição Federal de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. __________BRASIL. Lei. Lei n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 de agosto de 2006. __________BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Dados estatísticos. Brasília. A secretaria. 2008. __________BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Enfrentando a violência contra a mulher. Brasília: A Secretaria, 2005. __________BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Memórias 2003/2006. Brasília: A Secretaria. 2006. __________BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Programa de Prevenção, Asistência e Combate à Violência Contra a Mulher. Brasília: A Secretaria, 2003. __________BRASIL. Senado Federal. Secretaria de Pesquisa e Opinião Pública. Serviço de Pesquisa de Opinião – DataSenado. Pesquisa sobre violência doméstica contra a mulher. Disponível em http://ouvidoria.petrobras.com.br. ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1133, 8 ago. 2006. BARSTED, L. L., HERMANN J. (eds). Instrumentos Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos. Rio de Janeiro, CEPIA, 1999. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 3. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. CAVALCANTI, Stela Valéria de Farias. Violência Doméstica Contra a Mulher. Análise da Lei “Maria da Penha”, n° 11.340/06. Podivm: Bahia, 2007. CONY, Carlos Heitor em Fatos e Fotos Gente. Brasília, 22 de outubro de 1979, nº 948, ano XVII. Rio de Janeiro, Bloch Editores. DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: RT, 2007. DIAS. Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. GIORDANI, Annecy Tojeiro. Violências contra a Mulher. São Paulo: Yendis, 2006. 48 Revista ESMAC GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume III. 2ª. ed. Niterói: Impetus, 2006. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. 2º. Volume. 27ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. KOERNER, Andrei “Posições doutrinárias sobre direito de família no pós-1988. Uma análise política”. Em Fukui, Lia (org.). Segredos de Família. São Paulo, Annablume, 2002. MASSUNO, Elizabeth. “Delegacia de Defesa da Mulher: uma resposta à violência de gênero”. Em BLAY, Eva A. Igualdade de oportunidades para as mulheres. São Paulo, Humanitas, 2002. MATTOS, Janaína Valéria de. Centro Integrado de Atendimento à Mulher. Experiências de Gestão Pública e Cidadania. São Paulo, 2003. MAZILLI, Hugo. A Defesa dos Interesses Difusos em juízo. 19a. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2006. MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. 25ª. ed. São Paulo: Atlas, 2007. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. 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Saúde Pública v.39 n.1 São Paulo fev. 2005, Qualidade de vida e depressão em mulheres vítimas de seus parceiros - Faculdade de Medicina da UFCE (2004), de Vanessa Gurgel Adeodato, Racquel dos Reis Carvalho, Verônica Riquet de Siqueira e Fábio Gomes de Matos e Souza, da Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil, e Departamento de Medicina Clínica. Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil. Artigo A MULHER COMO VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - THE WOMAN AS VICTIM OF VIOLENCE - LA MUJER COMO VÍCTIMA DE LA VIOLENCIA DOMESTICA, Mirian Botelho Sagim, Zélia Maria Mendes Biasoli-Alves, Vanessa Delfino, Fabiola Petri Venturi. SITES DE PESQUISA ESPECÍFICOS: http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Onu/Mulher/texto/texto_3.html Portal da violência contra a mulher – www.violenciamulher.org.br; Abong – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais; AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras; Casa da Mulher Renasce Companheira; Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento; 49 Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria; Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM; Ipas Brasil (violência); Ministério da Justiça do Brasil; Movimento Nacional de Direitos Humanos; Mulher Governo – portal governamental sobre a mulher brasileira; Musa – Mulher e Saúde – Centro de Referência de Educação em Saúde da Mulher; Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da Universidade de São Paulo (NEMGE/USP); Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – NEIM/UFBA; Núcleo de Pesquisa das Violências - NUPEVI/UERJ; Pró-Mulher, Família e Cidadania; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres; Ser Mulher – Centro de Estudos e Ação da Mulher Urbana e Rural; Serviço à Mulher Marginalizada; SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia. 50 Revista ESMAC O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ACRE COMO INSTRUMENTO DE QUALIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA. Eva Evangelista de Araújo Souza INTRODUÇÃO A Corregedoria Geral da Justiça do Acre, órgão do Tribunal de Justiça, tem por finalidade orientar e fiscalizar a Justiça Estadual, a teor das competências delineadas no art. 28 da Lei Complementar nº 47/95 (Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Acre) e art. 54, itens I a XXVIII, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, todas envolvendo medidas de natureza administrativa para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional tempestiva e eficiente capaz de atender as expectativas da sociedade. Na realidade brasileira, até a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o Poder Judiciário era conhecido pela multiplicidade de órgãos, desvinculados entre si denotando falsa noção de independência, cada um realizando a prestação jurisdicional ao seu modo, como se no Brasil vários judiciários existissem. A visão ainda corrente é a de que no Brasil existem vários judiciários. A propósito, a recente pesquisa Barômetro de Confiança nas Instituições Brasileiras, apresentada pela AMB (10.06.2008), registrou que somente 8% dos entrevistados disseram conhecer bem o funcionamento do Poder Judiciário, 45% afirmaram conhecer mais ou menos sua forma de atuação, e 18% a desconhecem totalmente sua forma de atuação. Portanto, de tudo resulta que a população não conhece o funcionamento do Poder Judiciário e sua missão constitucional. Entretanto, não há comparação possível entre as condições estruturais da atividade jurisdicional dos Estados da Federação dotados de estrutura material e de pessoal necessários, inclusive da tecnologia da informação, e outros, tal qual o Estado do Acre, com localidades somente alcançadas por táxi aéreo ou barcos motorizados (de pequeno porte), com expressiva população residente na zona rural, nos seringais, às margens dos rios e aldeias indígenas, locais distanciados dos prédios de fórum, juizados e tribunais, acrescendo que as comarcas do Estado do Acre ainda não se encontram integralmente informatizadas. Razão disso, a aplicação do princípio introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004 – teoria de base deste trabalho de conclusão de curso MBA em administração de Poder Judiciário – depende da necessidade de conjugar a construção coletiva da reflexão estratégica envolvendo juízes e servidores para não somente possibilitar o acesso do cidadão à Justiça, mas tornar efetivos seus direitos. Nesta perspectiva, imprescindível conhecer a organização, estabelecer metas e objetivos ajustados às demandas do Poder Judiciário. No caso do Poder Judiciário do Estado do Acre, o Tribunal de Justiça ainda não possui um planejamento estratégico formal embora as iniciativas neste sentido adotadas em 51 1996 e pela atual administração mediante oficinas para o traçado das metas do biênio 20072009. Decerto que a Corregedoria Geral da Justiça – Órgão Censório integrante do Tribunal de Justiça – para a construção de seu planejamento estratégico deveria ater-se às diretrizes do órgão de cúpula da administração do Tribunal. Todavia, a falta de planejamento estratégico do Tribunal de Justiça não obsta a produção pelo Órgão Censor do Tribunal conforme demonstração a ser feita no curso deste trabalho que pretende realçar a importância das Corregedorias da Justiça sob a orientação do Conselho Nacional de Justiça, Órgão Censor Nacional criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004 como instrumento indispensável para assegurar a razoável duração do processo e demonstrar a possibilidade de construir um novo pensar estratégico e a conseqüente produção de um plano aliado às estratégias e metas da administração do Tribunal de Justiça. 52 Revista ESMAC 1. A CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA NO SISTEMA JUDICIAL BRASILEIRO 1.1 Breve relato histórico da Administração Judicial brasileira e do Órgão Correcional dos Tribunais de Justiça A Administração Judicial brasileira e a inserção das Corregedorias de Justiça na sua estrutura passa, necessariamente, pela história da Justiça no Brasil a partir das Ordenações que, ao tempo do descobrimento do Brasil, consistiam no direito vigente em Portugal. Assume relevância as Ordenações Filipinas de 1603, nome dado em homenagem ao monarca Filipe II, que no Brasil tiveram vigência até a edição do Código Civil de 1916, pois a partir dela começa a estruturar-se a Justiça no País. Consoante o magistério de Vladimir Passos de Freitas, Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a História da Justiça no Brasil divide-se em três grandes fases: do período colonial, da independência e o da república. No período colonial, o sistema judiciário de segundo grau de jurisdição era composto pela Relação do Brasil e pela Casa de Suplicação, sendo que a presidência da primeira era afeta ao Governador, que não julgava, mas assemelhada sua atividade ao regedor da Casa de Suplicação, título do qual veio o de corregedor. Pode parecer estranho esta composição, mas àquela época não era adotada a separação dos poderes, somente implementada com a Revolução Francesa em 1789.29 Com a proclamação da independência do Brasil em 1822 e a entrada em vigor da constituição de 1824, reestruturou-se o Poder Judiciário brasileiro. No ponto, adverte Vladimir Passos que, embora a Carta Magna de 1824 tenha assegurado independência ao Poder Judiciário, tratava-se de atributo relativo, pois o Imperador, fazendo uso de seu Poder Moderador, podia suspendê-la30. A implantação dos cursos jurídicos no Brasil e a conseqüente formação da cultura jurídica nacional (1827), criou o ambiente propício para o Poder Judiciário brasileiro passar por uma profunda transformação a partir da proclamação da república (1889), a fim de considerá-lo um terceiro poder que possuiria as seguintes características: i) unitário quanto à estrutura administrativa (ou seja, sem jurisdição administrativa, como na França); ii) dualista quanto à organização, possuindo duas justiças, uma federal e outra estadual.31 Nos períodos seguintes, manteve o Poder Judiciário basicamente a mesma estrutura, referindo-se como inovações a mudança de titulação quanto aos Tribunais de Relação, que passaram a ser chamados Tribunais de Apelação, a criação da Justiça do Trabalho em 1932 (Era Vargas), a extinção da Justiça Federal pelo Estado Novo em 1937 (posteriormente restabelecida em 1967) e a criação do Tribunal Federal de Recursos32. Após, com algumas 29 PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Corregedorias do Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.19 30 Ibidem, p.22. 31 PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Corregedorias do Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.22-23. 32 Ibidem, p.24 53 modificaçõe33, a Constituição Federal de 1988 reformulou o Poder Judiciário, assegurando-o autonomia administrativa e financeira. Retornando no tempo, à época das Ordenações Filipinas existia a figura do regedor, que era o Presidente da Casa de Suplicação, antecessora do Supremo Tribunal de Justiça. Vladimir Passos leciona que o regedor “além de presidir a Casa de Suplicação (desse nome vem o hábito do autor dizer-se suplicante), cabia-lhe fiscalizar os Tribunais da Relação, estes sucedidos pelos Tribunais de Justiça)”34. Não obstante a função de corregedor tenha existido no período das Ordenações Afonsinas e Manuelinas, somente com as Ordenações Filipinas suas atribuições tornaram-se mais claras. Demais disso, como reflexo da inexistência do modelo de separação dos poderes, naquela época: Havia, além de corregedores, ouvidores-gerais, ouvidores de comarca, provedores, juízes de fora, alcaides, vereadores (uns nomeados pelo rei e outros eleitos pelos “homens bons” do povo), todos representando a primeira instância.35 Representa um marco para a atividade censória a lei de 03/12/1841, publicada após a proclamação da independência, regulamentada passados dez anos pelo Decreto n.º 834, de 02/10/1851, dispunha sobre o Regulamento das Correições, que disciplinava o “tempo e forma das correições, dos empregados a ela sujeitos, dos autos, livros e demais papéis, que devem ser apresentados, das atribuições do juiz de direito em correição [...] e das penas disciplinas e da responsabilidade”.36 Anota Vladimir Passos que ao passar dos tempos as atribuições das Corregedorias passaram a constar de leis estaduais, regimentos internos dos tribunais, atos administrativos editados pelo Conselho da Magistratura ou pelos próprios corregedores, apontando os dispositivos mais importantes aplicáveis à função, quais sejam, os art. 99 e 105 da Lei Orgânica da Magistratura (LC n.º 35/79) pois, conquanto aplicáveis somente às Justiças estaduais, passaram a ser adotados por outras justiças.37 O primeiro dispositivo apenas reconhece a Corregedoria Geral de Justiça como órgão dosTribunais Estaduais, enquanto o segundo remete à lei a fixação de número mínimo de visitas às comarcas a serem realizadas pelo Corregedor, sem precisar a respeito de suas atribuições. Com acerto, o vazio legislativo de regular a atuação das Corregedorias Gerais da Justiça fomenta comportamentos inadmissíveis no âmbito do Poder Judiciário. A respeito, Vladimir Passos pontua com severa critica: Há Tribunais que colocam no seu Regimento Interno um percentual mínimo de Varas a serem visitadas; [...] Outros nada dispõem a respeito. O que acontece é que cada corregedor 33 Dentre elas, a extinção do TFR e a criação do Superior Tribunal de Justiça. 34 PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Corregedorias do Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.28. 35 PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Corregedorias do Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.30 36 Ibidem, p.30. 37 Ibidem, p.31-32 54 Revista ESMAC atua da forma que lhe parece mais adequada, uns procedendo a correições ordinárias em todas as Varas do Estado ou Região, outros não fazendo uma sequer. É mais uma questão de aptidão do que outra coisa.38 Resulta, pois, que a inexistência de normas gerais de alçada federal visando uniformizar a atuação das Corregedorias Gerais da Justiça revela a fragilidade da legislação nacional em disciplinar tema apto à racionalização e efetividade do serviço judiciário. Nesta vertente, Vladimir Passos exalta a troca de experiências propiciada nos Encontros de Corregedores – Encoges: No campo da troca de experiências, louvável iniciativa tomaram os corregedores gerais da Justiça dos Estados, promovendo mais de 20 (vinte) encontros nacionais (Encoges), onde são debatidos temas de interesse comum fixadas diretrizes de conduta e celebrados acordos visando a agilização da Justiça.39 Por tais razões, a Administração Judicial brasileira, embora encontre sua gênese no regedor da Casa de Suplicação das Ordenações Filipinas, caminhou a passos lentos, de vez que, até pouco tempo inexistia um Sistema de Administração Judicial brasileira. Não se olvida que a existência jurídica da função de Corregedor Geral da Justiça se afirmou com a Lei Orgânica da Magistratura (LC n.º 35/79), todavia, a criação de um órgão sem emprestar-lhe conteúdo funcional não basta ante a magnitude do tema e a complexidade dos serviços que lhe são próprios. Assim, em bom momento o Conselho Nacional de Justiça inaugurou um verdadeiro Sistema de Administração Judicial, assegurando poder normativo e correicional, conforme será delineado adiante. 1.2 Aspectos do direito comparado e a contribuição para o aperfeiçoamento da atividade censória A falta de efetividade ocasionada pelo mal da morosidade estimulou o debate no cenário político nacional a respeito da implantação, em solo tupiniquim, de um sistema de controle administrativo do Poder Judiciário nacional, ao menos que mitigasse os efeitos negativos do tempo no processo. Para tanto, buscou-se inspiração nos ordenamentos alienígenas. Desde logo, Alexandre de Moraes faz a seguinte ressalva, in verbis: [...] não deve existir verdadeiro complexo de inferioridade institucional no Brasil, pela, até então, inexistência de um órgão de controle central do Poder Judiciário, seja porque nos diversos países democráticos não se encontram órgãos com tanta ingerência na função jurisdicional que possam abalar a independência e autonomia dos juízes, seja porque a realidade dos países que passaram, após a Segunda Grande Guerra, a adotar Conselhos Nacionais da Magistratura é muito diversa da realidade nacional, a começar pelo regime de governo adotado. Os países europeus que adotaram fórmulas semelhantes [...] são parlamentaristas 38 Ibidem, p.34 39 PASSOS DE FREITAS, Vladimir. Corregedorias do Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.33. 55 ou semi-presidencialistas [...] e o fizeram para ampliar a autonomia dos magistrados, diminuindo a ingerência política do parlamento e do Primeiro Ministro sobre o Judiciário, a partir da constitucionalização do regime parlamentar de governo, como, por exemplo, Portugal, Espanha, França, Grécia e Itália.40 Apenas a titulo ilustrativo, Portugal possui três conselhos, quais sejam: Conselho da Magistratura, Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e Conselho Superior do Ministério Público. Já a Grécia possui Conselho Superior da Magistratura e Conselho Superior do Tribunal de Contas41. De outro lado, a Espanha adota o Conselho Geral do Poder Judiciário integrado pelo Presidente do Supremo Tribunal e composto por 20 membros nomeados pelo Rei para exercício da função por período determinado, sendo: “doze entre magistrados, quatro indicados pela Câmara, quatro pelo Senado. Em relação às indicações políticas, exigem-se que recaiam sobre advogados ou juristas de reconhecida competência e com mais de 15 anos de exercício de profissão (art.122)”42. O sistema adotado pela Espanha é assemelhado ao do Brasil, no qual a composição é formada por membros do judiciário, ministério público, advocacia e cidadãos indicados por órgãos políticos, assegurando, desta forma, participação plural no controle dos atos administrativos e funcionais da magistratura nacional (art.103-B, incisos I a XIII). Consoante exposição adiante, a participação plural no órgão de controle do Poder Judiciário nacional não afeta a independência deste poder, pois, além de ter o ordenamento nacional adotado o sistema de checks and balances: [...] os Conselhos são órgãos do Poder Judiciário, tendo por finalidade, basicamente, o controle administrativo e disciplinar da magistratura, jamais o controle, ou qualquer ingerência na independência de julgar e representaram uma grande conquista para a magistratura, pois substituíram o controle que era realizado diretamente pelo Gabinete, e, indiretamente pelo Parlamento, ou seja, permitiram uma ampliação nas garantias institucionais da magistratura.43 Concernente ao sistema de checks and balances do sistema norte-americano, a realçar que os Estados Unidos não adotam qualquer órgão de controle administrativo do Poder Judiciário, por três motivos: 1) consciência de que tal controle é realizado pelo Executivo e Legislativo; 2) possibilidade de impeachment de todos os funcionários civis, inclusive magistrados; 3) todos os juízes federais são escolhidos pelo Presidente da República e a maioria dos Estados e distritos adotam sistema eleitorais de escolha de juízes locais com mandato fixo.44 40 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.477-478 41 Ibidem, p.478. 42 Ibidem, p.478 43 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.477-478. 44 Ibidem, p.478. 56 Revista ESMAC De outra banda, principalmente em razão da vitaliciedade dos magistrados, consagrada no Brasil, necessário a adoção de um sistema próprio de controle administrativo da magistratura nacional a fim de evitar desvios graves que possam comprometer a entrega da prestação jurisdicional. Resulta, pois, que o direito estrangeiro, em especial o Europeu, constituiu fonte de inspiração para a implantação do Conselho Nacional de Justiça no Brasil, ente central do sistema de controle administrativo da magistratura nacional, cuja relevância e atribuições será objeto de exame no decorrer desta abordagem. 2. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E SEUS REFLEXOS NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA 2.1 Origem do princípio da razoável duração do processo A Emenda Constitucional n.º 45/2004, a par de outras alterações, introduziu no título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” o princípio da razoável duração do processo no âmbito judicial e administrativo (art. 5, inciso LXXVIII). Concernente aos direitos fundamentais, os relatos da doutrina evidenciam que tais direitos decorrem dos direitos humanos, que tiveram impulso para um reconhecimento lento e gradual a partir do Cristianismo mediante o ensinamento de que“o homem é criado à imagem e semelhança de Deus e a idéia de que Deus assumiu a condição humana para redimi-la imprimem à natureza humana alto valor intrínseco, que deve nortear a elaboração do próprio direito positivo”.45 Todavia, somente entre o fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea aflora o processo de positivação dos direitos humanos, primeiramente com a Declaração de Direitos da Virgínia, em 1776 e, logo a seguir, com a Declaração Francesa, de 178946. A respeito, Samuel Miranda defende que a evolução histórica desses direitos deixa às claras “a existência de fases, gerações ou dimensões: primeiros dos direitos humanos e, posteriormente, dos modernos direitos fundamentais, agora constitucionalizados”47. Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Gonet, traçam a distinção básica entre direitos humanos e fundamentais, da seguinte forma48: a) direitos fundamentais dizem respeito aos direitos consagrados em preceitos de ordem jurídica; direitos humanos consistem em postulados de bases jusnaturalistas, logo não possuem como característica a positivação; b) direitos humanos são direitos supranacionais, relacionados a pretensões de respeito à pessoa humana, geralmente inseridos em documentos de direito internacional; já 45 FERREIRA MENDES, Gilmar; MÁRTIRES COELHO, Inocência; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.232. 46 Ibidem, p.232. 47 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p.28. 48 FERREIRA MENDES, Gilmar; MÁRTIRES COELHO, Inocência; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.244 57 os direitos fundamentais são direitos positivados em diplomas normativos de cada Estado, garantidos e limitados no espaço e tempo. No entanto, os doutrinadores chamam a atenção acerca da existência de uma interação entre os direitos humanos e direitos fundamentais, sendo corriqueiro os Estados introduzirem nos seus catálogos de direitos fundamentais direitos humanos consagrados em declarações internacionais49. Assim, afirma-se que o marco para o reconhecimento ao direito do speedy trial50 surgiu com a Declaração de Direitos da Virgínia, em 1776, quando, pela primeira vez num documento genérico consagrado na sua inteireza à declaração dos direitos de um povo, fezse consignar que todo cidadão acusado em um processo criminal teria direito a um julgamento célere.51 Não se olvida que o Habeas Corpus Act de 1679, na Inglaterra, veio conferir maior eficácia às impetrações relacionadas ao direito de liberdade. Todavia, “a configuração plena do habeas corpus não havia, ainda, terminado, pois até então somente era utilizado quando se tratasse de pessoa acusada de crime, não sendo utilizável em outras hipóteses”52. Neste ponto reside a diferença entre o Habeas Corpus Act de 1679 e a Declaração de Virginia de 1776, visto que: Não se quis apenas afirmar o direito à celeridade em um específico tipo de procedimento, como fazia o Habeas Corpus Act. Na declaração de Virgínia foi afirmado o direito ao speedy trial em todo e qualquer procedimento criminal. O alcance da norma é imensamente alargado, inclusive no que diz respeito aos titulares e destinatários.53 Deste modo, enraizado na Inglaterra e nos Estados Unidos o direito fundamental à razoável duração do processo. 2.2 Pré-existência na ordem constitucional, natureza jurídica e conceito A Constituição Brasileira de 1934 continha dispositivo específico que manifestava clara preocupação com o rápido andamento dos processos, consoante decorre do art.113, 35, que assim preconiza: “A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas”.54 Samuel Miranda chama atenção para a localização do dispositivo acima mencionado na Constituição pretérita, ao posicioná-lo no capítulo “Dos Direitos e Garantias Indi49 FERREIRA MENDES, Gilmar; MÁRTIRES COELHO, Inocência; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.244. 50 Julgamento rápido, célere. Tradução pelo aluno. 51 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p.37. 52 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.108 53 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p.37. 54 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm>. Acesso em: 03 out. 2008. 58 Revista ESMAC viduais”, assim como o faz a atual Carta Política da Nação, revelando a importância, desde antes,“de dar ao estatuto jus-fundamental a garantia de adequada temporalidade processual, não se limitando a constitucionalizá-la”55. Posteriormente, o Brasil assinou, ratificou e introduziu no ordenamento jurídico infraconstitucional, por meio do Decreto n.º 678/92, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rita), cujo art.8º dispõe que “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável”.56 Entretanto, a razoável duração do processo já resultava de preceitos constitucionais cristalizados na Carta Magna de 1988, tais como o princípio do acesso à justiça (5º, XXXV), do devido processo legal (art.5º, LIV) e o princípio da dignidade da pessoa humana, erigido como fundamento do estado democrático de direito (art.1º, III). Na espécie, a Constituição Federal de 88 (CF/88) preconiza no seu art.5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Não obstante o termo “lei” aqui previsto possa conduzir, por meio de uma interpretação literal, ao entendimento de que o comando somente se aplica ao Poder Legislativo, pacífico a abrangência a todos indistintamente. Na espécie, assertoa Nelson Nery: Embora o destinatário principal desta norma seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão.57 Entretanto, não basta garantir o acesso ao Poder Judiciário se não for proferida em tempo hábil a tutela por ela devida. Assim, o princípio do acesso à justiça somente alcançará completude desde que assegurado ao jurisdicionado uma proteção judicial efetiva. A respeito disso, a doutrina: Finalmente, a manifestação judicial deve ser proferida em tempo hábil. À efetividade da atuação judicial liga-se de forma inequívoca o tempo da intervenção. É evidente que a impossibilidade de uma resposta rápida às questões que lhe são colocadas acaba por tornar a função jurisdicional incapaz de cumprir o papel que lhe é destinado. Caracteriza a inefetividade da tutela, frustrando a garantia.58 Ainda tocante ao ponto, merece destaque a reflexão do Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Cesar Asfor Rocha, reportando-se ao aniversário de 20 (vinte) anos da Constituição Federal de 1988, in verbis: O ministro Cesar Rocha enaltece a ampliação do acesso à justiça promovida pela atual Constituição, mas expressa uma preocupação constante. “Ampliamos o acesso à justiça, mas pouco fizemos para alargar sua saída. Sabemos que a demanda começa, mas não sabemos quando o processo termina”, afirmou.59 55 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p.43. 56 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 03 out. 08 57 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.130.. 58 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p.74. 59 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine. 59 Portanto, inequívoco que a razoável duração do processo já encontrava fundamento de existência no princípio do acesso à justiça em sua acepção ampla. Com efeito, o acesso a justiça apenas revela-se atendido quando garantida a proteção judicial efetiva. E, por proteção judicial efetiva, de ser entendida aquela tutelada em tempo hábil. Por sua vez, Nelson Nery Junior, antecedendo a abordagem acerca da forma bipartida do princípio do devido processo legal (substantive due process e procedural due process) defende a cláusula due process of law como um preceito genérico, no qual a maioria dos princípios processuais arrolados no art. 5º, da Constituição Federal estariam nele englobados, in verbis: Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process os law para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies.60 Com asserção, a razoável duração do processo pode ser visualizada tanto no sentido material quanto processual como decorrência do princípio do devido processo legal. No sentido processual (procedural), o due process of law é observado quando assegurado aos litigantes um juiz imparcial, o direito ao contraditório e ampla defesa com participação efetiva em todo o desenrolar de atos processuais até a pacificação social com a prolação da sentença. É, segundo a doutrina, expressão com significado restrito, especificamente processual61. De outra parte, ao sentido material (substantive) do devido processo legal conferese interpretação mais ampla, que passa pela análise do que seria um processo justo, tendo em vista que “o só cumprimento dos direitos processuais explicitamente constitucionalizados não é necessariamente suficiente à configuração do devido processo legal”62. Deste modo, independente da vertente adotada, a observância à razoável duração do processo é medida que se impõe, pelos seguintes motivos: a) ao analisar o processo sob sua ótica processual, “devido processo legal” somente assim poderá ser conceituado se implementados mecanismos que possam emprestar agilidade à marcha processual, seja conferindo novos instrumentos de tutela aos litigantes ou ampliando os poderes dos juízes. É dizer: a consecução da razoável duração do processo passa necessariamente por uma reformulação dos mecanismos de tutela, ainda que parcial; b) no sentido material, o processo legal somente poderá ser considerado justo desde que implementado em tempo razoável, privilegiando-se, de maneira mais ampla, dentre outros, os direitos de liberdade, vida, propriedade e dignidade da pessoa humana dos litigantes. A propósito, a razoável duração do processo encontra igual fundamento de existência na ordem constitucional brasileira como decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (art.1, III, CF/88), pois, ao conferir solução aos conflitos de interesses em wsp?tmp.area=398&tmp.texto=89475&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=acesso%20a%20justi%E 7a>. Acesso em: 06 out. 08. 60 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.70. 61 Ibidem, p.60. 62 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p.89. 60 Revista ESMAC tempo razoável, o Estado enaltece a qualidade de ser humano. A respeito, Gilmar Mendes, Inocêncio Oliveira e Paulo Gustavo Gonet com precisão habitual pontuam: A duração indefinida ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a idéia de proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que permite a transformação do ser humano em objeto de processos estatais.63 Com isso, por meio da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, tenta-se evitar que o indivíduo seja transformado em “objeto de processos e ações estatais indefinidas”, buscando-se mitigar as ofensas e humilhações que um processo sem solução em tempo razoável poderia acarretar. Decorre, pois, que a ordem constitucional brasileira já albergava o princípio da razoável duração do processo de maneira implícita, como conseqüência dos princípios do acesso à justiça, due process of law e dignidade da pessoa humana. No ponto, merece reflexão o magistério de Nelson Nery (embora atendo-se ao princípio do devido processo legal, nada obsta a aplicação do entendimento aos demais princípios): De todo modo, a explicitação das garantias fundamentais derivadas do devido processo legal, como preceitos desdobrados dos incisos do art.5º, CF, é uma forma de enfatizar a importância dessas garantias, norteando a administração pública, o legislativo e o judiciário para que possam aplicar a cláusula sem maiores indagações.64 Ademais, não resta dúvida que a titulada “Reforma do Judiciário”, promovida pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, bem como as sucessivas atualizações do estatuto processual civil (Leis n.º 8.952/94, 10.444/02, 11.232/05, 11.280/06, 11.382/06, 11.418/06 e 11.672/08) vieram conferir efetividade ao princípio da razoável duração do processo. Com relevo, a Emenda Constitucional n.º 45/2004 criou diversos mecanismos de celeridade e controle da qualidade da atuação jurisdicional. Vejamos: a) vedação de férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau (art.93, XII); b) proporcionalidade do número de juízes à demanda judicial e à respectiva população (art.93, XIII); c) possibilidade de delegação aos servidores da prática de atos de administração e de mero expediente sem caráter decisório (art.93, XIV); d) distribuição imediata de processos, em todos os graus de jurisdição (art.93, XV); e) necessidade de demonstração da repercussão geral das questões constitucionais como requisito para a admissibilidade do recurso extraordinário (art.102, §3º); f ) súmula vinculante (art.103-A); e g) a criação do Conselho Nacional de Justiça. De outro lado, as sucessivas atualizações do Código de Processo Civil propiciaram as seguintes inovações: a) criação do instituto da tutela antecipada (Lei 8.952/94); b) transformação do processo sincrético relativamente ao cumprimento da obrigações da fazer ou não fazer (Lei n.º 8.952/94) e entregar coisa (Lei n.º 10.444/02), relegando a fase de cumprimento da sentença somente para as obrigações de pagar quantia (Lei n.º 11.232/05); c) 63 FERREIRA MENDES, Gilmar; MÁRTIRES COELHO, Inocência; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.500. 64 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.68. 61 possibilidade de conhecimento de ofício da prescrição (Lei n.º 11.280/06); d) reformulação do processo de execução de titulo executivo extrajudicial (Lei n.º 11.382/06); e) disciplinamento do requisito da repercussão geral das questões constitucionais (Lei n.º 11.418/06) e f ) regulação dos recursos repetitivos no âmbito do recurso especial (Lei n.º 11.672/08). De fato, embora o princípio da razoável duração do processo tenha localização topográfica no rol de direitos fundamentais plasmados na Constituição Federal (art.5º, LXXVIII), deve ser enquadrado como norma de eficácia limitada, eis que depende de atuação positiva do legislador para criar mecanismos de tutela diferenciados e aptos a emprestar agilidade à marcha processual. Conquanto dependa de atuação legislativa para efetivar-se no mundo jurídico, sua aplicação imediata é adequada como vetor interpretativo para as decisões judiciais, bem como para condicionar a legislação futura à observância de seus ditames (art.5, §1º, CF/88). Ad conclusum, o princípio da razoável duração do processo é uma garantia fundamental de eficácia limitada que propicia uma gradativa atualização do modelo processual para adaptá-lo aos novos parâmetros constitucionais de prestação jurisdicional, visando atender em razoável duração os reclamos da sociedade, em especial a vida, liberdade, propriedade, dignidade da pessoa humana, dentre outros bens jurídicos, como expressão de um processo justo. 2.3 Importância do Conselho Nacional de Justiça e da Corregedoria Geral da Justiça para o controle do tempo do processo Consoantemencionadoalhures,mesmoantesdareformaconstitucionalpromovida pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, a razoável duração do processo encontrava guarida em princípios constitucionais já positivados na Carta Magna, em especial o duo process of law, o acesso à justiça e a dignidade da pessoa humana. Assim, o legislador constitucional somente positivou o princípio da razoável duração do processo para afastar qualquer dúvida acerca da preocupação sobre o fator tempo como critério inafastável para aferir a qualidade da atuação jurisdicional. Com efeito, a necessidade de soluções dos litígios em tempo razoável gravitava nas mentes dos operadores forenses e da própria sociedade como um objetivo a ser alcançado, embora o arcabouço jurídico não oferecesse os mecanismos e os meios para atingir essa finalidade. Daí exsurge a importância da Reforma do Judiciário promovida pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, de vez que, a par de introduzir o princípio da razoável duração do processo como matriz idealizadora das recentes atualizações processuais, promoveu uma mudança ideológica-estrutural do Poder Judiciário brasileiro. A um só tempo o legislador constitucional introduziu o espírito a ser aplicado pelos magistrados, consistente na fidelidade ao princípio da razoável duração do processo na condução de suas atividades jurisdicionais, e promoveu as alterações estruturais necessárias para minimizar os efeitos do tempo na solução dos litígios. Neste aspecto o magistério pontual de Paulo Hoffman: 62 Revista ESMAC Independentemente do resultado prático que venha a ser efetivamente alcançado, não se pode minimizar a relevância e a importância da EC n. 45, aprovada pelo Congresso Nacional. Trata-se de um verdadeiro marco na história recente do Judiciário que, apesar das dificuldades iniciais de implementação e das críticas que se possa fazer à emenda, deve colaborar para o aprimoramento do sistema como um todo.65 Diante da necessidade de aprimorar o sistema, merece relevo a criação pela EC n.º 45/2004 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e seu respectivo posicionamento como órgão da estrutura do Poder Judiciário brasileiro (art.92, I-A, da CF/88). O Conselho Nacional de Justiça, embora situado como órgão da estrutura do Poder Judiciário, não possui atribuições jurisdicionais, mas administrativas, conforme resulta da dicção do art.103-B, §4º, CF/88, ao estabelecer que “compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”. Portanto, o Conselho Nacional de Justiça assume posição sui generis na estrutura do Poder Judiciário brasileiro, apresentando semelhanças ao extinto Conselho Nacional da Magistratura – CNM, introduzido na Constituição Federal de 1967 pela Emenda Constitucional n.º 07/77. A diferença entre um e outro é que o CNM possuía somente competência correcional dos atos praticados pelos magistrados66, ao passo que o CNJ cumula as atribuições de controle administrativo, financeiro e correcional, logo, ampliou consideravelmente o leque de funções. Não há olvidar que os tribunais pátrios possuem sistemas próprios de organização administrativa e financeira, todavia, mesclam tais atividades com o desempenho de atividade jurisdicional. No ponto, a diferença do CNJ, dado concentrar seus esforços exclusivamente na atividade administrativa e financeira, sem espaço para sustentar exercício de atividade jurisdicional propriamente dita. Neste aspecto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3367/DF, que encerrava questionamento quanto à violação da independência do Poder Judiciário em face da criação do CNJ, pacificou que: “a composição híbrida do CNJ não compromete a independência interna e externa do Judiciário, porquanto não julga causa alguma, nem dispõe de atribuição, de nenhuma competência, cujo exercício interfira no desempenho da função típica do Judiciário, a jurisdicional”67 Ainda quanto a suposta fragilização à independência do Poder Judiciário, corrente que a Constituição Brasileira de 1988 adotou o sistema de checks and balances do sistema norte-americano, no qual os poderes desempenham função de mútua supervisão e controle, conforme Manoel Gonçalves Ferreira Filho denominaria de “interpenetração entre os po65 HOFFMAN, Paulo. O Direito à razoável duração do processo e a experiência italiana. Disponível em <http:// www.hoffmanadvogados.com.br/web/artigos_view.asp?IDArtigo=17>. Acesso em 13 out. 2008. 66 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.499.. 67 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/informativo/verInformativo. asp?s1=conselho%20nacional%20de%20justi%E7a%20e%20independ%EAncia&numero=383&pagina=5&base=I NFO> Acesso em 13 out. 2008. 63 deres”68. Sobre o tema, a jurisprudência do Supremo Tribunal pontua: “o constituinte desenhou a estrutura institucional desses Poderes de forma a garantir-lhes a independência no exercício das funções típicas, por meio da previsão de autonomia orgânica, administrativa e financeira, temperando-a, no entanto, com a prescrição de outras atribuições, muitas de controle recíproco, cujo conjunto forma um sistema de integração e cooperação preordenado a assegurar equilíbrio dinâmico entre os órgãos, em benefício da garantia da liberdade, consistindo esse quadro normativo em expressão natural do princípio na arquitetura política dos freios e contrapesos”69 Desta feita, a criação do Conselho Nacional de Justiça não fragiliza a independência do Poder Judiciário, eis que a inserção deste órgão em sua composição decorre de um sistema concebido e aceito pela ordem jurídico-constitucional brasileira que visa, nada menos, aprimorar a qualidade da atividade jurisdicional, ou seja, o “serviço” esperado pelos jurisdicionados e por toda a sociedade, consoante as palavras de Cappelletti, in verbis: Em outros termos, a responsabilidade judicial deve ser vista não em função do prestígio e da independência da magistratura enquanto tal, nem em função do poder de uma entidade abstrata como “o Estado” ou “o soberano”, seja este indivíduo ou coletividade. Ela deve ser vista, ao contrário, em função dos usuários, e, assim, como elemento de um sistema de justiça que conjuge a imparcialidade – e aquele tanto de separação ou isolamento político e social que é exigido pela imparcialidade – com razoável grau de abertura e sensibilidade à sociedade e aos indivíduos que a compõem, a cujo serviço exclusivo deve agir o sistema judiciário.70 Sob o viés de aperfeiçoar o sistema judiciário no qual inserido o Conselho Nacional de Justiça como órgão máximo de supervisão e controle da atividade administrativa dos tribunais pátrios, sua atuação abrange todo território nacional (art.1º, Regimento Interno do CNJ71). Hodiernamente tem-se o modelo de sistema administrativo-judiciário brasileiro a seguir descrito: i) a atividade administrativa e financeira dos tribunais pátrios (lato sensu) é exercida diretamente pelos seus órgãos internos, quais sejam, Presidência, Vice-Presidência e Corregedoria Geral de Justiça; ii) como órgão máximo de controle da atuação acima delineada surge o Conselho Nacional de Justiça, com atuação em todo território nacional. No ponto, a assinalar que o Conselho Nacional de Justiça não possui competência administrativa sobre a Suprema Corte, mas, unicamente sobre os órgãos e juízos a ela inferiores, in verbis: 68 FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 31.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 135. 69 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/informativo/verInformativo. asp?s1=conselho%20nacional%20de%20justi%E7a%20e%20independ%EAncia&numero=383&pagina=5&base=I NFO> Acesso em: 13 out. 2008 70 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis? Tradução: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989. p.91. 71 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_conten t&task=view&id=18&Itemid=84>. Acesso em 14 out. 2008. 64 Revista ESMAC Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra “r”, e § 4º, da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito.72 Portanto, o Conselho Nacional de Justiça exerce o controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura de hierarquia inferior ao Supremo Tribunal Federal, ao passo que este exerce o controle dos atos daquele. Na espécie, Alexandre de Moraes73 destaca que o STF tornou-se não somente a cúpula jurisdicional do Poder Judiciário, mas também a cúpula administrativa, financeira e disciplinar, pois todas as decisões do CNJ são passíveis de controle via ação originária na Suprema Corte (art.102, I, “r”, CF/88). Todavia, embora a argumentação do professor Moraes, o controle exercido pelo Supremo Tribunal Federal sobre o Conselho Nacional de Justiça tem natureza jurisdicional, não administrativa propriamente dita, conforme explicitado a seguir. Em parênteses, percebe-se, a grosso modo, que o controle exercido pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ em relação aos tribunais pátrios assemelha-se à fiscalização exercida pelo Congresso Nacional, com auxílio do Tribunal de Contas da União – TCU, em relação à União. Mas há diferenças: i) o âmbito de atuação do CNJ é mais amplo do que o do Poder Legislativo Federal, pois enquanto o primeiro se submete ao controle de atividade administrativa dos tribunais pátrios (à exceção da Suprema Corte), o segundo atém-se em fiscalizar tão somente a União Federal, embora a atuação desta tenho reflexos em todo o Pais (fato que certamente influenciou a jurisdição do TCU sobre todo o território nacional – art.73, caput, CF/88); ii) enquanto o CNJ controla a atividade administrativa e financeira do Poder Judiciário Nacional bem como a atuação funcional dos juízes, o Congresso Nacional procede à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta (art.70, caput, CF/88); e iii) o CNJ é da própria estrutura do Poder Judiciário nacional, ao passo que o Congresso Nacional e a União Federal representam poderes distintos. Assim, o CNJ não consiste em expressão de controle externo do Poder Judiciário, mas, sim de natureza interna. Apesar disso, o que interessa é a semelhança de ideologia de controle, inspirada pelo sistema de freios e contrapesos. Retornando ao tema“atribuições do Conselho Nacional de Justiça”, consabido que a Constituição Federal, com espeque na cláusula genérica de exercer o “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”, enumerou uma série de competências específicas ao mencionado órgão (art.103-B, §4º, CF/88). 72 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 3367/DF. Relator: Ministro Cezar Peluso. J. 13/4/05. Tribunal Pleno. DJ 17/3/06, p.00182. 73 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.483. 65 Da análise superficial da mencionada cláusula genérica não resta dúvida que o Conselho Nacional de Justiça representava o elo estrutural faltante para mitigar a crise de inefetividade do Poder Judiciário por meio da separação das funções jurisdicionais das atividades administrativas. Explica-se: Se é certo que o sistema recursal é o meio adequado para manifestar insatisfação contra as decisões judiciais, sistema algum existia (a não ser o sistema interno de cada tribunal) capaz de levar ao conhecimento de uma instância“ad quem”os desvios perpetrados por uma corte de justiça relativamente a sua atuação administrativa, financeira e funcional. Certamente o princípio do acesso à justiça (ou inafastabilidade da jurisdição) poderia prejudicar a afirmação sobredita. No entanto, prudente separar controle sobre atividade jurisdicional propriamente dita do controle da atividade administrativa, até mesmo para evitar o acúmulo de processos no Poder Judiciário. Desta forma, a atual estrutura judicial brasileira culminou por fracionar a atividade jurisdicional da atividade administrativa, cada uma seguindo o seu modelo de atuação e controle próprio. Decerto que, a atividade administrativa dos tribunais sempre foi destacada da atividade jurisdicional, todavia, antigamente, as duas convergiam para o mesmo sistema de controle, qual seja, o jurisdicional, o que culminava por abarrotar ainda mais as estantes de processos nos tribunais. Hodiernamente, qualquer desvio grave na atuação administrativa ou financeira dos tribunais pátrios (inclusive do STJ, TST e STM, exceto do STF), bem como sobre a atuação funcional dos juízes e serviços auxiliares, poderá ser, primeiramente, questionada no próprio sistema interno de controle de cada corte. Caso não solucionada, poderá ser levada ao conhecimento do Conselho Nacional de Justiça por meio da utilização dos mecanismos previstos em seu Regimento Interno, órgão censor ao qual caberá solucionar a questio, com eventual manejo de ação ao Supremo Tribunal Federal (art.102, I, “r”, CF/88). Mas, note-se, a partir daí importará em controle jurisdicional por via de ação pelo Supremo Tribunal Federal. Eis, pois, uma das facetas do sistema de controle da estrutura do recente “Poder Judiciário Administrativo propriamente dito”, formado pelas Cortes de Justiça (à exceção do STF) e o Conselho Nacional de Justiça. Nesse ponto, a ressalvar que na expressão “Poder Judiciário Administrativo propriamente dito”somente há lugar para as Cortes de Justiça e o Conselho Nacional de Justiça, sendo que a atuação do Supremo Tribunal Federal tem natureza jurisdicional, conforme a dicção do art.102, I, “r”, da CF/88, ao prever competência originária à Corte Suprema para processar e julgar as ações propostas contra o Conselho Nacional de Justiça. Aqui, embora tratando-se de controle sobre os atos do CNJ, não dúvida que encerra controle jurisdicional. Concernente à atuação das Corregedorias Gerais de Justiça no âmbito dos tribunais de justiça estaduais, em termos gerais, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional confere três atribuições de suma importância, quais sejam: i) exercer o controle sobre os feitos em andamento na jurisdição do respectivo tribunal, especialmente sobre os prazos para despacho ou decisão, bem como sobre o número de sentenças proferidas no mês (art.39, LC n.º 35/79); e ii) realização de correições gerais ordinárias e extraordinárias nas comarcas (art.105, LC n.º 35/79); 66 Revista ESMAC iii) supervisão e controle sobre a atuação funcional dos magistrados vinculados ao tribunal respectivo. Portanto, a Corregedoria Geral de Justiça é o órgão da estrutura de cada tribunal de justiça estadual responsável pelo controle de qualidade da atividade jurisdicional, especificamente sobre o fator tempo, eficiência e atuação funcional. Incumbe às Corregedorias Gerais de Justiça zelar pela efetiva aplicação do princípio da razoável duração do processo na jurisdição de sua respectiva corte, por meio da fiscalização da atuação funcional dos juízes que incide sobre a condução dos processos, aferindo o tempo que leva para proferir um despacho, decisão ou sentença e coligindo os dados da produtividade de cada mês. Uma vez coletados esses dados, servirão de parâmetro para a definição de critérios uniformes (ou não74) a serem seguidos pelas comarcas ou circunscrições com a finalidade de incrementar progressivamente a produtividade e diminuir o tempo da atuação jurisdicional. Nada mais do que a implementação de um plano estratégico com a definição de diretrizes e metas a serem alcançados com o exercício da jurisdictio, sempre visando à redução dos custos e do tempo da entrega do “serviço”, na feliz expressão de Cappelletti75. Por decorrência de suas atribuições constitucionais, o Conselho Nacional de Justiça tem o dever de: i) elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e outros indicadores pertinentes à atividade jurisdicional (art.19, inciso XI, do Regimento Interno do CNJ); ii) elaborar relatório anual que deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa, versando sobre avaliação de desempenho de Juízos e Tribunais, com publicação de dados estatísticos sobre cada um dos ramos do sistema de Justiça nas regiões, nos Estados e no Distrito Federal, em todos os graus de jurisdição, discriminando dados quantitativos sobre execução orçamentária, movimentação processual, recursos humanos e tecnológicos jurisdicional (art.19, inciso XII, alínea “a”, do Regimento Interno do CNJ); III) definir e fixar, com a participação dos órgãos do Poder Judiciário, podendo ser ouvidas as associações nacionais de classe das carreiras jurídicas e de servidores, o planejamento estratégico, os planos de metas e os programas de avaliação institucional do Poder Judiciário, visando o aumento da eficiência, da racionalização e da produtividade do sistema, bem como ao maior acesso à Justiça art.19, inciso XIII, do Regimento Interno do CNJ); Resulta, pois, que o sistema judiciário introduzido pela EC n.º 45/2004 criou um verdadeiro ente central administrativo que exerce amplo controle sobre as atividades administrativas, financeiras e funcionais do Poder Judiciário. Certo é que a atribuição de elaborar relatórios estatísticos sobre processos, avaliação de desempenho de juízos e tribunais, definição e fixação de plano estratégico, plano de metas e programas de avaliação institucional do Poder Judiciário, bem como a possibilidade de expedir atos regulamentes, todas conferidas ao Conselho Nacional de Justiça, a todas as luzes evidencia um novo parâmetro de Administração Judicial brasileira, focada, principalmente, no princípio da razoável duração do processo, na eficiência e no acesso à justiça. 74 A depender das vicissitudes de cada comarca. Por exemplo: distância da capital que ocasiona a demora no cumprimento de uma carta precatória; lugares inóspitos; carência de servidores e estrutura à consecução das atividades jurisdicionais, entre outras. 75 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis? Tradução: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989. p.91. 67 É a outra faceta do “Poder Judiciário Administrativo propriamente dito”, que tem o Conselho Nacional de Justiça como ente central, embora seus atos e decisões estejam sujeitos ao controle jurisdicional do Supremo Tribunal, conforme mencionado alhures. Apesar da posição do Conselho Nacional de Justiça como ente central no sistema de Administração Judicial brasileira, salvo melhor juízo, não ocorreu esvaziamento da independência das Cortes de Justiça relativamente à condução administrativa e financeira, tampouco sobre o controle do exercício funcional de seus membros. O próprio texto constitucional é claro ao disciplinar que o CNJ pode receber e conhecer de reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, sem prejuízo da competência concorrente dos tribunais (art. 103-B, §4º, III, CF/88 c/c art. 19, III, Regimento Interno do CNJ). Em outro aspecto, compete aos próprios tribunais locais definir seus objetivos e metas relativamente à condução administrativa e correspondente alocação de recursos financeiros para atingir suas finalidades institucionais, haja vista que somente eles possuem noção exata das necessidades e deficiências do sistema judiciário de sua respectiva jurisdição. Sendo assim, deveras temeroso sustentar que a atribuição do CNJ de fixar plano estratégico e de metas teria tolhido a independência dos tribunais pátrios na definição do modo e âmbito de atuação. Na realidade, o Conselho Nacional de Justiça tem por competência definir metas e objetivos a serem alcançados a longo prazo por todo o judiciário nacional. Assim, o planejamento estratégico a cargo do CNJ consiste em um instrumento de controle administrativo do Poder Judiciário Nacional. Mas tal não esvazia a competência, tampouco restringe a independência do Poder Judiciário local, pois consoante o balizamento definidos pelo CNJ caberá a cada tribunal traçar as metas e prioridades a serem alcançadas de acordo com as necessidades os anseios da sociedade local. Em caso de desvio dos contornos definidos pela Corte de Justiça, surge a competência do Conselho Nacional de Justiça, que poderá expedir atos regulamentares ou recomendar providenciais (art.103-B, §4º, I, CF/88), bem como desconstituir atos administrativos, revê-los ou fixar prazo para que se adotem providencias necessárias ao exato cumprimento da lei (art.103-B, §4º, II, CF/88). Demais disso, do texto constitucional decorre que o Conselho Nacional de Justiça tem o dever de zelar pela observância do art.37 da Constituição Federal (art.103, §4º, II). Já o art.37, caput, da Carta Magna estabelece postulados fundamentais que inspiram o modo de agir da administração pública, quais sejam, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Portanto, o Conselho Nacional de Justiça, dentre outras atribuições, tem por escopo zelar pela obediência ao princípio da eficiência, que possui inequívoca relação com o princípio da razoável duração do processo. 68 Revista ESMAC Isso porque o princípio da eficiência na administração pública visa a boa qualidade do serviço de modo mais simples, rápido e econômico. A respeito da relação do princípio da eficiência com a razoável duração do processo, Carvalho Filho leciona: A Emenda Constitucional n.º 45, de 8.12.2004 (denominada de “Reforma do Judiciário”, acrescentou o inciso LXXVIII ao art.5º da Constituição, estabelecendo: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. O novo mandamento cuja feição é de direito fundamental, tem por conteúdo o principio da eficiência no que se refere ao acesso à justiça e estampa inegável reação contra a insatisfação da sociedade pela excessiva demora dos processos, praticamente tornando inócuo o princípio do acesso à justiça para enfrentar lesões ou ameaças a direito (art.5, XXXV, CF).76 Assim, em caso de insurgência dos juízes de instância singela ao princípio da eficiência − expressa na demora excessiva para a resolução e conseqüente pacificação dos conflitos sociais − caberá às Corregedorias Gerais de Justiça adotar providências que espelhem compromisso com a rapidez e economicidade da prestação do “serviço”, competindo em última instância administrativa ao Conselho Nacional de Justiça o controle dessa atividade. Inequívoca natureza de res publica da a Justiça brasileira. Daí porque caminha em sentido favorável o legislador constitucional quando aplica à administração da justiça os mesmos princípios da administração pública. Portanto, inserida a administração da justiça no âmbito da administração pública, exalta-se a importância da elaboração de planos estratégicos de iniciativa de cada Corregedoria Geral de Justiça, direcionando sua atuação para o atingimento de objetivos e metas que pacifiquem os reclamos dos jurisdicionados e da sociedade. Ressai, portanto, que a adoção de planos estratégicos privilegia o princípio da eficiência, à medida em que racionaliza e empresta maior qualidade à prestação do serviço. Não somente as Corregedorias Gerais de Justiça e o Conselho Nacional de Justiça têm a atribuição de elaborar e executar planos estratégicos, mas, de igual modo os juízos de ins-tância singela devem implementar um plano de ação, ainda que singelo, pois certamente refletirá em maior eficiência na prestação do serviço jurisdicional. Acerca disso, apropriada a doutrina de Samuel Miranda: No mais das vezes o julgador, enquanto pessoa física, nem mesmo tem um tão efetivo e decisivo poder de influência na duração dos procedimentos a seu cargo [...] embora seja desejável que os magistrados absorvam a necessidade de proferir em tempo razoável as decisões que lhescompetem,demaneiraqueadotemesquemas de trabalho compatíveis com esse desiderato.77 76 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 19.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 25. 77 ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p.265. 69 Por essas razões, o plano estratégico representa instrumento fundamental para o planejamento das atividades do Poder Judiciário, pois nele serão alocados objetivos a serem alcançados em determinado período de tempo, tendo em vista que o direito à razoável duração dos feitos pressupõe uma eficiente administração judicial78. Por fim, o planejamento estratégico, instrumento indispensável ao atingimento da razoável duração do processo e ao controle dos planos e ações do Poder Judiciário Nacional, deve ser elaborado e executado por todas as esferas da administração judicial brasileira. 2.4 Medidas de quantificação da Corregedoria Geral da Justiça do Acre quanto ao tempo da razoável duração do processo. Mecanismo interessante para o controle e efetivação da razoável duração do processo é a promoção por merecimento de magistrados. Embora a previsão em ordenamento jurídico, especialmente na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Magistratura, através dos tempos, deveras tormentosa a formulação de critérios objetivos para a promoção por merecimento de magistrados bem como o acesso ao Tribunal de Justiça. Preconiza a Constituição Federal em seu art. 92, II, letra ‘c’ que a promoção de magistrado por merecimento atém-se à “... aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento;”. Também a Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN – Lei Complementar Federal n. 35, de 14.03.1979, encerra disposição a respeito em seu art. 90, inciso II, segundo o qual: “... para efeito da composição da lista tríplice, o merecimento será apurado na entrância e aferido com prevalência de critérios de ordem objetiva, na forma do Regulamento baixado pelo Tribunal de Justiça, tendo-se em conta a conduta do Juiz, sua operosidade no exercício do cargo, número de vezes que tenha figurado na lista, tanto para entrância a prover, como para as anteriores, bem como o aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento;”. Por sua vez, a Lei Complementar Estadual n.º 47/95 (Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Acre), disciplina a matéria em seu art. 110, “c”, da seguinte forma: “A promoção do Juiz de Direito faz-se de Entrância a Entrância, alternadamente por antigüidade e por merecimento, observada a ordem de vacância da Vara, atendidas as seguintes normas: (...) c) a indicação para promoção por merecimento será organizada pelo Tribunal em lista tríplice, quando praticável, considerados os critérios da presteza e de segurança no exercício da jurisdição, a freqüência e o aproveitamento em cursos, oficiais ou reconhecidos, de aperfeiçoamento”. De sua parte, o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado Acre, contemplou o modus operandi da promoção de magistrado por merecimento (arts. 270 a 273). Com a criação do Conselho Nacional de Justiça pela Emenda Constitucional n. 45/2004, adveio a Resolução n. 15, de 20.04.2006, do CNJ, dispondo sobre a regulamentação do Sistema de Estatística do Poder Judiciário (que fixa prazos e dá outras providências), tratando no “Capítulo III” dos Indicadores Estatísticos Básicos (arts. 15 a 23). Em conseqüência, o Conselho Nacional de Justiça, determinou aos Tribunais a disciplina dos critérios de promoção por merecimento, conforme Resolução CNJ n.º 6, de 13.09.2005. 78 Ibidem, p.125. 70 Revista ESMAC Assim, por iniciativa da Corregedoria Geral da Justiça, em 06.06.2006, a Comissão de Organização Judiciária, Regimento, Assuntos Administrativos e Legislativos deste Tribunal de Justiça acolheu proposta de Resolução – posteriormente submetida ao Pleno Administrativo – resultou aprovada a Resolução nº 125/07, em 16.05.2007, conferindo nova redação aos “arts. 270, 271, 272, 273, 274, 275, 276, 277, 278, 279, 280 e 304, bem como revogou o art. 303 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça.” Estabelece a predita Resolução TJ/AC nº 125/2007, em seu art. 276-B, item V, que a produtividade do magistrado candidato à promoção será aferida mediante os seguintes critérios estatísticos que indiquem:“.... o posicionamento frente às metas definidas pela Corregedoria”. E, ainda, no art. 276-E, atribui à Corregedoria Geral da Justiça a regulamentação do art. 276 -B, inciso V, mediante Provimento ad referendum do Pleno. Assim, para elucidar uma situação concreta editou-se Provimento utilizando medidas estatísticas, admitindo fundadas dúvidas relativas à quantificação do tempo do processo, tendo em vista a variação encontrada nos dados estatísticos das diversas unidades judiciárias do Estado, asserindo, todavia, que para tal quantificação deverá ser adotada a mediana, atendo-se ao padrão e à dispersão. Em conseqüência, o Provimento nº 12/2007 da Corregedoria Geral da Justiça define as metas para promoção por merecimento de magistrados, consistindo na baliza para avaliação de desempenho funcional e conseqüente tempo do processo, consoante apêndice colacionado. 71 3. O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E A VISÃO CONTEMPORÂNEA DA NOVA GESTÃO PÚBLICA. 3.1 Conceito de planejamento estratégico No Brasil contemporâneo, é significativo o número de órgãos que aproveitam algum modismo ou oportunismo de mercado existente para justificar a implantação de tendências de gestão administrativa. Todavia, para o êxito de empreendimento dessa natureza, necessário aplicar uma das ferramentas mais importantes em qualquer organização que almeja o sucesso dos propósitos perseguidos e metas, ou seja, o planejamento. Essa ferramenta, no mundo organizacional moderno, constitui a principal estratégia de trabalho para uma organização pública ou privada que deseja crescer, utilizando-se de métodos e meios conforme sua disponibilidade. Em outras palavras, crescer e expandir ações com poucos recursos e condições de pequena repercussão. Daí porque a busca incessante por dividendos e pela eficiência na prestação de serviços ou fornecimento de produtos a custos operacionais reduzidos, surgem elidindo fatores importantes, a exemplo do planejamento estratégico e da gestão avançada. Neste passo, se o órgão busca dividendos, sobrevivência, retorno sobre investimento, metas de crescimento ou participação de mercado, tal deve estar bem definido em qualquer que seja o nicho negocial. Assim, o planejamento estratégico é o processo que efetivamente mobiliza as pessoas e o órgão/empresa para construir e escolher o tipo do futuro que deseja e que não pode ser ignorado tão facilmente como ocorre hoje. Com efeito, a visão do negócio ocorrerá quando estratégias não-convencionais, desconhecidas e contra-intuitivas forem consideradas, exigindo que sejam levados em consideração quatro componentes fundamentais de uma boa estratégia: clientes, fornecedores, concorrentes e a empresa. Uma estratégia pró-ativa freqüentemente começa com objetivos de negócio e com requisitos de serviço aos clientes. Cada elo da companhia deve ser planejado e balanceado com todos os outros, num processo integrado de planejamento. O projeto do sistema de gestão e controle deverá completar o ciclo de planejamento da empresa. Existem vários níveis de planejamentos. Porém, impende responder os seguintes questionamentos: O quê? Quando? Como? E onde? Seja no aspecto estratégico, tático ou operacional. O verdadeiro planejamento estratégico é considerado como sendo aquele de longo alcance, no qual o horizonte de tempo é maior do que um ano, constituindo lugar comum nas empresas brasileiras a existência de planejamentos da ordem de cinco anos, em conseqüência, nesta modalidade planejamento temporal longo, o planejamento estratégico opera com dados continuamente incompletos e imprecisos. Por sua vez, o planejamento tático envolve um horizonte de tempo intermediário – geralmente um ano ou menos. Já o planejamento operacional representa na tomada de decisão de curto prazo, normalmente feita em horas, dias ou semanas. Neste último tipo, usual a existência de dados 72 Revista ESMAC acurados e precisos, e seus métodos devem ser capazes de manipular um grande volume de dados. Nessa perspectiva científica reside a pretensão de solucionar a indagação posta como objeto de trabalho no módulo de MBA em Poder Judiciário, qual seja: É possível implementar o Planejamento Estratégico na Corregedoria da Justiça do Estado do Acre? 3.2 Considerações preliminares: estratégia de planejamento Estratégia é um termo transportado das aplicações bélicas para a administração, em sua acepção original adstrita à arte de planejar e executar movimentos e operações visando alcançar ou manter posições relativas. A partir dessa idéia, inicialmente, necessário fixar os objetivos para, a partir destes, definir os meios para obtê-los (VALERIANO, 2001, p.5455). Todavia, a definição de estratégia no campo da administração, também admite outras perspectivas. Além de planejamento, relacionado à idéia de futuro, do que a organização pretende ser, o conceito de estratégia também traz em si a idéia de padrão, isto é, a consistência em um comportamento ao longo do tempo, caracterizando a preocupação organizacional com a sua imagem presente a sociedade. Ademais, estratégia pode ser entendida como uma posição, ou seja, a colocação da empresa perante novos mercados, dado o interesse em competir nesse novo campo ou, ainda, como uma perspectiva, traduzida na maneira fundamental de uma organização fazer as coisas. Por fim, definida a estratégia como um truque, ou seja, uma manobra específica da organização para enganar um concorrente no mundo globalizado (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.19-21)79. Apesar dessas várias definições, a estratégia não se confunde com a tática, outro termo trazido para a administração a partir de idéias militares, de vez que a tática diz respeito às ações no plano mais imediato, dispondo os meios e conduzindo os processos para alcançar os objetivos do plano estratégico. Já as decisões estratégicas diferem daquelas tomadas no aspecto tático por serem abrangentes e de alta importância, delas decorrendo todas as ações a serem realizadas, além da aplicação de recursos durante longo tempo e por serem de difícil alteração ou reversão (VALERIANO, 2001, p. 55)80 Mesmo não sendo tarefa fácil a definição da estratégia, existem algumas áreas gerais de concordância no que diz respeito à natureza: - a estratégia está ligada tanto à organização quanto ao ambiente; - a essência da estratégia é complexa; - a estratégia envolve questões de conteúdo e de processo; e - a estratégia envolve vários processos de pensamento, sendo distinta em diferentes níveis corporativos (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.19-21)81. Embora distinta a estratégia nos diversos níveis da organização, necessário a com79 MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégias. Porto Alegre: Bookman, 2000. 80 VALERIANO, D.L. Gerenciamento Estratégico e Administração por Projetos. São Paulo: Makron Books, 2001. 81 MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégias. Porto Alegre: Bookman, 2000 73 preensão de gerenciamento ou planejamento estratégico. É esse planejamento que formula, implementa e avalia linhas de ação multidepartamentais, levando a organização a atingir seus objetivos de longo prazo. A não ser que as orientações, mudanças e decisões sejam realizadas de forma descoordenada, é possível afirmar que muitas organizações possuam um gerenciamento estratégico, ainda que de natureza informal (VALERIANO, 2001, p. 65)82. Assim, importa evidenciar “que a estratégia é mais do que uma só decisão, mas o padrão global de decisões e ações que posicionam a organização em seu ambiente e tem o objetivo de fazê-la atingir seus objetivos a longo prazo” (SLACK; CHAMBERS; JOHNSTON, 2002, p.87)83. Esse conceito traz em si as idéias de padrão, planejamento, posição e perspectiva estratégica. Reconhecendo que o Judiciário não é um poder uniforme e que não apresenta as mesmas características em todo o território nacional, existindo vários poderes em um só – federal, estadual, trabalhista, eleitoral, juizados especiais, primeira e segunda instâncias, tribunais superiores – (RENAULT, 2004, p.96)84 todavia, necessário a criação de uma estratégia para a Administração Judiciária, mediante produção de um Planejamento Estratégico visando alcançar os objetivos propostos na conformidade dos anseios da sociedade. A Administração Judiciária deve ser observada mediante seus aspectos macro e micro, complementados e coordenados entre si. Ademais, tocante à natureza macro, a administração dos tribunais apresenta dificuldades organizacionais, a exemplo da burocratização e da independência dos seus órgãos judiciais, representando dificuldade para o traçado de seu modus administrativo. Por sua vez, no aspecto micro, a questão reside na complexidade das organizações judiciais, em geral com magistrados exercendo a dupla função de entrega da tutela jurisdicional e administração da organização concernente ao funcionamento estrutural (LEÃO, 2004, p.28)85. Portanto, impõe-se o traçado do rumo a ser seguido pela Administração Judiciária brasileira de forma coordenada para que seja alterada a visão de que existem vários judiciários no Brasil. Para tanto, há que se realizar trabalho pautado na mudança de cultura na administração, na quebra de paradigmas, exigindo o aprimoramento da área de gestão, vinculada a uma política global do Judiciário (LEÃO, 2004, p.36)86. Tal política global pode ser traduzida na estratégia do Judiciário, no planejamento e gerenciamento da forma de administrar a prestação jurisdicional. Segundo o Mestre Paulo Motta (1996, p.86)87 “o Planejamento Estratégico significa a conquista da visão de grande escopo e longo prazo na determinação dos propósitos e caminhos organizacionais”. Com efeito, tal conquista tem seu marco nas mudanças conceituais que resultam em novos modelos de comportamento administrativo, além de novas técnicas e práticas de planejamento, controle e avaliação. Vários são os modelos de planejamento estratégico, entretanto, a maior parte pode 82 VALERIANO, D.L. Gerenciamento Estratégico e Administração por Projetos. São Paulo: Makron Books, 2001 83 SLACK, N.; CHAMBERS, S.; JOHNSTON, R Administração da Produção. Trad. Maria Teresa Corrêa de Oliveira. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002. 84 RENAULT, S.RT. O Poder Judiciário e os Rumos da Reforma. Revista do Advogado, São Paulo, n. 75, p. 96-103, abr. 2004 85 LEÃO, E. A Realidade Vigente na Administração de Tribunais. In: LEÃO, E. (Org.) Qualidade na Justiça. São Paulo: INQJ, 2004. 86 Ibidem, p.36. 87 MOTTA, P.RM. Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro: Record, 1996 74 Revista ESMAC ser concedida nas idéias concernentes ao modelo SWOT e a fixação de objetivos (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.45)88. Segundo o modelo SWOT (meio bastante difundido para realização do diagnóstico estratégico da empresa) busca-se definir as relações existentes entre os pontos fortes (strenghts) e fracos (weaknesses) da empresa com as tendências mais importantes do ambienteorganizacional,tantointerno,quantoexterno,delimitandoasoportunidades(opportunities) e ameaças (threats) para a empresa. Neste caso: ‘’A idéia é que o empresário descubra como, por exemplo, usar suas forças para minimizar as suas fraquezas, aumentar as suas oportunidades e diminuir as ameaças que estão ao seu redor” (CLEMENTE, 2004)89. Nesta direção, o Planejamento Estratégico parte da premissa de que o ambiente no qual inserida a organização está em constante mutação e turbulência, exigindo um processo contínuo de formulação e avaliação de objetivos, calcado no fluxo de informações entre ambiente e organização (MOTTA, 1996, p.85)90. Tratando-se da Administração Judiciária, o planejamento estratégico deve ater-se à discussão de qual rumo deve o Poder Judiciário – de forma coordenada e controlada – adotar para atingir a demanda da sociedade de vez que o foco do Judiciário não reside na concorrência ou no mercado ante sua atribuição exclusiva por força legal, mas, corresponder às expectativas dos cidadãos tocante à prestação jurisdicional. Decorre, portanto, que além da idéia de planejamento, gerenciamento e controle estratégico, diversas outras escolas trabalham a questão da estratégia empresarial sobre os mais variados aspectos. Tanto que Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000, p.14)91 apresentam dez escolas estratégicas, agrupadas em três grupos: no primeiro, as escolas de natureza prescritiva; no segundo, as escolas de natureza descritiva e, por fim, um grupo que possui uma única escola: a configuração da estratégia. De sua parte, as escolas prescritivas centram a preocupação em como as estratégias devem ser formuladas, e não com o que elas realmente são. Por sua vez, as escolas descritivas por sua vez, pretendem demonstrar como as estratégias são formuladas e não se ocupam da prescrição do comportamento estratégico. Já a escola de configuração combina as demais, agrupando vários elementos. Importa salientar que tais escolas surgem em diferentes estágios do desenvolvimento da administração estratégica sendo imprescindível que a organização avalie qual o seu estágio e a escola que mais se adapta à sua necessidade (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000, p.15)92. Trata-se, pois, de abordagem às modernas idéias de gerenciamento estratégico, diversas escolas e novos modelos de organização. Ocorre que todos esses elementos devem ser analisados em cada cenário para que se extraia a melhor solução a ser adotada. Necessário o entendimento dos administradores de que qualquer situação pode ter múltiplas interpretações. Um simples aspecto da cultura organizacional pode abranger muitas dimensões: traduzir uma forma mecanicista de organiza88 MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégias. Porto Alegre: Bookman, 2000 89 CLEMENTE, A. Sem planejamento estratégico, não há investidor que se arrisque a colocar dinheiro em sua empresa. UniversiaBrasil, São Paulo, out. 2002. Disponível em: <http://www.universiabrasil.net>. Acesso em: 15/11/2004. 90 MOTTA, P.RM. Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro: Record, 1996. 91 MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégias. Porto Alegre: Bookman, 2000. 92 MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, J. Safári de Estratégias. Porto Alegre: Bookman, 2000 75 ção, refletir a cultura empresarial, explicitar quem exerce o poder no departamento. E todos esses aspectos estão presentes simultaneamente. Pense em“estrutura”da organização e terás estrutura, pense em“cultura”empresarial e apareceram todas as dimensões culturais, pense em “política’ organizacional e surgirão os aspectos políticos de cada instituição (MORGAN, 2002, p.25)93. O Poder Judiciário apresenta uma estrutura piramidal e uma forma burocrática de administração. Neste aspecto, o modo de atuação do Judiciário, de forma estratificada, mediante conhecimento cada vez mais especializado e individualizado, não permite a integração da problemática em termos do todo, mas em fragmentos de gestão. Assim, ante a função burocratizada da Administração Judiciária, tanto no que concerne à atividade meio quanto a atividade fim, reina uma situação de conformismo e estagnação intelectual que dificulta a transformação de qualquer modelo (LEÃO, 2004, p.19)94. Ressai, portanto, que na realidade descrita no parágrafo anterior, a mudança no modelo de gestão é um processo que tende a ter resistências naturais e deve ser implementado com acuidade, de forma planejada e controlada, por meio de indicadores que apontem o sucesso ou não das atitudes adotadas. Por isso, mais do que o simples planejamento, necessário à gerência estratégica, ou seja, estabelecer metas e objetivos ajustados às demandas da organização está inserida, reforçando a idéia de processo contínuo, inovação e adaptação. É preciso a clareza de que o planejamento racional, centralizado, restrito ao topo da organização não se confunde com o planejamento estratégico. Este último busca incorporar a visão estratégica aos diversos níveis gerenciais, instituindo o processo contínuo e sistemático de tomada de decisão de acordo com alternativas de futuro, criadas a partir de cenários em função das mudanças no ambiente organizacional (MOTTA, 1996, p.88-90)95. Dessa forma, não basta que um ou outro órgão jurisdicional pretenda atuar na conformidade dos anseios e expectativas da sociedade, mas torna-se imperativo a atividade do Judiciário a partir das idéias, pautadas nos novos princípios da administração pública gerencial. Desavisadamente, é possível imaginar que o produto do planejamento estratégico reside em um plano ou conjunto de planilhas e tabelas. Além disso, o produto do planejamento estratégico consiste no resultado compatível à missão e aos objetivos organizacionais. A proposta desse tipo de iniciativa é estabelecer um sentido e direção para organização, e não aumentar é burocracia (MOTTA, 1996, p.92)96. Impende,sobretudo, para o sucesso da elaboraçãodeumplanejamentoestratégico, o rompimento das barreiras das vaidades humanas. Frise-se, o sistema Judiciário não pode ser visto como um emaranhado de órgãos desvinculados entre si, cada qual realizando a prestação jurisdicional a seu modo. Claro que medidas isoladas, quando não se tem uma unidade possível, podem surtir algum efeito. Mas são insignificantes para o todo da população que prescinde dos serviços daquele Poder. Daí porque o desenvolvimento do planejamento estratégico no âmbito do Judi93 MORGAN, G. Imagens da Organização. trad. Geni Goldschmidt. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002. 94 LEÃO, E. A Realidade Vigente na Administração de Tribunais. In: LEÃO, E. (Org.) Qualidade na Justiça. São Paulo: INQJ, 2004 95 MOTTA, P.RM. Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro: Record, 1996. 96 Ibidem, p.92 76 Revista ESMAC ciário deverá ocorrer a partir do consenso daqueles que detêm o poder para decidir sobre os rumos da organização. Mais do que isso, é necessário sedimentar a preocupação dos envolvidos com a questão administrativa do Poder Judiciário (de natureza técnica e política), exigindo o envolvimento de pessoas que conheçam as nuances do Poder Judiciário. 3.3 Planejamento Estratégico A implementação de um planejamento estratégico no âmbito do Poder Judiciário Acreano ou mais especificamente da Corregedoria Geral da Justiça, reside, em primeiro lugar na definição de premissas como Missão, Estratégias e Políticas, mediante as premissas a seguir delineadas: Inicialmente, uma política de Planejamento Estratégico seria instituída partindo da premissa de humanização da Justiça por meio de uma administração compartilhada visando o crescimento e o desenvolvimento envolvendo investimentos financeiros, transformações físicas e modificações nas estruturas administrativas. Assim, expectativas poderiam ser criadas pelo planejamento estratégico quais sejam: antecipação dos acontecimentos; preocupação com o futuro da organização; tomada de decisões de forma organizada; preocupação com a eficácia; correta utilização dos recursos internos: preocupação com a cultura organizacional; e consolidação de um processo interno de mudanças consubstanciado no aprendizado institucional. Para implementação do planejamento de todo fundamental o comportamento e a participação dos dirigentes, dispostos a colaborar e incentivar o processo introdutório do sistema. Neste tocante, o objeto deste ensaio, poderia ser subdividido em etapas de 10 a 12 por exemplo, incluindo a mobilização da cúpula, a sensibilização e o envolvimento de todos os servidores, além de ter como antecedente a elaboração de um diagnóstico institucional e pelas definições estratégicas, culminando com os planos operacionais e o acompanhamento de projetos. 3.4 Etapas vitais para implementação do projeto A primeira das etapas consistiria na sensibilização, tendo por objetivo fornecer dados aos magistrados e servidores do Poder Judiciário sobre o que é e como pode ser implementado um processo de planejamento estratégico, bem como a forma como uma instituição trabalha com essa ferramenta, apresentando casos concretos. Neste sentido, promover-se-ia um encontro dos integrantes da Secretaria doTribunal de Justiça e de regionais (unidades judiciais do interior do Estado), que poderiam ser denominadas de ouvidorias, nas comarcas do Vale do Acre e Vale do Juruá. Contando todos os eventos com a participação de membros do Conselho de Administração do Poder Judiciário acreano. De igual modo, os eventos teriam a participação dos juízes e servidores, compreen77 dendo os escrivães, diretores de foro, assistentes sociais, técnicos de suporte operacional, bem como representantes da Associação dos Magistrados Acreanos, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Acre e do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Acre. Tais encontros poderiam ser marcados por palestras de sensibilização e ouvidorias com as categorias presentes. A segunda etapa do projeto consistiria na elaboração de um diagnóstico de modo a possibilitar a análise do ambiente interno da organização e forneceria uma visão do ambiente, quais são e onde estão localizadas as forças e fraquezas da organização bem como as causas dessa situação. A importância do diagnóstico destina-se a fixar a posição estratégica, vez que permite a identificação de medidas internas que possibilitam o ajuste às tendências esperadas para o ambiente externo. A metodologia utilizada poderia ser calcada na aplicação de questionários, envolvendo questões objetivas e subjetivas, com espaço para manifestações de opiniões, idéias e sugestões. Na seqüência, para a convalidação do diagnóstico seria implementada a validação das sugestões e propostas coletadas das informações solicitadas e pesquisadas (questionários, caixas de sugestões, correio eletrônico, propostas de gestão da Presidência, e dos desembargadores). Ultrapassada esta fase, adviria a sistematização das informações, ou seja, elaboração de um relatório contendo diagnóstico da situação do Poder Judiciário de primeiro grau, com entrega de cópias dos documentos a cada um dos integrantes visando a construção coletiva do planejamento estratégico. Dessa forma, o conhecimento das sugestões e idéias apresentadas pelo público interno e externo da instituição servirão para serem implementadas e englobadas no planejamento estratégico da Corregedoria Geral da Justiça. Ultimadas as fases precedentes ocorreria a reunião de planejamento estratégico propriamente dita, que deverá envolver o Juízes de Direito e servidores da Corregedoria Geral de Justiça para a definição dos objetivos, metas, indicadores e recursos objetivando a implementação das estratégias operacionais, com a conseqüente definição das ações para a consecução dos projetos de gestão. Sobreleva, também, o alinhamento e o controle das etapas definidas, ou seja, o acompanhamento,avaliação,replanejamentoourealinhamentodaexecuçãodoplanejamento. Impende também destacar a relevância do planejamento tático-operacional, no qual o corpo diretivo apresentaria planos de ação para suas respectivas áreas, classificados em programas caracterizados por grandes linhas de ação voltadas a objetivos comuns. Ademais, os programas que integrariam a macro atividade da Corregedoria Geral da Justiça deverão estar alinhados tanto quanto possível aos programas e projetos do Tribunal de Justiça, assim distribuídos: adequação da estrutura organizacional e quadro de pessoal; ampliação dos serviços de informações ao público; atualização de normas internas e inovação de sistemas jurídicos; capacitação de magistrados e servidores; construção e reformas das edificações; implantação da qualidade no Judiciário; melhorias na infra-estrutura do Poder Judiciário; instalação e manutenção dos Centros Integrados de Cidadania; me78 Revista ESMAC lhorias nos controles internos; melhorias na infra-estrutura de informática e comunicação; modernização de sistemas de publicações do Poder Judiciário; otimização dos procedimentos administrativos; preservação e divulgação do patrimônio histórico e cultural do Poder Judiciário Acreano; racionalização dos arquivos deste Poder; reestruturação das bibliotecas do Poder Judiciário; preservação da saúde de magistrados e servidores; e valorização dos talentos humanos. Para viabilizar os mencionados programas, diversos projetos poderiam ser planejados e posteriormente executados. No caso de grande quantidade de projetos a serem implementados um método de trabalho seria escolhido para impor dinamismo e organização ao detalhamento e monitoramento das operações e ações desses projetos. Assim, mediante consulta a especialistas no assunto, optar-se-ia por método especifico e existente/consolidado em outras unidades da federação. Resta, definir, agora, a ferramenta para monitoramento. Neste ponto para melhor gerenciar os projetos, sistema específico com tal finalidade seria desenvolvido pela Diretoria de Planejamento do Tribunal de Justiça, possibilitando o cadastro dos programas, projetos, operações e ações, além da montagem do orçamento do Tribunal que, a partir da implementação, passaria a ser compilado no conceito de orçamento-programa. Outro aspecto a merecer destaque atém-se à inserção automática das informações no Sistema de Controle disponibilizadas na intranet – rede privada de comunicação do Poder Judiciário do Acre –, consistindo em um registro histórico dos projetos, com informações armazenadas no banco de dados do Tribunal, de tal sorte que o Sistema documentaria inúmeras informações consideradas como de conhecimento tácito, ou seja, experiências vivenciadas no curso da implantação dos projetos que serviriam como referenciais futuros. Por derradeiro, vital a formulação de proposta da Corregedoria Geral da Justiça para o orçamento anual e plurianual, bem como sua forma de execução, antecedendo ao cadastramento dos projetos no Sistema, com a indicação dos graus de prioridade, fixados em reuniões com a alta administração. Atendo-se a essa cronologia, o orçamento seria elaborado no âmbito do Sistema, com campos específicos para vinculação aos programas, projetos e atividades previstos em leis orçamentárias anuais e plurianuais, viabilizando o conceito de orçamento-programa, que permite o gerenciamento financeiro calcado em projetos. 3.5 Breve arremate O planejamento estratégico diz respeito a atividades que levam ao conceito da missão da organização, em estabelecer objetivos e o desenvolvimento de estratégias que possibilitem o sucesso no ambiente respectivo. A missão organizacional identifica a função que a organização pretende desempenhar na sociedade. Em geral, a missão identifica os produtos, serviços, mercados e clientes da organização, daí porque, uma missão definida com clareza permite estabelecer objetivos gerais. Os objetivos consistem em parte importante do planejamento estratégico, que se 79 tornam o ponto nodal do direcionamento das estratégias. Necessitam as empresas de objetivos nas áreas-chave de mercado, produtividade, recursos físicos e financeiros, lucratividade, inovação, desempenho e desenvolvimento de administradores, desempenho e atitudes dos trabalhadores, responsabilidade pública e social. Pressupondo que se o objetivo principal das empresas resida na lucratividade a todo custo − especialmente a curto prazo − a conseqüência será o enfrentamento de problemas, pois o eventual sacrifício do desempenho a longo prazo implicará na baixa qualidade do serviço, subtraindo a pesquisa e o desenvolvimento, em razão do custo, e outros assemelhados. Devem as empresas, portanto, devem estabelecer o equilíbrio de objetivos. Diversas variáveis importantes, internas e externas, afetam a estratégia de uma organização. Com efeito devem ser fixadas as premissas ou suposições do planejamento em relação às condições futuras pois afetam o ambiente da organização. Também devem ser analisadas as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças. De sua parte a matriz crescimento/participação que indica a porção relativa do mercado e o crescimento da organização em cada unidade estratégica conduz à avaliação dos diversos setores e linhas diversificadas de uma empresa. Neste passo, delineadas as sete opções estratégicas amplas, disponíveis para as empresas: concentração, integração horizontal, integração vertical, diversificação, dar a volta/ restringir os gastos, despojamento/liquidação, fusão e alianças estratégicas. Assim, o Planejamento Tático - de alcance temporal mais curto em relação ao planejamento Estratégico - tem a finalidade de otimizar parte do que foi planejado estrategicamente. Tocante ao Planejamento Operacional – em geral de curto e médio prazo envolve decisões mais descentralizadas, repetitivas e de maior reversibilidade - visa maximizar os recursos da empresa aplicados em operações de determinado período. Portanto, em digressão a tais espécies de planejamento, as empresas, organizações ou instituições incapazes de desenvolver um plano estratégico mediante uma visão clara de como estabelecer o diferencial, únicas no que fazem, inevitavelmente serão aniquiladas pelos concorrentes. Conclui-se, pois que em face de tantas transformações da sociedade do conhecimento e da informação, para alcançar o sucesso, a empresa será compelida à reflexão estratégica e partir para a construção coletiva do efetivo planejamento. Razão disso, torna-se imprescindível a construção coletiva do planejamento estratégico no Poder Judiciário Acreano, especificamente na Corregedoria Geral da Justiça como instrumento de qualidade do acesso à Justiça. 80 Revista ESMAC 4. A REFLEXÃO E A CONSTRUÇÃO COLETIVA DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ACRE 4.1 Considerações preliminares O pressuposto para a reflexão estratégica de um órgão institucional ou empresa, passa, em primeiro lugar, pelo necessário conhecimento da natureza dos serviços, da organização e de sua missão, ou seja, indispensável conhecer a organização, o que somos no presente para projetar o futuro – o que seremos, assim melhor pensar o Poder Judiciário. (MOTTA, p. 1397. O Conselho Nacional de Justiça, na publicação Justiça em Números 2003, traçou o primeiro diagnóstico do Poder Judiciário brasileiro. Segundo a mesma publicação, o panorama de 2003 a 2006 consistia em 17,3 milhões de processos recepcionados (Casos Novos) pelo Poder Judiciário e 12,5 milhões de processos julgados. Por sua vez, o Ministério da Justiça estimou em R$ 1.848,00 o custo médio de cada processo julgado em 200 (média nacional), sendo a Paraíba o estado que apresentou o menor valor por processo: R$ 973, e o valor máximo o estado do Amapá: R$ 6.839. Em 2004 foram distribuídos 20,5 milhões de processos (Casos Novos) e Casos Pendentes de Julgamento 57,3 milhões. Ao tempo contava o Judiciário com 13.727 juízes, um total de 14,7 milhões de sentenças foram prolatadas. O custo total da justiça em 2004 alcançou a cifra de 20,6 milhões de reais. Conforme dados do CNJ – Justiça em Números/2005, sobre os casos novos incidiu uma pequena redução: de 20,5 milhões em 2004, para 18,5 milhões em 2005. Porém cresceram os casos pendentes de julgamento: de 57,3 milhões em 2004 para 60,481 milhões em 2005. A despesa total do Judiciário em 2005 aumentou cerca de 10% em relação a 2004, em torno de 22,9 milhões de reais em 2005. Registrou o Conselho Nacional de Justiça na publicação Justiça em Números de 2006, a pendência de 43 milhões de processos para julgamento no Poder Judiciário brasileiro, sendo que deste total 33 milhões de processos na 1ª instância. Somente a Justiça Estadual concentrava a maior parte destes processos algo em torno de 32 milhões à espera de julgamento. No Poder Judiciário de São Paulo, na justiça comum, 12,4 milhões de processos aguardavam decisão. No caso do Estado do Acre, em fevereiro de 2007, ao início do mandato da atual administração do Tribunal de Justiça (biênio 2007 a 2009) constatou-se a inexistência de dados suficientes da atividade jurisdicional das unidades judiciais e extrajudiciais do primeiro grau de jurisdição consistindo em comarcas de 1ª e 2ª entrâncias e especial (Rio Branco), Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Turmas Recursais. Sequer consolidados em sua inteireza no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça 97 MOTTA, PAULO ROBERTO, org., Disciplina Planejamento Estratégico. Programa de MBA em Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas 81 o quantitativo real de processos judiciais cíveis e criminais e dos Juizados Especiais de igual modo em relação às taxas de congestionamento, instrumento de medida introduzido pela Resolução nº 15/2006, do Conselho Nacional de Justiça. Tanto é que ao tempo do I Fórum de Debates sobre prestação jurisdicional da Região Norte, realizado em 30 de março de 2007 em Belém - PA, a partir de dados parciais então coligidos, traçou-se um primeiro retrato situacional da prestação jurisdicional no Estado do Acre, na ocasião integradas apenas 7 (sete) comarcas pelo Sistema de Automação do Judiciário (SAJ), quais sejam: Rio Branco, Brasiléia, Epitaciolândia, Xapuri, Capixaba, Plácido de Castro e Acrelândia, restando coletados os dados estatísticos das demais comarcas de forma artesanal (manual), aliás, circunstância que perdura até a data da produção deste trabalho pois somente mais 3 (três) Comarcas foram integradas pelo SAJ-5: Senador Guiomard, Bujari e Sena Madureira. Eis, pois, o quadro da situação das Comarcas do Estado quanto à prestação jurisdicional: Comarcas Integradas com o Sistema de Automação do Judiciário – SAJ-5 Comarcas em fase de Integração com o Sistema de Automação do Judiciário – SAJ-5 82 Revista ESMAC Perfil das Comarcas e Municípios do Estado do Acre, contendo dados da população (IBGE, censo2007), meios de acesso tendo como parâmetro a Capital do Estado: Rio Branco. Municípios População Distância da Capital Meios de Acesso: Parâmetro Capital Rio Branco 305.731 - Rodoviário: BR-364 e Aéreo* Acrelêndia 11.451 105 km Rodoviário: BR 364 e AC 40 e AC 401* Plácido de Castro 16.691 97 km Rodoviário: AC 40 e AC 401* Capixaba 7.067 77 km Rodoviário: BR 317 * Epitaciolândia 13.782 227 km Rodoviário: BR 317 * Xapuri 13.693 153 km Rodoviário: BR 317 * Brasiléia 17.721 237 km Rodoviário: BR 317 * Assis Brasil 5.063 344 km Rodoviário: Estrada do Pacífico * Senador Guiomard 20.505 24 km Rodoviário: BR 317 * Porto Acre 12.085 57 km Rodoviário: AC 010* Bujari 8.423 28 km Rodoviário: BR-364* Sena Madureira 32.989 145 km Rodoviário: BR-364* Manuel Urbano 7.636 238 km Rodoviário: BR-364, aéreo e fluvial** Santa Rosa 3.395 405 km Aéreo e Fluvial Feijó 38.241 384 km Rodoviário: BR-364, aéreo e fluvial** Tarauacá 30.335 406 km Rodoviário: BR-364, aéreo e fluvial** Jordão 4.633 344 km Aéreo e Fluvial Marechal Thaumaturgo 8.455 819 km Aéreo e Fluvial Porto Walter 4.962 743 km Aéreo e Fluvial Cruzeiro do Sul 84.335 648 km Rodoviário: BR-364, aéreo e fluvial** Rodrigues Alves 9.796 679 km Rodoviário: BR-364, aéreo e fluvial** Mâncio Lima 12.747 700 km Rodoviário: BR-364, aéreo e fluvial** Total do Estado 669.736 * Rodovia Totalmente Pavimentada. ** Rodovia não Pavimentada. 83 Taxa de Congestionamento Justiça Comum 76,00% 75,81% 75,50% 75,00% 74,50% T ax a de C ongestionam ento 74,00% 73,42% 73,50% 73,00% 72,50% 72,00% A no 2005 A no 2006 Taxa de Congestionamento Juizados Especiais 50,00% 49,00% 48,60% 48,00% 47,00% 46,00% 45,00% T ax a de C ongestionam ento 44,00% 43,19% 43,00% 42,00% 41,00% 40,00% A no 2005 A no 2006 84 Revista ESMAC Movimento Processual Justiça Comum de 2005 a 2006 70.000 62.014 63.464 60.000 50.000 38.853 40.000 A no 2005 33.548 A no 2006 31.706 30.000 26.607 25.463 23.117 22.010 20.000 17.340 10.000 0 SENTENÇAS A U D IÊ N C IA S CASOS NOVOS A R Q U IV A D O S ESTOQUE Movimento Processual Juizados Especiais de 2005 a 2006 60.000 50.000 48.584 44.160 41.890 40.000 38.216 37.787 38.718 39.231 36.559 30.863 31.691 30.000 A no 2005 A no 2006 20.000 10.000 0 SENTENÇAS A U D IÊ N C IA S CASOS NOVOS 85 A R Q U IV A D O S ESTOQUE Taxa de Congestionamento Juizados Especiais 60,00% 50,00% 48,60% 43,19% 40,00% 30,00% Taxa de Congestionam ento 27,85% 22,28% 20,00% 10,00% 0,00% Ano 2005 Ano 2006 Ano 2007 ago/08 Decorre, pois, do exercício de 2005, o elevado índice da taxa de congestionamento de processos em curso na justiça comum, conforme análise do Conselho Nacional de Justiça, na ordem de 75,81%, incluído no 12º (décimo segundo) lugar entre os estados da federação com maiores índices de taxa de congestionamento, reduzindo para 73,04% em 2006, figurou o Acre em 9º (nono) lugar em taxa de congestionamento do país. Também consoante dados obtidos do CNJ, nos anos de 2005 e 2006 a taxa de congestionamento nos Juizados Especiais do Estado do Acre atingiu os percentuais de 48,60% e de 41,17%, no ranking geral, em comparação aos estados brasileiros, classificado em 14º (décimo quarto) e 10º (décimo) respectivamente. Tocante ao primeiro grau de jurisdição além da estatística processual inexistiam dados consolidados do quadro situacional relativos à estrutura de pessoal e material indispensáveis ao desempenho da atividade jurisdicional. Ademais, entre outras deficiências estruturais anota-se a deficitária informatização das comarcas do Estado do Acre. Decorre ainda, o reduzido quadro de Juízes de Direito (33 juízes), pois do contingente de 23 (vinte e três) empossados no último concurso realizado em 2001, 10 (dez) deles pediram exoneração após aprovação em outros concursos públicos, mostrando falta de interesse na Carreira da Magistratura Acreana. De igual modo, também verificou-se a evasão relativa ao quadro de servidores do Poder Judiciário haja vista que no último concurso público realizado em 2002 – destinado ao 86 Revista ESMAC provimento de cargos de servidores de níveis superior e médio - atraídos os servidores pela melhoria salarial oferecida pelos cargos federais e estaduais, a exemplo do cargo de gestor de políticas públicas do Poder Executivo e outros do Tribunal de Contas. Razão disso constatou-se a necessidade de um esforço de gestão de um organismo governamental, no caso, do Poder Judiciário do Estado do Acre, conforme delineado em ensaiodenominadoesforçodeconceituaçãodealtodesempenhodeumÓrgãoGovernamental – Poder Judiciário do Estado do Acre, apresentado na Disciplina: Gestão e Orçamento, ministrado pelos Professores: Armando Cunha e Roberto Beviláqua. A sociedade atual – tendo em vista sua complexidade – é denominada sociedade do conhecimento e da informação.Trata-se, portanto, de uma sociedade denominada Era do Conhecimento e da Informação, na qual prevalece a força da dominação ao invés da cooperação e da solidariedade, situado o conflito na base das relações sociais, exigindo, cada vez mais, a regulação da vida jurídica social haja vista o aumento da complexidade da vida e dos riscos envolvidos. Assim, não é possível ignorar que a imagem do Brasil é a de um país de acentuada discrepância social, representando potencial obstáculo ao seu pleno desenvolvimento social e econômico, daí porque, necessário implementar ações governamentais para reduzir a desigualdade social. Para tanto, exsurge a necessidade da reforma da gestão pública, a ser conferida com maior ênfase do que a mera reforma administrativa. Todavia, para a reforma da gestão pública, fundamental a alteração do sistema político brasileiro, posto que aquela (a gestão pública) não sensibiliza os políticos, por vezes afeitos à corrupção – mal de natureza extrínseca que permeia outros núcleos da sociedade – estabelecendo uma conexão entre o nível político, o sistema público e o empresarial. Urge, portanto, implementar a reforma política, que deverá integrar a agenda política dos governantes, formando uma consciência coletiva da necessidade de uma mudança pela reengenharia do setor público (mediante reformas política e tributária) centrada em providências para evitar o desperdício (wastefull), os custos (expensive), e a falta de resposta às demandas da sociedade (unresponsive). Tocante ao Poder Judiciário, deve a alta direção dos Tribunais estabelecer uma postura estratégica em sua gestão, de forma integrada, mobilizando pessoas para as mudanças, repensando a postura conservadora de seus integrantes, em geral avessa a mudanças, consciente seus dirigentes da responsabilidade social em realizar a justiça com eficiência, eficácia, presteza e efetividade, oferecendo serviços e decisões técnica e eticamente justas, deste modo, legitimado o Poder Judiciário com a inserção plena no processo democrático do Estado de Direito. Segundo Paulo Motta, “o Planejamento Estratégico significa a conquista da visão de grande escopo e longo prazo na determinação dos propósitos e caminhos organizacionais”. Já para Philip Kotler98, um dos precursores do planejamento estratégico: “O Planejamento Estratégico é uma metodologia gerencial que permite estabelecer a direção a ser seguida pela Organização. Visando maior grau de interação com o ambiente” No dizer de Kenneth Andrews99, “Estratégia é um fluxo de decisões tomadas ao 98 KOTLER, Philip. Administração de marketing. 5. ed. São Paulo : Atlas, 1998. 99 ANDREWS, Kenneth R. O conceito de estratégia empresarial. In: MINTZBERG, Henry; QUINN, James Brian. 87 longo do tempo, que reflete os objetivos da organização e os meios pelos quais ela atinge suas metas.” Portanto, a nova gestão pública (new public manager) a ser construída no Poder Judiciário, atém-se a um movimento teórico conceitual, que adota experiências que deram certo na iniciativa privada. Assim, os elementos estratégicos da gestão pública contemplam: a produtividade (mecanismos de mercado – competitividade); prestação de serviços; descentralização; políticas públicas; e, resultados. No caso do sistema judicial, especificamente, da demanda resulta a inserção dos produtos, o resultado e, em conseqüência, a satisfação do cliente, ou seja, do jurisdicionado. Atualmente, como política para melhoria da gestão pública, notadamente do sistema judicial, necessário eleger o foco em resultados, desapaixonados os dirigentes das organizações pelos seus produtos e apaixonados pelos resultados, reconhecendo, no caso específico do Poder Judiciário, que não é fácil tratar com privilégios e relações de força existentes. A estabelecer, portanto, um programa estratégico adstrito às palavras de domínio da gestão, qual seja, ao resultado, ao efeito, ao impacto e à efetividade no sistema da organização judiciária. Deste modo, impende sedimentar o compromisso do Poder Judiciário com os valores democráticos calcados nos resultados, ou seja, o compromisso do gestor com os valores intrínsecos, de natureza democrática, produzindo accountability, expressão que define um compromisso, valor intrínseco do gestor público com os valores democráticos nas relações entre a administração pública e o administrado. Assim, deve a alta direção dos Tribunais estabelecer uma postura estratégica em sua gestão, de forma integrada, mobilizando pessoas para as mudanças. Para tanto, a conquista de metas estratégicas, depende de três fatores: organização, cultura e liderança. No caso do Poder Judiciário do Estado do Acre, necessária a construção de um pensamento estratégico, ou seja, a percepção das pessoas e da organização sobre o futuro, pensando, planejando, atuando no presente com vistas no futuro, mediante análise e diagnósticos para identificar os objetivos que a organização como um todo precisa atingir. O atendimento às reais necessidades do cidadão (jurisdicionado), necessariamente passa pela definição de três grandes objetivos estratégicos: melhorar o atendimento ao cidadão; agilizar a prestação jurisdicional; e, reduzir o número de processos em tramitação. Tocante à missão do Judiciário acreano, estabelece o art. 2º, da Lei Complementar nº 47/95 (Código de Organização e Divisão Judiciárias): “... assegurar a paz e a ordem social, bem como proteger e restaurar direitos no âmbito de sua competência.” Não obstante, com vistas à nova gestão do Judiciário, a missão deverá passar por uma redefinição, voltada para responder questões fundamentais atinentes ao sistema. De igual modo, tocante à visão, ou seja, como queremos ser reconhecidos pelos elos do alto desempenho de nossa missão, e os valores, consistindo estes nos princípios norteadores da prática ou tudo que se faz na organização, em alinhamento com a missão institucional, em adstrição à missão e à visão, destacando-se, entre outras: a qualidade da O Processo da Estratégia. 3.ed. Porto Alegre: Bookman, 2001 88 Revista ESMAC prestação do serviço; a igualdade das partes no processo; a ética; a integração entre a 1ª e 2ª instância; a satisfação do cliente (jurisdicionando); o resgate da auto-estima do servidor; e, a promoção da paz social. Para alcançar tal desiderato, o planejamento estratégico deverá estabelecer metas (redução de número de feitos em tramitação, instituindo percentuais ao ano), promovendo ações outras de modo a possibilitar uma prestação de serviços com qualidade, eficiência e efetividade, destacando-se: redução de número de feitos e dos custos do processo; criação de grupos de trabalho para atuação nas unidades judiciárias com excesso de contingente processual; reavaliar as necessidades das unidades judiciárias acarretando a reestruturação do quadro de servidores do Poder Judiciário; realizar concurso para Juiz de Direito Substituto; promover a capacitação, atualização e formação contínua de magistrados; informatizar e interligar todas as unidades jurisdicionais do Estado; selecionar estagiários para atuação em Varas e Comarcas; promover a capacitação continuada de servidores com foco no atendimento ao público; elaboração de novo plano de cargos e salários dos servidores; planejamento orçamentário participativo; e, estabelecer parcerias públicas e privadas objetivando a resolução alternativa de conflito, proporcionando o acesso do cidadão à justiça. A assinalar, ainda, que não basta a formulação de um planejamento estratégico, posto que deve ser incorporada a avaliação e a mensuração de desempenho nos seus planos estratégicos quer sejam anuais ou a longo prazo, desenvolvendo metodologia visando os indicadores de desempenho das unidades judiciárias e administrativas, bem como de seus programas, norteados pelas declarações de missão e objetivos de longo prazo, possibilitando a relação entre as metas e os indicadores de desempenho, bem assim, estabelecendo uma hierarquia de missões e de indicadores de desempenho. Notadamente, os esforços para mensuração do desempenho devem enfatizar os aspectos relacionados à satisfação do cidadão (a clientela do Judiciário), desta forma adimplindo um dos objetivos do sistema – o aumento da responsabilidade pelos resultados do administrador público perante a sociedade (accountability), e da confiança pública na prestação de serviços. De tudo resulta a necessidade premente da construção de um planejamento estratégico para o Poder Judiciário do Estado do Acre e, em conseqüência da Corregedoria Geral da Justiça – no dizer de Dror, produzindo o redesenho da governança, assumindo compromisso com razões éticas ou de humanidade – embora os mais diversificados desafios a serem enfrentados por seus dirigentes, mas, que serão recompensados pelas vantagens da eficiência da prestação jurisdicional, colhendo a satisfação do cidadão, quer sejam aqueles das sedes das Comarcas (das cidades) ou residentes nas localidades mais distantes e isoladas, nos seringais, às margens dos rios e nas aldeias indígenas, obtendo, ainda, contrapartida da melhoria da imagem e da credibilidade da população no Poder Judiciário. Ante o quadro então vivenciado (fev-2007), vislumbrou-se a necessidade da construção do esboço de um planejamento estratégico para a Corregedoria Geral da Justiça no biênio 2007/2009, embora, sem desconhecer a impossibilidade de formulação de um planejamento estratégico individual, isolado, já que o Tribunal de Justiça não possui um plano formal de planejamento estratégico. Razão disso, na ausência de plano formal do Tribunal de Justiça, adotou-se a decisão instintiva centrada em fatos e previsões de um esboço de um planejamento estratégico. 89 Todavia, o conhecimento efetivo das unidades judiciais e extrajudiciais somente restou implementado com a efetivação das atividades da correição geral ordinária de 2007, e nas extrajudiciais de 1ª e 2ª entrâncias, sendo implementada a correição geral ordinárias dos serviços extrajudiciais de Rio Branco no período de abril a maio\2008. A realçar a feliz iniciativa da presidência do Tribunal de Justiça na realização da primeira oficina destinada à reflexão estratégica do Poder Judiciário com a administração do Tribunal de Justiça (biênio 2007/2009) e representantes dos principais setores administrativos em 29/03/2007 (experiência renovada ao inicio do exercício de 2008) que, embora sem a produção de um documento formal importou no traçado de metas da administração do Poder Judiciário. No tocante à COGER, ainda que de forma individualizada, refletiu-se no âmbito do órgão censor do Poder Judiciário, sobre a missão (incluídos valores), visão de futuro e as ações estratégicas deste órgão censor. Senão vejamos: MISSÃO: Orientar, disciplinar e fiscalizar a administração da Justiça de primeiro grau, na capital e no interior do Estado, zelando pela prestação jurisdicional mediante serviços judiciais e extrajudiciais de qualidade, atendendo a demanda de acesso à Justiça, promovendo a paz social. VALORES: 1. Alinhamento à missão do Tribunal de Justiça; 2. Gestão democrática; 3. Ética; 4. Responsabilidade social; 5. Transparência à sociedade; 6. Valorização de magistrados e servidores; 7. Estratégias de Planejamento na COGER. VISÃO DE FUTURO: Tornar-se um Órgão Correicional centrado em missão e valores, em gestão compartilhada de magistrados e servidores capacitados e motivados, estabelecendo parcerias com outros órgãos essenciais à administração da Justiça, utilizando processos de trabalho racionalizados e integrados, promovendo a comunicação e informação com a garantia de fluxo qualitativo, respondendo às expectativas da sociedade traduzidas em índices de satisfação pela eficiência, eficácia e efetividade na distribuição da Justiça, como resultado de uma atuação calcada na transparência e na responsabilidade social da gestão judiciária. As estratégias ater-se-ão aos seguintes aspectos: 1. Implementar a Justiça de resultados; 2. Promover o relacionamento institucional e a imagem da COGER; 3. Desenvolver a gestão avançada de pessoas (magistrados e servidores); 4. Foco na excelência da gestão; 5. Instituir a gestão de processos e melhoria da infra-estrutura. Eis as balizas a serem definidas para a elaboração de um planejamento estratégico no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça. 90 Revista ESMAC 4.2 Estratégias: Na seqüência, dada a importância das estratégias, segue o detalhamento de cada uma delas. 4.2.1 Estratégia 1: implementação da justiça de resultados O primeiro passo consiste na fixação de metas, da seguinte forma: 1) Censo Judiciário: Consolidação de todo o acervo de processos do primeiro grau de jurisdição, pela natureza das ações, por tempo de duração do processo, região e perfil dos jurisdicionados; 2) Padrão de excelência no atendimento ao cidadão: Procedimentos para promover a prestação jurisdicional com foco no cidadão, mediante instrumentos de medida (dados estatísticos) consistindo o primeiro passo em uma pesquisa de satisfação dos clientes usuários, com identificadores de desempenho da gestão judiciária; 3) Controle da produtividade: Mecanismos para agilizar a tramitação dos processos, afastando o reclamo da morosidade com a fixação de prazos ideais, a relação entre servidores e processos, e a publicação de informativos ao público, implementando-se ações prioritárias para controle da produtividade e a uniformização das rotinas da atividade-fim; 4) Instalação da Ouvidoria na COGER: meio moderno para consolidar a organização junto aos clientes. Tratando-se do Poder Judiciário, a designação de um ouvidor-geral no Tribunal e um ouvidor-auxiliar em cada direção de foro possibilitará melhor acesso da população às atividades judiciais e extrajudiciais; 5) Processo Digital: necessidade de utilização dos modernos recursos da tecnologia da informação; 6) Atitude de Resultados: metas: criar a consciência da necessidade de direcionar o desempenho dos envolvidos na gestão judiciária (magistrados e servidores) para a prestação jurisdicional efetiva e eficiente. 4.2.2 Estratégia 2: Fortalecer o relacionamento institucional e a imagem da Corregedoria Para o fortalecimento do relacionamento institucional e a imagem da Corregedoria, necessário fomentar os seguinte pontos: 1) Imagem da Justiça Estadual: Consiste em estruturar ações voltadas para o conhecimento da atuação do Poder Judiciário pelo público externo; 2) Reforma do Poder Judiciário: Participar de todos os debates inerentes à reforma do Poder Judiciário introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45/2004, especialmente quanto ao tempo da razoável duração do processo; 3) Relacionamento institucional: Participação em eventos, encontros, seminários e outras formas de interação institucional com o objetivo de aproximar a Justiça Estadual das demais instituições públicas e privadas do estado; 91 4) Atos normativos de outros poderes: Acompanhamento dos debates acerca da tramitação de atos normativos relacionados à organização judiciária, de iniciativa do Tribunal de Justiça; 5) Democratizar a informação: Disponibilizar à sociedade em geral os meios de comunicação existentes no Tribunal de Justiça, via internet, folders, painéis, e outros. 6) Sustentabilidade econômico-financeira: Participar da elaboração da proposta orçamentária do Poder Judiciário com justificativas adequadas acerca das necessidades da prestação jurisdicional quanto à estrutura de pessoal e de material. 4.2.3 Estratégia 3: Desenvolver a Gestão Avançada de Pessoas O desenvolvimento da gestão avançada de pessoas deve, necessariamente, ater-se aos seguintes aspectos: 1) Capacitação e desenvolvimento de pessoas: Propor a capacitação dos envolvidos na atividade judicial e extrajudicial para as estratégias básicas; 2) Avaliação de desempenho e sistema de conseqüências: Uma característica básica de uma organização conceituada reside na avaliação do desempenho dos integrantes e o reconhecimento da excelência promovendo o destaque respectivo; 3) Valorização das pessoas: Promover ações diversas para a retenção dos talentos, mensurando o empenho organizacional, propondo a criação de programa de saúde, cultura e esportes, assim como programa de sugestões e premiação de criatividade; 4) Sistema e processos de trabalho: Envolver as pessoas na força de trabalho (magistrados, servidores, terceirizados e estagiários) mediante proposta de adequação do quadro de pessoal às necessidades vivenciadas. 4.2.4 Estratégia 4: foco na excelência da gestão O foco na excelência da gestão deve ser calcado nas seguintes atividades: 1) Disseminar a necessidade de estruturação do planejamento estratégico: Consiste na multiplicação dos conceitos do planejamento estratégico de sua importância tanto noTribunal de Justiça, na COGER, quanto nos órgãos diretivos e no primeiro grau de jurisdição; 2) Desdobramento do planejamento estratégico: Cada unidade judiciária e administrativa do primeiro grau deverá conceber o seu próprio plano de gestão, com metas, cronogramas e indicadores, em alinhamento ao planejamento estratégico global doTribunal de Justiça e da Corregedoria Geral da Justiça; 3) Sistema de análise crítica do planejamento estratégico: Instituir fórum interno de debates para avaliar o progresso das ações do plano de gestão; 4) Critérios de excelência da gestão: Implementar a auto-avaliação gerencial das unidades organizacionais e a formulação do relatório da gestão geral de todas as unidades judiciárias, extrajudicial e administrativa; 5) Reestruturação organizacional: Implementar ações para tornar a estrutura organizacional mais célere e alinhada com os modelos contemporâneos de gestão; 92 Revista ESMAC 6) Programa de referenciais comparativos: Conhecido como benchmarking, consiste na adoção de uma série de atividades destinadas a conhecer as melhores práticas de gestão realizadas em organizações públicas e privadas. 4.2.5 Estratégia 5: Desenvolver a gestão de processos e melhoria da infra-estrutura. A gestão de processos e a melhoria da infra-estrutura da organização funda-se nos seguintes programas: 1) Uniformização de rotinas: A base dos programas de certificação reside na padronização, ou na uniformização das rotinas; 2) Sistemas informatizados: Estruturar a rede interna, avaliar os sistemas existentes, desenvolver ou adquirir novas soluções; 3) Organização dos espaços físicos: Reestruturar o espaço físico de modo planejado e funcional para todas as unidades judiciárias; 4) Programa 5S: Preparar as pessoas para uma mudança organizacional, com foco na qualidade; 5) Racionalização dos custos: Mediante estratificação de todos os custos e receitas orçamentárias, além da utilização de novas técnicas e métodos gerenciais; 6) Sistema de comunicação: Propor a estruturar de um sistema de informações visando a interação de todos os envolvidos no sistema do Poder Judiciário Estadual. 4.3 Considerações finais Persiste o desafio em oferecer uma prestação jurisdicional que reúna a efetividade, a eficácia e a eficiência, em tempo razoável, na conformidade do preceito constitucional (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal). Segundo dados coligidos da estatística processual do Estado do Acre relativo ao mês de agosto/2008, a taxa de congestionamento, alcança 37 % assim distribuída: Justiça Comum: 49 %, e Juizados Especiais 22%. A justiça comum (cível e criminal) alcançou em agosto/2008 patamar inferior a 50% (taxa considerada administrável), conforme meta traçada para o final deste exercício (dez/2008). Todavia, a realidade das unidades judiciais e extrajudiciais somente restou efetivamente conhecida com a efetivação dos atos correicionais afetos à COGER – a Correição Geral Ordinária de 2007 em todas as unidades judiciais do Estado, e nas extrajudiciais de 1ª e 2ª entrâncias, restando implementada a Correição Geral dos Cartórios Extrajudiciais de Rio Branco, nos meses de abril e maio de 2008, em conseqüência, aferidas as verdadeiras causas da morosidade processual, conforme descrição da síntese a seguir: A Correição Geral Ordinária de 2007 possibilitou a análise de morosidade do curso processual e suas causas assim como as deficiências de estrutura física e de pessoal que ensejam obstáculo à efetiva prestação jurisdicional e à conseqüente produtividade dos ma93 gistrados titulares bem como daqueles em exercício nas unidades judiciárias. Tocanteàsserventiasextrajudiciais,constatou-seirregularidades,emmaiorincidência nos livros obrigatórios, expedindo-se as recomendações devidas quando necessário. Após a Correição Geral Ordinária os Relatórios pormenorizados de cada unidade judiciária e extrajudicial foram encaminhados às respectivas Comarcas, reunidos os fatos mais relevantes em diagnóstico contendo as verdadeiras causas da morosidade processual: 1) Elevada incidência de processos suspensos a pedido das partes à falta de localização de bens penhoráveis; 2) Processos sem tramitação aguardando cumprimento de mandado de prisão; 3) Deficiência da gestão jurisdicional e administrativa à falta de Juiz de Direito ante a vacância de cargos; 4) Morosidade na movimentação processual pela Escrivania; 5) Falta de destinação de transporte pela administração do Tribunal de Justiça para cumprimento de mandados judiciais na zona rural; 6) Retardo na movimentação processual pela Escrivania. No desiderato de reduzir a 1/3 a taxa de congestionamento, adotou-se práticas de gestão conforme descrito em trabalho apresentado na disciplina gestão de serventias sob o tema: A Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Acre – Medidas de gestão para a razoável duração do processo – O desafio da formação de um consistente banco de dados da estatística processual, Professor: Luiz Umpierre de Mello Serra, conforme a seguir delineado: A Emenda Constitucional n. 45, de 30/12/2004, introduziu como primado constitucional a garantia da razoável duração do processo, todavia, noção ou conceito ainda indeterminado na doutrina e na ordem prática, pois, embora unificada a legislação processual, necessário compatibilizar a diversidade encontrada nas cinco regiões do País. A par da existência de unidades judiciárias dotadas de acesso por rodovias asfaltadas, recursos humanos capacitados e os mais modernos equipamentos da tecnologia da informática, em contrapartida, comarcas situadas na Amazônia, somente alcançadas pela via fluvial (barcos de pequeno porte) ou aérea (táxi aéreo), ao tempo (fevereiro/2007) sequer dispunham de cartuchos de tinta para impressoras ou acesso à internet, ocasionando a impossibilidade de realização dos atos processuais (audiências), tornando vãos os esforços antecedentes para citação e intimação de partes e testemunhas residentes nos seringais, às margens dos rios e aldeias indígenas. Certo é que o Estado Brasileiro muito tem a dever a essa massa da população, excluída de políticas publicas em geral abrangendo o sistema de justiça. Tocante ao Poder Judiciário ressoa o clamor da população pela humanização da Justiça, possibilitando não somente o acesso, mas, fundamentalmente, a garantia da solução do conflito. Assim, visando implementar a gestão judiciária, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n. 15, de 20.04.2006, que instituiu a taxa de congestionamento – um indicador estatístico ou medida de aferição de produtividade do Poder Judiciário – tendo em conta os processos em estoque (processos pendentes de julgamento) os casos novos e os processos julgados (sentenças e acórdãos que põem fim ao processo), tanto no 1º quanto no 2º grau de jurisdição, resultando consolidados tais dados estatísticos na publicação Justiça 94 Revista ESMAC em Números, a partir do exercício de 2005, apresentando o retrato da situação do Poder Judiciário no País, mediante indicadores os mais diversificados. Segundo a nova onda imposta pela Constituição Federal de 1988, o Poder Judiciário é dotado de natureza política, portanto, co-responsável pelas políticas públicas, consoante impregnado em inúmeros dispositivos, entre eles a garantia do acesso à Justiça e à razoável duração do processo (art. 5°, XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal). Em conseqüência, o Juiz é instado diuturnamente a decidir matérias relacionadas à saúde, à proteção do idoso, do consumidor, da cidadania e do meio ambiente, contribuindo para consolidar novos desafios dos chamados direitos de terceira geração, produzindo julgamentos que afetam o coletivo. Nestas circunstâncias, não mais se concebe o Juiz do primeiro ou do segundo grau de jurisdição como mero interprete da lei (a boca da lei), uma figura neutra (anódina), distanciado das mazelas sociais vivenciadas pela população no dia a dia. Portanto, o Juiz é compelido a construir uma identidade, atendendo à transformação da sociedade contemporânea. Necessário, portanto, uma mudança na atuação do magistrado para possibilitar o acesso do cidadão à Justiça e a eficiente solução da causa, ultrapassando o conflito em si – que atinge o relacionamento e contribui para o incremento da violência – contribuindo o juiz para tornar efetivo o trabalho de construção de uma justiça de natureza preventiva ou alternativa de solução do conflito para a construção da paz social. Todavia, não é possível desconhecer que a principal e generalizada justificativa da morosidade processual é centrada no reduzido contingente de Juízes a ocasionar excessiva carga de trabalho. Neste aspecto, a realçar que o Brasil passa pela crise do processo após o advento da Constituição Federal de 1988 haja vista o incremento da judicialização, abarrotando de processos foros e tribunais. Necessário, pois, a utilização de mecanismos para minorar o panorama fantasmagórico que não reflete o acesso da população ao sistema de justiça. A questão a responder é como fazê-lo. E com as mesmas condições de estrutura material e humana do Poder Judiciário. Fazer muito com o pouco. Como? Para tanto, os Tribunais devem introduzir medidas de gestão centradas na criatividade e motivação de juízes de direito e servidores, tanto quanto possível utilizando a medição do tempo necessário a cada atividade para domar a cultura da morosidade processual respondendo aos reclamos do cidadão com eficiência e eficácia. Em fevereiro/2007, ao início do biênio (2007/2009), no que concerne à política de gestão de processos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Acre, constatou-se a inexistência de uma amostragem das causas do retardo da prestação jurisdicional então vivenciada ou de providências relacionadas a medidas de gestão. Este, pois, o desafio enfrentado pela COGER-AC no biênio: estabelecer medidas de gestão e metas para alcançar a redução da taxa de congestionamento processual no 1º grau de jurisdição – de 75,81% e 62%, nos exercícios de 2005 e 2006, respectivamente – abrangendo a justiça comum e os juizados especiais, conforme dados coligidos da publicação Justiça em Números, do CNJ, ano de 2006. Daí porque, desconhecida a realidade dos dados atinentes ao acervo processual do Estado, como precedentemente assinalado – pois das 15 (quinze) comarcas instaladas, em 95 fevereiro de 2007 apenas 7 (sete) eram beneficiadas pelo Sistema de Automação do Judiciário – subsumida a consolidação de dados pelo setor específico deste órgão correicional aos relatórios do tramite processual encaminhados pelas próprias unidades judiciárias até o dia 10 de cada mês. Destarte, verificou-se imprescindível, no meado de 2007 (julho), realizar uma Correição Geral Ordinária nas Comarcas do Estado do Acre, de natureza descritiva, mesmo naquelas unidades judiciárias abrangidas pelo SAJ (Sistema de Automação do Judiciário), restando implementado o ato correicional geral no período de 30/julho a 21/dezembro/2007, nas Serventias Judiciais e Extrajudiciais da 1ª e 2ª Entrâncias, com previsão desta modalidade de Correição Geral, desta feita nas Serventias Extrajudiciais da Comarca de Rio Branco com início no mês de abril/2008. Assim, apenas 07 (sete) Comarcas do Estado eram dotadas do sistema SAJ, daí porque tanto em relação aos exercícios anteriores (2005/2006) quanto a 2007, as informações procedem das próprias unidades judiciárias, a bem da verdade, em caso de informações complementares, mesmo no caso das unidades judiciárias providas do SAJ (uma vez defasado o sistema anterior não oferecia resposta às principais informações para uma consolidação de dados efetiva, a exemplo do tempo do processo), também não permitindo olvidar que as informações estatísticas dependem da alimentação de dados pelos servidores. Daí porque, neste (realidade processual estatística) e noutros aspectos, destacandose o aperfeiçoamento da comunicação da Corregedoria com os magistrados e servidores, a Correição Geral Ordinária em todas as Comarcas e unidades judiciárias do Estado tornou-se instrumento eficaz para aferir a realidade do contingente processual, haja vista a divergência encontrada na contagem manual de processos, a exemplo da Comarca de Manoel Urbano quando da Correição Geral Ordinária em julho/2007 e também ocorrendo em relação às Turmas Recursais dos Juizados Especiais. Portanto, realizada em 2007, da Correição Geral Ordinária no Estado Acre, nas Serventias Judiciais e Extrajudiciais (quanto a estas somente as do interior do Estado), tendo como base o mês de dezembro/ 2007, verificou-se a evolução do fluxo processual e da taxa de congestionamento, no período de janeiro a dezembro/2007. Ademais, da Correição Geral Ordinária Judicial, de natureza descritiva, realizada nas Comarcas do Estado do Acre (período de 30 de julho a 17 de dezembro/2007), aferiu-se diversas causas de retardamento processual, seguindo-se as recomendações e medidas de gestão, e tratando-se de ordenação de despesas, a necessária solicitação de providências à Presidência do Tribunal de Justiça. Verificou-se, entre outros fatores, a morosidade da escrivania para cumprimento de atos de movimentação, processos apresentando retardo contendo alegação de férias dos magistrados e de serviço eleitoral. Constatou-se ainda, a inexistência de medidas administrativas e de ordenação de despesas quanto à disponibilidade de transporte (aluguel de barcos), e diárias à Oficiais de Justiça para cumprimento de mandados judiciais de partes e testemunhas residentes na zona rural, seringais e às margens dos rios, notadamente nas Comarcas de Sena Madureira, Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, entre outras. Por derradeiro, conforme estabelece a Resolução 125/2007 de 16.05.2007, do Pleno do Tribunal de Justiça, seguiu-se a edição do Provimento n. 12, de 17.07.2007, da COGER-AC, tendo em consideração o quadro diminuto de magistrados, restando fixado em 96 Revista ESMAC dois anos o tempo médio geral de tramitação do processo contencioso no primeiro grau de jurisdição. Portanto, adstrita ao percentual elevado da taxa de congestionamento da Justiça comum (feitos cíveis e criminais), na ordem de 60% (processos cíveis e criminais) quanto ao exercício de 2007, tem-se como meta prioritária da COGER até o mês de dezembro/2008 – após a investidura de 10 (dez) Juízes de Direito Substitutos (mês de julho/2008) – atingir percentual aquém de 50% de taxa de congestionamento em processos da justiça comum, situação considerada administrável, a ensejar, em janeiro/2009, a reformulação do Provimento n. 12 de março/2006, da COGER-AC, com a redução do tempo razoável ou tempo/ médio geral de duração do processo contencioso de dois anos para um ano. Para tanto, urge construir o planejamento estratégico da COGER-AC, alinhado ao da administração do Tribunal de Justiça visando uma resposta efetiva da realidade processual consoante os termos preconizados pelo Conselho Nacional de Justiça ( Res. 49, de 18.12.2007), que instituiu a organização de Núcleo de Estatística e Gestão Estratégica nos órgãos do Poder Judiciário, desta forma, possibilitando o traçado de metas de curto, médio e longo prazo. Eis pois, as metas da COGER-AC para o exercício de 2008, de forma resumida: 1. Redução da taxa de congestionamento de processos da justiça de primeiro grau – justiça comum – para o patamar de 45%, considerada administrável (em dezembro de 2007, no montante de 62%), após ultimado o concurso público para Juiz de Direito – com a nomeação de mais dez magistrados, prevista a conclusão do certame para julho/2008, providência que suprirá em parte a deficiência de prestação jurisdicional; 2. Proposta à Presidência do Tribunal de Justiça para abertura de concurso público destinado a provimento de cargos de servidores do Poder Judiciário, principalmente de oficiais de justiça, assistentes jurídicos e auxiliares judiciários, nas vagas existentes; 3. Proposta à Escola da Magistratura de formação e capacitação continuada de Juízes de Direito; 4. Proposta à Presidência do Tribunal de Justiça para capacitação de servidores pelo Centro de Capacitação, mediante oitiva prévia dos magistrados acerca das deficiências e necessidades específicas de cada unidade judiciária; 5. Alinhamento do planejamento estratégico da COGER às metas da administração doTribunal de Justiça objetivando medidas para disponibilidade de garantia de cumprimento de mandados judiciais pendentes (citação e intimação) de réus e testemunhas residentes nos locais de difícil acesso: seringais, zona rural, às margens dos rios e outros sítios; 6. Construção de medidas de gestão de natureza jurisdicional e administrativa compartilhada com os Juízes de Direito e servidores das unidades judiciárias para solução dos processos mais antigos (a maioria criminais), entre os cíveis figurando inventários que remontam a 1956, e processos criminais com retardo (entre outras causas à falta de citação dos acusados e de intimação de testemunhas residentes na zona rural), ensejando a impunidade tão combatida e o descrédito do Poder Judiciário; 7. Construção compartilhada de uniformização de rotinas e procedimentos (manuais) destinados às Serventias Judiciais e Extrajudiciais bem como aos Juizados Especiais; 8. Redução do tempo fixado no Provimento n. 12 de 17.07.2007, COGER-AC, da razoável duração do processo contencioso, de dois anos para um ano, e do processo sumário para seis (06) meses bem como o tempo para realização da audiência, de seis meses para três, 97 no máximo, em todos os casos; 9. Concluir a operacionalização do grupo de trabalho instituído para cumprimento de mandados judiciais em estoque na Central de Mandados de Rio Branco, em dezembro/2007 no importe de 7.711; 10. Contribuir para a implementação efetiva da transição prevista para dezembro de 2008 dos serviços extrajudiciais de natureza pública para a privada; 11. Implementar pesquisa de satisfação do usuário nos Foros de Justiça Comum e dos Juizados Especiais do Estado; 12. Instituir Núcleos de apoio permanente da COGER-AC para orientação e fiscalização dos serviços judiciais e extrajudiciais do Estado. Todavia, as medidas de gestão afetas à COGER-AC, dependem substancialmente das providências inerentes à ordenação de despesas quanto à disponibilidade dos recursos materiais e de pessoal às unidades judiciárias do Estado mediante dotação orçamentária e financeira indispensáveis envolvendo a prestação de serviços com a formação de núcleos específicos de servidores seja na Presidência do Tribunal ou na COGER (órgão responsável pela consolidação dos dados estatísticos da primeira instância) para a consecução da atividade permeada das especificidades da nova gestão judiciária. Segundo dados coligidos da estatística processual do Estado do Acre, relativa ao mês de agosto/2008, a taxa de congestionamento geral alcança 37%, assim, distribuída: Justiça Comum: 49% e Juizados Especiais: 22%. A justiça comum (cível e criminal) atingiu, em agosto/2008, patamar inferior a 50%, taxa considerada administrável, conforme meta traçada para o final deste exercício (dez/2008). Eis, portanto, o quadro estatístico da evolução processual e taxa de congestionamento de janeiro de 2005 a agosto de 2008. Taxa de Congestionamento Juizados Especiais 60,00% 50,00% 48,60% 43,19% 40,00% 30,00% Taxa de Congestionam ento 27,85% 22,28% 20,00% 10,00% 0,00% Ano 2005 Ano 2006 Ano 2007 98 ago/08 Revista ESMAC Taxa de Congestionamento Justiça Comum 80,00% 75,81% 73,42% 70,00% 60,45% 60,00% 49,30% 50,00% Taxa de C ongestionam ento 40,00% 30,00% 20,00% 10,00% 0,00% A no 2005 A no 2006 A no 2007 ago/08 Movimentação Processual anos de 2005 e 2006 Justiça Comum Juizados Especiais Resumo Geral Ano 2005 Ano 2006 Ano 2007 Ago 2008 Ano 2005 Ano 2006 Ano 2007 Ago 2008 Ano 2005 Ano 2006 Ano 2007 Ago 2008 SENTENÇAS 23.117 26.607 33.745 22.534 38.216 41.890 48.024 32.190 61.333 61.333 81.769 54.724 AUDIÊNCIAS 17.340 22.010 25.776 18.532 44.160 48.584 49.349 32.398 61.500 61.500 75.125 50.930 CASOS NOVOS 33.548 38.853 42.490 32.035 37.787 38.718 41.433 31.541 71.335 71.335 83.923 63.576 ARQUIVADOS 25.463 31.706 38.454 25.083 30.863 31.691 56.288 29.561 56.326 56.326 94.742 54.644 ESTOQUE 62014 63.464 59.741 62.334 36.559 39.231 23.635 25.247 98.573 98.573 83.376 87.581 99 Movimento Processual Justiça Comum de 2005 a agosto/2008 70.000 62.014 63.464 62.334 59.741 60.000 50.000 42.490 38.853 40.000 33.745 30.000 26.607 23.117 38.454 32.035 25.776 22.534 20.000 A no 2005 A no 2006 33.548 A no 2007 31.706 ago/08 25.463 25.083 22.010 18.532 17.340 10.000 0 SENTENÇAS A U D IÊ N C IA S CASOS NOVOS A R Q U IV A D O S ESTOQUE Movimento Processual Juizados Especiais de 2005 a agosto/2008 60.000 56.288 50.000 48.024 48.584 49.349 44.160 41.890 40.000 41.433 38.718 37.787 38.216 32.190 32.398 39.231 36.559 31.541 30.000 31.691 30.863 Ano 2005 29.561 Ano 2006 25.247 23.635 20.000 10.000 0 SEN TEN Ç AS AU D IÊN C IAS C ASO S N O VO S 100 AR Q U IVAD O S ESTO Q U E Ano 2007 ago/08 Revista ESMAC Evolução Movimento Resumo Geral do Estado do Acre de 2005 a agosto/2008 120.000 100.000 94.742 80.000 71.335 63.576 61.500 61.333 60.000 77.571 75.125 70.594 68.497 54.724 87.581 83.376 83.923 81.769 102.695 98.573 50.930 Ano 2005 Ano 2006 Ano 2007 ago/08 63.397 56.326 54.644 40.000 20.000 0 SENTENÇAS AUDIÊNCIAS CASO S NO VO S ARQ UIVADO S ESTO Q UE Entretanto, persiste a necessidade de uma reflexão estratégica coletiva, com apoio da administração do Tribunal de Justiça e ajuda interna e externa, inclusive o envolvimento de pessoas de fora na qualidade de consultores, a contrapor o aprendizado baseado em praticas internas que se manifesta em forma repetitiva, pois conforme assertoa Paulo Motta: “O diálogo estratégico é uma forma privilegiada de reconstruir integração no trabalho a partir do conhecimento externo sobre demandas e necessidades do mercado, entendendo justificado o exercício estratégico para encontrar o melhor ponto de chegada e o melhor caminho para empresa, identificando alternativas e hipóteses de trabalho que se revelam em determinado momento as opções mais apropriadas circunstâncias especificas. Neste exercício, é de grande valia toda a ajuda, interna e externa. São essenciais as perspectivas dos dirigentes, dos setores organizacionais e, principalmente, dos que lidam com fornecedores e clientes externos. O envolvimento de pessoas de fora, como consultores, ajuda a contrapor o aprendizado, baseado em práticas internas que se manifestam em formas repetitivas de comportamento. Conhecimentos sistematizados por acadêmicos e os acumulados pela experiência de consultores enriquecem o patrimônio gerencial da instituição. O patrimônio gerencial, se permanentemente atualizado e desenvolvido, é um excelente recurso estratégico. (MOTTA, p. 11)100 . 100 MOTTA, PAULO ROBERTO, org., Disciplina Planejamento Estratégico. Programa de MBA em Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas. 101 Tal encontra ressonância no conteúdo de ato normativo editado pelo Conselho Nacional de Justiça que determina aos Tribunais de Justiça a criação de núcleos de gestão estratégica e de estatística destinados a auxiliar o Tribunal de Justiça na racionalização do processo de modernização institucional, bem como subsidiar o processo decisório dos magistrados conforme princípios estritamente profissionais, científicos e éticos (Resolução CNJ nº 49, de 18 de dezembro de 2007). Assim, a necessidade da construção do planejamento estratégico do Tribunal de Justiça necessariamente refletirá na execução dos diversos programas e projetos em andamento e outros em fase de implantação no Poder Judiciário com foco no primeiro grau de jurisdição para atendimento ao cidadão. Senão vejamos: 1. Projeto Cidadão (instituído em 1995), visa a promoção de cidadania e inclusão social, emissão de documentos às populações urbana e rural; 2. A Justiça Comunitária (em funcionamento desde 2002), consiste na resolução de conflitos por Agentes Comunitários de Justiça e Cidadania (cidadãos das comunidades\bairros em que vivem e ali atuam) capacitados em noções de direito e técnicas de mediação e conciliação; 3. Centros Integrados de Cidadania, espaços destinados ao atendimento do cidadão, mediante a prestação de serviços de emissão de documentos e assistência jurídica, situados nos municípios de Assis Brasil, Brasiléia, Epitaciolândia, Porto Acre, Porto Walter, Marechal Thaumaturgo e Rodrigues Alves; 4. Central de Penas Alternativas, destinada à fiscalização e controle dos reeducandos, visando reduzir os índices de reincidência e promover a reinserção social por meio de capacitação e profissionalização (em funcionamento nas comarcas de Rio Branco, Brasiléia, Cruzeiro do Sul); 5. MBA em Administração de Poder Judiciário para Magistrados Convênio: Tribunal de Justiça/Governo do Estado/Fundação Getúlio Vargas, em fase de conclusão: elaboração do TCC; 6. Juizado de Trânsito, com atuação somente em Rio Branco, funciona na modalidade de Juizados Especiais; 7. Conselhos de Conciliação/Núcleos de Conciliação e Mediação instituídos pelo Provimento nº 01/2007; 8. Sistemas de Gravação de Audiência para agilização do tempo de duração da audiência; 9. INFOSEG, rede nacional que integra informações dos órgãos de Segurança Pública, Justiça e de Fiscalização em todo o País, como dados de pessoas com inquéritos, processos, mandados de prisão, além de dados de veículos, condutores e armas; 10. BACENJUD, sistema de atendimento às solicitações do Poder Judiciário ao Banco Central do Brasil, permite bloqueio e desbloqueio de contas bancárias e ativos financeiros; 11. PROCESSO VIRTUAL: O Tribunal de Justiça do Estado do Acre, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, em 29 de fevereiro, implantou o Sistema de Processo Virtual – PROJUDI, no Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, possibilitando o trâmite eletrônico dos processos relativos à Lei Maria da Penha (Lei Federal Nº 11.340. de 07 de agosto de 2006); 12. Capacitação de Magistrados em Mediação e Conciliação - à Distância; 102 Revista ESMAC 13. Programa Conciliar (estender a todas as comarcas do Estado); 14. More Legal (regulamentação de loteamentos urbanos irregulares); 15. Novos Núcleos de Justiça Comunitária (Convênio Prefeitura Municipal de Rio Branco e Secretaria da Reforma do Judiciário); 16. Comunicação da Corregedoria – Informativo, Internet (site); 17. Redução da taxa de congestionamento de processos da Justiça Comum a um terço. Para tanto, sobreleva a necessidade de construção de planejamento estratégico coletivo para a Corregedoria Geral da Justiça como ponto de partida para elaboração de documento formal, pois, conforme Peter Drucker assinala: Cada organização precisa embutir o gerenciamento das mudanças em sua própria estrutura. Os gestores devem aprender a fazer, a cada dois ou três anos, a seguinte pergunta a respeito de cada serviço, processo de trabalho, procedimento e política: Se já não fizéssemos isto, será que começaríamos a fazer agora, sabendo aquilo que sabemos?”. (DRUCKER, 1995, pg. 46)101 101 DRUCKER, Peter. Administração em Tempos de Grandes Mudanças. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1995 103 CONCLUSÃO Eis pois, consubstanciada neste trabalho a relevância do Planejamento Estratégico das Corregedorias Gerais da Justiça para assegurar o princípio constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal). Para tanto, imprescindível construir uma nova visão para o pensamento e a gestão estratégica, mediante uma consultoria para estabelecer o diálogo estratégico, considerado pelo professor Paulo Roberto Motta como uma forma privilegiada de reconstruir a integração no trabalho a partir do conhecimento externo sobre as demandas e as necessidades do mercado. Daí porque, considera Paulo Motta de grande valia toda ajuda, interna e externa, tendo como essenciais as perspectivas dos dirigentes, dos setores organizacionais e, principalmente, dos que lidam com fornecedores e clientes externos. Neste passo, adiro à convicção do envolvimento de pessoas de fora, na qualidade de consultores, como ajuda a contrapor o aprendizado, calcado em práticas internas que se manifestam em formas repetitivas de comportamento, de vez que os conhecimentos sistematizados por acadêmicos e os acumulados pela experiência de consultores enriquecem o patrimônio gerencial da instituição. Especialmente, conforme pontua Motta, o diálogo estratégico não pode ser jamais o simples somatório ou a consolidação de opiniões isoladas e metas de um grupo pequeno. Deve, sim, resultar em um plano consensual sobre as prioridades coletivas e as obrigações e compromissos. No caso da Corregedoria Geral da Justiça do Acre impende refletir sobre uma nova visão para o pensamento e a gestão estratégica centrados nos denominados três momentos fundamentais: missão, visão e estratégias. (Paulo Motta, p. 13)102. Certo é que o improviso e a informalidade não mais têm lugar na administração judiciária. Tanto é que, o Conselho Nacional de Justiça editou ato normativo − Resolução nº 49, de 18.12.2007 – que determina aos Tribunais de Justiça a criação de núcleos de gestão estratégica e de estatística destinados a auxiliar o Tribunal de Justiça na racionalização do processo de modernização institucional bem como subsidiar o processo decisório dos magistrados conforme princípios estritamente profissionais, científicos e éticos. Na mesma perspectiva, no Encontro Nacional do Judiciário, realizado na cidade de Brasília-DF, em 25.08.2008, os Presidentes do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, o Coordenador-Geral a Justiça Federal e os Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho, dos Tribunais Regionais Eleitorais, dos Tribunais de Justiça, dos Tribunais de Justiça Militar e do Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça firmaram a Carta do Judiciário, assumindo o compromisso com o planejamento e com a execução, de forma integrada, de um conjunto de ações voltadas ao aperfeiçoamento da instituição e à efetividade da prestação jurisdicional. Por tudo isso, ad conclusum, a formulação do Planejamento Estratégico da Corregedoria Geral da Justiça contribuirá decisivamente para a modernização dos serviços judi102 MOTTA, PAULO ROBERTO, org., Disciplina Planejamento Estratégico. Programa de MBA em Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas. 104 Revista ESMAC ciais e extrajudiciais de um Poder Judiciário melhor, apto a servir à sociedade de forma mais eficiente, transparente e efetiva, em cumprimento ao primado constitucional da razoável duração do processo, tornando concretos os direitos e as garantias fundamentais inscritos na Constituição Federal. REFERÊNCIAS ARRUDA, Samuel Miranda. O direito fundamental à razoável duração do processo. 1. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes irresponsáveis? Tradução: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 19.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 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Diante das premissas supramencionadas, a metodologia estabelecida neste estudo visou um delineamento do caminho percorrido pelo Poder Judiciário nos âmbitos mundial, nacional e estadual, tudo, no sentido de melhor subsidiar no fornecimento de ferramentas de gestão, sempre com os olhos voltados para as situações já erigidas ao sucesso. Portanto, o estudo de variedades culturas e sistemas complexos judiciais, fazem com que tenhamos necessidade de modernização das estruturas arcaicas as quais somos submetidos, propiciando, daí, a real necessidade do Poder Judiciário estabelecer métodos de planejamento de gestão a altura de um melhor atendimento aos Jurisdicionados. Com efeito, é fato notório que a comparação é o método primordial e ferramenta indispensável para a pesquisa, pois é através dela que se aperfeiçoa a análise estratégica, evitando-se a mera e simples imitação, dando, com certeza, um horizonte de luz nas reformas preponderantes e necessárias ao nosso Sistema Judiciário. Na mesma esteira de raciocínio se encontra a necessidade de estudos organizacionais comparativos para que com uma visão preponderante de melhor atendimento encontremos o melhor caminho para a construção de um Poder Judiciário, onde a missão seja sempre no sentido de buscar aprimoramentos nas ferramentas cotidianas de instrumentalização e construção de rotinas administrativas. As rotinas administrativas coligidas nos métodos de estudos servem para dar toda a estrutura de fomento organizacional, no sentido de melhor gerir o Poder Judiciário, isso de forma gradativa e quebrando as amarras da centralização existentes e criadas cotidianamente no seio do Poder em questão. Por derradeiro, é importante ressaltar que diversos fatores, dentre os quais, os sócio-culturais, econômicos ou políticos, influenciam sobremaneira nos aspectos intrínsecos de Gestão do Poder Judiciário, temas estes, que, também, serão abordados neste singelo estudo. 107 1. PODER JUDICIÁRIO – GESTÃO – DESCENTRALIZAÇÃO – AMPLITUDE MUNDIAL Não há como esconder que o fenômeno da globalização exerce forte influência no estudo de uma melhor Gestão do Poder Judiciário, conforme será fartamente demonstrado no estudo a seguir alinhavado. Os entes públicos, já há alguns anos, vêm-se confrontando com as intervenções empresariais na sociedade global e delas consegue arrancar modelos de gestão que, objetivando eficiência, primam pelo “downsiging”, pela descentralização decisória e, sobretudo, pela racionalização orçamentária e administrativa de inadiável aplicação à Administração Pública.103 Não se pode mais focar o serviço judicial como era há algumas décadas em que a sociedade movia-se mais lentamente. Hoje, as telecomunicações e a sociedade de informação integram-se a uma era virtual. Atualmente, não é mais cidadão de uma província ou de um burgo. Pagamos tarifas“globais”e nos comunicamos com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, desembolsando, ou melhor, debitando em uma conta corrente, desde alguns centavos ou dólares, para custear um serviço interativo que nos é prestado. Vivemos, também, a era do tele-trabalho e dos serviços personalizados. Do lado dos excluídos ou dos que ainda não ingressaram nesse nicho sofisticado da sociedade de serviços, a visão é que se mantém distanciada do sentido de transformações do tempo e do espaço.104 Quando discorremos sobre Gestão do Poder Judiciário, esta se busca numa amplitude a fugir do alcance da visão, pois a maior celeridade do Poder em questão caminha desde uma melhor legislação, abrangendo, assim, aspectos de celeridade, métodos de aplicabilidade de modelos novos, até chegar numa melhor destinação dos recursos financeiros aplicáveis na órbita interna. Por sua vez, o planejamento contém um componente indescartável que é a objetividade. A fixação de metas pressupõe métodos que a ciência nos fornece, a partir da contribuição dos que pararam para refletir nos objetivos propostos ou almejados. E o método facilita quem o emprega e pode ser transmitido por uma educação voltada para que ele, a partir da experiência, seja utilizado pela e em favor de uma maior parcela de pessoas e atividades.105 103 FREIRE, Alexandre Costa de Luna – Juiz Federal – Administração Judiciária - Tom Peters, em “Conheça os modelos de empresa antes de reinventar a sua”, Folha Managent, n. 16, de 27.11.1995 – 104 FREIRE, Alexandre Costa de Luna – Juiz Federal – Administração Judiciária – A Lentidão e a Estatística.. 105 FREIRE, Alexandre Costa de Luna – Juiz Federal – Administração Judiciária. 108 Revista ESMAC 1.1. Modelo de Gestão - Estados Unidos Somente à guisa ilustrativa, a Justiça Americana, em regra, serve de modelo, e pode, precisamente, ser atribuída à adoção de outras formas de solução de conflitos, como a arbitragem, mediação e o sistema do rent-a-judge. A arbitragem e mediação têm sido aplicadas no Brasil com grande sucesso nos Juizados Especiais e Tribunais Arbitrais. A Universidade de Harvard desenvolve um Projeto de Estudo de Negociação (The Harvard Negotiation Project), mediante acordo sem concessões (Agreement without Giving In), com a participação da figura do negociador, que é um terceiro, um assessor, que orienta as partes litigantes sobre a melhor forma de fazer o acordo. Ao se comparar o sistema judicial brasileiro com o sistema judicial norte-americano, por exemplo, emerge a clara necessidade de adotarmos algumas mudanças que permitam maior acesso ao jurisdicionado, bem como mais democratização do sistema e melhor divisão de competências. Nos Estados Unidos da América às decisões da Suprema Corte (U.S. Supreme Court) vinculam o Judiciário e valem para todo o País e para todos, podendo ser reformuladas para adaptar a aplicação dos princípios a novos tempos. O mesmo ocorre relativamente à Corte Federal de Apelação (Federal Court os Appeals). Já o nosso Supremo Tribunal Federal – STF, de acordo com a competência que lhe foi atribuída pela Carta Política de 1988, concentra grande quantidade de demandas, o que vulnera a sua função precípua de Guardião da Constituição. Com o advento da Legislação de n° 11.418, a qual modificou a nossa Lei Adjetiva Civil, no sentido de melhor adequá-la à exigência da demonstração da repercussão geral das questões constitucionais. Na mesma esteira a Emenda Regimental nº 21, de 30 de abril de 2007, completou a normalização da matéria, alterando a redação de diversos artigos do Regimento Interno do Supremo. Construiu-se, assim, o famoso filtro recursal ao Recurso Extraordinário, possibilitando, que o Supremo Tribunal Federal utilize-se do direito comparado para invocar o requisito da transcendência, exigido pela Suprema Corte Argentina e o writ of certiorari adotado pela Suprema Corte Norte-Americana. Vale lembrar, ainda, o stare decisis, forma abreviada da expressão latina stare decisis et non quieta movere (ficar com o que foi decidido e não mover o que está em repouso), constitui-se na pedra angular do sistema do Common Law, por força do qual “a decision by the highest court in any jurisdiction is binding on all lower courts in the same jurisdiction”.106 E não pára por aí, pois existe, ainda, o Judicial Council, cuja função primordial é o planejamento estratégico das políticas públicas do Poder Judiciário. No Brasil, caminhamos a passos lentos com a SúmulaVinculante, caso copiássemos integralmente o modelo do stare decisis, como é praticado nos EUA, estabelecendo o primado do precedente judicial, que contribui para a diminuição de demandas já reiteradamente decididas no Judiciário, certamenteseporiafimàscausasprevidenciáriasreiteradas,àsindenizatóriaseasdeplanoseconômicoscontraoEstado,quesãoasquemaisentulhamecontribuemparaamorosidadetãoproclamadadoJudiciário brasileiro. 106 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 1984, pág. 80. 109 1.2. Modelos de Gestão - Instituições Mundais Nota-se, que os modelos supramencionados servem de arcabouços lógicos a estruturar qualquer modelo mundial de Gestão de Poder Judiciário, somente a título de exemplos, entretanto, isso não é suficiente, já que nos Estados Unidos, o assunto é prioritário, como deveria o sê-lo em qualquer outra nação. Naquele País, há dezenas de anos existem órgãos públicos e privados que se dedicam, com exclusividade, ao aperfeiçoamento do Poder Judiciário. No âmbito federal, existe em Washington, D.C o Federal Judicial Center; que promove permanentes cursos de atualização para os magistrados, além de realizar estudos constantes de técnicas de administração judiciária. Na esfera estadual, em Williamsburg, Estado de Virgínia, encontra-se o National Center for States Courts, que é uma entidade privada financiada pelos Tribunais dos 50 estados norte-americanos. Seu objetivo, da mesma forma, é o aperfeiçoamento da Justiça, inclusive com um laboratório experimental da Justiça do futuro. No Estado de Nevada funciona o Judicial National College, também destinado à magistratura dos estados. Localizado em uma área de grandes proporções, recebe Juízes para cursos que vão desde atualização em determinadas áreas até o mestrado. Suas acomodações permitem que os magistrados se façam acompanhar das famílias, conciliando, assim, a dedicação aos estudos e ao lazer familiar107. Mais próximo, temos o CEJA — Centro de Estudos de Justiça das Américas -, entidade autônoma vinculada à Organização dos Estados Americanos, com sede em Santiago do Chile, que tem por objetivo a reforma e a modernização dos sistemas judiciais do continente, vem promovendo congressos e publicações sobre a matéria.108 Na Argentina, a Organização Não-Governamental FORES – Foro de estúdios sobre La administración de justicia -, promove, há mais de 30 anos, congressos, concursos, publicações e outras atividades com grande sucesso109. Depois deste breve apanhado, chega-se a conclusão que não basta pequenas alterações na legislação, novos modelos, contudo, sem adentrarmos no cerne da problemática, qual seja a utilização adequada de recursos públicos numa melhor estruturação do Poder Judiciário para o atendimento ideal aos jurisdicionados, sob pena de se assim não o fizermos, estaremos, com certeza, edificando algo que dificilmente poderá ser destruído. 107 FREITAS, Vladimir Passos – A eficiência da Administração da Justiça – Revista da AJUFFERGS/03 – p. 79. 108 FREITAS, Vladimir Passos - Gestão do fórum como parte da administração da Justiça - http://groups.google.com. br/group/gustavorochainforma/browse_thread/thread/4b9c32ad97c25f4d 109 CARDENAS, Chayer, 2005 110 Revista ESMAC 2. PODER JUDICIÁRIO – GESTÃO – DESCENTRALIZAÇÃO AMPLITUDE NACIONAL As dificuldades destes tempos foram bem retratadas nos Sermões do Padre Antonio Vieira. Nas palavras de Arno e Maria José Wehling, o principal obstáculo para a ineficiência portuguesa e colonial era, na denúncia de vieira, o espírito cartorial, com seus tortuosos meandros, e a massa de documentos que exigia: petições, patentes, certidões, justificações, folhas corridas. aí esta a origem do nosso poder judiciário110. Com o advento do Sistema Republicano, o nosso Poder Judiciário procurou grande aproximação com o modelo implementado nos Estados Unidos. Somente à guisa de comentário, é importante frisar que após a Revolução Francesa e a Declaração da Independência dos Estados Unidos, ressalvadas tímidas exceções, como na Inglaterra, ganhou o Judiciário status de Poder, e mesmo assim com fortes restrições, inclusive nas Constituições Francesas deste século, não menos verdadeiro é que nesta mudança de século e milênio está ele a assumir postura ainda mais relevante, colocando-se como guardião da cidadania e, via de conseqüência, da própria sociedade, perfil que lhe dão as próprias leis básicas, a exemplo da Constituição brasileira de 1988, que capitaneia, entre nós, um rico acervo de leis de grande expressão social, quer em relação ao direito material, quer no que tange ao direito instrumental111. Daí a grande pergunta que insiste em provocar celeumas: - O Poder Judiciário Brasileiro está preparado para enfrentar a problemática administrativa/orçamentária no seu arcabouço estrutural? A “crise” das instituições no Brasil e no mundo moderno advém da chamada “crise de valores”. A existência humana é descrita, antes de tudo, a partir da luta pela sobrevivência. Desde ocasiões imemoriais o homem apenas transpôs, em algumas nações, a consciência da selva propriamente dita, para a selva de pedra, de aço, de silício, de silicone, de chips ou de qualquer outra que a tecnologia venha a proporcionar112. 110 A eficiência na Administração da Justiça – Vladimir Passos de Freitas citando WEHLING, Arno e Maria José, Direito e Justiça no Brasil Colonial, p. 101. 111 TEIXEIRA, Sálvio da Figueiredo - O JUDICIÁRIO E AS PROPOSTAS DE UM NOVO MODELO - http://www.neofito. com.br/artigos/art01/jurid185.htm 112 FREIRE, Alexandre Costa de Luna – Juiz Federal – Administração Judiciária 111 2.1. Poder Judiciário - Expressão da Soberania Nacional Primeiramente, entendo de bom alvitre trazer lições do Saudoso Tancredo Neves: “O Poder Judiciário é a expressão de nossa soberania, de nossa cultura, de nossa dignidade cívica. Enquanto tivermos Poder Judiciário vigilante, a Democracia do Brasil poderá sofrer eclipses, mas jamais entrará em colapsos definitivos.” Poder-se-ia, ainda, iniciar a explanação sobre o âmbito administrativo do Poder Judiciário, atualmente guarnecido pelo art. 96 da Carta Magna, o qual transcrevo na íntegra: “Art. 96. Compete privativamente: I - aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos; b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva; c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição; d) propor a criação de novas varas judiciárias; e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei; f ) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores que lhes forem imediatamente vinculados; II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores; b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores; d) a alteração da organização e da divisão judiciárias; III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.” E quanto ao orçamento, eis o seu texto: “Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, siste- ma de controle interno com a finalidade de: I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem 112 Revista ESMAC como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. § 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária. § 2º - Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.” Já o art. 93, XIV, da nossa Lex Mater, nos traz lapidares ensinamentos e com certeza servirá de parâmetro para todo o deslinde da discussão que versa sobre tal assunto: “os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório.” Portanto, ao se falar em Administração Judiciária, as duas faces se transformam, em realidade, em faces fugazes como uma moeda em movimento. É esta a figuração que se transporta à subjetividade do raciocínio judicial diante do ¨cliente-cidadão”. Intermitentes “juízos” – seja uma única “ação” contida nos “autos do processo”, sejam múltiplas, individuais ou coletivas –diante da estrutura legislativa existente e da demanda avassaladora das pretensões à tutela judicial, no quadro da diversa e difusa balcanização (balcão de atendimento; neologismo, oficioso, limitado às carências coletivas de direitos individuais mínimos, que acomete ao Poder Judiciário Brasileiro do Século Vinte e Um113. 2.2. Modelos de Administração da Justiça Brasileira “No Brasil, como é sabido, os Juízes que administram os fóruns não são preparados para exercer tal função. Normalmente, são escolhidos pelos órgãos de cúpula dos tribunais, tendo em vista a antiguidade, a respeitabilidade de que gozam na sua comarca (subseção judiciária ou unidade judiciária, na Justiça Federal e do Trabalho) ou mesmo a afinidade com o presidente do tribunal. Assim, assumem atribuições para as quais não estudaram e, de um dia para outro, deixam os seus processos (ou continuam com eles, cumulativamente) e passam a preocupar-se com os conflitos entre funcionários, as vagas no estacionamento, a necessidade urgente de consertar o telhado e coisas semelhantes. Aqui é preciso que se esclareça um detalhe pouco conhecido. O diretor do foro da seção judiciária da Justiça Federal em um estado é o gestor administrativo de todos os serviços judiciários na unidade da federação. Seu orçamento é expressivo, seu poder e responsabilidades imensos. É por isso que, na maioria das seções judiciárias, o diretor do foro se afasta da jurisdição, já que é praticamente impossível ser juiz e administrador a um só tempo. No interior de alguns estados, existem as subseções judiciárias, equivalentes às comarcas de Justiça Estadual. As subseções também têm os seus diretores, porém seus poderes são mínimos, quase que exclusivamente de representação. 113 FREIRE, Alexandre Costa de Luna – Juiz Federal – Administração Judiciária 113 Na Justiça do Trabalho, o diretor do fórum (ou do foro, conforme o hábito local) é escolhido pelo presidente do Tribunal Regional do Trabalho, pelo período de dois anos, não tem autonomia administrativa e financeira e nada recebe a tal título. Atuam nas áreas de jurisdição de suas unidades judiciárias, termo equivalente às comarcas da Justiça Estadual. Na Justiça Estadual, regra geral, o diretor do fórum (termo usado na maioria dos estados) não tem autonomia administrativa e financeira. Age por delegação do tribunal, tem poderes restritos à sua comarca e, conseqüentemente, menos independência funcional”114. No Tribunal de Justiça de Rondônia, os diretores dos fóruns são ouvidos na elaboração de seu orçamento e, com isto, podem externar algumas necessidades que a administração central desconhece. Além disto, a Lei Estadual 271, de 19 de maio de 2005, e a Resolução 09/05, permitem a contratação de administrador do fórum para auxiliar o juiz nesta função115. Nota-se, cristalinamente, a forma simplória de enfrentamento por parte do Poder Judiciário, quando se depara com o tema da Administração da Justiça, entretanto, recentemente, tem-se deparado com ares de seriedade sobre o assunto. Portanto, a administração judiciária, enquanto habilidade pessoal necessária aos operadores do Direito é uma idéia muito recente. Os cursos jurídicos no Brasil não contemplam em seus currículos nem mesmo a disciplina de Introdução à Administração. Por certo, é a finalidade de prestar a jurisdição que norteia o recrutamento dos magistrados. No entanto, tendo ingressado na magistratura, o juiz tem diante de si desafios que extrapolam o direito e a jurisdição. Percebe que, diante do vultoso número de processos a serem apreciados, a necessidade e o dever lhe imputam atividade diversa daquela para a qual sua formação acadêmica o habilitou: a de administrar os meios necessários para prestar a jurisdição. À frente da vara, da seção judiciária, de seu gabinete ou na presidência do tribunal, o magistrado administra recursos humanos e materiais, administra o tempo, delega atribuições [e estabelece os procedimentos mais adequados para o bom funcionamento de sua unidade jurisdicional.116 O Ministro Mário Guimarães ao discorrer sobre a autonomia do Poder Judiciário, pontificou: “A admissão do Judiciário como poder autônomo, representa, por conseguinte, indeclinável garantia dos direitos dos cidadãos, sem o qual não é possível o florescimento da vida democrática e assinala um marco avançado na evolução jurídica dos povos.” 2.3. Das Reformas Instituídas pelo Conselho Nacional de Justiça Não se olvide que o Brasil deu inicio a recentes reformas no sistema judiciário, visando à democratização do Poder, com a criação de um órgão de controle das suas atribuições administrativas e financeiras, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o qual conta, inclusive, com membros oriundos de outras instituições da sociedade civil, alheios ao Poder Judiciário, fato que foi alvo de acirradas críticas iniciais, mas que, depois, acabou por ter boa aceitação junto à própria magistratura. 114 Freitas, Vladimir Passos - Gestão do fórum como parte da administração da Justiça http://groups.google.com.br/group/ gustavorochainforma/browse_thread/thread/4b9c32ad97c25f4d 115 Freitas, Vladimir Passos - Gestão do fórum como parte da administração da Justiça http://groups.google.com.br/group/ gustavorochainforma/browse_thread/thread/4b9c32ad97c25f4d 116 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062 114 Revista ESMAC Nota-se, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça veio de forma a exigir uma maior Prestação de Contas no sentido lato de todos os Tribunais do Brasil, onde fica patente a busca no Direito Comparado da expressão accountability (prestação de contas), embora pouco conhecida na administração pública brasileira, é bastante valorizada no sistema judicial americano, inclusive na estrutura dos órgãos que fazem parte da administração da justiça, haja vista que possibilita a fiscalização de planos de metas e avaliação periódica do funcionamento da Instituição. Em 30 de agosto de 2006, o Conselho Nacional de Justiça, deu o primeiro passo quanto a necessidade de melhor administrar a Justiça, quando a Ministra Ellen Gracie asseverou: “O magistrado precisa ser um grande administrador, com visão moderna”117. Para viabilizar a construção de um método de planejamento estratégico para o sistema judiciário, o ideal seria a criação de um centro de estudos de administração judiciária acobertado pelo Conselho Nacional de Justiça, para, partindo da metodologia proposta por Carlos Matus, desenvolver um método de planejamento específico para o sistema judiciário. Um planejamento estratégico nesses moldes significaria o envolvimento gradativo das várias estruturas necessárias à realização da Justiça em torno de objetivos comuns, tendo em vista terem sido consensualmente estipulados118. O inciso XIII, do art. 19 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça estabelece, para a definição e fixação do planejamento estratégico do Poder Judiciário: “a participação dos órgãos do Poder Judiciário, podendo ser ouvidas as associações nacionais de classe das carreiras jurídicas e de servidores”. A análise das metodologias de planejamento estratégico é realizada no contexto da formulação de um plano de reforma do sistema judiciário brasileiro. Esse tema ganha relevância na medida em que serve como análise das opções metodológicas a serem adotadas pelo Conselho Nacional de Justiça em sua missão de definir e fixar o planejamento estratégico do Poder Judiciário119. Na mesma linha de raciocínio, o 42° Encontro Nacional do Colégio de Corregedores-Gerais da Justiça, criou a CARTA DE VITÓRIA/ES, nos seguintes termos: “O Colégio Nacional de Corregedores-Gerais da Justiça do Brasil, reunido na cidade de Vitória - Capital do Espírito Santo, entre os dias 09 a 12 de Agosto de 2006, constantemente preocupado com o funcionamento e a atualização do Poder Judiciário, deliberou, por unanimidade, o seguinte: I - RECOMENDAR aos órgãos do Poder Judiciário dos Estados e do Distrito Federal: a) a adoção de mecanismos eficazes no sentido de instruir os agentes judiciais a melhor administrarem os bens móveis judicialmente depositados; b) a elaboração de projetos capazes de incentivar maior aproximação do Judiciário com os jurisdicionados, proporcionando-lhes acesso fácil à Justiça; II - APOIAR o Conselho Nacional de Justiça na iniciativa de elaborar normas para a uniformização dos procedimentos disciplinares envolvendo magistrados e de estabelecer estra117 http://www.cnj.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2463&Itemid=42 118 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062 119 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062 115 tégias visando à melhoria da prestação jurisdicional; III - SUGERIR aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal que assegurem às Corregedorias dotações orçamentárias, conferindo-lhes autonomia financeira; Vitória/ES, 11 de Agosto de 2006”. Em matéria recente, publicada no site da CONJUR, restou demonstrado o NOVO ROSTO, por qual o Judiciário avança com práticas inovadoras de Gestão, da lavra de Gláucio Milício: “O Judiciário brasileiro está mudando de rosto. Muitos juízes do século XXI perceberam que não basta mais apenas dar despachos e sentenças. Agora, há espaço para uma nova figura na Justiça: o juiz administrador. Prova disso são as práticas inovadoras de gestão que muitos deles vêm apresentando para agilizar os julgamentos dos processos. A idéia de despertar o juiz gestor surgiu, no ano passado, quando o Conselho Nacional de Justiça fez uma parceira com a Associação dos Magistrados Brasileiros e com o Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça para discutir e divulgar as melhores práticas de gestão, eficiência e qualidade da administração judiciária. Desde então, integrantes do CNJ foram a campo conferir novos projetos de gestão, conhecer propostas de tribunais e varas e criar uma rede de metas comuns nacionais e locais. Tudo isso na busca de uma prestação jurisdicional efetiva. Nos últimos meses, o Conselho promoveu encontros em diversas regiões do país. Recentemente, a Justiça estadual do Rio Grande do Sul apresentou propostas inovadoras. O encontro regional aconteceu no dia 13 de outubro. O foco foi o papel de liderança dos juízes com o conhecimento em gestão. Foram apresentados práticas de gestão compartilhada, processo virtual, gravação de depoimentos em CD, leilão virtual e soluções para demandas de massa. O Modelo de Gestão Compartilhada foi apresentado pelo juiz José Luiz Leal Vieira. Ele foi criado enquanto o magistrado fazia parte da Comarca de Casca, no interior do Rio Grande do Sul. O juiz, hoje na Comarca de Frederico Westphalen, disse à revista Consultor Jurídico que a necessidade surgiu depois de a demanda processual ser quadruplicada na Comarca. A equipe fez um mapeamento das ações em tramitação e o seu tempo de solução. Logo depois, foram padronizados e adotados procedimentos que conferiram maior celeridade aos processos. O primeiro passo adotado foi melhorar o ambiente de trabalho, com medidas para potencializar a saúde física e mental da equipe. Isso com o reconhecimento das boas iniciativas e uma efetiva participação de cada um. Ele destacou que o modelo de gestão, onde todos participam, pode ser adotado por qualquer unidade jurisdicional. Segundo Vieira, no momento da implementação do projeto, a equipe se comprometeu com a filosofia da qualidade. Iniciou-se, então, uma padronização de acordo com fluxos ajustados a cada tipo de ação. Assim, aqueles despachos judiciais que aparentemente facilitavam o trabalho judicial e cartorário foram revistos. O juiz disse que houve, por exemplo, a exclusão da chamada réplica automática sem o processo ser concluso ao juiz. “Aboliuse uma prática que até então era considerada um ganho em termos de tempo e trabalho. Com isso, obteve-se, de imediato, redução nos prazos de tramitação desses processos em 60%”, disse. Segundo ele, foi feita uma pesquisa de opinião da sociedade em relação ao Judiciário local. Para o juiz, os resultados foram “extremamente positivos” e “balizarão as próximas ações do Judiciário”. Com o trabalho, a comarca tornou-se referência por causa de seu atendimento diferenciado, espírito de equipe e trabalho social junto à comunidade. 116 Revista ESMAC Ainda no Rio Grande do Sul, o juiz Vancarlo André Anacleto, da Comarca de Igrejinha, começou a utilizar o Processo Virtual para dar celeridade na prestação jurisdicional. Lá, diversos atos processuais são comunicados por e-mail, procedimento que a Corregedoria-Geral da Justiça já estendeu para todo o estado. Em 2006, a virtualização foi estendida para ações de Execução Fiscal no município, reduzindo 68% dessas demandas. Em março de 2007, havia 9.545 execuções. Em junho deste ano, o número foi reduzido para 6.165. Ações de separação e divórcio, dissolução da união estável e alimentos também tramitam pela internet. Qualidade na Gestão Vieira destacou que hoje o magistrado tem duas funções importantes: julgar e administrar. Ele ressaltou, contudo, que a principal função é a de prestação jurisdicional e a de dar andamento nos processos. A função de gestor é secundária, diz o juiz, mas não menos importante. “A qualidade da sua gestão vai repercutir na prestação jurisdicional. O juiz pode ter a mesa limpa, sem nenhum processo para despachar, mas a Comarca dele — aos olhos do cidadão — pode não ser boa”, registrou. Questionado pela ConJur se existe um modelo ideal de boas práticas, o juiz explicou que o Judiciário atua em diversas áreas e com diferentes realidades. E que, por isso, não existe um modelo padrão de inovação. Por fim, o juiz ressaltou que a gestão compartilhada com servidores e funcionários é simples e não depende de grandes conhecimentos em administração. “É preciso sair da resposta de que é necessário mais juízes, mais servidores e mais computadores. É preciso força de equipe para enfrentar a demanda que só tende a crescer”, ressaltou. Outro canto do país Na segunda feira (20/10), outras práticas de gestão mostraram como imprimir celeridade à Justiça. O Encontro Regional de Planejamento do Poder Judiciário aconteceu em Cuiabá (MT). No final do encontro, foram apresentadas 40 sugestões de boas práticas do Judiciário. O Tribunal de Justiça da Bahia deve copiar algumas delas, ainda este ano, para agilizar o julgamento de seus processos. De acordo com dados recentes do CNJ, há mais de 100 dias, 40.950 processos estão conclusos à espera de sentença na Justiça da Bahia. O TJ de Mato Grosso, para racionalizar o atendimento e o gerenciamento de processos, mudou e padronizou as escrivaninhas para somente um servidor atender o público, enquanto os outros ficam cada um em outra função. O juiz auxiliar da Corregedoria de Justiça do TJ de Mato Grosso, Luis Aparecido Bertolucci, afirmou na ocasião que nas varas em que foram substituídos carimbos e documentos por registro de atos processuais em formulários padronizados houve bons resultados. Segundo ele, evitou-se a perda de tempo e o volume dos autos foi reduzido, em média, 25%. O presidente do TJ-MT, Paulo Lessa, destacou também da criação da Central de Conciliação de Precatórios, inspirada no TJ de Minas Gerais. Encontros marcados OspróximosencontrosregionaisdevemaconteceremPernambuco(27/10),RioGrandedo Norte (29/10), Bahia (3/11), São Paulo (6/11) e Santa Catarina (11/11). Nodia8dedezembro,haverámaisumencontronacionalparaconsolidartodasaspropostas estaduais.Asboaspráticasdegestãoeplanejamentoapresentadasserãocompiladastambémparainserção 117 no Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça de 2008 a ser enviado ao Congresso Nacional”120. Gilmar Ferreira Mendes traz lapidares ensinamentos sobre a real necessidade de novos tempos no arcabouço estrutural do Poder Judiciário: “No Judiciário, a antiga estrutura processual e administrativa consubstancia desafio a ser enfrentado a partir da perspectiva do planejamento estratégico de todos os tribunais, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça, dirimindo o renitente problema de lentidão processual, bem como aumentando a transparência e o acesso dos cidadãos -sobretudo dos mais carentes- à prestação de justiça. Tal racionalização está em andamento com a informatização de todos os órgãos. Não se trata de mera opção técnica, mas de escolha inspirada nos direitos humanos. No caso das varas de execução criminal, a informatização permitirá o controle adequado da situação dos presos e evitará a manutenção da prisão além do tempo determinado e fora das condições impostas pela condenação judicial. A Justiça brasileira realmente tornou-se mais forte com a autonomia administrativa e financeira obtida a partir da Carta de 1988, cujos 20 anos coincidem com os 200 anos da criação do primeiro órgão de cúpula da Justiça nacional, hoje personificado no Supremo Tribunal Federal, corte que vem a ser a própria representação da constitucionalidade, da ordem institucional”121. O CNJ quer construir um modelo de planejamento estratégico nacional. Ele será apresentado à sociedade no dia 8 de dezembro, Dia Nacional da Justiça. O conselheiro Antônio Antonio Umberto de Souza Júnior lembrou que a intenção do CNJ é inverter a lógica de atuação. Ele disse que, no começo, a relação entre o CNJ e os tribunais foi de guerra por causa do combate ao nepotismo.“Agora, pela primeira vez, há uma agenda organizada para o auto-conhecimento do Judiciário. É uma fase de cooperação judiciária. Os TJs que não conheciam práticas dos tribunais vizinhos passam a conhecê-las”, disse122. Na mesma esteira, a Carta de Cuiabá traz propostas inovadoras para melhorar o Poder Judiciário Brasileiro: “CARTA DO ENCONTRO REGIONAL EM CUIABÁ (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás) Os Presidentes dos Tribunais de Justiça de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, o Vice-Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, representantes dos Tribunais Regionais Eleitorais de Mato Grosso do Sul e de Goiás, os Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho da 18ª e 24ª Região, o Presidente em exercício do TRT da 23ª Região, a Juíza-Auditora da 9ª CJM, os Presidentes da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho – AMATRA XXIII, da Associação dos Magistrados Estaduais ASMEGO e AMAM e o Delegado da Associação dos Juízes Federais – AJUFE do Mato Grosso, em reunião regional promovida pelo Conselho Nacional de Justiça e realizada na cidade de Cuiabá - MT, no dia 20 de outubro de 2008, após a discussão dos assuntos constantes da pauta, apresentaram as seguintes sugestões de boas práticas do judiciário e propostas de objetivos estratégicos: 120 Revista Consultor Jurídico, 23 de outubro de 2008 121 Mendes, Gilmar – A Constituição e a estabilidade democrática – Site do CNJ 122 Revista Consultor Jurídico, 20 de outubro de 2008 - Pinho, Débora - Cooperação Judiciária 118 Revista ESMAC - Implantar e fazer a gestão do planejamento estratégico institucional participativo, compatibilizando-o com o orçamento. - Desenvolver planejamento de longo prazo, na perspectiva de continuidade das ações nas mudanças de gestão, como forma de comprometimento com a instituição Judiciário. - Aperfeiçoar a sistematização dos dados estatísticos no Tribunal a fim de que sejam monitorados e produzam insumos para a gestão. - Implantar o escritório de projetos disseminando a cultura de gerenciamento de projetos. - Otimizar os processos de trabalho através da normatização, padronização de procedimentos e uso da tecnologia como iniciativa para promover a entrega da prestação jurisdicional em tempo razoável. - Adotar metodologia de organização do espaço de produção, racionalização do processo de produção, com vistas a melhorar a produtividade nos gabinetes e nas secretarias. - Promover a capacitação contínua dos magistrados e servidores, inclusive na área de gestão e de orçamento, se valendo do EAD para treinar um maior número de servidores e implantando a Escola de Servidores. - Focar na valorização e bem estar dos recursos humanos através de práticas dirigidas à saúde dos servidores e dos magistrados e ao plano de cargos e salários dos servidores. - Promover ações de responsabilidade sócio-ambiental. - Proporcionar a justiça itinerante para atendimento da justiça nos lugares mais longínquos, promovendo o acesso à justiça. - Investir em projetos da justiça comunitária. - Desenvolver a consciência de princípios e conceitos relacionados à cidadania e aos direitos fundamentais por meio de parceria com a Secretaria da Educação e outras entidades, utilizando como subsídio cartilhas e capacitação de instrutores. - Prevenir as infrações disciplinares no Poder Judiciário através de sistema e políticas de controle acompanhando cada servidor para identificar práticas obsoletas e inadequadas inovando com o ajustamento de conduta, em caso de falta leve, sem que seja instaurado processo administrativo. - Gerenciar a informação sob as perspectivas da qualidade, da transparência e da segurança. - Implantar a gestão documental para agilizar os processos de trabalho, o trâmite processual e proporcionar a modernização de arquivo. - Celebrar convênios com outras entidades (por exemplo INCRA, Juntas Comerciais, Procuradoria Geral da Fazenda, OAB, RENAJUD, INFOJUD, BACENJUD) para otimizar a execução e a prestação jurisdicional. - Implantar o setor de praças e leilões que concentre a expropriação de bens e tem se mostrado como instrumento de elevado resultado. - Utilizar a estatística por meio de relatório eletrônico como mecanismo de gerenciamento da informação e identificação de anomalias que precisam ser enfrentadas pela administração do Tribunal. - Implementar o processo eletrônico, inclusive com gabinete virtual, de modo que o magistrado possa exercer suas atividades em qualquer lugar por meio de certificado digital. - Conscientizar os advogados acerca da adequação aos procedimentos eletrônicos. - Perceber a importância da transparência não só do trâmite processual, mas também, da gestão administrativa e orçamentária. - Promover a integração entre os magistrados e engajá-los no processo de planejamento e gestão estratégica do Tribunal. - Avaliar o desempenho de magistrados e servidores através de critérios objetivos. - Implantar a Ouvidoria e o Controle Interno nos Tribunais. - Criar central de conciliação de precatórios no Tribunal. - Formar comissão permanente de conciliação, com possibilidade de realização de mais de 119 uma semana de conciliação por ano em Câmara Permanente de Conciliação. - Utilizar a tecnologia da informação para otimizar os processos administrativos e o trâmite processual. - Investir na capacitação dos servidores que realizam o atendimento ao usuário. - Implementar o Diário da Justiça Eletrônico. - Divulgar aos jurisdicionados os resultados alcançados pelos Tribunais na implementação das boas práticas de gestão. - Utilizar indicadores que meçam o nível de satisfação dos usuários internos. - Divulgar no site do Tribunal a produtividade de todos os magistrados. - Implantar a comunicação de atos com a sociedade por meio eletrônico. - Desburocratizar as atividades do judiciário diante do cenário das novas tecnologias, no sentido de rever práticas desnecessárias atualmente. - Desenvolver política de segurança institucional e do magistrado. - Firmar parceria com Receita Federal a fim de receber veículos e equipamentos apreendidos. - Pensar em políticas que regulamentem os pedidos de remoção a fim de que os Tribunais possam repor a vaga do servidor removido. - Buscar a unicidade e a integração das unidades judiciárias, tendo em vista que a sociedade percebe a justiça como um todo, independente da esfera de atuação. - Criar estímulos de permanência de magistrados e servidores nas unidades judiciárias de difícil provimento. - Sensibilizar o Poder Executivo quanto à cultura da conciliação como meio de solução rápida dos litígios. Cuiabá – MT, 20 de outubro de 2008”. Por derradeiro, entendo não ser por demais trazer lições cristalinas da lavra de Claudia Dantas Ferreira da Silva, quando asseverou que “ao tempo em que intenta lançar algumas bases para a construção de uma teoria de administração judiciária, este estudo constitui um ensaio acerca das possíveis contribuições que as modernas teorias e técnicas administrativas, principalmente as teorias de planejamento estratégico, poderiam oferecer para uma modernização do sistema judiciário. Inclui conceitos administrativos e jurídicos, propondo efetuar um diálogo entre esses dois campos, identificando-lhes as intersecções e trazendo propostas para aplicações práticas e novas reflexões teóricas”123. 123 http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062 120 Revista ESMAC 3. PODER JUDICIÁRIO – GESTÃO – DESCENTRALIZAÇÃO AMPLITUDE ESTADUAL Justificando suas deficiências com a escassez de recursos materiais e com a incompreensão dos ocupantes do Poder, o Judiciário no Brasil, talvez esquecido de que também é governo, pouco tem feito de efetivo para transformar o quadro em que se insere, em posição cômoda e irreal, quando notórias são as falhas que poderiam ser superadas com determinação e criatividade124. De outra banda, o Estado do Acre por ter uma Magistratura reduzida em números tem se dado ao luxo de implementar mudanças estruturais, contudo, sem o devido estudo de um adequado planejamento estratégico. Com efeito, tais iniciativas são visíveis quando da formatação do Projeto Cidadão, Justiça Comunitária e outros, os quais acarretaram uma maior aproximação do Poder Judiciário com as pessoas carentes, dando, assim, nova forma de se fazer Justiça, entretanto, esquecendo-se de um Planejamento Estratégico aplicável à cada situação nova vivenciada nos referidos Projetos de alcance plenamente Social. No Acre, tal preocupação com qualquer espécie de Planejamento Estratégico na seara do Poder, ocorreu somente com a estruturação do MBA em Poder Judiciário, onde os Juízes passaram a se preocupar na elaboração de estratégia para otimizar a gestão da Unidade Jurisdicional, algo de suma importância na criação de novas rotinas administrativas com o fito precípuo de estabelecer metas na entrega da Prestação Jurisdicional. Diante de tal situação, exigiu-se o engajamento de todos os Servidores para o sucesso da nova empreitada, pois mecanismos tecnológicos existiam à disposição – SAJ – Serviço de Automação Judiciária -, faltando tão somente um melhor manuseio e incentivo. A idéia de melhor desempenho está inserida na visão do conjunto organizacional, com estabelecimento de metas e objetivos a serem alcançados num determinado lapso temporal, sempre, tendo, como foco primeiro o resultado no servidor, com olhos finais no usuário. A partir de então, adequasse as principais funções visando o alcance dos objetivos e metas, com o acompanhamento constante de desempenho, avaliação e reavaliação dos resultados e da eficiência. No setor público, a busca pelo alto desempenho do setor público passa pela divisão da gestão pública em duas facetas: a tática e a estratégica. A tática, anteriormente mais aplicada, concentra decisões de caráter operacional que se destinam ao cumprimento dos objetivos. A estratégica, por outro lado, denota o esforço de definição dos objetivos e dos resultados que devem ser atingidos, sempre com perspectivas temporal de médio ou longo prazo. Ou seja, o planejamento estratégico passou a ser uma ferramenta crítica também para o alto desempenho das organizações públicas125. 124 TEIXEIRA, Sálvio da Figueiredo - O JUDICIÁRIO E AS PROPOSTAS DE UM NOVO MODELO - http://www.neofito. com.br/artigos/art01/jurid185.htm 125 CARVALHO, Rodrigo Moreira de Souza – Ensaio sobre as políticas de segurança e saúde dos trabalhadores no Brasil e nos Estados Unidos 121 3.1. Modelo de Gestão - Vara de Delitos de Tóxicoa e Acidentes de Trânsito Utilizando-se como exemplo a Vara de Delitos de Tóxicos e Acidentes de Trânsito da Comarca de Rio Branco-Acre, partindo daquela premissa maior, qual seja o aspecto da União dos servidores, realizou-se no ano de 2007 a primeira reunião para se saber o grau de dificuldade enfrentado pelos funcionários, bem como descobrir a capacidade de cada um no desempenho preciso das tarefas cartorárias, a fim de dar celeridade à prestação jurisdicional. Detectaram-se várias situações que contribuíam sobremaneira para o acúmulo de processos, com destaque para o elevado grau de dificuldade no arquivamento de feitos e a não realização de audiências dos processos antigos, razão pela qual foram estabelecidas diversas rotinas administrativas, dentre as quais: “mutirão de audiências de processos antigos”; “nova forma de condução no arquivamento de feitos”; “designação de audiência de instrução nos processos novos, com prazo máximo de 30 (trinta) dias do oferecimento da Denúncia, sempre obedecendo que, no referido prazo, o processo devia estar sentenciado”;“divisão de tarefas”; “rodízio de servidores em cada setor”, objetivando o aprendizado geral, para evitar a concentração de conhecimento de determinadas tarefas em um único serventuário, o que resultou nos quadros evolutivos, a seguir demonstrados: ANO DE 2007 SENTENÇAS/2007 500 475 450 J A NEIRO FEVEREIRO 400 M A RÇO A B RIL M A IO 300 J UNHO 250 A GOSTO J ULHO SETEM B RO 200 OUTUB RO NOVEM B RO 150 DEZEM B RO 100 TOTA L 62 43 59 56 45 53 47,5 122 IA ÉD L M TA TO M M DE ZE BR O BR O RO VE NO O M TE SE MESES UT UB O O BR ST O LH O AG JU O 0 NH O AI 59 JU 27 M RI L AB ÇO 36 FE VE RE IR IR O O 0 AR 0 35 M 50 JA NE QUANTIDADE 350 M ÉDIA Revista ESMAC AUDIÊNCIAS REALIZADAS/2007 700 687 600 J A NEIRO FEVEREIRO M A RÇO QUANTIDADE 500 A B RIL M A IO J UNHO 400 J ULHO A GOSTO SETEM B RO 300 OUTUB RO NOVEM B RO 200 DEZEM B RO TOTA L M ÉDIA 100 0 88 39 5 JA NE IRO 85 48 M A RÇO 95 93 0 M A IO JULHO 61 S E TE M B RO 84 45 68,7 44 NO V E M B RO TO TA L MESES DESPACHOS E DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS/2007 2500 2400 J A NEIRO 2000 FEVEREIRO M A RÇO QUANTIDADE A B RIL M A IO 1500 J UNHO J ULHO A GOSTO SETEM B RO 1000 OUTUB RO NOVEM B RO DEZEM B RO TOTA L 500 162 102 172 212 228 0 JA NEIRO MA RÇO MA IO 166 173 JULHO ME S E S 123 237 226 SETEMBRO 267 M ÉDIA 273 NOV EMBRO 240 182 TOTA L EVOLUÇÃO DA QUANTIDADE DE PROCESSOS EM TRÂMITE/2007 J A NEIRO FEVEREIRO 900 M A RÇO 8 0 0 851 700 QUANTIDADE A B RIL 825 M A IO 717 600 719 695 J UNHO 694 669 644 615 500 574 591 J ULHO 613 A GOSTO SETEM B RO OUTUB RO 400 NOVEM B RO DEZEM B RO 300 200 100 BR O DE ZE M BR O VE M NO BR O TO UB RO UT O SE TE M O O LH AG OS JU JU NH AI O L M AB RI O RO AR Ç M EI IR JA NE FE VE R O 0 MESES PROCESSOS DISTRIBUÍDOS E ARQUIVADOS/2007 1200 1048 1000 QUANTIDADE 800 processos distribuídos 736 600 processos arquiv ados 400 200 0 108 61 JANEIRO 186 41 68 43 MARÇO 60 55 63 52 MAIO 68 71 67 109 96 65 69 55 JULHO MESES 124 SETEMBRO 75 100 88 95 NOVEMBRO 87 61,3 54 35 TOTAL Revista ESMAC Atos do Juiz Elcio Sabo Mendes Junior SENTENÇAS/2008 0 45 391 0 40 JANEIRO FEVEREIR O M ARÇO QUANTIDADE 0 35 ABRIL 0 30 M AIO 0 25 JUNHO 0 20 AGOSTO JULHO SETEM BR O TOTA L 0 15 M ÉDIA 0 10 67 52 50 64 52 0 JAN O EI R IRO RE VE FE R IL AB O RÇ MA O LH JU O NH JU IO MA 35 34 17 14 56 AG TO OS 43,44 L TA TO RO MB TE SE D IA MÉ Atos do Juiz Elcio Sabo Mendes Junior - Audiências Realizadas/2008 350 333 JANEIRO FEVEREIRO M ARÇO NÚMERO DE AUDIÊNCIAS 300 ABRIL M AIO JUNHO 250 JULHO 200 M ÉDIA AGOSTO SETEM BRO TOTAL 150 100 50 61 48 55 J AN E IR O FE VE RE IR O MA RÇ O AB R IL MA IO JU NH O JU LH 125 O AG 37 25 10 6 0 57 43 28 OS TO SE TE MB RO TO TA L MÉ DI A Atos do Juiz Elcio Sabo Mendes Junior - Despacho/Decisão Interlocutória/2008 2500 2371 JANEIRO 2000 FEVEREIRO QUANTIDADE M ARÇO ABRIL 1500 M AIO JUNHO JULHO AGOSTO 1000 SETEM BRO TOTA L M ÉDIA 500 262 238 246 237 272 235 370 259 252 263 0 O EIR J AN IRO RE VE FE R IL AB O RÇ MA IO MA O NH JU O LH JU TO OS AG L TA TO RO MB TE SE DIA MÉ EVOLUÇÃO DA QUANTIDADE DE PROCESSOS EM TRÂMITE/08 700 600 575 546 500 497 475 430 400 407 398 392 373 300 200 100 126 O BR M TE SE AG OS TO O LH JU HO JU N O AI M L RI AB ÇO AR M O IR RE VE FE JA N EI RO 0 Revista ESMAC QUANTIDADE DE PROCESSOS DISTRIBUIDOS E ARQUIVADOS-2008 1800 1600 937 1400 processos arquiv ados 1200 1000 processos distribuídos 800 636 600 400 200 108 85 0 O EIR J AN O EIR ER F EV 87 67 M ÇO AR 126 97 65 64 R IL AB IO MA 124 110 125 77 79 82 HO J UN HO J UL TO OS AG 58 46 O BR T EM SE 102 104 71 71 T AL OT M IA ÉD Concomitante ao melhor desempenho das atividades tem que se destacar que a boa administração está diretamente ligada a boas instalações. É possível dizer que se trata de um prérequisitodaquela.Instalaçõeslimpas,arejadas,bemdistribuídas,sãofatoresquerefletemumaboa justiça. Tudo isso faz parte da arquitetura judiciária, tema praticamente ignorado no Brasil126. O Avanço na área funcional ocorreu de forma crescente, simultaneamente, com a aquisição de equipamentos adequados para o melhor desempenho das atividades internas, isso, sempre, com uma busca incessante pela adequação da arquitetura judiciária e o apoio de um Sistema de Automação, tudo ajustado à nova realidade, conforme se depreende da taxa decrescente de congestionamento: 126 FREITAS, Vladimir Passos - Gestão do fórum como parte da administração da Justiça http://groups.google.com.br/ group/gustavorochainforma/browse_thread/thread/4b9c32ad97c25f4d 127 Entretanto, não adianta progredir um alicerce, esquecendo-se de outro, qual seja, a estruturação física necessária para uma melhor prestação jurisdicional, com amparo num Planejamento Estratégico dentro da realidade Orçamentária, onde a Vara de Delitos de Tóxicos e Acidentes de Trânsito não seja utilizada somente como o fim do elo da corrente, mas, também, como início, ou seja, com trabalhos destinados a prevenção e acompanhamento de dependentes químicos. 3.2. Novas Técnicas de Planejamento Estratégico Por sua vez, estudos são necessários, no que diz respeito às técnicas de planejamento, que se desenvolveram muito entre os militares, os diplomatas, os economistas e os administradores empresariais, todos por força da competitividade do mundo contemporâneo, passam agora a ocupar o espaço jurídico. Uma difusão de técnicas e métodos importados da administração empresarial vai se incorporando gradativamente à administração dos Tribunais e à cultura jurídica. Como resultado, as práticas jurídicas começaram a desfrutar de uma maior eficiência na execução de suas atividades127. Chiavenato e Sapiro apresentam um modelo geral do processo estratégico em cinco partes: 1) Concepção estratégica: declaração da missão, da visão, definição dos públicos de interesse e seu potencial de conflito e construção da ideologia central da organização (princípios e valores); 2) Gestão do conhecimento estratégico: diagnóstico estratégico externo, diagnóstico estratégico interno e construção de cenários (previsões que estimulam a percepção de possíveis problemas para ensaiar possíveis respostas); 3) Formulação estratégica: determinação dos fatores críticos de sucesso, definição dos modelos de apoio à decisão e das políticas de relacionamento. 4) Implementação da estratégia: definição dos objetivos, elaboração das estratégias, gestão do conhecimento, sistemas de informação, desempenho organizacional, definição do sistema de planejamento estratégico (formulação, implementação e controle das estratégias, que compreende as etapas de criação, avaliação e escolha e implementação); 5) Avaliação estratégica: mensuração de desempenho por indicadores, auditoria de resultados e avaliação estratégica128. 127 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062 128 CHIAVENATO, Idalberto & SAPIRO, Arão. Planejamento estratégico. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 2003. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 5ª ed., 1999 128 Revista ESMAC 3.3. Inovações adotadas pelo Poder Judiciário Acreano Diante de diversas inovações adotadas pelo Poder Judiciário Acreano, restou por parte dos Jurisdicionados maior procura pela Justiça, que, certamente, não estava preparado para tamanha carga de trabalho. Agora, o Poder Judiciário Estadual chegou naquele momento, o qual classificamos no adágio popular: “ENTRE A CRUZ E A ESPADA”; qual seja, entre a falência do sistema judicial ou a estruturação de uma nova Justiça. A busca crescente de soluções para a crise da Justiça é um dos principais fatores que contribuíram para que ganhassem relevância os temas referentes a administração aplicada ao Direito. Isso porque, para lidar com a crescente demanda e na tentativa de minimizar a morosidade, tem-se incentivado, cada vez mais, ações criativas que possam otimizar os recursos humanos e materiais disponíveis, bem como o tempo dos magistrados e dos órgãos julgadores, e que possam, dentro dos limites legais, dar celeridade ao andamento dos processos. Para isso, os operadores do Direito têm se utilizado dos métodos e técnicas desenvolvidos pela Administração129. Partindo desses precedentes, salta aos olhos de qualquer leigo as necessárias mudanças estruturais para um melhor atendimento aos Jurisdicionados, e isto só se efetivará com a descentralização gradativa, dando termo àquela formatação arcaica de estabelecer uma centralização do Poder junto à Administração Superior, esta com destaque para a pessoa do Presidente. Com efeito, a transformação do Judiciário brasileiro é tarefa complexa e difícil, especialmente porque, além de interesses que eventualmente serão contrariados vícios e anomalias vêm de séculos. Mas é viável e imperiosa. Se quisermos todos, poderemos realizá-la, com determinação e idealismo. A mesma determinação e o mesmo idealismo que de tempos em tempos têm mudado os horizontes do mundo em que vivemos130. A aplicação de muitos dos métodos e técnicas administrativas, no entanto, requer adaptações cuidadosas, visto que a administração judiciária tem pressupostos muito diferentes dos que ditam a administração pública afeta aos Poderes Legislativo e Executivo. A Professora Cláudia Maria Barbosa ao comentar sobre o momento atual por qual passa o Poder Judiciário, aduz com muita propriedade que a “(...) cada etapa exigiu uma atuação diferente do Poder Judiciário, e nesse momento verifica-se a inadequação entre o que a sociedade dele exige e aquilo que lhe é oferecido”131. Perguntar-se-ia: Como seriam feitas essas mudanças estruturais no âmbito do Poder Judiciário Acreano? De fácil resposta num primeiro momento, mas, com certeza, de difícil compreensão aos pessimistas de plantão. Esta mudança de papel do Poder Judiciário está fazendo com que ele seja cada vez mais cobrado em termos de ética e eficiência, sendo comum as reinvindicações de mudança de suas antigas estruturas. O fato é bem descrito por Eugenio Raúl Zaffaroni, ao comentar a situação da América Latina: “(...) em quase todo o continente destaca-se a necessidade de se reformarem as estruturas judiciárias, particularmente no 129 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062 130 TEIXEIRA, Sálvio da Figueiredo - O JUDICIÁRIO E AS PROPOSTAS DE UM NOVO MODELO - http://www.neofito. com.br/artigos/art01/jurid185.htm 131 BARBOSA, Cláudia Maria, Crise e Reforma do Poder Judiciário Brasileiro. 129 que diz respeito à sua direção ou governo, à seleção dos juízes e à sua distribuição orgânica. Inobstante, não subiste clareza quanto ao sentido dessas reformas”132. Em uma sociedade de massa, complexa, competitiva e altamente veloz, a engrenagem estatal já não satisfaz. O Judiciário, nesse contexto, por suas características e dependência orçamentária, que se aliam a um modelo desprovido de modernidade e sem planejamento eficaz, reflete ainda com mais eloqüência essedistanciamento,apresentando-secomoumamáquinapesadaehermética,semasdesejáveisdinâmicas, transparência e atualidade133 . A resposta se finda com outra pergunta, qual seja: Por que, cada vez mais, o Poder Executivo consegue descentralizar as suas atividades? Poderia socorrer-se em estudos mirabolantes sobre estruturação de Secretarias de Estados em cotejo com Varas Criminais e Cíveis, quanto a autonomia administrativa e financeira, entretanto, com absolutacerteza,arespostaestáemalgosimplesediantedosolhosdetodos,tudoescoradonumPlanodeAção Estratégico. Atransformaçãoemodernizaçãodosistemajudiciáriopassanecessariamentepelaconcepçãode um plano, seja ele implícito ou explícito, consciente ou inconsciente, objetivo ou subjetivo. O plano, com vistas a ser um norteador das ações de administração judiciária, envolve técnicas administrativas e ainda componentesjurídicosepolíticos.Seusefeitos,contudo,sãosentidosnoplanodarealidadesocialenaesfera dos direitos dos jurisdicionados134. 3.4. Plano de Ação Anual A mudança mais simplista adotada pelo Poder Executivo Estadual se deu com a edição da Lei n° 1569, de 23 de Julho de 2004, onde foi instituída o Programa de Autonomia Financeira das Escolas Públicas Estaduais, a qual pode ser perfeitamente adaptada às peculiaridades do Poder Judiciário, senão vejamos: PROJETO DE LEI N° “Institui o Programa de Autonomia Financeira das Varas Cíveis e Criminais integrantes do Poder Judiciário do Estado do Acre.” Art. 1º Fica instituído o Programa de Autonomia Financeira das Varas Cíveis e Criminais no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Acre, com a finalidade de promover a transferência de recursos financeiros em favor da melhoria da qualidade da prestação jurisdicional. Art. 2º Os Juízes de Direito Titulares e Substitutos das Varas Cíveis e Criminais atuarão como Unidades Executoras,recebendo,executandoeprestandocontasdosrecursosrepassadospelaAdministraçãodo Poder Judiciário do Estado do Acre. Art.3ºOsrecursostransferidosdestinam-seàcoberturadedespesascomo:pagamentosdosJuízes,Servidores,Estagiários,conformeLotacionograma135,aluguéis,consumosdeenergia,águaetelefone,bem como aquisição de materiais e, impostos, prestação de serviços com pessoas físicas e/ou jurídicas. 132 FREITAS, Vladimir Passos de – A Eficiência da Administração da Justiça – Revista da AJUFERGS/03 – p.78 133 TEIXEIRA, SÁLVIO DE FIGUEIREDO - O JUDICIÁRIO E AS PROPOSTAS DE UM NOVO MODELO - http://www. neofito.com.br/artigos/art01/jurid185.htm 134 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062 135 Resolução n. 06/2006 – Tribunal de Justiça do Estado do Acre – Conselho de Administração – Adequação a nova realidade exigida. 130 Revista ESMAC Varas Cíveis Varas Criminais 1 (um) Escrivão (DAS-101.4) 1(um) Escrivão (DAS-101.4) 1 (um) Escrivão Substituto (DAS-101.2) 1 (um) Escrivão Substituto (DAS-101.2) 1 (um) Assistente Jurídico com FC-5 1 (um) Assistente Jurídico com FC-5 2 (dois) Assessores Jurídicos 2 (dois) Assessores Jurídicos 6 (seis) auxiliares judiciários, sendo 3 (três) deles com FC-1 6 (seis) auxiliares judiciários, sendo 3 (três) deles com FC-1 1 (um) Servidor com FC5 para a função de Escrivão Auxiliar 1 (um) Servidor com FC5 para a função de Escrivão Auxiliar 2 (dois) Oficiais de Justiça 2 (dois) Oficiais de Justiça 1 (um) Motorista 1 (um) Motorista 2 (dois) Estagiários 2 (dois) Estagiários Art. 4º O Programa de Autonomia Financeira consistirá em 1% (um por cento) da dotação orçamentária para cada Varas Cível e Criminal. Art. 5º O Programa será financiado com recursos administrados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Acre, através de sua Administração, a quem caberá a sua regulamentação, mediante Resolução do Tribunal Pleno. I – Execução dos recursos de acordo com o Plano de Ação aprovado; II – Prestação de contas do Plano de Ação até o dia 31 de dezembro de cada ano. Art. 6º Fica o Poder Judiciário do Estado do Acre autorizado a deixar de efetuar o repasse dos recursos para as Unidades Jurisdicionais que não cumprirem com os seguintes procedimentos: I - Não efetuarem o cadastramento no Plano de Ação até o dia 31 de janeiro de cada ano; II – Não executarem os recursos na forma estabelecida no Plano de Ação; III – Não apresentarem a prestação de contas na forma e nos prazos estabelecidos no Plano de Ação. Art. 7º Na hipótese de a prestação de contas do Plano de Ação não ser aprovado ou não ser encaminhada no prazo convencionado, o Poder Judiciário estabelecerá o prazo máximo de trinta dias para sua regularização ou apresentação. Parágrafo único. A autoridade responsável pela prestação de contas que inserir ou fizer inserir documento ou declaração falsa ou diversa da que deveria ser inscrita, com o fim de alterar a verdade sobre o fato, será responsabilizada civil, penal e administrativamente. Art. 8º A fiscalização dos recursos é de competência da Administração do Poder Judiciário e dos Órgãos de controle interno e será feita mediante a realização de auditorias, inspeções e análise dos processos que originarem as respectivas prestações de contas. Art. 9º Qualquer pessoa física ou jurídica poderá denunciar ao Poder Judiciário ou aos órgãos de controle interno irregularidades identificadas na aplicação dos Recursos do Programa. A idealização do Projeto Lei em comento tem em seu art. 1º a forma de instituição do Programa de Autonomia Financeira das Varas Cíveis e Criminais no âmbito do Poder 131 Judiciário do Estado do Acre. Aqui o legislador buscará dar subsídios jurídicos no sentido de uma melhor qualidade na Prestação Jurisdicional. O Art. 2º deixa evidenciado as Unidades Executoras do Poder Judiciário Acreano, enquanto o Art. 3º procura tratar dos recursos transferidos para gestão de cada Vara. Já o percentual estabelecido no Art. 4º, qual seja, 1% (um por cento) da dotação orçamentária para cada uma das Varas Cível e Criminal, utilizou-se como parâmetro o orçamento anual do Poder Judiciário, em cotejo com o número diminuto de Juízes que atuam no Estado do Acre. É evidente que tal índice é perfeitamente adequável a qualquer situação específica. Com efeito, o Art. 5º delimita a forma de regulamentação dos recursos a serem administrados pelas respectivas Varas, entretanto, o disposto no art. 6º procura criar alguns regramentos necessários a boa aplicabilidade dos recursos financeiros. Os arts. 7 º e 8º se referem precipuamente sobre a Prestação de Contas e a respectiva fiscalização dos recursos. Por derradeiro, o art. 9º traz exigência necessária, no que concerne ao gerenciamento de recursos públicos. Além dessas situações explicitadas, o atual modelo autorizativo de orçamento público, e não impositivo, contribui sobremaneira para o seu descrédito. Isso significa que o Poder Judiciário pode fazer o que está previsto na Lei Orçamentária, mas não é obrigado a segui-lo, diferentemente, quando o modelo orçamentário tiver o caráter impositivo. Por causa desse famigerado orçamento autorizativo, nós tivemos um escândalo enorme na época dos anões do orçamento e que passaram a cobrar“taxas de êxito”, toda vez que conseguiam liberar dinheiro. Escritórios de lobby proliferam em Brasília, especializados em liberações de dinheiro público. A mudança proposta, ou seja, tornar o orçamento obrigatório, tem muitas vantagens para nossa economia. A primeira delas é a de acabar com esse tráfico de influência, praticado por políticos, funcionários públicos e empresas. É uma medida moralizadora, portanto136. O que mais sensibiliza a análise do Orçamento Público na atualidade brasileira é a qualidade das decisões orçamentárias, onde o prejuízo na aplicação do erário público se torna cada vez mais evidente, diante da visão macro dos Gestores, além dos penduricalhos orçamentários. Com efeito, não é por demais trazer à baila o que disse Joaquim Falcão, Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao Jornal Correio Braziliense137, 24 de outubro de 2008, que, em artigo denominado “A inverdade Orçamentária”, afirma que o orçamento do Judiciário incorpora custos dos demais poderes e de outras instituições do Estado brasileiro. Como exemplo, cita os precatórios que, em sua maioria, são despesas do Executivo e, que portanto, “não podem ser debitados no orçamento do Judiciário”. Aduz, ainda, o renomado Conselheiro: “Quanto custa a Justiça nacional? Não é fácil calcular, embora uma resposta mais precisa seja cada vez mais necessária. Se vamos entrar - e vamos - em fase de estrito controle de gastos públicos para enfrentar a crise de crédito que se avizinha, mais do que nunca a ver136 Diário do Vale – 26.08.2000 – Coluna 5 137 Membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (RJ) 132 Revista ESMAC dade orçamentária é imposição nacional. Mas, ao contrário do que parece, saber quanto um órgão governamental gasta não é tarefa simples, mas complexa. No caso do Judiciário, por exemplo, lhe são debitados custos que não são seus. São dos vizinhos: dos demais poderes e outras instituições do Estado brasileiro. Vejamos alguns exemplos. O orçamento federal da Justiça (que, além do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, inclui as justiças Federal; do Trabalho; Militar da União; Eleitoral; e do Distrito Federal e Territórios) para o próximo ano de 2009 é de cerca de R$ 30 bilhões - mais exatamente R$ 30.709.520.418,00. Destes, para surpresa geral, mais de R$ 5,1 bilhões (R$ 5.119.355.458,00) referem-se a precatórios - ou seja, cerca de 17% do orçamento. Precatórios são, em sua imensíssima maioria, despesas do Executivo. Não podem ser debitados no orçamento do Judiciário. Trata-se de clara inverdade orçamentária. Que, aliás, não vem de hoje, vem de muitos anos. Distorce o custo da administração da Justiça. E, provavelmente, diminui o déficit público de responsabilidade do Poder Executivo. O fato de ser o Judiciário responsável por determinar a ordem de pagamento dos precatórios não justifica que ele seja o responsável pela despesa. Essa situação federal se repete nos estados e nos mais de noventa tribunais. A conta é fácil. Só na Justiça Federal debita-se, indevidamente, ao Judiciário, R$ 5,1 bilhões. Some-se o resto. Mas a inverdade não pára aí. Os recursos que compõem o Fundo Partidário destinado ao financiamento dos partidos políticos - representam cerca de R$ 211 milhões no orçamento federal da Justiça. Ou seja, são, também, debitados do Poder Judiciário. Consomem o orçamento do único dos poderes que não tem - nem pode ter - relação alguma com os partidos. Doar recursos do Tesouro para partidos não é fazer Justiça. Não faz sentido esse débito à Justiça Eleitoral. Outro exemplo: os magistrados e membros do Ministério Público que servem à Justiça Eleitoral recebem uma gratificação sobre os vencimentos. Que as gratificações referentes aos magistrados sejam incluídas na conta do Poder Judiciário está correto. Mas que o Poder Judiciário venha a pagar ao Ministério Público para ele realizar suas atividades constitucionais é, claramente, um desvio de realidade orçamentária. Diminui o custo per capita do procurador e aumenta o do magistrado. Despesa do Ministério Público é responsabilidade do próprio Ministério Público. Essas e muitas outras práticas orçamentárias não vêm de hoje. Vêm de muito longe. Várias estão consubstanciadas em normas legais. Mas nunca é tarde para mudá-las e corrigi-las. Sem a verdade orçamentária, não podemos calcular o custo real de um magistrado, o custo real de uma sentença. Não podemos fixar metas de produtividade com base no orçamento. Mais ainda: isso alimenta a percepção de que o Poder Judiciário do Brasil é um poder caro, se comparado com o de outros países. Aliás, qualquer comparação ficará distorcida. Só o item precatório representa uma bolha de quase 17% de seu custo real. Acredito que é mais do que conveniente ao Congresso Nacional enfrentar logo a questão dos precatórios a partir do projeto, já em tramitação, do senador Renan Calheiros. Discuta-se, aperfeiçoe-se, modifique-se, mas é hora de agir. O mercado, detentor desses papéis estimados em mais de R$ 60 bilhões, começa a desenvolver soluções paralelas e imaginativas para se ver livre deles. Daqui a pouco, surgirá incontrolável mercado negro de precatórios, que a ninguém beneficiará. Se é este o caminho - o do livre mercado - que o façamos legalmente e que se libere cada assembléia estadual para regular como lhe aprouver o problema. Outro dia, dois magistrados, diante dessa situação, fizeram-me comentários diferentes. Um disse sorrindo: “Verdade orçamentária é quase uma contradição”. Outro disse mais sério: “Prefiro o poder orçamentário ao poder político”. Ambos, à sua maneira, apenas evidenciam mais uma tarefa a implementar em nosso Estado Democrático de Direito: o princípio da 133 transparência deve incluir a verdade orçamentária; pois sem um instrumental poder orçamentário, o poder político do Judiciário não se realiza”. Portanto, inexistem estudos específicos sobre situações peculiares de cada Unidade Jurisdicional, mas sim do arcabouço geral, onde nem sempre é o melhor caminho a ser seguido a título de economia nos Gastos Públicos. A metodologia desse trabalho possui uma concatenação de idéias e estudos, o que faz aflorar a noção cristalina de gestão e orçamento nos aspectos intrínsecos, onde, com certeza, chega-se à conclusão de que para um Poder Judiciário se tornar altivo e respeitado faz-se necessário uma melhor estruturação na sua distribuição orçamentária, destacando sempre a necessidade de descentralizar o seu modelo de gestão. Concluiu-se, ainda, que a idéia de melhor desempenho está inserida numa visão ampla de conjunto organizacional, isso passa pelas estruturações físicas e funcionais, com estabelecimento de metas e objetivos a ser alcançado num determinado lapso temporal, tendo, como foco primeiro, o resultado no servidor com olhos finais no usuário, este último, digno de respeito e melhor atendimento, pois a ele cabe o pagamento de impostos os quais são revertidos para custeio dos Poderes. Vivemos momentos de mudanças generalizadas, onde o Poder Judiciário se aproxima cada vez mais da população em geral, sedimentando o seu principal papel na preservação do Estado Democrático de Direito. 134 Revista ESMAC CONSIDERAÇÕES FINAIS Demilson Cardoso Araújo, ao tratar de um tema de suma importância, qual seja, Agilização e Modernização da Justiça, alega que “o Juiz é figura central pelos vários papéis que exerce. Um deles “é constitutivo, mítico, fundante da sociedade (...) ocupando lugar totêmico” com todas as implicações de ligações imemoriais com o sagrado que a toga proporciona. Sacralidade de “Juiz Oráculo” que pode se justificar pela solenidade do poder de que investido, e em cujo exercício tem seu espaço e sua eficácia. Mas que anula a possibilidade de sucesso do Juiz quando administrador. Sim, pois que, com os receios e reverências contidos num “data vênia”, não se administra. A liturgia que é cultivada em torno do Juiz não encontra paralelo na administração secular (...) Aduz, ainda, o renomado estudioso, que é urgente que o Juiz perceba a diferença de olhar do jurídico para o administrativo. No lugar da visão focada no processo para garantia da eqüidade perseguida, a visão sistêmica, holística, do administrador, focada em processos. Em lugar da decisão solitária com a lei e sua consciência, a decisão compartilhada do administrador. O Juiz que tudo dominar da ciência jurídica, mas não souber conduzir uma reunião participativa, nem lidar com gerência de pessoal, ou entender um fluxograma, pouco ou nada conseguirá para modernização da Justiça . Findo esse humilde e singelo arrazoado, transcrevendo os dez mandamentos do Juiz Administrador: 1. O juiz nas funções de administrador, como Presidente de Tribunal, Vice-Presidente, Corregedor, Coordenador de Juizados Especiais, Diretor de Escola de Magistrados, Diretor do Foro ou Fórum, ou administrando a sua Vara, deve saber que a liderança moderna se exerce com base na habilidade de conquistar as pessoas e não mais em razão do cargo, perdendo a hierarquia seu caráter vertical para assumir uma posição mais de conquista do que de mando. 2. Ao administrar, cumpre-lhe deixar a toga de lado, devendo: a) obrigação à lei e não à jurisprudência; b)inteirar-se das técnicas modernas de administração pública e empresarial; c) adaptar-se aos recursos tecnológicos; d) decidir de maneira ágil e direta, sem a burocracia dos processos judiciais; d)manter o bom e corrigir o ruim; e)delegar, se tiver confiança; f ) atender a imprensa;g) lembrar que não existe unidade judiciária ruim, mas sim mal administrada. 3. No âmbito externo, deve prestigiar as atividades da comunidade jurídica e dos órgãos da administração dos três Poderes, participando de solenidades, estabelecendo parcerias em projetos culturais e alianças que possam diminuir os gastos públicos. No âmbito interno, deve visitar periodicamente os setores administrativos, ouvindo os funcionários, demonstrando o seu interesse em conhecer os serviços e atender as necessidades, quando possível. 4. Ter em mente que suas palavras e ações estão sendo observadas por todos e que elas transmitem mensagens explícitas ou implícitas que podem melhorar ou piorar a Justiça. Por isso, devem ser evitadas críticas públicas a outros magistrados de qualquer Justiça ou instância, ou a autoridades de outros Poderes, atitudes estas que nada constroem e que podem resultar em respostas públicas de igual ou maior intensidade. 5. Manter a vaidade encarcerada dentro dos limites do tolerável, evitando a busca de homenagens, medalhas, retratos em jornais institucionais, vinganças contra os que presumida135 mente não lhe deram tratamento adequado, longos discursos enaltecendo a si próprio ou o afago dos bajuladores, ciente de que estes desaparecerão no dia seguinte ao da posse de seu sucessor. 6. O Presidente- e os demais administradores, no que compatível - deve manter um ambiente de cordialidade com os colegas do Tribunal, ouvindo-os nas reivindicações, explicando-lhes quando negá-las e não estimulando os conflitos. Com os juízes de primeiro grau, lembrar que o respeito será conquistado pelo exemplo e não pelo cargo, que eles pertencem a gerações diferentes, que devem ser estimulados na criatividade, apoiados nos momentos difíceis e tratados sem favorecimento. Nas infrações administrativas praticadas por magistrados, cumprir o dever de apurar, com firmeza, coragem e lealdade. 7. No relacionamento com o Ministério Público e a OAB, deve atender as reivindicações que aprimorem a Justiça, não criar empecilhos burocráticos que dificultem as atividades desses profissionais (p. ex. na retirada de processos) e, quando não atender a um pedido, explicar os motivos de maneira profissional evitando torná-lo um caso pessoal. 8. No relacionamento com os sindicatos, manter um diálogo respeitoso, baseado na transparência administrativa. Quanto aos servidores, motivá-los, promover cursos de capacitação, divulgar as suas boas iniciativas, promover concursos sobre exemplos de vida, envolvê-los na prática da responsabilidade social e da gestão ambiental. Com relação aos trabalhadores indiretos (terceirizados), promover, dentro do possível, sua inclusão social. 9. Nos requerimentos administrativos, quando negar uma pretensão, seja de magistrados ou de servidores, fazê-lo de forma clara e fundamentada, não cedendo à tentação de concedêla para alcançar popularidade, pois sempre haverá reflexos em relação a terceiros e novos problemas. 10. Ter presente que administrar significa assumir uma escolha e um risco e que aquele que nada arrisca, passará o tempo do seu mandato em atividades rotineiras, limitando-se ao fim por colocar um retrato na galeria de fotografias, passando à história sem ter dado qualquer contribuição à sociedade, ao Poder Judiciário, ao Brasil. Contudo, se buscará desenvolver um sistema mais confiável e independente por meio da melhora de sua administração, eficiência e eficácia. Uma independência maior do sistema judiciário, no que concerne aos aspectos administrativos, assegurará a transparência dos procedimentos e a neutralidade das decisões, visando a aumentar a confiança do público nos tribunais. Essas melhorias ajudarão a proteger os direitos e liberdades dos cidadãos e promoverão um clima melhor para a atividade econômica. 136 Revista ESMAC REFERÊNCIAS ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Introdução do direito comparado. 2ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1998. Banco de dados do Poder Judiciário. www.stf.gov.br. BARBOSA, Cláudia Maria, apud Freitas, Vladimir Passos de Crise e Reforma do Poder Judiciário Brasileiro. Disponível: http:/www.brajus.org.r/revista/artigo/asp/idartigo=5 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 1984, pág. 80. CARDENAS, Chayer Apud Freitas, Vladimi Passos – Gestão do Fórum como parte da Administração da Justiça. CARVALHO, Rodrigo Moreira de Souza – Ensaio sobre as políticas de segurança e saúde dos trabalhadores no Brasil e nos Estados Unidos. CHIAVENATO, Idalberto & SAPIRO, Arão. Planejamento estratégico. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 2003. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 5ª ed., 1999 Cfe. Tese da Coordenação Nacional dos Trabalhadores da Justiça ao Fórum Social Mundial/2001 FALCÃO, Joaquim. “A inverdade Orçamentárias” FREIRE, Alexandre Costa de Lun – Administração Judiciária. Tom Peters, em “Conheça os modelos de empresa antes de reinventar a sua”, Folha Mannagem, n. 16, de 27.1.1995 FREIRE, Alexandre Costa de Luma – Administração Judiciária. “A Lentidão e a Estatística” CNJ - http://www.cnj.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2463&Itemi d=42 DA SILVA, Claudia Dantas Ferreira - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes - Notas introdutórias ao Tratado Constitucional Europeu. 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INTRODUÇÃO Lembra FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO que os constituintes de 1988, impressionados com o número astronômico de infrações de pouca monta a emperrar a máquina judiciária sem nenhum resultado prático, uma vez que, regra geral, quando da prolação da sentença, ou os réus eram beneficiados pela prescrição retroativa, ou absolvidos em virtude da dificuldade de se fazer a prova, e principalmente considerando a tendência do mundo moderno de adotar um Direito Penal mínimo, procuraram medidas alternativas que pudessem agilizar o processo, possibilitando uma resposta rápida do Estado à pequena criminalidade, sem o estigma do processo, à semelhança do que ocorria com a legislação de outros países. Foi, portanto, em busca de formas alternativas de resolução de conflitos que surgiu a Lei nº 9.099, de 26.09.1995, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (LJEC), que, na voz da doutrina majoritária, instaurou, sob ângulo criminal, um novo paradigma, constituindo-se em um verdadeiro marco no direito penal-processual, cujo escopo máximo é a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade. A sobredita lei incorporou, desenganadamente, ao nosso ordenamento positivo instrumentos jurídicos modernos, como a transação penal, com vistas a desburocratização e simplificação da Justiça Penal, permitindo um desfecho rápido para a controvérsia criminal de reduzida potencialidade vulnerante, com ênfase no consenso das partes. A Lei nº 9.099/95, nas palavras de MÁRCIO FRANKLIN NOGUEIRA, introduziu em nosso sistema processual penal um modelo de Justiça Criminal, com base no consenso. Esse modelo, embora tenha por parâmetros legislações européias modernas, como a italiana, a portuguesa e a espanhola, bem assim o sistema criminal norte-americano, apresenta características próprias, que não encontram paralelo no Direito Comparado. Aspectos marcantes desse novo Diploma Legal são a mitigação do princípio da obrigatoriedade, com louvável intenção de afastar as penas privativas de liberdade de curta duração. Com suas medidas despenalizadoras, assentadas fundamentalmente no consenso, coerente com uma tendência mundial de adoção da pena prisão como última alternativa, implicou marcante desburocratização da Justiça Criminal. A “barganha penal” instituída pela lei não tem o mesmo alcance do plea bargaining do Direito Norte-Americano. O Ministério Público não tem na transação penal a total disponibilidade da ação penal. Sua proposta de acordo está limitada a uma pena restritiva de direitos ou multa. A transação penal é, deveras, um instrumento facilitador da célere composição do conflito decorrente da prática de infrações penais de escassa potencialidade ofensiva, sem forjar condenação nem reincidência do autor do fato, nem tampouco no lançamento de seu nome no rol dos culpados ou na automática produção de efeitos civis. 139 É de se dizer que a composição criminal se apresenta como uma moderna técnica de pacificação social, no âmbito da justiça criminal, cujo pilar teórico está centrado na autonomia de vontade e na recíproca concessão de prerrogativas dos acordantes. Demais, a transação penal enseja ainda a redução do custo emocional, financeiro e de tempo na tramitação do procedimento criminal diverso, e, nas palavras de EMERSON PINTO PINHEIRO, “...Caracteriza-se, portanto, como medida despenalizadora, benefício legal concedido aos autores de delitos de menor potencialidade lesiva, na linha das teorias penais contemporâneas que defendem o resguardo da privação de liberdade como resposta a delitos graves. Significa adotar a prisão como ultima ratio do sistema repressivo...”138. Vale ainda repisar que esse novo instituto tem como objetivo maior a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade (art. 62, LJEC), em outras palavras, procura conciliar o interesse da vítima com a necessidade de reintegração social do agressor à sociedade, o que é da essência da Justiça Restaurativa, nas palavras da Professora TANIA ALMEIDA139. Importa advertir ainda que a convenção criminal não nega vigência aos cânones constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência. Ao revés, a transação penal foi expressamente consagrada no art. 98, inc. I, da Carta Magna de 1988. Em irrespondível lição, TEODORO SILVA SANTOS aduz: (...) De fato, o tradicional modelo de direito penal, até então em vigor no Brasil, reconhecidamente anacrônico, moroso e intervencionista, mostrou-se ineficiente e incapaz de atender aos anseios da sociedade moderna, quer na prevenção da criminalidade, quer na ressocialização do infrator. A pena privativa de liberdade, sanção penal preferencialmente adotada por esse tradicional modelo de direito penal, também não atendia aos fins a que teoricamente dela se esperava. O intervencionismo do Estado, tipificando condutas e recrudescendo penas, não mais se podia ser aceito passivamente. Nesse cenário de crise, a intervenção mínima do Direito Penal passou a ser um princípio veementemente defendido. Ao lado de outros princípios de igual relevo, entre os quais o da subsidiariedade e fragmentariedade do Direito Penal, da dignidade da pessoa humana e da insignificância, defendia-se que o Direito Penal só deve intervir se o fato for relevante e, em última instância, quando os outros ramos do Direito se mostrarem ineficientes, não se justificando a intervenção do Direito Penal, através do processo e com a imposição de pena, quando a conduta tipificada não seja grave o bastante para justificar a pretensão de punir. Assim, frente à crise a que nos reportamos acima, as medidas despenalizadoras e todo o microssistema penal, inaugurado pela Lei n. 9.099/95, representam, indubitavelmente, instrumentos jurídicos modernos, que se mostram valiosos para a desburocratização e simplificação da Justiça Penal, solução rápida da lide, supressão da degradante e estigmatizante cerimônia do processo e neutralização dos efeitos deletérios das penas privativas de liberdade, quando a infração penal é de menor potencial ofensivo. Reduzir o alcance de tais medidas despenalizadoras é remar na contramão da modernidade, é estreitar os limites da justiça penal consensual que o legislador constituinte pretendeu criar no Brasil. A novel Constituição Federal de 1988, inauguradora de um novo modelo de Estado, o Estado Democrático de Direito, centrado na dignidade da pessoa humana, dando como garantia fundamental a liberdade do cidadão, à guisa de uma política 138 PINHEIRO, Emerson Pinto. Efeitos do Descumprimento da Transação Penal: interpretação jurisprudencial. Texto extraído do Jus Navigandi. <Jus2.uol.com.br/doutrina/texto>. 139 ALMEIDA, Tânia. Juizados Especiais Mediação e Conciliação Aspectos Gerais. Fundação Getulio Vargas. FGV DIREITO RIO. P. 130. 140 Revista ESMAC criminal moderna e contemporânea, consistente na intervenção mínima do Direito Penal, criou os Juizados Especiais (art.98, I), neles inserindo o instituto da transação penal, como forma alternativa de resolução de conflitos oriundos de infrações penais de menor relevância jurídica, no que se refere ao bem jurídico tutelado – aquelas que não incidem em pena privativa de liberdade. Dessa forma, o constituinte de 1988 adotou, no Brasil, um modelo próprio de justiça penal consensual já implantado com sucesso em vários países da Europa ocidental e nos Estados Unidos e, por via de conseqüência, ampliou-se o acesso à Justiça, por meio do exercício democrático da cidadania, com o mínimo de formalidade, visando à pacificação social. Ao instituir os Juizados Especiais Criminais, a vontade do constituinte voltou-se para uma política criminal despenalizadora, tanto é que criou mecanismos jurídicos (transação e suspensão do processo) que consistem em alternativas ao alcance dos autores de infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo, antes de estes serem submetidos a um processo criminal, ou seja, a efetivação da transação penal, medida menos gravosa, que afasta a possibilidade da instauração da persecução penal, que, por si só, atinge o status libertatis do cidadão. Ora, o legislador constituinte de 1988, ao instituir os juizados especiais Criminais, teve como desiderato inaugurar, no Brasil, um novo e revolucionário modelo de justiça penal consensual, inclinado para a despenalização, mitigação da obrigatoriedade da ação penal e solução rápida dos conflitos penais originados de infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 98, I: - “juizados especiais....e infrações de menor potencial ofensivo,[...]”). (...) Sua pretensão voltou-se, tão e somente para uma política criminal exercitada através de uma justiça penal consensual. Os Juizados Especiais Criminais foram regulamentados pela Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995...140 Essa moderna e revolucionária ferramenta de composição do conflito criminal tem instigado um rico debate sobre seus diversos aspectos e implicações legais constitucionais. E será examinada neste estudo sob a ótica da doutrina e da jurisprudência pátrias. 2. JUSTIÇA RESTAURATIVA. Na lição irrepreensível da Professora TANIA ALMEIDA: “A justiça Restaurativa é um movimento mundial de ampliação de acesso à Justiça criminal recriado nas décadas de 70 e 80 nos Estados Unidos e Europa. Este movimento inspirou-se em antigas tradições pautadas em diálogos pacificadores e construtores de consenso oriundos de culturas africanas e das primeiras nações do Canadá e da Nova Zelândia (...) A justiça restaurativa procura equilibrar o atendimento às necessidades das vítimas e da comunidade com a necessidade de reintegração do agressor à sociedade. Procura dar assistência à recuperação da vítima e permitir que todas as partes participem do processo de justiça de maneira produtiva (...) O objeto de trabalho da Justiça restaurativa não é o delito, mas sim o conflito conseqüente ao delito. Esta é uma distinção fundamental. Os aportes da Justiça restaurativa são complementares ao tratamento dado ao delito pelo Estado. A pena não dirime o conflito, objeto maior dos programas restaurativo...”141 De acordo com RENATO SÓCRATES GOMES PINTO: 140 SANTOS, Teodoro Silva Santos. <htt://www.dominiopublico.gov.br>. 141 Idem. P. 130/131. 141 “...Todos os afetados pelo crime têm papéis e responsabilidades nesse processo e devem, por isso, trabalhar coletivamente em torno do impacto e das conseqüências do delito. A restauração, a solução de problemas e a prevenção de males ulteriores devem ser enfatizadas no programa. A idéia é buscar restaurar os relacionamentos em vez de simplesmente concentrar-se na determinação de culpa. Segundo Warat e Legendre, a lei, no Ocidente judaico-cristão, cumpre papel totêmico, de superego da cultura, baseado no sentimento de moralidade culposa. O programa baseia-se na premissa de que a vítima, o autor do crime, pessoas envolvidas com a vítima e/ou com o criminoso e lideranças comunitárias devem compartilhar a busca de solução para os problemas causados pelo crime cometido, em geral, com a assistência de uma terceira pessoa imparcial – um mediador ou um facilitador. O sistema objetiva: a) a reparação dos danos à vítima; b) a prestação de serviços à comunidade e c) a solução dos problemas causados pelo fato-crime, tanto para a vítima quanto para a comunidade, e a reintegração tanto da vítima quanto do autor do crime. O processo abrange procedimentos de mediação, audiências especiais e círculos de aplicação da pena (sentencing circles)...”142 E os objetivos dos Juizados Especiais Criminais, consistentes na não-aplicação de pena privativa de liberdade e reparação dos danos sofridos pela vítima (art. 62, da Lei nº 9.099/95), demonstram, por si sós, a afinidade desse novo paradigma com a Justiça Restaurativa. Pode-se destacar que a transação penal se apresenta como uma das manifestações promissoras da Justiça Restaurativa no âmbito criminal, eis que visa promover a composição do conflito através da participação ativa do autor do fato. O investigado é motivado a atuar como co-autor da solução juridicamente adequada ao fato noticiado em juízo. Estando presentes os pressupostos viabilizadores da transação penal, o Ministério Público – versando a espécie sobre crime de ação pública incondicionada ou condicionada à representação - ou a vítima – se a persecução penal estiver sujeita à sua iniciativa ou de quem tenha qualidade para representá-la – fará a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa. É sabido que a punição restritiva de direitos e a pecuniária não afetam gravemente a dignidade do autuado e, além de sua acentuada capacidade de reparação dos danos decorrentes do ilícito, tem a vantagem de preservar a continuidade das relações sociais do reeducando. A transação penal, como instrumento da Justiça Restaurativa, previne a formação de novos conflitos e a reincidência, a par de permitir a identificação dos interesses de todos os envolvidos na controvérsia. Em suma, esse método de composição do conflito penal propicia a definição da reprimenda não-prisional mais consentânea com o cenário e as conseqüências advindas do ilícito. É de se recordar, in casu, da advertência de CESARE BECCARIA, no sentido de que “...As penas que ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior brevidade que o soberano conservar aos súditos...”143. 142 GOMES PINTO, Renato Sócrates. Justiça Restaurativa. Correio Braziliense, Brasília, 1º.3.2004. Caderno Direito & Justiça. Excerto de artigo. 143 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Dos Delitos e das Penas. Bauru/SP. Edipro. 2000. P. 18. 142 Revista ESMAC 3. TRANSAÇÃO PENAL 3.1. Definição No magistério profícuo da Professora TANIA ALMEIDA: “Na vigência de transformações paradigmáticas, esta virada do milênio nos proporciona assistir à desatualização permanente de idéias, propostas e produtos, que nascem com uma curta vida média, conseqüência natural da velocidade das mudanças, características da atualidade. O balanço da última década, com relação aos norteadores que vêm orientando o nosso universo social, constata um período no qual as mudanças têm impelido o homem a criar outros parâmetros de convivência e por eles se orientar (...) Negociando ou litigando pela uniformidade de suas idéias e ações, o homem permaneceu mergulhado por longo tempo em modelos padronizados de dirimir dissensões, acreditando em solução única e acertada. Resultante dessas dissensões, o conflito surgia, então, quando a uniformidade ou a concordância não era alcançada. Os meios para resolvê-la orientavam-se pelos mesmos paradigmas, utilizando a força, a ordem, o julgamento e o arbítrio dicotômico e sentenciador do que estava certo e do que estava errado. O mundo global, neste momento, é entendido sistematicamente, ressaltando que somos todos co-autores ativos ou passivos do que resulta da nossa convivência. O conflito origina-se hoje, não mais da impossibilidade do consenso, e sim da dificuldade com a coexistência da dessemelhança. Este entendimento sistêmico, pautado também na legitimidade conferida às diferenças, admite a existência de tantas histórias quantos são os historiadores e de tantas soluções quantos são os autores. É um tempo que impõe a coexistência de diferentes culturas, de idéias, bem como de propostas, fazendo da negociação a habilidade imprescindível para a convivência pacífica, e expondo à vista que a colaboração expressa nos mercados comuns, nas junções empresariais e na governabilidade transnacional, constitui a fonte maior de sobrevivência. (...) a Mediação vem sendo o instrumento de autocomposição elegível pelos mais diferentes setores da convivência humana (...) (...) Ágil e informal, a Mediação possibilita redução drástica dos custos financeiros e do desgaste emocional provocado pelo desentendimento, abreviando o tempo de duração do desacordo e do litígio, denotando concludência na relação custo-benefício, mais producente do que a do uso de outros recursos. Regida pela autonomia da vontade das partes, ela busca, por meio da atuação do Mediador, cuidar da satisfação mútua dos interesses de todos os envolvidos no processo, que deliberem em seu início e término em comum acordo...”144 A transação penal é hipótese de conciliação pré-processual, e está regulamentada no art. 76, caput, da LJEC, que dispõe: “Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta” 144 Idem. P. 120. 143 LUIZA HELENA ALMEIDA, reproduzindo o pensamento de Sergio Turra Sobrane, define transação penal como sendo o: “...ato jurídico através do qual o Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática do fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada”145 TOURINHO NETO, apoiado-se em irrespondível lição doutrinária, esclarece: “...‘A palavra transação corresponde em vernáculo ao vocábulo latino transactio, deriva de transigire, verbo anfibiológico (encerra ambigüidade) formado da partícula e preposição trans, além de, e de agere, conduzir; e com o mais que ordinariamente exprimia na locuação lacial (enlaçar), como, passar além, traspassar, transpor certos limites, também significa o último grau da ação, a sua terminação ou transformação. Como dizem os cristão: Cristo é paz. Assim se: Christus est pax, transactio forma pacis, ergo, per transactionem, pro pace laboremus (Cristo é paz, transação é uma forma de paz, pois, pela transação, trabalhamos pela paz). A lide judiciária foi instituída pela sabedoria humana como um remédio para dirimir com serenidade e justiça as dissensões privadas suscitadas na sociedade pelo desconhecimento do direito e choque de interesses opostos. Do exposto resulta que a transação, substituindo o estado de luta pela paz, é da mor utilidade às partes que, mercê dela, libertam-se das despesas avultadas necessárias ao custeio da lide, dos dissabores e incômodos que determina, das inimizades capitais que engendra e finalmente da incerteza do seu êxito que, como todo o desconhecido, é o tormento contínuo de quem litiga. Ela é, portanto, uma das melhores armas que o direito proporciona à prudência humana para volver à reconciliação, ou, na frase feliz de BUTERA, o porto seguro oferecido aos pleiteantes para abrigarem-se da tormenta desencadeada no mar sempre revolto da lide judiciária’ (...) ‘transação é consenso entre as partes, é convergência de vontades, é acordo de propostas, é ajuste de medidas etc.; enfim, tudo o mais que se queira definir como uma verdadeira conciliação de interesses’146 A transação penal depende da aceitação da proposta pelo autor do fato e não enseja a declaração judicial de sua culpa, distinguido-se, por isso, do instituto denominado plea of guilty (pelo qual o acusado se declara culpado em troca de uma acusação menos grave e há julgamento imediato). Difere, também, do plea bargaining, no qual vigora inteiramente o princípio da oportunidade da ação penal publica, enquanto na transação o Ministério Público não pode exercê-lo integralmente. Havendo concurso de crimes, no plea bargaining o Ministério Público pode excluir da acusação algum ou alguns dos delitos, o que não ocorre na transação criminal. No plea bargaining o Ministério Público e a defesa podem transacionar amplamente sobre a conduta, fatos, adequação típica e pena (acordo penal amplo), como, p. ex., concordar sobre o tipo penal, se simples ou qualificado, o que não é permitido na proposta 145 ALMEIDA, Luiza Helena. /Transação Pena, pena sem processo?. Artigo encontrado em DireitoNet – <www.direitonet. com.br.>. 146 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2002. P. 569-571 144 Revista ESMAC de aplicação de pena mais leve. O plea bargaining é aplicável a qualquer delito, ao contrário do que ocorre com a nossa transação. No plea bargaining o acordo pode ser feito foram da audiência; a transação penal audiência147. A transação penal é, pois, instituto jurídico que atribui ao Ministério Público (ação penal pública) ou à vítima (ação penal privada) a faculdade de dispor da ação, desde que atendidas as condições previstas na lei, propondo ao autor de infração de menor potencial ofensivo a aplicação, em caráter imediato (sem denúncia e processo), de sanção restritiva de direitos ou multa. Para PAULO ROBERTO PONTES DUARTE, a transação penal possui quatro características, sendo elas: “...a) personalíssima; b) voluntária; c) formal; d) tecnicamente assistida. Personalíssima por ser um ato exclusivo do autor do fato, ou seja, mesmo que tenha delegado poderes a um Advogado para representa-lo em audiência, não poderá o causídico aceitar as condições da transação. Deverá o autor do fato manifestar pela possibilidade de aceitar ou não as restrições de sua liberdade que impõe o ato de transacionar. É voluntária, pois ante a proposta do órgão ministerial o autor do fato terá uma livre escolha, de aceitar ou não a referida benesse oferecida pela lei. De maior relevância que o autor do fato saiba dos efeitos da opção em aceitar a transação, como a obrigação de cumprir a sanção imposta, seja a pena de multa ou prestação de serviços a comunidade, e principalmente abrir mãos de seus direitos fundamentais como a presunção da inocência. Com efeito, a transação é um ato formal que deve constar na ata da audiência, em nada fere o princípio da oralidade ou informalidade, muito pela contrário, é uma garantia do acordo de vontade, entre a proposta oferecida pelo Ministério Público e a aceitação do autor do fato. Tudo deve ficar formalizado nos autos, pode o autor do fato conversar reservadamente com seu representante legal, para tirar dúvidas sobre a proposta oferecida pelo parquet, mas como garantia ao próprio autor do fato é imprescindível que tudo o que for mencionado na transação conste no termo, como prazo para cumprimento, ou valores a serem depositados, lugares para prestar a pena imposta entre outras peculariedades. É fundamental que o autor do fato seja tecnicamente assistido. Para que o princípio da ampla defesa não seja violado é necessário que o autor do fato esteja orientado por um advogado, para que seja esclarecido dos benefícios e das conseqüências de aceitar uma transação penal. A nosso sentir, para o autor do fato transigir com a aceitação imediata de uma sanção penal imposta pelo Promotor de Justiça, somente terá valor com um defensor constituído, pois o autor do fato é leigo ao Direito, não poderá aceitar a proposição sem ter profissional em esclarecer sobre as vantagens e desvantagens de aceitar a propositura do instituto despenalizador...”148 147 JESUS, Damásio de. Lei dos Juizados Especiais Criminais anotada. 8ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2003. P. 66-67. 148 DUARTE, Paulo Roberto Pontes Duarte. Transação Penal x Princípio da Inocência... <http://jusvi.com/artigos>. 145 3.2. Natureza Jurídica Para o saudoso JULIO FABBRINI MIRABETE, “...a sentença homologatória da transação tem caráter condenatório e não é simplesmente homologatória (...) Declara a situação do autor do fato, tornando certo o que era incerto, mas cria uma situação jurídica ainda não existente e impõe uma sanção penal ao autor do fato (...) Tem efeitos processuais e materiais, realizando a coisa julgada formal e material e impedindo a instauração de ação penal (...) Trata-se, pois, de uma sentença condenatória imprópria...”149. Esse não é, data venia, a exegese mais afinada com o espírito da norma regente da transação. Aliás, veja-se o seguinte precedente do extinto Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, que, aliás, foi citado pelo aludido mestre: “A sentença que homologa a transação penal não tem caráter condenatório, mas simplesmente ‘declaratório da vontade das partes, que não acarreta qualquer efeito de natureza penal, não indicando reconhecimento da culpabilidade penal, nem gerando reincidência nem efeitos civis e maus antecedentes’. Além do mais, ‘não faz coisa julgada material, mas apenas coisa julgada formal, o que permite ao Ministério Público, em face do descumprimento do acordo pelo autor da infração, promover a devida ação penal, oferecendo denúncia’...” (TACRIM-SP – HC 317.624/1 – 2ª Câm. - Rel. Juiz Erix Ferreira – j. 19.02.98) Atribuir natureza condenatória à sentença que homologa transação penal colide frontalmente com o princípio de que “ninguém será privado da liberdade (...) sem o devido processo legal” (inc. LIV, art. 5º, da CF/88). É que a via sumaríssima e estreita da transação se opera em sede de conciliação pré-processual. Evidentemente, o título judicial formado pela sentença homologatória serve apenas e tão-somente para conferir liquidez, certeza e exigibilidade ao objeto da convenção, em seus limites singulares. No ponto, insta ressaltar que o direito de liberdade é indisponível. Infere-se daí que o autor do fato não pode validamente transacionar sobre seu direito de ir, vir e ficar, nem estará sujeito a privar-se de sua locomoção por conta e nos termos do que vier a ser estipulado em transação penal. Acaso a sentença homologatória da transação penal se revestisse dos atributos inerentes a coisa julgada formal e material, seria possível a conversão automática da punição restritiva de direitos em privativa de liberdade, em caso de descumprimento do pacto. Esse não é, porém, o entendimento do Excelso Supremo Pretório, como se pode ver adiante, in verbis: “HABEAS CORPUS. PACIENTE ACUSADO DOS CRIMES DOS ARTS. 129 E 147 DO CÓDIGO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUE CONSISTIRIA NA CONVERSÃO, EM PRISÃO, DA PENA DE DOAR CERTA QUANTIDADE DE ALIMENTO À ‘CASA DA CRIANÇA’, RESULTANTE DE TRANSAÇÃO, QUE NÃO FOI CUMPRIDA. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. Conversão que, 149 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4 ed. São Paulo. Atlas. 2000. P. 142. 146 Revista ESMAC se mantida, valeria pela possibilidade de privar-se da liberdade de locomoção quem não foi condenado, em processo regular, sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, como exigido nos incs. LIV, LV e LVII do art. 5º da Constituição Federal. Habeas corpus deferido” (STF – HC 80164/MS – 1ª T. - Rel. Min. Ilmar Galvão – j. 26.09.2000 – DJ 07/12/2000) Discorrendo sobre o assunto, MÁRCIO FRANKLIN NOGUEIRA enfatiza que: “...não se pode negar a natureza jurídica do fenômeno, que é mesmo de uma transação penal. O vocábulo ‘transação’ tem o significado de ‘combinação, convênio, ajuste’, ‘ato ou efeito de transigir’. Como assinala De Plácido e Silva: ‘No conceito do direito civil, no entanto, e como expressão usada em sentido escrito, transação é a convenção em que, mediante concessões recíprocas, duas ou mais pessoas ajustam certas cláusulas e condições para que previnam litígio, que se possa suscitar entre elas, ou ponham fim a litígio já suscitado’. E completa, mais adiante: ‘Assim, a transação sempre tem caráter amigável, fundada que é em acordo ou em ajuste, tem a função precípua de evitar a contestação, ou o litígio, prevenindo-o, ou de terminar a contestação, quando já provocada, por uma transigência de lado a lado, em que se retiram ou se removem todas as dúvidas ou controvérsias acerca de certos direitos’. Trata-se, como se percebe de sua definição, de instituto típico da área cível, agora – por força da Lei 9.099 – transplantado também para a esfera criminal, com suas características próprias e novas (...) Não há como admitir a natureza condenatória ou absolutória nesta sentença homologatória, porque o juiz não se pronuncia sobre o mérito de um caso penal, limitando-se a analisar a existência dos requisitos legais exigidos para a validade da transação penal a que chegaram as partes; não emite qualquer juízo de valor quanto à culpabilidade (...) Não há, em realidade, uma imposição de pena pelo juiz. A pena não privativa de liberdade ou multa é livremente consentida pelo autor do fato; é por ele aceita como forma de evitar o processo penal condenatório. Desta forma, a pena não resulta diretamente da decisão judicial, mas sim da própria vontade do autor do fato, que livremente se submete a ela...”150 Reconhecendo a natureza declaratória/homologatória da transação penal despontam os seguintes precedentes: “Em se tratando de infração prevista no art. 19 da LCP e havendo transação penal, é inadmissível o confisco da arma prevista no art. 91, II, a, do CP, vez que a decisão que homologa a aceitação da proposta não gera condenação mas a extinção da punibilidade” (extinto TACRIM-SP – AC 1032797 – Rel. Carlos Biasotti) “Porte ilegal de arma de fogo. Homologação da transação penal. Ilegalidade do confisco da arma de fogo. O confisco da arma de fogo é feito da sentença condenatória, consoante dispõe o art. 91, inc. II, letra “a”, do Código Penal. In casu, houve transação penal, cuja natureza jurídica da decisão que a homologa é meramente declaratória ou homologatória. A transação penal, porque não tem natureza jurídica de sentença condenatória, mostra-se inidônea para autorizar o confisco em apreço” (TACRIM/SP - Ap. n. 1.099.641/2/Palmeira D’Oeste - 13ª Câm. - Rel. juiz Teodomiro Mendes - j. 28.7.98) “A sentença de que cuida o § 4º do art. 76 da Lei 9.099/95, não é de natureza condenatória, pois, embora importando na aplicação de sanção pecuniária ou restritiva de direitos, não pode se equiparar ao juízo de procedência da ação penal, que sequer existe, pela ausência de acusação formal e tampouco instauração do contraditório” (extinto TACRIM-SP – AC 1015151 – Rel. Aroldo Viotti) 150 NOGUEIRA, Márcio Franklin. São Paulo. Malheiros. 2003. P. 163-164; 195-196. 147 “A sentença homologatória da transação prevista no art. 76 da Lei 9.099/95 não é condenatória, mas simplesmente homologatória. Exatamente conforme ocorre no processo civil: a homologação da transação não é procedência do pedido do autor, mas decisão que, acolhendo a vontade das partes, constitui título executivo judicial – art. 584, inciso III, do CPC” (extinto TACRIM-SP – RSE 1.090.175/9 – Rel. Juiz Renato Nalini – RJTACrim 37/517) Desse modo, há que se concluir que a sentença que chancela a transação penal é meramente homologatória, estando, pois, suscetível de resolução, por eventual inadimplemento da convenção pactuada. 3.3. CONSTITUCIONALIDADE A transação penal é instrumento dinâmico, vocacionado a uma rápida resolução do conflito penal. Esse método desburocratizado de se prestar tutela jurisdicional não ofende a Carta Republicana. Na lição de JULIO FABBRINI MIRABETE: “...Não se viola o princípio do devido processo legal porque a própria Constituição Federal prevê o instituto, não obrigando a um processo formal, mas um ‘procedimento oral e sumaríssimo’ (art. 98, I) para o Juizado Especial criminal e, nos termos da lei, estão presentes as garantias constitucionais de assistência de advogado, de ampla defesa, consistente na obrigatoriedade do consenso e na possibilidade de não-aceitação da transação. Trata-se da possibilidade de uma tática de defesa concedida ao apontado como autor do fato. Não se viola o princípio da presunção de não-culpabilidade porque há uma aceitação por parte do interessado, que não implica confissão de culpa...”151 A Magistrada ORIANA PISKE DE AZEVEDOR MAGALHÃES PINTO, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, doutrina, in verbis: “...A Lei nº 9.099/95 não se contentou em importar soluções de outros ordenamentos mas – conquanto por eles inspirado – cunhou um sistema próprio de justiça penal consensual. A aplicação imediata de pena não privativa de liberdade antes mesmo do oferecimento da acusação, não só rompe o sistema tradicional do nulla poena sine judicio, como até possibilita a aplicação da pena sem antes discutir a questão da culpabilidade. A aceitação de proposta do Ministério Público não significa reconhecimento de culpa. E nenhuma inconstitucionalidade há nessa corajosa inovação do legislador brasileiro, pois é a própria Constituição que possibilita a transação penal para as infrações penais de menor potencial ofensivo. Neste sentido pondera Luiz Flávio Gomes que se deve reconhecer a extraordinária virtude da Lei nº 9.099/95, ‘de já ter posto em marcha no Brasil a maior revolução do Direito Penal e Processual Penal. As vantagens do sistema de resolução dos pequenos delitos pelo ‘consenso’ (...) são perceptíveis e, até aqui, irrefutáveis. Por mais que deixe aturdidos estupefactos os que gostariam de conservar in totum o moroso, custoso e complicado modelo tradicional de Justiça Criminal (fundado na ‘verdade material’ – que no fundo não passa de uma verdade processual), essa forma desburocratizada de prestação de justiça, autorizada pelo legislador 151 Ibdem. P. 119. 148 Revista ESMAC constituinte (CF, art. 98, i), tornou-se irreversivelmente imperativa. Não existem recursos materiais, humanos e financeiros disponíveis, em parte nenhuma do mundo, que suportem os gastos do modelo clássico de Judiciário ...”152 Para TOURINHO NETO: “...Dizem outros que a transação penal redunda na aplicação de pena, pena restritiva de direitos ou multa. Aplicação de pena, portanto, sem julgamento. Nulla poena sine judicio. Haveria um juízo antecipado de culpabilidade, ferindo assim o princípio da presunção da inocência. As sanções previstas no art. 76 (pena restritiva de direitos e multa) não trazem, no entanto, ‘sentido de reprovabilidade ético-jurídica e tampouco se assentam no reconhecimento da culpabilidade do suposto autor do fato’. MIGUEL REALE JÚNIOR sustenta que com a transação ‘(...) infringe-se o devido processo legal. Faz-se tabula rasa (deixar de fazer referência), vazio total do princípio constitucional da presunção de inocência, realizando-se um juízo antecipado de culpabilidade, com lesão ao princípio nulla poena sine judicio (Não pode haver punição sem um julgamento – sem processo), informador do processo penal’. Ademais ‘sem que haja opinio delicti (a respeito do delito – para dar início a ação penal, um juízo provisório) e, portanto, inexigindo-se a existência de convicção da viabilidade de propositura da ação penal, sem a fixação precisa de uma acusação, sem elementos embasadores de legitimidade de movimentação da jurisdição penal, e, portanto, sem legítimo interesse de agir, o promotor pode propor um acordo pelo qual o autuado concorda em ser apenado sem processo. E mais, pergunta REALE JÚNIOR: ‘Qual vai ser a correlação entre a denúncia que não existe e uma sentença, que é só aparente?...Ou seja, entre a denúncia inexistente e sentença aparente tem que haver correlação’. AFRÂNIO SILVA JARDIM, analisando o art. 76 da Lei 9.099/5, com muita propriedade, explica: ‘(...) estabelecemos uma premissa para compreensão do sistema interpretativo proposto: quando o Ministério Público apresenta em juízo a proposta de aplicação de pena não privativa de liberdade, prevista no art. 76 da Lei 9.099/95, está ele exercendo a ação penal, pois deverá, ainda que de maneira informal e oral – como a denúncia -, fazer uma imputação ao autor do fato e pedir a aplicação de uma pena, embora esta aplicação imediata fique na dependência do assentimento do réu. Em outras palavras, o promotor de justiça terá que, oralmente como na denúncia, descrever e atribuir ao autor do fato uma conduta típica, ilícita e culpável, individualizando-a no tempo (prescrição) e no espaço (competência foro). Deverá, outrossim, a nível de tipicidade, demonstrar que tal ação ou omissão caracteriza uma infração de menor potencial ofensivo (competência de juízo), segundo definição legal (art. 61). Vale dizer, na proposta se encontra embutida uma acusação penal (imputação mais pedido de aplicação de pena)’. (...) Para fazer a proposta, o Ministério Público tem de verificar se há os pressupostos para dar início à ação penal, no Juizado competente. Daí por que deve expor o fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, onde ocorreu, o lugar (ubi), quando se deu, o tempo (quando), sem minúcias, classificar a infração pena, apontando seu autor (quis). Esse mesmo mestre realça que a transação penal proporciona mais vantagem ao próprio autor do fato, que não passa a conviver com um processo longo, demorado, cau152 PINTO, Oriana Piske de Azevedo Magalhães. A transação Penal e a Ação Penal Privada. <www.idcb.org.br>. 149 sando-lhe stress e, portanto, passível de adquirir várias doenças, para, na maioria das vezes, ver decretada a prescrição pela pena in abstracto. Reproduzindo as palavras da Ministra FÁTIMA NANCY, assegura que: ‘Está cientificamente comprovado pela medicina que a pendência de processo judicial ou a falta de condições de acesso à solução de um problema jurídico causa sofrimento que se manifesta sob forma de aflição, de angústia, evoluindo para males psicossomáticos’153. AIRTON ZANATTA, citado por TOURINHO NETO, rebate as argumentações contrárias à constitucionalide da transação, dizendo: “Pela análise sistêmica do instituto da transação penal, verifica-se que ele contém todos os elementos necessários à caracterização da ação penal pública. Sua origem é constitucional, assim como é a ação penal pública. Sua legitimidade para propositura é privativa do Ministério Público, tal qual é na ação penal pública. Ambas são forma de exercício do jus puniendi do Estado, tendo o autuado asseguradas todas as garantias do devido processo legal na forma em que a lei ordinária estabelece” AMAURY DE LIMA E SOUZA, quanto à alegação de que é violado o princípio do devido processo legal, diz, segundo TOURINHO NETO, que: “Não compactuamos com esta idéia, pois mesmo em se aplicando os preceitos da Lei 9.099/95, haverá atividade jurisdicional, pois o Ministério Público estará requerendo a aplicação de pena (pecuniária ou restritiva de direitos) e esta, se aceita pelo réu, será imediatamente aplicada pela autoridade judiciária, se preenchidos os demais requisitos legais. Estará patenteada, portanto, a sanção. Como dizer, dessa forma que se violou o princípio do devido processo legal? Ele continua existindo – tanto que a lide se formou de modo bem mais dinâmico e prático – e a prestação da tutela jurisdicional foi alcançada, através do jus puniendi estatal, que é a própria sanção” NEREU JOSÉ GIACCOMOLLI afirma, segundo NETO, que: “O due process of law (critério objetivo e não substantivo) é obedecido na medida em que a Constituição Federal, no seu art. 98, I, e a Lei 9.099/95 estabeleceram qual a forma de se processar e julgar as infrações de menor potencial ofensivo. A ampla defesa não resta violada porque o envolvido é esclarecido, no início da audiência, a respeito de todas as possibilidades disponíveis; obtém acompanhamento e orientação de advogado (defesa técnica); tem a opção entre a estigmatização do processo, de uma possível sentença condenatória ou de uma sentença homologatória. Ainda. Não é obrigado a aceitar a transação criminal (defesa pessoal). O princípio do contraditório também é assegurado na medida em que, acompanhado de advogado, o envolvido tem a possibilidade de aceitar ou não a medida alternativa da proposta. Inexiste acusação angularizada e tampouco supressão da possibilidade de contraditar uma futura acusação (uma vez não aceita a transação criminal). O Ministério Público vela pelo jus puniendi; o envolvido, pela status libertatis. Pelo fato de não haver confissão de culpa pelo autor do fato e nem declaração desta pelo juiz; por inexistir provimento condenatório e nem eficácia plena de sanção criminal, na aceitação da proposta de transação criminal não há violação ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da nãoculpabilidade. A multa ou a restrição de direitos, aplicadas ao autor do fato, estão previstas no ordenamento jurídico (art. 5º, LXVI, c e d, da CF e art. 76 da Lei 9.099/95)” 153 Idem. P. 572-573. 150 Revista ESMAC NETO conclui sustentando que: “Se a transação está prevista em lei e se estão garantidos o direito à jurisdição, ao juiz natural, à publicidade dos atos processuais e ao contraditório, não se pode dizer que não haja um devido processo legal. Além do mais, é a transação um benefício para o acusado, logo, por que criar obstáculos jurídicos para impedir sua admissão?...Explica LUÍS ROBERTO BARROSO: ‘O princípio do devido processo legal, como é assente, não tem um sentido unívoco predefinido. Trata-se de uma cláusula de relativa elasticidade, mas que, naturalmente, abriga certos conteúdos mínimos, sob pena de tornar-se uma inutilidade. A doutrina processual tem identificado, no due process of law, três sub-princípios: o do juiz natural, do contraditório e do procedimento regular’. O princípio do nulla poena sine iudicio é observado pela Lei dos Juizados. O processo é sumário, célere, mas há, sem sombra de dúvida, um processo em que são observadas as garantias necessárias a sua defesa...”154 dúvida. A constitucionalidade da transação penal se apresenta, pois, irrecusável, estreme de 3.4. Âmbito de aplicação A regra é que a transação penal tem cabimento nas infrações de menor potencial ofensivo, que, segundo a legislação vigente, são as contravenções penais e os crimes cuja pena máxima não ultrapasse 02 (dois) anos (art. 61, da LJEC, na redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006). Estão, porém, fora da órbita de aplicação daquela benesse os crimes militares (art. 90-A, da LJEC), os praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 41, da Lei nº 9.099/95), e o crime de trânsito de lesão corporal culposa nas hipóteses especificadas na norma de regência (art. 291, § 1º, incs. I, II e III, da Lei nº 9.503/97). Esclareça-se também que a transação tem incidência na Justiça Eleitoral. A propósito: “Inquérito policial – Delito do art. 347 do Código Eleitoral – Proposta de transação penal – Proposta de transação penal formulada pelo Ministério Público – Art. 76 da Lei 9.099/95 – Acolhimento – Remessa dos autos à zona eleitoral de origem para submissão da proposta ao indiciado – Decisão unânime (TRE-MG – Proc. 185/99 – Rel. Levindo Coelho – DJMG 13.08.1999) Em igual perspectiva são as lições de ROGÉRIO TADEU ROMANO: “...Deixa óbvia a Resolução n.° 21.294, de 7.11.2002, n o processo administrativo n.° 18.956, do Tribunal Superior Eleitoral, a possibilidade, para as infrações penais eleitorais, cuja pena não seja superior a dois anos, de adoção da transação e da suspensão condicional do processo, salvo para os crimes que contam com um sistema punitivo especial, entre eles aqueles a cuja pena privativa de liberdade se cumula a cassação do registro se o responsável for candidato, a teor exemplificativo do art. 334 do Código Eleitoral. 154 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais. 4ª Ed. São Paulo. 2005. P. 515-517. 151 De toda sorte, as infrações penais definidas no Código Eleitoral, obedecem ao disposto nos seus artigos 355 e seguintes, não podendo ser da competência dos Juizados Especiais sua apuração e julgamento. Na Justiça Eleitoral, o termo circunstanciado de ocorrência pode ser utilizado em substituição ao flagrante, pois estamos diante de infrações de pequeno potencial ofensivo, eliminando a prisão em flagrante. Questiona, no PA 18.956-DF, o Delegado da Polícia Federal a Justiça Eleitoral quanto a adoção das Leis 9.099/95 e 10.259/2001, no pleito eleitoral. Respondeu o ilustre Ministro Sálvio de Figueiredo, dizendo que tocante aos crimes eleitorais, as infrações penais definidas no Código Eleitoral obedecem ao disposto no art. 355 e seguintes, são de ação pública, seu processo é especial e dependerá de representação ou de comunicação feita por qualquer cidadão que tiver conhecimento da infração ao juiz, obedecido o art. 356 do CE. Não obstante, considera-se possível, quanto a infrações penais eleitorais, cuja pena não seja superior a dois anos, a adoção dos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo (que provoca o sobrestamento da ação penal) em face da lei mais benéfica (art. 5.°, XL, da CF). Aliás, o Tribunal Superior Eleitoral, no HC n.° 375, DJ de 26.11.99, p. 189, relator Ministro Eduardo Alckmin, entendeu que a transação de que cogita o art. 76 da Lei n.° 9.099/95 é hipótese de conciliação préprocessual, cuja oportunidade fica preclusa com o oferecimento de denúncia (STF, HC n.° 77.216- 8), sendo instituto aceito na Justiça Eleitoral. Todavia, em crimes que adotam um sistema punitivo especial (art. 334 do Código Eleitoral) em que se cumula a pena privativa de liberdade à cassação do registro se o responsável for candidato, não se aceita a transação penal. Entende-se, no processo eleitoral, que mesmo que a comunicação seja feita por TCO o Ministério Público poderá determinar diligências complementares como titular de ação penal pública incondicionada, mas, não se admitindo, nas infrações de menor potencial ofensivo, a prisão em flagrante, tendo o autor do fato o direito de ser encaminhado, se aceitar, ao Juízo Eleitoral, ou assumir o compromisso, de a ele comparecer. Em síntese: a) as infrações penais definidas no Código Eleitoral obedecem ao disposto nos seus arts. 355 e seguintes, são de ação pública e seu processo é especial, não podendo ser da competência dos Juizados Especiais; b) pode o crime eleitoral ser comunicado pela via do TCO, se a pena cominada for inferior a dois anos; c) é possível, para as infrações penais eleitorais cuja pena não seja superior a dois anos, a adoção da transação, salvo para os crimes que contam com um sistema punitivo especial, entre eles aqueles cuja pena privativa de liberdade se cumula a cassação do registro se o responsável for candidato, a teor do art. 334 do Código Eleitoral; d) a bilateralidade encontrada na transação penal, inclusive na Justiça Eleitoral, não é coordenadora (pretensão e deveres recíprocos entre sujeitos), mas subordinadora (pretensões e deveres correspondentes entre sujeitos dirigentes e comunidade obrigada)155” Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art. 74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade (art. 27, da Lei nº 9.605/98). Cumpre advertir, porém, que a transação não é cabível para os crimes contra as 155 ROMANO, Rogério Tadeu. A Transação Penal e o Processo Eleitoral. <http://www.tre-rn.gov.br/documentos/artigos/artigos>. 152 Revista ESMAC relações de consumo, tipificados no art. 7º, da Lei nº 8.137/90, pois que, sem embargo de a norma prever punição alternativa de multa, a reprimenda carcerária cominada na espécie é de 05 (cinco) anos de detenção. Não se cuida, evidentemente, de infrações de menor potencial ofensivo. Nesse sentido: “PENAL E PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - CRIME CONTRA A RELAÇÃO DE CONSUMO - SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - PRAZO - ADVENTO DA LEI N.º 10.259/01 - MODIFICAÇÃO - INOCORRÊNCIA - PENA ALTERNATIVA DE MULTA - TRANSAÇÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE. - O art. 89 da Lei n.° 9.099/95 não foi alterado pela Lei n.° 10.259/01, restando este aplicável, somente, às infrações penais com pena mínima cominada igual ou inferior a 01 (um) ano. Precedente. - Para a aplicação da transação penal é necessário que a pena máxima cominada ao delito não exceda à dois anos, sendo irrelevante a previsão legal de pena de multa na forma alternativa ou cumulativa. - Ordem denegada” (STJ - HC 29328 / SP – 5ª T. – Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI – j. 18/03/2004) “RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. DIREITO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. TRANSAÇÃO PENAL. REQUISITOS OBJETIVOS. APRECIAÇÃO EM SEDE DE HABEAS CORPUS. INCABIMENTO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ACUSADO QUE RESPONDE A OUTRO PROCESSO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INEXISTÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. 1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa, medida de exceção que é, somente pode ter lugar, quando o motivo legal invocado mostrar-se na luz da evidência, primus ictus oculi. 2. O mero depósito ou exposição à venda de “matéria-prima ou mercadoria” imprópria para o consumo, com prazo de validade vencido (cf. artigo 18, parágrafo 6º, da Lei nº 8.078/90), configura, em tese, o delito tipificado no artigo 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90, que é de perigo abstrato ou presumido. Precedentes do STJ. 3. Não restando afastadas, de plano, a tipicidade e a materialidade delitivas, deve a questão, por induvidoso, ser decidida em momento próprio, qual seja, o da sentença penal, e à luz de todos os elementos de convicção a serem colhidos no desenrolar de toda a instrução criminal, sendo, pois, de todo incabível o abortamento precipitado do feito, à moda de absolvição sumária do denunciado. 4. Não é cabível o instituto da transação penal ao delito tipificado no artigo 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90, que não é considerado como de menor potencial ofensivo, eis que a pena cominada é de 2 a 5 anos de reclusão. 5. Incabe suspensão condicional do processo, se responde o acusado a outra ação penal e a pena mínima cominada ao novo crime que lhe imputa o Ministério Público superior a um ano, como é da letra da norma inserta no artigo 89 da Lei 9.099/95. Precedentes do STJ e do STF. 6. Não importa qualquer violação do princípio constitucional da presunção de inocência, a exigência de não estar o réu respondendo a outro processo para a concessão da suspensão condicional do processo (Precedentes). 7. Recurso improvido” (STJ - RHC 15087 / SP – 6ª T. – Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO – j. 21/02/2006) EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE, alicerçado em escólio doutrinário de LUIZ FLÁVIO GOMES, pondera que a Lei nº 11.343/2006 - Nova Lei Antitóxicos (LAT) -, afastou a cláusula impeditiva do inc. II, § 2º, art. 76, da Lei nº 9.099/95, para concessão da transação penal em relação ao crime de posse de drogas para consumo pessoal (art. 28 c/c art. 48, § 1º, da LAT). Em outras palavras, o usuário de drogas poderá ser favorecido com 153 a transação penal mesmo que já tenha sido beneficiado pelo mesmo instituto a menos de 05 (cinco) anos. Ele argumenta que: “...A Lei 11.343/06 alterou o tratamento atribuído ao usuário ou dependente de drogas. Doravante, de acordo com a dicção de seu artigo 28, incisos I, II e III, aquele que tem a posse de drogas para consumo pessoal não mais estará sujeito, em qualquer circunstância, ao encarceramento. Foi definitivamente abolida a pena de prisão como reação estatal a essa conduta. Trata-se de medida coerente com a adoção de um novo modelo “terapêutico” em substituição à antiga postura “repressiva” em relação ao usuário ou dependente. Como não poderia ser diferente, o legislador estabeleceu no artigo 48, § 1º., da Lei 11.343/06, a aplicação do procedimento da Lei 9099/95 para o processo e julgamento das infrações ao artigo 28 do primeiro diploma mencionado. No entanto, uma dúvida emerge quanto ao direito do autor do fato à transação penal: estaria a proposta, nos casos do artigo 28, condicionada ao fato de que o autor não tenha sido ainda beneficiado no prazo de cinco anos, conforme regra disposta no artigo 76, § 2º., II, da Lei 9099/95? Luiz Flávio Gomes manifesta-se pioneiramente sobre o tema, afirmando que a regra do artigo 76, § 2º., II, da Lei dos Juizados Especiais Criminais não se aplica aos casos do artigo 28 da Lei 11.343/06. Eis o texto: ‘(...) no âmbito dos juizados, feita uma transação penal, outra não pode ser deferida no lapso de cinco anos. Isso não existe na ‘lex nova’. Não há nenhum impedimento para uma nova transação’. A afirmação acima transcrita pode gerar certo espanto, vez que a Lei 11.343/06 não estabelece expressamente alguma exceção e simplesmente determina a aplicação do procedimento dos artigos 60 e seguintes da Lei 9099/95 aos casos do artigo 28. Não há declaração expressa de revogação (derrogação) e nem a Lei de Drogas trata inteiramente da matéria, inclusive remetendo o aplicador à sistemática da Lei 9099/95. Nesse quadro, o que poderia levar o intérprete à surpreendente conclusão de que a transação penal nos casos do artigo 28 da Lei 11.343/06 não estaria condicionada ao lapso impeditivo de cinco anos? A resposta encontra-se no artigo 2º., § 1º., da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto – Lei 4.657/42): ‘A lei posterior revoga a anterior quando expressamente a declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior’. Como já destacado, é nítido que a Lei 11.343/06 não declara expressamente qualquer alteração sobre o tema em discussão. Também não seria uma boa trilha interpretativa concluirse que o silêncio da lei nova implicaria em abolição da exigência da lei anterior, mormente quando a própria Lei de Drogas determina a aplicação dos procedimentos previstos na Lei 9099/95. Portanto, restou apenas a questão da incompatibilidade da disciplina do artigo 28 da Lei 11.343/06 com o regramento estabelecido no artigo 76, § 2º., II, da Lei 9099/95. Eis aqui o que parece ser o verdadeiro desate do nó górdio da questão, a conferir razão à conclusão doutrinária anteriormente mencionada. (...) Tendo em consideração o fundamento da proibição estabelecida no artigo 76, § 2º., II, da Lei 9099/95, nos casos do artigo 28 da Lei 11.343/06 ocorre um verdadeiro desmoronamento da razão de ser do impedimento ali determinado. Isso porque não há hipótese alguma de aplicação de pena privativa de liberdade, bem como não conta o dispositivo em destaque com carga repressivo – punitiva. Bem ao reverso, surge o artigo 28 da nova Lei de Drogas como marco de uma guinada de um sistema repressivo para outro de índole claramente te154 Revista ESMAC rapêutica, a qual inclusive, não se coaduna com um modelo de justiça conflitivo – impositivo, mas sim com um paradigma “consensuado”, no qual a adesão do próprio autor do fato às medidas adotadas emerge como requisito imprescindível à sua eficácia prática. Também é importante recordar que os próprios princípios que regem a Lei 9099/95 indicam para tal solução, pois que não haveria razão plausível para que se chegasse, ao final de todo um processo, à imposição das mesmas medidas que poderiam ter sido obtidas consensualmente e de imediato, uma vez que neste caso não há hipótese de outras modalidades de penas. Tal caminhar em círculos para chegar ao mesmo ponto iria chocar-se frontalmente com princípios preconizados na Lei 9099/95, tais como os da celeridade, informalidade e economia processual (inteligência do artigo 62 da Lei 9099/95). Dessa forma, conclui-se que realmente o impedimento de nova transação penal por cinco anos após um primeiro acordo não se aplica aos casos do artigo 28 da Lei 11.343/06, por tratar-se de disposição incompatível com sua natureza e disciplina e considerando os próprios princípios reitores da Lei dos Juizados Especiais Criminais”156. A transação criminal tem aplicabilidade nos feitos de competência originária dos Tribunais. Veja-se: “Transação penal (...) Delito sujeito a procedimento especial, de competência originária do Tribunal – Cabimento, contudo, da transação, com aplicação aos acusados das matérias de Direito Penal inerentes às regras processuais da Lei Federal 9.099, de 1995 – Recolhimento da multa no prazo de dez dias – Transação homologada...” (TJSP – 4ª CCrim – Rel. Hélio de Freitas – Inq. 227.977-3 – LEX-JTJ 218359) Estabelece-se ainda que a transação deve ser observada mesmo quando verificada a reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência (par. ún., art. 60, LJEC, com a redação dada pela Lei nº 11.313/2006). É relevante destacar que, se o Tribunal do Júri desclassificar a infração para outra, de competência do juiz singular, ao Juiz caberá proferir sentença em seguida, aplicando, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei nº 9.099/95. Igual providência deverá ser adotada, também na hipótese de desclassificação, em relação ao crime conexo (desde que de menor potencial ofensivo) que não seja doloso contra a vida (art. 492, §§ 1º e 2º, do CPP, na redação dada pela Lei nº 11.689/2008). Importa ressaltar que, na esteira do Enunciado Criminal nº 80, do FONAJE (Fórum Nacional dos Juizados Especiais): “No caso de concurso de crimes (material ou formal) e continuidade delitiva, as penas serão consideradas isoladamente para fixação da competência” (atualizado até o XXIII Encontro – Boa Vista/RR). TOURINHO NETO obtempera que, a soma ou acréscimo das penas, decorrentes do concurso de crimes – material (soma das penas dos dois ou mais crimes – CP, art. 69); formal (aplicação da pena mais grave das “cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade” – Código Penal, art. 70); ou da continuidade (aplicação da “pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços” – CP, art. 71) – não pode 156 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Posse de drogas para consumo pessoal: novas regras para a transação penal. <http:// www.eneascorrea.com>. 155 transformar um crime de menor potencial ofensivo em crime de gravidade maior. O crime não pode ser, ao mesmo tempo, de maior ou de menor potencial ofensivo, a depender do número de vezes que foi praticado ou se o foi em concurso com outro ou outros delitos. O agente é que pode, com esse modo de agir, demonstrar uma personalidade voltada para o crime, que, em si, não deixa de ser de menor potencial ofensivo, se a pena in abstracto não é superior a dois anos, ou se é punido tão somente com multa. Mais adiante, acrescenta o doutrinador que as normas que ‘restringem a liberdade humana’ devem ser interpretadas estritamente, como explica CARLOS MAXIMILIANO. In poenalibus causis benignus interpretandum este (adota-se nas causas penais a exegese mais benigna)157. Respeitante aos crimes qualificados, circunstâncias atenuantes e agravantes, causas de aumento e diminuição de pena, e sua influência na definição da infração de menor potencial ofensivo, vale transcrever a orientação do Magistrado DENIVAL FRANCISCO DA SILVA, in verbis: “(...) Obviamente que a pena abstrata atribuída no caso de qualificadoras, já é componente do tipo penal e é este parâmetro que servirá para conceituá-lo, ou não, como infração penal de menor potencial ofensivo. Quanto as agravantes e atenuantes, não influenciam na definição de maior ou menor gravidade, e por isso não podem ser consideradas para identificação da natureza da infração. Quanto às causas de aumento e de diminuição de pena, diferentemente das circunstâncias agravantes e atenuantes, informam uma modificação necessária do grau de reprovabilidade, incidindo, portanto, sobre a pena cominada mesmo abstratamente. Porém como nem sempre estas causas trazem um quantum objetivo de pena, estabelecendo um intervalo com um mínimo e um máximo modificador, seja para aumentar ou diminuir, deve-se observar, então, a equação que traduza na maior pena possível ao agente delituoso. Assim, a alternativa mais viável será considerar o maior patamar de aumento e o mínimo de redução cabíveis, porque em ambas as hipóteses se obterá o máximo de pena possível para a situação concreta...158” Os Pretórios Superiores entendem, todavia, que, no concurso de crimes, as penas máximas deverão ser somadas (cúmulo material – art. 69, CP) ou exasperadas (concurso formal – art. 70, daquele Código – e crime continuado – art. 71 – do mesmo Estatuto Repressor) para se definir a natureza da infração penal. Para o E. STJ: “...A jurisprudência desta Corte Federal Superior já se pacificou no sentido de que quando a soma das penas máximas cominadas em abstrato ultrapassar dois anos, a competência para julgar os crimes de menor potencial ofensivo será da Justiça Comum...” (STJ – CC 51492/ RS – 3ª S. – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – j. 14/03/2007 – DJ 26/03/2007) “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIMES CONTRA A HONRA. CONCURSO MATERIAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. COMPETÊNCIA. JUIZADO 157 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. JÚNIOR, Joel Dias Figueiredo. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais. 4ª Ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2005. P. 388 158 SILVA, DENIVAL FRANCISCO DA. DA Competência Absoluta do Juizado Especial Criminal para Processamento e Julgamento das Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo. <www.portalgepec.org.br>. 156 Revista ESMAC ESPECIAL CRIMINAL. I - No caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal, será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas ao delito. Com efeito, se desse somatório resultar um apenamento superior a 2 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ). II - A alegação de que na espécie se teria uma progressão criminosa (conflito aparente de normas a ser dirimido com base no princípio da consunção), e não um concurso material de crimes, ensejaria, inevitavelmente, um aprofundado exame do material fático-probatório, o que é inviável nesta estreita via. Ordem denegada” (STJ - HC 27734/RJ – Rel. Ministro FELIX FISCHER - DJ 14.06.2004) Para o C. STF: “...Com efeito, e no que se refere ao tema específico da transação penal (Lei nº 9.099/95, art. 76), cabe ter em consideração a decisão proferida pela Colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 78.876-MG, ocasião em que esta Corte – em expressiva passagem do voto vencedor, da lavra do eminente Ministro MAURÍCIO CORRÊA, Relator – entendeu inaplicável, aos crimes cometidos em concurso formal, ou em concurso material, ou, ainda, em continuidade delitiva, o instituto da transação penal, sempre que, da soma das penas cominadas a cada infração penal ou da incidência das causas de majoração, resultar ultrapassado o limite de um (1) ano, a que se refere o art. 61 da Lei nº 9.099/95: ‘No julgamento do HC nº 77.242-SP, na recente Sessão Plenária de 18.03.99, da relatoria do Min. MOREIRA ALVES, ficou decidido, por maioria, que os benefícios previstos na Lei nº 9.099, de 25.09.95, como a transação penal (artigo 76) e a suspensão condicional do processo (art. 89), não são aplicáveis no caso de concurso forma de crimes (...) Cumpre ressaltar, neste ponto, que essa diretriz jurisprudencial encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (...) cuja análise do tema ora em exame põe em destaque a relevantíssima circunstância de que a transação penal não se estende àqueles ilícitos, cuja punição in abstracto ou da incidência de causas especiais de aumento, culmina por descaracterizar tais delitos como infrações penais de menor potencial ofensivo. É que, em tão situação, e precisamente em conseqüência das regras pertinentes ao concurso material, ao concurso formal e à continuidade delitiva, restam desatendidos os parâmetros normativos fixados pelo art. 61 da Lei nº 9.099/95...” (STF – HC 81470 MC/SP – Rel. Min. Celso de Mello – j. 13/03/2002 – DJ 20/03/2002) 3.5. PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL. INICIATIVA. Segundo ADA PELLEGRINI GRINOVER, tanto o Ministério Público, nos crimes de ação pública (art. 129, I, CF/88), quanto ao ofendido (titular da queixa-crime), nos crimes de ação privada, são legitimados para transacionar, desde que ausentes os óbices previstos nos incs. I (ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva), II (ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa) e III (não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, 157 ser necessária e suficiente a adoção da medida), § 2º, art. 76, da LJEC159. A polêmica inicial de que não caberia transação penal nos crimes de ação penal privada restou superada. Senão vejamos: Para TOURINHO NETO, na ação penal privada vigora, sem restrição, o princípio da oportunidade, o que viabiliza melhor a transação. O fato de a Lei dos Juizados referir-se ao Ministério Público como legitimado para propor a transação não quer dizer que o querelante não tinha legitimidade para tanto. A lei não previu expressamente que o querelante pudesse fazer a proposta, porque entendeu ser isto óbvio, uma vez que o princípio da oportunidade rege a ação penal privada. Se o querelante pode o mais, que é propor a ação, por que não pode o menos, que é propor a transação? Afinal de contas, prejudicado será o autor do fato, se a transação não puder ser feita pelo querelante160. O Enunciado Criminal nº 90, do FONAJE, pontua que: “Na ação penal de iniciativa privada, cabem transação penal e a suspensão condicional do processo” (atualizado até o XXIII Encontro – Boa Vista/RR). Em sentido idêntico: “HABEAS CORPUS. LEI 9.279/96. CRIME DE CONCORRÊNCIA DESLEAL. AÇÃO PENAL PRIVADA. TRANSAÇÃO PENAL. CABIMENTO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Enquanto resposta penal, a transação penal disciplinada no artigo 76 da Lei 9.099/95 não encontra óbice de incidência no artigo 61 do mesmo Diploma, devendo, como de fato deve, aplicar-se aos crimes apurados mediante procedimento especial, e ainda que mediante ação penal exclusivamente privada (Precedente da Corte). 2. Ordem concedida para assegurar a aplicação da transação penal no processo em que se apura crime de concorrência desleal” (STJ – HC 17601 / SP - 6ª T. – Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO – j. 07/08/2001) “A Lei 9099/95 aplica-se aos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada.” (STJ - Confl. Comp. 30164/MG - Rel. Min. Gilson Dipp – j. em 13.12.01) “EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. CRIME CONTRA A HONRA. INJÚRIA. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. 1. A Terceira Seção desta Egrégia Corte firmou o entendimento no sentido de que, preenchidos os requisitos autorizadores, a Lei dos Juizados Especiais Criminais aplica-se aos crimes sujeitos a ritos especiais, inclusive àqueles apurados mediante ação penal exclusivamente privada. 2. Em sendo assim, por se tratar de crime de injúria, há de se abrir a possibilidade de, consoante o art. 76, da Lei n.º 9.099/95, ser oferecido ao Paciente o benefício da transação penal. 3. Ordem concedida” (STJ - Habeas Corpus Nº 30443/DF – 5ª T. – Rel. Min. Laurita Vaz – j. 09/03/2004) “...A Lei dos Juizados Especiais aplica-se aos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada...” (STJ – CC 43886/MG – 3ª S. – Rel. Min. Gilson Dipp – j. 13/10/2004 – DJ 29/11/2004) 159 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1996. P. 122. 160 Idem. P. 603. 158 Revista ESMAC “HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. FALTA DE INTIMAÇÃO DO IMPETRANTE DO NÚMERO DA AUTUAÇÃO E DO ÓRGÃO JULGADOR DO HABEAS CORPUS. NULIDADE NÃO RECONHECIDA. CRIME CONTRA A HONRA. TRANSAÇÃO PENAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 76 DA LEI N.º 9.099/95. OFERECIMENTO. TITULAR DA AÇÃO PENAL. QUERELANTE. PRECEDENTES. 1. Não há que se falar em cerceamento de defesa decorrente da falta de intimação do impetrante do número da autuação e do órgão julgador do habeas corpus, dado que não demonstrado qualquer prejuízo para a defesa. 2. O benefício previsto no art. 76 da Lei n.º 9.099/95, mediante a aplicação da analogia in bonam partem, prevista no art. 3º do Código de Processo Penal, é cabível também nos casos de crimes apurados através de ação penal privada. 3. Precedentes do STJ. 4. Ordem parcialmente concedida” (STJ - Habeas Corpus N. 31527/SP – 6ª T. – Rel. Min. Paulo Gallotti – j. 01/03/2005) “PENAL. PROCESSO PENAL. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. CRIME CONTRA A HONRA. AÇÃO PENAL PRIVADA. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. RESSALVA DE VOTOS. CONCURSO DE CRIMES. SOMATÓRIO DAS PENAS. INCOMPETÊNCIA DOS JUIZADOS. APELAÇÃO PROVIDA. UNÂNIME. 1 - não havendo vedação legal na lei 9.099/95, é de se admitir, por critério de isonomia, a transação penal nos crimes de ação penal privada. 2 - tratando-se de concurso de crimes, se o somatório das penas extrapolar o limite legal de 2 anos (art. 2º, parágrafo único, da lei 10259/2001), refoge a competência dos juizados especiais criminais, atraindo a do juízo criminal comum. DECISÃO: rejeitar a preliminar. prover. Unânime” (TJDF – Apelação Criminal – 1ª T. – Rel. Sérgio Rocha – j. 22/05/2003) “É possível a transação penal privada, se o autor do fato satisfaz os requisitos legais. A transação penal é instituto inovador e que deve ser prestigiado pelo Judiciário independentemente da legitimidade ativa para a ação ou a sua titularidade ou da vontade do querelante ou do Ministério Público.” (Turma Recursal de Belo Horizonte, Rec. 10078, Rel. Juiz Eli Lucas de Mendonça, em 30.9.98) “Transação penal e suspensão condicional do processo. Aplicação à ação penal privada. Possibilidade. Sistema de consenso entre ofensor e vítima. Modalidade de justiça consensuada que não equivale à renúncia do direito de ação na transação penal e não implica na mitigação do princípio da indisponibilidade da ação penal, com relação à suspensão. Sistema de modelo político-criminal consensuado, que, além da simplicidade, economia processual, oralidade de celeridade, se apóia na conciliação e transação, sobressaindo-se os interesses da vítima” (RJDTACRIM, 34/257) “TRANSAÇÃO PENAL. APLICABILIDADE DO INSTITUTO ÀS AÇÕES PENAIS PRIVADAS. É cabível o instituto da transação penal nas ações penais privadas, havendo necessidade, contudo, de consenso, pois ‘quando um não quer, dois não transacionam’.” (TJRJ – 7ª Câm. - Ap. Crim. n.º 2003.050.01015 – Rel. Des. EDUARDO MAYR - julgada em 12.08.2003) “Transação penal e suspensão condicional do processo – Aplicação à ação penal privada – Possibilidade – Ação penal privada – Lei 9.099/95 – Procedimento especial – Art. 61, ‘in fine’ – Aplicação da transação penal ou da suspensão condicional do processo – Possibilidade – Sistema de ‘consensus’ entre ofensor e vítima – Modalidade de justiça consensuada que não eqüivale à renúncia do direito de ação na transação penal e não implica na mitigação do princípio da indisponibilidade da ação penal, com relação à suspensão – Sistema de modelo político-criminal consensuado, que além 159 da simplicidade, economia processual, oralidade e celeridade, se apóia na conciliação e transação, sobressaindo-se os interesses da vítima – Conversão do julgamento em diligência determinada” (extinto TACRIM-SP – AP. 1.021.473/2 – Rel. Juiz Rulli Júnior – RJTACrim-SP 34/257) Sendo que, tratando-se de delito que se apurar mediante ação penal privada, a proposta deve ser feita pelo querelante (STJ – Edcl no HC 33929/SP – 5ª T. - j. 21/10/2004). Cumpre realçar que, “Em caso de não oferecimento de proposta de transação penal ou de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público, aplica-se, por analogia, o disposto no art. 28 do CPP” (Enunciado Criminal nº 86, do FONAJE, atualizado até o XXIII Encontro). Esse é o entendimento do C. STF, que, no seu verbete de súmula nº 696 (que também se aplica na hipótese de transação penal), preconiza: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”. O Juiz não estar autorizado, pois, a propor transação penal de ofício. MORAES e SMANIO doutrinam que a transação penal, por sua própria natureza jurídica, como já foi dito, consiste na discricionariedade do Ministério Público (ou da própria vítima) de transacionar a pena a ser aplicada ao autor do fato. A Constituição Federal prevê, segundo aqueles estudiosos, como direito do Estado o ius puniendi e o ius punitionis, ao determinar a aplicação da pena pelo órgão competente do Poder Judiciário, por infração penal prevista em lei, através de devido processo legal, que será iniciado pelo órgão do Ministério Público (art. 5º, incisos XXXIV, LIII, LVII, e art. 129, inciso I). O Ministério Público exerce parcela da soberania do Estado ao realizar a persecução criminal, ao verificar as condições necessárias para o início do devido processo legal, função que exerce privativamente, no caso da ação penal pública. O constituinte consagrou o sistema acusatório, com a separação orgânica e funcional entre o responsável pela acusação (Ministério Público) e o responsável pelo julgamento (Poder Judiciário). A interpretação das normas constitucionais deve ser sistemática, buscando harmonizar seus diversos dispositivos, posto que a Constituição é sintetizada por Canotilho como o ‘estatuto jurídico do fenômeno político”. Assim, Celso Ribeiro e Ives Gandra Martins demonstram: “o que cumpre notar é a noção de auto-referência constitucional, o que se entende significar não poder a Constituição valer-se de parâmetros, critérios e princípios que não os nela mesmo consubstanciados”. Para MORAES e SMANIO, a interpretação que deve ser feito do art. 98, I, da Constituição Federal deve ser harmônica com o princípio instituído em seu art. 129, I, e em seu art. 5º, XXXIX, LIII e LVII, ou seja, se existe o devido processo legal, com a adoção do sistema acusatório e o princípio da imparcialidade do Juiz, se a transação é admitida nas infrações de menor potencial ofensivo e se o início da persecução penal na ação penal pública cabe exclusivamente ao Ministério Público, é este órgão do Estado que tem a faculdade de dispor da ação penal nas infrações penais de menor potencial ofensivo, assim definidas na Lei nº 9.099/95. A transação penal pressupõe consenso entre as partes, não podendo de forma alguma ser imposta a qualquer delas pelo órgão julgador. 160 Revista ESMAC Inadmissível a transação penal ex officio, pois que a transação decorre da vontade das partes, obedecidos os requisitos legais e não de uma obrigação legal a ser imposta às partes pelo Juiz. Igualmente inadmissível o entendimento de que a transação consubstanciaria direito subjetivo do autor do fato, desde que presentes os requisitos legais. Se sequer o órgão julgador pode impor às partes a transação, uma das partes jamais poderia impor a outra qualquer espécie de acordo, caso contrário deixaria imediatamente de ser considerada uma transação. Seria verdadeira “contradição nos próprios termos”. Os autores se reportam, no sentido do texto, a entendimento sufragado pelo Egrégio Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, que, por sua 12ª Câmara, em votação unânime, na Correição Parcial nº 1.012.835/9, da Comarca de Indaiatuba, relatado pelo Juiz Walter Guilherme, pronunciou: “Exsurge, no entanto, uma questão irredutível: se o Promotor não propõe a aplicação imediata da pena ou a suspensão precisamente, porque entende que os requisitos legais não estão atendidos, ou ainda, na primeira hipótese, o faz em desacordo com o desejo do acusado, como no caso dos autos? A tentação é grande, e eminentes Juízes e prestigiados autores assim propugnam de transferir o encargo ao julgador. Data vênia, não vejo como permitir ao Juiz que decida ex officio. O espírito da Lei nº 9.099/95, no caso, é o da transação. Acordo entre acusador (que faz a proposta) e o acusado (que a aceita)” Se o Juiz formular ex officio a proposta de transação penal e, caso aceita pelo autor do fato, homologá-la, esta sentença homologatória deverá ser havida como inexistente, não podendo produzir qualquer efeito, uma vez que a “transação” foi realizada sem a concordância de uma das partes, sem acordo. A propósito: “APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. CONCURSO DE CRIMES. SOMATÓRIO DAS PENAS. RESULTADO QUE ULTRAPASSA O QUANTUM CONSIDERADO PELA LEI 9.099/95 PARA FINS DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. TRANSAÇÃO PENAL. AFASTADA. CONCESSÃO DE TRANSAÇÃO PENAL EX OFFICIO PELO JULGADOR. IMPOSSIBILIDADE. PRERROGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. É assente na jurisprudência dos Tribunais Superiores, que a competência deve ser firmada em consonância com a pretensão delineada pelo dominus litis na exordial acusatória e, em caso de concurso de crimes, a pena a ser considerada para fixação da competência será o resultado da soma das penas máximas previstas nos tipos penais. Precedentes do STJ. 2. Nula é a sentença homologatória de proposta de transação penal ofertada ex officio pelo magistrado, posto que este ato constituti prerrogativa privativa de membro do Ministério Público, titular da ação penal. Precedentes do STJ. 3. Recurso conhecido e provido” (TJAC - Apelação Criminal n. 2007.001565-5/Plácido de Castro – CCrim. – Rel. Des. ARQUILAU MELO – j. 19/07/2007) “TRANSAÇÃO PENAL. PRERROGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A oferta de transação penal (art. 76 da Lei 9099/95) é prerrogativa do Ministério Público. A atribuição ao 161 Juiz de poderes equivalente aos da movimentação ex officio da jurisdição encontra-se proibida pelo inciso I do art. 129 da Constituição Federal. RECURSO PROVIDO” (Turma Recursal Criminal/RS - Recurso Crime Nº 71000814582 – Rela. Osnilda Pisa – j. 25/04/2006) Ocorrendo o oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público, sem que tenha havido anterior proposta de transação penal, poderá o juiz, analogicamente, aplicar o art. 28 do Código de Processo Penal, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça, para que, analisando o caso, insista no início da ação penal, ofereça a transação ou designe outro membro ministerial para fazê-lo (TJSP – HC nº 207.870-3/0 – São Roque – rel. Jarbas Mazzoni – v.u. – j. 27.05.95)161. Nesse sentido: “Em princípio, a divergência acerca da proposição de transação penal resolve-se com a aplicação analógica do procedimento indicado no art. 28 do CPP” (STJ – 5ª T. – HC 7.754/SP – Rel. Min. Félix Fischer – DJ 19.10.1998) “Não cabe ao Juiz, que não é titular da ação penal, substituir-se ao Parquet para formular proposta de transação penal. A eventual divergência sobre o não oferecimento da proposta resolve-se à luz do mecanismo estabelecido no art. 28 c/c art. 3º do CPP” (STJ – 5ª T. – REsp. nº 187824/SP – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJ 17.05.1999) “PROCESSUAL PENAL – LEI 9.099/95 – TRANSAÇÃO PENAL – PROPOSTA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO – IMPOSSIBILIDADE – TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. - Em eventual divergência sobre o não oferecimento da proposta de transação penal, resolve-se à luz do mecanismo estabelecido pelo art. 28, c/c art. 3º do CPP (encaminhar os autos ao Procurador Geral). - Precedentes. - Recurso provido para que sejam encaminhados os autos ao Procurador-Geral de Justiça” (STJ – REsp. 261570 / SP 5ª T. – Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI – j. 20/02/2001) “Recurso criminal. Homologação de transação penal firmada entre a própria juíza prolatora da decisão e o indiciado, em montante superior àquele proposto pelo Ministério Público. Alegação de usurpação de função constitucional exclusivamente atribuída ao Ministério Público e de inobservância do art. 76 da Lei nº 9.099/95. Acolhimento. O Ministério Público detém legitimidade exclusiva para formular proposta de transação penal. Recurso a que se dá provimento” (TRE-MG – RC nº 436/2003/Itambacuri - 136ª ZE – Rel. Juiz Oscar Dias Corrêa Júnior – j. 23.03.2004) “TRANSAÇÃO PENAL – PROMOTOR QUE ENTENDE INCABÍVEL E OFERECE, DESDE LOGO, DENÚNCIA – PROPOSTA DE OFÍCIO PELO JUIZ – IMPOSSIBILIDADE. Não se conformando o magistrado com a recusa do Ministério Público em formular proposta de transação penal, lhe resta a aplicação analógica do art. 28, do Código de Processo Penal, com a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, haja vista que a Lei não prevê a hipótese de o juiz se substituir ao órgão acusatório, titular exclusivo da ação penal pública, facultando-lhe apenas a possibilidade de redução da multa proposta, ou rejeição desta” (2ª Turma do Colégio Recursal Criminal de São Paulo – AC 49/04 – Rel. Walter Exner – j. 21.06.2004) 161 MORAES, Alexandre de. SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 10ª Ed. São Paulo. Atlas. 2008. P. 263-265. 162 Revista ESMAC Transação penal não é, pois, direito público subjetivo do autor do fato. Nessa toada: “O Ministério Público tem, nos termos da Lei nº 9.99/95 (...) a atribuição de propor ou não a transação penal, desde que o faça fundamentadamente” (STJ – REsp. 165.734/SP – DJU 20-3-2000) “O art. 76 da lei nova não se constitui em direito público subjetivo do réu, mas apenas mitiga o princípio da obrigatoriedade da ação penal, ao adotar o princípio da conveniência ou, segundo alguns, o princípio da discricionariedade controlada. As propostas previstas na lei são de exclusivo e inteiro arbítrio do Ministério Público, que continua sendo, por força de norma constitucional, o dominus litis, não podendo sequer ser substituído pelo magistrado, em tais encaminhamentos” (TARS – JTAERGS 99/35) “O habeas corpus é via inidônea para rever decisão judicial que, alicerçada em elementos de natureza subjetiva, indefere a aplicação dos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, previstos na Lei nº 9.099/95, sendo certo que, por não serem tais benefícios direito subjetivo do réu, sua denegação não constitui coação ilegal” (TACRIM-SP – RJDTACRIM 39/387) O Magistrado pode, todavia, deixar de homologar a transação penal em razão da atipicidade, em razão da extinção da punibilidade do autuado ou por falta de justa causa para a ação penal (Enunciado Criminal nº 73, do FONAJE). Essa iniciativa de transacionar conferida ao MPE, nas hipóteses taxativamente previstas na legislação, cuida-se, nas palavras de JULIO FABBRINI MIRABETE, de discricionariedade limitada, ou regrada, ou regulada, pois que cabe ao Ministério Público a atuação discricionária de fazer a proposta, de exercitar o direito subjetivo de punir do Estado com a aplicação de pena não privativa de liberdade nas infrações penais de menor potencial ofensivo sem denúncia e instauração de processo. Essa discricionariedade é a atribuição pelo ordenamento jurídico de uma margem de escolha ao Ministério Público, que poderá deixar de exigir a prestação jurisdicional para a concretização do jus puniende do Estado. Trata-se de opção válida por estar adequada à legalidade, no denominado espaço de consenso, vinculado à pequena e média criminalidade, e não ao espaço de conflito, referente à criminalidade grave. Acrescenta o ilustre doutrinador que, a transação penal é inovação legislativa das mais importantes no campo do processo penal por estabelecer pela primeira vez a mitigação do princípio da obrigatoriedade no caso de ação penal pública, regulada pela lei e submetida ao controle jurisdicional. Ao decidir-se pela proposta, o Ministério Público não estará emitindo um juízo definitivo de culpabilidade, porque não foram produzidas todas as provas que podem levar a essa conclusão, mas fará um juízo de probabilidade de culpabilidade, numa antevisão da necessidade da aplicação da pena com os elementos que lhe são apresentados no momento. O conciliador e o juiz leigo estão autorizados a presidir audiências preliminares no Juizado Especial Criminal (JECrim), propondo conciliação e encaminhamento da proposta de transação penal (Enunciados Criminais nos 70 e 71, do FONAJE). Advirta-se, porém, que o conciliador e o juiz leigo não estão autorizados a conceder transação de ofício, nem modificar a proposta formulada pelo MPE. Aplicam-se ao caso, com as modificações necessárias, os seguintes precedentes: 163 “APELAÇÃO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. TRANSAÇÃO PENAL SEM A PRESENÇA DO MAGISTRADO E MINISTÉRIO PÚBLICO, PROPOSTA POR ASSESSORA DO JUIZ. A transação penal proposta em audiência preliminar pela assessora do magistrado carece de existência jurídica, não tendo como se constituir como ato processual apto a produzir efeitos. Artigo 72 da Lei 9099/95. Tendo um dos autores do fato iniciado o cumprimento da prestação de serviços à comunidade sem a chancela oficial, é fato material a ser considerado na audiência de transação a ser realizada. DE OFÍCIO ANULARAM O PROCESSO A PARTIR DA FL. 17 DETERMINANDO A REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE TRANSAÇÃO PENAL” (Turma Recursal Criminal/RS - Recurso Crime Nº 71001675156 – Rel. Alberto Delgado Neto – j. 07/07/2008) “CORREIÇÃO PARCIAL. PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA PROPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO POR CONCILIADOR...” (Turma Recursal Criminal/RS - Correição Parcial Nº 71001813765 – Rela. Angela Maria Silveira – j. 13/10/2008) No ponto, vale registrar que “A intimação do autor do fato para a audiência preliminar deve conter a advertência da necessidade de acompanhamento de advogado e de que, na sua falta, ser-lhe-á nomeado Defensor Público” (Enunciado Criminal nº 9, do FONAJE). Insta gizar que não há óbice à formulação da proposta no caso de concurso de pessoas. Nada impede que um dos agentes aceite a proposta e outro a rejeite. Nesse caso, a persecutio criminis seguirá normalmente em relação ao que recusou a composição. TOURINHO NETO traz à debate a seguinte questão: “Poderá o autor do fato formular a proposta (de transação penal)? - Evidentemente que sim. Que impede? – Nada, pois, além de se cuidar de se obter uma conciliação, o instituto da transação é um direito público subjetivo do autuado. Se preencher ele os requisitos para que o Ministério Público faça a proposta, tem o direito de exigir a que o órgão ministerial a faça. Se não a fizer, ele pode propor a transação. Os papéis, assim, invertem-se. O Ministério Público é que, então, será indagado se aceita ou não...”162 Daí se conclui que o autor do fato poderá tomar a iniciativa de formular a proposta de composição criminal. Acresça-se, ainda, que é “Cabível o encaminhamento de proposta de transação por carta precatória” (Enunciado Criminal nº 13, do FONAJE). Entende-se também que “É possível a redução da medida proposta no art. 76, § 1º da Lei nº 9.99/1995, pelo juiz deprecado” (Enunciado Criminal nº 91, do FONAJE). Nesse mesmo diapasão: “É possível a adequação de transação penal ou das condições da suspensão condicional do processo no juízo deprecado ou no juízo da execução, observadas as circunstâncias pessoais do beneficiário” (Enunciado Criminal nº 92, do FONAJE). E “A proposta de transação de pena restritiva de direitos é cabível, mesmo quando o tipo em abstrato só comporta pena de multa” (Enunciado Criminal nº 20, do FONAJE). Demais, “A transação penal poderá conter cláusula de renúncia à propriedade do objeto apreendido” (Enunciado Criminal nº 58, do FONAJE). 162 Idem. P. 596. 164 Revista ESMAC Deve ser lembrado que “É cabível a substituição de uma modalidade de pena restritiva de direitos por outra, aplicada em sede de transação penal, pelo juízo do conhecimento, a requerimento do interessado, ouvido o Ministério Público” (Enunciado Criminal nº 68, do FONAJE). Isso se deve, fundamentalmente, a circunstância de que “As penas restritivas de direito aplicadas em transação penal são fungíveis entre si” (Enunciado Criminal nº 102, do FONAJE). Esse entendimento se ajusta com fidelidade à diretriz constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF/88). A respeito da substituição de uma sanção restritiva por outra, veja-se, ainda: “Tornando-se impossível, por qualquer motivo, o cumprimento da prestação de serviços estabelecida na transação, há que se acertar outra forma de prestação de serviços. A eventual mudança da forma de prestação de serviços em razão da impossibilidade da que foi inicialmente proposta e acertada não configura constrangimento ilegal para o acusado” (STJ – RHC 6.147/SP – DJU 5.5.97) E “A proposta de transação penal e a sentença homologatória devem conter obrigatoriamente o tipo infracional imputado ao autor do fato, independentemente da capitulação ofertada no termo circunstanciado” (Enunciado Criminal nº 72, do FONAJE). Cumpre anotar que “O juiz pode alterar a destinação das medidas penais indicadas na proposta de transação penal” (Enunciado Criminal nº 77, do FONAJE). Se “Aceita a transação penal, o autor do fato previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/06 (Nova Lei Antitóxicos) deve ser advertido expressamente para os efeitos previstos no parágrafo 6º do referido dispositivo legal” (Enunciado Criminal nº 85, do FONAJE). Desponta inadmissível a proposta de transação em favor de autor do fato citado por edital. Nesse sentido: “É impossível o oferecimento da proposta de transação penal e suspensão condicional do processo na hipótese de comparecimento de réu revel citado por edital, se ele não fora localizado anteriormente para a audiência preliminar, acarretando o prosseguimento do feito nos moldes do parágrafo único do art. 66 da Lei nº 9.099/95, pois esta foi aplicada corretamente, não sendo concedidos benefícios por culpa única e exclusiva do mesmo” (TACRIMSP – RJDTACRIM 40/150-151) 3.6. Controle Jurisdicional Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz, a quem caberá aplicar a pena restritiva de direitos ou multa (§ 4º, art. 76, da LJEC). Tratando-se de crime de ação penal pública condicionada à representação, é de que “O Ministério Público, oferecida a representação em Juízo, poderá propor diretamente a transação penal, independentemente do comparecimento da vítima à audiência preliminar” (Enunciado Criminal nº 2, do FONAJE). 165 É de se registrar, no ponto, que, tratando-se de crime de ação penal pública condicionada à representação, a transação penal poderá efetivar-se independentemente da vontade da vítima. Nesse sentido: “Na ação penal pública condicionada, onde houve representação da vítima, é possível a proposta de aplicação da pena não privativa de liberdade, prevista na Lei nº 9.099/95 mesmo quando não efetuada a composição dos danos, pois a transação pode realizar-se independentemente da vontade da vítima do ilícito” (TACRIM-SP – RT 742/647) “Recurso em sentido estrito contra decisão de não-recebimento de apelação criminal – Lesões corporais havidas em acidente de trânsito – Inocorrência de conciliação com oferecimento de representação criminal – Proposta de transação pelo Ministério Público, aceita pelo recorrido e homologada pelo juiz – Discordância da vítima – Pedido de habilitação na qualidade de assistente à acusação, e concomitante aforamento de apelação – Decisão Judicial de indeferimento da assistência, e não-recebimento da apelação – Recurso objetivando o reconhecimento da ocorrência de crime de lesão corporal grave, na modalidade de dolo eventual, com pretensão de oferecimento de denúncia, atuando a recorrente como assistente à acusação – Poder do Ministério Público de interpretar o fato, dando a ele a capitulação legal que entender aplicável – Transação penal que não comporta a participação da vítima – Homologação da transação impede a possibilidade de deflagração da ação penal – Inexistente a ação penal, não se admite a figura da assistência à acusação, falecendo-lhe legitimidade para interpor recurso de apelação” (2ª Turma Recurso de Santa Catarina – RJTRTJSC 5/219) Para ADA PELLEGRINI, após a submissão da proposta de transação ao Juiz, fecha-se o círculo da discricionariedade regrada adotada pela nova lei, balizada como é pela regulamentação legal e sujeita à fiscalização do Poder Judiciário. Segundo a eminente professora, cabe ao Juiz, em última análise, a verificação da legalidade da adoção da medida proposta e a análise de sua conveniência. Mas esta deverá sempre levar em conta a vontade dos partícipes – que o juiz poderá aferir mais uma vez – e a filosofia da transação penal, que não é sujeita a critérios de legalidade estrita e visa principalmente à pacificação social163. FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO formula a seguinte indagação: “... Pode o Juiz discordar da proposta formulada e aceita? Já dissemos que o Juiz não é um convidado de pedra. Formulada a proposta pelo titular da ação e levada à consideração do autor do fato e seu Defensor, se aceita for, cumprirá ao Juiz homologá-la, dês que o acordo firmado esteja dentro dos parâmetros legais (...) O autor do fato pode apresentar contraproposta e nada impede que o Juiz, ali na audiência, como conciliador, procurando estimular a pacificação, faça sugestão que, se aceita por ambas as partes, põe termo ‘litígio’...”164. De acordo com MORAES e SMANIO, se houver aceitação da proposta, ou da contraproposta, o acordo será levado à apreciação do juiz, que poderá aplicar a pena decorrente da convenção. Não haverá condenação em custas, e da sentença homologatória caberá apelação. Acrescentam os precitados doutrinadores que, nesta fase, o juiz deverá analisar a legalidade da proposta efetuada pelo Ministério Público, bem como se houve aceitação por 163 Idem. P. 133. 164 FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 5ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2008. P. 120. 166 Revista ESMAC parte do autor do fato e seu defensor. O magistrado deverá ainda examinar se estão presentes os requisitos legais, os pressupostos para a efetuação da proposta e para a realização da transação. Se ausentes essas variáveis, o juiz não acolherá a proposta. Essa decisão também é suscetível de apelação. Considerando que a lei adota o princípio da oportunidade regrada, poderá o juiz, caso não aceite os termos em que foi elaborada a proposta e a aceitação formulada, em relação ao seu mérito, utilizar, subsidiariamente, ou por analogia, o art. 28 do Código de Processo Penal, remetendo as peças ao Procurador Geral de Justiça, para que este modifique a proposta apresentada pelo Ministério Público, designando outro Promotor de Justiça para realizá-la. Ocorre que, se o Procurador Geral de Justiça insistir na proposta efetuada, deverá o Juiz homologar o acordo efetuado. Importa acrescentar que caso o Juiz deixe de homologar a transação, por análise de sua oportunidade, adentrando na esfera de discricionariedade das partes, caberá, ainda, mandado de segurança por parte do Ministério Público, por ferir direito líquido e certo, bem como habeas corpus por parte do autor do fato, em proteção a seu direito de ir e vir. Os mesmos remédios constitucionais poderão ser utilizados pelas partes, caso o Juiz na sentença homologatória modifique o teor da transação penal, invadindo a área que a Lei reservou para a discricionariedade das partes. Se a pena de multa for a única a ser aplicada, o Juiz poderá reduzi-la até a metade na sentença homologatória, evidentemente tendo em vista as condições pessoais do autor do fato e as circunstâncias da infração praticada. Dessa sentença homologatória, com redução da pena proposta, caberá apelação165. No sentido exposto anteriormente: “Cabe ao Julgador reduzir a pena objeto da transação prevista na Lei nº 9.099/95, ainda que aceita pelo autor do fato, quando esta parecer-lhe excessivamente gravosa, uma vez que, embora se trate de vontade das partes submetida à apreciação do Juízo, este não é mero homologador daquilo que lhe é apresentado e, envolvendo o acordo matéria de natureza penal, visa, de forma precípua, à pacificação social” (TACRIM-SP – RJDTACRIM 32/243-244) Relativamente à pena restritiva de direitos aplicável em sede de transação penal, TOURINHO NETO pondera que o juiz realiza operação diversa daquela feita na sentença condenatória. O Ministério Público (ou a vítima) propõe a aplicação da pena restritiva; se o autor do fato a aceita, o juiz a aplica. Seu tempo de duração não pode ser superior ao mínimo da pena cominada ao crime. No entender daquele Magistrado, a pena de limitação de fim de semana não pode ser aplicada, uma vez que implica restrição da liberdade, contrariando a filosofia do Juizado Especial. E indaga: Pode o juiz aplicar pena restritiva de direitos não prevista no art. 43 do CP? Para responder que não, pois que o rol dessas penas é taxativo. É que não pode haver pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX, CF/88)166. Na esteira do Enunciado Criminal nº 8, do FONAJE, “A multa deve ser fixada em dias-multa, tendo em vista o art. 92 da Lei 9.99/95, que determina a aplicação subsidiária dos 165 Idem. P. 262-263. 166 Idem. P. 617.. 167 Códigos Penal e de Processo Penal”. Quanto à prescrição, MIRABETE discorre que é aplicável subsidiariamente às infrações penais de menor potencial ofensivo o art. 110, caput, do Código Penal, correndo o prazo da prescrição da pretensão executória da pena imposta em transação efetuada nos termos do art. 76 da LJEC. O termo inicial, por analógica, é o do trânsito em julgado da sentença de homologação para a acusação. Assim, transcorrido o prazo prescricional sem que tenha sido executada a sanção aplicada na transação, não ocorrendo causa interruptiva, declarar-se-á a prescrição da pretensão executória. Não é possível, porém, falar-se de prescrição retroativa, que se refere á pena aplicada em sentença condenatória própria, o que não ocorre quando se trata de sanção imposta em decisão homologatória da transação. Assim, só pode ser alegada a prescrição da pretensão punitiva prevista pelo art. 109, caput, do Código Penal, tendo por base o máximo da pena cominada à infração e com termo inicial, conforme regra geral, na data da consumação do fato167. Sobre essa temática, o Enunciado Criminal nº 44, do FONAJE, preceitua: “No caso de transação penal homologada e não cumprida, o decurso do prazo prescricional provoca a declaração de extinção de punibilidade pela prescrição da pretensão executória”. No tocante à prescrição, observem-se os julgados a seguir: “Decorrendo mais de dois anos da transação de que trata a Lei nº 9.099/95, na inexistência de marco interruptivo, está extinta a pena de multa por força da prescrição” (TACRIM-SP – JTAERGS 102/58) “A sanção aplicada através de transação penal está fora do alcance da prescrição retroativa, prevalecendo a regra geral contida no art. 109 do CP, uma vez que não se trata de sentença condenatória, nem absolutória, mas homologatória de um acordo celebrado entre as partes, que fazem uma opção bilateral, visando somente tornar líquida a responsabilidade por elas assumida, em relação a determinado ato, e constituindo forma de despenalização diferente do modelo tradicional” (TACRIM-SP – RJDTACRIM 33/446) Mostra-se relevante frisar ainda que é inadmissível a homologação de transação penal sem acordo entre o autor do fato e o defensor. Nesse sentido: “Em sede de Juizado Especial Criminal, para a homologação da transação penal é preciso a aceitação do autor do fato e de sua Defensoria, exigida pela Lei nº 9.99/95, em seu art. 76, § 3º, para que se assegure o princípio da ampla defesa, sendo certo que se a proposta não é aceita pelo Defensor em virtude de tese jurídica de alta indagação, não pode a vontade leiga prevalecer, competindo à defesa técnica a orientação devida” (TACRIM-SP – RJDTACRIM 41/336) “LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ARTIGO 303, CAPUT, DA LEI 9.503/97. AUSÊNCIA DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO E TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA SEM A PRESENÇA DE DEFENSOR AO RÉU. A oportunidade de conciliação ao autor do fato perante a vítima é momento procedimental previsto em lei que deve ser oportunizado. A presença de defensor para atender ao autor do fato, especialmente quando a vítima está acompanhada de assistente técnico, além do Ministério Público, é garantia do equilíbrio e ampla defesa impostos pela Constituição Federal e Lei 9.099/95. DERAM PROVIMENTO PARA CASSAR A TRANSAÇÃO 167 Idem. P. 150. 168 Revista ESMAC PENAL E ANULAR O PROCESSO A PARTIR DA FASE DE CONCILIAÇÃO” (Turma Recursal Criminal/RS - Recurso Crime Nº 71001581131 – Rel. Alberto Delgado Neto – j. 14/04/2008) No atinente à incidência do instituto da emendatio libelli (O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave - art. 383, caput, do CPP, na redação dada pela Lei nº 11.719/2008) no âmbito do espaço de consenso da transação penal, o Promotor de Justiça ANTONIO ROBERTO FIGUEIRÊDO SERRAVALLE JUNIOR disserta que: “...Uma das questões interessantes trata-se da restrição da aplicação da emendatio libeli pelo magistrado competente. Ao oferecer a denúncia, o órgão ministerial deverá fazer a classificação do delito, a qual, conforme entendimento majoritário, não poderá ser questionada pelo Juiz quando do recebimento da Inicial Acusatória. Sabe-se que o acusado se defende dos fatos e que a classificação do delito em sede de denúncia não vincula o magistrado, o qual, ao proferir a sentença, poderá alterar a tipificação posta pelo Parquet, tendo em vista os fatos narrados na denúncia. Trata-se da emendatio libeli. Entretanto, com advento da lei 9.099/95, verificou-se uma ruptura no paradigma supra referido. Deste modo, se, por exemplo, o órgão ministerial, ao classificar um fato típico como sendo “delito de menor potencial ofensivo”, requerer a realização de Audiência Preliminar (artigo 72 da lei 9.099/95), caso seja seguido o procedimento previsto na lei 9.099/95, a possibilidade de aplicação da emendatio libeli poderia ser afastada, na hipótese de ocorrer transação penal (artigo 76), ou mesmo acordo entre a vítima e o autor do fato (artigo 74). Em suma, o Juiz não teria como se manifestar acerca da classificação do delito, ainda que entendesse não se tratar de delito de menor potencial ofensivo; a emendatio libeli não é cabível quando da homologação judicial do acordo civil (artigo 74 da lei 9.099/95) ou da transação penal (artigo 76 da lei 9.099/95). Considerando que o Ministério Público é o Titular da Ação Penal Pública (artigo 129, inciso I da CF) é certo que o Juiz não poderá diretamente compeli-lo a “mudar de opinião”, fazendo-o oferecer, por conseguinte, a denúncia. O órgão do Parquet, que tem autonomia funcional, não pode ser forçado pelo Judiciário a deflagrar uma Ação Penal Pública, mediante denúncia, caso o órgão ministerial entenda ser hipótese de delito de menor potencial ofensivo, que, por sua vez, deve ser submetido ao rito e às normas despenalizadoras previstas na lei 9.099/95. Destarte, não poderia o magistrado, feita a transação penal pelo Ministério Público com o autor do fato, deixar de homologar o acordo, por discordar da classificação atribuída ao delito. Caso o Juiz competente assim o fizesse e a decisão do mesmo fosse confirmada pela Turma Recursal, transitando em Julgado, ainda assim, o Parquet não poderia ser obrigado a mudar de entendimento e a oferecer denúncia, sob pena de inobservância do preceito constitucional (artigo 129, inciso I, da CF), segundo o qual o Ministério Público detém a titularidade da ação penal pública. Entretanto, isto não afasta totalmente a possibilidade de o magistrado questionar a classificação do crime (como de menor potencial ofensivo) atribuída pelo Parquet. A decisão quanto à classificação do delito como de menor potencial ofensivo, que repercute na fixação da competência de caráter absoluto do Juizado Especial Criminal, há que ser dirimida, havendo discordância do magistrado, pelo próprio Ministério Público, aplicando-se analogicamente o artigo 28 do Código de Processo Penal. Assim, caso o magistrado se defronte com o requerimento de designação de audiência preliminar pelo órgão ministerial e discorde quanto à classificação do delito (como sendo de menor potencial ofensivo), deverá, fundamentadamente, decidir pela remessa dos autos 169 ao Procurador Geral de Justiça. Este poderá acompanhar o entendimento do Promotor de Justiça, ou discordar do mesmo, oferecendo Denúncia, ou designando outro órgão ministerial (tendo em vista a independência funcional) para fazê-lo. Caso o Procurador Geral de Justiça concorde com o órgão de execução do Parquet, o magistrado estará obrigado a aceitar a classificação delitiva atribuída, ficando a apuração da infração penal sujeita ao que dispõe a lei 9.099/95. Ademais, havendo, neste caso transação penal, por exemplo, o Juiz não poderá se recusar a homologá-la, por discordar da classificação do crime como de menor potencial ofensivo, questão que já estaria, neste momento, superada ” (sic)168 Havendo, pois, discrepância do entendimento do Magistrado com a classificação jurídica apresentada pelo Órgão Ministerial no início da fase pré-processual, deverá, na forma do art. 28, do CPP, remeter os autos do procedimento criminal diverso ao ProcuradorGeral de Justiça, a quem caberá dirimir a controvérsia, em caráter definitivo. 3.7. Efeitos A reprimenda restritiva de direitos ou a multa aplicada em sede de transação penal não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos, nem constará de certidão de antecedentes criminais, nem terá efeitos civis (§§ 3º, 4º e 6º, art. 76, da LJEC). Nesse sentido: “HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXACERBAÇÃO. 1. MAUS ANTECEDENTES. TRANSAÇÃO PENAL. EFEITOS DA REINCIDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 2. PERSONALIDADADE DO AGENTE. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA E ABSTRATA. IMPOSSIBILIDADE. 3. ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO. AUMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 4. ORDEM CONCEDIDA. 1. Não é legítima a exacerbação da pena-base em razão de um único processo anterior, objeto de transação penal promovida nos termos do artigo 76 da Lei nº 9.099/95, que não deve gerar efeitos análogos à reincidência. 2. A mera referência a uma “personalidade afeita ao crime” e a uma conduta dissociada da do meio em que vive”, sem a indicação de dados concretos, não pode ser usada para exasperar a pena-base acima do mínimo legal. 3. A pena-base não pode ser exasperada utilizando-se de elemento normativo do próprio tipo penal. 4. Ordem concedida para anular a sentença quanto à dosimetria da pena, redimensionando-se a pena do paciente para 1 ano de detenção em regime inicial aberto, e determinando-se ao Juízo das Execuções Criminais que aplique a pena restritiva de direitos, bem como as condições de seu cumprimento” (STJ – HC 63343/MS – 6ª T. – Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – j. 16.08.2007) “A sentença homologatória de transação penal, realizada nos moldes da Lei 9.099/95, não obstante o caráter condenatório impróprio que encerra, não gera reincidência, nem fomenta maus antecedentes, acaso praticada posteriormente outra infração. Precedentes desta 168 JUNIOR, Antonio Roberto Figueirêdo Serravalle. Restrição à Emendatio Libelli no Âmbito dos Juizados Especiais Criminais. <http://www.acmp-ce.org.br>. 170 Revista ESMAC Corte. Ordem concedida” (STJ – HC 13.525-MS – Rel. Min. Fernando Gonçalves – DJU 04.12.2000) “A transação penal realizada sob a égide da Lei 9.00/95 não importará em reincidência, não constará de certidão de antecedentes criminais e nem terá efeitos civis, na forma dos §§ 4º e 6º do art. 76 da Lei 9.099/95. Não pode a autoridade administrativa inabilitar candidato que realizou transação penal com o MP, homologada pelo juízo, que extinguiu a sua punibilidade face ao cumprimento dos termos do acordo. Como o candidato participou até o final do certame, realizando inclusive o curso de formação profissional, onde obteve aprovação, deve a ordem ser concedida a fim de que seja o mesmo considerado aprovado no concurso, afastada assim a ilegal inabilitação feita pela autoridade, com fulcro apenas em critérios subjetivos, podendo assim ser nomeado para o cargo de agente de polícia. Ordem concedida. Maioria” (TJDF – Conselho Especial 19980110483986MSG-DF - Rel. P. A. Rosa de Farias – DJU 18.01.2000) “APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ABALO DE CRÉDITO. Verificada a configuração dos elementos necessários para caracterizar o dano moral e não o exercício regular de um direito, como quer fazer crer a apelante, há justa causa para a indenização, o que foi devidamente comprovado pela parte autora, razão pela qual a condenação se impõe. A transação penal não gera efeitos na esfera cível, não possuindo caráter condenatório, tampouco reconhecimento de culpa. Art. 76, §6º, Lei 9.099/95. POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO” (TJRS - Apelação Cível Nº 70016949943 – 6ª Câmara Cível – Rel. Angelo Maraninchi Giannakos – j. 04/12/2007) “FURTO CONSUMADO. COMPROVADA A AUTORIA PELA PALAVRA DA VÍTIMA E DE POLICIAIS QUE LOGRARAM PRENDER O RÉU EM FLAGRANTE. CARACTERIZADO O FURTO PRIVILEGIADO DIANTE O VALOR DOS BENS SUBTRAÍDOS, QUE ALCANÇAM APROXIMADAMENTE 1/3 DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE È ÉPOCA DOS FATOS, ALÉM DE SER PRIMÁRIO O RÉU. PRIMÁRIO É QUEM NÃO É REINCIDENTE. A TRANSAÇÃO PENAL NÃO GERA EFEITO DE REINCIDÊNCIA. DISPENSABILIDADE DA POSSE TRANQÜILA DA RES PARA A CONSUMAÇÃO DO DELITO, BASTANDO O MERO DESPOJAMENTO DOS BENS DA VÍTIMA. Apelo parcialmente provido” (TJRS - Apelação Crime Nº 70018927822 – 1ª Câmara Criminal - Relator Manuel José Martinez Lucas – j. 07/11/2007) Para MORAES e SMANIO, a sentença homologatória produz efeitos principal e secundário. Quanto ao efeito principal, ponderam que consiste na imposição da sanção penal acordada pelas partes. Quanto ao efeito secundário, a Lei nº 9.099/95 estabelece que o decisório homologatório proibirá nova transação penal para o autor do fato, pelo prazo de cinco anos. Todavia, foram expressamente afastados pela lei os seguintes efeitos secundários: a reincidência, obrigação de reparar o dano (efeitos civis) e os antecedentes criminais169. 169 JUNIOR, Antonio Roberto Figueirêdo Serravalle. Restrição à Emendatio Libelli no Âmbito dos Juizados Especiais Criminais. <http://www.acmp-ce.org.br>. 171 3.8. Descumprimento DAMÁSIO E. DE JESUS, debruçando-se sobre esse ponto, asseri, com a sabedoria e serenidade que lhe são próprias: “...Suponha-se que, em face de uma transação penal, nos termos do art. 76 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995), o autor do fato não cumpra a pena restritiva de direitos. Qual a conseqüência? Há quatro orientações: 1.ª) converte-se em pena privativa de liberdade, pelo tempo da pena originalmente aplicada, nos termos do art. 181, § 1.º, c, da LEP (...) 2.ª) descumprido o acordo, há dois caminhos: “retomada ou propositura da ação penal que fora evitada pela composição” (...) 3.ª) o descumprimento do acordo conduz à sua execução(...) 4.ª ) não pode haver conversão em pena privativa de liberdade (ausência de previsão legal) e nem início ou retomada da ação penal: não há lei que permita (nossa posição) (...) Para nós, a composição penal encerrou o procedimento. O legislador, não prevendo a hipótese, criou uma situação sem solução contra o autor do fato. A 2.ª Turma do STF, no HC 79.572, de Goiás, j. 29.2.2000, rel. o Ministro Marco Aurélio, reformando acórdão do Superior Tribunal de Justiça e adotando a segunda corrente, decidiu que: 1. A sentença que aplica pena no caso do art. 76 da Lei dos Juizados Especiais Criminais não é nem condenatória e nem absolutória. É homologatória da transação penal. 2. Tem eficácia de título executivo judicial, como ocorre na esfera civil (art. 584, III, do Código de Processo Civil). 3. Se o autor do fato não cumpre a pena restritiva de direitos, como a prestação de serviço à comunidade, o efeito é a desconstituição do acordo penal. 4. Em conseqüência, os autos devem ser remetidos ao Ministério Público para que requeira a instauração de inquérito policial ou ofereça denúncia (...)170 Admitindo-se a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade: “A transação penal prevista no art. 76, da Lei nº 9.099/95, distingue-se da suspensão do processo (art. 89), porquanto, na primeira hipótese faz-se mister a efetiva concordância quanto à pena alternativa a ser fixada e, na segunda, é apenas uma proposta do Parquet no sentido de o acusado submeter-se não a uma pena, mas ao cumprimento de algumas condições. Deste modo, a sentença homologatória da transação tem, também, caráter condenatório impróprio (não gera reincidência, nem pesa como maus antecedentes, no caso de outra superveniente infração), abrindo ensejo a um processo autônomo de execução, que pode – legitimamente – desaguar na conversão em pena restritiva de liberdade, sem maltrato ao princípio do devido processo legal. É que o acusado, ao transacionar, renuncia a alguns direitos perfeitamente disponíveis, pois, de forma livre e consciente, aceitou a proposta e ipso facto, a culpa” (STJ – RHC 8.198-GO – DJU 1º.7.99) “Realizada transação penal entre o autor do fato e o Ministério Público, sendo aplicada pena restritiva de direitos consistentes na prestação de serviços gerais à comunidade, desde que não cumprida, pode ser convertida em pena de detenção. Abolida foi apenas a conversão da multa não paga em pena privativa de liberdade, quando se remete o apenado ao processo 170 JESUS, Damásio de. Descumprimento da pena restritiva de direitos na transação penal (importante acórdão do Supremo Tribunal Federal). São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, mar. 2000. <www.damasio.com.br>. 172 Revista ESMAC executivo civil, não subsistindo a alternativa em pena restritiva de direito, para os condenados por delitos de menor potencialidade lesiva” (TJDF – RT 755/674) “Juizados Especiais Criminais – Proposta a aceitação de aplicação de pena restritiva de direito – Descumprimento pelo infrator – Conversão em pena privativa de liberdade – Admissibilidade – Inteligência do art. 181 da Lei nº 7.210/84 – inaplicabilidade da Lei nº 9.268/96 – Voto vencido (...) A pena restritiva de direito, decorrente de proposta e aceitação pelo infrator, perante o Juizado Especial Criminal, pode ser convertida em privativa de liberdade quando ocorrer o seu descumprimento injustificado, consoante art. 181 da Lei nº 7.210/84, não se aplicando, ao caso, a Lei nº 9.268/96, que proíbe a conversão da pena de multa em privativa de liberdade” (TJRO – RT 749/738) Inviabilidade de denúncia após transação penal homologada: “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. LEI 9.099/95, ART. 76. TRANSAÇÃO PENAL. PENA DE MULTA. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO PELO AUTOR DO FATO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA PELO MP. INADMISSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. NATUREZA JURÍDICA CONDENATÓRIA. EFICÁCIA DE COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL. A sentença homologatória da transação penal, por ter natureza condenatória, gera a eficácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo no caso de descumprimento do acordo pelo autor do fato, a instauração da ação penal. Havendo transação penal homologada e aplicada a pena de multa, não sendo paga esta, impõe-se a aplicação conjugada do art. 85 da Lei 9.099/95 com o art. 51 do CP, com a conseqüente inscrição como dívida ativa da Fazenda Pública, a fim de ser executada pelas vias próprias...” (STJ – REsp. nº 172.951/SP – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJ 31/05/99) “TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO. DENÚNCIA NÃO RECEBIDA. REFORMA DA DECISÃO.RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRANSAÇÃO PENAL ACEITA, MAS DESCUMPRIDA. HOMOLOGAÇÃO TÁCITA. COISA JULGADA MATERIAL E FORMAL. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. IMPOSSIBILIDADE. DENÚNCIA REJEITADA. 1- A sentença homologatória da transação possui a eficácia de coisa julgada material e formal. Assim, diante do descumprimento de acordo homologado, não existe a possibilidade de ser oferecida denúncia ou determinado o prosseguimento da ação penal. 2- A sentença homologatória de transação é título judicial, susceptível de execução, não podendo ser desconsiderada em face de descumprimento” (TJAC – RSE Nº 2008.001360-9 – CCrim. – Rel. Des. Francisco Praça – j. 03/07/2008) “A solução para o descumprimento da transação penal prevista no art. 76, da Lei nº 9.099/95, encontra-se no art. 85, da novel normativa, com a incidência do art. 51, do Código Penal, alterado pela Lei nº 9.268/96. É vedado ao magistrado inovar na transação já homologada e receber a denúncia formulada contra o autor do fato” (TACRIM-SP – Proc. nº 1041183/5 – DJE 12-3-97) “Desde que homologada judicialmente a transação penal a que se refere o art. 76 da Lei nº 9.099/95, já não há oferecer denúncia contra o autor do fato incriminado (que a homologação obsta ao processo de conhecimento). Somente a execução da pena de multa aplicada será então possível” (TACRIM-SP – Rec. nº 1.062.327/9 – j. 24-9-97) 173 “Habeas corpus – Transação penal homologada – Questão definitivamente constituída que impede a apresentação de nova denúncia sobre o mesmo fato criminoso – Denúncia apresentada e recebida – Constrangimento ilegal caracterizado – Trancamento da ação penal ordenado – Ordem concedida” (TJMG – HC nº 202.744-9/00 – 2ª Câm. Criminal – Rel. Des. Reynaldo Ximenes Carneiro - j. 19/10/00) “JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS – Transação Penal – Aplicação de pena consistente na entrega de cesta básica à entidade de assistência social antes da vigência da Lei 9.714/98 – Descumprimento, pelo réu, do acordo, que enseja tão-somente, a execução da pena como se fosse multa e não o prosseguimento da ação penal como pretendido pelo Ministério Público – Inadmissibilidade da reabertura do processo de conhecimento, pois com o trânsito em julgado a transação penal produz os mesmos efeitos de uma sentença – Observância à coisa julgada formal e material – Interpretação do art. 76 da Lei 9.099/95” (TACRIM-SP – RT 769/606) “Transação penal – Oferecimento de denúncia em razão do descumprimento do pactuado – Impossibilidade – Execução, atendendo-se às disposições do art. 51 do CP – Necessidade: Em sede de Juizado Especial Criminal, é inválida, por ser eleita contra legis, a cláusula da transação penal que, em caso de seu descumprimento, permite o oferecimento de denúncia pela prática criminosa objeto do acordo, uma vez que extinto o ius puniendi, transformado em ius executionis pela decisão homologatória do benefício do art. 76 da Lei nº 9.099/95” (TACRIM-SP – RJDTACRIM 38/381) “TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA. Descumprimento. O trânsito em julgado da decisão que homologa a transação criminal produz a eficácia de coisa julgada. Com a superação da fase de conhecimento, a pretensão cabível é a de cunha executório, e não acusatório. Correição Parcial indeferida” (Turma Recursal Criminal/RS – Correição Parcial nº 71000170126 – Rel. o hoje Des. Nereu José Giacomolli – j. 08/02/01) Admitindo o oferecimento de denúncia em caso de descumprimento da transação: “HABEAS CORPUS. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE CONTRA IDOSO. TRANSAÇÃO PENAL. NÃO-CUMPRIMENTO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. NÃO-COMETIMENTO DE CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o descumprimento da transação penal a que alude o art. 76 da Lei nº 9.099/95 gera a submissão do processo ao seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebimento da peça acusatória. Não há que se cogitar, portanto, da propositura de nova ação criminal, desta feita por ofensa ao art. 330 do CP. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal pelo crime de desobediência” (STF - HC nº 84976/SP – 1ª Turma - Rel. Min. Carlos Britto - j. 20/09/05) “HABEAS CORPUS. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO: DENÚNCIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. REVOGAÇÃO. AUTORIZAÇÃO LEGAL. 1. Descumprida a transação penal, há de se retornar ao status quo ante a fim de possibilitar ao Ministério Público a persecução penal (Precedentes). 2. A revogação da suspensão condicional decorre de autorização legal, sendo ela passível até mesmo após o prazo final para o cumprimento das condições fixadas, desde que os motivos estejam compreendidos no intervalo temporal delimitado pelo juiz para a suspensão do processo (Precedentes). 174 Revista ESMAC Ordem denegada (STF - HC nº88785/SP – 2ª Turma - Rel. Min. EROS GRAU – j. 13/06/06) “JUIZADOS ESPECIAIS – TRANSAÇÃO PENAL – DESCUMPRIMENTO – OFERECIMENTO DE DENÚNCIA – POSSIBILIDADE – PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE – ORDEM DENEGADA. Se o autor do fato delituoso descumpre o acordado na transação penal, há que se dar esta por rescindida, cabendo ao Ministério Público oferecer denúncia” (TJMG – HC nº 000.329857-7/00 – Câmaras Criminais Isoladas – Rel. Des. José Antonino Baías Borges – j. 03/04/03) “CORREIÇÃO PARCIAL – ACORDO ENTRE O AGENTE E O MINISTÉRIO PÚBLICO NA FASE PRÉ-PROCESSUAL – TRANSAÇà PENAL JUDICIALMENTE HOMOLOGADA – SEU DESCUMPRIMENTO – PRETENSÃO DE PRISÃO DO DESCUMPRIDOR – INOPORTUNIDADE – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL – Se, em fase pré-processual, houve transação penal convencionada (acordo) entre o agente (infrator) e o Ministério Público, ou seja, em troca de processo criminal aceitou ele uma pena restritiva de direitos, tendo a proposta sido judicialmente homologada, o seu descumprimento acarreta o oferecimento de denúncia contra ele, observado o devido processo legal, até a sentença de mérito. Descumprida a transação havida na fase pré-processual, inoportuna é a expedição de mandado de prisão contra o agente descumpridor, impodo-se, - isto sim -, a instauração de ação penal contra ele, pelo fato delituoso que lhe é atribuído, pois só o devido processo legal poderá, então, vir a ensejar sua prisão” (TJMG – Correição Parcial nº 1.0000.03.400543-9/000 - Rel. Des. Hyparco Immesi – j. 03/05/04) “TRANSAÇÃO PENAL – Homologação – Descumprimento do acordo pelo autor da infração – Dever do Ministério Público de promover a ação penal – Admissibilidade, pois o ato que homologa a transação gera, única e exclusivamente, coisa julgada forma, e torna-se insubsistente a partir do inadimplemento do acordado – Voto vencido” (TACRIMSP – RT 775/620) “A homologação da proposta de transação penal prevista na Lei nº 9.99/95 gera, única e exclusivamente, coisa julgada formal face ao princípio rebus sic standibus; portanto, a partir do momento em que o autor da infração descumpre o acordo firmado com o Ministério Público, não efetuando o pagamento da multa acordada, a homologação do acordo perde sua eficácia, legitimando o Parquet para promover a ação penal pública” (TACRIM-SP – RT 752/324) “TRANSAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE DESCUMPRIDA. COMPETÊNCIA. CONVERSÃO EM PENA CARCERÁRIA. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. Inexitoso o cumprimento da transação, via prestação de serviços à comunidade, na Vara de Execuções Criminais, o feito pode ser devolvido ao Juizados Especial Criminal, para prosseguimento, após o Juízo da execução ter esgotado os meios para fazer cumprir a medida despenalizadora. Atinge a garantia constitucional do devido processo legal converter a medida despenalizadora em apreço, não-cumprida, em pena privativa de liberdade. Descumprida a transação, mesmo homologada, é viável considerar-se insubsistência aquela, retornando-se ao estado anterior, propiciada a oportunidade de o Ministério Público vir a denunciar. Decisão do Supremo Tribunal Federal nesse sentido. Por maioria, vencido o Relator original, Dr. Mário Rocha Lopes Filho, desacolheram o conflito, considerando competente o Juízo suscitante” (Turma Recursal/RS – Conflito Negativo de Competência nº 71000080192 – Rel. o então Juiz Umberto Guaspari Sudbrack – j. 16/03/2000) 175 O Enunciado Criminal nº 79, do FONAJE, positiva que: “É incabível o oferecimento de denúncia após sentença homologatória de transação penal em que não haja cláusula resolutiva expressa, podendo constar da proposta que a sua homologação fica condicionada ao prévio cumprimento do avençado. O descumprimento, no caso de não homologação, poderá ensejar o prosseguimento do feito”. MORAES e SMANIO sugerem que, para evitar-se a total ineficácia dos Juizados Especiais Criminais, deverá o membro do Ministério Público definir como um dos requisitos da proposta de transação penal seu efetivo cumprimento, e, conseqüentemente, deverá o magistrado condicionar a homologação da transação penal, uma vez aceita pelo autor da infração, ao prévio cumprimento da sanção imposta. Assim, caso o infrator cumpra a sanção imposta, o Juiz imediatamente homologará a transação, encerrando-se o procedimento. Diversamente, porém, se não houver o cumprimento da sanção por parte do autor da infração de menor potencial ofensivo, esse deixou de cumprir unilateralmente o acordo realizado com o Ministério Público, que poderá prosseguir na persecução penal, oferecendo denúncia. O Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido do texto: “TRANSAÇÃO – JUIZADOS ESPECIAIS – PENA RESTRITIVA DE DIREITOS – CONVERSÃO – PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE – DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente da transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia” E: “O descumprimento da transação penal prevista na Lei 9.099/95 gera a submissão do processo em seu estado anterior, oportunizando-se ao Ministério Público a propositura da ação penal e ao Juízo o recebimento da peça acusatória...” (STF – Informativo nº 402)171 Ademais: “Ofende os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (CF, art. 5º, LIV e LV) a conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, em virtude de descumprimento de termo de transação penal (Lei 9.099/95, art. 76: ‘Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta’). Com esse entendimento, a Turma manteve decisão do Juizado Especial Criminal da Comarca de Guairá, Estado do Paraná, que, indeferindo pedido de conversão da pena formulada pelo Ministério Público estadual, dado o descumprimento do acordo, determinara abertura de vista ao mesmo para que oferecesse denúncia” (STF – 1ª T. – RE nº 268.319/PR – Rel. Min. Ilmar Galvão – j. 13.06.2000) 171 Idem. P. 272-274. 176 Revista ESMAC “AGRAVO EM EXECUÇÃO – Interposição ministerial. Transação penal. Descumprimento. Pretensão à conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade. Impossibilidade. Óbice legal. A disciplina normativa existente a respeito da conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade não é adaptável à específica hipótese da pena restritiva aplicada por força de transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95). Está bem claro, até diante da novel previsão da detração da pena corporal (“será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos”), que a sistemática de conversão hoje existente só cogita das penas restritivas aplicadas em virtude de substituição das privativas de liberdade, na forma do caput do art. 44 do CP. Não há, pois, arcabouço legal que preveja a forma pela qual dar-se-á essa conversão nos casos em que a pena restritiva de direitos resulte de transação penal. A duração da pena privativa de liberdade imposta em conversão não poderia ser, em todos os casos, idêntica à da pena restritiva de direitos convertida, por isso mesmo que não há correspondência entre a pena restritiva e outra previamente aplicada, além do que, para certas infrações penais (como algumas contravenções) passíveis de transação penal, sequer é cominada in abstracto na Lei pena privativa de liberdade, tão-só pecuniária. E assim sendo, é de se prestigiar o posicionamento do d. juízo a quo, improvendo-se o presente agravo” (TACRIMSP – AG-Ex 1.228.825/1 – 9ª C.Fér. – Rel. Juiz Aroldo Viotti – J. 31.01.2001) O Juiz poderá, então, homologar desde logo o acordo penal, fazendo constar do pacto uma cláusula resolutiva, prevendo a dissolução automática do acordo em caso de inadimplemento, ou, de preferência, reservar-se para chancelar a convenção após o cumprimento de seus termos. Nesse sentido: “TRANSAÇÃO PENAL – HOMOLOGAÇÃO CONDICIONADA AO EFETIVO PAGAMENTO DA MULTA AVENÇADA – INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA – POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DA DENÚNCIA ANTEA INEXISTÊNCIA DE TÍTULO JUDICIAL PARA EVENTUAL EXECUÇÃO – É possível o oferecimento da denúncia por parte do órgão Ministerial, quando descumprido acordo de transação penal, cuja homologação estava condicionada ao efetivo pagamento do avençado. O simples acordo entre o Ministério Público e o réu não constitui sentença homologatória, sendo cabível ao Magistrado efetivar a homologação da transação somente quando cumpridas as determinações do acordo. Recurso desprovido” (STJ – RHC – 11398 – SP – 5ª T. – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJU 12.11.2001 – p. 00159) “CRIMINAL. HC. TRANSAÇÃO PENAL. LEI 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO ENTRE AS PARTES. INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DA TRANSAÇÃO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL PARA EVENTUAL EXECUÇÃO. DECISÃO SEM CARÁTER HOMOLOGATÓRIO. ORDEM DENEGADA. Não evidenciada a existência de homologação da transação penal, é cabível a instauração de ação penal contra o autor do fato, não por não ter havido a entrega de uma cesta básica, pois não se pode cogitar de eventual execução, ante a falta de título judicial a ser executado. A decisão que ajusta condição não tem caráter homologatório, eis que evidenciado o intuito, unicamente, de fixar os termos em que a proposta de transação se consolidaria, afastando a possibilidade de eventual execução civil futura. Ordem denegada” (STJ – HC 24624 / SP - 5ª T. – Rel. Min. GILSON DIPP – j. 04/11/2003) 177 “JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL – TRANSAÇÃO PENAL – DESCUMPRIMENTO DE ACORDO NÃO HOMOLOGADO – RETRATAÇÃO E PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO – ADMISSIBILIDADE – Condicionamento da homologação ao pagamento do avençado. Entendimento. Uma vez descumprido pelo autor do fato o pactuado em transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, não é dado ao juiz homologar o acordo, e, em conseqüência, onde falte tal homologação com aplicação da pena, não se pode falar em transação perfeita e acabada, e, portanto, eficaz, podendo neste caso o ato de vontade das partes ser retratado a qualquer tempo, prosseguindo-se o processo, sendo certo que o juiz poderá condicionar a homologação ao pagamento do avençado, sob pena de dar ensejo a que o autor do fato, já beneficiado, não cumpra nem mesmo a singela obrigação transacionada” (TACRIMSP – Ap 1220967/3 – 3ª C. – Rel. Juiz Fábio Gouvêa – DOESP 11.09.2001) “Transação – Multa – Descumprimento – Não homologação do acordo – Prosseguimento da ação penal até final julgamento – Ordem denegada” (TACRIM-SP – RJE 7/375) 4. PROCEDIMENTO NO JUÍZO DA COMARCA DE SENADOR GUIOMARD. Não âmbito do Juízo Criminal da Comarca de Senador Guiomard, o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) é registrado e autuado sob a classe de procedimento criminal diverso, e logo remetido ao Ministério Público. Proposta a transação penal, destaca-se audiência preliminar, intimando-se o autor do fato com as advertências inscritas no art. 68, da Lei nº 9.099/95 (LJEC). A proposta é encaminhada pelo Juiz Leigo ou Conciliador. Em caso de conexão de crime de menor potencial ofensivo com delito de competência do Juízo Comum ou do Tribunal do Júri, a audiência preliminar é presidida pelo Juiz Togado, nos termos e para os fins de aplicação da transação penal e da composição dos danos civis (art. 60, par. ún., da LJEC, na redação dada pela Lei nº 11.313/2006). Cumprida a transação, a composição criminal é homologada, por sentença, e decretada a absolvição sumária do autuado, em decorrência da extinção da punibilidade (arts. 84, par. ún., e 92, da Lei nº 9.099/95, c/c art. 397, inc. IV, do CPP, na redação dada pela Lei nº 11.719/2008). 178 Revista ESMAC CONCLUSÃO Em apertada síntese, é possível se inferir que o instituto da transação penal se apresenta como um mecanismo pré-processal de resolução de conflito, centrado no consenso. Trata-se de mais um recurso para satisfação da pretensão punitiva-reeducativa da sanção penal, inspirado nos instrumentos de autocomposição da lide civil. Inobstante se cuidar de ferramenta célere e sumária de satisfação da tutela penal, a transação preserva as garantias constitucionais do autor do fato. No ponto, vale realçar que a composição criminal está legitimada constitucionalmente (art. 98, I, CF/88). A transação penal mitigou o princípio da indisponibilidade da ação penal pública. Isso, contudo, não subtraiu do Ministério Público a titularidade para propositura da benesse, que, vale frisar, não pode ser concedida ex officio pelo Magistrado. Também se consolidou o entendimento de que a convenção criminal é perfeitamente admissível na ação de iniciativa do ofendido (ação privada), cabendo a este propor o instituto. Com efeito, esse novo e revolucionário método de composição dos crimes de menor potencial vulnerante também viabiliza uma resposta rápida e eficiente do Poder Judiciário, como, aliás, determina o inc. LXXVIII, art. 5º, da Carta Fundamental (incluído pela ECR nº 45 de 2004), com baixo custo operacional. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Tânia. Juizados Especiais Mediação e Conciliação Aspectos Gerais. Fundação Getulio Vargas. FGV DIREITO RIO. ALMEIDA, Luiza Helena. /Transação Pena, pena sem processo?. Artigo encontrado em DireitoNet – <www.direitonet.com.br.>. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Dos Delitos e das Penas. Bauru/SP. Edipro. 2000. CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Posse de drogas para consumo pessoal: novas regras para a transação penal. <http://www.eneascorrea.com>. DUARTE, Paulo Roberto Pontes Duarte. Transação Penal x Princípio da Inocência: O instituto da transação penal é uma benesse inserido em nosso ordenamento jurídico ou uma mitigação a uma direito fundamental?. <http://jusvi.com/artigos>. FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. 5ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2008. 179 GOMES PINTO, Renato Sócrates. Justiça Restaurativa. Correio Braziliense, Brasília, 1º.3.2004. Caderno Direito & Justiça. Excerto de artigo. GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1996. JESUS, Damásio E. de. Lei dos Juizados Especiais Criminais anotada. 8ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2003. JESUS, Damásio E. de. Descumprimento da pena restritiva de direitos na transação penal (importante acórdão do Supremo Tribunal Federal). São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, mar. 2000. <www.damasio.com.br>. JUNIOR, Antonio Roberto Figueirêdo Serravalle. Restrição à Emendatio Libelli no Âmbito dos Juizados Especiais Criminais. <http://www.acmp-ce.org.br>. MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4 ed. São Paulo. Atlas. 2000. MORAES, Alexandre de. SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 10ª Ed. São Paulo. Atlas. 2008. NOGUEIRA, Márcio Franklin. São Paulo. Malheiros. 2003. PINHEIRO, Emerson Pinto. Efeitos do Descumprimento da Transação Penal: interpretação jurisprudencial. Texto extraído do Jus Navigandi. <Jus2.uol.com.br/doutrina/texto>. PINTO, Oriana Piske de Azevedo Magalhães. A transação Penal e a Ação Penal Privada. <www.idcb.org.br>. SANTOS, Teodoro Silva Santos. DA TRANSAÇÃO PENAL NOS CRIMES DE AÇÃO PRIVADA, À LUZ DA HERMENÊUTICA E DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. SILVA, DENIVAL FRANCISCO DA. DA Competência Absoluta do Juizado Especial Criminal para Processamento e Julgamento das Infrações Penais de Menor Potencial Ofensivo. <www.portalgepec.org.br>. TOURINHO NETO, Fernando da Costa. JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais. São Paulo. Revista dos Tribunais. 2002. TOURINHO NETO, Fernando da Costa. JÚNIOR, Joel Dias Figueira. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais. 4ª Ed. São Paulo. 180 Revista ESMAC O APERFEIÇOAMENTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS COMO FATOR TÉCNICO E PSICOLÓGICO DE EFICIÊNCIA: PROPOSTA PARA A IMPLEMENTAÇÃO NAS UNIDADES JUDICIÁRIAS DO ESTADO DO ACRE DE PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PERIÓDICA DOS SERVENTUÁRIOS Giordane de Souza Dourado INTRODUÇÃO A sociedade, como produto das relações interpessoais, possui características que revelam exatamente as virtudes e os defeitos dos componentes humanos que lhe deram origem. É entidade instável, sempre em transformação, conquanto mantenha ao longo da história alguns atributos que, sem alterar a sua essência, apenas adquirirem outra roupagem de acordo com a época em que se manifestam (como, por exemplo, a intolerância a certos padrões de comportamentos considerados não convencionais). Essa volubilidade tem reflexo em todos os seguimentos sociais, sejam estes institucionalizados ou não. Isto significa que a família, o Estado, as entidades privadas, os grupos representativos de classe etc. devem encontrar nesse contexto de mudanças mecanismos de adaptação e superação das naturais adversidades advindas da volatibilidade social. O Estado, particularmente o brasileiro, tem o vezo de estar em atraso em relação às mudanças ocorridas na coletividade. E quando, ao perceber o atraso, cria instrumentos de adaptação, geralmente o faz com parcimônia ou sem a densidade esperada pela sociedade. Como integrante da estrutura do Estado brasileiro, o Poder Judiciário é bom exemplo desse problema, pois ao longo de várias décadas conquistou os estigmas de hermético, moroso e ineficiente. Infelizmente, para significativa parcela da população, submeter algum conflito à apreciação do Poder Judiciário já implica “causa perdida”. Exemplo desse desprestígio do Poder Judiciário pode ser observado em pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB no ano de 2006, na qual foram ouvidos os próprios membros do Judiciário. Entre as várias indagações feitas aos entrevistados, constava a seguinte: “De seu ponto de vista, qual a importância dos seguintes aspectos como entraves ao desenvolvimento do país?”. O resultado é emblemático: 43,4% (quarenta e três vírgula quatro por cento) responderam que a morosidade do Judiciário é muito importante como entrave para o desenvolvimento nacional172. A morosidade, apontada como principal desvalor do Poder Judiciário, é fruto da ineficiência da instituição na prestação dos seus serviços. A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, em outro estudo intitulado “Judiciário Brasileiro em Perspectiva – Análise da Associação dos Magistrados Brasileiros baseada em relatórios do Supremo Tribunal Federal, do Conselho Nacional de Justiça e do Banco Mundial”, concluiu173 : 172 Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/docs/pesquisa2006.pdf>. 173 Disponível em: http://www.amb.com.br/portal/docs/pesquisa/Judiciario_brasileiro_em_perspectiva.pdf. Acesso em: 17 nov. 2008. 181 Possíveis soluções para a crise do Judiciário As três alternativas mais prováveis para a solução da crise são: aumentar a eficiência do Judiciário, reduzir a ineficiência de determinados órgãos extrajudiciários que condicionam as respostas dos juízes – por exemplo, registros de imóveis, advogados do governo, possivelmente o Ministério Público quanto ao tratamento que dá às demandas de ordem criminal –, ou algum esforço para reestruturar a própria demanda. Somente a primeira alternativa se presta à implementação pelo Judiciário apenas. As outras duas exigirão cooperação de outras organizações setoriais e extra-setoriais, além de outros ramos do governo. O Poder Judiciário, portanto, carece da necessária eficiência para responder com desenvoltura às novas demandas sociais, geradas pelo movimento de transformação da coletividade. Sucede que para alcançar-se essa eficiência deve-se, inicialmente, diagnosticar e tratar as deficiências que permeiam a estrutura do Judiciário. E muitos são os problemas a serem enfrentados, como o excesso de ações judiciais, os entraves provocados pela legislação processual, a escassez de recursos orçamentários, bem como, é claro, o aperfeiçoamento intelectual e técnico dos juízes e servidores. O aperfeiçoamento dos agentes públicos para o exercício das suas atribuições modernamente é chamado de capacitação, tema fértil em debates e idéias, que será o ponto central de discussão deste trabalho. Será enfocada, sobretudo, a capacitação dos servidores do Poder Judiciário do Estado do Acre, com a análise da sua situação atual, periodicidade, acertos e desacertos, sendo ao final elaborada proposta de capacitação adequada à realidade local e voltada para a integração dos servidores entre si, com os magistrados e a sociedade em geral. O trabalho tem ainda o objetivo de demonstrar que a carência de recursos materiais, por si só, não representa escusa aceitável para negar-se aos servidores a capacitação tão indispensável à eficiência dos serviços que realizam, pois a escassez dos recursos poderá ser contornada com criatividade, solidariedade e a criação das parcerias certas para o êxito dessa missão. Serão igualmente objeto de discussão, além dos aspectos técnicos inerentes ao tema, as questões humanas e éticas que gravitam em torno da capacitação, com especial enfoque na função integradora que ela desempenha nos agentes das instituições sociais. Não são desconhecidos no meio empresarial os efeitos psicológicos que os programas de capacitação produzem nos funcionários de uma entidade, os quais resultam no aumento do estímulo para o trabalho, na dissolução de tensões, redução do estresse e outros benefícios que naturalmente defluem da quebra da amarga rotina de trabalho que atinge a maioria dos trabalhadores. É claro que o presente estudo não tem a pretensão de esgotar as discussões sobre o tema. Na verdade o objetivo é apresentar um ensaio acerca dos principais pontos diagnosticados durante a pesquisa realizada sobre a experiência da capacitação na administração brasileira. 182 Revista ESMAC 1. CONCEITO DE CAPACITAÇÃO 1.1 A concepção tradicional Muito se fala sobre capacitação, mas pouco se compreende sobre o seu real sentido e alcance. Para Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, conforme o léxico, capacitar significa primeiramente “tornar capaz, habilitar”174. Esse é o sentido imediato da capacitação, o qual, no que concerne à formação de profissionais, remete à idéia de aperfeiçoamento técnico, intelectual. No âmbito de uma empresa, podemos então imaginar que a capacitação implica a implantação de cursos periódicos destinados a acrescentar mais conhecimento e informação à “bagagem cultural” dos trabalhados, visando-se, é claro, ao incremento da produtividade e sobrevivência no mercado de trabalho. Dessa forma, tome-se como exemplo a realização de cursos de aperfeiçoamento de gerentes de rede varejista. Considerando-se o a área de atuação da empresa, seus gestores provavelmente receberão aulas sobre marketing, contabilidade, técnicas gerenciais etc. Ou seja, a capacitação naturalmente terá como enfoque áreas do conhecimento que guardam afinidade com os objetivos econômicos da entidade. O pensamento tradicional, nesse ponto, seria o seguinte: se você trabalha como vendedor, estude mais sobre estratégias de vendas e terá mais sucesso; caso seja advogado, aprofunde o conhecimento das leis e da jurisprudência e mais causas patrocinará. Vê-se, pois, que a forma tradicional de aplicar a capacitação cinge-se a experimentá-la tão-somente na seara do técnico, no plano formal. Por isso que, nesse universo, o vendedor que denotar maior conhecimento sobre vendas seria, em tese, considerado mais capaz. Igualmente, mais capacitado seria o advogado que acumulasse grande conhecimento do sistema jurídico. Sucede que hoje a sociedade, com relações cada vez mais complexas e multiculturais, tornou ultrapassada essa forma de compreender a capacitação. Deveras, é insuficiente para conquistar-se a eficiência – e, por conseguinte, o mercado, entendendo-se este também como os destinatários dos serviços públicos - apenas o apelo ao conhecimento técnico, puramente mecânico. É preciso que os administradores, públicos ou privados, desenvolvam uma visão holística para decifrar o que a coletividade realmente necessita - e como necessita. Não se pode negar que as pessoas ainda carecem dos produtos e serviços oferecidos pelas instituições. Mas, além deles, carecem também de compreensão, calor, pessoalidade. Há quem diga que os consumidores querem um “estado de espírito”. É aí onde surge um novo prisma para enxergar-se o que deve significar a capacitação. 174 HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 395. 183 1.2 Capacitação: uma nova visão Diante do novo contexto social, o profissional devidamente preparado para alcançar todo o seu potencial de trabalho não é aquele que somente ostenta no currículo uma impecável formação acadêmica ou diversas participações em cursos técnicos de aperfeiçoamento. O complexo de relações humanas com que terá de lidar exige dele algo além da desenvoltura intelectual. A partir dessa premissa, pode-se indagar: do que mais precisa o profissional para conquistar a decantada eficiência? Precisa de estrutura. Estrutura emocional, auto-estima, bem-estar, reconhecimento. Essa é uma lição antiga. O equilíbrio interno emerge como o pressuposto para a atividade intelectual. Infelizmente muitos administradores ainda não têm consciência de que o ambiente de trabalho sadio, com redução dos níveis de estresse, é fundamental para os objetivos da instituição. E isto somente será possível com investimento na saúde psíquica do trabalhador. As instituições, apesar de sua autonomia jurídica e administrativa, são compostas por pessoas; estas, sim, são os elementos primordiais para a criação do perfil de uma entidade. Se os trabalhadores de uma empresa convivem em ambiente de trabalho psicologicamente insalubre, esse estado de espírito inevitavelmente se refletirá nas atividades da instituição. Diante dessa realidade, o bom líder é aquele que sabe valorizar e investir no bemestar dos seus liderados. Assim conseguirá melhores resultados. São emblemáticas as seguintes reflexões da professora Sônia Jordão175: Estamos diante de uma conjuntura com guerras, aumento da violência urbana, crescimento populacional acelerado, concentração de renda e empobrecimento da população. Como conseguir vencer esses desafios? Como motivar os colaboradores a buscarem qualidade, produtividade e ainda trabalharem na velocidade que os clientes exigem? Como reter os melhores profissionais nas organizações? Que mudanças precisam ser implementadas? Só através de líderes que queiram e gostam de lidar com pessoas, conseguiremos chegar a bons resultados. Antigamente, existia o modelo de gerenciamento através do modo ‘comando e controle’ de dirigir uma organização. Atualmente, na maioria das organizações, nós não obedecemos mais ordens, pelo menos sem que haja uma boa razão para isso. “Comando e controle”, baseado na mentalidade militar eram apropriados até os anos 80, num clima social diferente e num ambiente empresarial estável. Hoje essa estabilidade acabou e o que existe é um ritmo frenético de mudanças. Líder é aquele que mantém pessoas que acreditam nele, que possui seguidores. Agora, quando o foco é a organização, podemos dizer que líderes são aqueles que conseguem os bons resultados esperados, através de outras pessoas. O que diferencia uma orga175 JORDÃO, Sônia. Arte de liderar num mundo globalizado. Administradores.com.br, 17 de novembro de 2008. Disponível em:<http://www.administradores.com.br/artigos/arte_de_lliderar_num_mundo_globalizado/26343/>. Acesso em:17 nov. 2008. 184 Revista ESMAC nização de outra são as pessoas que a compõem e, principalmente, a forma de gestão existente, porque a tecnologia, a qualidade e os preços praticados são praticamente iguais. Por isso, os líderes precisam tomar as decisões dentro de vários contextos e para tanto precisam usar o máximo de informações para minimizar os erros. O bom líder não dá ordens, controla ou pune. Ele colabora, orienta, desenvolve conhecimentos e habilidades, apóia-se na solução de problemas e reconhece o esforço e o mérito pessoal de seus liderados. Para ele, as pessoas são o que de mais importante existe em seu trabalho. É por isso que a capacitação deve permitir ao trabalhador contato com ferramentas capazes de fortalecê-lo não só tecnicamente, como também emocionalmente. Entre tais ferramentas, podemos destacar a meditação, a ioga e exercícios de relaxamento, além de workshops voltados para promover a integração dos membros de certa atividade. 1.3 Meditação: importante recurso de capacitação Quando se trata de “capacitação emocional”, percebe-se que a meditação tem papel fundamental, na medida em que estimula a produção de pensamentos positivos, mantém a calma mental e auxilia na concentração. Como observou o conceituado psicólogo clínico Deroni Sabbi, “um número cada vez maior de empresários e profissionais liberais bem-sucedidos no Ocidente buscam na meditação maior energia, criatividade, saúde, qualidade de vida e eficiência”176. A meditação, consoante o conceito mais difundido, consiste num estado mental em que a consciência livra-se de qualquer pensamento invasivo, permitindo ao praticante profunda sensação de presença e concentração. Alguns dizem que seu fundamento é a libertação da mente de qualquer tipo de pensamento. Seria o “não pensar em nada”. Há muito que a meditação deixou de ser considerada como exótica prática mística do oriente para conquistar opiniões favoráveis da comunidade científica e do meio empresarial. Dentre os inúmeros benefícios atribuídos à prática da meditação nas empresas, podem ser citados os seguintes177: a) melhor saúde física e mental do funcionário; b) maior produtividade; c) maior lucratividade; d) diminuição de faltas no trabalho; e) mais harmonia no relacionamento interpessoal. De acordo com estudo realizado pelo neurocientista americano Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin-Madison, divulgado pela revista “Época”, “a meditação altera as estruturas cerebrais e muda o padrão de suas ondas, protegendo contra a depressão, a 176 SABBI, Deroni. Ressignificando a vida. Administradores.com.br, 06 ag. 2007. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/artigos/ressignificando_a_vida/14318/>. Acesso em: 10 nov. 2008. 177 Meditação Transcendental. O Programa da Meditação Transcendental. Disponível em: <http://mt-morumbi.sites.uol. com.br/>. Acesso em: 10.11.2008. 185 ansiedade e os efeitos do stress”178. O investimento em meditação para os trabalhadores de uma instituição, pois, resulta em importante iniciativa de capacitação, fortalecendo a atuação da entidade no campo das relações humanas. 1.4 A adoção da ioga nas empresas A ioga, de origem indiana, é praticada através de técnicas que conjugam exercícios, relaxamento, controle respiratório e meditação. Vários estudos acadêmicos demonstram que a introdução da ioga na rotina diária, aliada à medicina tradicional, pode auxiliar no tratamento de doenças como a hipertensão, diabetes, depressão, alcoolismo, entre outras. Devido aos vários benefícios da ioga comprovados pela ciência, ela vem sendo adotada no meio empresarial para fortalecer a saúde e estrutura emocional dos trabalhadores. Nesse campo, já existem pesquisas mostrando os profícuos resultados da ioga no ambiente de trabalho, como denota a seguinte reportagem da revista “Época”179: Nas empresas, a ioga vem sendo adotada como forma de melhorar a qualidade de vida. Outro estudo do pioneiro americano Dean Ornish mostrou que a adoção de programas do gênero pode reduzir a menos da metade as despesas com saúde dos funcionários participantes. Bancos como Itaú e Real, indústrias como Bristol-Myers Squibb e agências e publicida e como a Talent já oferecem ioga aos funcionários. Na Credicard-Citibank, 20% os empregados aderiram. ‘Não é apenas uma questão de coluna e pulmões. Quem pratica ioga ganha a consciência de que depende apenas de si mesmo, um dinamismo que interessa no mundo corporativo’, diz a instrutora Marcia e Luca, que dá consultoria e faz palestras sobre o assunto em empresas. No mundo competitivo e estressante hodierno a implementação de exercícios de ioga nas empresas e no serviço público pode contribuir sobremaneira para a prevenção de várias enfermidades laborais, o que reduz o custo econômico e social das entidades com a recuperação dos seus agentes. A instituição que investe na ioga como forma de aperfeiçoamento do seu corpo de funcionários poderá obter como vantagens: a) Melhoria do clima organizacional; b) Melhoria da imagem da empresa frente aos executivos e colaboradores; c) Ambiente de trabalho menos estressante; d) Aumento da motivação e produtividade; e) Melhoria no atendimento ao cliente externo; f) Redução do índice de rotatividade de pessoal; 178 Meditação X Prozac. Época, Rio de Janeiro, ed. 403, 04 fev. 2006. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG73080-6014,00.html>. Acesso em: 10.11.2008. 179 Olhe a câmera e diga om. Época, Ed. 425, 10 de julho de 2006. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/ Epoca/0,,EDG74699-6014-425-2,00-IOGA+MEDICINA.html>. Acesso em: 10.11.2008. 186 Revista ESMAC g) Diminuição dos afastamentos por DORT; h) Diminuição do índice de absenteísmo e dos acidentes de trabalho provocados por falha humana; i) Redução dos custos com assistência médica, medicamentos, exames e hospitalização dos empregados. Não há como duvidar, em face desses dados, que a ioga proporciona efetiva incremento da qualidade de vida no trabalho. Outra vantagem em relação à ioga é que sua aplicação tem baixíssimo custo de investimento, não exige roupas, equipamentos ou locais especiais, podendo ser praticada no próprio local de trabalho. 1.5 Prática regular de exercícios físicos no ambiente de trabalho O sedentarismo é problema que pode gerar prejuízos em todas as atividades realizadas pela pessoa, notadamente no trabalho. Fonte de diversos problemas de saúde, ele costuma consolidar-se no dia-a-dia como verdadeiro vício. E como todo vício, não é de fácil recuperação. Daí ser louvável a iniciativa das instituições que disponibilizam e incentivam a ginástica laboral para os seus empregados. Pode-se definir ginástica laboral como o exercício físico orientado durante o horário do expediente que visa a benefícios pessoais no trabalho. Seu objetivo é minorar os impactos negativos oriundos do sedentarismo na vida e na saúde Ela é, sobretudo, atividade preventiva e importante aliada contra as chamadas doenças ocupacionais, cujas mais conhecidas são: a) DORT: Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho; b) LER: Lesões por Esforços Repetitivos; c) LTC: Lesões por Traumas Cumulativos; d) DCO: Doença Cervicobraquial Ocupacional; e) CTD: Cumulative Trauma Disorders; f) SSO: Síndrome de Sobrecarga Ocupacional. Muitos são os reconhecidos benefícios da ginástica laboral, razão pela qual essa prática deve ser formalmente incentivada pelo Estado para todas as entidades, além de, é claro, ele mesmo adotá-la nos órgãos da administração pública. Podem ser relacionados como principais benefícios da ginástica laboral (ZILLI, 2002, p. 66): BENEFÍCIOS DA GINÁSTICA LABORAL Melhora os movimentos bloqueados por tensões emocionais Aumenta a amplitude muscular Melhora a coordenação motora Eliminação de toxinas pela melhora da circulação sanguínea Reduz o sedentarismo Reduz a fadiga mental e física 187 Melhora a concentração e agilidade Prevenção de lesões musculares Motiva para a mudança de estilo de vida com realização de atividade física regular Desenvolve a consciência corporal Melhora o bem-estar físico e mental Melhora a socialização Observa-se, portanto, que a ginástica laboral é outro recurso de capacitação estratégico para o sucesso de qualquer instituição. 2. A VALORIZAÇÃO DO SER HUMANO COMO FUNDAMENTO DA CAPACITAÇÃO 2.1 Carência de reconhecimento Quando se pensa em capacitação, normalmente se sugere como fundamento dela a necessidade de otimizar a força humana empregada em alguma estrutura de trabalho. Ou seja, atribui-se uma natureza predominantemente técnica ou instrumental à capacitação. Ela seria o mecanismo utilizado para o sucesso da atividade realizada. Tal visão instrumental da capacitação tem lógica e sentido, afinal não se pode negar que o investimento no “material humano” de uma instituição predestina-se à consecução de melhores resultados para esta. A despeito disso, a idéia abstrata subjacente à capacitação tem outra essência que se afasta da concepção meramente técnica. Com efeito, é coerente ponderar que o fundamento da capacitação reside na valorização do servidor/trabalhador como pessoa, ser humano carente de reconhecimento. É intuitiva a conclusão de que a pessoa, seja qual for a atividade que desempenhe, vê o reconhecimento do seu trabalho como importante estímulo para validar ou incrementar os esforços despendidos no labor. Nesse contexto, integrar o servidor a programa periódico de capacitação transmitelhe a mensagem psicológica de que ele é peça indispensável da instituição a qual pertence. Realmente, o fato é que as pessoas desejam constantemente atrair a atenção do próximo para elas mesmas, como se isto fosse um combustível de auto-afirmação. Por isso que, segundo alguns trabalhos publicados na área de psicologia, a melhor forma de conquistar o interesse de alguém é focar o assunto da conversa na pessoa do outro interlocutor. Com essa perspectiva, é razoável afirmar-se que a capacitação tem o efeito de aumentar a auto-estima do servidor, livrando-o ainda de uma rotina monocórdia que pode refletir-se negativamente nos processos de trabalho. Deixando um pouco de lado a seara da psicologia, observa-se que ao longo da história a preocupação com a valorização do ser humano permeou a obra de vários pensadores e filósofos. O movimento Iluminista do século XVIII exaltava a capacidade humana de conhe188 Revista ESMAC cer e agir pela “luz da razão”, libertando a pessoa das duras amarras criadas pelo Estado feudal e pela repressão religiosa. Kant (1724-1804), grande expoente do pensamento iluminista, decantava a razão humana como pilar do conhecimento universal. Para ele, a dignidade humana era o valor fundamental, a finalidade última da razão prática. Uma de suas belas máximas professava: “Aja de forma a que uses a humanidade, quer na tua pessoa, como de qualquer outra, como fim, nunca meramente como meio”. Já para Nietzsche (1844-1900) e sua transvalorização dos valores, em visão mais radical e contestadora, exaltava os instintos naturais do homem como sinônimo de força e sobrevivência. Apesar das várias divergências que possuem entre si, essas correntes filosóficas têm como essência a valorização da pessoa. Com a capacitação não poderia ser diferente. Ainda que se busque a excelência da técnica, o homem é o mais importante, pois ele é o ser pensante e realizador por trás dos processos de trabalho. Essa idéia foi brilhantemente sintetizada no filme Metrópolis (1927), do diretor Fritz Lang, onde em certo momento uma personagem diz: “Entre o cérebro que idealiza e as mãos que executam deve existir um necessário mediador, o coração”. Observa-se, portanto, que qualquer iniciativa de capacitação terá mais sucesso quando adotar como premissa a valorização da pessoa, deixando transparecer isto em todas as etapas dos cursos ministrados. O homem valorizado e individualmente considerado no corpo da instituição terá o necessário estímulo para dedicar-se com mais afinco aos seus compromissos profissionais, obtendo, por conseguinte, maiores resultados. Emblemático, no caso, é o seguinte trecho de reportagem veiculada no jornal “Folha de São Paulo”180: A Apdata, empresa de tecnologia na área de recursos humanos, adotou uma ‘política efetiva de valorização de seus colaboradores’. A sede da empresa tem capela ecumênica, academia de ginástica e salas para cromoterapia. ‘Nos últimos três anos, destinamos uma média de 5% do faturamento para melhorar a qualidade de vida dos nossos colaboradores. Os resultados têm sido positivos [para a retenção]’, afirma Luiza Nizoli, diretora-executiva da Apdata. Segundo um estudo interno da empresa, o nível de produtividade aumentou 85% nos últimos três anos, enquanto o ‘turnover’ (rotatividade) caiu para ‘praticamente zero’. ‘Entendemos que não é a questão salarial que retém o talento. Descobrimos, pelo estudo, que algumas pessoas tinham habilidades para áreas diferentes das em que estavam. Ao mudarem de departamento, ficaram mais felizes e, conseqüentemente, passaram a trabalhar mais’, diz a diretora. Há quatro anos na firma, a gerente de negócios Fátima Pires, 40, diz ter recusado várias propostas para trabalhar em empresas concorrentes. ‘Desde o início, as instalações da empresa me chamaram muito a atenção. Há a busca pelo bem-estar dos funcionários’, declara. Mostrar a importância do profissional, aplicando diferentes formas de reconhecimento, é um fator essencial na avaliação de Nelson Moschetti, diretor da consultoria RCS. Para Moschetti, também é fundamental que a empresa propicie aumento de qualidade de vida aos seus funcionários. ‘Fazer atividades para alcançar o equilíbrio entre adrenalina e 180 Empresas apostam em agrados para reter talentos. Folha de São Paulo, 24 de setembro de 2006. Disponível em: <http:// www1.folha.uol.com.br/fsp/empregos/ce2409200608.htm>. Acesso em: 10.11.2008. 189 endorfina, como aulas de ioga e relaxamentos, é um grande atrativo’, opina o consultor. Há oito anos como funcionária da rede de hotéis Atlantica, a administradora hoteleira Regina Carrijo, 26, é, hoje, gerente-geral de uma unidade. ‘Trata-se de uma empresa com muitos jovens trabalhando, respeito do alto executivo e boas oportunidades de crescimento’, declara Carrijo. Como lindamente pontificou Moscovici (1997, p. 91), “o homem pleno, feliz, de sucesso que chega a ter expressão maior como ser humano é aquele que desenvolve as quatro dimensões: a física, a intelectual, a emocional e a espiritual”. 2.2 Capacitação, Ética e o mercado O reconhecimento do valor do servidor/trabalhador através de cursos de capacitação também evidencia o compromisso da administração com uma nova concepção de ética, por meio da qual se procura assegurar o respeito pela pessoa do outro, resgatando a sua dignidade. No ponto, é importante salientar que, ao contrário da moral, que sofre as influências do local ou da época em que ocorrem as relações humanas, a ética não está condicionada pelo tempo e pelo espaço, representando a visão de mundo que tem como foco o esforço de compreender-se a situação do próximo. Isto é feito através do exercício de colocar-se no lugar do indivíduo para entender as suas idiossincrasias e desafios. Por isso não é descabido afirmar-se que a capacitação está estreitamente relacionada ao prestígio da ética, na medida em que propõe como pressuposto das atividades institucionais o aprofundamento cognitivo do ser humano, com o objetivo de torná-lo integrado, preparado e motivado. Essa nova percepção da capacitação vem sendo perfilhada com entusiasmo no meio empresarial, onde ficou nítido que a produtividade está intimamente relacionada ao bem-estar do trabalhador. E como já foi exaustivamente repetido, capacitar provoca bemestar. Ilustrando exatamente esse pensamento, a edição virtual do jornal “A Tarde”, veiculada no dia 18 de fevereiro deste ano, publicou a reportagem “Capacitação é a arma para a produtividade”, escrita por Carine Aprile Iervese, onde destacou a relevância estratégica da preparação de funcionários para a sobrevivência e – naturalmente – crescimento das empresas na economia brasileira181. A reportagem destaca a opinião de Gustavo Barbosa, coordenador da Unidade de Educação do SEBRAE, segundo o qual “os especialistas afirmam que estamos vivendo a era do co-nhecimento”. Afirma, outrossim, que é imprescindível termos acesso constante à informação para acompanharmos a rapidez das mudanças, sob pena de depreciação do negócio. Sobre os reflexos psicológicos da capacitação no quadro de pessoal, salienta ainda aquela reportagem: ANTENADO – O diretor presidente do Grupo BB, Plínio Bevervanso, se mostra ante- 181 Disponível em: < http://www.atarde.com.br/economia/noticia.jsf?id=840309>. 190 Revista ESMAC nado a esta lógica. Além de investir de forma constante na capacitação dos seus colaboradores, Plínio também se preocupa com o bem-estar social e psicológico dos funcionários e procura deixá-los informados sobre os mais diversos assuntos, desde segurança no trabalho até questões de saúde. A empresa, que está sendo instalada em Lauro de Freitas, fabrica brindes de plástico, como canecas, garrafas e canetas. Plínio começou o negócio com apenas R$ 1 mil, um computador e uma impressora a jato de tinta, produzindo imãs de geladeira, no Sul do País. O negócio cresceu e hoje ele administra mais de 90 funcionários, mas já liderou mais de 200 empregados, antes de desfazer a sociedade com o antigo sócio. ‘Temos treinamentos internos toda semana e buscamos colocar os colaboradores mais antigos para ministrarem as aulas para os mais novos. Desta forma, eles se sentem mais valorizados e estimulados dentro da empresa. Temos também um manual de integração para quem está chegando conhecer os nossos valores’, cita Plínio. Os cursos de graduação são outro alvo do empresário. ‘Há casos em que bancamos 50% do curso de nível superior. Já é de praxe patrocinarmos a graduação nas áreas de Administração, Economia e Contabilidade’, enumera ele e explica que o funcionário traz o boletim a cada bimestre para mostrar que está tendo bom rendimento, caso contrário: ‘Deixamos de patrocinar, pois é preciso ter comprometimento’. Focado no bem-estar dos seus colaboradores, Plínio reserva uma hora por dia para conversar com eles e ouvir seus problemas pessoais. ‘Nesta hora eu me torno uma espécie de psicólogo. Porque não adianta querer que a pessoa produza 300 peças se ela está sem comida em casa, ou sem saneamento básico, ou se a mulher está apanhando do marido. Ouvimos cada caso e tentamos resolver. Isso faz com que o empregado tenha mais compromisso com a empresa’, avalia. Não há como se negar que no mundo competitivo a falta de investimento na formação do trabalhador implicará a subutilização do potencial da mão-de-obra disponível no mercado. Em belo artigo publicado no portal “Administradores.com.br”, o psicólogo Rogério Martins pondera que não é suficiente possibilitar ao funcionário o preparo técnico para o trabalho, porquanto o mundo corporativo carece de pessoas também qualificadas em relações humanas, gestão de pessoas, negociação, comunicação interna e com os clientes externos182. Ou seja, as instituições precisam, além de profissionais tecnicamente preparados, de agentes dotados de inteligência emocional para enfrentar com êxito os desafios impostos pela rotina de produção. No mesmo artigo ele critica o fato de que no Brasil os índices de investimento e treina-mento em capacitação técnica e comportamental são três vezes inferiores aos dos países desenvolvidos. Percebe-se, dessa forma, que o investimento em capacitação neste país é experiência já posta em prática, mas ainda acanhada em relação aos países ricos. A despeito disso, deve-se reconhecer que a pujante economia brasileira não está alheia às modernas concepções de gestão de pessoas que grassam no mundo. Falta apenas democratizar esses valores entre os médios e pequenos empresários. Eis a relevância de 182 MARTINS, Rogério. Capacitar é a solução. Administradores.com.br, 18 de setembro de 2007. Disponível em: <http:// www.administradores.com.br/artigos/capacitacao_e_a_solucao/1515/>. Acesso em: 10 nov. 2008.. 191 instituições como o SEBRAE. Sobre o papel fundamental desempenhado pelo SEBRAE em políticas de capacitação, ponderaram, em brilhante monografia sobre o tema, Luciane Ferreira de Abreu e Rosiane Aparecida Meira Cordeiro183: No Brasil existem instituições como o SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e o SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, que são considerados órgãos de ensino voltados para a qualificação de mão-de-obra ou capacitação profissional. Nesse mesmo contexto está também o Sistema SEBRAE - Serviço Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, que apesar de não estar incluído como Instituição de ensino, desempenha um papel de vital importância na capacitação técnica e gerencial de empresários. Através da capacitação empresarial, o SEBRAE visa reduzir as carências relacionadas a informação, conhecimentos e habilidades observadas entres os empreendedores. Essas dificuldades são apresentadas pelas pesquisas como geradoras do insucesso na gestão dos pequenos negócios e conseqüentemente, com a alta taxa de mortalidade nos primeiros anos de vida, o que justifica a importância da articulação entre essas instituições que promovem a capacitação empresarial no país. Analisando o esforço do setor privado nessa área, conclui-se como é imperioso que os gestores públicos priorizem o aperfeiçoamento dos servidores como estratégia gerencial imprescindível para a busca de eficiência na prestação dos serviços estatais. Na realidade essa tendência já pode ser observada em vários setores da administração pública, que passaram a atribuir à capacitação o merecido destaque nos programas de trabalho. Como será expendido adiante, o dever de capacitação dos agentes públicos provém do artigo 37, cabeça, da Constituição da Federal, que relaciona os princípios constitucionais que regem a administração pública. 183 ABREU, Luciane Ferreira de; MEIRA CORDEIRO, Rosiane Aparecida. Aprendizagem e auto-estima no processo de capacitação empresarial. SEBRAE Biblioteca On Line, 2004. Disponível em: <http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/AA30973A12A7413583257302005BEB6D/$File/Monografia%20psico pedagogia.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2008. 192 Revista ESMAC 3. CAPACITAÇÃO: EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL 3.1. O tratamento da eficiência na reforma administrativa A falta de eficiência do serviço público brasileiro durante muitos anos foi problema endêmico no país, diariamente noticiado nos veículos de comunicação e satirizado em programas humorísticos. Para a população em geral a condição de servidor público já trazia inerente os estereótipos de profissional preguiçoso, acomodado e desorganizado, principalmente quando atingiam a estabilidade. Não era nenhum segredo que os órgãos da administração governamental não se submetiam aos controles de qualidade e resultados comuns nas empresas privadas. A prestação dos serviços públicos era realizada, com o perdão da linguagem coloquial, no “piloto automático”, já que não se cobrava com veemência dos servidores a consecução efetiva de bons resultados. Como reação a essa triste realidade da administração pública, foi aprovada e publicada no ano de 1998 a Emenda Constitucional n. 19, a qual instituiu a chamada “reforma administrativa”. Entre as várias alterações promovidas na Constituição da República pela referida emenda, destacou-se a alteração da cabeça do artigo 37, que passou a viger com a seguinte redação: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: Foi acrescentado, portanto, o princípio da eficiência aos princípios constitucionais da administração pública previstos expressamente naquele dispositivo constitucional. No magistério de Cunha Júnior, a inovação constitucional impõe que a atividade administrativa deve ser desempenhada de forma rápida, para atingir seus propósitos com celeridade e dinâmica, de modo a afastar qualquer idéia de burocracia184 . Professa ainda o mesmo autor185 : “O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e pode ser também considerado em relação ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados no desempenho da função ou atividade administrativa.” O fato é que tal alteração do texto constitucional foi emblemática para a mudança dos 184 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Editora Juspodivm, 2008, p. 45. 185 Op. cit., p. 45-46. 193 paradigmas da administração pública brasileira. Passou-se a exigir do Estado um modelo de administração gerencial que priorizasse a satisfação dos administrados com o serviço prestado. Sobre o tema, em interessante artigo publico no site Jus Navegandi, Maria Carolina Miranda Jucá teceu as seguintes reflexões acerca dos novos conceitos de gestão introduzidos pela reforma administrativa186: A Administração Pública Gerencial constitui, de certa forma, um rompimento com o sistema burocrático tradicional, sem, no entanto, negá-lo in totum, uma vez que esse novo modelo tem muitos de seus princípios fundamentais derivados do anterior, tais como a admissão segundo rígidos critérios de mérito, avaliação de desempenho, sistema de carreiras, profissionalismo e impessoalidade. As semelhanças, porém, não vão muito além disso. Com efeito, enquanto a administração tradicional, burocrática, é mais voltada para si mesma, identificando, com freqüência, o interesse público com os interesses do próprio Estado e direcionando os recursos públicos para o atendimento das necessidades da própria burocracia e do aparato estatal, a administração gerencial relaciona sua atuação ao interesse da coletividade, sob a ótica do cidadão-cliente, ou cidadão-usuário. Nesse sentido, na administração gerencial o foco deixa de ser a própria administração pública para tornar-se a satisfação do cidadão. Cabe ao Estado assegurar, no interesse desse cidadão-usuário, a maior eficiência e qualidade dos serviços públicos, e não apenas verificar o cumprimento da legislação em vigor. Destarte, se no sistema anterior a avaliação dos servidores integrantes da burocracia estatal privilegiava critérios como assiduidade, disciplina e tempo de serviço, em detrimento do efetivo atendimento das necessidades sociais, no novo sistema esse tipo de conduta é inaceitável. Paralela a essa nova visão de interesse público, está a derrocada do sistema de controles formais e legais, típicos da administração burocrática, e a ascensão dos controles de produtividade, economicidade e eficiência, vale dizer, do controle a posteriori de resultados. Dessa forma, após a reforma administrativa ficou explícito na Constituição que não basta para a sociedade cumprimento formal dos requisitos de moralidade e legalidade pela administração. Os cidadãos esperam mais do Estado, querem suas necessidades atendidas, em tempo razoável e de forma adequada. Essa expectativa da coletividade em relação ao Estado é natural e perfeitamente compreensível, porquanto aquele reservou para si a prestação dos serviços públicos – como está consignado no artigo 175 da Constituição -, devendo fazê-lo da melhor maneira possível. A consolidação constitucional do princípio da eficiência tem implicação ampla na administração pública, impondo, além da revisão dos paradigmas, como acima destacado, várias ações e programas destinados à modernização das estruturas do Estado. Para ser eficiente não basta acreditar sê-lo. A eficiência pressupõe investimentos nos suportes material e humano utilizados na prestação dos serviços, o que inclui o redirecionamento de recursos orçamentários. Isto significa que o atendimento ao novel princípio constitucional imporá ao Estado a otimização da aplicação das suas receitas, pois terá o ônus de prover suas instituições 186 JUCÁ, Maria Carolina Miranda. Crise e reforma do Estado: as bases estruturantes do novo modelo. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3598>. Acesso em: 26 out. 2008. 194 Revista ESMAC com os recursos de que carecem. Dos diversos investimentos que se espera do Estado para alcançar a eficiência pode-se destacar a capacitação dos agentes públicos. De fato, pouco adianta dotar o servidor de boa estrutura material no trabalho, se ele não dispõe do devido preparo para extrair dela todo o seu potencial. É ingenuidade imaginar que o servidor aprovado em concurso público já está preparado para qualquer tarefa ou atribuição simplesmente porque tinha bom conhecimento da matéria exigida no edital do certame. Infelizmente ainda há gestores públicos que pensam dessa forma. Ora, do servidor recém-aprovado no concurso é razoável exigir que tenha o conhecimento mínimo para iniciar o exercício das atribuições do cargo ou emprego. Mas para cobrar dele a excelência na prestação do serviço é preciso capacitá-lo, prepará-lo para enfrentar os desafios que lhe serão impostos ao longo de sua vida pública. Seria inútil, por exemplo, a aquisição do melhor computador do mercado, com os mais avançados softwares, se o operador em frente à tela pouca noção tivesse das inúmeras possibilidades de aplicação do equipamento no seu labor diário. Do mesmo modo, o funcionamento de algum órgão público em suntuoso edifício, onde trabalham muitos servidores improdutivos por deficiência técnica, nada interessa à coletividade. Ressalte-se que em instituições nas quais os agentes públicos estão capacitados – e, portanto, motivados - a escassez de recursos materiais poderá ser superada com o uso da criatividade e da inteligência. E aqui se chega ao raciocínio de que a boa administração é feita principalmente com o investimento no servidor/trabalhador não apenas como técnico, mas, sim, como ser humano sedento de reconhecimento. Por esse prisma, é lúcida a afirmação de que o princípio constitucional da eficiência gera para o Estado o dever de investir nos seus agentes, sem o que ficará comprometida a meta de obtenção de bons resultados. 3.2 Capacitação e a Magistratura brasileira A Emenda Constitucional n. 45, publicada no dia 31 de dezembro de 2004, que ficou conhecida como a “Reforma do Poder Judiciário”, alterou a redação da alínea “c” do inciso II do artigo 93 da Constituição Federal, bem como a redação do inciso IV do mesmo dispositivo, impondo verdadeira exigência de aperfeiçoamento/capacitação dos membros do Poder Judiciário para progressão na carreira. Prescrevem as referidas normas: Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) II – promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas; (...) c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produ195 tividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; (...) IV – previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados; A demanda da sociedade brasileira por eficiência na prestação dos serviços públicos refletiu-se formalmente também em relação ao Poder Judiciário, o qual, segundo a inteligência dos dispositivos acima reproduzidos, deve propiciar aos magistrados cursos e programas oficiais de aperfeiçoamento. A reforma constitucional inclusive foi bastante incisiva ao dispor que a aferição do merecimento do magistrado para efeito de promoção e até mesmo o seu vitaliciamento no cargo dependem da efetiva participação nos referidos cursos. Isto é fundamental na medida em que não basta mais ao juiz externar postura ética e profissional escorreitas, além de produtividade, para alcançar sua confirmação na carreira, pois agora se lhe impõe o esforço de buscar o aperfeiçoamento profissional e demonstrar eficiência para manter a toga ou nela progredir. No que concerne à formação dos magistrados, ponderou o juiz trabalhista Vitor Salino de Moura Eça187: Somente com a especialização daqueles de irão pensar a educação no âmbito dos tribunais, estes conseguirão idealizar cursos hábeis ao seu público específico, com propostas adequadas à formação intelectual. Conhecimento técnico e aptidão para o estudo os juízes já demonstraram ter desde o ingresso na carreira. Assim, estes precisam ser complementados permanentemente, para que se ampliem e multipliquem. Essa expansão dos conhecimentos, benéfica para toda a sociedade, pelo que se pode facilmente constatar, não, deve, entretanto, estar jungida a disciplinas apenas jurídicas. A formação humanística de magistrados é fundamental para os contextualizar no multifacetado mundo em que vivem. E mais, julgando matérias e pessoas tão diferentes, precisam realmente conhecer um pouco de seus hábitos e costumes, enfim sua cultura. A conclusão do magistrado mineiro desnuda grave problema que permeia a magistratura brasileira, mormente quanto aos juízes mais jovens. Com efeito, é de se esperar que todo magistrado possua conhecimento técnico-jurídico bastante para apreciar as demandas que lhe são apresentadas. A despeito disso, não se pode afirmar que todo juiz tenha suficiente percepção das peculiaridades humanas com as quais terá de lidar na sua rotina de trabalho. É em função disso que os cursos de formação e aperfeiçoamento de magistrados devem incluir no conteúdo programático matérias relacionadas à psicologia, filosofia, sociologia e outras que explorem o estudo do comportamento humano. Tomando como paradigma o novo conceito de capacitação, analisado alhures, é razoável refletir que o bom juiz não é somente aquele que habilmente consegue submeter o fato à norma para decidir o conflito. Isto qualquer técnico do Direito razoavelmente prepara187 EÇA, Vitor Salino de Moura. A reforma do Judiciário e a formação dos magistrados. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 629, 29 mar. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6511>. Acesso em 15.11.2008. 196 Revista ESMAC do tem condições de fazer. O bom magistrado é aquele que consegue divisar na contenda algo mais do que um desafio de índole jurídica; sua percepção consegue captar as dimensões sociais e psíquicas subjacentes ao litígio. Atrás de todo processo há uma história, construída a partir de fragmentos da vida de cada litigante, sejam eles emocionais, culturais ou sociais. O magistrado que consegue identificar esses fragmentos e, com o estudo deles, chegar à decisão do conflito, poderá ser considerado verdadeiramente preparado para julgar. Essa preparação não se atinge tão-somente com o estudo de matérias jurídicas. Nesse sentido averbou a magistrada Graça Maria Borges de Freitas, membro do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região188: A formação do juiz, portanto, pressupõe a necessidade de dialogar com outros códigos, valores, saberes e conhecimentos subjacentes às demandas complexas que lhe são submetidas, o que lhe exige uma formação interdisciplinar, mas que, todavia, não deve ser entendida como enciclopédica, e sim como uma formação dialógica que lhe permita ter acesso à comunicação com outros conhecimentos e sujeitos, aliada a uma sólida formação jurídica que possibilite superar as limitações do positivismo jurídico e desenvolver uma nova racionalidade na aplicação do Direito e justificação das decisões no paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito. Muito útil para o exercício da magistratura seria, por exemplo, o estudo da linguagem corporal. Deveras, a maioria dos processos judiciais exige a produção de prova oral em audiência, com base na qual o juiz predominantemente fundamenta a sua decisão. Dessa forma, com treinamento específico em linguagem corporal terá o magistrado melhores condições de avaliar a verossimilhança das declarações que lhes são prestadas. Da mesma forma, o magistrado ciente das mensagens emitidas pela linguagem corporal conseguirá criar maior empatia com as partes quando presidir uma audiência de conciliação. A leitura dos sinais não-verbais transmitidos pelas partes pode ser a chave para a solução de uma contenda. Aliás, estudos demonstram que 93% (noventa e três por cento) da comunicação humana é feita através de sinais não-verbais (PEASE, 2005, p. 17). Podem ser citados como sinais não-verbais transmitidos pelas partes os seguintes: SINAL SIGNIFICADO Braços cruzados Posição defensiva Avançar o corpo sobre a mesa Certo Interesse sobre a proposta Pernas cruzadas Atividade defensiva, reprimida ou hostil Nariz empinado Desaprovação 188 BORGES DE FREITAS, Graça Maria. A reforma do Judiciário, o discurso econômico e os desafios da formação do magistrado hoje. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 42, n. 72, p. 42. Disponível em: < http://www.mg.trt.gov.br/escola/download/revista/rev_72/Graca_Freitas.pdf>. Acesso em 15.11.2008.. 197 Deviar o olhar, cruzar as mãos Sinal de mentira Mostrar as palmas das mãos Sinal de sinceridade Há vários outros sinais que, se corretamente interpretados no contexto, podem subsidiar o juiz na formação do seu convencimento. 3.2.1 O juiz administrador A reforma em estudo, ao exigir o aperfeiçoamento dos magistrados, foi correta e oportuna, principalmente se considerarmos que o Poder Judiciário por longos anos foi associado à imagem de serviço moroso, anacrônico e, quanto à mentalidade de seus membros, conservador. Ressalte-se que a participação de magistrados em cursos regulares de aperfeiçoamento (leia-se, de capacitação) pode conferir-lhes ainda nova visão gerencial para a administração das suas unidades judiciárias. Com isto, o juiz terá condições de otimizar os recursos materiais da sua vara e de harmonizar o relacionamento dos seus servidores, entre si, e com os jurisdicionados. É inegável que o juiz também tem atribuições administrativas que, quando bem realizadas, resultam em eficiência na prestação dos serviços jurisdicionais. Daí a importância de cursos ministrados aos juízes sobre as modernas técnicas de gestão. A realização de MBA em Poder Judiciário, no ponto, é vital. Outro efeito importante esperado do aperfeiçoamento dos juízes é que estes desenvolvam a consciência da imprescindibilidade de capacitação regular para os seus auxiliares. Não se discute que o magistrado é a peça fundamental para o bom andamento dos trabalhos de uma unidade judiciária, mas ele sozinho, por mais competente que seja, não terá condições de tornar uma vara eficiente sem que sua equipe igualmente esteja bem preparada para dar vazão à demanda. 3.3 O papel do Conselho Nacional de Justiça na política de capacitação Importante avanço na melhoria da gestão judiciária foi a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ pela Emenda Constitucional n. 45/2004, que acrescentou o inciso I-A ao artigo 92 da Carta Magna. As atribuições desse Conselho estão previstas no § 4º do artigo 103-B da Constituição - também acrescentado por aquela emenda -, que prescreve: Art. 103-B. (...) § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da 198 Revista ESMAC Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providên- cias necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade; V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano; VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa. Entre as principais competências desse novo órgão do Poder Judiciário, destaca-se a de “definir o planejamento estratégico, os planos de metas e os programas de avaliação institucional do Poder Judiciário”189. A instauração do Conselho Nacional de Justiça pode ser reputada como marco da administração judiciária, porquanto essa instituição, no desempenho de suas funções constitucionais, tem por finalidade precípua garantir a eficiência dos serviços prestados pelos órgãos jurisdicionais. Isso necessariamente implica a necessidade de aperfeiçoamento da magistratura nacional, a fim de que possa corresponder às expectativas da sociedade quanto à atuação dos órgãos do Poder Judiciário, tuteladas pelo Conselho Nacional da Justiça. Para assegurar o investimento dos tribunais na capacitação de juízes e servidores, o CNJ expede atos administrativos específicos para tanto, podendo ser citada a Recomendação nº 8, de 27 de fevereiro de 2007, a qual, ao tratar da conciliação, dispõe190: RECOMENDAÇÃO Nº 8, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2007 Recomenda aos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho a realização de estudos e de ações tendentes a dar continuidade ao Movimento pela Conciliação. A Presidente do Conselho Nacional de Justiça, no uso de suas atribuições, 189 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. História. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content& task=view&id=4303&Itemid=319>. Acesso em: 10.11.2008. 190 Conselho Nacional de Justiça. Atos do Conselho. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_conten t&task=view&id=2732&Itemid=163>. Acesso em: 10.11.2008. 199 Considerando a função de planejamento estratégico do Poder Judiciário atribuída ao Conselho Nacional de Justiça pela Constituição Federal; Considerando os resultados positivos alcançados pelo Movimento pela Conciliação, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça em agosto de 2006, culminando com o Dia Nacional da Conciliação, ocorrido no dia 8 de dezembro do mesmo ano; Considerando a necessidade de dar continuidade e autonomia ao Movimento pela Conciliação no âmbito de cada Tribunal, Considerando o que foi deliberado pelo Conselho Nacional de Justiça na Sessão Plenária de 27 de fevereiro de 2007; RESOLVE: RECOMENDAR aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais Regionais do Trabalho que promovam o planejamento e a execução de ações tendentes a dar continuidade ao Movimento pela Conciliação, tais como: a) a constituição de comissão permanente encarregada dessas atividades; b) o planejamento anual, no âmbito do Tribunal, do Movimento pela Conciliação, em que se podem inserir a fixação de um dia da semana com pauta exclusiva de conciliações, a preparação de semanas de conciliação e do Dia Nacional da Conciliação de 2007, a definição de metas, a realização de pesquisas, dentre outras atividades; c) a oferta de cursos de capacitação de conciliadores, magistrados e servidores; d) a divulgação, interna e externa, do Movimento pela Conciliação, inclusive da estatística específica de conciliações. Os Tribunais deverão encaminhar, para fins de divulgação pelo Conselho Nacional de Justiça, o planejamento anual do Movimento pela Conciliação até o dia 30 de abril de 2007. Para fins de divulgação da estatística dos Tribunais no site do CNJ, os Tribunais acima referidos deverão encaminhar ao Conselho Nacional de Justiça, até o dia 10 do mês seguinte, dados mensais sobre conciliações. Publique-se e encaminhe-se cópia desta Recomendação a todos os Tribunais mencionados. (Grifo nosso) Outro importante ato do CNJ concernente à exigência de capacitação para os magistrados é a Resolução nº 60, de 19 de setembro de 2008, que instituiu o Código de Ética da Magistratura Nacional. Sobre a necessidade de aperfeiçoamento do magistrado, prescreve esse estatuto191: CAPÍTULO X Conhecimento e capacitação Art. 29. A exigência de conhecimento e de capacitação permanente dos magistrados tem como fundamento o direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à obtenção de um serviço de qualidade na administração de Justiça. Art. 30. O magistrado bem formado é o que conhece o Direito vigente e desenvolveu as capacidades técnicas e as atitudes éticas adequadas para aplicá-lo corretamente. Art. 31. A obrigação de formação contínua dos magistrados estende-se tanto às matérias especificamente jurídicas quanto no que se refere aos conhecimentos e técnicas que possam favorecer o melhor cumprimento das funções judiciais. Art. 32. O conhecimento e a capacitação dos magistrados adquirem uma intensidade 191 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Atos do Conselho – Código de Ética da Magistratura Nacional. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4984&Itemid=160>. Acesso em: 10.11.2008. 200 Revista ESMAC especial no que se relaciona com as matérias, as técnicas e as atitudes que levem à máxima proteção dos direitos humanos e ao desenvolvimento dos valores constitucionais. Art. 33. O magistrado deve facilitar e promover, na medida do possível, a formação dos outros membros do órgão judicial. Art. 34. O magistrado deve manter uma atitude de colaboração ativa em todas as atividades que conduzem à formação judicial. Art.35. O magistrado deve esforçar-se para contribuir com os seus conhecimentos teóricos e práticos ao melhor desenvolvimento do Direito e à administração da Justiça. Art. 36. É dever do magistrado atuar no sentido de que a instituição de que faz parte ofereça os meios para que sua formação seja permanente. Com a edição desses e de outros atos administrativos, em conjunto com uma política de fiscalização e incentivo, o CNJ cumpre uma de suas mais importantes missões constitucionais, que é fomentar a capacitação e, por conseguinte, assegurar o rendimento dos serviços prestados. 3.4 O panorama atual do aperfeiçoamento dos magistrados do Poder Judiciário do Estado do Acre Os magistrados do Poder Judiciário do Estado do Acre há dois anos freqüentam o curso de MBA em Poder Judiciário, ministrado pela Fundação Getúlio Vargas. O oferecimento do MBA representa louvável conquista da administração do Tribunal de Justiça, o qual com essa iniciativa torna gratificante a atuação jurisdicional dos magistrados, na medida em que dissemina o sentimento de valorização desses profissionais. Sem desconsiderar que o curso em questão é um avanço do nosso Poder Judiciário, merece críticas o acanhamento do Tribunal de Justiça em propiciar aos magistrados acreanos a participação em seminários e eventos realizados fora do Estado, como forma de assegurar aos juízes constante atualização nos temas palpitantes de interesse da classe. É cediço que anualmente são incontáveis os eventos jurídicos realizados no Brasil, onde são discutidos assuntos caros aos profissionais do Direito. Além de temas estritamente técnicos, são debatidas questões relacionadas a assuntos diversos das relações humanas, como filosofia, psicologia e sociologia. A par disso, é imprescindível que os juízes tenham a oportunidade de prestigiar tais eventos para crescer intelectualmente e moralmente, fortalecendo, outrossim, a integração com os membros da magistratura dos demais Estados. Sucede que no Poder Judiciário do Acre, como afirmado, é pequena a participação de magistrados nesses seminários, o que ocorre por falta de apoio financeiro do Tribunal de Justiça, que se mostra resistente ao pagamento de passagens aéreas e diárias para os juízes. É preciso que a administração da Corte tenha consciência de que os recursos empregados para viabilizar a inscrição e presença de juízes em eventos jurídicos representam verdadeiros investimentos na melhoria da prestação jurisdicional. Isto porque os conhecimentos adquiridos pelo magistrado podem ser compartilhados com os colegas em multiplicações promovidas pelo Tribunal de Justiça. Assim, por exemplo, se o juiz titular do 1º Juizado Especial Cível for enviado pela Corte para participar 201 do FONAJE – Fórum Nacional dos Juizados Especiais, poderá, ao retornar, transmitir aos colegas atuantes em outros juizados as lições assimiladas no evento. Em breve consulta ao site do Poder Judiciário do Estado do Acre, verifica-se que a última multiplicação realizada por magistrado que participou de evento fora do Estado ocorreu no dia 29 de agosto de 2008. Assim noticiou o site192: ESMAC realiza mais uma atividade de multiplicação Com o tema ‘VII Jornadas Brasileiras de Processo Civil’, a Escola Superior da Magistratura do Acre (ESMAC) realizou no dia 29/08, mais uma Atividade de Multiplicação. O evento aconteceu no Plenário do Palácio da Justiça, em Rio Branco, e contou com a presença da Direção do TJAC, magistrados, assessores, oficiais de gabinete e convidados. O Juiz Leandro Leri Gross, que entre os dias 26 e 30 de maio deste ano representou o TJAC na ‘VII Jornadas Brasileiras de Direito Processual – Civil e Processual’, na cidade de Florianópolis (SC), fez suas considerações sobre o encontro e discutiu questões atuais acerca do tema. Destaque para o debate sobre arbitragem, aplicação do artigo 475-J do Código de Processo Civil, condições da ação e sua análise sob a ótica da efetividade da prestação jurisdicional, reforma do processo cautelar, recurso especial e o congestionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). ‘A multiplicação promovida pela Escola e aberta à comunidade jurídica do Acre é importante porque leva o conhecimento a todos, tendo em vista que são os temas mais discutidos do nosso dia-a-dia’, declarou o facilitador, que é juiz titular da Comarca de Brasiléia. Falece no Poder Judiciário do Acre periodicidade no encaminhamento de magistrados para participação em eventos. Quando isto é feito, ocorre de forma esporádica e sem critérios objetivos de escolha dos participantes. O ideal seria que o Tribunal de Justiça organizasse escala de escolha de magistrados para representar a instituição nos seminários, garantindo a cada juiz pelo menos a participação em um evento jurídico por ano, o que é atualmente feito no âmbito do Ministério Público do Acre. O Poder Judiciário do Acre é também carente no que concerne à realização de eventos jurídicos no Estado, pois pouco promove palestras, debates ou cursos voltados aos magistrados e à comunidade jurídica. O Poder Judiciário deve ocupar esse espaço, consolidando seu nome como referência na área de eventos jurídicos, proporcionando incentivo à discussão de idéias e à produção acadêmica. Ademais, o magistrado precisa ser estimulado pela sua instituição a escrever, produzir textos de alcance jurídico e social que não se limitem às decisões proferidas nos processos judiciais. Isto estimularia a criatividade do juiz, ampliaria a sua percepção da realidade que o cerca e criaria um ambiente favorável à divulgação de boas práticas de gestão. 192 Poder Judiciário do Estado do Acre. Agência TJAC, 02 de setembro de 2008. Disponível em: <http://www.tjac.jus.br/noticias/noticia.jsp?texto=6508>. Acesso em: 10.11.2008. . 202 Revista ESMAC 4. EXPERIÊNCIAS DE CAPACITAÇÃO NO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO ACRE 4.1 Capacitação dos servidores O Poder Judiciário do Estado do Acre conta atualmente com a estrutura de Centro de Capacitação (CECAP) destinado à formação e aperfeiçoamento dos servidores da instituição. O CECAP, apesar de enfrentar alguns problemas estruturais e financeiros, vem ao longo dos anos intensificando suas ações na área de aperfeiçoamento dos servidores do Judiciário, inclusive promovendo eventos de confraternização e comemoração de datas de grande simbolismo para a sociedade. Na esfera de competência do CECAP estão as seguintes atividades: a) Programação e Coordenação dos Cursos oferecidos mensalmente para os servidores do Poder Judiciário – Capital e Interior; b) Treinamentos específicos para as serventias, oficiais de justiça, motoristas de desembargadores; c) Coordenação e organização das datas comemorativas: Dia Internacional da Mulher – Dias das Mães, Dias dos Pais e Dia do Servidor Público; d) Inscrição, seleção, lotação e remanejamento e rescisão de estagiários; e) Inscrição, seleção, treinamento, lotação e remanejamento de voluntários da lei federal; f) Seleção, treinamento, lotação e remanejamento dos voluntários do convênio com a SEJA; g) Participação em todas as etapas para realização de processo seletivo para contratação de conciliadores e juízes leigos; h) Participação de todas as etapas de um processo para realização de concurso provisório; i) Atuação em todas as etapas para realização de processo, como divulgação, inscrição, seleção, treinamento dos agentes comunitários da Justiça Comunitária Itinerante, em seus diversos convênios; j) Responsável pelo processo seletivo para contratação temporária de profissionais para atuarem na Central de Penas alternativas – CEPAL, tanto na capital como no interior; k) Participação em todo o processo de Concurso Público para ingresso no Poder Judiciário; l) Participação em todas as etapas para realização do 76º Encontro do Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil, neste Estado, no período de 16 a 18 de outubro de 2008. 203 Essa variedade de atribuições denota que o CECAP é fundamental para a administração do Poder Judiciário, atuando praticamente em todas as áreas que envolvem a contratação e gestão de pessoal. No ano de 2008 o CECAP promoveu bom número de cursos para os servidores, estimulando o estudo em diversas áreas. Com efeito, foram ministrados os seguintes cursos193: CURSOS/OFICINA/ SEMINARIO/PALESTRA Português Instrumental e Redação Oficial PÚBLICO/CLIENTELA PERÍODO Servidore em geral 14 a 25 de janeiro Trinamento do Sistema PROJUDI - Processo Judicial Digital Servidores da Coordenadoria de Informática 27 a 28 de fevereiro Cálculos, Alterações e Revisões de de Proventos de Aposentadoria e Pensão do Servidor Público e dos Beneficiários Servidores da Direitoria do Recursos Humanos; Direitoria Administrativa; Diretoria de Finança; Diretoria de Planejemanto e Orçamento e Conselho da Magistratura 24 a 30 de abril Práticas Cartorárias Cíveis (Comarcas de Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Marechal Taumaturgo e Porto Walter) Gestão e Liderança (Comarca de Senador Guiomard) Relacionamento Pessoal X Interpessoal no Setor de Trabalho 5S da Qualidade (Rio Branco) Português Instrumental e Redação Oficial (Comarca de Sena Madureira) Legislação Aplicada ao Juizado Especial Criminal, com ênfase ao Juizado Especial Cível (Rio Branco) Servidores em geral 05 a 09 de maio Servidores em geral 05 a 09 de maio Servidores em geral 05 a 09 de maio Servidores dos diversos setores do TJ 05 a 09 de maio Servidores das Comarcas de Sena Madureira, Manuel Urbano e Santa Rosa. Servidores das Varas e Juizados Criminais 193 Conforme informações prestadas pelo CECAP através de e-mail. 204 05 a 16 de maio 29 e 30 de maio a 04 de junho Revista ESMAC Violência Domestica contra Criança e Adolescente (Comarcas de Brasiléia, Epitaciolância e Assis Brasil) Servidores em geral 20 a 24 de junho Violência Domestica contra Criança e Adolescente (Comarca de Xapuri) Servidores em geral 25 a 27 de junho Programa de Capacitação dos Agentes Comunitários (Convenio TJ/Prefeitura de Rio Branco) Treinamento do SAJ 5 Relacionamento Pessoal X Interpessoal no Setor de Trabalho Núcleos: - Adalberto Aragão - Mocinha Magalhães - Santa Inês - Sobral - Calafate Módulo Distribuidor; Módulo CEMAN; Módulo Oficial de Justiça; 02 turmas de cada módulo (4h) Módulo CARTÓRIO 22 turmas de 12h Módulo ESCRIVÃO 02 turmas de 12h Servidores das Comarcas de Brasiléia e Epitaciolândia 16 de junho a 04 de julho de 2008 16 de junho a 11 de julho 26 a 28 de novembro (a ser realizado) Pela análise da tabela observa-se que as atividades do CECAP contemplaram a capital e o interior. De acordo com informações prestadas por telefone, o CECAP não realizou mais cursos em virtude de obras de reforma iniciadas no prédio onde funciona o órgão. Com relação aos cursos ministrados, pode-se perceber que preponderou nas matérias expendidas aos servidores o conteúdo eminentemente técnico, com pouco espaço para temas alternativos que incentivassem o crescimento pessoal. A única exceção foi o curso “Relacionamento Pessoal x Interpessoal no Setor de Trabalho”, de abordagem mais humanista. Não se divisa no quadro acima, por exemplo, uma única matéria destinada exclusivamente ao estímulo da motivação e auto-estima dos servidores. Nesse ponto, voltando a questão já discutida no início deste estudo, defendemos que a administração, ao promover a capacitação dos seus agentes, deve aumentar os investimentos em cursos que colimem o equilíbrio emocional e o bem-estar dos servidores, como forma de estimulá-los a desenvolver todo o potencial que possuem para o trabalho. O melhor rendimento funcional, nessa perspectiva, derivaria da harmonização da constante atualização técnica dos servidores com o fortalecimento das suas estruturas emocionais. 205 Conclui-se, portanto, que na reformulação do programa de cursos do CECAP para o ano de 2009 deve-se prestigiar a realização de aulas que, além do suporte técnico necessário, forneçam aos servidores ferramentas para o engrandecimento pessoal. De qualquer forma, o esforço do CECAP em levar aos servidores esses cursos deve ser elogiado, tendo em vista que o orçamento do Poder Judiciário para o exercício de 2008 não permitiu grandes investimentos na área de capacitação. Aliás, é necessário que o Poder Judiciário reveja sua proposta orçamentária para destinar mais recursos financeiros aos projetos de aperfeiçoamento dos servidores. A capacitação regular dos agentes públicos tem importância estratégica para a prestação eficiente dos serviços, razão pela qual é inadmissível que seja relegada a segundo plano nos investimentos da administração. Os gestores precisam lembrar que do investimento em capacitação resulta a racionalização dos gastos públicos, gerando economia para o Estado. Deveras, o servidor melhor preparado estará prevenido contra o desperdício; por conseguinte, terá condições de produzir mais com menos dispêndio de recursos. Desse raciocínio, a contrário senso, infere-se que o despreparo do agente administrativo é diretamente proporcional ao uso desmedido e irracional dos recursos postos a sua disposição. 4.2 Capacitação dos servidores do Poder Judiciário do Estado do Acre no ano de 2009: mudança de perspectiva No início do ano de 2009 ocorreu a mudança dos gestores do Poder Judiciário do Estado do Acre, com a renovação dos cargos de Presidente do Tribunal de Justiça, de VicePresidente e de Corregedor Geral da Justiça. A nova administração apresentou, entre outras propostas, a idéia de incrementar as atividades de capacitação dos servidores do Poder Judiciário, com um foco mais humanista no programa de cursos e aulas elaborado para este ano. Na solenidade de posse da nova administração, ocorrida em 02 de fevereiro deste ano, o Presidente do Tribunal de Justiça recém-empossado, Desembargador Pedro Ranzi, enfatizou no seu discurso: O recurso humano receberá especial atenção, já que todo o nosso desempenho, todas as nossas ações são dependentes da qualificação, do preparo e dedicação dos Magistrados e Servidores. Do seu eficiente e criterioso trabalho profissional resulta a própria eficácia das decisões judiciais, a satisfação do jurisdicionado – aquele que nos procura, para resolução das suas lides. Especialmente por isso, empregaremos todo o esforço possível para a continuação da modernização dos métodos de trabalho e melhoria das condições físicas e materiais, objetivando o crescimento pessoal e profissional dentro da instituição a que servem com inegável e indispensável competência, reconhecendo serem eles peças fundamentais para o sucesso do nosso trabalho. Importante é fazê-los partícipes desta administração e do processo judicial e administrativo como um todo, pois, cientes, da necessidade de profissionais competentes, servidores 206 Revista ESMAC compromissados, que tenham interesse em bem servir o jurisdicionado, é que será implementada a gestão de pessoas, que envolve a capacitação, motivação, incentivo à formação e alocação adequada às qualificações e às suas aptidões, buscando sempre, a excelência do trabalho prestado. Investiremos na qualificação em todos os níveis, pois motivar os servidores, fazê-los conhecedores de sua importância e missão, cientes de que, trabalhando no Poder Judiciário, onde deságuam os mais variados conflitos e dramas do dia-a-dia, é nosso compromisso. A referência feita pelo Presidente no seu discurso ao aperfeiçoamento dos servidores denota, em princípio, inequívoca intenção de introduzir no Poder Judiciário do Estado do Acre nova concepção do conceito de capacitação, na qual se prestigia o tratamento humanista das relações de trabalho. O discurso salientou que o crescimento pessoal do servidor é tão importante quanto seu crescimento profissional na instituição, sendo um o complemento necessário do outro. Ratificou-se também naquela oportunidade que o êxito da prestação jurisdicional depende do reconhecimento da dedicação e esforços dos serventuários, chamados pelo Presidente de “peças fundamentais” do processo laboral. Isto conduz à reflexão de que a motivação do servidor para o trabalho encontra fundamento ao mesmo tempo num sentimento de individualidade e de unidade. Individualidade porque o agente deseja ser valorizado pela tarefa que executa na organização, ou seja, ele precisa ser notado em meio ao conjunto de servidores. Já o sentimento de unidade deriva da consciência de que seu trabalho é vital para o sucesso da equipe, é a soma imprescindível aos objetivos da instituição. Encontramos aqui, então, uma visão mais holística dos vínculos existentes entre a administração, como ente impessoal, e os seus agentes, que representam o aspecto subjetivo das instituições. Ao tecer essas declarações no momento da sua posse, o Presidente do Tribunal de Justiça transmitiu a mensagem de que os novos gestores estão propensos a trilhar o caminho certo para quebrar os paradigmas tradicionais então vigentes na administração judiciária, conferindo-se o devido apreço, antes de qualquer coisa, ao “material humano”. Essa mudança de perspectiva já pode ser observada no programa de capacitação de servidores deste ano, elaborado pelo CECAP, que, ao contrário do programa do ano anterior, inseriu cursos voltados especificamente à motivação do agente, ética e harmonia das relações humanas no trabalho, entre outros temas correlatos. Estão previstas para o primeiro semestre deste ano as seguintes aulas e palestras194: 194 Conforme informações prestadas pelo CECAP através de e-mail. 207 PROGRAMA DE AÇÕES DE SENSIBILIZAÇÃO E CAPACITAÇÃO ANO 2009 AÇÃO Palestra: Motivação e Trabalho Palestrante: Lauro Santos Palestra: Ética nas Organizações PERÍODO 09/02/2009 a 20/02/2009 02/03/2009 a 04/03/2009 HORÁRIO PÚBLICO-ALVO 15h às 17h - Vara da Violência Doméstica, 1ª e 2ª Serventia de Registro Civil, 1ª e 2ª Serventia de Registro de Imóveis, 1º e 2º Tabelionato de Notas, Serventia de Registro de Protestos e Títulos Cambiais, Serventia de Registro de Títulos e Documentos e Serventia de Distribuição = 72 - ANEXO DO TJ = 105 - Juizado da Infância e da Juventude, Conselho da Magistratura, Diretoria Judiciária, Administração do Prédio do TJ e Assessoria Militar = 108 - Gab. Presidência, Assessoria de Comunicação, Gab. Vice-Presidência, ESMAC, Gab. da Corregedoria, Diretoria Geral, Diretoria de Finanças, Diretoria de Tecnologia da Informação, Diretoria de Planejamento = 108 - Auditoria de Controle Interno, Diretoria de Recursos Humanos e Diretoria Administrativa = 110 15h às 17h 208 - 1ª a 4ª Vara Cível, 1ª e 2ª Varas de Fazenda Pública, 1ª a 3ª Vara de Família e 3ª Serventia de Registro Civil = 113 - Vara de Órfãos e Sucessões, Delitos de Tóxicos e Acidentes de Trânsito, Adm. Fórum, Vara de Registros Públicos, Vara do Tribunal do Júri, Cartório do Avaliador/Contador, Auditoria Militar, Central de Mandados do Fórum = 116 - 1º e 2º Juizado Especial Criminal, Setor de Reclamação da Coordenação dos Juizados Especiais, Secretaria da Coordenação dos Juizados Especiais, Setor de Distribuição dos Juizados Especiais, 1º, 2º e 3º Juizado Especial Cível, Turmas Recursais, Juizado de Trânsito e Justiça Itinerante = 131 - Vara da Violência Doméstica, 1ª e 2ª Serventia de Registro Civil, 1ª e 2ª Serventia de Registro de Imóveis, 1º e 2º Tabelionato de Notas, Serventia de Registro de Protestos e Títulos Cambiais, Serventia de Registro de Títulos e Documentos, e Serventia de Distribuição = 72 Revista ESMAC AÇÃO Palestra: Ética nas Organizações Palestra: Perfil do Profissional no Mundo Moderno PERÍODO 09/03/2009 a 13/03/2009 HORÁRIO PÚBLICO-ALVO 15h às 17h ANEXO DO TJ = 105 - Juizado da Infância e da Juventude, Conselho da Magistratura, Diretoria Judiciária, Administração do Prédio do TJ e Assessoria Militar = 108 - Gab. Presidência, Assessoria de Comunicação, Biblioteca, Gabinete Vice-Presidência, ESMAC, Gabinete da Corregedoria, Diretoria Geral, Diretoria de Finanças, Diretoria de Tecnologia da Informação, Diretoria de Planejamento = 108 - Auditoria de Controle Interno, Diretoria de Recursos Humanos e Diretoria Administrativa = 110 - 1ª a 4ª Vara Cível, 1ª e 2ª Varas de Fazenda Pública e 1ª a 3ª Vara de Família = 101 - 1ª a 4ª Vara Criminal, Vara de Execuções Penais, Adm. Fórum Criminal, 4ª e 5ª Serventia de Registro Civil e CEPAL = 94 - Vara de Órfãos e Sucessões, Delitos de Tóxicos e Acidentes de Trânsito, Adm. Fórum, Vara de Registros Públicos, Vara do Tribunal do Júri, Cartório do Avaliador/Contador, Auditoria Militar, Central de Mandados do Fórum = 116 - 1º a 2º Juizado Especial Criminal = 26 - Setor de Reclamação da Coordenação dos Juizados Especiais, Secretaria da Coordenação dos Juizados Especiais, Setor de Distribuição dos Juizados Especiais, 1º a 3º Juizado Especial Cível, Turmas Recursais, Juizado de Trânsito, Justiça Itinerante e 3ª Serventia de Registro Civil = 116 - Vara da Violência Doméstica, 1ª e 2ª Serventia de Registro Civil, 1ª e 2ª Serventia de Registro de Imóveis, 1º e 2º Tabelionato de Notas, Serventia de Registro de Protestos e Títulos Cambiais, Serventia de Registro de Títulos e Documentos e Serventia de Distribuição = 72 16/03/09 a 27/03/09 209 CURSOS DE CAPACITAÇÃO PARA OS SERVIDORES - 2009 AÇÃO PERÍODO HORÁRIO PÚBLICO-ALVO Curso: Liderar Liderando Mudanças; Papel do líder na transformação da sociedade instituição; Estratégia de Vida; Atitudes e comportamentos do líder; Construindo equipes. A definir 14h às 18h Chefes dos setores de áreas elencados acima e de cada Unidade Judiciária Curso: Gestão da Qualidade: Visão Estratégica Valores, missão e visão de futuro; Objetivos estratégicos e fatores críticos de sucesso; Análise de ambiente e ações estratégicas; Garantia da gestão estratégica; Mediçãododesempenhodaempresa/ instituição A definir 14h às 18h Chefes dos setores de áreas elencados acima e de cada Unidade Judiciária. A definir 15h às 18h Todos. Curso: Técnicas para Negociações Introdução a Negociação; Concessões e poder na negociação; Estilos na negociação; Entraves à negociação e estratégias; Comunicação e ética na negociação 210 Revista ESMAC AÇÃO PERÍODO HORÁRIO Curso: Atendimento ao Cliente Bem tratado ou bem atendido? Momentos da verdade na empresa; Habilidades essenciais do profissional de atendimento; Os sete pecados do atendimento; A fórmula da satisfação do cliente; Agregar valor gera encantamento do cliente e pode gerar diferencial competitivo; Como lidar adequadamente com queixas, reclamações e clientes agressivos; Escada da lealdade; CRM (Customer Relationship Manegement); Tratamento de reclamações; Medindo a satisfação do cliente. A definir 15h às 18h Todos. Curso: Desenvolvimento de Equipes – Relações Humanas no Trabalho Relações Interpessoais; Processo de Comunicação; Ética e motivação; Formação e desenvolvimento de equipes; Inteligência emocional. A definir 15h às 18h Todos. A definir 15h às 18h Todos. Curso/Consultoria: D-Olho na Qualidade – 5S Preparando o ambiente; Praticando o descarte e a organização; Praticando a limpeza e a higiene; Praticando a ordem mantida. 211 PÚBLICO-ALVO Conforme o cronograma de atividades do CECAP, esses cursos serão realizados até o mês de julho deste ano. Repise-se que em rápida comparação do programa deste ano com o apresentado em 2008, fica evidente a mudança de parâmetros adotada pela administração para a capacitação dos serventuários do Poder Judiciário. No planejamento da capacitação para este exercício houve o cuidado de incluir no programa temas sensíveis ao universo pessoal dos servidores, o que certamente tornará as aulas muito mais interessantes e instigantes para eles, diminuindo a sensação de fadiga e cobrança dos cursos de natureza meramente técnica. Tome-se como hipótese o caso de agendamento de um curso de língua portuguesa. Não se desconhece a relevância do bom conhecimento do vernáculo para o desempenho com qualidade de qualquer atividade na administração. Ocorre que quando se anuncia para o servidor a realização de tal curso, a sua empolgação para participar das aulas seria menor do que para comparecer, por exemplo, a uma palestra sobre motivação. No caso acima, as aulas de vernáculo representariam a rotina, muitas vezes maçante, dos cursos de capacitação. A palestra sobre motivação, por outro lado, seria o novo horizonte capaz de arejar a rotina de trabalho do servidor. Não se está defendendo aqui, esclareça-se novamente, que as aulas puramente técnicas sejam consideradas de somenos importância para o aperfeiçoamento do servidor. Elas são, sim, relevantes para que o agente acompanhe a evolução do conhecimento na sua área de trabalho. Sem embargo disso, também devem ser socializados entre os servidores, em igual medida, os ensinamentos que possam conduzi-los ao essencial equilíbrio para uma sadia experiência profissional. Com esse espírito, o CECAP, de acordo com o programa expendido, ministrará aulas sobre ética nas organizações, inteligência emocional, motivação, liderança, espírito de equipe etc. Esses temas, de teor altamente humanista, sem dúvida levarão aos servidores uma visão mais otimista e tolerante a respeito do ambiente onde laboram, dos colegas e superiores com quem se relacionam e dos administrados a que servem. Isso no âmbito do Poder Judiciário é crucial, tendo em vista que nas unidades jurisdicionais impera certa frieza na execução das tarefas cometidas aos serventuários. Nesses locais, onde centenas ou milhares de processos fustigam diariamente a saúde dos servidores, a tensão do trabalho costuma sobrepor-se a qualquer tentativa de amenização da atmosfera pesada do ambiente. Por isso é importante que o CECAP, depois de ministrados os cursos, faça pesquisa entre os servidores para aferir a satisfação deles com as matérias expostas, bem como a efetiva influência desses conhecimentos para a melhoria do rendimento funcional no setor onde atuam. É alta a probabilidade de que a administração observe, após colhidos tais dados, expressivo aumento do grau de comprometimento do agente com a sua instituição, além da redução do estresse nas unidades jurisdicionais. Comprovado isto, nada mais teria ocorrido do que uma relação de causa e efeito: a 212 Revista ESMAC instituição valorizou o agente e este, em retribuição, reafirmou seu compromisso de atender às expectativas da instituição. Pena que o CECAP não inovou ainda mais e introduziu no seu programa a previsão de aulas de ginástica laboral para os servidores, a fim de mitigar o sedentarismo que permeia a maioria dos agentes do Poder Judiciário. 213 5. AS ATIVIDADES DA ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO ACRE - ESMAC 5.1 Origem e organização da ESMAC Outra fundamental instituição do Poder Judiciário do Estado do Acre para a promoção de eventos de capacitação é a Escola Superior da Magistratura - ESMAC, que encontra sua gênese legal no artigo 308 da Lei Complementar Estadual n. 47, de 22 de novembro de 1995. Prescreve o citado dispositivo: Art. 308. A Escola Superior da Magistratura, órgão de Apoio ao Tribunal de Justiça,promoveráaatualização,aperfeiçoamentoeespecializaçãodeMagistradoseservidoresdoPoderJudiciário,naformaestabelecidanoseuatoconstitutivoeporResolução do Tribunal Pleno. A história da ESMAC na verdade começou muito antes da edição da mencionadaleicomplementar,podendoserapontadooanode1987comoomarcoparaagênese da escola. Naquele ano, a Desembargadora Miracele de Souza Lopes Borges, então presidente da Associação dos Magistrados do Acre – ASMAC, apresentou projeto ao Pleno do Tribunal de Justiça para a instituição da Escola da Magistratura, que, aprovado por unanimidade, resultou na Resolução n. 34, de 05 de março de 1987. No limiar de suas atividades, a ESMAC realizou, em 18 de maio de 1988, o I Encontro de Estudos Jurídicos da Escola, do qual participaram os Ministros Ilmar Galvão, do Supremo Tribunal Federal, e Humberto Gomes de Barros, do Superior Tribunal de Justiça. A ESMAC intensificou suas atividades no período de 1993 a 1995, com a coordenação da Desembargadora Eva Evangelista, fase em que foram ministrados o I Curso de Estudos Jurídicos, o I Curso de Preparação à Carreira de Magistrados e o I Curso de Iniciação de Magistrados. No biênio 1998/1999, durante a gestão do Desembargador Jersey Pacheco Nunes Nunes, a ESMAC foi definitivamente integrada como órgão de apoio do Tribunal de Justiça. Aliás, em 28 de maio de 1998, em sessão administrativa ordinária, o Pleno do Tribunal de Justiça aprovou o Regimento Interno da ESMAC (Resolução n. 100). Na última escolha dos gestores do Poder Judiciário do Estado do Acre foi eleita a Desembargadora Eva Evangelista para a função de Diretora da ESMAC para o biênio 2009/2011. 214 Revista ESMAC A ESMAC atualmente tem a seguinte estrutura organizacional: Figuram atualmente como membros do Conselho Consultivo da ESMAC os Juízes de Direito Cloves Augusto Alves Cabral Ferreira, Laudivon de Oliveira Nogueira, Mirla Regina da Silva Cutrim, Maha Kouzi Manasfi e Manasfi, Olívia Maria Alves Ribeiro, Regina Célia Ferrari Longuini. 215 5.2 Os objetivos e finalidades da ESMAC Os objetivos da ESMAC estão descritos nos artigos 2º, 3º e 4º da Resolução n° 34, de 05 de março de 1987. São eles195: Promover cursos de preparação para a Magistratura; deontologia do Magistrado; atualização, aperfeiçoamento, especialização ou extensão para os magistrados; cursos jurídicos de extensão; atualização, aperfeiçoamento e especialização para os funcionários, servidores e serventuários do Poder Judiciário. A Escola Superior da Magistratura incentivará a pesquisa e o debate de temas relevantes, colaborará para o aperfeiçoamento dos atos de elaborar, interpretar e aplicar as leis, o desenvolvimento da ciência do Direito e o realizar da Justiça. (...) incentivará o intercâmbio cultural ou pessoal com as demais escolas de magistrados, associações de juízes, universidades ou fundações culturais do país e de outras nações. Evidencia o dispositivo o nítido objetivo da ESMAC de contribuir para o aperfeiçoamento dos serventuários do Poder Judiciário, incluindo-os nos eventos de capacitação promovidos pela escola. Deveras, a despeito de dirigir seus programas precipuamente para os magistrados, a ESMAC não deixa de propiciar a participação dos servidores nas palestras e cursos que promove. E não poderia ser diferente, porque o artigo 308 da Lei Complementar Estadual n. 47/95, transcrito alhures, comete à escola a tarefa de também promover a atualização, o aperfeiçoamento e especialização dos serventuários. A ESMAC, portanto, complementa as atribuições do CEPAC na formação dos serventuários da justiça, iniciativa que deve ser elogiada porque favorece a salutar integração entre os magistrados e servidores, estimulando o espírito de equipe nas unidades jurisdicionais. Com efeito, a excelência da prestação jurisdicional é o resultado da harmônica conjugação de esforços entre os magistrados, gestores das varas onde atuam, e os serventuários da escrivania. Não havendo sintonia administrativa entre o centro de decisões, representado pelo juiz, e os servidores da vara, dificilmente a engrenagem judiciária terá o funcionamento otimizado. A amplitude da atuação da ESMAC também está perfeitamente delineada no artigo 2º do Regimento Interno da escola, o qual descreve a finalidade da instituição. De acordo com esse dispositivo, a ESMAC tem a seguinte finalidade196: Propiciar meios para atualização, extensão, aperfeiçoamento e especialização para magistrados e demais operadores do Direito; preparar, doutrinária e tecnicamente, os candidatos a concursos de ingresso na carreira jurídica; buscar financiamento à fundo perdido nas instituições de fomento à tecnologia, pesquisa, ensino, extensão e estudos, a projetos que visem o aprimoramento dos operadores jurídicos e demais auxiliares da Justiça, a fim de melhor contribuírem para a prestação jurisdicional e consolidarem a importância e o prestígio do Poder judiciário; cultivar o respeito à pessoa humana e às instituições democráticas, concorrendo 195 Disponível em: < http://www.tjac.jus.br/esmac/objetivo.jsp>. Acesso em: 10.02.2009 . 196 Poder Judiciário do Estado do Acre. Escola Superior da Magistratura – Finalidade. Disponível em: <http://www.tjac.jus. br/esmac/finalidade.jsp>. Acesso em: 10.02.2009. 216 Revista ESMAC para a consciência da importância de que se revestem como pressupostos ao desenvolvimento de uma sociedade justa; promover a difusão dos princípios asseguradores da preservação dos valores morais e jurídicos, cultivando o ideal de Justiça e estimulando sua realização no meio social; desenvolver atividades culturais visando ao conhecimento, à análise e à avaliação da realidade social, jurídica, econômica e histórica da comunidade brasileira (...). ESMAC. Várias conclusões podem ser extraídas da declaração normativa da finalidade da Em primeiro plano, a escola tem a missão de fomentar o estudo do Direito entre os diversos profissionais da área jurídica, com maior destaque, naturalmente, para os magistrados acreanos. Há inclusive expressa referência ao preparo, intelectual e técnico, dos candidatos a concurso de ingresso na magistratura. A norma denota ainda preocupação com os aspectos éticos e morais que gravitam em torno da atividade jurídica, salientando que o respeito à pessoa humana e às instituições democráticas são pressupostos para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. 5.3 Programação da Escola Superior da Magistratura para 2009 Com relação às atividades do ano de 2009, a ESMAC estabeleceu como metas197: Meta 01 - Adequar a Escola Superior da Magistratura do Acre – ESMAC às orientações da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam. Meta 02 - Promover a formação continuada dos Juízes de Direito Substitutos destinada à habilitação ao vitaliciamento, conforme dispõem as Resoluções e Instruções Normativas nºs 01 e 02/Enfam, que estabelecem uma carga horária mínima anual de 60 (sessenta) horas-aula. Meta 03 - Promover o aperfeiçoamento contínuo dos magistrados vitaliciados, para fins de promoção por merecimento, nos termos da Resolução nº 125/2007, do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, e da Resolução e Instrução Normativa nº 02/Enfam que estabelece uma carga horária mínima de 40 (quarenta) horas-aula anuais. Meta 04 - Criar mecanismos ou instrumentos de avaliação permanente visando aferir o resultado e o aproveitamento dos magistrados nos eventos destinados ao vitaliciamento e à promoção por merecimento. Foram agendados os seguintes eventos para o primeiro semestre deste ano198: 197 Poder Judiciário do Estado do Acre. Escola Superior da Magistratura – Atividades Atuais. Disponível em: <http://www. tjac.jus.br/esmac/atividades_atuais.jsp>. Acesso em: 10.02.2009. 198 Poder Judiciário do Estado do Acre. Escola Superior da Magistratura – Eventos. Disponível em: <http://www.tjac.jus. br/esmac/eventos_esmac.jsp>. Acesso em: 10.02.2009. 217 MARÇO Solenidade de abertura Declaração de abertura dos trabalhos Desa. Eva Evangelista de Araújo Souza - Diretora da ESMAC Palestra - A Formação e o Aperfeiçoamento de Magistrados: o novo perfil das Escolas Estaduais de Magistratura Des. Pedro Ranzi - Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Acre Dia 19, quinta-feira, às 17h, no Plenário do Palácio da Justiça. Curso - Formação de Liderança – 15h/aula, credenciado pela Enfam, Portaria nº 58/08 Professor Doutor Paulo Motta – Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas - FGV Dias 20 e 21, sexta-feira e sábado, com início às 08h30min, no Plenário do Palácio da Justiça. Participação da ESMAC no XVI Encontro do Colégio Permanente de Diretores de Escolas Estaduais da Magistratura – COPEDEM Pauta: Proposta de modelo de avaliação destinada ao vitaliciamento e à promoção por merecimento de magistrados. De 26 a 28,quinta-feira a Sábado Cuiabá/Mato Grosso. ABRIL Curso - As Recentes Alterações Introduzidas no Código de Processo Penal Brasileiro – 15h/aula, credenciado pela Enfam, Portaria nº 142/08 Juiz de Direito e Professor Msc. Cloves Augusto Alves Cabral Ferreira Dias 20 e 22, segunda e quarta-feira, com início às 8h30, no Plenário do Palácio da Justiça. MAIO Atividade de multiplicação - Curso de Mediação e Técnicas Autocompositivas – promovido pela Enfam -15h/aula Juíza de Direito Olívia Maria Alves Ribeiro Juíza de Direito Mirla Regina da Silva Cutrim Dias 14 e 15, quinta e sexta-feira, com início às 15h, no Plenário do Palácio da Justiça. Atividade de multiplicação - Curso Impactos Econômicos e Sociais das Decisões Judiciais – promovido pela Enfam - 15h/aula, Juíza de Direito Regina Célia Ferrari Longuini Dias 28 e 29, quinta e sexta-feira, com início às 15h, no Plenário do Palácio da Justiça. 218 Revista ESMAC JUNHO Participação da ESMAC no XVII Encontro do Colégio Permanente de Diretores de Escolas Estaduais da Magistratura - COPEDEM De 18 a 21, quinta-feira a domingo, São Paulo-SP. JULHO Atividade de multiplicação - Curso Multidisciplinar Violência Doméstica e Familiar – promovido pela Enfam-15h/aula, Juíza de Direito Olívia Maria Alves Ribeiro Dias 02 e 03, Quinta e sexta-feira, com início às 15h, no Plenário do Palácio da Justiça. Curso - A Arte de Mediar. Capacitação e Formação de uma Rede de Mediadores na Amazônia Ocidental - Acre/Brasil – 15h/aula, credenciado pela Enfam, Portaria nº 86/08 Professora Msc Adriana Beltrame Data e horário a definir, no Plenário do Palácio da Justiça. Neste ano a escola já realizou eventos que contaram com o massivo comparecimento dos servidores. Nos dias 20 e 22 de abril, por exemplo, foi ministrado no Plenário do Palácio da Justiça o curso “As Recentes Alterações Introduzidas no Código de Processo Penal Brasileiro”, que teve como professor o Juiz de Direito Cloves Augusto Alves Cabral Ferreira, mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina. O curso, credenciado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, através da Portaria n. 142, de 19 de dezembro de 2008, objetivou promover a atualização de conhecimentos necessários à ação jurisdicional quanto às alterações introduzidas no Código de Processo Penal, em matéria de provas, procedimentos, e em especial, o novo procedimento do Tribunal do Júri199. Outro evento da ESMAC que despertou grande interesse dos servidores foi o Seminário “Depoimento sem dano – uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos processos judiciais”, ocorrido no dia 04 de maio deste ano, também no Plenário do Palácio da Justiça. Foram convidados para a função de palestrantes no evento o Juiz de Direito José Antônio Daltoé Cezar, a assistente social Vânea Maria Visnievski e a psicóloga Betina Tabajaski, todos atuantes na 2ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre/RS200. O evento, que é fruto de convênio firmado entre o Tribunal de Justiça 199 Poder Judiciário do Estado do Acre. ESMAC promove o curso “As alterações do Código de Processo Penal Brasileiro”. Disponível em: < http://www.tjac.jus.br/noticias/noticia.jsp?texto=7551>. Acesso em: 25.04.2009. 200 Poder Judiciário do Estado do Acre. TJAC e ESMAC realizaram seminário e curso sobre “Depoimento sem Dano”. Disponível em: < http://www.tjac.jus.br/noticias/noticia.jsp?texto=7755>. Acesso em: 08.05.2009. 219 do Estado do Acre e a Secretaria Especial de Direito Humanos da Presidência da República, abordou o delicado tema das crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual que são chamadas a juízo para relatar as difíceis experiências pelas quais passaram. Consoante a exposição dos palestrantes, esse menores, por sua condição de pessoas em desenvolvimento, devem ter tratamento diferenciado quando ouvidos pela autoridade, de forma que a tomada de suas declarações não intensifique os prejuízos psicológicos resultantes da violência praticada. O encerramento do seminário ocorreu no auditório da ESMAC, no último dia 06 de maio, onde novamente estiveram presentes magistrados e técnicos do Poder Judiciário. Das atividades desenvolvidas pela ESMAC no primeiro semestre deste ano igualmente merece destaque o Curso de Iniciação de Magistrados oferecido aos magistrados aprovados no último concurso para o provimento do cargo de juiz substituto do Estado do Acre, cuja abertura aconteceu no dia 20 de abril. O curso foi dividido em duas etapas. Na primeira, foi ministrado o tema, já referido, As Recentes Alterações Introduzidas no Código de Processo Penal Brasileiro. A segunda consistirá na exposição de diversos temas, como O Poder Judiciário no Acre – retrospectiva, atuação, compromisso com a missão, visão e valores, a Organização Judiciária e os Órgãos da Administração do Tribunal de Justiça e suas metas, Escola Superior da Magistratura do Acre sua importância na implementação dos novos paradigmas traçados pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), e O Juiz e a Ética - uma reflexão acerca dos valores e princípios que devem nortear a atividade judiciária, além de outros assuntos fundamentais para a formação dos novos magistrados. 220 Revista ESMAC 6. A REALIZAÇÃO DE PARCERIAS COMO ESTRATÉGIA FUNDAMENTAL PARA AS ATIVIDADES DE CAPACITAÇÃO 6.1 Definição de Parceria Vários são os fatores, internos e externos, que podem representar obstáculos à boa administração. Problemas como falta de recursos, carência de ferramentas ou de trabalhadores especializados com frequência desafiam o planejamento traçado pelos gestores, o que compromete, sem dúvida, a eficiência dos serviços. Diante de entraves dessa natureza, a instituição (pública ou privada) procura outras entidades que possam emprestar-lhes o auxílio necessário para superação do problema. Muitas vezes as entidades interessadas socorrem-se mutuamente, num intercâmbio de esforços para debelar suas dificuldades. Surge aí, portanto, a ideia da parceria como eficaz estratégia para a consecução dos fins da instituição. Com efeito, qualquer gestor atualmente sabe que a boa administração não se faz sozinho, sem a cooperação das demais empresas que atuam no mercado (ou no Poder Público, conforme o caso). No léxico encontramos os seguintes significados para a palavra parceria201: 1 União de duas ou mais pessoas, organizações, governos etc. para um certo fim de interesse comum; SOCIEDADE: parceria do Estado com o setor privado. 2 União de duas ou mais pessoas na realização de atividade artística, esportiva etc. Parceria público-privada 1 Econ. Modalidade de contrato entre o poder público e a iniciativa privada, na qual o primeiro contrata à segunda a criação e administração de empresa, serviço, instituição etc., pelos quais esta é responsável, mas com partilha dos riscos com o poder público. Nesse sentido, a parceria tem exatamente o significado de união, de convergência de esforços para atingir-se uma finalidade preestabelecida. No meio empresarial o termo parceria também designa a celebração de acordo entre forças econômicas com o escopo de reforçar ou recuperar o funcionamento da instituição. No ponto, considerando-se o prisma econômico, é interessante este conceito de parceria202: No âmbito econômico, entende-se por parceria a busca de completude entre duas pessoas jurídicas que livremente aceitem compartilhar experiências, desenvolver conhecimento ou articular especialidades, com o propósito de superar desafios e/ou usufruir de oportunidades que dependam de aliança entre organizações com trajetória, qualificação e missão próprias, mas com interesses ou aspirações convergentes. Pode-se compreender a parceria como o caso particular da associação, que reúne mais de duas organizações sob igual conceito. 201 PARCERIA. In: Aulete Digital – Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. Editor responsável: Carlos Augusto Lacerda. Rio de Janeiro: Lexikon Editora Digital Ltda., 2007. Software gratuito. Disponível em: http://www.lexikon.com. br/. Acesso em: 06/05/2009. 202 MELLO RAPOSO, Leandro Lamas. MR2consultoria.com.br, 10 de maio de 2006. Disponível em: http://www.mr2consultoria.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=114&Itemid=2. Acesso em: 06 maio 2008. 221 Sobre os diversos pontos de vista sobre o conceito de parceria, escreveu, em artigo publicado no site RITS – Rede de Informações para o Terceiro Setor, o educador Leandro Lamas Valarelli203: Parceria tem sido um termo bastante utilizado e difundido, buscando caracterizar o que seria um novo modelo de relação entre as várias organizações da sociedade: ongs, governos, agências multilaterais, fundações, igrejas, sindicatos, empresas, entidades assistenciais. Sua virtude viria do fato de enfatizar a atuação motivada por interesses comuns, ao invés do relacionamento pautado pelo conflito e pela concorrência. Cooperação e parceria têm sido apregoadas tanto como uma necessidade, quanto como um modo de atuação e, ainda, como um valor em si mesmo. Tão valorizada e ao mesmo tempo tão difícil de se construir! É preciso ter claro que são muitos os sentidos e práticas que a palavra pode designar, que se defrontam uns com os outros. A diversidade de grupos sociais e organizações atuando na sociedade, com interesses, trajetórias, valores e naturezas distintas, faz com que o que seja uma parceria para uns não seja necessariamente considerado como tal por outros. Mas a experiência acumulada nos anos recentes por parte de várias organizações sem fins lucrativos constitui uma referência importante do que vem a ser uma boa relação de parceria (...) Parceria tem sido a designação de certas formas de cooperação entre organizações que indica, antes de tudo, uma ação conjunta, motivada pela existência de interesses e objetivos comuns, na qual cada um aporta e mobiliza os recursos que dispõe para atingir estes objetivos. Não é o seu caráter legal ou formal que a determina. É mais precisamente, a qualidade da relação que a distingue. Ou seja, o modo como organizações com distintos interesses, poderes, recursos e atribuições constroem um espaço onde se comportam como iguais na definição dos objetivos comuns, dos papéis e da contribuição de cada uma. Neste sentido, a parceria se distinguiria da relação de contrato (como a prestação de serviços, por exemplo) porque nesta os objetivos e o que deve ser feito tendem a ser preponderantemente definidos pela parte que contrata, cabendo ao contratado cumprir a tarefa que lhe foi solicitada, quando muito negociando um ou outro aspecto. Certamente neste caso há uma satisfação de interesses tanto de uma quanto de outra organização: para quem contrata, o serviço a ser realizado; para a contratada, a possibilidade de obter recursos e desenvolver o seu trabalho. Infere-se, dessa forma, que embora a concepção de parceria possa variar de acordo com o ambiente em que ela for implementada, é fato que em todas as situações o termo é empregado como sinônimo de aliança coordenada para a concretização de algum objetivo. A Presidente do Centro de Voluntariado do Distrito Federal, Carmen Barreira, defende a observância de quatro etapas para que as organizações entabulem parcerias204: 1. 2. 3. 4. Identificação; Valorização; Negociação; Implementação. 203 MELLO RAPOSO, Leandro Lamas. MR2consultoria.com.br, 10 de maio de 2006. Disponível em: http://www.mr2consultoria.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=114&Itemid=2. Acesso em: 06 maio 2008. 204 BANDEIRA, Carmem. Uma questão para pensar: parcerias e alianças estratégicas. Disponível em: <http://www.rits. org.br/gestao_teste/ge_testes/ge_mat01_parc_parctxtpag00.cfm>. Acesso em: 10 maio 2009. 222 Revista ESMAC O transcurso dessas etapas compreenderia ainda sete passos que devem ser seguidos para facilitar a formação de parcerias ou alianças205: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Definir estratégias e objetivos; Avaliar parceiros em potencial; Avaliar as possibilidades e o que se oferece em troca; Definir a oportunidade; Avaliar o impacto da ação conjunta; Planejar a integração; Implementar a integração. As cautelas acima referidas são realmente importantes para o gestor no momento de cogitar a realização de parcerias, uma vez que a análise preliminar das prováveis vantagens e desvantagens da aliança servirá de indicador para aferir se haverá saldo positivo da empreitada. Isto porque a parceria, a despeito de sua utilidade, poderá, em certos casos, conduzir a organização a verdadeiras armadilhas, se o parceiro escolhido for inidôneo ou malintencionado. 6.2 A parceria a serviço da capacitação A formação de parcerias é ferramenta que pode ser empregada em qualquer setor ou atividade das instituições. Assim, como não poderia ser diferente, ela é extremamente profícua para os programas de capacitação. Aliás, não é descabido sustentar que a celebração de alianças tornou-se a base para a execução nas empresas – ou órgãos – dos projetos destinados ao aperfeiçoamento dos funcionários. Bom exemplo dessa assertiva foi o convênio firmado no ano de 2006 entre o Tribunal de Justiça do Estado do Acre e a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas para o oferecimento do Curso de MBA em Poder Judiciário para os magistrados acreanos. Há muitos exemplos de parcerias encetadas pelo Poder Judiciário do Acre destinadas à formação dos magistrados e serventuários. No período de 07 a 27 de fevereiro houve ciclo de palestras motivacionais dirigidas aos serventuários da Justiça, o que foi fruto de parceria específica entre o Tribunal de Justiça do Acre e o Sebrae/AC. Na avaliação da Chefe do CECAP, Gorete Bandeira, o aproveitamento dos participantes do evento superou as expectativas206. Essa mesma parceria igualmente ofereceu para os servidores a palestra Éticas nas organizações, no dia 02 de março, conduzida por Dinorah Soledade, especialista em gestão de pessoas e consultora do Sebrae207. 205 BANDEIRA, Carmem. Op. cit. 206 Poder Judiciário do Estado do Acre. Encerrado o terceiro ciclo de palestras motivacionais. Disponível em: http://www. tjac.jus.br/noticias/noticia.jsp?texto=7546. Acesso em: 08 maio 2009.. 207 Poder Judiciário do Estado do Acre. Ciclo de palestras debate a questão ética. Disponível em: http://www.tjac.jus.br/ 223 A ação conjunta da Procuradoria-Geral do Estado do Acre e do Tribunal de Justiça, com a colaboração da Justiça Federal e do Curso LFG, viabilizou a execução, nos dias 23 a 26 de março, do Curso de Redação Forense e Elementos da Gramática, ministrado pelo professor Eduardo Sabbag para magistrados, procuradores de Estado e assessores208. Diante dessas e de outras experiências da nova gestão do Poder Judiciário do Acre, conclui-se que ela está empenhada na constante busca de colaboradores interessados em ajudar no aperfeiçoamento dos agentes públicos. Assim agindo, a administração fortalece as relações institucionais, ao tempo em que amplia as opções e recursos para investir na formação dos seus servidores. Também no primeiro grau de jurisdição encontramos exemplos de esforços conjuntos entre o Judiciário com outras instituições para a capacitação de servidores. Foi o que ocorreu na Comarca de Cruzeiro do Sul, nos dias 13 e 14 de novembro de 2008, quando foi ministrado o curso Prisão e Liberdade para os servidores do Judiciário e do Ministério Público, que teve como professores o Juiz de Direito Giordane de Souza Dourado e o Promotor de Justiça Gláucio Ney Shiroma Oshiro, também idealizadores do projeto209. Nesse caso, a proposta e execução do curso partiram diretamente do Juízo da 1ª Vara Criminal daquela Comarca, que solicitou ao Tribunal de Justiça apenas o reconhecimento formal das aulas para a expedição de certificados para os participantes. 208 Poder Judiciário do Estado do Acre. TJAC e PGE promovem curso de capacitação. Disponível em: http://www.tjac.jus. br/noticias/noticia.jsp?texto=7518. Acesso em: 08 maio 2009. 209 MPE e TJAC realizam curso sobre prisão e liberdade em Cruzeiro do Sul. Página 20, 15 de novembro de 2008. Disponível em: http://www.pagina20.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2254&Itemid=21. Acesso em: 06 maio 2009. 224 Revista ESMAC 7. PROPOSTA PARA RECRUTAMENTO E INCLUSÃO DOS SERVIDORES COMO MULTIPLICADORES DOS EVENTOS DE CAPACITAÇÃO 7.1 Reconhecendo o talento A experiência demonstra que os programas de capacitação aplicados no Poder Judiciário de um Estado, ainda que muito organizados, não conseguem atender a todos os servidores integrantes da rede de trabalho. No caso específico do Poder Judiciário do Acre esse problema é agravado em face da quantidade de comarcas situadas em locais de difícil acesso, como as comarcas de Tarauacá, Feijó e Cruzeiro do Sul, para as quais o único transporte disponíveis na maior parte do ano é o avião. Por isso é bastante oneroso para a administração deslocar com freqüência equipes de treinamento para tais municípios, o que naturalmente priva os servidores neles lotados de muitos cursos de aperfeiçoamento. Em face desse difícil contexto, é forçoso para a administração procurar alternativas viáveis que possibilitem a chegada dos eventos de capacitação àqueles serventuários excluídos pela referida dificuldade geográfica. Uma das medidas que pode ser adotada pelo Poder Judiciário é o recrutamento de servidores que possuam certa aptidão para o exercício da docência, a fim de que eles, depois de receber o necessário treinamento, assumam a função de professores para os colegas da comarca. Com efeito, infelizmente os magistrados, normalmente sobrecarregados de processos e questões administrativas da unidade onde atuam, não costumam dispensar a devida atenção aos seus funcionários que ostentam grande capacidade de aprendizado e de socialização do conhecimento. Atualmente em quase todas as comarcas existem servidores graduados ou que estão concluindo algum curso superior. E muitos deles têm facilidade para assimilar temas e ensinamentos técnicos concernentes à rotina de trabalho, o que os coloca na condição de potenciais executores de programas de capacitação. Com o incentivo e investimento necessários, esses agentes, se bem aproveitados, oferecerão ao Poder Judiciário, em todos os grotões do Estado, equipes qualificadas para a implementação de projetos de aperfeiçoamento funcional. O primeiro passo deve partir dos magistrados titulares de unidades jurisdicionais ou que estão no exercício da titularidade, porquanto são eles que convivem diariamente com as pessoas que trabalham nas escrivanias e demais dependências dos fóruns. Nesse sentido, impõe-se aos magistrados: 1. Observar quais servidores apresentam, a princípio, condições intelectuais e emocionais para a função de professor; 2. Abordar esses servidores para integrá-los em programas de capacitação; 3. Esclarecê-los acerca da conveniência e vantagens da posterior multiplicação para os outros serventuários dos conhecimentos adquiridos nas aulas. 225 O recrutamento dos potenciais multiplicadores, assim, é feito pelos próprios magistrados, que devem sempre perquirir nas suas unidades quais os agentes com natural talento para assumirem papel ativo nas atividades de capacitação. A formação de servidores multiplicadores e instrutores já é realidade em várias instituições do Brasil, como no Estado de Santa Catarina, mas infelizmente não foi institucionalizada na Justiça acriana. 7.2 Formação dos agentes multiplicadores Superada a fase de recrutamento, os servidores interessados seriam inseridos pela administração nos projetos de capacitação agendados para o ano, de forma que tenham pleno acesso aos cursos e palestras ministrados pelo setor responsável pelo aperfeiçoamento – no Judiciário do Acre, o CECAP e a ESMAC. É claro que os futuros multiplicadores têm que receber treinamento complementar para posteriormente expor com clareza e didática a matéria para os colegas da comarca. Algumas lições básicas de pedagogia seriam essenciais para tanto. Depois de preparados, os multiplicadores retornariam à comarca, onde, sob a supervisão do juiz e do setor de capacitação, ficariam incumbidos de reproduzir para os demais serventuários os conhecimentos adquiridos. Em um exemplo prático, o processo seria este: a) o magistrado do interior, ciente de que ocorrerá na capital ciclo de palestras motivacionais, apresentará ao TJAC proposta de encaminhamento do servidor, previamente recrutado, para participar do evento e multiplicá-los futuramente na comarca; b) acolhida a proposta, o TJAC assegura a freqüência do servidor ao evento; c) antes de voltar a sua unidade, ele receberá do CECAP ou da ESMAC instruções sobre como deverá ser a dinâmica da multiplicação do evento; d) na comarca o juiz agendará com o servidor a multiplicação, informando ao TJAC quando ela ocorrerá, a fim de que o agente conte com todo o suporte necessário para a execução do trabalho. Naturalmente para o pleno êxito da idéia é importante que os agentes multiplicadores tenham algum incentivo financeiro, até mesmo para compensar as árduas horas-extras de trabalho empregadas na tarefa. A criação de gratificação para os multiplicadores seria uma maneira de garantir esse estímulo. 226 Revista ESMAC CONCLUSÃO Os estudos sobre capacitação tiveram expressivo avanço na última década, principalmente com a mudança de perspectiva sobre o tema que passou a considerar o ser humano - e não o mero técnico - como o valor mais importante dos recursos das instituições. As entidades passaram a aceitar novos enfoques que humanizaram os programas de aperfeiçoamento funcional, resultando em incremento da produtividade e do compromisso funcional dos agentes através de projetos que priorizam o crescimento pessoal, sem descurar, é claro, dos avanços técnicos cada vez mais presentes no mercado de trabalho. Foram popularizados nas empresas e no setor público conceitos como os de meditação, ginástica laboral, motivação, ética, entre outros claramente predestinados à valorização dos funcionários no ambiente de trabalho. As conseqüências desse verdadeiro arejamento do tema capacitação mostraram-se sobremaneira proveitosas para as instituições, que verificaram expressivo aumento da satisfação dos funcionários, visivelmente mais estimulados e preparados para a rotina laboral. Também se percebeu diminuição dos casos de doenças ligadas ao estresse no trabalho, na medida em que os agentes aprenderam a administrar melhor as pressões decorrentes das suas atividades. Pelo mesmo motivo, a convivência do funcionário com os colegas tornou-se mais tolerante, com incidência de menos atritos que comprometiam o bom funcionamento da organização. Nesse ponto, o investimento em cursos e palestras sobre inteligência emocional foi fundamental, por oferecerem aos participantes uma compreensão mais aguçada das relações humanas. Os administradores então entenderam definitivamente que a valorização do servidor, possibilitada por essas novas formas de capacitação, estava diretamente conectada à solidez das instituições. Valorizar o funcionário tornou-se sinônimo de investimento seguro na vitalidade da empresa. Mais do que nunca ficaram evidentes os reflexos psicológicos salutares dos eventos de capacitação com tratamento eminentemente humanista. No âmbito da administração pública, que por determinação constitucional deve investirem capacitação,essas mudanças estão sendo gradativamenteconsolidadas,comprojetos de aperfeiçoamento funcional inspirados nas experiências de sucesso observadas na iniciativa privada. Com isso, a administração vem obtendo resultados positivos na busca de mais eficiência na execução dos serviços públicos. O Poder Judiciário tem procurado acompanhar essa evolução, com vários projetos bem-sucedidos de formação de servidores e de magistrados, embora muitos ainda precisem de ajustes para enquadrar-se na nova proposta de capacitação. Tem relevância nesse contexto a atuação do Conselho Nacional de Justiça, o qual, valendo-se do seu poder regulamentar, produziu normas voltadas para a disciplina da capacitação dos magistrados. É o caso da Resolução nº 60, de 19 de setembro de 2008, que instituiu o Código de Ética da Magistratura Nacional, e da Recomendação nº 8, de 27 de fevereiro de 2007, que trata das atividades de conciliação. 227 No Poder Judiciário do Estado do Acre destaca-se na área de aperfeiçoamento funcional o Centro de Capacitação (CECAP), setor responsável pelo planejamento e execução das atividades de capacitação dos servidores. O CECAP realizou no ano de 2008 vários cursos e palestras para os serventuários da Justiça. Esses eventos, contudo, foram muito técnicos e pouco inovaram na exposição de matérias de natureza humanista. Já neste ano, com a mudança dos gestores do TJAC, foi elaborado outro programa de capacitação que adotou como paradigma o enfoque holístico nas atividades de aperfeiçoamento. A Escola Superior da Magistratura – ESMAC é outro órgão do Poder Judiciário do Acre com papel fundamental na formação dos magistrados e servidores. Suas atividades complementam a do CECAP e possibilitam a integração entre os juízes e serventuários. É possível concluir que os gestores do Judiciário acreano, notadamente a partir deste ano, com a posse da nova administração, estão empenhados em transformar os eventos de capacitação em verdadeiras ferramentas de fortalecimento da instituição através da valorização dos servidores. Eles perceberam que realmente essa é a grande tendência seguida pelas entidades que acompanham as mudanças sociais e observam quais são as atuais exigências da coletividade. A sociedade efetivamente se encontra na era da informação, da universalização do conhecimento e da troca de experiências entre os povos. É exatamente por isso que a capacitação deve ser realizada de forma a preparar o profissional para os infindáveis desafios impostos pelo mundo globalizado. Com essa noção de conjunto, do todo, os agentes que administram o Poder Judiciário ficam em condições de criar um ambiente de proximidade com os jurisdicionados. E o grande elo de ligação para tanto são os serventuários da instituição, que tratam diretamente com os destinatários dos serviços. Esses serventuários, que estão na linha de frente, devem ter o equilíbrio e o preparo adequados para tal missão. Daí ser imperiosa a reformulação da concepção de capacitação, defendida ao longo deste trabalho. A capacitação, pois, deve encerrar formação humanística, com apreço especial pela ética e pela inteligência emocional. Novos tempos exigem novas formas de aprendizado. Há muito ainda o que fazer no Brasil para chegar-se a esse nível de evolução. Mas a renovação já foi iniciada. No Poder Judiciário do Estado do Acre certamente os primeiros passos foram dados. Vamos torcer para que não haja desvios no caminho. 228 Revista ESMAC REFERÊNCIAS ABREU, Luciane Ferreira de; MEIRA CORDEIRO, Rosiane Aparecida. Aprendizagem e auto-estima no processo de capacitação empresarial. Disponível em: <http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/AA30973A12A7413583257302005BEB6D/$File/Monogr afia%20psicopedagogia.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2008. BALLESTERO ALVAREZ, Maria Esmeralda. Administração da Qualidade e da Produtividade. São Paulo: Atlas. BANDEIRA, Carmem. Uma questão para pensar: parcerias e alianças estratégicas. Disponívelem:<http://www.rits.org.br/gestao_teste/ge_testes/ge_mat01_parc_parctxtpag00. cfm>. Acesso em: 10 maio 2009. BECKERT, Mara. Capacitação e Desenvolvimento de Pessoas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005. BORGES DE FREITAS, Graça Maria. A reforma do Judiciário, o discurso econômico e os desafios da formação do magistrado hoje. Disponível em: <http://www.mg.trt.gov.br/escola/ download/revista/rev_72/Graca_Freitas.pdf>. 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Curitiba: Editora Lovise Ltda, 2002. 231 O MAIOR APROVEITAMENTO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS NAS MODALIDADES DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE (OU A ENTIDADES PÚBLICAS OU PRIVADAS, COM FIM SOCIAL), PREVISTAS NO ART. 43 DO CÓDIGO PENAL, APLICADAS EM JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL ESTADUAL A UM SENTENCIADO, PELA COMUNIDADE QUE ELE INTEGRA. COMO TAIS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS SÃO MAIS EFETIVAS DO QUE AS PENAS PRISIONAIS. INFORMAÇÕES DO PRIMEIRO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE RIO BRANCO-ACRE E OUTROS DADOS DE VERIFICAÇÃO. José Augusto Cunha Fontes da Silva INTRODUÇÃO Este Trabalho de Conclusão de Curso, ora apresentado para a Fundação Getúlio Vargas, por sua Escola de Direito do Rio de Janeiro/RJ, segue o Projeto de Pesquisa antes elaborado, com modificação pequena. A referida modificação é quanto a “uma visão baseada em dados do Primeiro Juizado Especial Criminal de Rio Branco”, conforme consta no Projeto de Pesquisa. Com o desenvolvimento do trabalho, o aluno percebeu que os dados, por exemplo, do Ministério da Justiça (Departamento Penitenciário Nacional), de Juizados Especiais Criminais outros, como de São Paulo/SP, e experiências do Rio Grande do Sul quanto à aplicação de penas alternativas à prisão, tornariam a abordagem do tema mais interessante, abrangente e significativa. E notou que uma comparação com a pena prisional poderia melhor refletir a valoração das penas restritivas de direitos selecionadas. Dados do Primeiro Juizado Especial Criminal de Rio Branco/AC estão incluídos neste Trabalho de Conclusão de Curso, mas esses dados não serão a referência principal. No mais disso, o tema está mantido, quanto a procurar verificar se as penas restritivas de direito, nas modalidades de prestação pecuniária alternativa e de prestação de serviços à comunidade, aplicadas a sentenciados em Juizados Especiais Criminais, através, principalmente, de transação penal, são aproveitadas pela comunidade por eles integrada. Para tanto, o trabalho desenvolve uma linha de comparação entre a aplicação dessas penas restritivas de direitos e a aplicação da pena de prisão, procurando mostrar em quê aquelas são melhores, mais efetivas e de maior retorno social do que as penas prisionais, sendo este um prolongamento do tema que consta no corpo do Projeto de Pesquisa. As sanções restritivas de direitos foram previstas na busca visível de penas alternativas à de prisão e a evolução de suas aplicações e das possibilidades de cabimento também está enfocada no trabalho, inclusive, com abordagens sobre princípios e valores que determinaram a inclusão dessa visão humanitária no nosso ordenamento jurídico. E aqui a intenção é demonstrar que a alternatividade à prisão, através de penas restritivas de direitos nas indicadas, é o caminho mais adequado a ser trilhado pela Justiça Penal, para ressocializar os apenados, para evitar a reincidência, para dignificar as penas e, dentre outros aspectos abordados, para atribuir função mais útil às sanções, com retorno social e aproveitamento comunitário. 232 Revista ESMAC 1. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE O DIREITO PENAL: O Direito Penal usa as penas ou sanções criminais como meio para realização de suas finalidades, tais como combater os crimes e punir as transgressões. Desde antes do Direito Penal já existiam remotas penalidades, antes mesmo da existência de regras justificadas, consolidadas ou sistematizadas, ainda que rudimentares. As penalidades remotas eram advindas de sentimentos, de instintos e de reações baseadas na preservação dos indivíduos e também fincadas em rechaçar condutas ou replicar atos, sob o signo da vingança. O Direito como regra de conduta social vem surgir com as sociedades politicamente organizadas. Como conceitua Dalmo de Abre Dallari, em sua obra Elementos de Teoria Geral do Estado (São Paulo: Saraiva, 1998), as sociedades politicamente organizadas são as que, “visando a criar condições para a consecução dos fins particulares de seus membros, ocupam-se da totalidade das ações humanas, coordenando-as em função de um fim comum”. Assim, o Direito Penal se relaciona com o surgimento das sociedades, mas nasce e brota a partir de sentimentos de vingança e de retribuição, muito mais do que de sentimentos de justiça. Interferências religiosas (crenças) e da igreja são decisivas em sua evolução e sua caminhada segue a trilha da própria evolução do Estado. No seu livro Lições de Direito Penal (4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1980), Heleno Cláudio Fragoso afirma que “o primeiro direito é o Direito Penal”. A história da pena pode ser dividida em etapas nas quais, numa sequência inicial, figura a fase da pena sacral, de cunho preponderantemente religioso, exercida pelo ofendido ou por seus parentes como vingança de sangue (minimizando a ira dos deuses), e também podia ser exercida por sacerdotes (bruxos, magos, feiticeiros ou afins) para quem se destinava o poder-dever de aplicar os castigos. Ali, a pena era uma expiação religiosa, o que denota os aspectos da fé, das devoções e das crenças intrincados com o Direito. Na continuação evolutiva, e bem adiante, a vingança de sangue (antes com base religiosa) passa a ser reação penal com fundamento na dor da vítima, no sentimento coletivo de punição ao ato censurável, o que leva para a esfera privada. Daí em frente vai ocorrendo restrição à vingança privada, delimitada pelo talião, e crescendo o monopólio do Estado em face da justiça punitiva, o que vai tornando públicas as penas. É tal caminho que procuraremos demonstrar em seguida. Nesse varadouro histórico, ocorreu que, vivendo em grupo, o homem precisou de vínculos para regular as relações e o convívio intersubjetivo, nem sempre pacífico ou sereno. Da base dos costumes, das tradições, das crenças, do misticismo, dos tabus e até dos temores e das superstições, as regras originárias tinham orientação sacral e cunho no restabelecimento de uma proteção superior. Ocorreram idéias de totem (representação da entidade protetora do grupo, a representação do deus que dava proteção àquele grupo); e tabu (lei de comportamento). A punição de um, procurava restaurar a proteção afastada a partir da ofensa e a punição possibilitava a reconciliação. Num contexto assim, a pena foi mesmo um revide, uma vingança, e era desproporcional à ofensa, pois a maior intenção não era aplicar justiça nem equidade. Depois a pena foi deixando a idéia de restauração da proteção sacral e veio a perseguir os interesses do grupo. Adiante no tempo, surgem penas outras como a de perda da paz (infrator banido do grupo), por exemplo. Mas aspectos religiosos e de costumes constantemente estiveram ligados ao Direito Penal. Na raiz, as devoções, superstições e temores 233 traduziram base mais religiosa do que jurídica, ainda que o crime viesse a incorporar um ferimento à ordem jurídica fixada pelo Estado. E assim veio ocorrendo, com a introdução pelas pessoas, pelos grupos e pelo próprio poder estatal, na aplicação do Direito, de vários aspectos, critérios, idéias, tendências, valores e conceitos. É a ordem natural das coisas que segue um rumo constante de mudanças, transformações e novos interesses. Desse percurso inicial nas primeiras linhas resumido, se infere que o Direito Penal se evidenciou, com substância, após o período da barbárie. Historicamente surgiram fases, como a da retribuição, a das composições e a da vingança privada, para o posterior engajamento do Estado, com a instituição de um poder atuante em nome das coletividades e dos interesses grupais, ou seja, dos interesses públicos. Primitivamente não existia um sistema institucionalizado como Direito. Ao ocorrer um delito, a pena aplicada não era proporcional ao tipo do crime ou a sua gravidade. Eventos da natureza, fenômenos, desastres e catástrofes eram tidos como castigo divino. Só depois adveio um poder público e central com objetivo de ordenar e atuar para resguardar os interesses grupais. Nas remotas civilizações, já organizadas e apresentando sistemas sociais, econômicos e políticos, o expoente era um soberano, representante do poder absoluto estatal. A seguir, pelo próprio curso da evolução do Estado e do Direito, os ordenamentos passaram a contemplar a idéia de atuação pública e de busca do justo, com penas pensadas para ser proporcionais ao ato ou à transgressão sob censura, à sua gravidade e às suas circunstâncias. E nessa evolução, vai nos interessar objetivamente, já no Brasil, o surgimento e a aplicação de penas alternativas à prisão, especificamente, as de prestação pecuniária alternativa e de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas ou privadas. Mas vamos a um histórico mais específico do Direito Penal, para depois passarmos às penas e à abordagem delimitada. Na fase da Vingança Privada, os parentes da vítima exerciam vingança própria, a seu talante. Ocorreram rivalidades que se estenderam por várias gerações, com repetidas brigas, conflitos e execuções, caracterizando largamente as vinganças privadas, com registros de violências entre famílias que culminaram com a eliminação completa de núcleos rivais. O Período Antigo iniciou por volta do ano 4.000 antes de Cristo. Era tempo das primeiras civilizações com organização sócio-político-econômica e com um soberano representando o poder absoluto estatal. Começavam a ser dados passos públicos para o combate aos crimes. É a época da Lei de Talião, também amparada em aspectos místicos. Com ela, engatinhava a idéia da proporcionalidade e da relação entre o crime praticado, seus efeitos e conseqüências; e a sanção a ser ministrada. Surgiu a hipótese de quitação por valores, que seria hodiernamente traduzida como a composição civil que passou a ser prevista na Lei nº 9.099/95, ou como a pena pecuniária, largamente utilizada desde então, por ordenamentos de todo o mundo e ainda perene em nosso ordenamento jurídico, como em vários outros. Já aí se podia sentir que essa modalidade de pena trazia cunho de dignidade, de respeito ao sentenciado, com incipiente senso humanitário, que evitava a adoção de penas severas ou cruéis, mas também com forte interesse em auferir divisas, pelo soberano ou pelo ente estatal, com tais imposições. A intenção inicial de destinar a pena pecuniária em favor da vítima, como ressarcimento ou indenização, ainda no limiar de sua utilização como sanção, foi paulatinamente recebendo a conjugação obrigatória da destinação de parte da pecúnia para o Estado, e logo, 234 Revista ESMAC a parcela pública foi se tornando maior do que a parcela da vítima, até subjugá-la. Num rápido comentário sobre a atualidade, o que se vê na aplicação brasileira mais recente, pelo Código Penal ou pelas leis esparsas (especiais), é que a pecúnia, pela pena de multa em senso estrito, é destinada a um fundo de manutenção e aparelhamento penitenciário; e as penas pecuniárias alternativas podem ser destinadas tanto à vítima, quanto a entidades assistenciais, beneficentes, creches, educandários, asilos e outras, dentre várias de objetivos sociais, humanitários, culturais ou educacionais, conforme indicação e aceitação dos envolvidos, dos advogados, do Ministério Público e do magistrado, naquele caminho do aproveitamento. Fase de Vingança Divina refletiu o temor humano pelos desígnios dos deuses, e esses desígnios representavam castigos. Fenômenos naturais e de saúde, como doenças endêmicas, pestes, inundações, secas ou tempestades, eram punição divina. As codificações eram tidas como intervenção celestial das entidades aos soberanos ou governantes, cujas atuações legislativas eram delegação dos deuses. Esse poder divino deu influência e inspiração a códigos, como o de Hamurabi e o de Manu. Havia previsão de submissão a provações que poderiam determinar a culpa do submetido, caso este não resistisse aos suplícios. O Ordálio era um desses procedimentos, utilizado para verificar a culpabilidade dos imputados de crimes, com submissão deles a provas cruéis de resistência. A eventual inocência se verificaria caso o imputado resistisse às provas. A Fase da Vingança Pública nasceu da evolução social, como necessidade para amparar o poder, qualificar o soberano e manter o Estado. O crime passou a ser visto como prática marginal às regras da sociedade, à ordem coletiva e pública, como abalo ou ameaça ao bem-estar e à paz social. O Estado se organiza e dita sanções e penas, caracterizando condutas e regras sociais. Essas normas coletivas são leis criadas para garantir a ordem e ainda havia muita influência da religião no Direito. Apesar da estruturação incipiente, o marco restou bem patente. O Direito Grego teve base sacral face às punições. Apresentou traços de conjugação do interesse público com o Direito Penal, apesar da grande proximidade com a Filosofia. Mostrou divisão dos delitos, separando infrações contra a divindade e contra o semelhante. Deu relevo à função preventiva criminal. O Direito Hebreu, com o Talmud, destacou a pena de multa, a despeito do Talião, e também aplicou concomitantemente as penas de multa e de prisão. O Direito Romano foi um Direito fincado sobre bases de praticidade, como busca pela consideração do justo cotidiano. Apresentou a iniciativa para separação objetiva entre Religião e Direito. Com isso, o Direito começa a ter definições e conceitos a ele pertinentes. A separação se torna visível. Neste momento histórico, os casos eram analisados com suas especificidades e ocorreu separação entre os crimes chamados públicos (crimina publica, considerados como tais aqueles contra a segurança da sociedade; contra a segurança interna ou externa do Estado) e crimes chamados particulares (delicta privada, que eram infrações menos graves, contra pessoas, de forma mais individualizada). No trilhar evolutivo, o homicídio passa a ser crime público e delitos considerados de maior repercussão, gravidade ou interesse, foram nominados como extraordinários. A pena se torna, igualmente, uma sanção pública, sendo utilizadas as de exílio e de deportação para casos muito graves, como alternativas à pena de morte. As penas principais eram: supplicium (execução), damnum (pagamento) e poena (indenização, principalmente às lesões). Passaram a ser utilizados institutos jurídicos como 235 dolo (bonus e malus) e culpa (leve e lata); imputabilidade (menores e doentes mentais) e erro, dentre outros. O Direito Germânico partiu dos costumes, da visão consuetudinária. Foi pluralista e prestigiou as práticas comunitárias e tribais. Tinha característica de objetivar castigo e força na aplicação das sanções, até mesmo na ocasião dos julgamentos, mediante utilização, em determinados casos, do Ordálio e de duelos. Referendou conceitos da Lei de Talião. Acolheu a pena e a composição pecuniária, para certos crimes, ponderada a gravidade. Adotou entendimento de que o elemento subjetivo e a culpa tinham relevo secundário. O resultado da ação, as conseqüências e o dano causado embasavam as sanções. Penas principais: Wehrgeld (indenização e submissão do infrator), Busse (multa para o ofendido) e Friedensgeld ou Fredum (pagamento ao soberano). A pena passava da pessoa do condenado, caso morresse antes de cumpri-la. O Direito Canônico não usou da força nos julgamentos e nas condenações, que buscavam a reintegração do apenado ao seu grupo, sendo também um modo de pagar pelos seus pecados. Relevou o elemento subjetivo. A pena era uma imposição e um sofrimento a vencer para auferir o perdão e a salvação. Este direito teve grandes influências do Cristianismo. Existiram tribunais eclesiásticos que processavam crimes como delicta eclesiástic; e tribunais leigos, para delicta mere secularia e para delicta mixta (contra a ordem divina e a humana). Havia penas espirituales (penitência, excomunhão) e penas temporales (conforme o bem atingido). O Direito Medieval fez uso de práticas cruéis para intimidação, com variações segundo a situação do réu na sociedade e no meio político. O Direito Medieval teve influência do Direito Romano, do Germânico e do Canônico, e foi tido como pluralista. O Período Humanitário ocorreu no século XVIII, durante o Iluminismo, apresentando caminhos e sedimentação para a formação do chamado Direito Moderno. Era contrário à retribuição, visualizando a finalidade da pena na utilidade social e comum. Adotou a proteção da liberdade individual, a abolição da tortura e afastou-se do amparo apenas religioso ou moral. Idéias novas e grandes nomes integraram a evolução do Direito Penal, desde o Direito Primitivo. Cesare Beccaria, autor do livro Dos Delitos e das Penas (Bauru: Edipro, 1997), por exemplo, foi um expoente. Ele criou propostas de modelo penal fundado em leis e conceitos morais. Buscava fins utilitários e políticos e a formulação de leis objetivas e claras, com penas voltadas para reintegrar socialmente o sentenciado. Suas idéias traziam veio social. A prova sobre fatos deveria trazer meios humanos de comprovação, como o depoimento de testemunhas. Foi contrário a interpretações distanciadas da norma e favorável a penas proporcionais, na expectativa de manter a ordem social, mas sem uso de penas muito rigorosas ou violentas. O Período Criminológico trouxe o estudo de delinquentes sob prismas biológicos e sociais, identificando perfis criminológicos e analisando detidamente o crime, além dos conceitos do núcleo tipificado. No Brasil, atualmente, há procedimento semelhante no exame criminológico feito nos delinqüentes, com base em antecedentes, no ato praticado, em avaliações médicas e psicológicas e em testes pertinentes, principalmente, na execução penal, regida por lei especial. Na execução penal de apenados encarcerados, há também o relatório carcerário, que embasa 236 Revista ESMAC eventuais progressões de regime de cumprimento da pena ou a obtenção de benefícios aos presos. Voltemos ao roteiro. A Escola Clássica teve períodos, como o filosófico (teórico) e o jurídico (prático). Defendeu o livre arbítrio como base e pressuposto para a aplicação de penas e verificação da responsabilidade. O Direito foi tratado como ciência jurídica, do que derivou a utilização do sistema dedutivo ou lógico-abstrato (por ser uma ciência jurídica). Rejeitou interpretações genéricas e indutivas. Afirmou o caráter individualista e científico da aplicação do Direito. No período desta escola, Beccaria é o precursor do Direito Penal Liberal e Francisco Carrara é tido como o patrono da Dogmática Penal. A Escola Positiva foi contrária à Clássica, considerando o criminoso como produto de fatores sociais, morais e físicos. Seu método era o indutivo, no estudo do Direito. O delito não era considerado um ente jurídico, mas um fato humano, natural e social. Nesta escola, César Lombroso apresentou a idéia da concepção biológica do crime, com método experimental em seu estudo. Afirmava que certas características físicas e psíquicas do criminoso eram inatas. A Escola Positiva tinha grande tendência ao tecnicismo jurídico-penal e defendia a aplicação da lei do Estado, das regras postas e do ordenamento. Vale mencionar, ainda, a existência de Escolas Mistas ou Ecléticas, que surgiram com a reunião de conceitos e princípios positivistas e clássicos, conciliando-os. Pontos básicos: respeito à personalidade do Direito Penal, que não pode ser absorvida pela Sociologia Criminal; não aceitação do tipo criminal antropológico; visão do delito como causalidade e não como fatalidade. A pena tem função defensiva ou preservadora da sociedade. Outras escolas: a Escola Moderna Alemã (Von Liszt), com destaque para a separação de pena e medida de segurança, distinguindo o Direito Penal das demais ciências e acolhendo o delito como um fato social-humano e como fato jurídico. E a Escola Humanista, mais liberal e flexível quanto ao infrator. 237 2. ESPÉCIES DE PENALIDADES: As primeiras penas de que se tem notícia incluíam diversos castigos corporais e até a morte. Houve a chamada perda da paz, que era a expulsão do apenado do meio em que vivia (clã ou grupo), o que geralmente resultava em morte, pelas grandes dificuldades de sobrevivência em se vivendo isolado, ante as adversidades e as forças rudes e hostis da natureza. Os principais castigos noticiados eram a tortura física, a degradação social, a expulsão do grupo e as penas financeiras. A expulsão do grupo ocorria pela morte, pelo exílio, pela prisão ou por meios mais sutis, como marcar com ferro em brasa, mutilar ou degradar os condenados por diversos outros meios. Sobre as principais penas verificadas na evolução histórica, vamos a um resumo. A pena de morte teve maior e menor uso durante o tempo e variou em forma de execução, dependendo de onde foi aplicada, observado que ela ainda subsiste. Nos primórdios existiram execuções cruéis, praticadas contra as pessoas através, por exemplo, de submersão em óleo fervendo, de queimar em fogueira, do suplício da roda, de afogamento e de empalação. Como passar histórico, a crueldade foi sendo trocada por execuções rápidas e por algumas menos dolorosas. Edwin Sutherland, na obra Princípios de Criminologia, traduzida por Asdrúbal Mendes Gonçalves (São Paulo: Martins Editora, 1949) noticia uma sentença oriunda de Nova Iorque, em 1712, contra um escravo, que lhe impunha “ser queimado a fogo lento de modo que se prolongasse o seu tormento por oito ou dez horas e continuasse ardendo no dito fogo até que se seguisse a morte e a incineração”. Com o crescer das tendências humanitárias, as penas cruéis foram sendo deixadas de lado e a rudeza do período medieval foi sendo substituída por formas menos incisivas de se executar a pena de morte. Pelos idos dos séculos XVII e XVIII, a pena de morte deixou de ser cominada a crimes religiosos, como acontecia muito até ali, passando a ser imposta principalmente em crimes contra a propriedade. As classes economicamente dominantes influenciavam, e passaram a contestar a amplitude das sentenças de morte (instrumento de garantia da ordem e do poder). As imposições passaram a ser menos executadas, pelo esvaziamento da capacidade de intimidação da pena capital e seu descrédito perante a sociedade à época em ebulição. Começaram a surgir defensores da idéia de que toda e qualquer pena teria que ser reparável ou revogável, e que a pena de morte era uma pena irreparável. A pena de morte até hoje é aplicada em alguns lugares. Nunca deixou de receber variadas e fortes críticas. Foi sendo abolida de diversos ordenamentos jurídicos, face à repulsa da maioria dos povos, governos e sistemas penais. Nos Estados Unidos - no Texas e na Flórida, por exemplo - a pena de morte é usada em casos de crimes contra a vida, de acordo com a intenção. Mas não se vêem mais, e ainda bem que é assim, expoentes doutrinários, grandes pensadores do Direito ou penalistas a defender o uso de tal pena, independente do crime praticado. As legislações, os operadores e os estudiosos são, em significativa maioria, contrários à pena capital, e as modernas legislações são tendentes a maior humanização das penas, a maior utilidade e efetividade das execuções penais e a maior participação das comunidades e das próprias vítimas no acompanhamento do cumprimento das penas. Disso resulta crer que a pena de morte está a caminho da sala de execução. 238 Revista ESMAC Tortura física. O castigo corporal ou suplício esteve incluído na maioria das sociedades como meio de punição. Nos tempos medievais e no início dos tempos modernos existia considerável variedade de castigos. As modalidades de suplícios traziam moldes de cerimônia e as execuções redundavam em um evento coletivo com certo tom festivo, que provinha do cunho sacral da pena, tida como uma expiação. Estas penas tiveram, junto com a sacralidade, aspectos políticos. Como explica Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir: História da violência nas prisões, traduzida por Lígia M. Ponte Vassalo (3ª edição. Petrópolis: Vozes, 1984), o suplício: “entra logicamente num sistema punitivo, em que o soberano, de maneira direta ou indireta, exige, resolve e manda executar os castigos, na medida em que ele, através da lei, é atingido pelo crime. Em toda infração há um criminen majestatis, e no menor dos criminosos, um pequeno regicida em potencial”. Sendo superada a vinculação entre matéria penal e religião (que se efetivou em fins do século XVIII e início do XIX), as mencionadas cerimônias de punição foram deixadas no passado. Aos poucos, a execução dos suplícios perdeu o jogo de cena e o tom de espetáculo, pela negatividade do evento, que era um ritual tão reprovável quanto o crime que o originara. E assim, como já ocorrera com a pena de morte em execuções cruéis, tais penas, mesmo aplicadas, foram deixando de ser executadas. Degradação Social. A vergonha e a humilhação eram castigos que visavam atingir o status social do apenado, temporária ou permanentemente. Foi usada do começo do século XVI ao fim do século XVII, para crimes como, roubo no peso, mendicância, rixa, embriaguez, furto, agitação, falsificação e blasfêmia, dentre outros. Castigos como, marcas com ferro em brasa, mutilações e pelourinho, atingiam a integridade física do apenado, mas o fito principal era causar a vergonha pública. A degradação foi sendo deixada pela constatação da sua inutilidade. O apenas sofrer não se traduzia em recuperação ou em ressarcimento. Para piorar, quem estava estigmatizado tinha grandes dificuldades para obter emprego ou trabalho, e para retornar ao normal convívio grupal, e assim, ficava mais propenso a novamente delinquir. O exílio e o degredo. A proscrição foi mais ou menos aplicada por quase todas as sociedades. Na sociedade primitiva o degredo era como uma pena de morte, em razão da ausência da proteção do agrupamento social e submissão a perigos e adversidades de uma vida isolada. Depois, na Roma antiga, o exílio podia se configurar pela proibição de entrada em certo espaço territorial ou na área da cidade; ou de saída, quando se era enviado para uma ilha, por exemplo. As penas poderiam ser perpétuas ou temporárias. Na modernidade, o degredo foi legalizado na Inglaterra em 1597, e se aplicava a vagabundos e a falsos mendigos, por exemplo. Posteriormente, a partir de 1671, os condenados ingleses passaram a ser enviados para suas colônias norte-americanas (até a Revolução Americana), e depois para a Austrália. Muitos réus que escapavam da sentença de morte eram submetidos ao degredo, que, nas ocorrências mais leves, podia se traduzir na expulsão da comarca. O mais usual, porém, era o exílio em colônias, até como forma de viabilizar as conquistas, o povoamento e a manutenção de novos territórios. O degredo podia ser perdoado, em situações de guerra, caso o condenado aceitasse lutar e fosse bravo. Forma grave de degredo era o trabalho forçado em embarcações. Mesmo em caso de guerra, não tinha hipótese de comutação. Foi pena 239 de utilização menos usual do que a pena de prisão (reservada a crimes relativamente triviais). As penas de morte e de degredo eram destinadas para condenados em crimes mais graves. Portugal usou o degredo enviando condenados para suas colônias no Brasil e em Angola. A Rússia fez o mesmo para a Sibéria. A Itália, para as ilhas ao longo de sua Costa. O exílio não se mostrou eficaz para reeducação. Como era fortemente reprovado pelas colônias e era também muito dispendioso para a metrópole, foi sendo abandonado, visto que também as conquistas e colonizações foram perdendo espaço. O que se vê hoje, em casos políticos, quando há perseguição de alguém dentro de seu país, é a busca por asilo político em outro país, pelo perseguido. Ao inverso do exílio, no asilo, o perseguido é acolhido no país asilante. A citação aqui cabe e serve para demonstrar a humanização que vem sendo adotada nos tempos atuais pelas nações. E neste caso de asilo, inclusive, como modo de prestigiar a idéia do homem como irmão do homem, como modo de tentar dar ao homem novas oportunidades de viver uma vida normal e digna e para afastálo de possíveis atos injustos. As penas financeiras. As sanções que incidem sobre o patrimônio (valores, bens e afins) dos condenados são muito antigas. Começaram sendo aplicadas como confisco geral de propriedade. As multas concomitantes coexistiram com o confisco. Essa espécie de pena é pertinente aos grupos sociais com organização política mais disciplinada, em fase de maior desenvolvimento sociocultural e jurídico. Na obra intitulada Multa Penal – doutrina e jurisprudência (2ª edição. São Paulo: RT, 1993), o autor Luiz Regis Prado, citando R. Pessagno e H. Bernardi, noticiou que o primeiro registro histórico da aplicação da pena pecuniária foi antes de Cristo: “a lei penal romana conheceu, no auge de seu desenvolvimento, três espécies de pena: corporais, infames e pecuniárias. Ao tempo do Império (27 antes de Cristo), a pena de multa – pagamento de uma soma em dinheiro – é freqüente na hipótese de crimes comuns”. Registros iniciais sobre a aplicação de penas pecuniárias apontam intenção de retribuição ou indenização. A vítima tinha a faculdade de cobrar indenização ao ofensor, tendo por base a sua posição social (da vítima), o prejuízo sofrido e a proporção de sua perda. A idéia geral era tornar ao estado anterior ao fato, no tocante ao lado material. Tal sanção, então, era aplicada em esfera cível, mesmo que o fato reclamasse uma pena em senso estrito, diante da idéia de ressarcimento ou indenização. Depois, como ocorre hoje em dia, a pena restou prevista como sanção criminal, acessória ou principal. Porém, nos casos de composição civil, mesmo na esfera penal e em ocorrência atinente, em tese, a um crime ou a uma contravenção penal (de pena até dois anos), o acordo civil põe fim à lide criminal (nos casos de crimes iniciados por ação penal privada ou a ação pública condicionada a representação da vítima), como se explicará melhor mais adiante, em comentários sobre o artigo 74 da Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais (estaduais) no Brasil. Para além da pena de prestação pecuniária alternativa, prevista hoje como substitutiva ou como pena principal; e também aplicada diretamente, dependendo do caso trazido a julgamento (art. 43, I do nosso Código Penal), se vê que, em busca de soluções céleres para os litígios, mesmo os de natureza penal, o ordenamento jurídico brasileiro (Lei nº 9.099/95, art. 74) passou a prever o instituto da composição civil entre as partes, que é uma sensível medida despenalizadora. 240 Revista ESMAC Em caso, por exemplo, de crime de lesões corporais de natureza leve (art. 129, caput, do Código Penal) ou de crime de ameaça (art. 147 do Código Penal), ambos dependentes de representação pelo ofendido ou por seu representante legal, as partes envolvidas podem, mediante acordo entre elas mesmas, colocar fim ao litígio, com o instrumento da composição civil. Ocorre que, depois de homologada a composição civil, é declarada judicialmente a extinção da punibilidade que poderia decorrer para o imputado. A composição civil, nesta hipótese, com freqüência, é obtida através do pagamento, pelo ofensor, ao ofendido, de certa quantia em pecúnia ou de especificada indenização (e até mesmo por pacto de bom relacionamento futuro, evitando novos atritos), e em razão dessa composição, a vítima renuncia ao seu direito de representar, formalizando acordo com o ofensor. Com isso, restando inexistente condição legal de proceder e de prosseguir (por falta da representação da vítima, pois esta renunciou. E o Ministério Público não pode intentar ação, nem prosseguir na persecução, face a crime que exija representação, se esta não for sustentada pelo ofendido), o nominado autor de fato típico penal evita ser processado, elimina a imputação por aquele crime (em seu desfavor) e ainda obtém a declaração judicial de extinção da eventual punibilidade. Voltemos à sequência anterior. Ainda nas origens, o desenvolvimento e as aplicações das penas financeiras se deram também para benefício do rei que, juntamente com a vítima, passou a auferir divisas com as imposições, através do desconto de uma ou outra parcela em favor da coroa, via condenação em pagamento complementar pela participação do Estado no julgamento e ainda pela perturbação da paz. Do século XII em diante as parcelas do soberano cresceram muito, a ponto de superar o valor atribuído à vítima direta. Mais adiante, a tendência foi reverter a totalidade das prestações com natureza de pena em prol do Estado, pelo que foi subtraído o aspecto de indenização para o ofendido. Tal direcionamento se fortificou, ante a voracidade estatal, a ponto de se tornar uma das suas principais fontes de renda. Nesse tempo, a pena de prisão era aplicada para instar o condenado a pagar a pena financeira. Hodiernamente, coexistem as duas hipóteses, no nosso Código Penal e em leis penais extravagantes brasileiras (leis penais especiais), sendo a pena de multa que beneficia o Estado e a prestação pecuniária, que pode ser direcionada para a vítima ou para instituições diversas, em geral, beneficentes ou assistenciais. A aplicação pode ser direta, como pena principal ou como pena transacionada; ou pode ser indireta, após a cominação de outra sanção, surge a multa substitutiva da outra pena fixada, que posteriormente é trocada pela pena alternativa pecuniária. Além do Código Penal, a Lei 9.099/95 e a Lei 9.714/98, dentre outros diplomas legais, tratam delas. Na prestação pecuniária alternativa há relativa sintonia com a antiga indenização por danos infligidos à vítima, em valores pagos pelo condenado, isto em sede de transação penal. Além disso, há o instituto do qual se falou acima, quando ocorre a possibilidade de uma indenização colocar fim a litígios, em sede de composição civil, nos casos em que a ação penal não seja pública incondicionada. A composição, por isso mesmo, é instrumento com moderna agilidade para a solução pactuada dos conflitos criminais. Em outras previsões jurídicas recentes, as penas financeiras são bem comuns e largamente utilizadas, com ampla diversificação quanto ao cabimento e à destinação, tanto a ressarcir o ofendido, quanto a beneficiar o Estado ou instituições públicas ou privadas. A maioria dos casos de multa específica (multa como pena principal e multa em sentido estrito) em prol do Estado ocorre com destinação para um chamado fundo penitenciário. Há hipóteses outras. 241 No Acre, há um fundo de aperfeiçoamento e desenvolvimento dos Juizados Especiais, previsto na Lei Estadual nº 1.168/95, que aufere direcionamento de sanções pecuniárias e reverte os recursos, principalmente, em aparelhamento e manutenção do sistema dos Juizados Especiais, como se pode conferir pela reprodução abaixo: CAPÍTULO VI - Do Fundo Especial para instalação, aperfeiçoamento e desenvolvimento das atividades dos Juizados Cíveis e Criminais: Art. 93. Fica instituído o Fundo Especial para instalação, aperfeiçoamento e desenvolvimento das atividades dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, destinado a centralizar recursos e custear despesas relacionadas com a instalação, o funcionamento e o aperfeiçoamento das atividades dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com equipamentos e materiais permanentes de qualquer órgão do Poder Judiciário, com a construção, reconstrução, remodelação e reforma dos edifícios de fóruns das comarcas do Estado, além de outros próprios destinados a atividades forenses, bem como despesas de capital e de custeio, com exceção da folha de pagamento de pessoal e seus encargos”. Pena de prisão. O uso de medidas encarceradoras foi restrito, nas civilizações antigas, ocorrendo em pequena medida, tão-somente em situações de providências ligadas à fé e à religião; e pelo clero, para expiação ou penitência de pecados, por seus integrantes, mas sem conotação de pena. O encarceramento em grande escala não era viável, por não existirem instituições a ele destinadas. Os poucos locais não tinham finalidade específica, e por isso, faltava segurança para detenção de apenados, ainda mais se fossem muitas pessoas. Vários óbices eram vistos para solidificação desta espécie de pena. Edwin Sutherland (Ob. cit), salienta que “era preciso que a vida social se tornasse mais estável para que a prisão se tornasse uma norma geral”. Sutherland diz ainda que a quase inexistência da pena de prisão nos tempos antigos tem referência sociológica, pois: “a punição é um método de privar a pessoa de algum valor. Durante o período medieval, com o seu intenso interesse pela teologia, não havia castigo mais severo que a excomunhão. De modo semelhante, durante o período moderno, o seu interesse pela democracia e pela liberdade, significou a perda de liberdade muito mais que outrora. Em outros tempos, quando as pessoas se mantinham ordinariamente isoladas no castelo por efeito de guerra ou das crenças religiosas, a prisão não teria sido muito diferente da vida de muitas pessoas que não haviam cometido crime algum. Muitos castelos da época não eram mais agradáveis que as prisões; de fato, muitos castelos foram transformados em prisões, e depois voltaram a ser castelos. Por causa do maior preço dado à liberdade, a perda dela veio a ser considerada como suficientemente punitiva para os piores criminosos”. Franciele Silva Cardoso, em seu livro Penas e Medidas Alternativas – análise da efetividade de sua aplicação (São Paulo: Editora Método, 2004), leciona que “a pena de prisão não era prevista como uma espécie dentre aquelas das quais poderia se valer o juiz para sancionar o delito”, e citando Cuello Callón (Penologia – las penas y las medidas de seguridad – su ejecución. Madrid: Réus, 1920), aduz que o cárcere era usado para manter segregados e seguros os processados, durante a instrução criminal, como forma de coerção, em casos de dívidas ou de desobediência, e que “o cárcere era destinado, sobretudo, a albergar e custodiar os delinqüentes destinados ao suplício”. É também daquela autora, na 242 Revista ESMAC mesma obra em referência, o seguinte esclarecimento sobre a pena de prisão nas civilizações antigas: “O encarceramento, nessa época, só foi previsto no direito canônico, já que às autoridades eclesiásticas não era permitido, por lei, usar a pena de morte. No século V a igreja já usava a pena de encarceramento, contudo ela só foi aplicada mais incisivamente durante a Inquisição”. A pena prisional eclesiástica poderia ser cumprida em total solidão (in pace) ou com vida em comum nos corredores dos estabelecimentos (murus largus). Mais para o final do século XIII, a pena prisional teve maior aplicação, mas ainda com fim compulsório ou para cobrar multas. Com as grandes navegações, no início do século XVI, as galés recebiam presos condenados à prisão e nelas ocorria a execução, beirando forma de escravidão, o que ocorreu até o começo do século XVIII, quando começaram a se desenvolver os grandes navios a vela. A pena de prisão, como ressalta Franciele Silva Cardoso (Ob. cit), passaria por um estágio intermediário de evolução, até chegar perto do que conhecemos atualmente, o que se deu com a instituição das casas de correção ou Houses of Correction, instaladas em meados do século XVI, para a detenção dos apenados por crimes leves, para vadios, para mulheres sem amparo e com filhos ilegítimos e para apenados que apresentassem riscos à ordem social. Nessas casas havia uma rígida disciplina voltada para emendar os segregados, sendo a mais antiga destas instituições a House of Correction, de Bridewell, em Londres, aberta em 1552. Com fins reformadores, apareceram em Amsterdã, no final do século XVI, prisões que se tornaram referência, como a de Rasphuis (para homens), que aplicava castigo corporal, praticava ensino religioso e exigia trabalho contínuo. Depois, mais países europeus, com base naquelas experiências, criaram prisões semelhantes. É ainda Franciele Silva Cardoso, na mesma obra citada, quem sustenta que: “o surgimento de tais estabelecimentos prisionais não revela a existência de um sistema penitenciário, algo que começou a tomar forma nos Estados Unidos e na Europa a partir da contribuição de estudiosos, como o monge beneditino Juan Mabillon, autor de Reflexões sobre as prisões monásticas, publicado em 1695, em que criticava o excesso de rigor e recomendava a oferta de trabalho e a regulamentação de passeios e visitas; e como Cesare Beccaria, autor do livro revolucionário Dos delitos e das penas (1794), em cujas páginas fazia pesada crítica ao Direito Penal então vigente, insurgindo-se contra a tortura, o arbítrio dos juízes e a falta de proporcionalidade entre o delito e a pena”. Ainda sobre a pena de prisão, vários pensadores e escritores a abordaram, com referências a hipóteses de isolamento (para estimular a reflexão, a conscientização, a expiação, e até para evitar contágios, pela proximidade com outros presos), a hipóteses de se permitir ou negar trabalho ao recluso, de fornecer educação religiosa e moral etc. Ou quanto à classificação e separação de presos (por idade, por natureza do delito), como Jeremy Bentham, filósofo e criminalista inglês, autor do livro Teoria das penas e das recompensas (1818), que pregou o utilitarismo no Direito Penal e propôs um modelo de prisão celular denominado panopticum, definido como um estabelecimento circular ou radial, no qual uma só pessoa, desde uma torre, podia exercer controle total dos presos, vigiando-os no interior das celas. O panótico seria um regime caracterizado por separação, higiene e alimentação adequadas, e em certos casos, com castigos disciplinares. Franciele Silva Cardoso (Ob. cit.) diz que: 243 “as idéias desses pensadores foram seguramente a fonte maior de inspiração dos primeiros ensaios do que poderíamos chamar sistemas penitenciários modernos, iniciados com os Quakers. Na Filadélfia, experimentou-se um sistema conhecido como pensilvânico, filadélfico, celular ou de confinamento solitário (solitary confinement). Consistia num regime de isolamento, em cela individual, nua, de tamanho reduzido, nos três turnos, sem atividades laborais, sem visitas, em que se perseguia o arrependimento com base na leitura da Bíblia, tal como nas penitenciárias da igreja”. E vários modelos se seguiram. Condições rigorosas desses presídios para alcançar a disciplina causavam desumanidade na execução das penas de prisão neles cumpridas, afetando o corpo e a mente dos presos e deixando de qualificá-los para a reinserção social. Dentre outros sistemas, podemos mencionar o sistema solitário (que depois se tornou mais brando), o do silencio, que permitia vida em comum durante o dia e isolamento celular de noite, com absoluto silencio, e castigos corporais, em caso de descumprimento das regras. Este também causava distúrbios emocionais, pela severidade do isolamento e do silêncio. Outros vieram, tentando reduzir as falhas e as limitações, assim como os rigores excessivos. O sistema progressivo era organizado em etapas de rigor decrescente, com avaliações sustentadas pela conduta e pelo trabalho, preparando o recluso gradualmente para retornar à liberdade. Teve boa receptividade e a progressividade na execução até hoje é usada, inclusive, no Brasil, por previsão expressa na Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/1984), em seu artigo 112, que diz: “A pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva com a transferência para o regime menos rigoroso, a ser determinado pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão”. A autora Franciele Silva Cardoso (Ob. cit) diz que entre os sistemas, o do coronel Manoel Montesinos y Molina (1796-1862), na Espanha, advogava a função de reeducação da pena, oferecendo tratamento humanitário, com trabalho remunerado, sem castigos corporais e com regras orientadoras. Diz também que Montesinos adotou no presídio de San Agustín, em Valencia o pressuposto de que o criminoso deve ser visto, no cumprimento da pena, por aquilo que ele é, afora por aquilo que fez. O sistema se dividia em três fases: a) dos ferros, em que os presos faziam, embora subjugados a correntes, serviços de limpeza e outros no interior da unidade; b) do trabalho, em oficinas onde executariam suas tarefas e se valorizava sua capacitação profissional; c) da liberdade intermediária, com direito à visita a familiares e trabalho externo. Muitos outros sistemas surgiram, ali e acolá. A doutrina menciona idéias vastas, mas nada surgiu nesse tempo, de forma a inovar sobre alternativas efetivas ao aprisionamento. Nos Estados Unidos, no reformatório de Elmira, no Estado de Nova Iorque, fundado em 1876, instalou-se uma espécie de progressividade, classificando-se o condenado e permitindo, com o ingresso em segundo estágio, regime mais leve, abandono de ferros e uniforme para depois de meses, com comprovada boa conduta, ir progredindo. Havendo má conduta ou tentativa de fuga, passava-se a um regime de semi-isolamento na cela, acorrentado e passível de flagelos. Outros modelos, baseados em exercícios físicos, trabalho, religião e disciplina, foram usados nos Estados Unidos e na Europa. Até hoje, com o efeito 244 Revista ESMAC ressocializador e com pequena margem de reincidência, os povos lutam para encontrar um modelo adequado e eficiente. Para nosso roteiro, interessa mencionar esses exemplos, para demonstrar insistentemente que, no decorrer da história - ou pelo desuso da prisão perpétua e dos isolamentos; ou pela instalação da progressividade de regimes, de um mais severo para um mais ameno, inclusive, com as saídas e o regime aberto total - a pena de prisão vem sendo revista e repensada, diante da constatação de que os crimes são inerentes ao convívio social e de que não há extinção de delitos registrada em lugar nenhum. Disso decorre a percepção de que a pena de prisão não conseguirá, como nunca demonstrou conseguir, eliminar a criminalidade. Mas, mesmo em não sendo possível controlar totalmente, no sentido de debelar, a história vem mostrando que é bem possível humanizar e tornar mais úteis e efetivas as penas, por meio da alternatividade, para minimizar essa criminalidade. O conteúdo de previsões e alternâncias, com as variações acima retratadas, se verifica com os passos da história, com cada momento evolutivo. Ao se ao incriminar uma conduta, com previsão de pena para sua ocorrência típica, em cada tempo, vai-se ponderando, além da intimidação e da retribuição, a possibilidade de ressocialização e também a de conscientização; a valoração feita pela comunidade ante tal comportamento e a importância do bem jurídico, ou de sua proteção; a necessidade da pena e se há outro tipo de sanção suficiente, mais adequado ou atualmente mais cabível. Como aponta o histórico aqui apresentado, os estágios do Direito Penal e os dos tipos de pena usados dos tempos antigos para cá, não se afastaram muito dessa delimitação. Assim, do que foi escrito, se viu que nos primórdios, a pena e sua execução eram como um só evento e ocorriam quase simultaneamente. De ressaltar, nesta síntese, a influência da religiosidade e de elementos sacros no Direito Penal primitivo (crime/pecado), pois as religiões e crenças tutelaram as relações antes do Direito Penal. Da fase da vingança privada e suas variações, evoluiu-se para a fase taliônica, quando a proporção entre o fato praticado, a pena respectiva e a aplicação pertinente passou a ser considerada. A auto-satisfação da vítima refere-se a período pré-jurídico; já a pena, na mais remota noção, derivava de uma relação jurídica da qual sobressaíam sanção e retribuição. Tabus, costumes, crenças e necessidade de pacificar, tipificavam as ofensas. E a admissão da retribuição pecuniária, substituindo a vingança. Carmem Sílvia de Moraes Barros, no seu livro A Individualização da Pena na Execução Penal (São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001), expõe que os “romanos evoluíram e o Direito também, com o advento da normatividade estruturada”. No Direito Canônico, confissão e arrependimento poderiam gerar penitência, relevando-se o castigo. No Direito Romano, a execução trazia penas que visavam dor e medo. Existiram penas infamantes e de flagelação. Confisco e pena pecuniária, extintivas ou restritivas de direitos. Pena de prisão e pena morte. O Direito Canônico e o Romano evoluíram com influências mútuas. A prisão como pena surgiu no Direito Canônico, sendo local para meditação, reflexão, penitência e expiação. No direito comum, a prisão, antes, foi apenas medida processual, os acusados aguardavam ali a execução da pena efetiva ou ali ficavam como modo de forçar o pagamento de multas. Existiram também as penas restritivas de liberdade, limitando a locomoção, como as de exílio e de desterro. Penas de trabalhos forçados, em minas ou em embarcações, às vezes, para o resto da vida. E também penas de açoites, de mutilações ou de infâmia (perda 245 da honra). Eram penas para causar medo e obediência (ainda muito afastadas do senso de justiça), que também não revelavam conotação de equidade nem de proporcionalidade com o crime praticado. Com o Iluminismo, surgiram movimentos de reformas das leis, de estruturação da justiça penal, para segurança jurídica e respeito à pessoa. No século XVIII, Beccaria pregava o caráter utilitário da pena e a anterioridade de lei para punição de condutas. Separam-se os conceitos de justiça divina e humana, buscam-se os direitos e garantias individuais contra o Estado totalitário ou de base no direito divino, pede-se a soberania popular contra o absolutismo medieval, dentre outras bandeiras de reivindicações. Nesse período, a pena de prisão passa a ser muito usada. Carmem Sílvia de Moraes Barros (Ob. cit) acrescenta que “etapas várias surgiram até que a execução penal chegasse ao estágio atual, em que parte do presente e projeta-se para o futuro, observando a figura do apenado como determinante da execução”. Muito tempo passou até que a prisão fosse admitida como pena (antes, era só estágio até a efetivação da sanção). Também lenta foi a evolução do Direito. No Direito Penal Germânico, uma vítima de dano que pretendesse a reparação, contava com meios de substituição da vingança (transação, retribuição). No Direito Penal Romano, o crime foi julgado pelo Estado, com poder de punir, e o delito envolvia os particulares, tendo o Estado como árbitro. Houve a fase da determinação de crime e pena pelos magistrados, sem processo nem prova efetiva. Foram estágios evolutivos consideráveis. Só depois, o Direito Penal Romano perdeu a direta influência divina nos conceitos de infração e pena e se voltou para o interesse público e para o direito de punir do Estado, que em continuação se tornou exclusivo. Na segunda metade da Idade Média ocorrem importantes mudanças, e os litígios passam a ser resolvidos diretamente de forma neutra e no interesse público, pelo Poder Judiciário. E ainda Carmem Sílvia de Moraes Barros (Ob. cit) quem nos ensina que“sucessivos estágios de função da pena, de sua aplicação e de execução, as sociedades conheceram”. No resumo acima, mencionamos as penalidades, em maioria, que foram adotadas ao longo da história da humanidade. O curso delas traz em si a evolução da própria civilização (e aí a evolução interpretativa das funções da pena), a superação do paradigma da organização social cujo poder era pulverizado, para dar lugar ao Estado politicamente organizado, centralizado e detentor do monopólio da justiça punitiva. Restou demonstrado que a preferência por um ou outro tipo de castigo revela uma tendência geral verificada com a cultura e os costumes de cada época e lugar. Nos tempos antigos tínhamos a irracional e desmedida vingança de sangue, de caráter privado ou justificada pelos dogmas das diversas religiões e sem nenhuma correlação proporcional com o mal que visava retribuir. Com o surgimento de diversas leis positivadas, como o Código de Hamurabi (Mesopotâmia) e da Lei das XII Tábuas (Roma), ambas permeadas pela Lei Mosaica (Talião), verificam-se os primeiros sinais, ainda muito tênues, de utilização de certa proporcionalidade entre a pena cominada e o delito praticado. Mas penas e tratamentos desiguais ainda eram freqüentes. Se tentou fazer do Direito Penal (ainda incipiente) um instrumento de garantia e defesa do Estado e da ordem religiosa, o que autorizou e justificou incontáveis arbitrariedades e excessos judiciais, ora pelos procedimentos inquisitoriais, direcionados e secretos, fundados muitas vezes nas torturas e sem assegurar mínima defesa; ora pelo rigor punitivo após o processamento, às vezes sumário, com aflições, flagelos, excessos e crueldades. Essas situações, 246 Revista ESMAC segundo Heleno Cláudio Fragoso (Ob. cit), acabaram: “criando em torno da justiça punitiva uma atmosfera de incertezas, inseguranças e justificado terror. As penas eram desiguais, dependendo da condição do réu. Aplicava-se largamente a pena de morte, através dos mais variados e bárbaros meios de execução (forca, fogueira, roda, empalamento, esquartejamento, etc.). O confisco e a infâmia acompanhavam muitas das penas Era este o estado de coisas quando surgiu, à época do Iluminismo, vigoroso movimento de reforma da justiça penal”. Nessa ordem de fatos, a monopolização da justiça punitiva pelo Estado foi decorrência lógica da necessidade de melhor organizar a sociedade, gerir os conflitos e dar solução aos confrontos de interesses. E assim aconteceu. Os julgamentos e os atos sancionatórios passaram a ser ordenados exclusivamente pelas autoridades públicas constituídas, ou por delegação delas, com reais avanços e modernização. De tal estágio em diante, os ordenamentos foram se consolidando como vontade soberana estatal e como matéria interesse público, na busca pela proteção de direitos e pela afirmação de deveres, em resumo, pela fixação de regras de convívio social. 247 3. ABORDAGENS SOBRE O DIREITO PENAL CRESCIMENTO DAS PENAS ALTERNATIVAS À PRISÃO: BRASILEIRO. SURGIMENTO E No início de sua colonização o Brasil não tinha (e ainda demorou bastante para ter) a sua própria legislação. No tempo em que o Brasil foi descoberto, vigoravam em Portugal as Ordenações Afonsinas, publicadas em 1.446 e divididas em cinco livros, trazendo influência do Direito Romano-Canônico. O Direito Penal e o Processual Penal estavam no Livro V, seguindo a trilha antiga de pouca separação entre temas religiosos, morais e jurídicos, face a condutas reprováveis. Essas Ordenações refletiam o colonialismo absolutista e diferenciavam nobres e plebeus. Traziam processos inquisitoriais no modelo romano e querelas ao modo canônico. O referido livro V foi expoente na Europa. Previu a exclusividade do poder público estatal para julgar e punir (afastando a vingança) e trouxe a pena de morte para várias situações. Por volta de 1.521, surgiram em Portugal as Ordenações Manuelinas, sem mudanças notáveis. No Brasil não havia aplicação efetiva dessas ordenações, pois não existia estruturação de poder, tampouco organização judiciária, o que só ocorreu depois da instalação dos governos gerais. Na continuação, Portugal adotou as Ordenações Filipinas, com pouca variação face às anteriores, que foram ratificadas pelo Brasil, já em 1823, estando independente. Foramadotadas penas, como: morte natural; mortenaturalcruelmente;morte pelo fogo; açoites, pregão pela cidade ou vila; degredo para galés; degredo perpétuo ou temporário; mutilação; confisco e multas, dentre outras. Subsistiam penas cruéis e a pena de morte era aplicada em vários casos, o que só foi sufocado pelos novos ventos mundiais soprados com as idéias iluministas e as liberais, advindas da formação da Independência dos Estados Unidos da América (1776) e da Revolução Francesa, que resultaram na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. E assim, quando o Brasil outorgou a Constituição do Império, em 1824, novos traços foram dados ao Direito Penal, sendo traços liberais e humanísticos, refreando a crueldade vista antes e evitando, por exemplo, a declaração de infâmia aos parentes do condenado, o que derivou em firmar a pessoalidade da sanção penal. Ao dar esses traços novos, afastando a crueldade, a Constituição do Império alargou a aplicação da pena de prisão, já estabelecendo critérios para separação dos presos, por critérios pessoais e avaliações em face dos crimes praticados. De destacar, ainda, que a Constituição do Império tornou patente e explícita a necessidade de o Brasil criar um código penal próprio, que se amparasse na busca da justiça e da equidade (art. 179, § 18 da Constituição de 1824). Surgiram movimentos pela implantação de um novo Direito Penal no Brasil. René Ariel Dotti, em sua obra Bases e Alternativas para o Sistema de Penas (São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998), relata que juristas brasileiros como José Clemente Pereira e Bernardo Pereira Vasconcelos, pleiteavam a aceitação no Brasil de princípios constantes da obra de Beccaria, como a utilidade pública da lei penal, sua irretroatividade, a igualdade dos sujeitos perante a lei e a pessoalidade da pena (não passar da pessoa do condenado). O Código Criminal do Império do Brasil foi sancionado no final de 1830 pelo Imperador D. Pedro I, trazendo novidades, reduzindo as possibilidades da pena de morte e pondo fim às execuções cruéis e às penas infamantes, a não ser os açoites, mantidos em desfavor dos escravos, em que pese a Constituição do Império desacolher tal situação. 248 Revista ESMAC Em resumo, as sanções estabelecidas no Código do Império eram: pena de morte, pena de envio para as galés, prisão com trabalho, prisão simples, banimento, degredo, desterro, multa, suspensão do emprego, perda do emprego e açoite em escravos (não aplicada aos livres). A pena prisional ganhou ênfase na codificação imperial e até poderia ser pena perpétua, em caso de crime contra a existência política do Império, contra sua constituição e contra sua forma de governo. A pena de multa recebia estipulação em dias e era ponderada de acordo com o ganho diário estimado do apenado a ela submetido. Destaque para as incipientes penas alternativas de suspensão ou perda do emprego. Após a Abolição, e já superado o período imperial, o Brasil de veste republicana cuidou de criar um novo código criminal, sob o clima de transformações sociais e políticas. O Código Republicano surgiu no final de 1890, consolidando a tendência de então, tornando a pena prisional como a principal sanção e abolindo as penas infamantes. Previa a prisão celular, a reclusão, a prisão com trabalho obrigatório, a prisão disciplinar, o banimento, a interdição, a suspensão ou perda de emprego público, com ou sem inabilitação para o exercício de outro e a multa. Os açoites, antes previstos para escravos, sumiram do elenco legal. Boa novidade foi a limitação da pena de prisão ao período máximo de trinta anos, o que havia sido matéria de um decreto, pouco antes da edição do novo código. A prisão celular cabia em quase todos os crimes e em algumas contravenções; a reclusão (crimes políticos) era cumprida em fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares; a prisão com trabalho obrigatório aplicava-se a vadios e mendigos, por exemplo; e a prisão disciplinar cabia contra menores desocupados. A multa continuou sendo arbitrada em diasmulta, via pagamento ao Erário. Diversas leis penais especiais foram surgindo com o passar do tempo, durante a permanência em vigor do Código Republicano, dentro do compasso evolutivo que reclama, desde sempre, adaptações constantes das leis aos fatos sociais. Destaque para dois decretos de 1924, um que criou a suspensão condicional da pena (sursis) e outro que regulou o livramento condicional. São institutos despenalizadores que se associam ao nosso tema, eis que trazem espírito de minimizar a pena de prisão. Como esses mecanismos vinham sendo pedidos e causaram impacto na ocasião, adveio depois, sobre eles, o comentário de Heleno Cláudio Fragoso (Ob. cit.): “estas duas medidas já eram há muito reclamadas pelas novas idéias que então vigoravam, contra o cumprimento das penas privativas da liberdade de curta duração, favorecendo a liberação do réu antes de finda a pena e estimulando seu bom comportamento carcerário”. A legislação penal extravagante foi surgindo com o passar dos anos, disciplinando novos contextos, até ocorrer uma consolidação, ao ser promulgada em 14.12.1932 a Consolidação das Leis Penais, com 410 artigos e pequenas modificações em matéria de penas, face ao Código Republicano, como a prisão correcional, prevista para punir mendigos, vadios, capoeiras e desordeiros, antes punidos com prisão com trabalho obrigatório. Boa nova foi a eliminação da pena de banimento. O novo Código Penal foi promulgado em 1940, pelo Decreto Lei nº 2.848, e entrou em vigor em 1942. Até hoje está em ativo e é dele que nos valemos. Distinguiu pena (para imputáveis) e medida de segurança (para inimputáveis), adotou o princípio da reserva legal, a multiplicidade da forma de execução das penas (reclusão e detenção) e a progressividade de seu cumprimento (regimes fechado, semi-aberto 249 e aberto). Manteve o sursis (suspensão condicional da pena) e o livramento condicional e apresentou divisão entre penas principais e penas acessórias. Ao surgir, o Código Penal elencou as seguintes penas principais: reclusão; detenção e multa. E as penas acessórias: perda da função pública, eletiva ou de nomeação; a interdição de direitos e a publicação da sentença. A pena prisional é a principal, nas modalidades de reclusão ou de detenção. Assim, as penas excessivas restaram abandonadas, como vinham sendo, paulatinamente. Só recentemente surgiram ações para modificar esse predomínio, e o resultado mais atual se vê em matéria anexada (extraída do sítio da web ecosdanoticia.com.br, que cita como fonte o Departamento Penitenciário Nacional), sobre, pela primeira vez, em termos nacionais, a aplicação de penas restritivas de direitos ter superado, nos números referentes ao primeiro semestre deste ano de 2008, a aplicação da pena de prisão. Esta é uma constatação formidável, pois traduz todo o avanço histórico aqui um pouco registrado, e tal avanço se mostrou tendente a uma incisiva ampliação da aplicação das penas restritivas de direito, em detrimento da pena de prisão. Voltemos ao passo. Foram ocorrendo várias iniciativas de alteração ou reforma do Código Penal, ao tempo em que continuavam brotando leis esparsas (especiais), sobre os variados temas que, no sentir dos legisladores da ocasião, reclamavam regramento. De destacar a Lei nº 6.416/77, que trouxe mudanças ao Código Penal e ao de Processo Penal, como o regulamento da prisão-albergue,oalargamentodashipótesesdesuspensãocondicional,alcançandopenasde reclusão não superiores a dois anos, de acordo com outros requisitos. Na Reforma Penal de 1984, ocorrida em período cercado de dificuldades econômicas e sociais no país, refletiu-se rigor nas previsões punitivas e em vastas cominações prisionais, com buscas pela reforma penitenciária e pela reforma da legislação penalista, inclusive, a de execução penal. Em 1981 surgiu o anteprojeto para mudar a parte geral do Código Penal de 1940, propondo a extinção das penas acessórias e prevendo três sanções: penas privativas de liberdade (reclusão e detenção), penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direito e aprendizado compulsório) e penas patrimoniais ou financeiras. A execução Penal passaria a ter o controle do Poder Judiciário (era antes só do Executivo), com disposição de que caberia ao juiz, quando da aplicação da pena prisional, estabelecer o regime inicial de cumprimento. Em julho de 1984, após tramitação no Congresso, foram sancionadas as leis nº 7.209 (reforma da parte geral do Código Penal) e nº 7.210 (Lei das Execuções Penais). Com a reforma, o Código Penal passou a ter as seguintes penas: privativas de liberdade; restritivas de direito e multa. As penas restritivas de direito ficaram sendo: prestação de serviços à comunidade; interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. O art. 44 do Código Penal já mencionava a autonomia das penas restritivas de direitos, o que é bom traço de modernização, ao dispor: “as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as penas privativas de liberdade quando...”. A Reforma estabeleceu a possibilidade de cumprimento da pena em regime aberto (casas do albergado) e abraçou outros modos de dispensar a prisão, como o sursis e as penas restritivas de direitos substitutivas. Importante esse crescimento evolutivo na tendência de 250 Revista ESMAC criação de alternativas à prisão. Daí em diante, com finco no nosso assunto em abordagem, cumpre relevar o marcante surgimento da Lei nº 9.099/95 e o da Lei nº 9.714/98. Aquela, moderna e inovadora, veio instituindo os Juizados Especiais nas unidades federadas, nos interessando aqui os Criminais, que trouxeram vários institutos despenalizadores e intenção expressa de privilegiar as penas alternativas à prisão. E esta, definidora de alternatividades, veio especificando penas substitutivas, igualmente, com ênfase nas restritivas de direitos, nela diversificadas e bem esmiuçadas, já dentro de uma nova visão penal de não eleger a pena prisional como expoente das sanções criminais. Esse é o rumo que tomaremos doravante. Objetivamente, ainda hoje, a pena de prisão vem amplamente prevista no Código Penal e em leis penais especiais das mais variadas, como, por exemplo, no Código Eleitoral, no Código Brasileiro de Trânsito, na Lei das Contravenções Penais e na Lei de Entorpecentes. Mas ela não impera absoluta. Há contrapartidas visíveis, tanto no Código Penal quanto nas leis especiais. Em todas estas leis esparsas há previsões específicas de aplicação de sanções diferentes da prisão, como pena única ou opcional. E há a generalidade patente resultante do comando da Lei nº 9.099/95, em seu artigo 61, ao prever que as infrações penais de menor potencial ofensivo são as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, isolada ou cumulativamente. Resultou daí que, para todos os crimes previstos naquela legislação especial (ou no Código Penal), cuja pena máxima cominada não seja superior a dois anos, será possível aplicar, via transação penal, uma sanção alternativa diferente da prisão, sem esquecer da possibilidade de composição civil. Observe-se, com muito efeito, que a própria lei referida traz em seu corpo a afirmação de que, em sua aplicação, a preferência (expressa) reside na utilização de pena diferente da prisional, como se pode ler em seu artigo 62: “O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios de oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação de danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade”. Sobre as previsões específicas, temos como exemplo, na Lei de Entorpecentes, em seu artigo 28, a pena de advertência ou a de freqüência a cursos e palestras, em caso de porte ou uso de substância proibida, por causar dependência física ou psíquica. Veja-se aí que a pena de advertência é uma novidade, pois não consta do elenco do Código Penal. O seu surgimento deriva da adoção de uma nova política criminal face ao uso de entorpecentes, voltada para uma abordagem mais de necessidade de tratamento do que de imposição de sanção. Igualmente, a pena de freqüência a palestras, além de inovadora é inteiramente despenalizadora. E em caso de relutância do sentenciado para o cumprimento de tais sanções, surge outra medida simples e serena, sem excessos nem rigor, que é a admoestação verbal. É o que se lê na disposição legal adiante reproduzida: Lei nº 11.343/2006: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; e III 251 - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colheplantasdestinadasàpreparaçãodepequenaquantidadedesubstânciaouprodutocapaz de causar dependência física ou psíquica. § 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. § 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidadeseducacionaisouassistenciais,hospitais,estabelecimentoscongêneres,públicosou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a: I - admoestação verbal; e II - multa. § 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente,estabelecimentodesaúde,preferencialmenteambulatorial,paratratamentoespecializado. ses. Sobre aquelas leis penais especiais mencionadas, vamos detalhar algumas hipóte- Na Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941) há vários exemplos de tipos contravencionais sancionados tão somente com pena de multa, como no seu artigo 61, que estabelece: “Importunar alguém, em local público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor. Pena – multa”. Na Lei Ambiental (Lei nº 9.605/1998), há previsões para penas alternativas e até para composição de danos ambientais através de replantio ou regeneração de vegetação, mata primária ou floresta de preservação. Em seu artigo 27, se lê: “Nos crimes ambientais, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no artigo 76 da Lei nº 9.099/95, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental de que trata o artigo 74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade”. 252 Revista ESMAC No Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997) há previsões diretas e isoladas, expressamente consignadas, sobre a aplicação exclusiva de penas restritivas de direitos, como se vê nos exemplos a seguir: Artigo 291, parágrafo único: “aplicam-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante, e de participação em competição não autorizada o disposto nos artigos 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099/95”. Artigo 292: “a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta como penalidade principal, isolada ou cumulativamente com outras penalidades”. Na legislação eleitoral (não só no Código Eleitoral), além de vários casos de previsão de multa, há as notórias sanções de perda de mandato ou de perda ou suspensão dos direitos políticos. Vamos a um exemplo do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965) e a outro de lei eleitoral especial, a Lei nº 9.504/1997 que trata das arrecadações e aplicações de recursos nas campanhas eleitorais: Artigo 320 do Código Eleitoral: “Inscrever-se o eleitor, simultaneamente, em dois ou mais partidos: Pena- pagamento de dez a vinte dias-multa”. Artigo 87, § 4º, da Lei nº 9.504/1997: “O descumprimento de qualquer das disposições deste artigo constitui crime, punível com detenção de um a três meses, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa, no valor de mil a cinco mil UFIR”. Todas estes, são exemplos de alternatividades à prisão, e se vê que ocorrem em variadas legislações, com bens jurídicos diversos (realmente bem diferentes), como entorpecentes, trânsito, meio-ambiente, contravenções penais e sistema eleitoral. Assim, comprova-se que a tendência, agora fortemente materializada e corporificada, é bem ampla e abrangente. E mais do isto, a manutenção temporal da referida tendência está evidenciada pelos próprios exemplos apontados, e isto importa destacar para deixar patente a direção que vem tomando o Direito Penal no sentido da adoção efetiva das alternativas à prisão. A comprovação se atesta no seguinte mapa temporal: a Lei das Contravenções Penais é de 1941; o Código Eleitoral é de 1965; já a Lei nº 9.099 é de 1995; o Código de Trânsito é de 1997 e a Lei Ambiental é de 1998. Ou seja, com o passar do tempo, vem crescendo a criação de leis que prevêem a alternatividade e que ampliam o rol de sua incidência, nos mais variados e diversos interesses jurídicos e nas mais diferentes matérias disciplinadas pelas ditas leis. As correntes criminológicas atuais muito influenciaram a transposição da prática enraizada de adoção abrangente da pena prisional, e com destaque, a Escola Criminológica, em sua defesa ao Direito Penal Mínimo que, por evidência, defendia redução da intervenção tangente ao aprisionamento e o incremento de alternativas penais, como aborda Franciele Cardoso (Ob. cit): “a tese de se recorrer à pena de prisão somente em última instância, reservando-se o cárcere apenas a situações extremas, como verdadeira medida de segurança, para a segregação dos delinqüentes mais perigosos, foi e é defendida tanto pelos adeptos da Defesa Social (Fillipo Gramatica, Marc Ancel) quanto pelos neoclássicos, como Luigi Ferrajoli”. 253 Da obra Direito e Razão: teoria do garantismo penal, de Luigi Ferrajoli, traduzida por Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes (Revista dos Tribunais: São Paulo, 2002), se extrai que: “a pena de prisão se diferencia das penas corporais antigas somente no fato que o sofrimento irrogado não se concentra no tempo, senão que é ditado em um espaço extenso”. A tese da intervenção mínima influiu diretamente no cultivo da racionalidade do sistema penal visando justiça social. Envolvidos nessa corrente estão os motes de descriminalização, de despenalização e de contrariedade ao encarceramento. Luiz Flávio Gomes, em sua obra Penas e Medidas Alternativas à Prisão (São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999) prega uma: “drástica redução dos conflitos penais, confiando e procurando incrementar uma resposta mais social, informal e resolutiva que meramente decisória”. Neste sentido, como já estamos abordando ao longo deste trabalho, a Lei nº 9.099/95, partindo do mote constitucional (art. 98, I da Constituição da República), valorizou, e muito, institutos penais para alcançar resultados que não sejam obtidos pela ação decisória, puramente. É o que se traduz na composição civil (acordo entre as partes para resolver a questão penal e, mais ainda, para originar a declaração judicial de extinção da punibilidade, inibindo a apreciação do mérito e até mesmo a denúncia). Com esta, o juiz apenas homologa a vontade das partes envolvidas, contida no termo de acordo feito em audiência. É também o que se vê na transação penal, feita entre o imputado (autor de fato típico penal, contra quem não se materializa, nesta fase, acusação formal) e o membro do Ministério Público. O nominado autor do fato, junto com seu advogado (ou defensor público), aceitando uma proposta feita pelo promotor de justiça contendo pena diferente da prisional, e depois cumprindo-a, evitará ser denunciado, processado em sentido estrito e eventualmente condenado. Ou seja, o magistrado vai homologar uma solução obtida por transação entre o Ministério Público e o imputado (assistido por advogado), sem adotar uma solução decisória, na essência. Aqui também, depois de cumprida a sanção pactuada, será pelo juízo processante declarada extinta a punibilidade que poderia decorrer para o autor de fato típico penal. Outro exemplo é a suspensão do processo. Nesta, o imputado poderá aceitar condições e submeter-se a um período (de dois a quatro anos) para verificação. Encerrado tal período sem revogação, o imputado obterá a declaração de extinção da punibilidade, mesmo tendo sido denunciado (a proposta é apresentada com a denúncia e a suspensão se dá após o recebimento daquela, (conforme o já reproduzido artigo 89 da Lei nº 9.099/95), mas evitando o processamento penal, a instrução criminal e uma eventual condenação. Aí também se vê uma solução afastada do caráter eminentemente decisório. No Brasil, as penas alternativas à prisão se efetivaram com a Reforma Penal de 1984 (Lei 7.209/84). Depois, em função das teses idealistas referidas, das orientações de 254 Revista ESMAC organismos internacionais (ONU, OEA, tratados e pactos), do escudo da efetivação da defesa dos direitos humanos, do reconhecimento aos preceitos do Direito Penal Mínimo e em função da tendência internacional, observada a criação dos Juizados Especiais Criminais (art. 98, I da CR), foram implementados modernos ajustes e, fundamentalmente, duas leis inovadoras vieram a lume: a Lei nº 9.099/95 e a Lei nº 9.714/98. Estas abordaram diretamente a questão, esta com elenco novo e vasto sobre as alternatividades; aquela com institutos modernos e eficientes para valorizar a despenalização e a descarcerização. Este foi um resumo do Direito Penal no Brasil até a chegada das duas leis acima referidas, a nº 9.099/95 e a 9.714/98, que diretamente interessam a este trabalho. A seguir, uma tela evolutiva, matizada pela tendência de alternatividade à prisão. 255 4. TRAÇOS DA EVOLUÇÃO DAS PENAS E DA TENDÊNCIA DE ALTERNATIVIDADES À PRISÃO. COMPARAÇÃO ENTRE O RETORNO SOCIAL NA APLICAÇÃO DAS PENAS DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E NA PENA DE PRISÃO. A MAIOR EFETIVIDADE DAQUELAS: A pena, numa avaliação nossa, é um mecanismo aliado, subsidiário e destacado na defesa de bens jurídicos valorados pelo grupo e refletidos na norma, e está ligada ao ato do agente, à sua culpabilidade, mas não se afasta da sua função mais útil, que é buscar ressocializar e reintegrar o punido, em tese, conscientizado e melhor preparado, depois da execução. O conteúdo teórico daquelas correntes e escolas (que traduz tendência) incidiu nas regras internacionais do Direito Penal. Resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a questão prisional, desde o 1º Congresso, assim refletiam. No 6º, advieram as Resoluções 8 e 10. No 7º, a Resolução 16, todas abordando reduções necessárias no número de reclusos e hipóteses de alternatividade à prisão. Finalmente, no 8.º Congresso da ONU, em 14.12.1990, recomendou-se a adoção das Regras Mínimas sobre Penas Alternativas, aprovadas por meio da Resolução 45 da Assembléia-Geral, as nomeadas Regras de Tóquio. O Pacto de São José da Costa Rica (comungado pelo Brasil) em seu art. 5.º, fortalece a afirmação, ao estabelecer que: “as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”. Assim, posições de estudiosos, idéias, correntes e escolas doutrinárias e também a verificação de que a pena de prisão não se mostrou apta a ressocializar com humanização nem a inibir com eficiência a reincidência, fortaleceram a adoção diversificada e multinacional de instrumentos penais para a alternatividade. O conteúdo evolutivo é vasto, para se pinçar exemplos e direcionamentos no rumo da humanização das sanções penais, com fim de prestigiar e dignificar o homem, ainda que sujeito à intervenção punitiva. Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) ficou patente a concepção do processo como forma de defesa das garantias fundamentais do ser humano. O artigo 7º proclamou: “Ninguém pode ser acusado, preso ou detido, senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas”. As constituições americanas abordaram o assunto, historicamente. Tudo em seqüência, para a efetivação do processo como sustentáculo fundamental dos direitos individuais. E como segurança, dentre outros aspectos, para consagração de tratamento igualitário; para garantia ao silêncio (não imposição de confissão); para possibilidade da defesa em juízo com os meios a ela inerentes; para a não privação da liberdade ou da propriedade, sem ampla defesa; para assegurar a presunção de inocência, o uso de provas lícitas, o conhecimento das imputações, como garantia ao contraditório (ampla defesa) e como direito a obter decisões fundamentadas, dentre outros. E daí para frente, a criação de penas restritivas de direitos, e o crescimento da 256 Revista ESMAC aplicação delas, demonstram com notoriedade a tendência de se minorar as sanções e as penas muito rigorosas, possibilitando amplamente ao homem sujeito a sanções, um reingresso bem-sucedido no seio social do qual o crime possa tê-lo afastado. A tendência internacional era de adoção de novos institutos e inovações penais. Damásio Evangelista de Jesus, na obra Penas Alternativas: anotações à Lei nº 9.714/98 (São Paulo: Saraiva, 1999), mencionou os seguintes institutos dessa tendência: “A descriminalização das contravenções; o probation; o plea bargaing; a possibilidade de o Ministério Público desistir da ação penal; a transformação de espécies de ação penal pública para privada; o sistema de penas alternativas; o sistema unitário de penas (unificação das penas de reclusão e detenção); a possibilidade de maior aplicação de sursis e do livramento condicional; os juizados especiais de pequenas causas criminais; a informatização da Justiça, bem como política e peritos na área; a independência do Ministério Público e do Judiciário, em face do Poder Executivo, a inexistência de controle externo do Judiciário”. As leis, como se vê desde a antiguidade, estabelecem sanções penais para tentar evitar o cometimento de mais crimes e reprimir a delinqüência, usando as penas para tentar combater o fenômeno social que é a criminalidade. Essa evolução é como uma espécie de tradução dos ideais de grupos sociais dentro de determinado período de tempo, em suas vontades, definições, escolhas, perspectivas e interesses. Todos estes são captados, elencados e estruturados na legislação respectiva, de forma a denotarem, tais aspectos condensados no ordenamento pertinente, os interesses protegidos pelo Direito Penal e as expectativas que se tem com a aplicação de uma ou de outra pena, refletindo na função que se espera das sanções aplicadas. Sobre as funções da pena, encontramos teorias preventivas, chamadas de relativas, porque voltadas a fins, como a justificação da sanção depender de sua finalidade; e teorias de retribuição, desvinculadas de qualquer fim, chamadas de absolutas. Vamos a elas: a da retribuição se diz baseada na capacidade de opção humana entre bem e mal, o livre arbítrio. Para esta teoria, a pena é um fim em si. O injusto e a culpabilidade devem ser retribuídos na proporção justa para que o apenado pague pelo crime, como compensação. A compensação, conforme esta teoria, seria função e justificação da pena. A da prevenção especial diz buscar produzir efeitos úteis ao apenado e ao meio social. O Estado não busca retribuir, mas projetar ao futuro o fim que justifica a pena. Funda-se na Constituição e busca o bem-estar dos cidadãos. Visa o delinqüente, na socialização, reeducação e correção, intimidando-o a não reincidir. A da prevenção geral traz idéia de intimidar eventuais novos delinqüentes com a ameaça do mal da pena. A prevenção afirma a validade da norma, a aplicação de pena resulta na confiança dos cidadãos. Busca penas que revelem consciência social, limitando os excessos e buscando estabilização moderadora. Função da pena, para adiante das teorias, que possa evitar, com melhores resultados, a reincidência e o aviltamento do homem; que possa transmitir, com maior evidência, um retorno social advindo do cumprimento da sanção; que possa gerar, com visíveis constatações, a participação da comunidade em sua execução; e, mais ainda, que possibilite a manutenção do apenado no seio familiar, junto ao trabalho e aos membros do seu grupo, sem as vicissitudes da reclusão – esta será uma boa função. As penas alternativas à prisão, em face da compreensão jurídica de que o crime é 257 um fato essencialmente humano que ocorre no meio grupal, se encaixam nessa verificação, como instrumentos de novas visões sobre a sanção, sobre o condenado, sobre a sociedade e até sobre as vítimas. O cumprimento de penas de modo a valorizar o resultado da punição, a conscientização do apenado e uma maior satisfação dos envolvidos (comunidade, vítima e Estado), com efetividade, bom resultado, baixo custo e utilidade, facilitará a readaptação social e dificultará a reincidência. Era um novo caminho a trilhar. Insistir em penas excessivas, num primeiro momento, ou insistir, já por agora, no império da pena prisional, não coincide com a melhor análise do contexto histórico. A exemplo, o trecho abaixo: “A crise carcerária constitui um antigo problema penal e penitenciário, com acentuado cariz criminológico. Ela é determinada, basicamente, pela carência de estruturas humanas e materiais e tem provocado nos últimos anos um novo tipo de vitimidade de massa. O presidiário é, as mais das vezes, um ser errante, oriundo dos descaminhos da vida pregressa e um usuário da massa falida do sistema... Um deplorável raio X da situação extremamente grave dos campos minados dos presídios, nos é fornecido pelo médico Varella, em sua obra Estação Carandiru. Conforme o autor, o seu objetivo não foi o de denunciar um sistema penal antiquado, apontar soluções para a criminalidade ou defender os direitos humanos. Como nos velhos filmes, ele “procura abrir uma trilha entre os personagens da cadeia: ladrões, estelionatários, traficantes,estupradores,assassinoseopequeno grupo de funcionários desarmados que toma conta deles”. Mas é inegável que a narrativa desnuda os dramas e as tragédias produzidos pela violência institucionalizada (pelo Estado e pelos internos) nessas sucursais do inferno em que se transformaram os presídios, independentemente de sua classificação. Um dos pacientes-personagens do livro disse muito bem: “Cadeia é lugar onde o filho sofre e a mãe não vê.” (René Ariel Dotti. Artigo intitulado A Crise do Sistema Penal, elaborado para a XVII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, ocorrida no Rio de Janeiro/ RJ, entre os dias 29/08 a 02/9/1999 e publicado na Revista Forense, no volume 352. A Lei nº 9.099/95, que criou os Juizados Especiais nos Estados, lançou princípios, como celeridade, oralidade, economia processual e informalidade, simplificando procedimentos, proporcionando a composição civil e a transação no processo penal, ampliando as hipóteses de ação penal condicionada à representação e acolhendo a suspensão do processo, mediante condições. Isto mostra a certeza de que as alternatividades passaram a ser priorizadas. Destaque também para as alterações trazidas para o seio jurídico-penal brasileiro pela Lei 9.714/98, que são um grande avanço na busca da despenalização das condutas e na objetiva consecução da função de recuperação e ressocialização dos criminosos, mantendoos em seu convívio familiar e social, sem impedi-los de trabalhar. E para dar outro exemplo, a Lei nº 9.268/96 mudou a natureza da multa criminal, tornando impossível convertê-la em prisão, o que denota o novo tratamento e a firme intenção de reservar-se a pena prisional para casos mais graves. O artigo 51 do Código Penal passou a considerar a pena de multa (multa estrita, aplicada como pena direta, não a puramente restritiva, também aplicada diretamente ou em substituição) como uma dívida de valor, sujeita a cobrança pela Fazenda Pública. É uma providência inteiramente ligada à flexibilização das sanções criminais. Abaixo, o teor da norma: Artigo 51 do Código Penal: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas de prescrição”. 258 Revista ESMAC Vamos às leis especiais. Objetivamente, as principais medidas inovadoras, despenalizadoras, descarcerizadoras e inibidoras de soluções decisórias contidas na Lei nº 9.099/95, das quais já estamos falando ao longo deste escrito, são: 1- A composição civil realizada entre as partes envolvidas em uma ocorrência de fato típico penal que seja de ação penal privada ou de ação pública condicionada à representação do ofendido ou de seu representante legal, para a iniciativa da persecução, na qual o acordo obtido com a composição dos danos provoca a extinção da punibilidade (art. 74, parágrafo único); 2- A transação penal (art. 76), para crimes em que a composição civil não for possível (porque o crime noticiado seja de ação penal incondicionada ou porque a composição civil não foi obtida), na qual o promotor de justiça faz uma proposta de pena antecipada, diferente da prisional, ao imputado (acompanhado de advogado). A aceitação e o cumprimento dessa pena geram a declaração judicial de extinção da punibilidade. Com a transação penal, o imputado evita ser denunciado e processado. Evita também a apreciação do mérito da imputação e uma eventual condenação criminal própria (a da transação penal é imprópria, porque não adveio de uma sentença que apreciou o mérito, após uma instrução processual, já que nasceu antecipadamente). Com a transação penal aplicada, a condenação não poderá constar em folha de antecedentes e servirá apenas para registro, pois durante cinco anos a pessoa por ela beneficiada não poderá gozar do mesmo benefício, nos termos do § 6º do artigo 76, da Lei nº 9.099/95, que assim dispõe: “a imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo...”. E a finalidade prevista no § 4º, pertinente à menção do § 6º é a de que o beneficiado pela transação penal só poderá valer-se dela, novamente, depois de transcorridos cinco anos da utilização anterior. 3- A suspensão processual, para crimes com pena mínima não superior a um ano, caso em que o processo pode ser suspenso pelo período de dois a quatro anos (art.89). Há requisitos (como bons antecedentes), o crime não pode ter sido cometido com violência à pessoa da vítima e o autor do fato tem que aceitar certas condições (como não tornar a delinqüir; comparecer com determinada frequência a juízo para informar suas atividades, trabalho e endereço). Transcorrido o período de suspensão sem ocorrência de revogação, a denúncia não será apurada, não haverá instrução processual, portanto, o mérito não será apreciado, e o imputado terá em seu favor a extinção da punibilidade. Tal proposta é formalizada pelo juiz, após o recebimento da denúncia, mas a aceitação, o cumprimento das condições e o transcurso do prazo sem revogação (por exemplo, por condenação em novo crime), geram a desconsideração da denúncia e, como dito, a extinção da eventual punibilidade. Pela só leitura dos textos legais que normatizam estes três institutos, se vê que neles estão previstas as inovações e materializadas as tendências de se evitar grande intervenção do Direito Penal na solução dos conflitos sociais. De se inibir o encarceramento. De proporcionar soluções pactuadas e não estritamente decisórias e de despenalização. 259 Neste caso da despenalização, incidem diretamente as hipóteses de composição civil entre as partes ou de suspensão do processo. Formalizadas e cumpridas as etapas legais destes últimos institutos, pelo pacto finalizado e homologado, no primeiro caso; ou pela suspensão cumprida sem revogação, no segundo caso, em nenhum deles haverá condenação criminal, ainda que imprópria. Portanto, são institutos puramente despenalizadores. Outra previsão da Lei nº 9.099/95 tendente a facilitar estas inovações é a que consta no seu artigo 88, fazendo com que os crimes de lesões corporais culposas e leves passassem a ser processados somente com iniciativa das vítimas ou de seus representantes legais. Este artigo de lei passou a exigir representação para o processamento dos referidos crimes, o que viabiliza soluções acordadas ou transacionadas. Vejamos: Lei nº 9.099/95, artigo 88: “Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”. Como se extrai do Relatório sobre Penas Alternativas (anexo) oriundo do Primeiro Juizado Especial Criminal de Rio Branco/Acre, a composição civil é obtida em 70% (setenta por cento) dos casos de crimes de ação penal privada ou de ação penal dependente de representação da vítima. É um número que ratifica muito bem a intenção despenalizadora prevista na disposição em referência. Para ainda mais comprovar o resultado prático da intenção da norma, o dito relatório atesta que a maioria dos crimes incidentes nesta hipótese, são justamente aqueles dois, disciplinados no artigo 88 da Lei nº 9.099/95, ao revelar que: “Dos crimes de menor potencial ofensivo (segundo a Lei n. 9.099, em seu art. 61, aqueles cuja pena máxima cominada não ultrapasse dois anos) de maior ocorrência neste Juízo, são os de lesões corporais de natureza leve e de ameaça, previstos, respectivamente, nos arts. 129, caput, e 147, do Código Penal, ambos dependentes de representação pela vítima”. A representação é uma manifestação de vontade, como uma autorização do ofendido ou de quem tenha poderes para representá-lo, na qual conste que a vítima (ofendido) tem intenção e quer processar seu ofensor por aquele fato que os envolveu. Assim, nos casos em que a lei exige representação do ofendido para o início da persecução penal, a ação penal pública será chamada de condicionada à representação. Nos casos em que a lei não exige tal representação, em sendo pública a ação, será ela chamada de ação penal incondicionada (sem a condição prévia da representação). E há também os casos de ação penal privada, para a qual o Ministério Público não detém poderes de iniciar a persecução, e atuará apenas como fiscal da lei. Vejamos o que dispõe o Código de Processo Penal sobre as ações penais públicas: Artigo 24 do Código de Processo Penal: “Nos crimes de ação pública, está será promovida por denúncia do Ministério Público, mas de penderá, quando a lei o exigir, de requisição do ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo”. Neste âmbito, é de se dizer que, nos casos de ação penal pública condicionada à representação, caso o ofendido não represente, ou, depois de fazê-lo, renuncie ou se retrate da representação feita, o Ministério Público restará impotente para a persecução penal. Portanto, caso o ofendido, ao invés de representar, opte por compor ou pactuar com seu ofensor, 260 Revista ESMAC a homologação deste acordo implicará em renúncia ao direito de representação e a ação não será desencadeada. Ao reverso, o ofensor obterá uma declaração judicial de extinção da punibilidade que para ele poderia decorrer. Embasando esta afirmação, segue a reprodução legal pertinente: Artigo 74, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95: “Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação”. Com a Lei nº 9.099/95 os delitos de menor potencial ofensivo passaram a ter um tratamento jurídico diferente, moderno e mais prático. E a pena prisional foi desconsiderada como o expoente que vinha sendo. Depois dela, a Lei 9.714/98 trouxe complementos e, diretamente sobre as penas alternativas, trouxe ampliação das possibilidades de aplicação e até criou novas sanções. Na Exposição de Motivos do projeto de lei que visava a alterar o art. 43 e seguintes do Código Penal, que redundou posteriormente, após emendas, na Lei nº 9.714/98, estava escrito o seguinte: “a prisão não vêm cumprindo o principal objetivo da pena, que é reintegrar o condenado ao convívio social, de modo que não volte a delinqüir”. Com a Lei 9.714/98, o rol e as possibilidades de aplicação de penas alternativas cresceram, em clara meta de reduzir a utilização da pena de prisão. Foram mudanças sensíveis desde que, a partir da Reforma da Parte Geral de 1984, as penas restritivas de direitos passam a existir no Brasil. Com a Reforma, a pena a ser substituída era a que alcançasse período de até um ano. E a troca poderia ser por prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana, se cumpridos os requisitos de o réu não ser reincidente e a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade, bem como os motivos e as circunstâncias, indicassem que a substituição seria adequada. Desde então, a suspensão condicional da pena (sursis) mostrava-se medida despenalizadora. Aplicava-se em casos de penas de até dois anos, com requisitos subjetivos tenros, se comparados aos da substituição de pena. A partir da reforma de 1984, a pena privativa de liberdade de até quatro anos poderia ser cumprida em regime aberto e a pena aplicada não superior a dois anos poderia ter a execução suspensa pelo sursis. As penas prisionais até um ano poderiam ser substituídas por pena restritiva de direitos. Eram ainda previsões tênues, pois alternativas penais ao encarceramento vinham sendo verificadas tempos antes em países europeus e nos Estado Unidos, dentre as quais, Franciele Cardoso (Ob. cit) cita a Comunity Service Order, implantada pelo Criminal Justice Act, de 1972, Seção XV, na Inglaterra, e ainda a disciplina das penas alternativas na Alemanha. Sobre a experiência inglesa, Miguel Reale Júnior (et al.), em sua obra Penas e Medidas de Segurança no Novo Código (2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1987) esclarece que: “Tal sanção consiste na obrigação de, durante os períodos de descanso, dedicar algumas horas a um trabalho não remunerado, em favor de uma causa de interesse comum’, e ainda que ‘a medida tem valor coercitivo mais útil que a curta pena de detenção’. 261 A doutrina clamava por maior alcance das penas alternativas, ao argumento de que a pena prisional não cumpria as funções de ressocializar e de prevenir a reincidência. Sérgio Garcia Ramírez, na obra La Prisión (México: Fondo de Cultura Econômica. Universidad Nacional Autónoma de México, 1975), afirma que: “A prisão, em vez de frear a delinqüência, parece estimulá-la, convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidades. Não traz nenhum benefício ao apenado, ao contrário, possibilita toda sorte de vícios e degradações”. E nesse caminho, a legislação passou a mudar os prazos, as exigências, o mínimo e o máximo das penas cominadas para o alcance de certos benefícios. A Lei 9.099/95, no seu artigo 89, já nasceu possibilitando o uso de alternatividade e medida despenalizadora para crimes com pena mínima não superior a um ano. A Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), em seu art. 293, previu hipótese de cumprir-se a sanção de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor ocorrer por tempo de dois meses a cinco anos, mas em conformidade o Código Penal então vigorante, o tempo máximo de um ano era o limite da pena prisional substituída. Daí se infere que foi privilegiada a minoração do efeito da sanção. Outras previsões extravagantes surgiram, por exemplo, na Lei Ambiental, com hipóteses diretas de pena pecuniária. Neste âmbito, a trilha tecida pela doutrina, pela tendência do direito comparado e pela legislação especial que aflorava, se mostrou favorável a novas reformas penais, do que desencadeou o referido surgimento da Lei 9.714/98. Antes desta, existiam no Código Penal seis modalidades de penas alternativas substitutivas (multa, prestação de serviços à comunidade, limitações de fim de semana, proibição do exercício de cargo ou função, proibição do exercício de profissão e novas sanções de habilitação para dirigir veículo). Depois dela, quatro outras sanções restritivas passaram a existir (prestação pecuniária em favor da vítima, perda de bens e valores, proibição de freqüentar determinados lugares e prestação de outra natureza). E com o surgimento de novas leis penais especiais, as alternatividades vicejaram. As penas restritivas de direitos têm natureza jurídica autônoma e são substitutivas da pena privativa de liberdade aplicada, no contexto desse elenco legal, para aplicação, em regra, pela Justiça Comum. Essas mesmas penas alternativas à prisão, além de sua aplicação em substituição a uma pena prisional antes fixada, podem ser aplicadas diretamente, sem necessidade de substituição, o que, em regra, se faz em sede de Juizados Especiais Criminais, usando o instituto da transação penal. Aquela substituição ocorre com adoção da medida de forma diferente da que ocorre quando da aplicação via transação penal, em sede de Juizados Especiais Criminais. Na substituição, vai ocorrer a aplicação de uma pena privativa de liberdade, com fixação do regime inicial de cumprimento, como o aberto ou o semi-aberto. Depois desses passos é que a substituição poderá ser feita, trocando-se a pena prisional inicialmente estabelecida, por uma ou duas alternativas. A substituição será possível, caso sejam atendidos os requisitos, tais como, a pena aplicada ser inferior a quatro anos (excluídos os crimes com violência ou grave ameaça à pessoa). Ou em casos em que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta e personalidade, e ainda os motivos e circunstâncias, recomendem a substituição. 262 Revista ESMAC Assim sendo, as penas restritivas de direitos podem ser consensuais ou não consensuais. Aquelas advêm de transação penal, o que requer aceitação do apenado e de seu advogado a uma proposta antecipada de pena diferente da prisão feita pelo Ministério Público. Depois de aceita, será aplicada pelo magistrado, conforme disciplina o artigo 76 da Lei nº 9.099/95. Assim, serão diretas e não substitutivas. As não consensuais podem ser aplicadas em substituição a outra pena ou podem ser aplicadas diretamente, ou seja, podem ser substitutivas ou diretas. Naquelas (substituição), o juiz aplica uma pena prisional, e depois a substitui por uma pena restritiva de direitos (ou duas), conforme estabelecido nos artigos 43 a 47 do Código Penal. Nestas (diretas), o juiz aplica diretamente uma pena alternativa à prisão, como uma pena pecuniária. Em nosso trabalho, interessam diretamente as penas de prestação de serviços à comunidade e de prestação pecuniária alternativa, aplicadas em sede de Juizado Especial Criminal, via transação penal (diretamente), nos termos do art. 76 da Lei nº 9.099/95. As modalidades (desde a edição da Lei nº 9.714/98) de penas restritivas de direitos são as seguintes: 1- Prestação pecuniária, prevista no artigo 43, I, do Código Penal e definida no § 1º do art. 45 do mesmo código. A pena de prestação pecuniária consiste no pagamento à vítima, a seus dependentes, ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um, nem superior a 360 salários mínimos. Esta pena já era largamente aplicada, principalmente nos Juizados Especiais Criminais, nos interessando mais diretamente aqui, a prestação em favor de entidades assistenciais ou carentes, públicas ou privadas. Neste caso, em sede transacional, a aplicação será direta, sem substituição. O elenco legal da destinação da pena pecuniária é o seguinte: a) vítima pessoalmente; b) dependentes da vítima (descendentes, ascendentes, cônjuge e irmãos); c) entidade pública com destinação social; d) entidade privada com destinação social. Para nós, o enfoque mais objetivo é saber se nestes dois últimos itens, há maior retorno social da pena, do que haveria em caso de prisão. 2- Perda de bens e valores, prevista no artigo 43, II, do Código Penal. Esta restritiva incide no patrimônio do condenado e reverte para o Fundo Penitenciário Nacional. A quantificação considera o prejuízo causado ou o proveito auferido pelo agente, conforme o art. 45, § 3º, do Código Penal. 3- Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, prevista nos artigos 43, IV e 46, ambos do Código Penal. Segundo o texto legal, esta modalidade consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado (art. 46, § 1°) em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, bem assim, em programas comunitários ou estatais (art. 46, § 2°). O § 3° dispõe que as tarefas referidas no § 1° serão atribuídas conforme as aptidões do condenado e devem ser cumpridas na razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. Em sede de Juizados Especiais Criminais, a maior incidência desta aplicação se direciona para os finais de semana. Esta é a pena mais aplicada no Primeiro Juizado Especial criminal de Rio Branco/Acre,e pelo Brasil afora não é diferente. Como as demais, esta modalidade tem configuração substitutiva mas pode ocorrer aplicação direta, e traduz plenamente a idéia de descarcerização. 263 4- Proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo, prevista no artigo 47, I, do Código Penal. É usada nos casos de crimes praticados no exercício de cargo, função ou atividade, em que tenha havido violação dos deveres àqueles inerentes (art. 56 do CP), devendo o crime estar a isso relacionado. A proibição é temporária, o que a diferencia da perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, que ocorre como efeito de condenação principal em outros casos (artigo 92, I do Código Penal). A interdição de direitos tem a duração da pena de prisão substituída. Cumprida a pena, o sentenciado poderá voltar a exercer as funções. 5- Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público, prevista no artigo 47, II do Código Penal. Aplica-se em caso de crime relacionado à violação de deveres inerentes à profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público (art. 56, do CP). Aplicável também quando se tratar de crimes próprios, como nos de omissão de notificação de doença (art. 269 do CP) e de patrocínio infiel (art. 355 do CP), e não só quando ocorrer desobediência a deveres específicos de profissão, atividade ou oficio sujeito a habilitação, licença ou autorização do Poder Público. 6- Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo, prevista nos artigos 47, III, e 57, ambos do Código Penal. É aplicada nos crimes de trânsito, com efeito, nos culposos. Difere da inabilitação vista no art. 92, III, do mesmo código. Esta cominação rege os casos nos quais o infrator usa veículo como meio para cometer crime doloso. Era já prevista no Código de Trânsito Brasileiro, que em seu artigo 292, onde se lê que a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta como penalidade principal, isolada ou cumulativamente. No Código Penal é pena substitutiva, mas na lei especial que é o Código de Trânsito, pode ser pena principal, isto é, original, aplicada sem substituição. 7- Proibição de freqüentar determinados lugares, prevista no artigo 47, IV, do Código Penal. É uma limitação parcial e expressa do direito de locomoção. Não pode incluir lugares indeterminados, só específicos, em regra, pertinentes ao envolvimento típico que gerou a sanção. Acolhe estudos penais comportamentais que relacionam o ambiente ao crime e em seu cerne bem traduz a restritividade que a nomeia, pois é bem clara ao restringir com especificidade. 8- Limitação de fim de semana, prevista nos artigos 43, VI, e 48, ambos do Código Penal, consiste no recolhimento dos apenados em casas de albergado ou em estabelecimento adequado, pelo tempo de cinco horas diárias, nos finais de semana. Restringe a locomoção em certo período de determinados dias e tem finalidade educativa, pois naqueles períodos deverão ser ministrados cursos, palestras ou outras atividades educativas proporcionadas pelo Poder Público. 9- Multa, prevista como pena restritiva substitutiva no artigo 44, § 2°, do Código Penal. Veio com abrangência estendida em relação à antiga, da parte geral do mesmo código (Lei 7.209/84). Com a Lei 9.714/98, a pena privativa de liberdade de até um ano pode ser substituída isoladamente por multa. Lei especial editada em 1996 trouxe boa novidade. A multa passou a não poder ser convertida em prisão, em face do que dispôs a Lei 9.268/96. As multas não pagas, conforme passou a constar no artigo 51 do Código Penal, foram nomeadas como dívidas de valor, com eventual cobrança pela Fazenda Pública, o que neste trabalho já recebeu abordagem mais específica, com reprodução do mencionado artigo de lei. 264 Revista ESMAC 10- Prestação alternativa inominada, prevista no artigo 45, § 2°, do Código Penal, consiste em substituição da prestação pecuniária, que se cumpre com o pagamento de dinheiro à vítima, por prestação de outra natureza, o que geralmente ocorre em Juizados Especiais Criminais, resultando na doação, por exemplo, de alimentos (cestas básicas), produtos assistenciais ou de primeira necessidade, como medicamentos, fraldas e afins. Depende da aceitação do apenado e do aval da vítima. É mais uma forma de solução que prestigia a flexibilização das sanções, as penas mais pactuadas do que estritamente decididas, incluindo a participação direta dos envolvidos na resolução da lide. Esta reflete no nosso tema específico. Com sua entrada em vigor, a Lei 9.714/98 revelou seu espírito de intervenção mínima e trouxe ampliação das possibilidades de alternatividade à prisão, comungando com a tendência internacional de respeito aos Direitos Humanos e de restringir a privação da liberdade. Em seu texto, modificando o artigo 43 do Código penal e alguns seguintes, a lei enumerou penas alternativas à prisão, afirmou a autonomia destas, apontou as hipóteses de substituição e até de conversão e definiu certas penas, como se lê abaixo, para consolidar o resumo feito acima, o que justifica uma reprodução completa e esclarecedora: O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: “Art. 1o: Os artigos 43, 44, 45, 46, 47, 55 e 77 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passam a vigorar com as seguintes alterações: “Penas restritivas de direitos Art. 43: As penas restritivas de direitos são: I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores; III – (VETADO) IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V – interdição temporária de direitos; VI – limitação de fim de semana.” Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. § 1o (VETADO) § 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. § 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. § 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. 265 § 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior”. “Conversão das penas restritivas de direitos Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e dos artigos 46, 47 e 48. § 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. § 2o No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza. § 3o A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime. § 4o (VETADO)” “Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas Art. 46: A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade. § 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. § 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. § 3o As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. § 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.” “Interdição temporária de direitos Art. 47... IV – proibição de freqüentar determinados lugares.” “Art. 55. As penas restritivas de direitos referidas nos incisos III, IV, V e VI do art. 43 terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, ressalvado o disposto no § 4o do art. 46.” “Requisitos da suspensão da pena Art. 77 ... § 2o A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.” Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 25 de novembro de 1998; 177o da Independência e 110o da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO A Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) - insista-se em afirmar - apresentou bons e novos institutos, em verdadeira evolução, tais como a solução dos litígios via composição civil entre as partes; a transação penal, envolvendo o Ministério Público e o 266 Revista ESMAC infrator; a suspensão do processo; e a exigência de representação da vítima para casos antes não exigidos, possibilitando maiores resultados antecipados e compostos, sem decisionismo. Nominou princípios que visam soluções céleres e simples, evitando a pena prisional e passou a execução dos julgados para ser administrada no próprio Juizado emissor da condenação (artigos 60 e 61). E principalmente, firmou a evolução na aplicação das penas restritivas de direitos e de multa. A Lei nº 9.714/98, fundada em disposições anteriores, estendeu significativamente a possibilidade de substituição das penas privativas de liberdade, ampliando-a para condenações em até 4 (quatro) anos de prisão, dentro de certos critérios (culpabilidade, dos antecedentes, da conduta social e personalidade, dos motivos e circunstâncias do crime, reincidência específica e afins). Isto abarcou grande quantidade (a maioria) dos tipos previstos no Código Penal e nas leis especiais. No Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) veio a possibilidade de aplicação da transação penal e da suspensão processual face a tipos penais ali previstos. A Lei Ambiental (Lei nº 9.605/98) trouxe penas restritivas de direitos específicas, multa, previsões para proibição de contratação pública e novos institutos. Nisso, a alternatividade à prisão tornou-se mais efetiva e com abrangência larga, em várias leis especiais, com destaque para as leis dos Juizados Especiais (a lei estadual: Lei nº 9.099/95 e a lei federal: Lei nº 10.259/2001), no próprio código penal e com previsão na Constituição (art. 98, I). Como a competência dos Juizados Especiais Criminais face ao processamento e julgamento de infrações de menor potencial ofensivo passou a ser dos crimes com penas cominadas em até dois anos (artigo 61 da Lei nº 9.099/95, se constata que sua abrangência abarca a maioria dos crimes tipificados no Código Penal brasileiro e nas leis penais especiais, como exemplos: contravenções penais, crimes ambientais, crimes de trânsito, porte ou uso de entorpecentes e até em crimes eleitorais. E em tal maioria se reflete o espírito norteador na visão atual quando à apenação diferente da prisão. Isto decorre diretamente da constatação de que a pena prisional não ressocializa, não educa, não facilita a reintegração e não recupera, de modo a evitar a reincidência. Exatamente porque faz o contrário das penas restritivas: afasta o homem de seu meio; o impede, em geral, de trabalhar e de estudar; o retira do seio familiar e o deixa num seio vicioso. Quanto às penas de prestação de serviços à comunidade (ou a entidades públicas ou particulares com destinação social) e de prestação pecuniária alternativa (principalmente, em favor de entidades assistenciais, públicas ou privadas, e até com a doação de cestas básicas), além de o trabalho e os valores serem destinados a quem precisa, em retorno puramente humano e social, há várias possibilidades, como o trabalho em parques, praças e jardins (em Rio Branco/Acre, no Parque Ambiental Chico Mendes e no Horto Florestal, por exemplo); como apoio a projetos sociais (aqui, com ajuda dada ao Pelotão Florestal, por exemplo); como entrega de alimentos a um asilo de idosos ou a um educandário (em Rio Branco/Acre, para o Lar dos Vicentinos, que abriga velhinhos, ou para o Educandário Santa Margarida, que abriga dezenas de crianças). Assim se entende a maior efetividade na opção pelas penas alternativas à prisão. Num pequenino resumo como este, está o retrato do maior retorno e do maior aproveitamento social na aplicação das penas de prestação pecuniária alternativa e de prestação de serviços à comunidade, do que na aplicação da pena de prisão. E para apontar outra motivação bem notável, basta afirmar que com as penas restritivas em tela, vários gastos com a manutenção de presos e de presídios serão evitados. Nas restritivas, ao contrário de gastar, a sociedade aufere! Partindo daí, se constata que os mecanismos existem e a le267 gislação permite a adoção de novos rumos para o Direito Criminal e para a Justiça Penal. As intenções estão bem materializadas no ordenamento e os operadores podem se valer deste, sempre tendo em conta que o espírito da lei é a tradução dos valores e dos bens jurídicos eleitos pelos jurisdicionados ali representados. As vontades do homem traduzidas nas leis (que até refletem suas ideologias) devem ser interpretadas e compreendidas com respeito ao próprio homem a elas sujeito. Ocorre que o real está inteiramente imerso na interpretação, na visão, na forma de entender que se dá a ele. E o universo simbólico acompanha o homem desde suas origens, já que o homem cria conceitos sobre as coisas, a respeito dos valores e das crenças, e a partir desses conceitos entende a realidade, vive o real, experimenta e recebe experiência, entende e transmite. Assim foi que se evoluiu das galés e dos flagelos para a possibilidade de prestação de assistência à vítima, ou de destinação de dinheiro para creches ou educandários. O universo simbólico e a evolução interpretativa sobre os valores queridos pelos homens são, assim, e com bastante efeito, inerentes e pertinentes ao convívio coletivo humano. Esse universo está entre o visível e o imaginável, entre o real e o imaginário, e até os interliga. Se em um dado momento histórico o homem que aplicar vingança e exterminar quem o ofendeu, em outro, pode querer que seu ofensor contribua para com o aparelhamento de um orfanato. As vontades, as ideologias, os valores e as expectativas são formas de interpretar, de declarar ideais e, assim fazendo, de buscar a Justiça. Elas não estão, apenas, entre a realidade e a teoria, mas estão ali, para, também, estabelecer uma ponte eventual por onde passam homens e idéias, por onde passa a valorização do homem pelo homem. Assim, as compreensões e interesses, as expectativas que o homem tem face ao Direito Penal e às sanções aplicadas por transgressões, em suas múltiplas faces e em seus renovados ângulos de enfoque, nos permitem traçar caminhos e metas, nos dão roteiros, nos possibilitam interpretações, e com tais trilhos, podemos chegar hoje a decisões que amanhã serão abandonadas. Aí o entrelaçamento com a realidade, aí a perenidade da importância do passar do tempo, do observar diacrônico e do proceder sincrônico. Segundo Francisco Ivo Dantas (Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 1995), “o ordenamento jurídico (uno e indivisível), é nada menos que a consagração, no plano do direito positivo, de uma ideologia, socialmente aceita, dando legitimidade ao próprio ordenamento”. Extrai-se que o Direito Penal e as sanções traduzem a escolha, o ideal de Estado, ao passo em que corporificam também a expressão das vontades majoritárias, a concepção do meio social, a intenção popular refletida e buscada, em determinado contexto histórico e social. Tais ideais ficam padronizados e adquirem organização quando estruturados no ordenamento. E em suas aplicações, não se pode perder de vista as intenções, a motivação. Objetivamente, tocante ao nosso assunto, como visto no relato histórico, o que vem ocorrendo com a aplicação da pena prisional é um abrandamento sistemático, e no caso específico brasileiro, tal abrandamento vem ocorrendo por vários instrumentos despenalizadores, em várias leis e diplomas legais, formando uma tendência geral do ordenamento, e isto foi abordado acima. Seja pela hipótese de composição civil entre as partes, da qual decorre extinção de punibilidade para o então imputado; ou pela transação penal, com aplicação antecipada de pena diferente da de prisão; ou pela suspensão processual, mediante aceitação de condições que inibem o processo penal; além dos casos diversos de aplicação direta ou substitutiva de penas alternativas à prisão, mesmo em caso de exaurimento da instrução processual. Ou 268 Revista ESMAC seja, inclusive, pela previsão variada quanto à aplicação e quanto ao alcance (cabimento) das penas restritivas de direitos, em detrimento da pena prisional. Para melhor particularizar, explique-se que a composição civil, acolá referida, é tão despenalizadora que sua concretização evita, sumariamente, a submissão do imputado a eventual transação penal; não permite o desencadear da ação penal; e, nos casos de ação penal pública dependente de representação da vítima, a composição civil homologada chega mesmo a gerar a extinção da punibilidade, sem que se tenha sequer discutido o mérito do fato. Conclui-se que tal instituto privilegia a vontade da vítima e a resignação do imputado. Mais além, abranda a exclusividade estatal, e até a oficialidade (e obrigatoriedade) da ação penal pelo Ministério Público. A titularidade exclusiva do parquet foi um pouco relativizada, privilegiando-se soluções menos oficiais e mais particulares, entre os próprios envolvidos na lide. Vejamos o que diz a Lei nº 9.099/95: Artigo 74: “A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente”. Parágrafo único:“Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação”. Já a suspensão processual, também instituto despenalizador que traduz a evolução interpretativa das ações do Direito Penal, é medida que se disponibiliza, após a atuação inicial do Ministério Público de apresentar uma denúncia. Esmiuçando, significa que ao indivíduo denunciado, caso se encaixe em certos requisitos (como bons antecedentes, tipo ameno de crime e de pena branda cominada), se pode oferecer a oportunidade de não ser ele penalmenteprocessado(eeventualmentecondenado),suspendendo-seoprocessonafaseem que se encontra (oferecimento e recebimento da denúncia, mas sem deflagração da instrução processual objetiva), para que ele, aceitando condições, possa aguardar o decurso de certo período sem sofrer os percalços da acusação, em sentido estrito. Ou seja, está denunciado, mas não resta processado. Passado tal período (de dois a quatro anos) sem que o denunciado seja processado ou condenado por novo crime, e cumpridas as condições aceitas, para ele poderá advir a extinção da punibilidade, aqui também, sem que sequer o mérito do fato tenha sido apreciado. E depois da extinção, jamais será. É o que estabelece a Lei nº 9.099/95: Artigo 89: “Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena”. §5º: “Expirado o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade”. É a expressão da vontade comum obtida pela ação do legislador, é também expressão da opção de estado social, traduzida em regramentos, ou em ideais, que induz a atos 269 e interesses políticos e coletivos. E essa escolha, essa opção, dentre vários modelos políticos, sociais e econômicos existentes, para disciplinar as relações e a vida da sociedade, como ensina Ivo Dantas (Ob. cit), traduz juízos de valor, em conjunto, sobre matérias políticas, econômicas, sociais, culturais, dentre outras, que em conseqüência de sua aceitação pela maioria dos diversos segmentos sociais, transformar-se-á em valores da própria sociedade. Decorre daí a conclusão de que os valores e os princípios estão no cerne. E o ordenamento será tanto melhor quanto mais representar os ideais do grupo a ele submetido, tanto no nível do Direito Penal, quanto no nível superior que é a Constituição. Segue um trecho pertinente: “Constitui, igualmente, função garantidora do Direito Penal, a efetivação de princípios relativos à anterioridade da lei, quanto ao crime e à pena, à culpabilidade, à personalidade e individualização da pena e muitos outros que estão declarados na Constituição ou são por ela reconhecidos, posto decorrerem de seu próprio regime e dos princípios adotados ou oriundos dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte.” (René Ariel Dotti, em seu já mencionado artigo intitulado A Crise no Sistema Penal). As leis são desenhadas na tradução dos ideais e das vontades dos grupos sociais que se identificam com esses mesmos ideais e dentro deles interagem, realizam suas relações intersubjetivas, em períodos históricos. Já a adequação é alcançada com as adaptações de momento evolutivo, de atualidade, o que a torna ainda mais concreta e patente, efetiva e palpável, integrante da realidade, ainda que em processo de constante renovação, mutação e evolução. Sobressai disso que o indivíduo, para aceitar e melhor compreender o mundo, as coisas que o cercam, as situações em que se envolve, as relações que trava, os passos que aspira dar; se vale da utilização de vários pressupostos, de incontáveis conceitos, de diversas definições e modos de ver e assimilar as coisas, de uma série de mitos, de símbolos, de ícones e crenças, fazendo da existência e da própria vida, algo mais importante e significativo, dando-lhes maior amplitude racional em uma ordem ética e efetiva. E a liberdade é essencial para isto. Na prisão, estas coisas são impossíveis. No direito e na justiça, vemos que as situações de entendimento e interpretação das diversas relações intersubjetivas ocorridas no meio social, igualmente apontam as definições como resultantes da experiência temporal e dos ideais transportados para a vontade ideológica ordenada, mas sempre com o pé apoiado na observação e na experiência. E é desse norte que se pode auferir a Justiça. As vontades e os modos aceitos como ideais desse ou daquelegrupo,nesseounaquelemomento,podemperfeitamenteincorporaroprópriosenso de justiça dos tais grupos que as corporificam no seio das legislações respectivas ou dos princípios e valores balizadores dos ideais referendados, tanto pela defesa habitual, quanto pela positivação legislativa. É assim que vão nascendo os textos jurídicos, nos diplomas legais e nas constituições, consolidando essas preferências de forma estruturada, ordenada e legalmente ratificada. E é também daí que se retiram as interpretações e compreensões, os conteúdos e as aspirações. Decorre disso que uma política criminal que envolva objetivos do Direito Penal e expectativas sociais, deve atinar para o que deve ser mudado e o que deve ser mantido, dentro de uma avaliação global. Assim é que nascem as alternatividades. Vejamos o que diz René Ariel Dotti, no artigo A Crise do Sistema Penal, elaborado para a XVII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (Rio de Janeiro, ocor270 Revista ESMAC rida entre os dias 29/08 a 02/9/1999) e publicado na Revista Forense, no volume 352, já aqui referido: “A Política Criminal é o conjunto sistemático de princípios e regras através dos quais o Estado promove a luta de prevenção e repressão das infrações penais. Em sentido amplo, compreende também os meios e métodos aplicados na execução das penas e das medidas de segurança, visando o interesse social e a reinserção do infrator. Não é possível operacionalizar um sistema de prevenção e repressão da criminalidade sem definir quais são as leis velhas que devem ser revogadas e quais são as leis extravagantes a serem recepcionadas pelo novo ordenamento e que com ele podem conviver. Essa definição jamais poderá ser feita com a fórmula vaga da revogação tácita, assim como ocorre com a generalidade das leis quando o legislador, num dos últimos artigos, repassa a obrigação de solucionar os conflitos de sucessão para o juiz”. As leis e seus aplicadores devem olhar o caminho percorrido até o sentido atual e procurar fazer os ajustes sincrônicos. Hoje, além de já haver vasta revisão alternativa, tanto no Código Penal quanto nas leis especiais, há o poder interpretativo, há o caminho dos princípios, há a trilha dos fins humanizados. O operador do direito complementa o sentido do texto através da compreensão. Traz para si a tradição, mas evolui com ela, face ao momento e ao caso presente, fazendo da compreensão um agir produtivo que se acresce à tradição, continuando-a e melhorando-os. Os jurisdicionados e os sentenciados têm direitos adiante daqueles que lhes são outorgados pela positividade da legislação, pelos costumes ou práticas judiciais. Vejamos outro trecho daquele artigo de René Ariel Dotti: “Foi a jurisprudência humanitária dos juízes e dos tribunais que deu a única resposta compatível com a omissão do Poder Público em não construir estabelecimentos penais, ou não prover os já existentes, de obras necessárias à sua adequada utilização. E ela consiste na desprisionalização, vale dizer, na aplicação de medidas de restrição alternativas à prisão”. Com o histórico aqui feito, trazendo abordagem sobre as penas existentes, desde os primórdios até os dias atuais, é possível notar que as práticas sociais e judiciais evoluem e criam as respostas adequadas para os casos e para as situações às quais o Direito Penal é chamado a intervir. E aquelas práticas fazem isso através de uma construção interpretativa, na qual a atividade jurídica atual ou contemporânea é mais um tijolo, ou uma parede que se edifica na sequência da tradição (fazendo-a coerente), vista aquela como busca crescente e maior pela Justiça. Ronald Dworkin, em sua obra O Império do Direito, traduzida por Jefferson Luiz Camargo (São Paulo: Martins Fontes, 1999), nos fala de princípios, dizendo que são “uma noção que equivale a determinação direcionada a um mister da justiça, da equidade ou a outro plano da moralidade”. É ele quem diz, com melhores palavras, que a efetividade judicial edifica uma solução adequada para um caso, por meio de juízos interpretativos que captam a prática legal presente como integrante de uma sequência que se desenvolve; como tradição jurídica continuada; e a decisão atual, observando o caminho trilhado, já havido, que deve ser tomado em consideração, revela a coerência, como modo de se chegar à unidade da tradição. 271 O mote deste trabalho é a verificação sobre a maior efetividade e o melhor aproveitamento social das penas restritivas de direito nas modalidades de prestação de serviços à comunidade (ou a entidades públicas ou privadas de fim social) e de prestação pecuniária alternativa, em confronto com a pena de prisão. O que é melhor pode ser verificado por vários ângulos. Nosso norte mais se ajusta com o vocábulo valor. Das expectativas que se tem em relação a adoção desse ou daquele sistema penal, se valora o que se quer para o ordenamento. E o valor é traduzido como norma. O melhor poderá ser visto no resultado alcançado, estando o valor mantido na norma como anseio do grupo que a ela se submete. É assim um retorno. Com os dados históricos e as tendências evolutivas aqui lançadas, se vê que alternatividades à prisão vêm sendo ampliadas, em uso e em cabimento, nos mais variados diplomas legais, e protegendo os mais diversificados bens jurídicos. Então, a vontade de aplicar penas restritivas está continuada e mantida. Esta valoração continua crescente. O princípio de se prestigiar o cumprimento de sanções em liberdade está ativo. Resta demonstrar, como se vem tentando fazer, como a aplicação das penas de prestação pecuniária e de prestação de serviços está apresentando resultados melhores do que a da prisional. Ivo Dantas (Ob. cit.), a respeito da nossa abordagem sobre princípios e valores, citando Guy Rocher, ensina: “valor é uma maneira de ser ou de agir que uma pessoa ou uma coletividade reconheçam como ideal e que faz com que os seres ou as condutas aos quais é atribuído sejam desejáveis ou estimáveis”. O poder político vai reconhecer e consagrar no ordenamento jurídico, a efetivação daqueles valores. Por isto, o poder é uma “força a serviço de idéias” (Georges Burdeau, citado por Ivo Dantas, na obra deste já referida). Os ideais, o ordenamento e a expressão jurídico-positiva variam ao sabor da predominância desses ou daqueles valores e princípios. No caminho escolhido estarão consagrados os eleitos como aceitos e buscados; estarão consagrados os ideais conquistados e os almejados; estarão eleitas as opções do grupo social, num dado período de tempo, retratados todos, exatamente, no ordenamento e na constituição, expoente maior do ordenamento e lei essencialmente política. E na parte não positivada, a retratação vai estar nos valores e nos princípios. As relações jurídicas ocupam lugar de destaque no universo das ações e relações sociais do homem. O papel do Direito na estruturação da ação social pode ser visto na regulação das relações intersubjetivas de caráter jurídico (nem todas as relações intersubjetivas são jurídicas, assim como nem todas as normas são normas jurídicas), sendo, assim, em regra, jurídicas são as relações intersubjetivas verificadas entre dois ou mais sujeitos, dentro do que prevê e regula o ordenamento jurídico. Ao Direito contemporâneo, que se veste na atuação do Judiciário, não interessa apenas resguardar e manter o que existe; amparar o que é lícito e tolher o que não é. Interessa-lhe, com efeito, incentivar mudanças, inovações, boas transformações e bons valores, com ações modernas, adequadas e mais úteis ao contexto, procurando compreender o futuro, como se mover e em que apoiar o próximo passo. Interessa-lhe projetar o próprio crescimento, em importância e em ações criativas, com resultados objetivos, um crescimento calcado em princípios, em fins sociais, em cláusulas gerais, e não apenas na positivação ou no resguardo do passado. 272 Revista ESMAC O Direito vive em mutação, é norma social, e ao Judiciário compete crescer e inovar, para não ser um velho legitimador legislativo. Daí o crescimento em sua importância e a investida judicial criativa e inovadora, o adequando aos novos tempos e às novas expectativas que se tem dele, com atualidade, alcance e Justiça. Se os índices de criminalidade não diminuem com o encarceramento das pessoas sentenciadas em processo penal; e se os gastos só aumentam, com presos e presídios; a transação penal pode ser uma forma efetiva e digna de aplicar uma sanção da qual resulte retorno prático para a sociedade (o sentenciado prestará serviços à comunidade, em praças, parques, instituições públicas e afins) ou pagará multa alternativa em alimentos (que serão destinados a pessoas carentes, creches, escolas e assemelhados). Será um retorno muito melhor do que o gasto prisional, sem bom resultado garantido. Ao Invés de gastos com a manutenção dos presos, com os presídios, com o policiamento e com a estrutura, com a alimentação e os deslocamentos; a sanção vai traduzir uma economia, um repasse ou contribuição do apenado para a sociedade, através de seus serviços ou dos valores que transformará em alimentos para pessoas necessitadas e carentes ou para instituições filantrópicas ou assistenciais, com resultado aceitável e eficiente, tanto no aspecto jurídico quanto no social. E ao poder público, junto com o Direito Penal, além da opção em comento, cabe também atuar para planejar o aumento de possibilidades de soluções pactuadas ou transacionadas de litígios. Tanto agir para ressocializar, quanto para evitar a reincidência, posto que ambas são elementos de política criminal, e esta é uma questão pública, logo, de poder. A força, o poder, a ação do Estado, os reclames sociais, a destinação das regras de convívio e das sanções que as firam, devem seguir a manifestação dos ideais, dos valores, das opções da sociedade, diante da evolução histórica, efetivandoas no ordenamento e transmitindo-as ao seu público, que é a coletividade. São relações que concretizam vontades, através da sensibilidade de captar os anseios, as propostas, os valores, transformando-os em matéria estruturada e sistematizada em um ordenamento ou regramento de convívio humano. Como disse Michel Foucault (Ob. cit): “O poder não é algo confinado aos exércitos e parlamentos: é, na verdade, uma rede de forças penetrante e intangível que se tece em nossos menores gestos e declarações mais íntimas”. O Direito Penal e as penas que ele elabora são fatos sociais que se impõem e estão presentes na vida comunitária. A norma jurídica positivada vai revelar a valoração e as escolhas. As normas jurídicas são gestadas e elaboradas, de acordo com certas necessidades sentidas em uma sociedade e em uma época determinada, ou de acordo com o conjunto das urgências de certas circunstâncias sociais. Ivo Dantas (Ob. cit) revela que há outra dimensão e explica, sobre essas normas jurídicas, que: “são engendradas pela pressão de alguns problemas sociais e estão destinadas a resolver esses problemas, a remodelar e a estruturar a circunstância social, diga-se, são pensadas para produzir nessa realidade social, precisamente, uns determinados resultados, e não outros”. Em nosso âmbito e na delimitação do nosso tema, o que a vontade legal (vontade eleita pelos valores e ideais do grupo social) aponta, é um rumo, para relativizar a pena de prisão e valorizar efetivamente as penas a ela alternativas. O próprio ordenamento vem tratando de criar institutos, medidas e mecanismos 273 para substituir a prisão por sanções diversas, como a prestação pecuniária (em favor de entes públicos, privados ou da vítima) e a prestação de serviços à comunidade ou a instituições, que é, efetivamente, em prol da sociedade. E isso vem ocorrendo por intermédio de um processo, de uma maturação, mostrando opções e valores que acontecem, se revelam e evoluem, num caminho de desenvolvimento sócio-cultural, que é mutante, se moderniza e elege contextos. Os valores de cada contexto são representados por idéias que se positivam na norma jurídica e essa é a relação essencial. Os valores são efetivados, através do conteúdo ideológico do ordenamento jurídico e as normas são o instrumento para a realização dos valores aspirados. Na inexistência dessa relação, surge o fenômeno que Ivo Dantas, em suas Instituições de Direito Constitucional Brasileiro (2ª edição. Curitiba: Juruá, 2001) chama de hiato constitucional, pela quebra do processo histórico no qual deveria ter vigência e eficácia a constituição, enquanto forma de manifestação da norma jurídica, traduzido como um divórcio entre a realidade social e a norma constitucional jurídico-positiva. O caráter ideológico do ordenamento jurídico é a regulamentação dos valores e ideais aspirados e consagrados pela sociedade. São opções de cada realidade social, pois variam segundo o contexto, e até de forma mais rápida que a produção oficial da norma, daí ser essencial a sensibilidade de sua percepção e inclusão no ordenamento. Por isto mesmo, a comunidade, as instituições e a própria vítima, devem se envolver na execução das penas e verificar o retorno, no cumprimento, na efetividade e na utilidade decorrentes da realização de uma sanção alternativa, pelo beneficiamento de uma entidade pública ou privada, por serviços comunitários prestados, pela doação de material ou equipamento para uma creche, por exemplo. Esse envolvimento, que não ocorre na pena prisional, de regra, pode ser bem patente nas penas alternativas àquela. E o Direito Penal se vale do referido envolvimento: “O Direito Penal, através de sua concreta aplicação, não é o único meio para enfrentar a criminalidade. Sendo o delito um fato complexo, resultante de múltiplas causas e fatores, o seu combate deve ser estabelecido através de diversas instâncias, tanto formais como materiais. São instâncias formais: a lei, a Polícia, o Ministério Público, o Poder Judiciário, as instituições e os estabelecimentos penais. São instâncias materiais: a família, a escola, a comunidade (associações, sindicatos) etc”. (René Ariel Dotti, em seu mencionado artigo intitulado A Crise no Sistema Penal). Isto indica multiplicidade e pluralidade de indivíduos (e entes) vivenciando relações (intersubjetivas e interpessoais). A gerência dessas relações traz os homens como sujeitos, mas também envolve instituições e atividades, em sentido amplo. E nesse envolvimento são reproduzidos interesses e vontades, intenções e expectativas, e a reprodução aponta, dentre outras coisas, o que é o melhor, ou o mais valorado. Nesta seara, cabe reproduzir o entendimento de Hans Kelsen (Tradução de João Baptista Machado. Teoria Pura do Direito.6ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998). “A Sociologia do Direito não põe os fatos da ordem do ser, cujo conhecimento lhe compete em relação com normas válidas, mas os põe em relação com outros fatos da ordem do ser, como causas e efeitos. Ela pergunta, por exemplo, por que causas um legislador foi determinado a editar precisamente estas normas e não outras e que efeitos tiveram os seus comandos. Pergunta de que forma os fatos econômicos e as representações religiosas influenciam de 274 Revista ESMAC fato a atividade do legislador e dos tribunais, porque motivos os indivíduos adaptam ou não sua conduta à ordem jurídica”. No emaranhado de crenças políticas, no conjunto de idéias e valores, floresce a orientação do comportamento coletivo, opções dentre escolhas políticas, sociais, econômicas e afins, revelando uma ordem pública, derivando em um ordenamento jurídico. Isso é essencial à constituição – expoente do ordenamento – quando instrumento de um Estado livre, de um regime democrático e aberto, explica Ivo Dantas, em suas Instituições de Direito Constitucional Brasileiro. “Pacífico nos dias atuais é o entendimento segundo o qual o Direito (processo ou ordenamento, sistema) está condicionado e relacionado com a História (também = processo) do tempo em que é legislado. Neste sentido é que se justifica o avanço cada vez maior dos estudos da História e/ou Sociologia do Direito”. Essa maturação advém, dentre outras variáveis, da sensibilidade que produz a evolução. A sensibilidade na apreciação e na inclusão dos valores ideais no corpo constitucional lhes dará efetividade. Os valores são acolhidos, e destacados, porque são vivenciados, sentidos e maturados. Depois, crescem junto ao seio social que os originou. Por isto, não há ideais definitivos, já que os valores, na integralidade, não são perenes, vão sendo vivenciados, vão acontecendo, a cada contexto, a cada momento histórico, vão, em ordem de aceitação social, sendo agrupados a um ordenamento legal, a uma estrutura jurídica. E o momento não é mais de insistir na soberania do aprisionamento. Aos poucos, segundo a maturação social que envolve a aceitação e a inclusão de dado proceder ou de dado bem jurídico como valor ideal, esse valor será incorporado ao Direito, como emanação pública. Decorre daí a conclusão de que a norma jurídica é fruto da vida social, ela vem do grupo social, das pessoas e das instituições, que transformam em norma os seus anseios, as suas opções e ideais. E nestes, o valor do ordenamento, posto que reflete a vontade do grupo a quem se destina e são essenciais, já que são a imagem do grupo que está sob a ordem estruturada na legislação, que é cogente. Sem a identificação não vai existir coerência, surgirão distorções graves que desvalorizarão os anseios e as opções eleitas. Vai daí que os ideais são transportados para os ordenamentos, para que ali sejam resguardados como valores essenciais. Do travamento das relações sociais, da interação e do cometimento dos contatos intersubjetivos, nascem, florescem e tornam-se vivos os valores. Como diz Carlos Nelson Coutinho (Contra a Corrente: Editora Cortez. São Paulo, 2000): “A cidadania não é dada aos indivíduos uma vez para sempre, não é algo que vem de cima para baixo, mas é resultado de uma luta permanente, travada quase sempre a partir de baixo, das classes subalternas, implicando assim um processo histórico de longa duração”. Da filosofia de São Tomás de Aquino (História da Filosofia do Direito e do Estado. 8ª edição, p. 299, tradução portuguesa de Alianza Universidad. Espanha, 1982), vem o seguinte resumo: 275 “Para se ordenar ao bem comum, a lei humana deve ter alcance geral e provir de uma instância que atue em representação do corpo social. Esta instância pública fica submetida à lei enquanto não a derrogar. Finalmente, a lei humana não pode ficar à mercê da boa vontade dos seus destinatários, portanto, é apoiada na força da coletividade, podendo impor-se coercitivamente”. O Direito participa da evolução histórica. Igual modo a Justiça, como um conceito e um valor que vai sendo formatado de acordo com sentimentos e ideais maturados, que vão se aprimorando e ingressando nas legislações. O Direito está relacionado diretamente com a vida das pessoas, com as experiências obtidas, que são passadas para as normas. Portanto, o Direito tem base histórica. As tendências e preferências vão se consolidando e estruturando. Com a aceitação e inserção do querer coletivo no ordenamento, já em sua aplicação, o operador deverá olhar para a formatação, deverá adentrar na interpretação, para compreender a construção da norma e poder trabalhar a adequação de suas funções, de seus alcances e do contexto presente. Compreensões fazem crescente a tradição interpretada e, adiante, outras decisões incorporam nova tradição, aproveitando o que até ali chegou. A continuação, a seqüência, molda a história jurídica, desenhando a apreensão contemporânea do direito, matizando o buscar da Justiça. O legislador e o aplicador do direito consideram a corrente anterior, que interpreta e continua, fazendo da seqüência em desenvolvimento um aprimoramento. Uma fusão ocorre na prática jurídica, transformando a em ato de criar e ato de interpretar. É a interpretação construtiva do direito, a que Dworkin (Ob. cit) chama de integridade, entendida nas palavras dele como um ideal que amolda aos princípios de devido processo, justiça e equidade, buscando estruturar um modo justo comum e coerente. As atividades de legislar e de criar regras, bem como a de operar ou aplicar as leis e sanções, buscando melhorar, como visam as penas alternativas à prisão, são atividades criativas, que se revelam na interpretação edificadora do direito. E o direito como integridade tem a compreensão como uma questão de princípios, na medida em que a tradição continuada observa os princípios de equidade, justiça e devido processo em um conjunto coerente que dá estrutura ao direito e está presente na solução dos casos que se apresentem. É a revelação das intenções e dos princípios, positivados ou não. E aqui mencionamos essa visão para dar a conotação de justiça social e de humanização das sanções que a substituição da pena prisional traz. Afinal, como se justificaria uma tradição seguida de valores, se fossem eles tendentes a continuar aprisionando o homem, em situações possíveis de sancioná-lo alternativamente, com a substituição da prisão por penas restritivas? E para efetivar essa substituição, além das previsões legais melhoradas pela interpretação continuada dos objetivos penais, há a possibilidade de alcance pela via dos valores, como o do justo, o do mais humano, mais adequado, mais útil. Decorrem daí princípios, como o da Efetividade ou o da Equidade. E daí, ainda, é possível suscitar o amparo constitucional, como no caso dos Juizados Especiais Criminais, com o mote do art. 98, I da nossa Constituição, com relação à criação dos Juizados Especiais Criminais, na intenção direta de evitar-se a pena prisional. A transação penal, conforme expressão dos artigos 62 e 76 da Lei nº 9.099/95 é para aplicação de uma pena diferente da prisional. Logo, não se transaciona pelo mais grave e severo, que 276 Revista ESMAC é a prisão, e sim, pelo mais ameno, que é a alternatividade. É a própria Lei dos Juizados Especiais que orienta: Artigo 62: “O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios de oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação de danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade”. Artigo 76: “Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta”. E há muitos outros caminhos além deste ou de outros exemplos já apontados. O mais importante é permitir a maturação e o fortalecimentos das penas restritivas de direitos e de novas medidas alternativas à prisão. Como visto, o Direito Penal é dinâmico. Com o passar dos tempos e o renovar das compreensões, junto com o adequar das legislações, as penas foram se tornando menos cruéis. Foi sendo percebido que o castigar, por si só, não inibe novos crimes, já que em todas as sociedades a criminalidade ocorreu, e ocorre, com mais ou menos notoriedade, por decorrência da convivência grupal que gera, aqui e ali, conflitos e confrontos. O interagir nem sempre é pacífico e ordeiro. A compreensão implica na atividade de reflexão e na interpretação. A evolução histórica assim foi permitindo. Interpretar é buscar alcançar o sentido de algo, e nesse veio, as conclusões interpretativas foram trazendo ao claro que a função ressocializadora e que a utilidade e o retorno social da pena estavam adiante dos suplícios e do simples encarceramento. Novas opções de sanções respondem melhor. A interpretação revela sentidos e significados. Compreender é inerente ao homem. Ao interpretar e compreender fenômenos, o homem compreende a si. Em relação à norma jurídica, interpreta-se para compreender e compreende-se para aplicar. E a aplicação não visa colher apenas o sentido original do texto normativo e a ele manter-se preso, busca determinar seu conteúdo, apreendê-lo e adequar suas disposições ao momento presente, ao caso posto, à especificidade e também ao contexto, produzindo e construindo o sentido do Direito, o alcance das sanções, as funções da penas criminais. A pena de prisão teria como um de seus argumentos, a justificativa de que o apenado poderia refletir sobre sua conduta e, mesmo preso, trabalhar. Com bom comportamento, poderia obter benefícios. Mas as preocupações se sucederam, com a negativa de bons resultados oriundos do encarceramento. Passou-se a pensar em verificar as adequações entre a imposição a ser executada e o ser humano a cumpri-la. Igualmente, com a duração e o tipo de pena (regime). Com a personalidade e com a realidade individual da pessoa apenada. Até mesmo com o custo social dos aprisionamentos, já que não se vê retorno concreto, ao contrário, a violência levada por um preso para o recolhimento, é trazida para fora bem aumentada, em vários casos. No caminho dessas preocupações, vemos presentemente que as tendências mais notáveis estão trilhando a inibição, o quanto possível, da pena de prisão, preferindo trocála por penas alternativas, por serem mais humanas, mais úteis, de melhor resultado social e com maiores condições de evitar a reincidência. A comprovação dessas tendências está refletida nos ordenamentos jurídicos vários que adotaram as penas restritivas de direito, como o Brasil, com notório crescimento de sua utilização e com significante aumento das 277 possibilidades de seu cabimento. Além do maior aproveitamento social, pelo sentenciado e pela sociedade (até mesmo pela vítima), as penas restritivas de direitos têm índice muito baixo de descumprimento e causam reincidência muito menor do que a prisão. Com efeito, como se demonstrará detalhadamente mais adiante, as penas restritivas de direitos, que já estavam se aproximando das privativas de liberdade, em condenações no Brasil, desde alguns anos atrás, agora neste ano de 2008, no primeiro semestre, conseguiram suplantar as prisionais. No Primeiro Juizado Especial Criminal de Rio Branco/AC, como se vê em relatório anexo, referente ao período de setembro de 2007 a setembro de 2008, apenas 25% (vinte e cinco por cento) das penas restritivas de direitos aplicadas, nas modalidades eleitas neste trabalho, não foram totalmente cumpridas. No mesmo caminho, vejamos fragmento de informação retirada de um texto publicado na Revista Consultor Jurídico em 08/10/2008 e disponível na internet,com acesso em 17/10/2008 (sítio conjur.com.br). No texto a seguir está retratada a afirmação de que as penas de prestação pecuniária alternativa e de prestação de serviços à comunidade tem baixo índice de descumprimento e são as mais utilizadas, dentre as restritivas. Os números se referem diretamente a São Paulo/SP, onde aquelas duas penas em conjunto, atingem quase 91% das penas alternativas lá aplicadas na totalidade, o que ocorre de forma muito aproximada em Rio Branco/Acre, no 1º Juizado Especial Criminal local: Penas alternativas: por Gláucio Milicio: “...as penas alternativas têm sido aplicadas e cumpridas. Na cidade de São Paulo, por exemplo, do total das penas alternativas aplicadas, apenas 13% não são cumpridas. Na capital paulista, 49% das penas aplicadas são por furtos. A maioria desses pequenos infratores são solteiros, tem entre 18 e 40 anos e poucos antecedentes criminais. A pena mais aplicada em São Paulo é a de prestação de serviços (60,5%). Em segundo lugar ficam as pecuniárias (30,4%). Quanto à escolaridade, 38,2% daqueles que são condenados a penas alternativas têm o ensino fundamental incompleto; 19,9%, ensino fundamental completo; 6,9% ensino médio incompleto; 11,8%, ensino médico completo e apenas 5,9% com superior incompleto ou completo... Dos apenados, 86,5% trabalham. Deste percentual, 61,2% são autônomos. A renda familiar varia de três a 10 salários mínimos. Em geral, os condenados a prestação de serviços trabalham em entidades públicas. A prefeitura paulistana já recebeu 225 pessoas. No estado de São Paulo, a Secretaria da Administração Penitenciária já implantou quinze Centrais de Penas e Medidas Alternativas, para acompanhar o cumprimento da pena e estudar medidas para o desenvolvimento social e humano do infrator”. Revista Consultor Jurídico. Autor do texto: Gláucio Milício. Fonte – sítio da web conjur.com.br. Pesquisa realizada (acesso) em 17/10/2008. E tanto dos 25% do 1º JECrim de Rio Branco/AC, quanto dos 13% de São Paulo, o não cumprimento não é definitivo. É possível adotar diligências e até a condução do apenado a Juízo, para se justificar e para ser novamente encaminhado para prestar os serviços, o que diminui, ainda mais, a já pequena margem de descumprimento. Observada a abordagem deste trabalho, se constata que a aplicação de penas alternativas à prisão, como a prestação pecuniária alternativa e a prestação de serviços à comunidade, além das vantagens específicas de permitirem o cumprimento de pena sem afastamento da pessoa de seu seio social, ou de permitirem retorno da pena para a comunidade, evitando gastos em presídios, tal aplicação evita, também, vários atos de avaliação, exames comportamentais e relatórios burocráti278 Revista ESMAC cos, permitindo uma execução mais célere, objetiva e simplificada, além de ser notadamente mais leve, menos dolorosa. Não há exames nem pareceres, tampouco intervenção de médicos, psicólogos, carcereiros ou policiais. As próprias instituições que recebem os serviços, recursos ou alimentos se encarregam, junto com a comunidade, de acompanhar a execução destas penas alternativas. O envolvimento da comunidade, através de pessoas, entidades, organizações ou instituições, além de dignificar a execução, a torna efetiva, útil, conscientizadora e mais proveitosa. O apenado não se afasta do trabalho, da família nem de seu grupo social. E tem a muito provável satisfação de entregar a prestação de serviços ou destinar alimentos ou valores produtos e bens para aproveitamento social. Cadeias, casas de correção e penitenciárias são criadas para diferenciar a execução, com técnicas corretivas e disciplinares, variação dos fins da punição, separação entre indiciados e condenados, criminosos e contraventores, entre praticantes de tipos penais, mais ou menos graves. Solidão, isolamento e convívio num meio marginalizado não induzem, com efeito, à conscientização. A inércia, a falta de trabalho, o afastamento social e o familiar só propiciam um retorno desajustado, com largas possibilidades de reincidência, pois as condições prisionais, em geral, não são capazes de proporcionar a reintegração do preso ao meio onde estava, antes de ser recolhido, não o capacita, não o educa, não o treina nem o reanima. Desde o século XIX, visava-se a reparação do crime aliada à transformação do apenado, com destaque para três princípios fundamentais de garantia individual, incidentes na execução penal: a) o princípio da legalidade dos delitos e das penas; b) o princípio da personalidade da responsabilidade criminal e c) o princípio da proporcionalidade entre crime e pena. Hoje, cabe ao Direito Penal assegurar condições para convivência e realização das pessoas em sociedade. Para isso, elenca bens jurídicos relevantes à tutela penal, à vista da proteção constitucional a tais bens que, atingidos, geram sanção. No Primeiro Juizado Especial de Rio Branco/AC, conforme relatório (anexo) referente ao mês mais recente apurado (setembro de 2008), as penas de prestação pecuniária alternativa e de prestação de serviços à comunidade, foram aplicadas em 99,5 % dos casos ali solvidos, restando apenas 0,5 (meio por cento) de sanções destinadas a outras modalidades de penas. É uma realidade expressiva da adoção preferencial das penas restritivas de direitos, que é maior ainda em Juizados Criminais. Ainda sobre dados do Primeiro Juizado Especial Criminal de Rio Branco/AC, se vê que num período maior, de setembro de 2007 a setembro de 2008, noventa e cinco por cento (95%) das penas lá aplicadas foram de prestação pecuniária alternativa e de prestação de serviços à comunidade, e apenas cinco por cento (5%) foram de outras penas. A distribuição foi de sessenta e um por cento daquele total (95%) para as penas de prestação de serviços à comunidade; e de trinta e quaro por cento para as penas de prestação pecuniária alternativa. A valorização da pena de prestação de serviços à comunidade é comentada por Guilherme de Souza Nucci, em seu Manual de Direito Penal – parte geral (4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008): “Trata-se, em nosso entender, da melhor sanção penal substitutiva da pena privativa de liberdade (prestação de serviços à comunidade), pois obriga o autor do crime a reparar o dano causado através do seu trabalho, reeducando-se, enquanto cumpre pena”. Vimos assim, aspectos que corporificam a verificação aqui exposta de que as penas 279 restritivas de direito, particularmente, as de prestação de serviços à comunidade e de prestação pecuniária alternativa são sanções mais úteis (pois revertem em favor da vítima ou de instituições, públicas ou privadas, que atuam em prol das comunidades e das pessoas menos favorecidas economicamente); mais dignas (pois não infligem isolamento ao apenado); mais ressocializadoras (pois o apenado não se afasta do seu meio, do seu trabalho, de sua família nem de sua escola); mais efetivas e mais favoráveis a evitar-se a reincidência (com conscientização do sentenciado de que sua pena produz algo de bom para outras pessoas); e também melhores, dentre outras características, por serem mais fáceis, mais baratas e mais simples de cumprir, o que é também aproveitado no acompanhamento da execução criminal (com o envolvimento da comunidade e da vítima e mediante custos mínimos, e que serão ainda menores, se comparados com o custo de um recluso). A Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10/12/1948 proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, reconhecendo a dignidade inerente aos membros da família humana, como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. No art. V da Declaração consta que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou degradantes. Luiz Flávio Gomes diz em sua obra Penas e Medidas Alternativas à Prisão (São Paulo: Revista dos Tribunais, 1ª edição, 1999), que: “a pena de prisão na atualidade, para além do seu fracasso, constitui a síntese mais emblemática das punições torturantes, desumanas, degradantes e cruéis, não se pode deixar de reconhecer que é dessa regra fundamental que devemos partir para a compreensão e estudo das penas e medidas alternativas à prisão”. Abordando a preocupação da ONU em ter a pessoa humana como eixo e a atenção dispensada aos encarcerados, Luiz Flávio Gomes (ob cit) acrescenta que: “a prisão, desde o seu nascimento, sempre deu ensejo a abusos e arbitrariedades” e que há uma inviabilidade quase absoluta de se ressocializar o condenado dentro da prisão”. O 6º e o 7º congressos da ONU expediram, respectivamente, as Resoluções nº 8 e nº 16 dando ênfase à necessidade de redução da quantidade de reclusos e à criação de alternativas à pena de prisão, no mote de reinserção social do infrator. Na ocasião do 8º Congresso da ONU foram criadas regras mínimas intituladas Regras de Tóquio, abordando o tema acima. Os objetivos fundamentais das regras foram estabelecidos em um conjunto de princípios básicos para promover o emprego de medidas não privativas de liberdade; de garantias mínimas para a pessoa submetida a medidas substitutivas da prisão; para promover maior participação da comunidade na administração da Justiça Penal e no tratamento do delinqüente; e para estimular entre os infratores o senso de responsabilidade em relação à sociedade. No direito brasileiro, há especificidades legais semelhantes, como na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) em seu artigo 4º, ao disciplinar que: “o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”. É ainda Luiz Flávio Gomes (ob cit) quem leciona: 280 Revista ESMAC “Todos estamos convencidos de que nenhuma sanção criminal, seja a de prisão, seja a alternativa, pode ter qualquer prosperidade sem o efetivo apoio da comunidade, que deve compreender o delito não como um fenômeno isolado e resultante de um ser anormal, senão como um acontecimento inerente à convivência social (toda comunidade possui suas taxas de delinquência)”. Buscando no direito pátrio, se vê que, também na Lei de Execução Penal, em seu artigo 80, estão previstos os Conselhos da Comunidade, que podem ser ferramentas importantes na consecução desse fim. Em nosso caso específico, em sede de Juizados Especiais Criminais, os apenados em prestação de serviços à comunidade recebem orientação e acompanhamento do Ministério Público, fiscalização do Juízo (as centrais de penas alternativas trabalham com assistentes sociais, psicólogos etc) e acompanhamento da própria entidade comunitária beneficiária dos serviços. A entidade fica encarregada de comunicar ao Juízo sobre a freqüência do sentenciado, seu nível de aproveitamento e dedicação às tarefas atribuídas e o tempo de cumprimento da sanção, dentre outras informações. Exemplos de ofícios de encaminhamento e de relatórios, ambos do Primeiro Juizado Especial Criminal de Rio Branco/Acre, estão no anexo. Ainda sobre a adoção efetiva e agora em vias de se tornar preponderante, das penas e medidas alternativas à prisão, caracterizadas pelas penas restritivas de direitos e por outros institutosdespenalizadores,descarcerizadoresetendentesaumamenorintervençãopunitiva estatal, segue mais um trecho de Luiz Flávio Gomes (ob cit): “doravante, para bem se compreender o sistema de Justiça Penal brasileiro, deve-se partir da premissa de que dentro dele existem dois subsistemas: o clássico, que privilegia o encarceramento porque acredita na função dissuasória da prisão; e o alternativo, que procura sancionar o infrator conforme a gravidade da infração, com penas e medidas alternativas, isto é, sem retirá-lo do convívio familiar, profissional e social”. E sobre os pontos positivos e a receptividade da proposta legal despenalizadora, acrescenta este autor: “O modelo penal alternativo inegavelmente conta com enorme potencialidade ressocializadora e reúne capacidade, ademais, tanto quanto avaliam os documentos da ONU, de servir de instrumento para a preservação da segurança (prevenção do delito), sem necessidade de se recorrer à traumática pena de prisão, isto é, ao encarceramento desnecessário do infrator. Traz vantagens para o autor do fato punível (que não é inocuizado, segregado, separado da família, do trabalho etc), para a vítima (porque desse modo abre-se a perspectiva da reparação dos danos ou outros tipos de prestações), bem como para a sociedade (que alcança a meta da segurança com menores custos, e da prevenção do delito com a alta redução da taxa de reincidência). Espera-se, destarte, que a sociedade compreenda corretamente a extensão do diploma legal, dando sua imprescindível contribuição para o incremento da aplicação e execução das penas alternativas”. 281 A prestação de serviços e a prestação pecuniária em favor de entidades com destinação social possibilitam a participação incisiva da comunidade na execução da pena, viabilizando a aproximação do apenado com a sociedade antes vitimada, por entidades ou pessoas que a integram, com a infração que aquele praticou. Por si, isto já embasaria a conclusão de que a pena de prisão deve ser trocada por outros modos de sanção de significativo alcance social, de forma que o sentenciado possa entender os fins e as funções da pena recebida. Encarcerar não consegue isso, pois só redundaria revolta e irresignação. Nas penas restritivas de direitos a integração social mantida facilita a readaptação e minora a possibilidade de reincidência. Ao contrário, na pena prisional, os condenados saem, muitas vezes, mais periculosos do que eram quando iniciaram a execução de suas penas. Lá dentro, com a falta de estudo, com o afastamento familiar e comunitário, sem trabalho e sem saída, terão aberta a escola para interagir com criminosos mais lapidados e com facções hediondas. Sobre a imprestabilidade do sistema de encarceramento, vejamos o texto a seguir, de Luiz Flávio Gomes (Ob. cit): “A prisão é um produto caro e reconhecidamente não ressocializa. Pelo contrário, dessocializa. Em razão da superpopulação, dos seus métodos e da sua própria natureza, é desumana e cruel; corta o vínculo com a comunidade, com a família, com o trabalho, com a educação, etc. Há séria dúvida, por tudo isso, sobre se cumpre ou não seu papel de intimidação. Particularmente no que se relaciona com o sistema prisional brasileiro, ainda há que se destacar: os presos não são separados por idade, natureza da infração, condição processual, praticamente nenhuma é a assistência médica, odontológica etc., sentem-se frustrados com o funcionamento da Vara de Execuções criminais... É, em síntese, fonte de um sem número de ilegalidades, que são toleradas e muitas vezes até estimuladas, sem respeito aos direitos humanos fundamentais”. 282 Revista ESMAC CONCLUSÃO Já em rumo final, passamos a resumir aspectos que nos permitem afirmar ser melhor a aplicação das penas restritivas de direitos de prestação pecuniária alternativa e de prestação de serviços à comunidade, do que a pena de prisão. Por que as penas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas ou privadas (que no cerne, será uma prestação de serviços à comunidade, por um ou outro caminho) e de prestação pecuniária alternativa (também em favor de pessoas ou entidades de fim social), são sanções melhores? Vamos às respostas, que não vão esgotar o tema mas buscam o melhor amparo encontrado pelo aluno para justificar tal premissa. Ao longo deste trabalho de conclusão de curso, constam vários momentos em que esta resposta vem sendo delineada. As restritivas são mais úteis, para quem é beneficiado com serviços, bens ou pecúnia e para quem cumpre uma pena e vê o resultado da execução, sem degradar a si mesmo e sem se afastar do seu meio. São mais efetivas, porque trazem um resultado prático, diferente de apenas isolar uma pessoa e mantê-la fechada para o mundo. São mais baratas, pois não se gasta com presídios, segurança, alimentação, escoltas, estruturas e afins. A diferença entre os gastos com a pena de prisão e as penas alternativas, poderá ser utilizada em programas e em projetos de alcance social e até em acompanhamento das vítimas. Insista-se, pode ser usada em projetos educacionais para a família dos apenados. Isto é inegável retorno social. As restritivas geram maior conscientização, porque são mais dignas. Capacitam o apenado e não apenas o excluem, ao contrário, tentam, ainda mais, incluí-lo. Dão maior resposta social, pois o produto da pena é materializado. Possibilitam evitar a reincidência e a criminalidade, porque quem continua assistido por seus familiares não se afasta do trabalho e do eventual estudo, tem mais chances de evoluir e de seguir as regras de convívio do que quem está segregado, indignado e relegado. Como as penas restritivas de direitos são mais aplicadas ao criminoso eventual e ao não violento ou hediondo, a manutenção no seio comunitário, trabalhando ou prestando doações para entidades de fim social, dá mais amplitude para que ele perceba que aquele momento ruim pode ser apagado pelo seu próprio esforço. Em média nacional, enquanto na pena de prisão a relação de funcionário por condenado é de 3 para 1; nas penas alternativas, cada funcionário ou assistente social pode ser encarregado de acompanhar cerca de 50 (cinquenta) prestadores de serviços. Com relação aos prestadores de sanção pecuniária, esta proporção aumenta geometricamente. O custo da pena alternativa é muito menor do que o da pena de prisão. No Estado do Rio Grande do Sul, que desenvolve desde 1985 projetos pioneiros com penas alternativas, o custo médio mensal de um prestador de serviços à comunidade vinha sendo de R$ 53,35, enquanto que as despesas mensais com a prisão naquele Estado ficam em torno de R$ 290, 14, por preso. Cinco vezes o valor do prestador do serviço ainda não dá o total de duzentos e noventa reais e catorze centavos! A sobra valiosa pode ser usada em assistência social, em educação e até em programas de proteção a vítimas ou a testemunhas. Imagine-se a diferença total. Em razão de comprovações assim, o retorno social e humano da pena prisional é muito menor do que os das penas restritivas de direitos aqui em relevo. De acordo com dados publicados pelo 283 sistema de justiça criminal da Inglaterra e de Gales, o custo médio mensal de um sentenciado é de $ 2,190 libras, enquanto que o sentenciado condenado ao serviço comunitário custa de $ 100 a 200 libras. Lá, a diferença é extraordinária! Sobre a reincidência. As penas alternativas geram menos reincidência. Comparação feita em Cleveland, nos Estados Unidos, verificou a reincidência criminal, depois de 2 anos, de delinqüentes que passaram pela prisão e sentenciados que cumpriram penas alternativas. Sessenta e quatro por cento (64%) daqueles (os reclusos) voltaram a delinqüir, enquanto que a taxa de reincidência entre os prestadores de serviço foi de 37% (trinta e sete por cento). Na experiência gaúcha, em 1993 (ano de maior número de prestadores admitidos), apenas 12,54% reincidiram. O índice nacional de reincidência estava em 48%. Em certos estabelecimentos brasileiros a reincidência bate em 85%. Logo, as penas alternativas conseguem a redução da criminalidade e diminuem o exército de presos. Os dados dos dois últimos parágrafos foram pesquisados no sítio da internet wwwibccrim.org.br, acesso em 08 de agosto de 2008. Melhor aproveitamento das penas de prestação pecuniária e de prestação de serviços à comunidade, quanto ao sentenciado. Os benefícios são grandes, tais como: melhores condições de reintegração e readaptação. Não será caso de reinserção estrita, pois em tais penas não haverá o afastamento do meio social. A pena de prisão, além de não ressocializar, viabiliza a exclusão social, porque o apenado se verá obrigado a deixar a família, os amigos, a escola, o trabalho e sua vida normal anterior. Aquelas penas alternativas permitem que o sentenciado pratique atividades profissionais ou paralelas na entidade para a qual presta serviços (na razão de uma hora por dia de condenação) e ali mesmo poderá ser aproveitado. E que se sinta realizado, portanto, conscientizado, ao doar alimentos ou bens a quem mais precisa. Com as atividades que prestará na entidade recebedora ou com os contatos que fará ao destinar prestação pecuniária, ele poderá formar crescimentos pessoais e culturais que lhe facilitarão posteriormente em sua própria vida profissional. Isto redunda em bom convívio social que reduz em muito as chances de reincidência. Ao prestar serviços ou auxiliar no fim social das entidades recebedoras, os sentenciados em penas restritivas vão assimilar interesse comunitário e perceber que o meio deve interagir para a obtenção de benefícios comuns. Na prisão, isto não poderia acontecer. O convívio seria com pessoas desestimuladas e com o cerne voltado para comportamentos marginais às boas regras de harmonia coletiva. Nas restritivas, a participação no crescimento social edifica a boa personalidade. A prestação pecuniária ou a prestação de serviços à comunidade são formalizadas de acordo com as aptidões e possibilidades dos apenados, logo, os encaminhamentos das execuções estarão, em bom grau, satisfatórios ao sentenciado. Ele se sentirá reconfortado em ajudar a quem precisa e compreenderá a utilidade da sanção, o aproveitamento do que fez ou do que doou. É fundamental lembrar e repetir que não haverá afastamento do eventual emprego nem da frequência às aulas ou a cursos dos quais o agente antes participava. Tampouco de sua família, meio comunitário e amigos. Os compromissos, as tarefas e os horários - como prevê a lei - devem ser conciliados. Como fazer isto na prisão? A participação profissional no acompanhamento da pena, além da comunidade e das entidades, por assistentes sociais e servidores do juízo, facilitarão melhores orientações ao apenado e dessa interação pode resultar desapego a práticas outras que não reflitam atendimento ao ordenamento jurídico. E com isso, resultará apoio efetivo para ele. 284 Revista ESMAC Se por algum motivo insuperável (saúde, viagem ou questões familiares) o apenado precisar, a suspensão momentânea da execução pode ser apreciada, sem prejudicá-lo no tempo para resolução daquele problema, com retomada posterior da execução da pena restritiva. Na prisão, isto não é viável, é impraticável. E lá dentro, problemas de saúde só tendem a se agravar, pela falta de assistência médica constante e ampla e pelas condições ruins de higiene. Quanto à comunidade (o que inclui a vítima), o maior retorno das restritivas, estará em alguns aspectos a seguir, que traduzem a afirmação de que a prestação de serviços à comunidade e a prestação pecuniária são melhores penas do que as prisionais. Aquelas possibilitam à sociedade o ressarcimento dos danos oriundos do cometimento do ilícito. O sentenciado presta o serviço ou destina valores (bens, produtos, materiais, equipamentos, alimentos ou gêneros diversos) para a mesma sociedade que vitimou, ao ferir a regra legal de convívio harmônico. Na prisão, o condenado dará gastos e mais despesas para a sociedade, sem garantia de recuperação. Como já mencionado, os valores economizados podem ser aplicados em vários outros interesses sociais, como, por exemplo, em profissionalização dos familiares dos sentenciados ou na escolarização dos filhos deles. As entidades sociais, a vítima ou as pessoas necessitadas que recebem alimentos ou afins, se beneficiam, na proporção em que retorna para elas o produto da execução penal. Pelo serviço, o ente ganhará um prestador gratuito que o ajudará em suas atividades; pela pecúnia, uma ajuda material para a consecução de seus fins. Em certos casos, aquele serviço poderá até ser especializado, pois os direcionamentos devem ser compatíveis com as aptidões. Conforme exposto, as pena restritivas de direitos (alternativas) inibem muito mais a reincidência, do que a pena de prisão. Assim, além de economizar com a manutenção de presos e presídios, a comunidade vai ganhar em segurança. Estará evitando financiar a formação de delinqüentes mais especializados ou agrupados em facções. Ao sentenciado alternativo, ao contrário do preso, a própria comunidade poderá direcionar uma esperança, por emprego, trabalho ou ocupação temporária. No mais, a sociedade, ao participar do cumprimento das penas de prestação de serviços e de prestação pecuniária, garante o cumprimento efetivo destas penas, ao atestar que recebeu a pecúnia, os produtos ou os serviços. E nessa interação, permite-se melhor conscientização e sentimento de utilidade ao apenado. A degradação humana e o contágio violento promovidos pelo sistema penitenciário desde muito tempo atrás vinham mostrando a necessidade de se evitar um improdutivo e inoperante encarceramento já no limite da massividade. O recrudescimento da violência pode ser tentado pela via de programas sociais de educação e treinamento profissional, pois a marginalização e a criminalidade não têm proporção com o número de presidiários. Aliás, verificamos, por inferência própria, que o aprisionamento, com as mínimas condições de ressocialização e de respeito à dignidade humana, como vem sendo atualmente feito, não é um instrumento de combate à criminalidade, tampouco um meio eficaz de inibir a delinqüência ou a reincidência. A prisão vem apenas afastando indivíduos e os deixando quase ao esquecimento, pois não há, na realidade carcerária, oferecimento de ensino e profissionalização, na maioria dos casos. O encarceramento é muito mais um meio de mascarar as omissões públicas em planejar e materializar políticas e programas de alcance social 285 para fortalecer a educação em todas as faixas etárias e para promover um ensino público abrangente e qualificado. Ato omissivo marginal às boa regras de convívio e pacificação social é a quase total ausência do Estado nas favelas, nas concentrações carentes, nas periferias urbanas e nos encondidos rurais, como aqui no Acre, nas vilas, zonas agrícolas e seringais. E a ausência no amparo educacional, no encaminhamento para a formação profissional, para o acesso cultural. E se é assim, em tais níveis, o que se vai dizer da omissão quanto ao nosso sistema penitenciário, contaminado e transmissor ativo, doente terminal e desassistido, completamente sem remédios? Segundo pesquisa sobre vitimização feita pelo Instituto Datafolha (wwwdatafolha. folha.uol.com.br, acesso em 17/10/2008) em dezembro de 1997, a aplicação das penas alternativas já era defendida por 55% (cinqüenta e cinco por cento) da sociedade. Segundo o referido instituto, quanto maior a escolaridade e a renda do entrevistado, maior o apoio aos serviços comunitários; e menor o apoio à pena de prisão cujo regime de cumprimento seja o fechado. A Organização das Nações Unidas prega que a prisão deve ser o último recurso para o tratamento de delinqüentes e que: “as penas substitutivas da prisão podem constituir um meio eficaz de tratar os delinqüentes no seio da coletividade, tanto no interesse do delinqüente quanto no da sociedade”. A justiça penal deve primar pela reinserção social do infrator. As Regras de Tóquio pronunciaram (como objetivos da Organização das Nações Unidas) que os ordenamentos jurídicos devem priorizar: “medidas não privativas de liberdade para proporcionar outras opções a fim de reduzir o recurso às penas privativas e racionalizar as políticas de justiça penal, tendo em consideração o respeito aos direitos humanos, as exigências da justiça social e as necessidades de reinserção dos delinqüentes”. Sobre o que dissemos antes, tocante à participação da comunidade na execução das penas, vejamos outro enunciado daquelas Regras de Tóquio: “A participação da coletividade deve ser encorajada, porque constitui um recurso capital e um dos meios mais importantes de reforçar laços entre os delinqüentes submetidos a medidas não privativas de liberdade e as suas famílias e a comunidade. Esta participação deve completar os esforços dos serviços encarregados de administrar a justiça penal”. Quanto à compreensão e cooperação por parte do público, as Regras de Tóquio enunciaram que deve ser feito todo o possível para informar sobre a importância do seu papel na aplicação das medidas não privativas de liberdade. E para dar melhor cenário às considerações finais deste trabalho, vamos a dados recentes fornecidos pelo Ministério da Justiça, através do Departamento Penitenciário. Como vai ser discriminado adiante, o crescimento da utilização e da aplicação efetiva das penas restritivas de direito no Brasil, entre 2002 e 2007, foi de 412,6%. É um crescimento espetacular! O percentual ratifica nossas afirmações no texto deste trabalho, sobre as tendências da Justiça Penal e sobre a manutenção de valores e ideais humanitários e de alternatividade, 286 Revista ESMAC no transcurso histórico aqui resumido. Neste mesmo período de cinco anos, entre 2002 e 2007, o crescimento do número de presos foi de 69,84%. Ou seja: as penas alternativas no Brasil, entre 2002 e 2007, cresceram sua aplicação em mais de quatrocentos e doze por cento. No mesmo período, a aplicação da pena de prisão cresceu menos de setenta por cento. Portanto, a linha valorativa das alternatividades se mostrou evolutivamente crescente. Os dados foram extraídos do sítio do Ministério da Justiça do Brasil em 17/10/2008, e também disponíveis na Revista Consultor Jurídico, de outubro de 2008 e no sítio da web conjur.com.br. Pesquisa realizada (acesso) em 17/10/2008. Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir (Petrópolis: Vozes, 2ª edição, 1983, tradução de Lígia Vassallo), afirma que a prisão sempre foi “o grande fracasso da Justiça Penal” e enumera algumas fontes críticas: “as prisões não diminuem as taxas de criminalidade; provocam a reincidência; não podem deixar de fabricar delinqüentes, mesmo porque lhes são inerentes o arbítrio, a corrupção, o medo, a incapacidade dos vigilantes e a exploração (dentro dela nascem e se desenvolvem as carreiras criminais); favorecem a organização de um meio de delinqüentes, solidários entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades futuras; as condições dadas aos detentos libertados condenam-nos fatalmente à reincidência; a prisão fabrica indiretamente delinqüentes, ao fazer cair na miséria a família do detento”. E arremata Foucault, que constitui a prisão: “um duplo erro econômico, diretamente pelo custo intrínseco de sua organização e indiretamente pelo custo da delinqüência que ela não reprime”. Apesar de várias conclusões já deixadas ao longo deste trabalho, ainda cumpre mencionar que a evolução de que falamos anda na companhia constante de idéias inovadoras, de atitudes de incriminação menor, para viabilizar objetividade e resultado ao Direito Penal. Há várias situações (a rigor, na maioria) em que uma composição civil ou uma solução penal transacionada podem resolver. A menor intervenção do Estado (que é bom princípio para isto) pode adequar a persecução criminal ritual para os casos de maior reclame punitivo. Quando não for assim, recorre-se a soluções compostas, pactuadas, negociadas ou transacionadas. Até por meios extra-penais. No mais, diante de verificação judicial motivada, também é possível adotar princípios, como o da Insignificância, pelo qual são excluídos de penalização os fatos de pequena perturbação ou influência no meio social. Outros meios de despenalização e de descarcerização e outros meios de depuração da Justiça Penal: utilização cada vez maior de penas restritivas e de medidas alternativas, estas não apenas à prisão, mas à persecução e ao processamento. Aumento de hipóteses de composição, de suspensão e de opções versáteis. Valorização da solução por reparação de dano e indenizações. Uso de prestações pecuniárias de natureza variada. Aumento das possibilidades de uso dos institutos despenalizadores, por exemplo, do limite do artigo 61 da Lei nº 9.099/95, que vai até dois anos, atualmente. Criação e estruturação de mais e melhores centrais de penas restritivas de direitos. O próprio sentenciado e a sociedade são os destinatários dessas sanções restritivas. As suas constantes criações, com novas e mais adequadas versões, representam, a nosso ver, um 287 grande desafio para o Direito Criminal e para a execução penal, em solidificar esse modelo mais atual e equilibrado para a Justiça Penal, assim como uma grande revolução social em prol da cidadania. A participação da sociedade, por seus membros e instituições, da família e do meio comunitário são fundamentais. Essa participação ocorre pelo recebimento e o acompanhamento de serviços, valores ou alimentos a ela destinados, por esta entidade ou aquela instituição; pela fiscalização, na integração e na formação de um senso de responsabilidade do agente sancionado para com o meio social que integra; e na própria readaptação da pessoa com o meio, dentre outras várias formas de envolvimento. Afinal, é exatamente para manter essa relação que as penas alternativas à prisão atuam para não afastar o sentenciado de sua comunidade e para transferir para esta, com responsabilidades, a utilidade e os benefícios das sanções, com efetividade maior do que acontece nas penas privativas de liberdade. Como se vê em relatório acostado no anexo, expedido pelo Primeiro Juizado Especial de Rio Branco-Acre, a variedade de entidades, instituições, pessoas e órgãos públicos beneficiados com as penas restritivas de direitos nas modalidades de prestação pecuniária e de prestação de serviços à comunidade é bem significativa. Há creches, educandários, asilos para idosos, centros de recuperação de dependentes químicos, associações comunitárias, igrejas, órgãos estatais policiais, de saúde e de interesses ambientais, dentre outros. E nesses entes beneficiados, está o retorno social expresso no projeto de pesquisa e neste trabalho, com alcance notoriamente maior do que nos casos de penas de prisão. Deixamos para o fim a melhor notícia. Ela se refere ao primeiro semestre de 2008 no Brasil. Depois do que se viu nos rumos históricos e nas tendências continuadas, a utilização das penas alternativas à prisão passou a ocorrer de forma patente, numa clara opção humanitária crescente, já incorporada a visível tendência da Justiça Penal de serem as restritivas as penas preferenciais. E sobre isto, como se vê em artigo a seguir reproduzido, baseado em dados do Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça do Brasil (pesquisado por acesso ao sítio ecosdanotícia.com.br, em 24/07/2008), as penas alternativas passaram a ser mais aplicadas do que as penas prisionais no Brasil. Esta informação é sensacional! Ali consta, em resumo que, pela primeira vez, o número de pessoas cumprindo penas e medidas alternativas no Brasil, disparou em relação aos presos. Os dados se referem ao primeiro semestre de 2008. Até 30 de junho, 498.729 pessoas cumpriam pena ou medida em liberdade (alternativas à prisão). E as pessoas cumprindo pena de prisão eram 439.737. A diferença verificada é de 13,4% a mais de pessoas cumprindo penas restritivas de direito, em face das pessoas encarceradas. A mesma notícia, com números detalhados, também consta no sítio da revista Consultor Jurídico. O extrato dos dados e números confirma o que nosso trabalho vem abordando desde as linhas precoces. A tendência é o crescimento da valoração das alternatividades à prisão, exatamente porque, como demonstrado acima, as penas alternativas, aqui incluídas as de prestação pecuniária e de prestação de serviços à comunidade (ou a entidades públicas ou privadas de fim social), dão melhor retorno social, capacitam mais a ressocialização, evitam de forma mais eficiente a reincidência e são mais efetivas do que a pena prisional. Vejamos o extrato, para finalizar este trabalho: “Os números referentes ao primeiro semestre deste ano (2008) são do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça. Pela primeira vez, o número de pessoas cumprindo pena e medida alternativa (PMA) ultrapassou o de presos”. 288 Revista ESMAC Agora são 498.729 pessoas cumprindo penas e medidas alternativas e 439 mil pessoas presas. “No ano passado, eram 422.522 pessoas com pena e medida alternativa e 423.373 presos. O salto de penas e medidas alternativas foi de 18% enquanto o de presos foi de 4,1%. A conta não leva em consideração aqueles que estão em liberdade porque tiveram a progressão de regime”. “Dos presos, quase metade está em prisão provisória — 210.563. Desses, 137.887 estão em presídios e penitenciárias e 61.792 em cadeias e delegacias. Os outros 229.174 estão condenados. O Depen afirma que pelo menos 80 mil dos presos provisoriamente poderiam responder o processo em liberdade. O déficit de vagas no sistema prisional é de 185 mil”. Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2006. Fonte – sítio da web conjur.com.br. Pesquisa realizada (acesso) em 17/10/2008. REFERÊNCIAS CALLÓN, Cuello E. Penologia – las penas y las medidas de seguridad – su ejecución. Madrid: Reus, 1920. COUTINHO, Carlos Nelson. Contra a Corrente. Editora Cortez. São Paulo, 2000 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 20ª edição. Saraiva, 1998. São Paulo: DANTAS, Francisco Ivo. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 1995. DOTTI, René Ariel. Reforma Penal Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1988. Artigo. A Crise do Sistema Penal, elaborado para a XVII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, ocorrida no Rio de Janeiro/RJ, entre os dias 29/08 a 02/9/1999 e publicado na Revista Forense, no volume 352. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Tradução de Ligia M. 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Por reconhecer o caráter empírico em geral adotado na gestão desse importante segmento do Estado, as discussões desenvolvem-se num ambiente de crescente convencimento quanto à necessidade de adoção de modernos métodos da ciência da Administração, similares aos adotados nas organizações empresariais, como ferramentas indispensáveis a excelência do serviço judiciário. Por essa concepção, o anacronismo e a pouca funcionalidade da administração do Poder Judiciário paradoxalmente seria o elemento obstrutivo à implementação de modernas tecnologias, fato gerador do descompasso entre o momento tecnológico vivenciado pela sociedade e a realidade cotidiana dos Tribunais. A necessidade de novas tecnologias de gestão, assim, fez surgir no Brasil os fundamentos teóricos da administração pública judiciária, um ramo ainda novo da ciência da Administração e por conseqüência muito pouco estudado e aprimorado. Por essa linha de pensamento, a Administração Judiciária viria atender aos preceitos constitucionais de celeridade e efetividade da Jurisdição, como elo entre a ciência da Administração e a do Direito, a servir de mola propulsora às mudanças e à modernização do Poder Judiciário. A par disso, surge a indagação quanto à viabilidade de aplicação à administração do Poder Judiciário nacional das mesmas técnicas adotadas com êxito nas organizações empresariais, em especial quanto ao modelo da Administração por Objetivos (APO), então desenvolvida na década de 50. Na gestão das organizações privadas, a experiência da Administração por Objetivos revelou-se extremamente importante para o desenvolvimento das empresas. Por esse modelo, que tem como base o planejamento estratégico, a administração seria focada nos seus objetivos estrategicamente definidos e todas as suas atividades seriam desenvolvidas segundo o propósito de realizá-los. Contudo, é sabido que há um fosso profundo entre as organizações públicas e as privadas quanto aos seus objetivos. As empresas buscam vantagens competitivas para alcançar o seu público alvo, o consumidor, e dessa maneira aumentar os lucros. As organizações públicas, por sua vez, não podem buscar como objetivo senão a melhoria dos serviços ao cidadão. Eis aí um fator a ser considerado no estudo da Administração Judiciária. Encontrar a solução para a superação dos obstáculos que impedem a moderniza291 ção da gestão do Poder Judiciário é, conseqüentemente, a questão mais emblemática para a novel Administração Judiciária. Nas organizações empresariais, a implementação da gestão por resultados foi alavancada pela intensa utilização da informática, a permitir serviços cada vez melhores e com rapidez nunca antes vista. Esse mesmo fenômeno parece também alcançar as organizações públicas e com certo atraso o Poder Judiciário. Somente no final da década de 90 e início deste século é que os recursos da Tecnologia da Informação efetivamente vêm ganhando cada vez mais espaço na Administração do Poder Judiciário, avançando tanto sobre a gestão da área-meio quanto da área-fim. Se a administração por resultados (APO) se revela uma opção a ser explorada pela Administração Judiciária como contribuição para a celeridade e efetividade da Jurisdição210, a Tecnologia da Informação de igual modo tende a fornecer os meios necessários para esse propósito. Mas, a questão que se apresenta é se a adoção dos mais modernos recursos da Tecnologia da Informação seria suficiente para, por si só, melhorar a atividade judiciária e até que ponto poderia viabilizar a implementação da Administração por Objetivos no Poder Judiciário. A resposta para esse questionamento certamente está nas diversas experiências do Poder Judiciário nacional. Assim, o primeiro capítulo deste trabalho destina-se à análise do que se compreende por Administração Judiciária, seu conceito e referência teórica. Para melhor compreensão do assunto, aborda-se a Administração Judiciária sob os enfoques da atividade-meio e da atividade-fim, prosseguindo com uma análise do funcionamento do sistema judiciário brasileiro do ponto de vista de sua administração. A seguir, faz-se uma retrospectiva quanto à atuação do Conselho Nacional de Justiça, com destaque quanto às conseqüências para a administração do Poder Judiciário a partir de 2005. Logo depois, no segundo capítulo, analisa-se o modelo da Administração por Objetivos (APO) como uma opção à gestão do Poder Judiciário. Inicialmente o estudo trata do conceito de Administração por Objetivos e enfoca sobre a importância do planejamento sob os seus três níveis distintos, sendo eles o estratégico, o tático e o operacional. Em seguida, ao analisar a administração do Poder Judiciário segundo a visão discricionária (gestão do improviso) e também institucional (gestão estratégica), discorre-se quanto ao desafio de se construir planos estratégicos nosTribunais que realmente reflitam a vontade institucional em oposição a valores ou opções pessoais de cada gestor. No terceiro capítulo, o trabalho aborda sobre a Tecnologia da Informação e o impacto decorrente de sua utilização na administração do Poder Judiciário. A análise começa por conceituar Tecnologia da Informação para em seguida tratar do seu alinhamento com o plano estratégico da Instituição. E dentro desse contexto, analisam-se as soluções da Tecnologia da Informação atualmente utilizadas na gestão do Poder Judiciário, a saber: sistemas de acompanhamento processual; sistema de processo judicial eletrônico; sistemas exógenos de apoio à efetividade da Jurisdição e sistemas de gestão da área-meio. Ao final, o trabalho se propõe a demonstrar as conseqüências decorrentes da uti210 Então entendida como função do Estado de resolver os conflitos individuais e garantir a manutenção da ordem jurídica.. 292 Revista ESMAC lização das técnicas da Administração por Objetivos aliadas aos recursos da Tecnologia da Informação mediante o exame da experiência da 2ª Vara de Família da Comarca de Rio Branco, Acre. A pesquisa foi desenvolvida com base em dados estatísticos fornecidos pela Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Acre do período de 1996 a 2007, bem assim em documentos arquivados na 2ª Vara de Família. 293 1. ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA 1.1. Conceito No atual estágio de evolução do Estado, o Poder Judiciário destaca-se como o responsável direto pela importante missão de garantir a observância do direito objetivo material, a autoridade do sistema jurídico e a paz e a ordem sociais. É assim, com a atuação da função jurisdicional do Estado pelo Poder Judiciário, que o direito se torna possível e é mantido em última instância. Na verdade, o sistema jurídico como o conhecemos não seria possível sem a plena atuação da função jurisdicional do Estado. Assim como um organismo vivo, que precisa de um sistema de defesas e curas para o tecido ferido, a ordem jurídica necessita de um mecanismo de atuação, validação e reparação do direito violado. Essa função, naturalmente, tanto mais será eficiente na medida em que a instituição por ela responsável disponha de mecanismos adequados de gestão de recursos humanos, materiais e tecnológicos. No passado não muito distante, o processo judicial desenvolvia-se em um ambiente de pouca demanda e lenta interoperatividade das relações comerciais e sociais. O Judiciário era, a sua maneira, plenamente ajustado à realidade então existente. No início do Século XX, tudo funcionava de modo quase artesanal. Não havia grande preocupação com a gestão de processos em uma época em que os documentos eram inteiramente manuscritos e autos judiciais costurados à mão. Entretanto, diante das intensas transformações econômicas e sociais ocorridas ao longo do Século XX, sobretudo impulsionada pelos efeitos do fenômeno da globalização211 e pela nova Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988, o sistema judicial brasileiro experimentou um grande aumento da carga de litigiosidade, o que significou uma demanda muito superior à capacidade de tratamento e resolução de conflitos. Desvelava-se então a existência de uma “crise do Poder Judiciário”, a por em xeque o modo como administrado. Ao jurisdicionado, como já dissera Rui Barbosa212, no célebre discurso “Oração aos Moços”, que justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta, não basta que o Estado-Juiz decida o conflito. É preciso que a decisão proferida tenha alguma utilidade, seja efetiva, que realmente resolva a lide posta à apreciação do Judiciário no tempo razoável. Mas, a indagação do momento visaria soluções para o crescente descompasso do funcionamento do Judiciário e as novas demandas que florescem em dimensão global e em tempo real. Para superação dessa crise, ganha força entre os profissionais do direito a inclinação por conhecimentos de administração e a conclusão de que a realização da função jurisdicional plena e efetiva, em tempo razoável, depende inexoravelmente da aplicação de técnicas 211 Sobre o fenômeno da globalização, Hans-Peter Martin e Harald Schumann, em “A Armadilha da Globalização” – 5. ed. - São Paulo: Globo, 1999, abordam sobre a internacionalização descontrolada dos mercados e as conseqüências para a democracia. . 212 BARBOSA, Ruy. Escritos & Discursos Seletos. Rio de Janeiro: Companhia Aguiar Editora, 1966. p. 658. 294 Revista ESMAC e métodos de planejamento, gestão e controle. À medida que os problemas do sistema judiciário foram se agravando, a questão de como administrar os órgãos judiciais foi ganhando cada vez mais relevo no cenário nacional, principalmente diante dos maiores desafios do sistema, tais como as questões da morosidade na prestação jurisdicional e do acesso ao Judiciário. De par com esse estado de coisas, a questão ganhou relevância no cenário político nacional, o que impulsionou os representantes dos três Poderes a unir esforços no sentido de encontrar soluções para o sistema judiciário, cientes de que os problemas não ficavam restritos ao âmbito do Poder Judiciário. E assim, em 15 de dezembro de 2004, o Presidente da República, o Presidente do Senado Federal, o Presidente da Câmara dos Deputados e o Presidente do Supremo Tribunal Federal assinaram o Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano213, onde os três Poderes assumiram os seguintes compromissos para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional: 1) implementação da reforma constitucional do Judiciário; 2) reforma do sistema recursal e dos procedimentos; 3) defensoria pública e acesso à Justiça; 4) juizados especiais e justiça itinerante; 5) execução fiscal; 6) precatórios; 7) graves violações contra direitos humanos; 8) informatização; 9) produção de dados e indicadores estatísticos; 10) coerência entre a atuação administrativa e as orientações jurisprudenciais já pacificadas; e 11) incentivo à aplicação de penas alternativas. Na definição de tais premissas, a administração do sistema judiciário destaca-se como ponto de atenção do Pacto, conforme se vê a seguir: Poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no tocante aos diagnósticos quanto à questão judiciária. A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardamodesenvolvimentonacional,desestimulaminvestimentos,propiciamainadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático. Em face do gigantesco esforço expendido sobretudo nos últimos dez anos, produziram-se dezenas de documentos sobre a crise do Judiciário brasileiro, acompanhados de notáveis propostas visando ao seu aprimoramento. Os próprios Tribunais e as associações de magistrados têm estado à frente desse processo, com significativas proposições e com muitas iniciativas inovadoras, a demonstrar que não há óbices corporativistas a que mais avanços reais sejam conquistados. O Poder Legislativo não tem se eximido da tarefa de contribuir para um Judiciário melhor, como demonstram a recém-promulgada reforma constitucional (EC no 45/2004) e várias modificações nas leis processuais. A reforma do sistema judicial tornou-se prioridade também para o Poder Executivo, que criou a Secretaria de Reforma do Judiciário no âmbito do Ministério da Justiça, a qual tem colaborado na sistematização de propostas e em mudanças administrativas. É nesse ambiente de crise e de busca de soluções, então, que emerge a novel Administração Judiciária como importante instrumento de modernização do Poder Judiciário, resultado da interconexão entre a ciência da Administração e o Direito. De fato, não há atividade humana nos dias atuais que prescinda das ferramentas da 213 MJ – Ministério da Justiça. Reforma do Judiciário. Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano. 2004. Disponível em <http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJ8E452D90ITEMIDA08DD25C48A6490B9989ECC844F A5FF1PTBRIE.htm> Acesso em: 11 jul 2008 295 ciência da Administração. A esse respeito, Idalberto Chiavenato214 explica: Nos dias de hoje, a Administração figura como a única instituição que transcende as fronteiras de países e organizações, apresentando um significado global e mundial. A moderna Administração não se restringe aos limites ou a fronteiras nacionais. Para ela, as fronteiras nacionais perderam a antiga relevância. O centro de nossa sociedade e de nossa economia também não é mais a tecnologia, nem a informação, nem a produtividade. O fulcro central está na organização: a organização administrada que maneja a tecnologia, a informação e a produtividade. A organização é a maneira pela qual a sociedade consegue que as coisas sejam feitas. E a Administração é a ferramenta, a função ou o instrumento que torna as organizações capazes de gerar resultados e produzir o desenvolvimento. Além disso, a Administração caminha cada vez mais para ser uma ciência universal. Ela é necessária não só para os administradores, mas para todas as áreas do conhecimento humano e científico. Cientistas, profissionais liberais, empreendedores, presidentes, governadores, prefeitos, políticos e todo tipo de empreendimento social requerem conceitos da Administração para alcançar objetivos. O desenvolvimento de um país ou organização passa necessariamente pela Administração. Por essa razão é que, nas palavras de Chiavenato, a Administração destaca-se como a condução racional das atividades de uma organização e consiste no “processo de planejar, organizar, dirigir e controlar o uso dos recursos e competências organizacionais para alcançar determinados objetivos com eficiência e eficácia, por intermédio de um arranjo convergente” , E Peter F. Drucker215, com propriedade, vem dizer que: A administração é desincumbência de tarefas. A administração é uma disciplina de estudo. Mas é também gente. Cada realização da administração é realização de um administrador. Cada deficiência é deficiência de um administrador. São pessoas que administram e não “forças”, nem “fatos”. É o descortínio, a dedicação e a integridade dos administradores que determinam se existe administração ou desadministração. Dependendo do ambiente em que se realiza, se público ou privado, o ato de administrar pode se manifestar de formas essencialmente diferentes. Isso decorre do avanço experimentado pela administração das empresas, que cientes de seus riscos e orientadas pelo lucro, e diante das exigências econômicas e sociais, foram levadas à eficiência e eficácia, a reinventar seus métodos e suas estruturas, com práticas de planejamento, organização, liderança e controle muito além das adotadas pelo Estado. Ao passo que a Administração Empresarial teve extraordinário salto de qualidade, o Estado muito pouco mudou ao longo dos anos. E nesse contexto se insere a gestão do sistema judiciário. Apenas recentemente, com o ingresso do mundo dos negócios na Era da Informação em 1990, com o fim da Era Industrial, e premidos pelas novas demandas sociais, é que os profissionais do Direito perceberam a real necessidade de uma completa reestruturação do sistema judicial brasileiro, que agora deveria focar-se, não só no acesso e na celeridade, 214 CHIAVENATO, Idalberto. Administração, teoria, processo e prática. 4ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p.5. 215 DRUCKER, Peter Ferdinand. Introdução à administração. Tradução do original em inglês “A introductory view of management”, por Carlos Malferrari. São Paulo: Thomson Pioneira, 2006. p. 5. 296 Revista ESMAC como também na eficácia e efetividade da prestação jurisdicional. Desse despertar, à falta de um arcabouço teórico próprio, as linhas básicas da Administração Judiciária no Brasil vêm sendo desenvolvidas a partir de práticas extraídas da administração empresarial e adaptadas à realidade da gestão pública. Ao integrar os quadros da magistratura, o juiz logo percebe que além da função judicante também fora investido na função de administrador de uma vara, foro ou mesmo Tribunal, tarefa essa que extrapola a sua formação acadêmica. De seu gabinete, o juiz moderno passa a administrar não só o processo judicial, enquanto instrumento de realização da jurisdição, mas também os recursos e procedimentos mais apropriados para o melhor desempenho de sua unidade jurisdicional. Se a tarefa básica da Administração é a de fazer as coisas por meio de pessoas de maneira eficiente e eficaz216, pode-se se assegurar que a Administração Judiciária no Brasil, ainda que na sua fase embrionária, se erige importante promessa de melhoria do funcionamento do sistema judiciário e, conseqüentemente, da realização célere e efetiva do Direito. Por esse prisma, a Administração Judiciária é uma área do conhecimento pela qual o administrador utiliza princípios, técnicas e ferramentas da ciência da Administração para decidir e solucionar os desafios do sistema judiciário no seu mister de realizar o Direito de forma célere e efetiva. 1.2. Administração judiciária em sentido estrito e administração jurisdicional A Administração Judiciária, conforme trate de atividades-meio ou atividades-fim pode, ainda, ser analisada sob dois ângulos217: a) o da administração judiciária propriamente dita e; b) o da administração jurisdicional. É, assim, compreendida como administração judiciária a atividade de planejar, organizar, dirigir e controlar o uso dos recursos organizacionais do Poder Judiciário indispensáveis à produção do serviço jurisdicional. Engloba, portanto, todos os serviços considerados como atividades-meio, cuja administração normalmente é confiada a servidores de cargos efetivos ou em comissão. Nesse campo estão os diretores, coordenadores, supervisores, chefes de seção e de gabinete. No que concerne à administração jurisdicional, deve-se compreender como a realização das atividades específicas dos magistrados na administração dos meios necessários à realização de sua própria jurisdição. O processo judicial218, enquanto instrumento por meio do qual a jurisdição atua, é por natureza uma relação entre os sujeitos envolvidos no objetivo de eliminar conflitos e fazer justiça mediante a atuação da vontade concreta da lei. E essa relação requer uma administração ativa por seu condutor, quer quanto aos procedimentos, quer quanto ao tempo. 216 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. p.5. 217 Conforme classificação realizada por SILVA, Cláudia Dantas Ferreira da. Administração judiciária: planejamento estratégico e a reforma do Judiciário brasileiro.Monografia - Universidade de Brasília (UnB). Disponível em: http://jus2.uol.com. br/doutrina/texto.asp?id=8062&p=3. Acesso em 7.7.2008. 218 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p.297. 297 Isto significa dizer que não basta a existência de um procedimento e o mero atuar ontológico dos atores processuais para se assegurar a razoável duração do processo do processo judicial, que a partir da reforma constitucional levada a efeito pela Emenda Constitucional n.º 45, de 8.12.2004, de princípio processual passou a integrar o rol dos direitos fundamentais. CF/88. Art. 5º. (...) LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Na condução do processo judicial, o magistrado não se pode deixar levar pela tentação do burocratismo, do apego à forma desmedido sem foco em resultados práticos. Deve ter um olhar crítico para o desenvolvimento processual quanto à celeridade e a efetividade, sem contudo levar a qualquer deformação ou deturpação da finalidade do processo no seu mister de operar a jurisdição. O atributo do juiz na direção e controle do processo judicial é muito mais que promover o impulso oficial219. É promover resultados jurisdicionais efetivos220 em tempo razoável, sem sacrifício de garantias dos litigantes. Nessa ordem de idéias, sobressai que o juiz no seu mister de dizer o direito e tornálo efetivo deve também ser um bom administrador do processo sob a sua jurisdição para que esse mecanismo alcance a sua finalidade política e social. O juiz no desempenho de sua função deve evitar a situação caótica retratada por Charles Chaplin em Tempos Modernos221, onde o personagem, operário de uma fábrica, trabalha de forma contínua e ininterrupta diante de uma esteira, o que o torna parte integrante da máquina, sem pensar ou repensar sobre o significado de seu trabalho. Sempre que promover o ato processual, o juiz deve perguntar-se: onde chegará o processo com este ato? Que resultado prático alcançará o processo? Que é mesmo necessário para conhecer os fatos e assim poder dizer o direito? Do modo como proferida, a decisão tem alguma exeqüibilidade e resultado para o vencedor da lide? Essa visão diferenciada, com foco no seu cliente, é que pode tornar efetiva a jurisdição, evitando a realização de atos inúteis que atentem contra o princípio da razoável duração do processo. Prelecionando sobre o Processo Civil, E.D. Moniz de Aragão222 vem destacar a importância das técnicas da administração na condução do processo: 219 BRASIL, Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 591. Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial. 220 Antônio Carlos de Araújo Cintra destaca que “As normas processuais buscam hoje a plena satisfação do direito material, ou seja, um processo de resultados (efetividade do processo). Inserem nessa linha os novos dispositivos do Código de Processo Civil que adotam a chamada tutela jurisdicional diferenciada, ou seja, procedimentos sumários e de cognição superficial, necessários a assegurar a fruição do bem antes que o tempo corroa o direito ou seu objeto (como a tutela antecipada) ou a encurtar o tempo do processo (p.ex., ação monitória). Inserem-se também na mesma linha os provimentos jurisdicionais destinados a oferecer tutela específica, atribuindo ao vencedor o adimplemento da obrigação, em espécie e não em seu equivalente monetário (obrigações de fazer ou de não-fazer, obrigações de dar).” CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. Cit., p.138. 221 Tempos Modernos – 1936. O filme de Charles Chaplin é o retrato da sociedade capitalista que começava a desenhar na Europa a partir do Século XVIII, após a Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra. 222 ARAGÃO, E.D. Moniz de. O Processo Civil no liminar de um novo século. in Revista Cidadania e Justiça da Associação dos Magistrados Brasileiros, Brasília: AMB, 1º Semestre/2000, p.50.. 298 Revista ESMAC A observação do desempenho dos magistrados revela que uns mantêm o serviço em dia, outros atrasam e há os muito atrasados. Se o número for multiplicado, sempre haverá os que estão em dia, os atrasados e os muito atrasados. Lucraria a distribuição de justiça se os responsáveis por ela adotassem técnicas modernas de administração de pessoal, com metas a serem cumpridas. (...) É necessário explorar os métodos modernos de encaminhar e resolver problemas, a fim de melhor realizar o Direito pelo processo. Já foi dito com humor e sabedoria que a mais visível melhora do serviço forense nos últimos tempos foi a adoção da máquina de escrever. Em novo chiste, pode-se acrescentar que falta á administração da Justiça e ao processo, submeter-se aos requisitos para obter um certificado de eficiência ISSO 14.000. Eis porque, neste novo milênio, o desafio do magistrado na condução do processo cinge-se à adoção de técnicas da administração, planejando a sua atuação com definição de estratégias, organizando adequadamente o trabalho com rotinas bem traçadas, com padronização do que pode ser padronizado e divisão de trabalho segundo temas específicos, sem esquecer de uma direção permanente e controle efetivo. 1.3. A administração do sistema judiciário brasileiro É expresso na Constituição Federal223 que são órgãos do Poder Judiciário brasileiro o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais, os Tribunais e Juízes do Trabalho, os Tribunais e Juízes Eleitorais, os Tribunais e Juízes Militares, os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. Sob o aspecto da nacionalidade, o Poder Judiciário é um sistema complexo, com sofisticada divisão de competências, onde se assentam duas justiças comuns (Federal e Estadual) e três justiças especiais (Trabalhista, Eleitoral e Militar), integradas por noventa e um Tribunais, sendo eles os seguintes: a) 5 (cinco) Tribunais Superiores: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Superior Tribunal Militar, Tribunal Superior Eleitoral. b) 5 (cinco) Tribunais Regionais Federais. c) 24 (vinte e quatro) Tribunais Regionais do Trabalho. d) 27 (vinte e sete) Tribunais Regionais Eleitorais. e) 27 (vinte e sete) Tribunais de Justiça. f) 3 (três) Tribunais Estaduais Militares situados, cada um, em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A Jurisdição, enquanto poder e função do Estado de impor decisões e promover a pacificação de conflitos interindividuais224, espraia-se por todo o território nacional segundo a parcela de trabalho conferida a cada um dos órgãos do Poder Judiciário. Essa divisão de trabalho resulta na existência de milhares de unidades judiciárias espalhadas pelo País, todas independentes sob o angulo da prestação jurisdicional. 223 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senador Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008. Artigo 92. p.72.. 224 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. Cit., p.147.. 299 É da essência do Judiciário a inexistência de hierarquia entre os seus diversos órgãos jurisdicionais, de tal modo que nenhum juiz se submete às determinações ou orientações de outro magistrado mais graduado. Esse aspecto, por conseguinte, fez reproduzir no plano administrativo uma visão também fragmentada da administração desse Poder, que embora uno e nacional, funcionou, até a implementação do Conselho Nacional da Justiça, de forma difusa, como ilhas absolutamente independentes, sem uma política de atuação administrativa uniforme e racional. Ao analisar o sistema judiciário brasileiro sobre o ângulo de sua administração, uma das características mais marcantes é sem dúvida o gerenciamento empírico, o improviso e o insulamento administrativo e a pouca ou nenhuma preparação dos seus administradores para o mister. Antes da promulgação da Emenda Constitucional n.º 45, no dia 8.12.2004, a questão central era a falta de uma política pública, clara e objetiva para o Poder Judiciário nacional. A guisa de exemplo, cite-se o caso dos Tribunais de Justiça, que num total de 27, funcionavam absolutamente descoordenados, sem uma política nacional para esse importante segmento do Judiciário. Somente com a reforma constitucional realizada por meio da Emenda Constitucional n.º 45/2004 e a partir da implantação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 14 de junho de 2005, é que teve início o processo de padronização do atuar desses Tribunais. A esse respeito, no julgamento da ADIN 3367-1, o Ministro César Peluso já observara em seu voto a realidade anacrônica do Judiciário antes da instalação do Conselho Nacional de Justiça: A bem da verdade, mais que encargo de controle, o Conselho recebeu aí uma alta função política de aprimoramento do autogoverno do Judiciário, cujas estruturas burocráticas dispersas inviabilizam o esboço de uma estratégia política-institucional de âmbito nacional. A ausência de técnicas para planejamento, organização, direção e controle é mesmo uma realidade palpável no Judiciário e se revela notadamente pelas deficiências estruturais verificadas em grande parte nos Tribunais brasileiros. O improviso e o amadorismo é em muitos casos a fonte de ineficiência e desperdício de recursos. É certo que, nos últimos anos, alguns Tribunais se esforçaram para modernizar a administração e investiram significativamente em informatização e treinamento de pessoal. Contudo, em decorrência, da autonomia e independência dos Tribunais, esse processo de modernização restou muito diversificado, aumentando ainda mais as diferenças dentro do próprio sistema. Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos da América, onde a atuação dos juízes fica restrita à atividade-fim, no Brasil, os juízes também exercem a função de administradores. Esse modelo não se revela a melhor opção, uma vez que desvia os juízes de sua função primordial – realizar o direito –, consumindo-lhe precioso tempo que poderia ser destinado à atividade fim. Assim observa, Renato Luis Benucci225: 225 BENUCCI, Renato Luis. A tecnologia aplicada ao processo judicial.Campinas-SP: Millennium Editora, 2006. p. 31/32. 300 Revista ESMAC No Brasil, optou-se também pela administração dos órgãos judiciários a cargo dos próprios magistrados. Não é essa a opção de países como os estados Unidos da América, onde existem profissionais especializados responsáveis pela administração dos tribunais. Esta opção pela administração da justiça feita pelos próprios magistrados toma grande parte de seu tempo, e os Juízes, apesar de responsáveis por essas atividades administrativas, não recebem qualquer treinamento para isso. Da formação acadêmica que os habilita para a ciência do Direito e ao desempenho das atividades-fim, exercem também os magistrados as atividades-meio, em que passam a decidir sobre gestão de recursos humanos, materiais e tecnológicos. Essa amplitude e dualidade de funções exercidas pelos magistrados, porém, tem implicações diretas tanto na gestão quanto no serviço prestado pelo Poder Judiciário, porquanto nem sempre há a devida conformação entre o papel do administrador e o do julgador. A pouca intimidade com as técnicas e métodos da Administração, não raro, tem conseqüências práticas desastrosas, a resultar serviços falhos ou até mesmo inexistentes. Mas há também exemplos de excelência e de boas práticas, muito mais ligadas à habilidade pessoal de alguns magistrados do que decorrentes do próprio sistema. Esse quadro se torna cada vez mais visível na medida em que a sociedade como um todo passa a reivindicar uma prestação jurisdicional mais imediata, efetiva e adequada, diante dos direitos subjetivos violados ou ameaçados, incitada sobremaneira pela notável velocidade com que se desenvolvem as relações sociais e jurídicas sob os ventos da Era da Informação e da sociedade em rede. Ao traçar um comparativo, tomando o tempo como dimensão mensurável, não é razoável nos dias atuais que o titular de um direito violado tenha de esperar anos por uma decisão do Estado-Juiz (tempo diferido), quando o mundo globalizado encontra soluções em fração de segundos e desenvolve todo tipo de atividade em dias ou fração de dia (tempo real). A essa falta de adaptação do Estado às novas necessidades da sociedade é que se assenta a crise judiciária. Com lucidez, Humberto Theodoro Júnior226 adverte: É lastimável, mas não se pode deixar de reconhecer o regime caótico em que os órgãos encarregados da prestação jurisdicional no Brasil trabalham tanto do ponto de vista organizacional, como principalmente em torno da busca de solução para sua crônica inaptidão para enfrentar o problema do acúmulo de processos e da intolerável demora na prestação jurisdicional. Não há o mínimo de racionalidade administrativa, já que inexistem órgãos de planejamento e desenvolvimento dos serviços forenses, e nem mesmo estatística útil se organiza para verificar onde e porque se entrava a marcha dos processos. Sem o apoio em dados cientificamente pesquisados e analisados, a reforma legislativa dos procedimentos é pura inutilidade, que só serve para frustrar, ainda mais, os anseios da sociedade por uma profunda e inadiável modernização da Justiça. Sem estatística idônea, qualquer movimento reformista perde-se no empirismo e no desperdício de energias por resultados aleatórios e decepcionantes. Além disso, pensar-se em reformar a lei sem se preocupar com a reforma simultânea ou 226 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e Efetividade da Prestação Jurisdicional. Disponível em: http://www. abdpc.org.br/artigos/artigo51.htm. Acesso em: 9.7.2008. 301 sucessiva dos agentes que irão operar as normas renovadas, chega a ser uma utopia, para não dizer uma temeridade. (...) Cabe, agora, à sociedade do século XXI, exigir dos responsáveis pela Justiça brasileira que a façam “passar pela mesma revolução tecnológica por que estão passando as modernas administrações públicas e privadas, sob o impacto do planejamento, coordenação, controles, estatística, economia, ciência da administração, teoria das comunicações, informática, cibernética, processamento de dados, etc.”. É preciso que os juristas tenham a humildade e a sabedoria de reconhecer que a modernização e aperfeiçoamento da Justiça não é tarefa que eles sozinhos possam executar. E observa Sálvio de Figueiredo Teixeira227: Em uma sociedade de massa, complexa, competitiva e altamente veloz, a engrenagem estatal já não satisfaz. O Judiciário, nesse contexto, por suas características e dependência orçamentária, que se aliam a um modelo desprovido de modernidade e sem planejamento eficaz, refleteaindacommaiseloqüênciaessedistanciamento,apresentando-secomoumamáquina pesada e hermética, sem as desejáveis dinâmica, transparência e atualidade. Dessa moldura se conclui, sem maiores esforços, que no Brasil há uma nítida distinção entre o Judiciário que a sociedade reclama, e todos desejamos, e o Judiciário que aí está posto, que a todos descontenta, inclusive, e sobretudo, a nós juízes, que dele somos reféns e em quem acabam por recair as críticas generalizadas, desconhecendo os jurisdicionados a real dimensão da problemática, quando temos 1(um) juiz para cada 25 a 29 mil habitantes (a média, na Europa, é de 1 para 7.000), quando o Supremo Tribunal Federal julga mais de 40.000 (quarenta mil) processos por ano (enquanto a Suprema Corte dos Estados Unidos julga menos de 100 (cem) causas em igual período) e o Superior Tribunal de Justiça mais de 100.000 (cem mil), números de longe sem similar no plano internacional, sendo de acrescentar que igualmente supercongestionadas estão as instâncias ordinárias. Com efeito, o sistema judiciário brasileiro apresenta uma estrutura administrativa muito fragmentada e pouco coordenada, fato que justificou a criação e instalação do Conselho Nacional de Justiça, como órgão responsável por traçar uma linha diretiva e de planejamento das ações do Poder Judiciário nacional. E, sob a ótica da ciência da Administração, há também a baixa profissionalização da área administrativa, tanto no plano das estruturas da organização, quanto das pessoas diretamente responsáveis pela gestão. 1.4. A atuação do Conselho Nacional de Justiça em prol da Administração Judiciária O Conselho Nacional da Justiça (CNJ) é por expressa disposição constitucional228 o órgão responsável pelo controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres ético-disciplinar de seus membros. Criado pela Emenda Constitucional n.º 45, de 8 de dezembro de 2004, e instalado em 14 de junho de 2005, o Conselho Nacional da Justiça foi, a princípio, muito criticado em 227 TEIXEIRA, Sálvio. O Judiciário e as Propostas de um Novo Modelo. Disponível em: http://www.neofito.com.br/artigos/art01/jurid185.htm. Acesso em: 9.7.2008. 228 Constituição Federal, Artigo 103-B, § 4º. 302 Revista ESMAC decorrência de sua composição e ainda sob o suposto argumento de que poderia interferir na independência da atuação funcional dos juízes. Com o desenvolvimento de suas atividades, porém, percebe-se que a sua atuação está ligada diretamente ao aprimoramento do autogoverno do Judiciário e à construção de uma política judiciária nacional, corroborando a afirmação229 de que a sua criação foi realmente o ponto mais alto do processo de aperfeiçoamento da administração da Justiça. É o que se observa nos três primeiros Relatórios Anuais do CNJ desde a instalação em 2005. No seu primeiro ano de funcionamento, segundo o Relatório Anual de 2005, o CNJ desenvolveu atividades de organização interna e funcionamento do órgão, bem ainda de formulação de políticas e estratégias nacionais para tornar o sistema judiciário mais eficiente e menos oneroso. Para a organização interna, o CNJ tratou da elaboração de seu regimento interno e da constituição de comissões temáticas, tratando sobre: estatística; especialização de varas e turmas; juizados especiais; informatização; fundos, depósitos judiciais e custas; e regulamentação da Emenda Constitucional n.º 45. Dentre os primeiros atos normativos destacam-se as que dispõem sobre o Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (Resolução n.º 2, de 16 de agosto de 2005); férias coletivas nos Juízes e Tribunais de 2º grau (Resolução n.º 3, de 16 de agosto de 2005); criação do sistema de Estatística do Poder Judiciário (Resolução n.º 4, de 16 de agosto de 2005); aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos Tribunais de 2º grau (Resolução n.º 6, de 13 de setembro de 2005); exercício de cargos, empregos e funções por parentes e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito do Poder Judiciário (Resolução n.º 7, de 18 de outubro de 2005); regulamentação do expediente forense no período natalino, entre 20 de dezembro a 6 de janeiro (Resolução n.º 8, de 29 de novembro de 2005). Em 30 de setembro de 2005, foi celebrado acordo de Cooperação Técnica entre o Supremo Tribunal Federal e Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e Conselho da Justiça Federal, Tribunal Superior do Trabalho e Conselho Superior da Justiça do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, Superior Tribunal Militar e Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça, para a criação do Portal da Justiça Brasileira. Esse Portal, na Internet, tem como objetivo organizar e divulgar as informações existentes no Poder Judiciário nacional. De acordo com o Relatório Anual de 2006, O CNJ reafirmou a sua “missão institucional precípua de desenvolver o planejamento estratégico para o Poder Judiciário nacional, minimizando o insulamento administrativo por meio de políticas judiciárias aglutinadoras”230 e firmou posição quanto à indispensabilidade do uso intensivo da informatização para aceleração de procedimentos. Embora os Tribunais, na sua quase totalidade, já contem com razoável parque informático, o CNJ observou que ainda há problemas de conectividade e operacionalidade e conseqüentemente subutilização desses recursos, uma vez que os computadores são em229 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça – 2005. Disponível em: http:// www.cnj.gov.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/RelatorioAnualCNJ.pdf. Acesso em: 10.7.2008. 230 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça – 2006. Disponível em: http:// www.cnj.gov.br/images/stories/relatorio_anual.pdf. Acesso em: 11.7.2008 303 pregados para simples edição de textos e consulta de repositórios de jurisprudência na Internet. Com o objetivo de desenvolver ações estratégicas que tornem o Judiciário acessível, o Conselho Nacional de Justiça traçou uma agenda para o biênio 2006-2008, priorizando a realização do Projeto JustiçaVirtual, promovendo o desenvolvimento de um sistema de processamento totalmente eletrônico, e a instauração da cultura da pacificação social dos conflitos através do Movimento Nacional pela Conciliação. Ainda, com o propósito de levar a cabo o planejamento estratégico para o Poder Judiciário, o CNJ manteve em 2006 a filosofia de se organizar em Comissões Permanentes ou Temporárias e Grupos Especiais de Trabalho. Destacam-se aí a Comissão de Estatística, instituída para concentrar e analisar dados encaminhados por todos os órgãos judiciários do País, e a Comissão de Informatização, instituída com o objetivo de estabelecer parâmetros nacionais de informatização para os diversos órgãos do Poder Judiciário brasileiro, no sentido de promover níveis crescentes de qualidade, eficiência, transparência, interoperabilidade e acesso à Justiça. Das discussões realizadas, importantes projetos na área de gestão e tecnologia foram iniciados, dentre os quais citam-se os seguintes: Processo Eletrônico Virtual do Poder Judiciário; Certificação Digital; Banco de Soluções do Poder Judiciário; Padronização de Identificadores: Numeração Única de Processos Judiciais; Padronização Taxonômica das Tabelas básicas de classes, movimentações e assuntos; Padronização dos endereços eletrônicos dos sites do Poder Judiciário (URLs); Restrição Judicial (Renavam) – Bloqueio de Veículos pela internet; Levantamento de dados sobre os Sistemas de Informação das Unidades de Justiça – Análise quanto à estrutura; e Banco de Dados da População Carcerária. Também houve avanços nos trabalhos da Comissão sobre a Regulamentação da Emenda nº. 45/2004, com a aprovação, em 2006, de leis consideradas prioritárias para a reforma do Judiciário (Leis nº.s 11.277, 11.280, 11.382, 11.416, 11.417, 11.418 e 11.419). Em 2006, outras comissões temáticas foram instituídas para o aperfeiçoamento do sistema judiciário, dentre as quais merecem destaque a Comissão de Estudos sobre a Reestruturação da Carreira da Magistratura; a Comissão para regulamentar a realização dos concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura; a Comissão de Estudos para Combater a Morosidade no Judiciário e a Comissão de estudos para a redação de um Código de Ética Judicial. Ainda, prosseguindo com o objetivo de consolidar o estatuto da Magistratura Nacional, o Conselho Nacional de Justiça editou em 2006 novas e importantes resoluções231 para a unificação da interpretação administrativa e padronização de procedimentos, dentre as quais sobressaem-se as seguintes: Resolução n° 11, de 31 de janeiro de 2006 - Regulamenta o critério de atividade para a inscrição em concurso público de ingresso da magistratura nacional e dá outras providências; Resolução n° 12, de 14 de fevereiro de 2006 - Cria o Banco de Soluções do Poder Judiciário e dá outras providências; Resolução n° 13, de 21 de março de 2006 - Dispõe sobre a aplicação do teto remuneratório constitucional e do subsídio 231 Conforme decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos da Medida Cautelar em Ação Direta de Constitucionalidade nº. 12 o Conselho Nacional de Justiça detém o poder de expedir normas primárias sobre as matérias referidas no inciso II do § 4º do art. 103-B da Constituição. A ADC-MC nº. 12/DF foi julgada pelo Plenário do STF na data de 16/02/2006, tendo como relator o Min. Carlos Britto. O Acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 01/09/2006, p. 015. STF – Supremo Tribunal Federal. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: https://www.mpes.gov.br/anexos/centros_apoio/arquivos/18_ 21041349161632007_STF%20-%20Pesquisa%20de%20Jurisprud%C3%AAncia.htm. Acessado em: 12.7.2008. 304 Revista ESMAC mensal dos membros da magistratura. Resolução n° 15, de 20 de abril de 2006 - Dispõe sobre a regulamentação do Sistema de Estatística do Poder Judiciário, fixa prazos e dá outras providências. O caráter de responsável pelo controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário restou corroborado na gestão do Conselho Nacional de Justiça em 2007, cuja gestão foi estruturada segundo as diretrizes do Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano, consoante se extrai do Relatório Anual232. Por esse Relatório, o Conselho Nacional de Justiça prosseguiu com a missão de desenvolver o planejamento estratégico do Poder Judiciário, mediante a implementação de uma política, com ênfase no Movimento Nacional pela Conciliação, no Sistema de Processo Judicial Virtual – PROJUDI e no combate à morosidade. Ao cabo desse ano, o Conselho estruturou as suas ações em seis comissões temáticas, dois comitês técnicos e vários grupos de trabalho. As comissões temáticas em andamento foram as seguintes: a) Comissão de Informatização,Modernização e Projetos Especiais; b) Comissão de Estatística e Gestão Estratégica; c) Comissão de Fundos e Reaparelhamento do Poder Judiciário; d) Comissão de Acompanhamento Legislativo e Prerrogativas da Carreira da Magistratura; e) Comissão de Acesso à Justiça, Juizados Especiais e Conciliação; e f ) Comissão Reforma do Regimento Interno. Comitês Técnicos: a) Comitê Técnico de Orçamento e Finanças e; b) Comitê Técnico de Apoio para Desenvolver Estudos sobre Projetos de Lei. Grupos Especiais de Trabalho: a) Grupo de Trabalho sobre Funcionalidades Tecnológicas Voltadas à Integração das Bases de Dados das Serventias Extrajudiciais com os Órgãos do Poder Judiciário; b) Grupo de Trabalho sobre Promoção das Ações Necessárias ao Termo de Cooperação Técnica celebrado entre o CNJ, o CJF, a Advocacia-Geral da União e o Ministério da Previdência Social; c) Grupo de Trabalho sobre Regulamentação da Lei sobre Processo Judicial Eletrônico; d) Grupo de Trabalho sobre Apoio para Desenvolver Estudos sobre Projetos de Lei; e) Grupo de Trabalho sobre Gestão do Sistema de Restrição Judicial – RENAJUD; f ) Grupo de Trabalho para o Aperfeiçoamento da Resolução nº 15, de 2006 (Comissão de Estatística e Gestão Estratégica); g) Grupo de Trabalho para a Padronização Taxonômica das Tabelas Básicas de Classes, Movimentações e Assuntos; 232 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça – 2007. Disponível em: http:// serpensp2.cnj.gov.br/relatorio_anual/Relatorio_2007.pdf. Acesso em: 12.7.2008. 305 h) Grupo de Trabalho sobre Bens Apreendidos; i) Grupo de Trabalho sobre Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa no âmbito do Poder Judiciário Nacional; j) Grupo de Trabalho sobre Cadastro Nacional de Adoção; k) Grupo de Trabalho sobre as Inspeções nos Estabelecimentos Penais pelos Juízes de Execução Criminal. Como resultado de sua atuação em 2007, várias resoluções foram editadas com foco na administração judiciária, dentre as quais destacam-se: Resolução nº 33, de 10 de abril de 2007 - Dispõe sobre a criação do Sistema Integrado da População Carcerária no âmbito do Poder Judiciário nacional; Resolução nº 41, de 11 de setembro de 2007 - Dispõe sobre a utilização do domínio primário “jus.br” pelos órgãos do Poder Judiciário; Resolução nº 44, de 20 de novembro de 2007 - Dispõe sobre a criação do Cadastro Nacional de Condenados por ato de Improbidade Administrativa no âmbito do Poder Judiciário nacional; Resolução nº 45, de 17 de dezembro de 2007 - Dispõe sobre a padronização dos endereços eletrônicos dos órgãos do Poder Judiciário; Resolução nº 46, de 18 de dezembro de 2007 - Cria as Tabelas Processuais Unificadas do Poder Judiciário e dá outras providências; Resolução nº 49, de 18 de dezembro de 2007 - Dispõe sobre a organização de Núcleo de Estatística e Gestão Estratégica nos órgãos do Poder Judiciário, relacionado no art. 92, incisos II ao VII, da Constituição da República Federativa do Brasil. A examinar a atuação desde a sua instalação até a presente data, percebe-se que o Conselho Nacional de Justiça vem passando por um salutar processo de transformação, em que inicialmente possuía uma postura muito mais voltada à correção de distorções do sistema judiciário nacional, no âmbito administrativo e disciplinar, do que de fomento de uma Justiça mais célere e efetiva. Esse perfil na fase primária foi de fato necessário, porquanto as distorções verificadas eram, com efeito, graves e desconhecidas da sociedade brasileira, como é o caso do nepotismo e dos excessos remuneratórios da magistratura. Houve, mesmo, nos dois anos que sucederam a instalação, uma grande evolução funcional do Conselho que passou a atuar no levantamento de dados estatísticos confiáveis para realização de um diagnóstico preciso do Poder Judiciário nacional e a partir daí definir planos de ação com base em um planejamento estratégico. Com se vê no último Relatório Anual de 2007, a linha de atuação do CNJ é nitidamente orientado por uma política nacional estratégica com foco numa administração judiciária de excelência e de resultados, mediante a adoção dos mais modernos recursos da tecnologia da informação. 306 Revista ESMAC 2. ADMINISTRAÇÃO POR OBJETIVOS NO JUDICIÁRIO 2.1. Conceito da Administração por Objetivos - APO Deste a instalação em 2005, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ – tem afirmado e reafirmado a sua missão institucional de desenvolver o planejamento estratégico do Poder Judiciário, com vistas em minimizar o insulamento administrativo de seus diversos Órgãos por meio de políticas aglutinadoras233. Em verdade, há uma verdadeira onda no sentido de se imprimir ao Judiciário um choque de gestão com a adoção de modernas técnicas da ciência da Administração, especialmente em decorrência da Crise de ineficiência vivenciada por esse setor do Estado brasileiro. A indagação mais freqüente nos dias atuais reside justamente em saber até que ponto tais técnicas podem contribuir efetivamente para o funcionamento do Judiciário, no sentido de romper com o problema histórico da morosidade na prestação jurisdicional. E, ainda, se é possível compatibilizar alta produtividade dos Juízes, com os mesmos recursos, sem prejudicar a boa qualidade da prestação jurisdicional. Para vencer esse desafio, a sugestão recorrente é a de que a disseminação da cultura da Administração por Objetivos (APO), mediante o planejamento estratégico pode trazer melhorias significativas para o sistema judiciário, na medida em que enfoca os objetivos ou finalidades da organização. A Administração por Objetivos (APO), também conhecida por administração por resultados, consiste num modelo administrativo resultante da linha pragmática e democrática da Teoria Neoclássica que se desenvolveu como uma reação às suposições estruturais e mecanicistas da Teoria Clássica234 da organização. A Teoria Neoclássica surgiu na década de 1950 e se caracteriza por uma forte ênfase nos aspectos práticos da Administração, na busca de resultados concretos e palpáveis, redirecionando o foco das “atividades-meio” para os objetivos e resultados da organização. E Chiavenato235, ao afirmar que a Administração por Objetivos é um dos melhores produtos da Teoria Neoclássica, explica: Toda organização existe, não para si mesma, mas sim para alcançar objetivos e produzir resultados. É em função dos objetivos e resultados que a organização deve ser dimensionada, estruturada e orientada. Daí a ênfase colocada nos objetivos organizacionais e nos resultados pretendidos, como meio de avaliar o desempenho das organizações. Os objetivos são valores visados ou resultados desejados pela organização. A organização espera alcançá-los 233 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça – 2007. p.1. Disponível em: http://serpensp2.cnj.gov.br/relatorio_anual/Relatorio_2007.pdf. Acesso em: 12.7.2008. 234 “Enquanto Taylor e outros engenheiros desenvolviam a Administração Científica nos Estados Unidos, em 1916 surgia na França, espraiando-se rapidamente pela Europa, a Teoria Clássica da Administração. Se a Administração Científica se caracterizava pela ênfase na tarefa realizada pelo operário, a Teoria Clássica se caracterizava pela ênfase na estrutura que a organização deveria possuir para ser eficiente. Na realidade, o objetivo de ambas as teorias era o mesmo: a busca da eficiência das organizações.” CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2000. p.82. . 235 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2000.p.174. 307 por meio de sua operação eficiente. Se esta operação falha, os objetivos ou resultados são alcançados parcialmente ou simplesmente frustrados. São os objetivos que justificam a existência e operação de uma organização. Um dos melhores produtos da teoria Neoclássica é a chamada Administração por Objetivos (APO) (...). Enquanto a Administração Científica enfatizava os métodos e a racionalização do trabalho e a Teoria Clássica punha ênfase nos princípios gerais da Administração, a Teoria Neoclássica considera os meios na busca da eficiência, mas enfatiza os fins e resultados, na busca de eficácia. Há um forte deslocamento para os objetivos e resultados. A Administração por Objetivos surgiu em 1954, por obra de Peter F. Drucker236, em seu livro The Pratice of Management, num cenário em que o capitalismo sofria elevadas intervenções e controles governamentais e a empresa privada norte-americana sofria pressões de toda a ordem, resultando queda nas margens de lucros e necessidade de reduzir despesas. Foi nesse contexto histórico e econômico que a Administração por objetivos experimentou um grande progresso de suas metodologias, espraiando-se vigorosamente na seara da administração empresarial. Diante do êxito nas organizações empresariais, a Administração por Objetivos nos últimos anos vem ganhando cada vez mais espaço na administração pública e agora também na administração judiciária. De acordo com Chiavenato237: A APO é um processo pelo qual gerentes e subordinados identificam objetivos comuns, definem as áreas de responsabilidade de cada um em termos de resultados esperados e utilizam esses objetivos como guias para sua atividade. A APO é um método no qual as metas são definidas em conjunto pelo gerente e subordinado, as responsabilidades são especificadas para cada um em função dos resultados esperados, que passam a constituir os padrões de desempenho sob os quais ambos serão avaliados. Analisando o resultado final, o desempenho do gerente e do subordinado podem ser objetivamente avaliados e os resultados alcançados são comparados com os resultados esperados. (...) A Administração por Objetivos (APO) ou Management by objectives (MBO), por conseguinte, é um modelo de administração por meio do qual superiores e subordinados definem conjuntamente os objetivos (resultados) a serem alcançados pela organização, em um determinado período, segundo metas dimensionadas e sob controle sistemático de desempenho. É da essência da APO que superiores e subordinados se reúnam, discutam, negociem e em conjunto formulem os objetivos, metas e resultados. Para que o subordinado possa alcançá-los, o superior se compromete a oferecer os meios e recursos necessários e cobra resultados. O subordinado, por sua vez, empenha-se no cumprimento do seu mister para alcançar metas e cobra os meios e recursos necessários238. Para Drucker, quando os gerentes ficam muito envolvidos nas tarefas do dia-a-dia acabam por se esquecer do objetivo principal da organização, tornando-a ineficiente e desa236 DRUCKER, Peter Ferdinand. The Practice of Management. Nova York: Harper & Brow, 1954. Traduzido para o português: Prática de Administração de Empresas, Rio de Janeiro: Ed.Fundo de Cultura, 1962. 237 CHIAVENATO, Idalberto. Op.cit., p. 272.. 238 Idem. p.273 308 Revista ESMAC linhada de sua finalidade, fato que denominou de “a armadilha da atividade”. É dessa armadilha que a Administração por Objetivos se esquiva ao estabelecer o planejamento estratégico como a sua base, seu instrumento mais importante de atuação. 2.2. Planejamento Estratégico, Tático e Operacional Dentre as funções básicas do administrador, a Teoria Geral da Administração define, de uma maneira geral, como sendo as funções básicas do administrador o planejamento, a organização, a direção e o controle239. Tais funções constituem o processo administrativo e estão intimamente relacionadas em uma interação cíclica, dinâmica e interativa, onde o planejamento se apresenta como a primeira atividade a ser desenvolvida na atividade de administrar e serve de fundamento para todas as demais funções. Para alcançar o significado de planejamento, Djalma de Pinho Rebouças de Oliveira240 vem dizer que: Planejamentopodeserconceituadocomoumprocesso,considerandoosaspectosabordados pelas dimensões anteriormente apresentadas, desenvolvido para o alcance de uma situação futura desejada de um modo mais eficiente, eficaz e efetivo, com a melhor concentração de esforços e recursos pela empresa. (...). Além disso, o planejamento estratégico corresponde ao estabelecimento de um conjunto de providências a serem tomadas pelo executivo para a situação em que o futuro tende a ser diferente do passado; entretanto, a empresa tem condições e meios de agir sobre as variáveis e fatores de modo que possa exercer alguma influência; o planejamento é, ainda, um processo contínuo, um exercício mental que é executado pela empresa independentemente de vontade específica de seus executivos. Chiavenato241afirma que as organizações não trabalham no improviso e nelas quase tudo é planejado com antecedência, constituindo um processo que se inicia com fixação dos objetivos e definição dos planos para atingi-los. E, ao tratar do conceito de planejamento, Chiavenato salienta: O planejamento é a função administrativa que determina antecipadamente quais são os objetivos que devem ser atingidos e como se deve fazer para alcançá-los. Trata-se, pois, de um modelo teórico para a ação futura. Começa com a determinação dos objetivos e detalha os planos necessários para atingi-los da melhor maneira possível. Planejar é definir os objetivos e escolher antecipadamente o melhor curso de ação para alcançá-los. O planejamento define onde se pretende chegar, o que deve ser feito, quando, como e em que seqüência. Por outra, os objetivos estabelecidos pela organização também são estruturados em uma hierarquia que vai dos objetivos globais, em que são fixadas as políticas, diretrizes, metas, programas, procedimentos, métodos e normas, até os objetivos operacionais, que 239 Idem. Op.cit., p. 191 240 OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Planejamento Estratégico. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 35. 241 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2000.p.195. 309 consistem em instruções simples para o dia-a-dia da administração. Do mesmo modo como os objetivos se estruturam hierarquicamente, o planejamento também é desenvolvido em uma hierarquia de três níveis: o planejamento estratégico, o planejamento tático e o planejamento operacional. O planejamento estratégico diz respeito à organização como um todo e caracterizase por projetar-se a longo prazo, procurando alcançar objetivos organizacionais globais. O planejamento tático abrange o nível intermediário da organização, sendo projetado para o médio prazo, geralmente no exercício anual. O planejamento operacional, por sua vez, é projetado para o curto prazo, para o imediato, vinculado à realização de cada tarefa. Para implementação do planejamento elaboram-se os planos, que são a descrição das ações para alcançar um objetivo proposto e se classificam como procedimentos, orçamentos, programas ou regulamentos, segundo tais planos se relacionem respectivamente, com métodos, dinheiro, tempo ou comportamentos. 2.3. O problema do plano discricionário e o desafio de um plano institucional para o Poder Judiciário Aadministraçãopúblicaéoconjuntodefunçõesnecessáriasaodesempenhoperene e sistemático, legal e técnico dos serviços do Estado em benefício da sociedade, visando a satisfação das necessidades coletivas242. E no desempenho dessa função, o administrador público se deve pautar nos princípios que norteiam a administração pública no seu propósito de realizar o bem comum. A Constituição Federal, em seu art. 37, ao tratar sobre as disposições gerais da Administração Pública, expressamente enuncia os seguintes princípios: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) No âmbito da Administração Judiciária somam-se ainda os princípios que tratam da celeridade, eficácia, efetividade e foco no cidadão, então delineados por meio da Emenda Constitucional n.º 45/2004, que deu nova redação ao inciso LXXVIII, do artigo 5º. Art. 5.º (...) LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Por essa razão é que o administrador público no desempenho de seu mister deve necessariamente pautar-se nos limites da moldura normativa, realizando os princípios informadores do sistema, sendo essa a característica mais marcante a distinguir a administração pública da administração empresarial. Ou seja, se há um amplo espaço de atuação para o 242 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1999. p. 59. 310 Revista ESMAC administrador privado quando administra, na administração pública o administrador estará sempre vinculado aos limites da lei e dos princípios que orientam o sistema público243. Dentro desse contexto, a viabilidade de um planejamento estratégico para a administração pública e, em especial, para a Administração Judiciária, dependerá do esforço de permeá-lo tanto quanto possível das instituições de direito público, subordinado-o aos princípios a ele inerentes. Com efeito, a aplicação das técnicas e métodos da administração empresarial à administração judiciária exige o necessário ajuste à realidade do Poder Judiciário sob pena de se incorrer em erros elementares. Assim, na administração judiciária, o planejamento deve pautar-se em objetivos estrategicamente orientados para a realização do bem comum, da pronta e efetiva prestação jurisdicional. O planejamento estratégico não pode, portanto, ficar restrito aos interesses corporativos, aspecto este inerente à administração empresarial. Um problema recorrente que se apresenta na administração dosTribunais é a instabilidade na formulação de políticas e de prioridades de ação, que sob o pálio da discricionariedade mudam a cada gestão. Esse fato, alíás, foi corretamente identificado pelo Conselho Nacional de Justiça ao traçar a sua política de atuação, quando afirmou a sua missão institucional de desenvolver o planejamento estratégico para o Poder Judiciário nacional. É certo que a discricionariedade244 concede liberdade de ação na administração pública, dentro dos limites permitidos em lei, garantindo uma atuação dinâmica, porque dinâmicos os fatores da vida. No entanto, o planejamento estratégico para o Judiciário não pode ficar adstrito a apenas uma gestão de curto prazo e seria contraproducente concebê-lo dessa forma. É característica do planejamento estratégico a definição de objetivos de longo prazo, viabilizando planos que levem a concretização desses objetivos. Isso significa dizer que a implementação de um planejamento estratégico deve imbuir-se da legitimidade necessária para impulsioná-lo para além das fronteiras de uma gestão, que seja despersonalizado do estigma da propriedade ou da autoria de alguém, de ser do gestor A ou do gestor B, para transformar-se em um plano da instituição. É próprio dos Tribunais brasileiros a tentação pela administração do aparente, do resultado imediato. Como imobilizados na armadilha da atividade, refestelam-se no lançamento de “novidades”, sem nenhum compromisso com a missão institucional de prestar uma jurisdição rápida e efetiva. É o propósito do garantir o sucesso logo, deixando algo que represente a marca indelével de uma gestão, mesmo que não signifique nenhum progresso futuro ou mesmo não se sustente na próxima gestão por sua própria inutilidade. Essa questão é, de fato, crítica nos Tribunais, cujas cúpulas nem sempre demonstram algum compromisso com os administrados, jurisdicionados ou com os propósitos da instituição. Há em determinados casos um verdadeiro apartheid administrativo, a isolar a alta gestão das demais instâncias do Judiciário, o que é extremamente danoso para uma administração que se pretende focar em resultados. Cite-se o exemplo folclorístico do juiz de uma vara de interior que, diante da falta de material de expediente, os vem a adquirir com os próprios recursos e após remeter as 243 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. Cit., p. 81. 244 Idem. p. 102. 311 notas ao Tribunal para ressarcimento, recebe a negativa de pagamento e um agradecimento pela colaboração com o Poder Judiciário! Para Margaret J. Whetley245 “ninguém pode ter a esperança de liderar uma organização colocando-se à parte da teia de relações por meio da qual todo trabalho é realizado ou ignorando-a”. É por isso que a implementação de uma Administração por Objetivos no Poder Judiciário depende de um rigoroso esforço de seus líderes no sentido de evitar os pecados capitais citados por Humble246, tais como o de não obter a participação da alta direção; dizer a todos que a APO é uma técnica capaz de resolver todos os problemas ou de inaugurar o sistema e depois deixá-lo andar sozinho, sem avaliá-lo. Mas, como superar os obstáculos e evitar os erros que põem em risco a implementação de uma gestão moderna no Poder Judiciário, orientada por objetivos estrategicamente definidos em um plano institucional? Ante a estrutura peculiar do Poder Judiciário, a formação de lideranças e a construção de um compromisso de continuidade se revelam fundamentais para viabilizar um planejamentoestratégicoquenãosejareconhecidocomoummeroinstrumentodemarketing de gestão, mas como um processo institucional sério e inerente aos mecanismos da Administração Judiciária orientada por objetivos. 245 WHETLEY, Margaret J. Liderança e a Nova Ciência. Descobrindo ordem num Mundo Caótico. São Paulo: CultrixAmana Key, 1999. p.186. 246 HUMBLE, Jonh W. Citado na revista International Management, mar. 1971, p.7; Apud CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2000.p.291 312 Revista ESMAC 3. O IMPACTO DA TI NA ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA 3.1. Conceito de Tecnologia da Informação - TI Em virtude do grande desenvolvimento tecnológico experimentado ao longo do século XX e em especial no início da década de 90, marco inicial da Era da Informação, os sistemas baseados em computador melhoraram significativamente a capacidade e a velocidade das funções de coleta, armazenamento, processamento e distribuição da informação. Nessa nova era, o recurso mais importante passa a ser o capital intelectual baseado no conhecimento, tomando assim o lugar do capital financeiro247. Surge então a terminologia “Tecnologia da Informação” (TI), para a corrente americana, e “Tecnologias de Informação e Comunicação” (TIC), para corrente européia que trata do tema. Termo utilizado para expressar a convergência entre a informática e as telecomunicações, a Tecnologia da Informação não se restringe a equipamentos (hardware), programas (software) e comunicação de dados. Existem tecnologias relativas ao planejamento de informática, ao desenvolvimento de sistemas, ao suporte ao software, aos processos de produção e operação, ao suporte de hardware. Para Chiavenato248, a Tecnologia da Informação invade de modo inexorável a vida daspessoasedasorganizaçõeseprovocaprofundastransformaçõesaopermitiracompressão do espaço e do tempo, com o conceito do escritório virtual e da informação em tempo real e on line, e ainda por permitir uma conectividade sem precedentes na história da humanidade, onde as pessoas trabalhem juntas, embora fisicamente distantes. Por conseguinte, o conceito de Tecnologia da Informação é mais abrangente do que os de processamento de dados, sistemas de informação, engenharia de software, informática ou o conjunto de hardware e software, pois também envolve aspectos humanos, administrativos e organizacionais249. 3.2. Uso estratégico da Tecnologia da Informação Na medida em que a conectividade entre as pessoas vem se acentuando, a Tecnologia da Informação ganha cada vez mais relevância, saindo do mero suporte administrativo para um papel estratégico nas organizações. A visão da TI como um recurso estratégico tem sido discutido e ressaltado como imprescindível para a sobrevivência das organizações na sociedade da informação e num mundo globalizado. No entanto, também se tem assentado que a produtividade depende de um alinhamento da Tecnologia da Informação com a estratégia e as características da organização. 247 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. p.655. 248 CHIAVENATO, Idalberto. Op. cit., p.655/656.. 249 KEEN, P.G.W. Information Technology and the management theory: The fusion map. IBM 313 O caminho do sucesso não está simplesmente na utilização de hardware e software ou de metodologias, mas no uso estratégico da Tecnologia da Informação. Assim posto, a tecnologia da Informação concorre de forma direta para a gestão estratégica, possibilitando a criação de aplicações inovadoras, uma descentralização eficiente, melhor conexão entre a organização e seu cliente, e favorece uma inteligência competitiva250. É certo que cada organização, pública ou privada, tem o seu público-alvo, em geral chamado cliente, para o qual atua produzindo bens ou serviços. Para as organizações privadas, as empresas, o público-alvo é o consumidor. Perante as organizações públicas o público-alvo é o cidadão e, no caso do Poder Judiciário, o jurisdicionado. Um ponto em comum, no entanto, é que em ambos os casos, quer se trate da organização pública quer privada, o recurso administrado é o mesmo: a informação. E é trabalhando a informação por meio da TI que as organizações aumentam a sua eficácia organizacional, agilizando processos e eliminando burocracia, para alcançar os objetivos estratégicos. Mas, se nas organizações privadas, o objetivo está ligado diretamente a obter uma vantagem competitiva em relação aos concorrentes, qual a vantagem para a organização pública em tornar-se mais eficiente e eficaz? A resposta reside na necessidade da própria organização consolidar a sua legitimidade e autoridade em função dos serviços prestados. Nos tempos atuais, das operações realizadas em tempo real e on line, já não se tolera o menor grau de ineficiência. A sociedade clama por serviços públicos cada vez melhores. No caso dos serviços prestados pelo Poder Judiciário, há uma grande expectativa de que o uso das soluções proporcionadas pelaTecnologia da Informação, alinhadas com um planejamento estratégico, possam criar um ambiente de excelência na realização da missão institucional de levar a efeito serviços jurisdicionais céleres e efetivos. 3.3. As soluções da Tecnologia da Informação para a Administração Judiciária A adoção de ferramentas tecnológicas pelo Poder Judiciário nas suas atividades meio e atividades-fim indubitavelmente é providência decisiva para aumento da sua eficácia organizacional e conseqüentemente de uma melhor prestação do serviço judiciário. Tais ferramentas, entretanto, devem seguir um plano de ação previamente estabelecido em um planejamento estratégico, no sentido de se evitar a implementação de uma solução que depois não tenha o devido acompanhamento pela alta administração ou por ela não seja dado à devida importância porque não encontra importância dentro de um contexto macro. 250 Inteligência competitiva. “Ter informações sobre a concorrência pode fazer a diferença entre ganhar ou perder uma guerra nos negócios. Não é por outro motivo que inúmeras empresas estão sempre acompanhando de perto as atividades da concorrência. (...) A atividade de coleta de informações sobre os concorrentes fazem parte da inteligência competitiva. Esta alavanca o desempenho com melhor conhecimento do mercado, o aperfeiçoamento das relações internas e o aumento da qualidade do planejamento estratégico. Existem inúmeras tecnologias utilizáveis na coleta de informação competitiva. Vão desde a Internet até o reconhecimento de caracteres ópticos.” TURBAN, Efraim et al. Tecnologia da Informação para Gestão. Transformando os negócios na economia digital. 3ª ed. São Paulo: Artmed Editora S.A, 2002. p. 91. 314 Revista ESMAC No cenário atual do Poder Judiciário, essa questão tem sido conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que desde 2005 vem construindo uma política em torno da Tecnologia da Informação, conforme se extrai do Relatório Anual de 2007: A Comissão de Informatização do Conselho Nacional de Justiça tem a missão de formular propostas visando a estabelecer parâmetros nacionais de informatização aos setores do Poder Judiciário brasileiro, de modo a promover níveis crescentes de qualidade, eficiência, transparência, interoperabilidade e acesso à Justiça, sem prejuízo da autonomia e da independência dos respectivos núcleos já existentes. Destacam-se, como objetivos primordiais da referida Comissão, o incentivo ao uso de novas tecnologias a serviço dos cidadãos, dos advogados, dos magistrados e dos serventuários da Justiça (stakeholders), com o propósito de combater a morosidade e proporcionar maior celeridade processual.Também se pretende estabelecer padrões para o aperfeiçoamento da análise das informações e dos dados estatísticos para intercâmbio e gerenciamento de informações entre os sistemas do Poder Judiciário. Nesse sentido, os princípios norteadores da Comissão, discutidos entre os membros consultores e o Grupo de Interoperabilidade, são a universalidade, a simplicidade, a atualidade, a economicidade, a independência, a eficiência, a disponibilidade, a modularidade, a convergência, a continuidade e a acessibilidade. Tais princípios foram minuciosamente definidos no Relatório do Conselho Nacional de Justiça no ano de 2005. Como resultado desse esforço institucional do CNJ, vários projetos estão em desenvolvimento, dentre os quais destacam-se: 1) Sistema de Processo Judicial Eletrônico do Poder Judiciário 2) Certificação Digital; 3) Portal do Conselho Nacional de Justiça; 4) Sistema Virtual do Conselho Nacional de Justiça; 5) Padronização Taxonômica das Tabelas básicas de classes, movimentações e assuntos; 6) Numeração Única para Identificação de Processos Judiciais; 7) Criação do Domínio “jus.br”; 8) Padronização dos endereços eletrônicos dos sítios do Poder Judiciário (URLs); 9) Restrição Judicial on-line de veículos – RENAJUD; 10) Informatização dos Cartórios Extrajudiciais; 11) Banco de Soluções do Poder Judiciário; 12) Banco de Dados da População Carcerária; 13) Rede Nacional do Judiciário; 14) Acesso à base de dados da RFB – INFOJUD; 15) Liquidação Eletrônica de Processos; 16) Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional – CCS e sistema BACENJUD; 17) Convênio com o Banco Central do Brasil; 18) Cadastro Nacional de Bens Apreendidos; 19) Cadastro Nacional de Adoção; 20) Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa; 21) Colaboração com o Sistema de Recurso Extraordinário Eletrônico. 315 Nesse sentido, o CNJ vem definindo as políticas, normas e padrões a serem seguidos para que se estabeleça uma cultura organizacional à interoperabilidade dos atuais sistemas, visando a melhor gerência e intercâmbio de informações do Poder Judiciário. Por essa política nacional, o CNJ propõe uma organização estrutural dos sistemas do Poder Judiciário em dois grupos distintos: os sistemas da área-meio e os sistemas da áreafim. De acordo com a proposição, a área-meio dos Tribunais exige a seguinte estrutura: 1) Sistemas de automação de recursos humanos; a. cadastro – movimentação e lotação; b. legislação; c. benefícios; d. pagamento; e. capacitação; f. gestão de talentos. 2) Sistemas de automação financeira e orçamentária; a. planejamento; b. acompanhamento e contabilidade; c. execução. 3) Sistemas de automação logística; a. transporte; b. compras; c. contratos; d. patrimônio; e. almoxarifado; f. administração predial; g. legislação administrativa. 4) Gestão da tecnologia da informação e comunicação. a. gestão de segurança; b. suporte ao usuário; c. gestão de componentes; d. metodologia de desenvolvimento. Relativamente à área-fim, que está ligada diretamente à atuação jurisdicional, a estrutura deve contar com sistemas de automação judicial, os quais devem atender: a. distribuição/protocolo; b. movimentação e tramitação; c. audiências; d. publicações; e. decisões; f. gestão da informação (estatística e relatório gerencial). Por essa perspectiva, o Conselho Nacional de Justiça vem dando cada vez mais importância ao papel da administração da informação para a conformação adequada entre estratégia, tecnologia e projeto de atuação para a prestação de melhores serviços ao cidadão. 316 Revista ESMAC 3.3.1. Sistemas de acompanhamento processual Até o início da década de 90, na maioria dos Tribunais brasileiros, o controle do andamento dos processos judiciais era realizado mediante a utilização de sistema de fichas impressas, nas quais o servidor da secretaria lançava a mão ou mediante máquina datilográfica o evento ocorrido. Esse controle era falho e de pouca utilidade, uma vez que raramente era consultado para algum fim, a não ser por ocasião de inspeções realizadas pelos órgãos correcionais. Não era, desse modo, direcionado a facilitar a vida do jurisdicionado, mas mero controle burocrático de processos. Com a informatização desencadeada ao longo dos anos 90, os Tribunais foram substituindo o controle manual do andamento dos processos por sistemas informáticos, iniciando-se aí uma nova fase na gestão da informação no Poder Judiciário. Os primeiros sistemas, entretanto, se limitavam a fazer o cadastro dos processos e registrar o andamento processual. O jurisdicionado ainda não interagia com essa informação de modo remoto ou por telemática, a não ser com uma visita aos Fóruns onde pudesse solicitá-la pessoalmente. Com o início dos acessos à Internet251 no Brasil a partir de maio de 1995, gradualmente os tribunais passaram a disponibilizar na rede mundial de computadores a informação de seus sistemas de acompanhamento processual. Em maio de 1999, foi promulgada a Lei n.º 9.800, de 26.5.1999, que veio permitir às partes a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais. Emboranãorepresentassenenhumavançosignificativonoprocessamentoeletrônico do processo, esse diploma normativo serviu de tubo de ensaio para o desenvolvimento de idéias mais avançadas quanto à utilização da Tecnologia da Informação na prestação jurisdicional. A partir de então, vários Tribunais passaram a ensaiar a utilização de recursos eletrônicos para o processo judicial. É o caso do Tribunal Regional Federal da 3ª Região com a implantação de Juizado Virtual, a partir dos trabalhos realizados por comissão temporária constituída para tratar sobre a implantação dos Juizados Federais252, e da 4ª Região (TRF3), que disciplinou253 a implantação e o funcionamento do Processo Eletrônico nos Juizados Es peciais Federais no âmbito da Justiça Federal da 4ª Região, antes mesmo de uma legislação específica. Dessas ações setoriais, os sistemas de acompanhamento processual vem evoluindo 251 A partir de maio de 1995, o acesso à Internet via Embratel começa a funcionar de modo definitivo. Mas a exclusividade da Embratel como provedor de acesso desagrada à iniciativa privada. Temia-se que a Embratel e outras empresas de telecomunicações dominassem o mercado, criando um monopólio estatal da Internet no Brasil. Diante disso, o Ministério das Comunicações tornou pública a posição do governo de que não haveria monopólio e que o mercado de serviços da Internet no Brasil seria o mais aberto possível. Assim, foi publicada a Portaria 148, do Ministério da Ciência e Tecnologia, de 31.5.1995, que regula o uso de meios da rede pública de telecomunicações para acesso à internet. MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia. Portarias. Disponível em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/18648.html. Acesso em 18 de julho de 2008. 252 ATRF3ª - Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Portaria n.º 3.222, de 8.8.2001. Disponível em http://www2.oabsp.org. br/asp/clipping_jur/ClippingJurDetalhe.asp?id_noticias=11005&AnoMes=20018. Acesso em 18.7.2008. 253 TRF4ª - Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Resolução n.º 13, de 11.3.2004, Implanta e estabelece normas para o funcionamento do Processo Eletrônico nos Juizados Especiais Federais no âmbito da Justiça Federal da 4ª Região. Disponível http://thesaurus.trf4.gov.br/netacgi/nph-brs.exe?S1=Resolu%E7%E3o&S2=&S3=&S4=’13’&S5=&l=20&SECT1=IMAGE &SECT4=e&SECT6=HITOFF&SECT3=PLURON&SECT2=THESON&SECT5=BIBL04&S6=legislacao&d=BIBL&p=1 &u=bibl04.html&r=1&f=G. Acesso em 18.7.2008.. 317 de mero repositório de informação do processo judicial a portal do próprio processo, agora inteiramente eletrônico. A substituição do processo judicial tradicional, em papel, para o processo judicial eletrônico, em meio inteiramente digital, com efeito, é o grande desafio do Poder Judiciário para os próximos anos. 3.3.2. Sistema de Processo Judicial Eletrônico Com a promulgação da Lei n.º 11.419, de 19 de dezembro de 2006, uma nova perspectiva para o processo judicial foi esculpida na ordem jurídica brasileira, em especial na legislação processual, com a possibilidade do processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais. Contrapondo-se ao processo judicial tradicional, fundado nas formas e no registro em papel, surge o processo eletrônico, em meio digital, com a missão de colocar o Poder Judiciário no mesmo contexto tecnológico da sociedade para quem atua. Em verdade, é incongruente que o Poder Judiciário ainda adote o processo judicial tradicional em plena era da informação, das comunicações móveis, flexíveis, rápidas e em tempo real, onde o conceito de não-território é dominante. De fato, a utilização de meios eletrônicos para a realização de atos processuais é mais consentânea para aperfeiçoar a prestação jurisdicional, eis que se podem conferir maior simplicidade procedimental, velocidade, economia, segurança e confiabilidade à distribuição da justiça. Ao tratar da informatização do processo judicial, a Lei n.º 11.419/2006 inicia um novo e importante ciclo de mudanças no Poder Judiciário, com grande potencial de provocar uma revolução, não só tecnológica, mas comportamental. E da leitura dos artigos da Lei mencionada, é palmar a finalidade de se mudar uma cultura e impulsionar o Judiciário para os novos tempos. Assim, a Lei n.º 11.419/2006 vem estabelecer nos artigos 1º e 8º o uso do meio eletrônico, na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais: Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei. (...) Art. 8º Os órgãos do Poder Judiciário poderão desenvolver sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais, utilizando, preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso por meio de redes internas e externas. O processo judicial eletrônico, de outro modo, segue uma tendência da moderna ciência jurídica processual quanto ao que se denomina de processo efetivo ou efetividade. O processo, como instrumento de realização da função jurisdicional do Estado, tem de ser capaz de alterar o mundo e conduzir as pessoas à ordem jurídica justa. 318 Revista ESMAC Ao tratar da instrumentalidade do processo judicial, Cândido Rangel Dinamarco254 adverte: Não é demais realçar uma vez mais a célebre advertência de que o processo precisa ser apto a dar a quem tem um direito, na medida do que for praticamente possível, tudo aquilo a que tem direito e precisamente aquilo a que tem direito. É manifesto que o sistema judicial brasileiro não atende na plenitude o seu papel constitucional de proporcionar ao cidadão o acesso à ordem jurídica justa, por causa de sua conhecida morosidade que leva a pouca efetividade da jurisdição. A questão que se coloca é se substituição do processo judicial tradicional pelo processo judicial eletrônico terá o condão de reparar um dos principais fatores de descrédito do Poder Judiciário: a demora na prestação jurisdicional. Naturalmente, como recurso isolado, não. Dentre os fatores responsáveis pela morosidade do Judiciário, ao lado de sua organização anacrônica e pouco funcional, destaca-se a incapacidade gerencial, resultado de uma formação exclusivamente humanística dos profissionais do direito255. Por esse prisma, o ponto alto da “revolução judiciária” com o processo eletrônico se dá com a mudança de mentalidade proporcionada pela inserção do processo judicial e de seus atores (partes, juízes, advogados, servidores) no mesmo ambiente tecnológico da era da informação. Essa migração do ambiente do papel, da caneta, para o mundo virtual cria uma nova concepção de tempo e espaço, favorecida pela alta conectividade da TI, potencializando resultados. Pela própria natureza do processo judicial tradicional, os atores mantêm entre si uma relação fria, distante e numa dimensão temporal diferente. Com efeito, aos que integram a relação processual tradicional meses não significa muita coisa, uma vez que é inerente ao processo uma certa letargia no desenvolvimento dos atos processuais. Em contrapartida, o processo judicial eletrônico proporciona aos seus atores uma novadimensãoespacialetemporal,ondetodosestãosemprepresenteseacessíveisaqualquer tempo, em qualquer lugar, o que contribui de forma direta para redução ou completa eliminação do “tempo morto” do processo. Nesse novo olhar, o processo eletrônico inexoravelmente promoverá uma reeducação da comunidade jurídica, impactando fortemente na gestão do processo judicial e conseqüentemente nos indicadores de produtividade do Poder Judiciário. 254 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 5ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p. 297. 255 BENUCCI, Renato Luis. A tecnologia aplicada ao processo judicial.Campinas-SP: Millennium Editora, 2006. p. 30. 319 3.3.2.1. Assinatura eletrônica A assinatura lançada nos documentos baseados em registro físico em papel sempre foi elemento fundamental para vincular a autoria dos que atuam no processo judicial tradicional. Uma simples marca ou sinal, realizados com tinta de caneta, foi até poucos anos atrás o modo por excelência de se identificar a autoria de algo no processo judicial. Com a revolução proporcionada pelo processo eletrônico tudo isso tende a mudar com a utilização da assinatura eletrônica. Nos termos do art. 1º, § 2º, III, da Lei n.º 11.419/2006, considera-se assinatura eletrônica tanto aquela baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, também chamada de assinatura digital256, quanto à obtida mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos. De uma forma ou de outra, a assinatura eletrônica é aquela que não usa sinais gráficos ou marcas, mas apenas informações digitais, com tecnologia que assegure a integridade e a autenticidade de um documento. O uso da assinatura eletrônica no processo judicial tem um papel fundamental e estratégico para o fim da cultura do papel e das formas, uma vez que dissipa o receio dos profissionais do direito quanto à questão da autenticidade e da integridade de um documento. Em verdade, é a assinatura eletrônica a responsável pela viabilidade jurídica do processo judicial em ambiente complemente digital, na medida em que assegura a autenticidade e integridade de todo e qualquer documento inserido nos autos virtuais. De sua funcionalidade e utilidade no processo, a assinatura eletrônica não só contribui para a existência e aceitação do processo judicial em meio digital como também tem o condão de contribuir para afastar o apego à forma e valorizar o conteúdo. Nos autos virtuais de um processo judicial eletrônico nenhum documento é inserido ou ato processual é realizado sem que fique garantida a autenticidade e integridade da autoria. Esse aspecto evidentemente importa em melhor controle pelos envolvidos no processo judicial, evitando preocupação com autenticações e assinaturas gráficas, e por conseguinte quanto à forma. No processo tradicional, tais defeitos levam inevitavelmente ao colapso da própria demanda, o que constitui de per si uma afronta o escopo do processo. Dessarte, releva notar que a assinatura eletrônica também tem um papel estratégico na melhoria do sistema judiciário ao proporcionar uma mudança de mentalidade da comunidade jurídica, do desapego à imagem e à forma em benefício da essência, do conteúdo. 256 A assinatura digital é um conjunto de caracteres alfanuméricos, derivados de operações de encriptação e decriptação, realizadas através da utilização de algoritmos e que, para ser decifrada necessita de duas chaves: a pública e a privada. Somente a chave privada pode decriptar as mensagens encriptadas com a chave pública, e somente a chave pública pode decriptar as mensagens encriptadas com a chave privada. Além disso, há uma terceira parte que certifica a autenticidade da assinatura, por meio de verificação dos pares das chaves. AZEVEDO, Lívia Dias de. Contratos eletrônicos: a mudança de paradigmas frente a uma era digitalizada. Trabalho de conclusão do Curso de Bacharelado da FND da UFRJ.inédito. p.20. 320 Revista ESMAC 3.3.2.2. Comunicação de atos processuais por meio eletrônico A Lei n.º 11.419/2006, conhecida por Lei do processo judicial eletrônico, estabeleceu nos seus artigos 4º a 7º a possibilidade de comunicação dos atos processuais também por meios eletrônicos. E com esse propósito, trata do Diário da Justiça Eletrônico, das intimações e citações eletrônicas, e das cartas precatórias, de ordem e rogatórias eletrônicas. Para Renato Luis Benucci257, a comunicação dos atos processuais é uma das atividades do processo que mais pode se beneficiar dos avanços da Tecnologia da Informação. De fato, com a adoção da comunicação eletrônica por meio de uma página da web258 ou por meio de correio eletrônico supera de longe qualquer meio tradicional de comunicação dos atos do processo. A comunicação dos atos processuais sempre se revelou uma questão crítica ao andamento do processo judicial. Em razão de uma intrincada operação que envolve digitação, conferência, assinatura, expedição e cumprimento, a comunicação tradicional dos atos processuais está diretamente ligada à boa parte do“tempo morto”do processo e aos elevados custos operacionais do Poder Judiciário. À proporção que ocorrer a migração do processo tradicional para o eletrônico a comunicação eletrônica cada vez mais deverá ganhar espaço dentre as opções disponíveis na Lei processual civil. 3.3.2.3. Audiência eletrônica Em se tratando do registro de atos e termos processuais, a regra preponderante na Lei processual civil é a de que sejam escritos com tinta indelével e escura em papel. Com as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pela Lei n.º 11.419/2006, o sistema processual passou a admitir também, quando se tratar de processo total ouparcialmenteeletrônico, a produção e armazenamentodosatosprocessuais“demodo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável, na forma da lei, mediante registro em termo que será assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chefe de secretaria, bem como pelos advogados das partes”259. Essa nova possibilidade de registro dos atos processuais foi expressamente estendida às audiências por força da norma prevista no artigo 457, § 4º, do Código de Processo Civil. Destaca-se aí mais um importante avanço para a celeridade do processo judicial. Antes do advento do registro eletrônico das audiências pela Lei n.º 11.419/2006, 257 BENUCCI, Renato Luis. Op. cit., p. 145. 258A rede mundial de computadores é conhecida pelas siglas w.w.w (world wide web) ou, simplesmente web e consiste em uma área da Internet que contém documentos em formato de multimídia (texto, imagens, vídeo e áudio).. 259 Código de Processo Civil, art. 169, § 2º, com a redação dada pela Lei n.º 11.419, de 19.12.2006. “Art. 169. Os atos e termos do processo serão datilografados ou escritos com tinta escura e indelével, assinando-os as pessoas que neles intervieram. Quando estas não puderem ou não quiserem firmá-los, o escrivão certificará, nos autos, a ocorrência. (...) § 2º Quando se tratar de processo total ou parcialmente eletrônico, os atos processuais praticados na presença do juiz poderão ser produzidos e armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável, na forma da lei, mediante registro em termo que será assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chefe de secretaria, bem como pelos advogados das partes.” 321 a gravação de audiência era um recurso possível, mas sujeito à conversão do áudio para a versão escrita no caso de recurso da sentença260. Essa exigência contribuiu, sobremodo, para que a gravação de audiências não se tenha popularizado perante os diversos órgãos do Poder Judiciário nacional, ante as dificuldades posteriores de conversão do áudio para a versão escrita, a anular os ganhos de produtividade. Com a conjugação da gravação eletrônica da audiência (em áudio e/ou vídeo) à assinatura digital, a conversão do registro de áudio para a escrita deixa de ser necessária, haja vista a certeza de autenticidade e integridade do arquivo eletrônico como ato processual produzido na presença do juiz, das partes e de seus advogados261. Essa mudança de procedimento, além de favorecer a realização de audiências em menor tempo, eis que se desenvolve sem paradas para transcrição ou redução a termo, proporciona maior dinamicidade à produção da prova, que será fiel no que se propõe: retratar a verdade dos fatos. Por isso, não é demais reconhecer que realização dos atos processuais mediante os recursos daTecnologia da Informação tem o condão de promover uma verdadeira revolução no tempo do processo, tornando-o mais célere, por conseguinte. 3.3.3. Sistemas exógenos de apoio à efetividade da Jurisdição O sistema judiciário, assim como todo sistema aberto262, interage diretamente com o meio em que inserido, de tal forma que suas saídas estão diretamente ligadas aos estímulos e solicitações do macro-sistema do qual faz parte. Assim, ao decidir, o juiz devolve ao macro-sistema um comando normativo que para a sua execução ou efetividade em muitos casos requer a atuação concomitante de outros órgãos externos ao aparelho judicial. É o caso do fornecimento de informações por órgãos públicos ou entidades privadas ou mesmo cumprimento de ordens judiciais de bloqueio ou indisponibilidade de bens. Até alguns anos atrás, o único meio de efetivação de tais comandos era o ofício ou mandado cumprido diretamente pelo oficial de justiça. Essa realidade porém mudou com o advento de era digital e da Internet, onde a interação entre as organizações ocorre em tempo real e on line. Por conseguinte, ao juiz já é possível realizar determinações a órgãos externos e empresas diretamente da tela de seu microcomputador. São assim sistemas que, embora não integrem a rede interna de dados do Poder Judiciário, permitem ao juiz promover a celeridade e efetividade do processo judicial. 260 Conforme estabelece o parágrafo primeiro do artigo 417 do Código de Processo Civil. 261 Conforme art 417 e §§, com a redação dada pela Lei n.º 11.419, de 19.12.2006. “Art. 417. O depoimento, datilografado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores, facultando-se às partes a sua gravação. § 1º O depoimento será passado para a versão datilográfica quando houver recurso da sentença ou noutros casos, quando o juiz o determinar, de ofício ou a requerimento da parte. § 2º Tratando-se de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2º e 3º do art. 169 desta Lei”. 262 Basicamente, a teoria de sistemas afirma que estes são abertos e sofrem interações com o ambiente onde estão inseridos. Desta forma, a interação gera realimentações que podem ser positivas ou negativas, criando assim uma auto regulação regenerativa, que por sua vez cria novas propriedades que podem ser benéficas ou maléficas para o todo independente das partes. Wikipédia – a enciclopédia livre na Internet. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_dos_sistemas#Sistemas_abertos. Acesso em: 25.7.2008. 322 Revista ESMAC Dentre esses sistemas de apoio à jurisdição destacam-se o Bacen Jud e o Infoseg. O Bacen Jud263 é um serviço prestado pelo Banco Central do Brasil e consiste num sistema via Internet, em que o juiz pode requisitar informações de pessoas físicas e jurídicas e determinar bloqueio e desbloqueio de ativos financeiros de clientes de instituições do Sistema Financeiro Nacional. Até o início da década de 90 a efetivação de uma simples consulta quanto à existência de contas bancárias de determinada pessoa perante os bancos resultava numa demorada espera e, em alguns casos, infrutífera ação, pois não era dirigida a todas as instituições do Sistema Financeiro por uma impossibilidade meramente prática. A situação ficava mais crítica em casos de bloqueio de ativos financeiros em razão do tempo transcorrido entre a determinação judicial e o cumprimento pelos bancos. Como reflexo do crescimento acentuado do número de requisições em papel oriundos do Judiciário, a congestionar o processamento pelos bancos, o Banco Central do Brasil viu-se obrigado a disponibilizar um serviço específico para o Poder Judiciário, facilitando a tramitação e cumprimento das ordens judiciais ao Sistema Financeiro. Foi assim que o Banco Central implementou em 2001 a primeira versão do Bacen Jud 1.0, que posteriormente, em 19.12.2005, evoluiu para a versão Bacen Jud 2.0. Assim, pelo Bacen Jud, o juiz de posse de uma senha previamente cadastrada preenche um formulário na Internet, requisitando as informações necessárias ao processo judicial, que é repassado aos bancos automaticamente. Ao receberem os comandos eletrônicos, os bancos promovem o imediato cumprimento das determinações do órgão judicial requisitante, diminuindo o tempo de tramitação. A informatização desse serviço eliminou não só a utilização de papel como veio reduzir o tempo de atendimento das ordens judiciais pelas instituições, com reflexo direto no andamento dos processos judiciais, permitindo aos magistrados exercer melhor controle das respostas e fundamentar as decisões exaradas com significativos ganhos de agilidade e tempestividade. Esse serviço, ademais, está em consonância com as disposições preconizadas no artigo 654-A, caput, do Código de Processo Civil que trata da penhora on-line, in verbis: Art. 655-A.Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução. O Infoseg264 é um serviço disponibilizado pelo Ministério da Justiça na Internet e consiste na integração de informações de Segurança Pública e de Fiscalização do conjunto de bases de dados distribuídas pelos estados da Federação e por órgãos do governo federal. A rede Infoseg tem por finalidade disponibilizar as informações contidas em qualquer base integrante do sistema para os usuários nele cadastrados. Por esse sistema, é possível ao juiz, por meio de senha previamente cadastrada, realizar consultas às bases de dados e obter informação em tempo real e de forma on-line 263 Bacen Jud está disponível em: https://www3.bcb.gov.br/bacenjud2/indexEstatico.jsp. Acesso em: 25.7.2008. 264 Infoseg está disponível em: https://www2.infoseg.gov.br/infoseg/do/TecladoVirtualAction. Acesso em: 25.7.2008. 323 sobre veículos, condutores, armas de fogo, cadastro de contribuintes da Receita Federal, dados sobre indivíduos com processos criminais ou mandados de prisão. Com o acesso a essa ampla base de dados, mais eficiente se torna a atuação judicial na busca da verdade e por conseqüência mais célere a tramitação do processo judicial. Outros sistemas de apoio vêm ganhando espaço no cotidiano do Judiciário. É o caso dos sistemas dos Departamentos Estaduais de Trânsito (DETRAN), a permitir o bloqueio eletrônico de veículos mediante comando do juiz realizado diretamente na web. Há ainda a realização de controle de depósitos judiciais e levantamento de importâncias depositadas por meio de alvarás eletrônicos diretamente pelo juiz, também em página na Internet. Todas essas inovações proporcionadas pela Tecnologia da Informação tendem a mudar de modo acentuado o funcionamento do Judiciário, a gestão de seus serviços, e conseqüentemente a qualidade do serviço prestado. 3.3.4. Sistemas de gestão da área-meio Assim como em qualquer outra organização, a atividade-meio do Poder Judiciário compreende todos os serviços de suporte à atividade-fim, como os de informática, recrutamento e treinamento de pessoal, aquisição e manutenção de bens e materiais, bem assim a administração orçamentária e financeira. Tais serviços, embora não jurisdicionais, estão umbilicalmente ligados ao grau de eficiência do Poder Judiciário, uma vez que dizem respeito sobre as estruturas disponibilizadas para a produção do serviço de prestação da função jurisdicional. É o caso da gestão de recursos humanos, materiais e tecnológicos, em que a administração do Judiciário proporciona pessoal treinado para o serviço da atividade-fim, bem assim todas as condições físicas e tecnológicas. No entanto, segundo observações realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça265, a gestão da atividade-meio desponta como um dos mais graves problemas do sistema judiciário brasileiro. É o que se espelha nas várias recomendações do Conselho dirigidas aos Tribunais brasileiros, quando estabelece diretrizes pelas quais os diversos ramos do Poder Judiciário devem pautar seu planejamento estratégico. E devido à importância da questão, o Conselho vem até mesmo reiterando as suas recomendações de anos anteriores, sempre com o objetivo de enfatizar uma prática administrativa gerencial modernizadora do Poder Judiciário. Nesse sentido, dentre as recomendações realizadas pelo Conselho no Relatório Anual de 2007 para os planos gerenciais e metas administrativas dos órgãos do Poder Judiciário, merecem destaque as seguintes266: Recomendação 2 Considerando que a maior acumulação de processos se concentra na Primeira Instância: conforme os dados do Justiça em Números 2006, o quantitativo de casos novos na Primeira Instância representa cerca de 62% das novas demandas processuais da Justiça Estadual, 265 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça – 2007. Disponível em: http://serpensp2.cnj.gov.br/relatorio_anual/Relatorio_2007.pdf. Acesso em: 12.7.2008. 266 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça – 2007. p. 266/269 324 Revista ESMAC Justiça Trabalhista e Justiça Federal; Considerando as imensas deficiências estruturais verificadas em Varas e Juizados; Considerando que a Primeira Instância representa o primeiro patamar de acesso dos cidadãos ao Judiciário, e, por conseguinte, de seu acesso à justiça. O Conselho Nacional de Justiça recomenda que seja priorizada a modernização das Primeiras Instâncias por meio de um planejamento orçamentário e administrativo que contemple as necessidades de tais unidades judiciais. Recomendação 3 Considerando que os Juizados Especiais, com seu rito simples e célere, vêm representando alternativa eficaz de acesso à justiça; Considerando que no anexo Justiça em Números 2006 os casos novos nos Juizados Especiais representaram cerca de 41% do total de processos ingressos na Justiça Federal e 26% no caso da Justiça Estadual; Considerando que os Juizados Especiais Estaduais e os Juizados Especiais Federais têm beneficiado milhões de pessoas, principalmente da camada mais pobre da população; Considerando que os Juizados Especiais são instituição de credibilidade entre os cidadãos, conforme estudo da Associação dos Magistrados do Brasil. O Conselho Nacional de Justiça recomenda que continuem sendo observadas as conclusões e as indicações da Comissão dos Juizados Especiais enunciadas no item 7.4 do Relatório de 2005 do CNJ, no planejamento, pelos Tribunais, da gestão de patrimônio, da gestão tecnológica, da gestão de pessoas e da gestão de processos. Recomendação 5 Considerando que os sistemas de informação das unidades do Poder Judiciário nacional ainda são sistemas heterogêneos em plataformas diversas, apesar do progresso considerável alcançado nos últimos vinte meses; Considerando que a interoperabilidade significa a habilidade de dois ou mais sistemas (computadores, meios de comunicação, redes, software e outros componentes de tecnologia da informação) de interagir e de intercambiar dados de acordo com um método definido, de forma a obter os resultados esperados. O Conselho Nacional de Justiça recomenda que os órgãos do Poder Judiciário nacional adotem “padrões de interoperabilidade” para integração dos sistemas de informação. Recomendação 7 Considerando que, para desempenhar suas funções constitucionais, o Poder Judiciário necessita de independência, de poder de execução das decisões e de organização eficiente; Considerando que a disponibilidade de recursos materiais é condição necessária, mas não suficiente, da organização eficiente do Poder Judiciário; Considerando que o volume de recursos gastos nas instituições nacionais do Poder Judiciário não guarda relação direta com a produtividade na prestação jurisdicional e no julgamento dos casos novos. O Conselho Nacional de Justiça recomenda que as instituições do Poder Judiciário nacional busquem maximizar suas capacidades gerenciais adotando soluções criativas contra a ineficiência administrativa e o anacronismo organizacional em um contexto de recursos escassos. 325 Da análise de contexto, a gestão dos recursos humanos, materiais e tecnológicos é, com efeito, o maior problema do Poder Judiciário nacional. Embora não atue no âmbito interno do processo judicial, a gestão da atividademeio torna a estrutura judicial mais eficiente em razão da reorganização administrativa e dos investimentos em equipamentos, tecnologia e pessoal. Nesta esteira, a gestão da tecnologia da informação faz a diferença mediante sistemas de automação de recursos humanos; sistemas de automação financeira e orçamentária; e sistemas de automação logística. 3.4. Estudo de caso: a experiência da 2ª Vara de Família da Comarca de Rio Branco (AC) no período de 1996 a 2007 De tudo quanto ficou exposto, um dado se apresenta como certo para a melhoria do desempenho operacional do Poder Judiciário: a utilização dos recursos da Tecnologia da Informação, desde que alinhados com as orientações de um planejamento estratégico. Com o propósito de melhor compreender esse processo de transformação e demonstrar como se operam os efeitos da Tecnologia da Informação quando aliada a uma gestão estratégica, examina-se a seguir o caso da 2ª Vara de Família da Comarca de Rio Branco, Estado do Acre, que em um período de pouco mais de dois anos conseguiu excelentes resultados em termos de produtividade. Para tanto, a análise ficará restrita ao período de 1996 a 2007, então relacionado ao início da Internet no Brasil267 e à paulatina informatização do Judiciário acreano. 3.4.1. Escorço histórico da informatização do Poder Judiciário do Acre Em 1995, havia no Poder Judiciário do Acre apenas 12 microcomputadores268 e 9 impressoras matriciais, todos alocados na Secretaria Administrativa do Tribunal de Justiça. Nessa época, nenhuma das 15 comarcas instaladas269 dispunha de equipamentos de informática. A base tecnológica então disponível nas varas da capital e do interior do Estado resumia-se a equipamentos de telegrafia e máquinas de datilografia. Nas Varas e no Tribunal de Justiça, o cadastro de processos e de partes era realizado mediante registro em livro tombo. O controle do andamento processual, por sua vez, era feito por meio de fichas soltas, classificadas em um arquivo fichário. Mas foi a partir de janeiro de 1997 que essa realidade começou a mudar. Foi o efetivo início do processo de informatização quando ocorreu a implantação do primeiro sistema eletrônico baseado em computador para cadastro e acompanhamento da movimentação de 267 A Internet no Brasil teve início em maio de 1995 268 Conforme quadro evolutivo do parque tecnológico do Tribunal de Justiça constante de Informações da Coordenadoria de Informática - COINF. 269 De acordo com o Art. 223 da Lei Complementar estadual n.º 47/95, as comarcas do Estado do Acre são as seguintes: Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Brasiléia, Xapuri, Sena Madureira, Feijó, Tarauacá, Senador Guiomard, Mâncio Lima, Plácido de Castro, Assis Brasil, Acrelândia, Bujari, Capixaba, Epitaciolândia, Jordão, Manoel Urbano, Marechal Thaumaturgo, Porto Acre, Porto Walter, Rodrigues Alves e Santa Rosa. Dentre elas, sete ainda não estão instaladas: Assis Brasil, Jordão, Marechal Thaumaturgo, Porto Acre, Porto Walter, Rodrigues Alves e Santa Rosa. 326 Revista ESMAC processos judiciais. Tratava-se do Sistema de Automação da Justiça (SAJ)270, uma solução baseada numa interface caracter (de linha de comando)271 e banco de dados ZIM272. O sistema foi implantado nas varas da Capital e no Tribunal de Justiça e o parque tecnológico contava com 159 microcomputadores e 131 impressoras matriciais. Nesse momento, nenhuma comarca do interior foi alcançada por essa solução. Com a aquisição de mais 525 microcomputadores e 266273 impressoras em 2002, todas as comarcas do interior foram dotadas de equipamentos de informática, mas não se destinavam a funcionar em rede de dados nem à Internet. As máquinas eram destinadas simplesmente a substituir as antigas e obsoletas máquinas de datilografia, ainda reinantes naquelas localidades. Em 2004, ocorreu a evolução do SAJ para uma arquitetura mais amigável ao usuário com interface gráfica274 e banco de dados Oracle275, o que permitiu a padronização da informação, a criação de formulários e definição de procedimentos mais racionais para os processos de trabalho das varas dotadas dessa solução. Desse passo em diante, o sistema passou para um estágio mais inteligente. Não se resumia a mero catalogador de processos, mas uma importante ferramenta de alta produtividade. Assim, a informação ficou democratizada, disponível de uma forma mais intuitiva e em tempo integral aos servidores, magistrados e jurisdicionados, via Internet. Embora o parque tecnológico nesse ano fosse de 774 microcomputadores e de 728 impressoras, apenas as varas das comarcas de Rio Branco (capital) e de Epitaciolândia (interior) estavam interligadas por meio de rede de dados, com acesso à Internet, conforme Figura 1. 270 O SAJ - Sistema de Automação da Justiça é uma solução desenvolvida pela empresa Softplan. Disponível: http://www. softplan.com.br/saj/index.do. Acesso em: 22.7.2008. 271 Interface de linha de comando. (Informática). Tipo de interface com o usuário (q. v.) baseada exclusivamente na troca de mensagens escritas, em que o usuário deve digitar comandos a cada vez que o sistema apresenta o prompt (q. v.). FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Eletrônico – Século XXI, versão 3.0. 272 O banco de dados ZIM é um produto desenvolvido pela ZIM Corporation. Disponível: http://www.zimdatabase.com/brasil/about.html. Acesso em: 22.7.2008. Conforme quadro evolutivo do parque tecnológico do Tribunal de Justiça constante de Informações da Coordenadoria de Informática - COINF. 273 Conforme quadro evolutivo do parque tecnológico do Tribunal de Justiça constante de Informações da Coordenadoria de Informática - COINF. 274 Interface gráfica (informática) Tipo de interface com o usuário, em que a interação está baseada no amplo emprego de imagens, e não restrita apenas a textos ou caracteres, e que faz uso de um conjunto de ferramentas que inclui janelas, ícones, botões, e um meio de apontamento e seleção, como o mouse. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Eletrônico – Século XXI, versão 3.0. 275 O banco de dados ORACLE é um produto desenvolvido pela Oracle. Disponível: http://www.oracle.com/global/br/index.html. Acesso em: 22.7.2008. 327 Nos anos de 2005 e 2006, foram integradas a essa rede de dados e ao SAJ as comarcas de Acrelândia, Brasiléia, Capixaba e Plácido de Castro. De acordo com o plano diretor de tecnologia, em 2008 as demais comarcas no Estado também serão integradas à rede de dados. 3.4.2. Análise do desempenho operacional da 2ª Vara de Família de Rio Branco Seguindo na esteira da evolução tecnológica do Poder Judiciário do Acre, a 2ª Vara de Família da Comarca de Rio Branco conseguiu em um período de pouco mais de 12 anos elevar a sua produtividade em 496%, num contexto em que a demanda cresceu 450%, mesmo com a instalação de mais uma unidade judiciárial276. Em 1996, o número anual de novas ações judiciais distribuídas à 2ª Vara de Família foi de 613 feitos, ao passo que o número de julgados não superou 579 feitos. A mera observação desses números revela que naquela época a unidade judiciária se encontrava congestionada, com as entradas no sistema maiores do que as saídas. 276 Em 2000, o Tribunal de Justiça instalou na Comarca de Rio Branco a 3ª Vara de Família. 328 Revista ESMAC Feitos distribuídos e julgados em 1996 613 620 579 600 580 560 P ro ce sso s n o vo s 540 P ro ce sso s ju lg a d o s* 520 500 1996 Quantidade de feitos Gráfico 1: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos e julgados (entradas e saídas) na 2ª Vara de Família no ano de 1996. Fonte: COGER. Nesse período, a atividade cartorária e judicial era realizada com a utilização de máquinas de datilografia. Não havia microcomputadores e os controles eram feitos em livros e fichas. Para agilizar audiências, os termos277 mais corriqueiros eram reproduzidos em fórmulas mediante mimeógrafo. Cada ato processual importava em várias anotações manuscritas, segundo a finalidade, ou na geração de traslados para arquivo. Para esse fim, havia livro de registro geral de feitos; livro tombo (índice); livro de carga de autos; livro carga de mandados; livro de registro de audiências; livro de registro de sentenças, com índice; livro de registro de precatórias; livro de protocolo de autos e papéis em geral; livro de registro de incidentes processuais; livro de habeas-corpus, dentre outros278. Como se não bastasse o congestionamento verificado diante da falta de estrutura física e tecnológica adequada, no ano seguinte (1997), a Vara veio experimentar ainda um aumento expressivo da demanda na ordem de 81,73%, saltando de 613 feitos-ano para 1.114 (Gráfico 2). 277 Termo. (Jurídico). Peça em que se formaliza determinado ato processual. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Eletrônico – Século XXI, versão 3.0. 278 Conforme Normas de Serviços das Serventias Judiciais da Corregedoria-Geral de Justiça - Provimento COGER n.º 91996, Capítulo III, Seção III, item 10 329 Processos novos em 1996 e 1997 1.114 1.500 613 1.000 500 0 P roc es s os novos 1996 1997 Gráfico 2: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos (entradas) para a 2ª Vara de Família nos anos de 1996 e 1997. Fonte: COGER. A produtividade nesse ano, entretanto, manteve-se em patamar quase inalterado, com um incremento de apenas 5,70%, elevando-se de 579 feitos resolvidos por ano (julgados, redistribuídos, cartas precatórias cumpridas) para 612, insuficientes para a acompanhar o aumento da demanda em mais de oitenta por cento. 700 600 500 400 300 200 100 0 579 1996 612 1997 Saída de feitos do sistema Gráfico 3: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos resolvidos (saídas) na 2ª Vara de Família nos anos de 1996 e 1997. Fonte: COGER 330 Revista ESMAC Enquanto o caos se desenhava no horizonte, uma solução estava em construção em 1997, o que representaria um passo importante no gerenciamento dos processos de trabalho da Vara. Implantava-se o primeiro sistema de cadastro e acompanhamento de processos judiciais baseado em computador. Esse sistema, uma versão do SAJ279 com interface caracter, tinha o propósito de abolir o livro de registro geral de feitos e o controle manual de movimentação processual por meio de fichas. Os resultados dessa intervenção tecnológica foram sentidos já no ano de 1998, quando a produtividade da Vara saltou de 612 para 1.209 feitos resolvidos por ano. Isto representou um incremento de 97,55% no número de feitos finalizados, suficiente para que as saídas nesse ano fossem superiores às entradas do sistema (Conforme Gráfico 4). 1.400 1.200 1.000 800 1.202 1.114 613 1.209 612 579 600 400 200 0 1996 P roc es s os novos 1997 1998 S aída de feitos do s is tem a Gráfico 4: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos e julgados (entradas e saídas) na 2ª Vara de Família nos anos de 1996, 1997 e 1998. Fonte: COGER. Em 1999, porém, a demanda continuava com forte tendência de aumento, elevando de 1.202 a 1.621 feitos novos ao ano, num total de 34,86% de crescimento. Esse fato mais uma vez fez com que as entradas em 1999 fossem superiores às saídas do sistema, cujo incremento não passou de 10,84%, como se pode observar nos Gráficos 5 e 6, a seguir: 279 O SAJ - Sistema de Automação da Justiça é uma solução desenvolvida pela empresa Softplan. Disponível: http://www. softplan.com.br/saj/index.do. Acesso em: 22.7.2008. 331 Processos novos (Entradas) 1.700 1.621 1.500 1.300 1.202 1.114 1.100 900 700 613 500 1996 1997 1998 1999 Gráfico 5: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos (entradas) para a 2ª Vara de Família período de 1996 a 1999. Fonte: COGER. Entradas e Saídas 1.700 1.500 1.300 1.100 900 700 500 300 1.114 579 1.209 1.340 1.621 1.202 612 613 1996 1997 P roc es s os novos 1998 1999 S aída de feitos do s is tem a Gráfico 6: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos e resolvidos (entradas e saídas) na 2ª Vara de Família período de 1996 a 1999. Fonte: COGER. 332 Revista ESMAC Essa explosão de demanda em 1999 importou em reação da Administração do Tribunal de Justiça no sentido de instalar a 3ª Vara de Família no ano 2000. Assim, com a distribuição da demanda de novas ações judiciais por três varas de família, em 2000 o volume de feitos novos na 2ª Vara de Família caiu 52,3%, reduzindo de 1.621 para 772 feitos novos ao ano. Nesse ano, as saídas outra vez voltaram a superar as entradas do sistema, como espelhado no Gráfico 7, abaixo: 1.621 1.800 1.600 1.400 1.200 1.000 800 1.202 1.209 1.114 1.340 989 772 612 613 579 600 400 200 0 1996 1997 P roc es s os novos 1998 1999 2000 S aída de feitos do s is tem a Gráfico 7: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos e resolvidos (entradas e saídas) na 2ª Vara de Família período de 1996 a 2000. Fonte: COGER. Se a instalação de mais uma vara de família teve o objetivo de diluir o aumento da demanda, a solução restou por insuficiente no ano seguinte, 2001, quando surpreendentemente ocorreu novo e expressivo crescimento, de 772 para 1.412 feitos novos distribuídos ao ano, ou seja, 82,90% de elevação, confirmando a tendência de expansão da litigiosidade em matéria de família e a incapacidade do sistema em atender toda a demanda, conforme se observa no Gráfico 8. 333 1 .6 2 1 1 .8 0 0 1 .3 0 4 1 .4 1 2 1 .3 4 0 1 .6 0 0 1 .4 0 0 989 1 .2 0 0 1 .0 0 0 772 800 600 400 200 0 1999 2000 P ro c e s s o s n o v o s 2001 S a íd a d e fe ito s d o s is te m a Gráfico 8: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos e resolvidos (entradas e saídas) na 2ª Vara de Família período de 1999 a 2001. Fonte: COGER. Em 2002, a demanda manteve-se praticamente estável. Em contrapartida, a produtividade aumentou 15,87%, elevando-se de 1.304 para 1.511 feitos resolvidos, superando nesse ano a demanda (conforme Gráfico 9) 1.412 1.600 1.400 1.200 1.000 1.304 1.396 1.511 989 772 800 600 400 200 0 2000 2001 P roc es s os novos 2002 S aída de feitos do s is tem a Gráfico 9: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos e resolvidos (entradas e saídas) na 2ª Vara de Família período de 2000 a 2002. Fonte: COGER. 334 Revista ESMAC Da análise dos dados comparativos dos anos de 1996 a 2007, observa-se que o aumento da demanda se confirmava como uma tendência, refletida pelo aumento de feitos no período em mais 450% (Conforme Gráfico 10): Processos novos Quantidade de feitos 3.000 2.759 2.500 2.380 1.951 2.000 1.621 1.500 1.000 500 613 1.114 1.412 1.396 1.202 2.608 1.658 772 0 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Gráfico 10: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos distribuídos (entradas) para a 2ª Vara de Família período de 1996 a 2007. Fonte: COGER. Releva notar que nesse mesmo período (1996 a 2007) a produtividade também obteve uma curva de crescimento, que foi bastante acentuada a partir do ano 2004, época em que foi implantado o novo Sistema de Automatização da Justiça (SAJ), na versão com interface gráfica. Desse ano em diante a atividade jurisdicional da 2ª Vara de Família obteve ganhos reais de produtividade, rompendo com a histórica falta de padronização, causa recorrente de erros e retrabalho. Assim, ocorreu sistemática padronização das rotinas cartorárias, com ferramentas importantes de integração da atividade da equipe, evitando o retrabalho. Toda a etapa de digitação de textos passou a ser realizada diretamente no sistema e perante o servidor de dados principal, evitando a preocupação com arquivos armazenados no próprio microcomputador do usuário, favorecendo o trabalho integrado. A possibilidade de geração automática de mandados, certidões, ofícios, cartas precatórias, cartas de intimação e citação, dentre outros, mediante a utilização de formulários com a simples indicação do processo deu impulso importante para a celeridade na atividade cartorária. Para essa funcionalidade, o Tribunal de Justiça promoveu o cadastramento no sistema de todos os formulários utilizados pelas Varas no Estado, gerando uma base de inteligência da Instituição. Assim, o que antes era feito no editor de textos Microsoft Word, de forma heterogênea e difusa nas centenas de microcomputadores da Instituição, passou a 335 ser feito de forma integrada, automática e simplificada. O refinamento chegou a ponto de até mesmo algumas sentenças repetitivas serem incluídas dentre os formulários. Ao examinar os dados estatísticos do período 1998 a 2007 é flagrante o vertiginoso crescimento da produtividade no período posterior a 2004 (data da adoção do novo sistema), que chega a contrastar com números anteriores que indicavam uma tendência de estagnação (Conforme Gráfico 11). 2.822 2.870 3.000 2.500 2.069 2.000 1.500 1.000 1.209 1.340 1.304 1.511 1.339 1.653 989 500 0 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 S aída de feitos do s is tem a Gráfico 11: Gráfico demonstrativo do quantitativo de feitos resolvidos (saídas do sistema) na 2ª Vara de Família período de 1998 a 2007. Fonte: COGER. É relevante notar que em razão do expressivo aumento das entradas no sistema houve um acúmulo de feitos pendentes de decisão no período de 1997 a 2005 da ordem de 208,08%, saindo de um estoque inicial de 1.327 para 2.771 feitos, haja vista o exaurimento da capacidade produtiva com os recursos disponibilizados. No Gráfico 12, é possível observar a curva ascendente do estoque, a contribuir para a elevação da taxa de congestionamento da unidade. 336 Revista ESMAC 3.000 2.800 2.600 2.400 2.200 2.000 1.800 1.600 1.400 1.200 1.000 2.771 2.248 1771 1.790 1.456 1997 1998 1999 1.794 1.436 1.327 1996 1.914 2000 2001 2002 2003 2004 2005 P roc es s os pendentes (es toque) Gráfico 12: Gráfico demonstrativo do número de feitos pendentes de decisão (estoque) na Vara de Família período de 1996 a 2005. Fonte: COGER. Entretanto, essa tendência de acúmulo é fortemente revertida nos anos seguintes de 2006 a 2007, pela redução do estoque em 36,12% e aumento da produtividade em mais de 38%, para um aumento de demanda no período em pouco menos de 16%. A situação pode ser visualizada no Gráfico 13. 3.500 2.771 3.000 2.248 2.500 2.000 1.500 1.000 500 1.436 989 1771 1.304 1.794 1.511 2.822 2.870 2.269 1.914 2.069 1.339 1.653 1.770 0 2000 2001 2002 2003 P roc es s os pendentes (es toque) 2004 2005 2006 2007 S aída de feitos do s is tem a Gráfico 13: Gráfico demonstrativo do número de feitos pendentes de decisão (estoque) e feitos resolvidos (saída do sistema) na Vara de Família período de 2000 a 2007. Fonte: COGER. 337 Nesse período, além da intensa utilização do SAJ e de outras ferramentas tecnológicas tais como o Bacen Jud e o Infoseg, foi implementada na Vara uma gestão focada em resultados (APO) mediante a utilização dos recursos da Tecnologia da Informação como arma estratégica, consoante descrição no Relatório da Correição Ordinária de 2007280. A viabilização desse propósito começou em 2006 a partir da percepção de que o sistema caminhava para o colapso e era premente a necessidade de uma intervenção para reverter a situação de forma sustentada. Até então era certo que não havia qualquer estudo sobre o desempenho ou definição de indicadores estratégicos. Não obstante isto, havia a percepção de que essa Unidade Judiciária contava com uma boa equipe, bom clima organizacional e grande abertura às inovações, resultando em um processo de trabalho em grupo mais interativo e organizado. Foi a partir da análise desses fatores que se buscou auxílio na ciência da Administração, mediante a utilização de métodos e técnicas do modelo de Administração por Objetivos (APO), para melhorar o desempenho da Vara, com vistas na redução, em médio prazo, do elevado estoque de processos pendentes de julgamento e, conseqüentemente, do congestionamento. A providencia inicial consistiu em conhecer os dados estatísticos da Vara e apresentá-los à equipe para definição dos indicadores de desempenho, ou seja, os parâmetros que teriam utilidade para mensurar a produtividade da unidade jurisdicional. Por conseguinte, foram identificados como indicadores necessários para aferir o desempenho da unidade os a seguir relacionados: 1. Número de feitos novos e número de feitos julgados (somente sentenças); 2. Número de feitos novos e número de feitos com alguma resolução (sentenças, cartas cumpridas, feitos redistribuídos ou remetidos a outra jurisdição em caráter definitivo); 3. Número de audiências designadas e número de audiências realizadas; 4. Número de processos pendentes de julgamento (estoque); 5. Taxa de congestionamento. Fixados os indicadores de desempenho, a equipe elaborou e documentou os direcionadores estratégicos (missão, visão e valores) para alinhamento dos trabalhos e fixação do propósito institucional da Unidade. Da análise da taxa de congestionamento da unidade, a equipe da vara concluiu que o objetivo estratégico deveria ser a redução do número de processos pendentes de julgamento (estoque), sendo fixada a redução em 5 por cento a cada três meses. Como medida para alcançar esse objetivo estratégico, a equipe definiu uma meta mensal baseada no indicador de desempenho “número de feitos novos e número de feitos julgados”, de modo que o número de julgados fosse superior ao de novos feitos. A idéia foi a que se revelou mais adequada e de maior desafio para todos da equipe. Todos os indicadores de desempenhos agora seriam analisados mensalmente pela equipe, para aferição do resultado alcançado frente à meta estabelecida. Uma vez alcançada a meta, toda a equipe seria reconhecida ou premiada na forma estabelecida previamente. E assim, para aumentar a produtividade de feitos julgados sem sobrecarregar o Juiz da Unidade, todas as audiências de conciliação passaram a ser realizadas por servidores especialmente treinados para esse fim. O magistrado se ocuparia assim com a atividade jurisdicional propriamente dita, ou seja, com a produção da prova e com o julgamento de mérito 280 2ª Vara de Família – Rio Branco – Acre. Relatório de Correição Ordinária de 2007. 338 Revista ESMAC dos conflitos cujas partes não alcançaram a resolução da lide mediante conciliação. Concomitantemente, a equipe elaborou pautas paralelas de audiências para conciliadores e para o magistrado. Os conciliadores passaram a realizar todo o seu trabalho diretamente no SAJ, evitando retrabalho ou pendências para a equipe de cartório. Essa providência ensejou na elevação do número de audiências realizadas em mais de 87%, ou seja, de 1.122 passou para 2.108 audiências por ano, fato que se pode conferir no Gráfico 14. 2.500 2.108 2.000 1.609 1.500 1.000 500 0 512 813 1.130 1.007 720 735 1.044 1.122 738 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 A udiênc ias R ealiz adas Gráfico 14: Gráfico demonstrativo do número de audiências realizadas na Vara de Família período de 1997 a 2007. Fonte: COGER. Ao quase dobrar o número de audiências realizadas e elevar as saídas do sistema em volume superior às entradas, a 2ª Vara de Família saiu de uma situação crítica para uma confortável taxa de congestionamento no patamar de 46%, conforme último Relatório da CorregedoriaGeral de Justiça281 do ano 2007, a conceituar a unidade judiciária como em equilíbrio, segundo os paradigmas do Conselho Nacional de Justiça282. Observou-se, ainda, que a medida foi eficaz para alinhamento da equipe que passou a acompanhar constantemente o próprio desempenho, percebendo o resultado obtido com o esforço comum. 281 TJAC - Tribunal de Justiça do Estado do Acre. Relatório da Corregedoria-Geral de Justiça de 2007, de 5.11.2007. 282 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 15/2006, DE 20.4.2006, do Conselho Nacional de Justiça. Art. 18. Os dados estatísticos Relativos à taxa de congestionamento serão informados de acordo com os indicadores e fórmulas seguintes: a- taxa de congestionamento no 2º Grau: numeral um (1) menos o número total de decisões que extinguem o processo no 2º Grau (numerador Sent2º) sobre número de casos novos somado ao número de casos pendentes de julgamento de períodosbase anteriores do 2º Grau (denominador CN2º + Cpj2º) da Justiça Federal, do Trabalho e dos Estados, por meio do indicador ( 2º) e de sua fórmula: b- taxa de congestionamento no 1º Grau: numeral um (1) menos o número total de sentenças no 1º Grau (numerador Sent1º) sobre número de casos novos somado ao número de casos pendentes de julgamento de períodosbase anteriores do 1º Grau (denominador CN1º + Cpj1º) da Justiça Federal, do Trabalho e dos Estados, por meio do indicador ( 1º) e de sua fórmula: c- taxa de congestionamento na Turma Recursal: numeral um (1) menos o número de decisões que extinguem o processo na Turma Recursal (numerador SentTR) sobre número de casos novos somado ao número de casos pendentes de julgamento de períodos-base anteriores da Turma Recursal (denominador CNTR + CpjTR) da Justiça Federal e dos Estados, por meio do indicador ( TR) e de sua fórmula: d- taxa de congestionamento no Juizado Especial: numeral um (1) menos o número de sentenças no Juizado Especial (numerador SentJE) sobre número de casos novos somado ao número de casos pendentes de julgamento de períodos-base anteriores do Juizado Especial (denominador CNJE + CpjJE) da Justiça Federal e dos Estados, por meio do indicador ( JE) e de sua fórmula: Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index. php?option=com_content&task=view&id=109&Itemid=160. Acesso em: 24.7.2008. 339 CONCLUSÃO Um dos traços marcantes do final do século XX e início deste século XXI é, sem dúvida alguma, o modo como a Tecnologia da Informação transformou a vida das organizações e da pessoas, suas interações e a percepção do tempo e do espaço. Com a Era da Informação, no início dos anos 90, nasce em verdade um novo mundo, um novo modo de vida, uma nova dimensão, que subverte os paradigmas então definidos pela civilização contemporânea. As distâncias físicas perdem importância para a alta conectividade entre as pessoas, que com o microcomputador passam a trabalhar juntas mesmo estando em lugares diferentes e distantes. O espaço agora é virtual ou ciberespaço e o tempo é marcado pela instantaneidade, onde a informação circula em tempo real e on-line. Em que pese o vertiginoso avanço na maneira como as relações sociais e negociais viriam a ocorrer, o Poder Judiciário nacional não acompanhou o desenvolvimento tecnológico nem a corrida pela proteção de direitos, desencadeada após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”. A grande demanda por serviços jurisdicionais viria a sacudir o Poder Judiciário e expor as suas fragilidades, dentre elas a sua incapacidade gerencial, resultado da formação preponderantemente humanística dos profissionais do direito, e o perfil conservador e refratário da instituição judiciária às novas tecnologias de administração e de informação. A ineficiência da administração da Justiça, dessa forma, viria a desembocar no epicentro da “Crise do Poder Judiciário” como um mal a ser atacado, então reconhecido no “Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano”, celebrado pelos presidentes dos três poderes da República, e combatido pelo Conselho Nacional de Justiça nas suas conclusões e planos de atuação. Surge aí o entendimento de que a Reforma do Judiciário não poderia resumir-se a alterações legislativas para celeridade da relação jurídica processual ou ainda pela exclusão pura e simples das demandas da via judicial mediante o incentivo a autocomposição e heterocomposição extrajudiciais, mas sim pela adoção das modernas técnicas da ciência da Administração e da experiência das organizações empresariais em prol da reorganização administrativa dos Tribunais, Varas e Juizados instalados em todo o território brasileiro. Em meio a esse movimento, ganha força no Brasil o ramo da Administração Judiciária, uma área do conhecimento que se vale de princípios, técnicas e ferramentas próprias da ciência da Administração para tornar mais eficiente o funcionamento do sistema judiciário no seu mister de prestar o serviço jurisdicional. Imbuído do esforço de romper com o conservadorismo e a tendência a gestões patrimoniais, focadas no interesse pessoal de cada gestor, o Conselho Nacional de Justiça vem se consolidando como um importante órgão aglutinador e disseminador das boas práticas administrativas, centro de debates sobre as deficiências do sistema e fomentador de uma política estratégica uniforme para o Judiciário como um todo. Ganha relevo, assim, a implementação da administração gerencial estratégica no Poder Judiciário, ou Administração por Objetivos (APO), como modelo de gestão a suplantar o anacronismo e o improviso normalmente verificados na administração dos Tribunais e varas. Por esse modelo, utilizado largamente com êxito na administração das empresas, 340 Revista ESMAC a gestão funciona mediante uma atuação participativa de planejamento e avaliação em que superiores e subordinados definem os objetivos a serem alcançados pela organização, sob contínuo e sistemático controle de desempenho. O planejamento, o controle e o foco em resultados são as características elementares da Administração por Objetivos. Diante dos resultados verificados nas organizações empresariais, o pensamento predominante vem dizer que esse modelo pode ser adaptado e aplicado à administração judiciária como uma das soluções para o problema da morosidade do Poder Judiciário. Entretanto, para o sucesso de uma administração por resultados é imprescindível que a implementação dos objetivos da organização seja aparelhada por modernos recursos baseados em computador e na comunicação eletrônica. Diante do estágio tecnológico da sociedade atual, que se conduz sob a era da compressão do espaço e do tempo e da conectividade283, todas as atividades humanas tendem a adotar a Internet como meio necessário à sua comunicação e à realização de suas finalidades. Esse fenômeno pode ser observado no Poder Judiciário com a utilização de sistemas de gestão da área-meio, sistemas de acompanhamento processual e até mesmo dos modernos sistemas de processo eletrônico. Foi, assim, com a substituição dos arcaicos controles do registro e andamento do processo em ficha de papel por sistemas de acompanhamento processual baseados em computador, o Judiciário pôde pela primeira vez disponibilizar a informação de seu acervo de processos ao público na Internet. Esse fato, além de democratizar a informação, constitui um passo importante para o rompimento de paradigmas e para a modernização do sistema judiciário. Mas é mesmo com o sistema do processo judicial eletrônico, em face de implantação em todos os Tribunais brasileiros, que está a promessa de um Judiciário mais rápido e acessível a todos. A substituição dos autos tradicionais em papel para o registro eletrônico do processo judicial não significa apenas uma redução de custos, com menor impacto ambiental, mas uma nova forma de se fazer a Justiça. O potencial transformador do processo eletrônico, com os recursos a ele inerentes tais como a assinatura eletrônica, a comunicação eletrônica e a audiência eletrônica, poderá constituir uma arma estratégica para mudar o perfil de atuação dos profissionais do direito, de conservador para inovador, com melhorias importantes para todo o sistema judiciário. Migrando as suas atividades para o ciberespaço, estará o Judiciário a superar o descompasso histórico entre o seu tempo e o da sociedade. Não se pode olvidar, porém, que os sistemas eletrônicos restam ineficazes se não houver um plano de ação bem administrado que os justifique e dê suporte. É o que ocorre com os sistemas de acompanhamento da movimentação processual, se a unidade judiciária não realizar a alimentação do sistema. Neste caso, não só haverá um prejuízo quanto ao acompanhamento do processo judicial como também não se terão dados estatísticos confiáveis para o planejamento das ações institucionais. Outro aspecto é a não utilização adequada de um sistema de informação pelo simples fato de não haver microcomputadores adequados ou em número suficiente, ou ainda por não haver capacitação e treinamento adequados para a sua utilização. Assim, ao analisar os sistemas eletrônicos de informação e comunicação adotados 283 Conforme expressões de Chiavenato, ao explicar sobre a virtualização dos escritórios e a instantaneidade das comunicações em rede provocadas pela Tecnologia da Informação. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. p.655/656. 341 pelo Judiciário vê-se que nem sempre estão sendo utilizados adequadamente ou potencializados em função da prestação jurisdicional por um problema que não é da Tecnologia da Informação, mas de Administração. Isto explica porque uma unidade jurisdicional pode apresentar um excelente desempenho operacional, ao passo que uma outra vizinha tenha desempenho pífio. Essas situações deixam entrever que o uso indiscriminado da Tecnologia da Informação nas organizações sem uma administração estratégica pode representar um mero investimento sem resultados ou com resultados insatisfatórios. Por essa linha de raciocínio, a utilização de máquinas e sistemas baseados em computador nada pode agregar em termos de produtividade sem que se tenham claramente definidos os objetivos pretendidos. A Tecnologia da Informação por si só não é capaz de resolver o problema da ineficiência de determinado sistema se esse mesmo sistema não está adequadamente estruturado do ponto de vista funcional, administrativo. A conseqüência do uso da Tecnologia da Informação sem um plano de ação, sem objetivos a alcançar, não difere dos resultados de uma administração discricionária. Pelo que se observa, há, em verdade, uma co-dependência entre a Administração e Tecnologia da Informação, um campo de grande interseção. Isto significa dizer que a implementação de qualquer solução da Tecnologia da Informação, como instrumento de melhoria da atividade de uma organização, resultará maior ou menor grau de eficiência segundo o nível de interação desses recursos com as balizas estratégicas da administração. Esse fato, a propósito, pôde ser confirmado no estudo desenvolvido a partir do trabalho realizado na 2ª Vara de Família de Rio Branco, no período de 1996 a 2007, cujos dados aferidos e comparados, com importantes conclusões. Da experiência dessa Vara, observou-se que o uso das técnicas da Administração por Objetivo, mediante a definição de um planejamento estratégico, mesmo que de modo simplificado, pode melhorar sensivelmente o desempenho da unidade judiciária. Percebeu-se, ainda, que o sucesso da administração por resultados na Vara só foi possível com a utilização adequada dos recursos da Tecnologia da Informação e sob as guias do plano estratégico de ação. Por fim, observou-se uma tendência inflacionária da demanda que segue o índice de desempenho do Judiciário. Desse modo, conclui-se que o sistema judiciário está sujeito a uma maior demanda à medida que o seu funcionamento também apresente melhoria. Esse foi o fenômeno também observado nos Juizados Especiais, que ganharam fama de celeridade e simplicidade e logo ficaram sobrecarregados de processos judiciais pendentes de resolução. Nota-se, assim, que para melhorar o desempenho do sistema judiciário brasileiro não basta instalar novas varas ou melhorá-las tecnologicamente. É preciso uma gestão estratégica que planeje, organize, dirija e faça o controle das ações e mensure os resultados do Judiciário, evitando o colapso do sistema, tão comumente verificado País afora. Decorre daí, pois, a conclusão de que a solução para a ineficiência do sistema judiciário brasileiro passa inevitavelmente pela adoção de modernos recursos da Tecnologia da Informação, desde que devidamente alinhados a um plano de ação estratégico, ou seja, que siga as orientações de uma gestão por resultados (APO). 342 Revista ESMAC REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. 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Tal assertiva se baseia, no fato de que vários dispositivos legais e constitucionais foram criados visando esse fim, podendo destacar aqui, as súmulas vinculantes e o princípio da razoável duração de um processo, esculpido no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, sem olvidarmos ainda da proibição constitucional de concessão de férias coletivas de Juízes, entre outros. Não foi com outra intenção que o mundo jurídico também voltou seus olhares para a implantação do procedimento virtual. Atualmente, com o incomensurável crescimento da demanda processual e com o exíguo número de magistrados, assim como a inércia do Poder Executivo em propor soluções e programar políticas sociais de sua responsabilidade, a celeridade tem sido quase uma utopia, não fosse a esperança de mudança com a utilização das novas tecnologias da informação. Ademais, com a ajuda da informática, através da implantação do processo virtual, pode-se atender a um número maior de jurisdicionados em um tempo mais hábil. É o que ocorreu e ocorre com as instituições financeiras, por exemplo. Sendo assim, o presente estudo, mostra-se de grande relevância, posto que aborda questões relativas à otimização dos serviços cartorários, visando a melhor gestão da prestação da tutela jurisdicional, o que vai ao encontro do anseio de toda a sociedade jurídica e de todos os cidadãos que dela demandam serviços, direta ou indiretamente. 347 1. DA INFORMATIZAÇÃO JUDICIAL Com o passar dos tempos, a demanda processual em nosso país vem crescendo de maneira assustadora, ao mesmo tempo em que registra-se o crescimento de lides não resolvidas, ou que demoram exarcebadamente para serem concluídas. Dia-dia, os jornais noticiam a demora do Judiciário em proceder quanto aos julgamentos das causas postas ao seu crivo, o que de certa forma tem maculado a imagem deste Poder o qual desempenha um papel muito importante para o desenvolvimento de um país, assim como os demais poderes da República. Sobre o assunto, Tejada, com maestria, preleciona: À época do Brasil colonial, o conceito de Justiça não era muito diferente do da Idade Média, quando era exercida pelos senhores feudais, muito mais em favor dos réus do que dos demandantes. Ainda depois de a função da Justiça ter sido delegada a corpos funcionais especialmente treinados, conservava um aspecto sobre-humano e quase inatingível, expresso, por exemplo, na proibição de visitar, casar, tomar afilhados e até de divulgar as razões de suas decisões, que não precisavam ser explicadas a ninguém. Nestes 200 anos, a Justiça Brasileira evoluiu muito. Temos, hoje, uma Justiça incomparavelmente melhor, mais acessível e democrática. As decisões judiciais são fundamentadas e os julgamentos são públicos. Entretanto, com todos os avanços, ainda não conseguimos nos desvencilhar das amarras da burocracia medieval do processo, indutora da morosidade da prestação jurisdicional. Se a garantia de uma Justiça justa levou a população brasileira a acreditar no Poder Judiciário, a ponto de confiar-lhe mais de 45 milhões de processos, com um incremento anual de mais de 23 milhões de novos casos, não soubemos, na mesma proporção, renovar e atualizar nossos métodos de trabalho, ainda que tenhamos importantes exemplos em contrário284. Vejamos como Benucci corrobora com a assertiva de Tejada e ainda complementa com as conseqüências advindas de tal: É notório que o nosso sistema judicial não cumpre, de forma cabal, o imperativo constitucional de acesso à ordem jurídica justa, em razão de sua notória ineficiência e pouca funcionalidade. A insatisfação geral com o rendimento jurisdicional traz consigo o descrédito e desconfiança aos órgãos judiciais. De fato, a demora na prestação jurisdicional é, sem dúvida, um dos principais fatores de descrédito do Poder Judiciário brasileiro e contribui, de forma significativa, para arranhar sua legitimidade.285 De fato, nos dias atuais, princípios como os da celeridade processual e economia processual, passaram a ser uma utopia, posto que o processo, sendo regido por Leis arcaicas como é o caso do Código de Processo Civil que é de 1973 e não supre as necessidades atuais. Isto praticamente trava a marcha processual fazendo com que um ato processual demore a ser praticado ou que sua finalidade seja alcançada, a exemplo do que temos hoje com a inti284 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. A verdadeira reforma do Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index.php?Itemid=167&id=3149&option=com_content&task=view. Acesso em 27/06/2008. 285 BENUCCI, Renato Luis, A tecnologia aplicada ao processo judicial, p. 25/26 348 Revista ESMAC mação das partes, a qual, se fosse regrada pela forma eletrônica, seria agilizada. Nos parece que o cidadão brasileiro hoje está muito mais esclarecido em relação aos seus direitos. Aliado a isto o crescimento das Defensorias Públicas na grande maioria dos estados brasileiros vem incentivando mais brasileiros a buscarem seus direitos, o que se reflete no grande aumento no número de processos, abarrotando as varas do Poder Judiciário. Dissertando sobre o grande volume processual, Almeida Filho afirma que: Com a velocidade na transmissão da informação pelos mais diversos canais de comunicação, em especial a Internet, os conflitos existentes na sociedade vêm sendo ampliados. E o são, também, de forma auto-referencial. Afirmamos que vêm sendo ampliados, porque não nos parece que existam novos conflitos, mas ampliação dos mesmos.286 Entende o renomado autor que os conflitos têm sido ampliados e, isso tem sobrecarregado a atuação dos responsáveis pela prestação da tutela jurisdicional e, caso nenhuma medida seja tomada corremos o risco de congestionar ainda mais o Judiciário. Diante deste quadro toda a sociedade, em especial a jurídica, tem buscado soluções, não somente paliativas, mas que venham a sanar de vez o problema Atento ao clamor social, o Legislativo também tem se mobilizado, isso referente à criação de leis para tentar viabilizar um processo judicial mais célere e justo, pois nos dias atuais a resolução das lides apresentadas ao Judiciário leva anos para se chegar à conclusão. A exemplo disso são as recentes reformas do Processo Penal pelas Leis n.º 11.719/08 e 11.689/08. Tais afirmações ganham força quando vemos, por exemplo, a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com o advento da Lei 9.099/95, a qual proporcionou um procedimento mais célere no tocante ao processo e término das pendências judiciais, assim como o advento da emenda constitucional n.º 45, a qual ressaltou no texto constitucional o princípio da razoável duração do processo, entre outros. Mais marcante, ainda, foi a Lei n° 11.382, de 7/12/2006, a qual disciplinou a penhora on-line e resgatou o processo de execução que tinha se tornado totalmente ineficaz, acabando com o famoso ditado popular “ganhou mas não levou”, o que se constitui em uma afronta ao Poder Judiciário. Na atualidade, o Processo Judicial Eletrônico é apontado como uma das soluções mais eficazes para a resolução do problema da demora do julgamento das contendas judiciais. Ressaltamos, todavia, não poer se tratar de uma solução isolada, mas que deva vir aliada a outros fatores para que possa se concretizar de forma a satisfazer tanto a agilidade dos processos, quanto abarcar toda a sociedade, ou seja, as transformações devem ter como meta o principio da isonomia. Em meados do século XX, ganhou força um processo de mudança que, ao longo do tempo vem se firmando como uma tendência mundial e traz, no seu bojo, a ameaça de que aqueles que não o acompanharem correm o risco de serem preteridos. E não são poucos os prejuízos advindos desta exclusão como tem nos alertado muitos pesquisadores quanto a esse processo denominado globalização. 286 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a informatização no Brasil, p. 19. 349 Para melhor elucidar trazemos a baila alguns exemplos. Quem não se lembra de como eram os carros de antigamente, os quais não possuíam alguns equipamentos, tais como direção hidráulica ou injeção eletrônica de combustíveis? Caso alguma montadora não tivesse acompanhado essa tendência teria experimentado prejuízos enormes, posto que os consumidores hoje em dia, praticamente, só procuram carros com tais dispositivos. Tal assertiva se mostra pertinente, uma vez que, como podemos observar hoje, não são fabricados mais carros com carburadores, mas somente com injeção eletrônica de combustível. O que se dirá então dos computadores, da internet discada com relação à banda larga, e, agora outra tendência que é a internet móvel para notebooks. Nos dias atuais é inconcebível que ainda existam pessoas utilizando internet discada para acessar a rede mundial. Sobre o assunto, Benucci, enfatiza que: Cabe acrescentar que o processo de globalização da economia gerou a necessidade de busca pela melhoria da prestação de serviços, que deve ser perseguida não apenas pelas instituições privadas, mas também pelas instituições públicas. Sob a perspectiva, a eficiência e agilidade do Poder Judiciário são elementos importantes na aferição do grau de confiabilidade de um país, com repercussão significativa nos campos econômico e social.287 Com o Processo Judicial Eletrônico, tomando por base os exemplos acima, ocorrerá o mesmo no Brasil, posto que em outros países isso já é realidade. Isso ocorrerá porque o aperfeiçoamento de técnicas de produção, bem como de execução de idéias é inerente ao ser humano, esta a cada dia busca facilitar e aperfeiçoar a sua vida, o mesmo ocorrendo com o Poder Judiciário. É o que ensina o ilustre doutrinador Barbosa Clementino, quando preleciona: É natural, em qualquer ramo do conhecimento, que os primeiros a trilharem seus caminhos acabem aperfeiçoando mecanismos para melhor atingir seu desiderato. Os artífices transmitem a seus filhos e aprendizes os segredos de sua profissão, que aprenderam com seus pais e mestres, que por sua vez vieram antes deles. Assim sendo, como já se disse, os julgadores, ao longo de anos de exercício de suas funções, foram desenvolvendo uma série de técnicas, as quais passaram a ordenar logicamente, como passos necessários à obtenção da verdade formal e verdade pela via processual.288 Sobre a efetividade processual como uma tendência do processo civil contemporâneo, Benucci nos relembra que devemos identificar a finalidade do processo. Vejamos o que diz o autor: Para se traçar um quadro das tendências da ciência processual, é imprescindível que, inicialmente, seja definida a finalidade do processo, ou seja, é preciso examinar aquilo a que se aspira com a prestação do serviço jurisdicional para, a partir da identificação deste objetivo, ou objetivos, reconhecer os valores que informam o processo civil atual.289 287 BENUCCI, Renato Luis, op. cit., p. 28. 288 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, Processo Judicial Eletrônico, p.56. 289 BENUCCI, Renato Luis, op. cit., p. 15. 350 Revista ESMAC Para o renomado autor a efetividade processual é a própria finalidade do processo, pois através deste, o direito é realizado, é materializado. Isso quando as normas jurídicas são devidamente respeitadas pela sociedade. Como já dizia Calamandrei “justiça lenta, nada mais é de que injustiça qualificada”. Salientamos que a idéia de efetividade não pode se dissociar da idéia de tempestividade no tocante á resolução das lides, posto que uma tutela intempestiva jamais será efetiva. Sobre o assunto, Marinoni apud Benucci enfatiza: A efetividade do processo está, assim, intimamente ligada ao fator tempo, uma vez que a demora na tramitação de processos impede a tutela efetiva de direitos. O tempo representa, destarte, papel fundamental no processo, semelhante ao papel desempenhado pelo tempo na própria vida humana que, em tudo, é condicionado pelo tempo.290 Diante desta visão, podemos destacar aqui o surgimento das tutelas de urgência, como meio de aperfeiçoar o trâmite processual. O legislador, ciente do retardamento normal do processo, optou por medidas imediatas para garantir a efetividade do processo, visando sempre prestar uma tutela tempestiva aos quais tem direito. Como afirma o renomado processualista Marinoni “o tempo do processo é um mal e sempre prejudicou o autor que tem razão”291. Verificamos, na convivência forense diária, que muito embora a parte tenha razão, o Magistrado tem que esperar toda uma marcha processual, que por sua vez não é célere, para declarar o óbvio. Cabe aqui um parêntese, não se quer dizer com isso que a marcha processual deve ser expurgada, até porque é necessária ao menos para garantir os direitos processuais das partes. O que se coloca é que o trâmite processual é lento, intempestivo e causa prejuízo à parte que tem razão, bem como ao Judiciário, o qual terá um gasto muito maior com a demora na solução do litígio. A prestação jurisdicional intempestiva causa prejuízos a todas as partes, com exceção daquela que não tem razão na demanda, a qual acaba sendo beneficiada com a demora processual. Neste cenário onde o Judiciário é culpado por todas as mazelas advindas da demora da solução das contendas, surge o processo eletrônico como a tábua de salvação. No tocante ao Processo Eletrônico Almeida Filho aponta que diante da “ampliação dos conflitos e a necessidade de um Judiciário mais rápido e eficaz, o meio eletrônico se apresenta como adequado e eficaz para enfrentar esta situação”.292 Com este escopo, o Processo Judicial Eletrônico se apresenta como mais um dos instrumentos para uma prestação jurisdicional mais tempestiva. Este é apenas um dos vários enfoques que são inerentes a este instituto, uma vez que existem outros aspectos do processo eletrônico que oportunamente serão trazidos à baila. 290 MARINONI, Luiz Guilherme appud BENUCCI, Renato Luis, op.cit., p. 20. 291 MARINONI. Luiz Gulherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5ª ed. p. 204 292 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Op.cit., p. 19 351 1.0 - A tecnologia da informação como objeto pacificador de conflitos em um Judiciário moderno Com o surgimento da tecnologia da informática como um modo de reger a vida em sociedade, buscou-se desde o princípio implantá-la no Judiciário. Como exemplo, podemos citar as máquinas de escrever que foram substituídas pelos computadores. Posteriormente, houve o surgimento dos programas de automação do Judiciário, e agora a implantação do Processo Judicial Eletrônico, foco deste trabalho. O Processo Judicial Eletrônico, diante da gama de contendas que surgem dia-dia, das mais variadas espécies, se mostra como o instrumento capaz de produzir a pacificação social, ou pelo menos abrandar em muito os conflitos, o que é almejado por todos. Benucci, acerca da interação entre o mundo jurídico e a tecnologia, preleciona: Essa interação entre direito e tecnologia, em nossa visão, ocorre sob duas perspectivas principais. Em uma primeira perspectiva, cabe ao direito regulamentar todo um novo conjunto de situações e relações jurídicas, derivadas da utilização das novas tecnologias, encontrando parâmetros para sua normatização.293 Quanto aos parâmetros de normatização a que se refere o autor acima, José Carlos de Almeida Filho defende que “o processo eletrônico deva ser adotado para qualquer tipo de demanda, independente de seu objeto, com exceção do processo de execução que por condições específicas deste procedimento, é impossível à sua aplicação” (sic)294. Entretanto, como afirma o autor, “há ainda resistência à aplicação integral dos meios de informática no sistema judicial brasileiro, apontando o Tribunal Regional Federal da 2ª Região que na segunda instância, não admite sequer a interposição de recursos via facsímile”.295 É, talvez, o medo do desconhecido, o que nos parece normal, pela falta de intimidade com os recursos de informática, e outros de última geração que necessitam, para sua adoção, carecem de um outro modo de pensar sobre o novo e de tempo para que a nova relação com esses instrumentais passe, naturalmente, a ser parte da rotina. Com enfatizamos anteriormente, muito embora a informatização judicial encontre resistências por todo o país, o certo é que ela é uma tendência e que seu não acompanhamento será um retrocesso no Judiciário. Isto pode ser facilmente verificado através dos dados fornecidos no anexo I, que demonstra o número de varas\tribunal que aderiram ao processo virtual, bem como o número que se comprometeu com sua adesão. Recorramos às recomendações de Clementino quanto ao processo eletrônico como tendência à generalização: Precisamos nos acostumar com nova realidade processual que veio se inserindo gradativamente em nosso sistema jurídico, mediante iniciativa de alguns tribunais, consoante já exposto, e agora se consolida com a publicação da nova Lei. Diversos autores já vinham proclamando a possibilidade/necessidade de se ampliar a utilização dos meios eletrônicos 293 BENUCCI, Renato Luis, op. cit.,p. 52. 294 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 26. 295 Idem, Ibidem. 352 Revista ESMAC como meio de aperfeiçoamento da Justiça, antevendo as mudanças que se avizinhavam.296 Segundo nosso entendimento, a partir dos dados obtidos para essa pesquisa e da nossa experiência profissional, a implantação do processo virtual em todas as varas só é questão de tempo. Sendo assim, a tecnologia da informação, aliada ao Direito, é o instrumento, hoje utilizado pelo mundo jurídico, mais promissor para a solução de conflitos, posto que com o advento da Lei n.º 11.419/2006, a qual implantou o processo eletrônico no Ordenamento Jurídico brasileiro, a prática vem se consolidando ainda mais pelo fato de ser capaz de expressar uma resposta estatal rápida e eficaz. A assertiva se confirma, através da resolução do problema da morosidade apresentada pelo Poder Judiciário diante das soluções dos litígios apresentados, como aponta Benucci: Assim, uma das vertentes para se atacar o grave problema da lentidão processual passa pelo uso da tecnologia da informação, que é capaz de proporcionar soluções de real alcance prático, com maior celeridade processual, sem o risco de comprometimento das garantias do devido processo legal.297 E, em um arremate brilhante, o renomado doutrinador coloca: Nesse sentido, a aplicação da tecnologia da informação ao processo judicial pode ser entendida como um amálgama entre os mecanismos judiciais e extraprocessuais de aceleração processual. É, por um aspecto, um mecanismo extraprocessual de aceleração processual porque se baseia na utilização de softwares, equipamentos e máquinas externos ao processo. Entretanto, por outro prisma, também se caracteriza como um mecanismo judicial de aceleração do processo por implicar mudanças no iter processual e no modo de realização dos atos processuais.298 Desta forma, verifica-se que a tutela jurisdicional prestada de forma rápida, com o uso da tecnologia da informação, se presta a efetivar as pacificações dos conflitos postos ao seu crivo. O importante não é apenas proferir uma sentença ou uma decisão judicial, mas que este ato sirva para alcançar a paz social. Acerca da mudança que ocorrerá no andamento processual com a implantação do sistema informatizado, Tejada299 exemplifica de modo didático como vemos no quadro a seguir: 296 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, op. cit., p. 84/85. 297 BENUCCI, Renato Luis, op. cit., p. 58. 298 Indem, p. 59. 299 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. STF vai implantar processo eletrônico para agilizar tramitação dos processos. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/noticias/x/93/87/9387/. 353 Hoje • Amanhã O advogado ajuíza a ação no fórum: - atendimento do cliente no escritório - coleta e cópia de documentos - redação e impressão da petição - montagem do processo - escolha de data e hora para ir ao fórum - deslocamento ao fórum • O advogado ajuíza a ação via internet: - atendimento do cliente no escritório - coleta e digitalização de documentos - redação da petição - envio do processo “on line” ao tribunal • O protocolo do tribunal recebe o pro• O protocolo do tribunal recebe o processo: cesso: - o funcionário recebe e classifica o processo; - protocolo eletrônico recebe o processo - protocola o original e as cópias; - sistema operacional processa toda a rotina ne- entra no sistema e cadastra o autor e o pro- cessária para a distribuição do processo cesso; - carimba todas as folhas com numeração e rubrica; - fura as folhas, coloca grampos, etique-tas e a capa no processo; - distribui no sistema; - faz a juntada de todos os documentos; - faz a guia de remessa para autuação; - o setor de autuação envia para distribuição; - a distribuição classifica o tipo de petição e envia aos setores especializados; - os setores fazem a triagem para envio ao gabinete do Juiz (a) • O Juiz (a) recebe o processo em sua mesa: • O Juiz (a) recebe o processo em sua tela de computador: - defere ou não eventual pedido de liminar - defere ou não, “on-line”, eventual pedido de - anexa ao processo sua decisão liminar, com cópia para todos os interessados inclu- envia sua decisão à secretaria judicial para cita- sive citando as partes ção das partes - distribui para o oficial de justiça - distribui para o oficial de justiça - oficial de justiça intima e devolve a cópia do - oficial de justiça intima e devolve a cópia do mandado com o recibo de citação que é digitalizado mandado com o recibo de citação ao protocolo e impostado no sistema virtual. do tribunal que recomeça todo o andamento neA decisão é enviada, via internet, à Imprensa Oficessário. cial para publicação no Diário Oficial. “on-line” A decisão é copiada e enviada à Imprensa Oficial para a publicação no Diário Oficial “on-line” Neste exemplo o autor sintetizou as vantagens da implantação do processo virtual. 354 Revista ESMAC 1.1– PRINCÍPIOS Apresentamos, a seguir, como serão otimizados e garantidos alguns princípios que regem o Processo Civil com a adoção do Processo Eletrônico. 1.1.1 - Devido Processo Legal Sabe-se que várias são as facetas do Princípio do Devido Processo Legal, dentre elas queremos destacar a de que é este é um processo efetivo, que materializa o direito posto à apreciação do Magistrado. O ilustre doutrinador Dinamarco, acerca da efetividade do processo, coloca seus objetivos como forma de eliminar insatisfações, A efetividade do processo, entendida como se propõe, significa a sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhe a liberdade.300 Através de um processo judicial busca-se resolver as lides postas ao crivo do Judiciário, razão pela qual o processo necessita ser efetivo, ou seja, espera-se que resolva realmente a situação, dê o bem da vida a quem de direito e não apenas apresente paliativos que nada resolvem. Didier, representando a doutrina moderna do direito processual, esclarece acerca do Processo Judicial: Trata-se da velha máxima chiovediniana, segundo a qual o processo deve dar a quem tenha razão o exato bem da vida a que lê teria direito, se não precisasse se valer do processo jurisdicional. O processo jurisdicional deve primar, na medida do possível, pela obtenção deste resultado (tutela jurisdicional) coincidente com o direito material.301 Veja-se, se o Estado assumiu o papel de servir a sociedade, prestando uma tutela jurisdicional, a qual substitui a autotutela de interesses, a deve prestar da melhor forma possível e da maneira que seja aprovada por aqueles que têm razão e se submetem ao EstadoJuiz. Ao submeterem o julgamento da lide ao Estado-Juiz, as partes se deparam com o seguinte problema: em quanto tempo dará o bem da vida a quem tem razão? Este é hoje um dos maiores problemas enfrentados pelo Judiciário, ou seja, a demora em emanar do EstadoJuiz a solução de conflitos. Criticando o atual procedimento ordinário Marinoni, defensor da introdução da tutela antecipatória no direito brasileiro, um dos institutos dos quais lançaram mão o legisladores no intuito de proporcionar uma tutela jurisdicional mais célere, preleciona o seguinte: 300 DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalidade do processo. P. 271. 301 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, p. 54. 355 A morosidade da prestação jurisdicional, oriunda, como é sabido, das mais diversas causas, também está ligada à ineficiência do velho procedimento ordinário, cuja estrutura encontrava-se superada antes da introdução da tutela antecipatória no Código de Processo Civil.302 Como dito alhures, por Benucci, “a efetividade do processo está, assim, intimamente ligada à tempestividade do mesmo”.303 De fato, não fossem as tutelas de urgência, a prestação jurisdicional intempestiva privaria o cidadão do seu direito, pois ficaria apenas contando com a boa fé da parte contrária, o que na maioria das vezes não ocorre. 1.1.1.1 – Devido Processo Legal em sentido material (substantive due process) Iniciemos esse subitem com Nery Junior, ao discorrer sobre o Devido Processo Legal Substancial: O conceito de “devido processo” foi-se modificando no tempo, sendo que doutrina e jurisprudência alargaram o âmbito de abrangência da cláusula, de sorte a permitir a interpretação elástica, o mais amplamente possível, em nome dos direitos fundamentais do cidadão.304 Entende-se desta forma que o devido processo legal, recomendado como o princípio norteador do processo, antes visto como o poder de privar o agente de seus bens ou sua liberdade, agora também é visualizado sob o prisma da defesa dos direitos fundamentais do cidadão. Isso, porque as decisões judiciais hão de ser substancialmente devidas, e para tanto é preciso que as mesmas sejam razoavelmente corretas. Larenz, brilhantemente delineou os motivos que levaram a criação deste princípio, quando aduz: A amplitude com que a jurisprudência dos tribunais faz uso deste método explica-se, especialmente, pela ausência de uma delimitação rigorosa das hipóteses normativas destes direitos, a não indicação de notas distintivas, em relação, por exemplo, ao que é ‘exigível’. Os direitos, cujos limites não estão fixados de uma vez por todas, mas que em certa medida ‘são abertos’, ‘móveis’, e, mais precisamente, esses princípios podem, justamente por esse motivo, entrar facilmente em colisão entre si, porque a sua amplitude não está de antemão fixada. Em caso de conflito, se quiser que a paz jurídica se restabeleça, um ou outro direito (ou um dos bens jurídicos em causa) tem que descer até um certo ponto perante o outro ou cada um entre si. A jurisprudência dos tribunais consegue isto mediante uma ‘ponderação’ dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme o ‘peso’ que ela confere ao bem respectivo na respectiva situação.305 302 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª Ed, p. 2002. 303 MARINONI, Luiz Guilherme appud, BENUCCI, Renato Luis. op. cit., p. 20. 304 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 7ª ed. p. 37. 305 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3ª ed. p. 587 356 Revista ESMAC 1.1.2 – Da razoável duração do processo Didier aponta a necessidade de um processo tempestivo, célere, como um direito fundamental a um processo sem dilações, afirmando o ilustre doutrinador que “a discussão sobre a existência ou não deste direito fundamental acabou, tendo atualmente utilidade meramente histórica”.306 Dando continuidade aos argumentos em defesa dos meios eletrônicos como forma de agilizar as demandas jurídicas, vejamos a pertinente colocação de Piovesan apud Didier Junior: A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais, de que o Brasil é parte, conferindo-lhe hierarquia de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo de direitos constitucionalmente previstos, o que justifica estender a estes direitos o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais.307 Tal assertiva se dá em razão do Brasil ser signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, o qual em seu art. 8, I preceitua: Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um Juiz (a) ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, fiscal ou de qualquer natureza. Como se observa, sendo o Brasil signatário do Pacto de San José, bem como o fato de a Constituição dar status hierárquico aos tratados internacionais os quais assina, em especial aqueles que versam sobre direitos humanos, a duração razoável de um processo passou a ser um direito fundamental do cidadão brasileiro. Entretanto, referida norma fica chamuscada com o problema da tutela jurisdicional intempestiva, que deixa de ser efetiva. O processo deixa a sua razão de ser se a decisão judicial retarda o tempo suficiente, pois que torna o pronunciamento judicial desnecessário ou irrelevante pelo decurso do tempo e o rumo irreversível que as coisas tomaram. O processo eletrônico deixa de ser visto somente do prisma da transparência dos atos judiciais, também se apresentando como um processo célere que atende aos anseios da sociedade em ter uma tutela jurisdicional tempestiva. Tejada, dissertando sobre o assunto, elucida que: O processo eletrônico constitui-se uma das ferramentas mais eficazes de combate à burocracia do processo e à morosidade processual. Em torno de 70%, do tempo do processo é perdido com atos meramente ordinatórios. São certidões, protocolos, juntadas, registros, costuras, carimbos e uma infinidade de procedimentos burocráticos. Pois o processo eletrônico automatiza e realiza esses atos em frações de segundos, quando não os abole integralmente. Assim, o processo se transforma todo ele em tempo nobre, em atividade típica.308 306 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, p. 57 307 PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4ª Ed, p. 79. 308 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. A verdadeira reforma do Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: 357 1.1.3 – Igualdade O Princípio da Igualdade assegurado constitucionalmente, visa a proporcionar a todos neste país o mesmo tratamento, sem qualquer distinção. Então, estando na mesma situação, dois indivíduos devem receber tratamento igualitário. Outra faceta do Princípio da Igualdade, entretanto, é de dar tratamento desigual aos desiguais na medida em que se desigualam perante as regras legais. Retomamos, portanto, acerca do acesso à Informática e sua relação com Principio da Igualdade, apresentando a visão otimista de Clementino: Não obstante a dificuldade de acesso à internet pelas partes, sempre haverá a oportunidade de se acelerarem os atos processuais relativos ao Autor e ao Réu com defensor constituído, intimando-se via internet. Impõe-se salientar que em se tratando de Processo Judicial, em que se exige a intervenção de Advogado, tal condição acaba por nivelar as partes também quanto ao aspecto de promover a inclusão digital, haja vista que o profissional do Direito, via de regra, encontra-se bastante familiarizado com o uso de novéis tecnologias.309 Concordo com o autor citado, uma vez que é impossível imaginar hoje em dia um advogado ou defensor público alheio ao uso da informática e à rede de informações. Ademais, com raras exceções, é vedado à parte peticionar em juízo sem a representação por profissional habilitado. 1.1.4 – Contraditório e ampla defesa O contraditório, princípio inerente às partes em um processo, se baseia na oportunidade que tem a parte para se manifestar quanto à pretensão aduzida pela outra, ou com relação a qualquer documento acostado pela parte ex adversa. Sobre o assunto, Didier preleciona: O contraditório é inerente ao processo. Trata-se de princípio que pode ser composto entre duas garantias: participação (audiência; comunicação; ciência) e possibilidade de influência na decisão. Aplica-se o princípio do contraditório, derivado que é do devido processo legal, nos âmbitos jurisdicional, administrativo e negocial.310 Segue o ilustre doutrinador argumentando que: “democracia no processo recebe o nome de contraditório”.311 Para o renomado autor, representante da doutrina moderna, o contraditório se caracteriza pela possibilidade da parte influenciar na decisão do processo e não apenas de ser ouvida, vejamos: Disponível em http://www.cnj.gov.br/index.php?Itemid=167&id=3149&option=com_content&task=view. Acesso em 27/06/2008 309 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, op. cit., p. 137 310 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, p. 58. 311 Idem, ibidem. 358 Revista ESMAC Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão do Magistrado – e isso é poder de influência, poder de interferir na decisão do Magistrado, interferir com argumento, interferir com idéias, com fatos novos, com argumentos jurídicos novos; se ela não puder fazer isso, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se implementa, pura e simplesmente, com a ouvida, com a participação; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão.312 Portanto, é impossível pensar em um processo judicial desprovido do contraditório. De fato este princípio norteia todos os atos praticados no processo. É a pratica diária do juiz, ouvir as duas partes antes do veredicto, no intuito de garantir que as partes estão agindo de boa fé. Segundo Clementino: Esse princípio materializa-se na exigência de o Processo dever respeitar a necessidade de se oferecer ao acusado em qualquer situação a oportunidade de defender-se contra as acusações sofridas e garantir-lhe o acesso a todos os instrumentos que possam propiciar-lhe a sua defesa.313 E, arrematando, Edilberto Clementino ainda enfatiza: Assim explicitado, verifica-se que a adoção do modelo Virtual de Processo amolda-se ao primado da Ampla Defesa e Contraditório, haja vista que a migração do atual sistema para o Processo Eletrônico é a utilização da velha e conhecida fórmula com nova roupagem, agora em Bits.314 Vislumbra-se que com a informatização do processo, o processo eletrônico não aparece como um limitador de princípios, mas se amolda perfeitamente aos princípios constitucionais e infraconstitucionais vigentes, sem necessidade de qualquer engenharia jurídica, o que pode ser constatado com a ampla defesa e o contraditório. 1.1.5 – Publicidade O princípio da publicidade, positivado na Constituição Federal, e aplicável em todas as esferas de poderes, é fruto do Estado Democrático de Direito, vez que este não se coaduna com o secreto, com o que não é notório, mas sim com as coisas às claras. Sendo o governo do povo, nada mais justo que seja dada oportunidade para que todos saibam como anda o funcionamento da justiça. Em razão deste princípio todos os atos jurisdicionais, em regra, são públicos, excetuados aqueles sobre os quais impera o segredo de justiça, mas em um estado democrático de direito, como dito alhures é uma exceção, e, segundo o art. 5º, LX da Constituição Federal: 312 Idem, Ibidem. 313 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, Processo Judicial Eletrônico, p. 144 - 145. 314 Idem, p.146. 359 Art. 5º, LX. A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. A publicidade dos atos é tão presente na nossa rotina forense que nem nos damos conta do seu alcance, a exemplo do que acontece nos atos processuais solenes, como nas audiências, os quais são praticados às portas abertas. Nelson Nery Junior, acerca do princípio da publicidade, ensina: Outra garantia Processual dada pela CF é a da publicidade dos atos processuais, estipulada no art. 5º, n. LX, e art. 93, n. IX. Segundo o art. 5º, n. LX, “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. E o art. 93, n. IX, dispõe que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos...”. O que no sistema revogado era garantia processual passou a ser garantia constitucional, em face das novas disposições da Carta Magna a respeito da publicidade dos atos e das decisões dos órgãos do poder judiciário.315 Como dito anteriormente, a publicidade, muito embora seja uma garantia constitucional, não quer dizer que seja absoluta, pois que quando posta em confronto com outra garantia constitucional poderá vir a ser excetuada, como pode ocorrer nas ações que são processadas em segredo de justiça, a exemplo do que do caso das ações de alimentos e separação judicial, bem como nas ações em que por conveniência da instrução processual tramitam em segredo de justiça na seara criminal, como é o caso das quebras de sigilo bancário, entre outras. Portanova (data), com a notória maestria que lhe é peculiar, acerca do princípio da publicidade, comenta: A publicidade não é absoluta. A Constituição Federal (art. 5º, inc.X) considera “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Nesse passo, o interesse público que embasa a regra da publicidade, em algumas hipóteses pode estar melhor resguardado se o conhecimento do processo for “a portas fechadas”.316 No tocante a adaptação do Princípio da Publicidade ao processo eletrônico, em nosso pensar sentir, ocorrera uma ampliação. Acreditamos que, com a difusão dos meios eletrônicos de comunicação, em especial a internet, a amplitude da publicidade dos atos processuais e administrativos, tornam-se ainda maior, como podemos pudemos verificar, ver o que ocorrera recentemente, com o caso dos cartões corporativos, que mediante a publicação no sítio da Controladoria Geral da União tornou-se conhecida para brasileiros a forma com que se gastava o dinheiro público. No tocante a adaptação do Princípio da Publicidade ao processo eletrônico, em nosso pensar sentir, ocorrera uma ampliação. Acreditamos que, com a difusão dos meios eletrônicos de comunicação, em especial a internet, a amplitude da publicidade dos atos processuais e administrativos, tornam-se ainda maior, como pudemos verificar, recentemente, com o caso dos cartões corporativos, que mediante a publicação no sítio da Controladoria 315 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 7ª ed. p. 172. 316 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3ª ed. p. 169.. 360 Revista ESMAC Geral da União tornou-se conhecida para brasileiros a forma com que se gastava o dinheiro público. Ressaltamos, ainda, que a publicidade do Processo Eletrônico é totalmente adequada para o caso dos processos que tramitam em Segredo de Justiça, pois nestes casos o acesso será limitado apenas aos advogados das partes, juiz, promotor e servidores públicos que manuseiam os autos, bloqueando o acesso dos demais. Acerca da adaptação deste princípio ao novo modelo de processo, Clementino esclarece que: Esse princípio em especial é amplamente atingido no novo modelo que surge, mormente pela ampliação do acesso ao conteúdo das decisões judiciais, mantidas as devidas ressalvas (como não poderia deixar de ser) em relação aos casos em que há segredo de justiça.317 Segundo Didier, “Os atos processuais devem ser públicos. Trata-se de direito fundamental que visa permitir o controle da opinião pública sobre os serviços da justiça, máxime sobre o poder de que foi investido o Juiz”.318 E por sua vez Clementino aduz : Além do objetivo da publicidade geral (extra partes), há que se observar outra faceta sua, que é a de levar ao conhecimento das partes o conteúdo das decisões proferidas no Processo, para que tomem as providências que lhe dizem respeito, bem como, para que tenham conhecimento das manifestações da parte adversa.319 Como se pode observar e muito bem lembrado por Clementino a publicidade tem ainda uma finalidade endoprocessual, qual seja a de cientificar as partes das decisões proferidas dentro do processo, como também de cientificar a parte da manifestação realizada pela outra. 1.1.6 – Do acesso à Justiça Prescreve o art. 5º da Constituição Federal, em seu inciso XXXV, que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito”. Com isso, tem-se que a jurisdição é inafastável, exercendo-se o direito de ação, o qual tem como instrumento justamente o processo judicial. Nery Júnior citando Pontes de Miranda, acerca do princípio do acesso à justiça, preleciona: Embora o destinatário principal desta norma seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir a sua pretensão.320 317 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. op. cit., p. 148 - 149. 318 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, p. 58. 319 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. op. cit., p. 148 - 149. 320 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 7ª ed. p. 98 361 Com a adoção do novo modelo de processo, o acesso à justiça foi ainda mais elastecido, posto que com o avanço tecnológico aplicado ao processo judicial, um usuário de um Município no qual ainda não foi implantada uma Comarca, pode ajuizar uma ação na Comarca a qual está submetido à jurisdição, sem precisar se deslocar. Para Clementino: O atendimento ao Acesso à Justiça pelo Processo Judicial Eletrônico se manifesta do seguinte modo: a) Garantia de pleno acesso ao Judiciário, sem criação de quaisquer obstáculos que o dificultem; b) Ampliação de facilidades para a concretização dos interesses judicialmente buscados; c) diminuição dos custos do processo, facilitando o Acesso à Justiça por um número maior de indivíduos sem condições econômicas de litigar em Juízo.321 Portanto, para o ilustre doutrinador, implementando-se o Processo Judicial Eletrônico, segundo os argumentos enumerados, o acesso à justiça se tornará muito mais ágil e acessível para as pessoas, corroborando com o princípio democrático de isonomia. Ressalta-se aqui o papel que as Defensorias Públicas vêem atualmente desempenhando, em especial em estados como o nosso, o Acre, onde podemos contar com uma Defensoria Pública forte e bem estruturada o que por si só facilita o acesso à justiça pela camada mais pobre, a qual também será beneficiada com a implantação do Processo Judicial Eletrônico. 1.1.7 – Celeridade e economia processual O processo judicial, nos dias atuais, tornou-se um mal necessário ante a morosidade da justiça. Antes de se ajuizar uma ação o autor que tem razão o encara, pois lhe falta outro meio para a solução de sua pretensão, entretanto, não porque sabe que terá uma solução rápida para o seu problema, o que é mudado de sobremaneira quando se adota o processo eletrônico. Desta feita, o princípio da celeridade consiste em que a marcha processual até o julgamento da lide deve ser o mais ágil possível, sem se ater a incidentes inúteis. Didier Junior, sobre os princípios da celeridade e economia processual, assevera que: O processo é um mal, além de ser técnica de realização do direito substancial. Daí porque, o raciocínio há de ser sempre o de se evitarem incidentes inúteis, diminuindo-se, por exemplo, as hipóteses de nulidades processuais, aproveitando os atos processuais já praticados. Visa-se obter o maior resultado possível com o mínimo de atividade.322 Importante ressaltar que os princípios da celeridade processual, bem como o da economia processual, estão intimamente correlacionados ao passo que, Portanova, ilustre 321 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. op. cit., p. 153/154. 322 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, p. 68. 362 Revista ESMAC estudioso do direito, afirma que: “A celeridade é uma das quatro vertentes que constituem o princípio da economia processual. As outras são economia de custo, economia de atos e eficiência da administração judiciária”.323 Nesse contexto sobre a celeridade processual, é pertinente trazer à colação seus objetivos segundo Clementino: O Princípio da Celeridade dita que o Processo, para alcançar um resultado útil, deve ser concluído em um lapso temporal razoável, suficiente para o fim almejado e rápido o bastante para que atinja eficazmente os seus três objetivos: a) o de solução do conflito, de modo a restabelecer a paz social; b) a sanção de ordem civil ou penal a ser imposta ao vencido na demanda, com força corretiva; c) de prevenir a ocorrência de novas situações da mesma natureza, mediante a demonstração a todos das conseqüências a que se sujeitam os que intentam reproduzir a situação que gerou manifestação corretiva do julgador.324 Importante é trazer à tona o princípio da economia processual sobre o prisma da economia de custos. Sobre este aspecto, verificamos que o referido princípio anda lado a lado com o novo modelo de processo proposto pela Lei n. 11.419/06 (processo eletrônico), o qual tem como um dos seus prismas a redução dos custos, exorbitantes, impostos ao Judiciário para que se mantenham todos os trâmites processuais de um processo Judicial. Como já exposto neste trabalho, a redução de custos no processo eletrônico é incomparável em relação ao tradicional. Com esse processo célere, a economia de custos é visível e incomensurável. Exemplo é o que ocorre com as intimações no modelo antigo, neste são empreendidos vários esforços para que a intimação chegue a seu termo final. Já no processo eletrônico a intimação se concretiza rapidamente com o envio da comunicação para o portal do destinatário, bastando que ele o acesse. No capítulo IV destinado a virtualização do processo na Vara de Execuções Penais na Comarca de Rio Branco faremos uma demonstração verídica da economia proporcionada neste tipo de procedimento. Ainda, acerca da celeridade e da economia processual, Tejada faz considerações importantes acerca de suas conseqüências, no sentido de atendimento aos cidadãos diretamente e indiretamente, ao reduzir os gastos dos cofres públicos: Quem ganha com isso é o cidadão, que tem uma prestação jurisdicional mais ágil e transparente, já que os autos podem ser visualizados na internet, em tempo real, de qualquer lugar do mundo. Os operadores do direito igualmente são beneficiados. Eles também passam a ter acesso à Justiça 24 horas por dia e sete dias por semana. Não há mais horário de funcionamento. Não há mais portas fechadas para o jurisdicionado. A economia para os cofres públicos também impressiona. Em breve, não haverá mais necessidade de prédios imensos e de uma infinidade de armários só para guarda de papéis. Os servidores hoje dedicados a atividades meramente de estiva poderão ser deslocados para outras atividades mais gratificantes. Só no Supremo Tribunal Federal tramitaram, em 2006, aproximadamente 680 toneladas de papel em recursos extraordinários e em agravos de instrumento. Fossem digitais todos 323 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3ª ed. p. 171. 324 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. op. cit., p. 154. 363 esses processos, teria havido grande economia para os cofres públicos em papéis, energia, combustíveis.325 O Judiciário anualmente gasta fatia enorme de seu orçamento com materiais de expediente. Com o Processo Eletrônico, este custo é reduzido consideravelmente, posto que o processo inicia-se direto no sistema, eliminado os autos em papéis, bem como todos os cuidados para que este processo seja conservado, pois como se sabe no modelo de processo antigo o mesmo pode levar até décadas para ser efetivamente julgado. Corroborando com as argumentações de que toda a sociedade tem a ganhar com a adoção do Processo Eletrônico, Tejada expõe: O ganho imediato com o processo eletrônico para o cidadão é a velocidade de seu andamento, cinco vezes mais rápida. Mas existem ainda os chamados “efeitos colaterais” que vão atingir não só o cidadão jurisdicionado, mas toda a sociedade. Em relação ao meio ambiente, por exemplo, os ganhos são enormes. Anualmente são iniciados 20 milhões de processos no Brasil. Estimando-se que um processo tenha a média de 30 folhas, são gastos 600 milhões de folhas por ano, sem contar os produtos químicos, água e demais insumos necessários à fabricação de papel. A economia, de imediato, será da própria justiça que poderá investir, sem onerar o orçamento, na própria justiça. O custo médio da confecção de um volume com 20 folhas, computando-se papel, etiquetas, capa, tinta, grampos e clipes, fica em R$ 20 reais. Ou seja, os 20 milhões de processos anuais custam ao país R$ 400 milhões.326 Ao que Clementino, arremata: Sob tal prisma, mais uma vez a adoção do Processo Eletrônico traz vantagens imensas sobre o Processo tradicional. A distância entre a residência do titular do direito ofendido e o escritório do causídico, e o Réu, e o Fórum, e o Tribunal e os Tribunais Superiores é a mesma: um clique do mouse.327 1.1.8 – Oralidade O referido Princípio da Oralidade a muito foi colocado à margem do direito processual, posto que com o acúmulo das demandas judiciais, se tornou quase impossível a sua aplicação, entretanto, como sabemos ainda há resquícios quando falamos de juizados especiais, por exemplo. Com o surgimento deste novo modelo de processo (processo eletrônico) este princípio foi ressuscitado, conforme comenta Clementino: 325 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. A verdadeira reforma do Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index.php?Itemid=167&id=3149&option=com_content&task=view. Acesso em 27/06/2008. 326 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. STF vai implantar processo eletrônico para agilizar tramitação dos processos. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/noticias/x/93/87/9387/. 327 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. op. cit., p. 169 364 Revista ESMAC Diferentemente do que ocorria no passado, diante do avanço dos recursos tecnológicos, a observância da oralidade não implica na mesma falta de registros, consoante ocorria no passado. Enquanto que a oralidade resultava na dependência da memória do julgador e do grupo social que presenciava o julgamento público, ou que dele tivesse notícia, hoje a oralidade já não mais se associa à intangibilidade posterior dessa forma de instrução probatória [...] a instância recursal pode-se valer da mesma prova coletada pelo Juiz (a) singular, pela simples gravação em audiências de instrução em arquivos de computador (em formatos MP3 ou similar).328 Sendo assim, a oralidade na prática dos atos é perfeitamente aceitável, posto que as gravações das manifestações podem ser realizadas através de programas de computador em arquivos de reprodução de áudio, para serem utilizadas quando da sentença ou outro ato judicial necessário, prática esta já realizada nas Varas do Judiciário Acreano, havendo inclusive, regulamentação da prática através da Resolução nº XXX do Conselho da Magistratura do referido Tribunal. 1.1.9 – Instrumentalidade Baseia-se o referido princípio no ponto em que todo o desenrolar de um processo judicial visa a uma finalidade prevista na lei. Sendo assim, ainda que determinado ato não tenha sido praticado da forma que a lei preconiza, se o seu fim foi alcançado, não deve ser considerado nulo ou anulável só porque não foi praticado da forma legal. A instrumentalidade do processo é postulado da doutrina francesa do pas de nullité sans grief, mediante a qual não se declara uma nulidade se o ato, embora eivado de vício, atingiu a sua finalidade, sem ter causado prejuízo. Sobre a instrumentalidade do processo, como princípio, Didier, com maestria, preleciona: O processo não é um fim em si mesmo, mas técnica desenvolvida para a tutela do direito material. O processo é realidade formal – conjunto de formas preestabelecidas. Sucede que a forma só deve prevalecer se o fim para o qual ela foi desenvolvida não lograr ter sido atingido.329 A crítica que se faz é a seguinte: de que adianta se cercar de um formalismo exacerbado se este não leva ao fim que a norma prescreve. Ao contrário, se o fim foi atingido e o vício da forma não impede a convalidação do ato, porque não o admitir? Deixar de considerar esta situação, tratar-se-í-a de uma hipocrisia jurídica. Este princípio se correlaciona com o Processo Eletrônico, como observado por Clementino quando aduz: 328 Idem, p. 160. 329 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, p. 70. 365 A Utilização do Processo Virtual amplia a efetividade desse Princípio, haja vista que toda e qualquer forma de melhoria na condução da via processual vem ao encontro do objetivo maior do Processo que é estabelecer a melhor forma de buscar a solução da lide dentro de um especo de tempo razoável [...]. Dessa forma, a atenção ao Princípio da Instrumentalidade resta atendida na utilização do Processo Eletrônico quando são dispensadas formalidades arcaicas e obsoletas em prestígio da efetividade do Processo. Não se pode olvidar que o Processo é simples meio e não um fim em si mesmo.330 1.1.10 – Lealdade Processual Na relação processual, o Estado e as partes unem seus esforços para a solução dos conflitos e na comunhão destes esforços ambos devem resguardar princípios de honestidade e boa-fé. Desta feita, as partes devem pautar-se por uma linha de boa-fé, que deverá ser seguida até a solução da lide, conforme preconiza o Art. 14, incisos de I a V, do Código de Processo Civil, que assim dispõe: Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito; Com relação à segurança do Processo Eletrônico, é imprescindível seu questionamento, posto que todos os dias os meios eletrônicos são colocados em check, pois, como nos informam os periódicos da imprensa, é com facilidade que os hackers invadem os sistemas bancários dando enorme prejuízos àquelas instituições. Acerca desse problema, Clementino, nos chama a atenção para uma questão de ordem primeira quanto à lisura do processo: Como visto, a utilização da tecnologia das Chaves Assimétricas garante a certeza quanto à Autenticidade do Documento eletronicamente produzido, assim como quanto à sua integralidade. Todavia, há um ponto que merece particular atenção. Os documentos relativos aos Atos Processuais, produzidos mediante a utilização da Assinatura Digital, são efetivamente dignos de fé.331 Entretanto, quanto às provas produzidas, o mesmo doutrinador arremata: Os documentos relativos às provas do direito em discussão, pelo fato de se tratarem de Documentos no sentido tradicional do termo (lavrados em papel), a sua digitalização está su330 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, op. cit., p. 167/168. 331 Idem, p. 171. 366 Revista ESMAC jeita a todas as mazelas de que sofre esse meio probatório. Nesse caso, a assinatura eletrônica apenas garante que após a digitalização não houve qualquer alteração documental, mas não garante que tal não tenha ocorrido em momento anterior.332 Sendo assim, semelhante ao que ocorre no modelo de processo antigo, o processo eletrônico fica sujeito a estas mazelas, o que não ocorre quanto ao documento produzido eletronicamente, este garantido em razão da tecnologia de Chaves Assimétricas. Neste sentido, verifica-se que no Processo Virtual, além da previsível atuação do magistrado para garantir a boa fé das partes, o próprio sistema ajuda a garantir esta lealdade, através dos seus mecanismos inerentes. Isto também reflete na transparência dos atos. Idem, Ibidem. 367 2. DO MEIO ELERÔNICO DE TRAMITAÇÃO E COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS Sabe-se que no meio jurídico, como dito alhures, a morosidade do Poder Judiciário, inerente à resolução dos conflitos postos sob sua jurisdição, tem causado transtornos a sociedade em geral. Com o advento da Lei n.º 11.419/06, conhecida como Lei do Processo Eletrônico, vista por nós como mais um meio de aceleração das resoluções das lides apresentadas, busca-se a realização de uma justiça mais efetiva e justa, posto que este novo modelo de processo proposto vai ao encontro dos anseios de todo o mundo jurídico, como já argumentado em capítulo anterior. Segundo Tejada, esta Lei levará a verdadeira revolução do Judiciário, como podemos constatar nas palavras do autor: A utilização dos meios eletrônicos para a prestação jurisdicional, autorizados pelas leis 11.280/06 e 11.419/06. Essas iniciativas deverão provocar uma revolução na Justiça. Estão agora autorizados o processo totalmente virtual, sem papel, a utilização do Diário Oficial, as citações e intimações por meio eletrônico, a certificação digital, a requisição eletrônica de documentos instrutórios e o cumprimento de sentenças mediante troca de bancos de dados, entre outras inovações. Na verdade, por meio desse conjunto de medidas legislativas, é que está sendo implementada a verdadeira reforma do Poder Judiciário.333 Alvim e Cabral Júnior, dissertando acerca da lei n.º 11.419/06, corroboram acerca da revolução iminente: A lei 11.419, de 19.12.2006, inaugura, oficialmente, no Brasil, processo eletrônico, impropriamente chamado de “virtual”, que há algum tempo, vem rateando, com tentativas, aqui e acolá, de agilizar o processo ortodoxo, com a utilização da informática, a mais importante e fantástica revolução tecnológica do século XX.334 O surgimento do Processo Eletrônico ou Virtual (embora esse último termo seja inapropriado segundo os autores) no ordenamento jurídico brasileiro, é a mais atual e adequada inovação, quando se apresentam as soluções para retirar do Judiciário a triste pecha de prestar uma tutela jurisdicional lenta e ineficaz. O processo judicial passa por profundas transformações quebrando de uma vez por todas com o formalismo exacerbado do Código de Processo de 1973 que, como já dito anteriormente, está aquém de cumprir as demandas atuais. Ao iniciarmos o estudo da referida Lei, verificamos que em seu art. 1º a mesma faculta aos tribunais a implantação de mecanismos eletrônicos de prestação jurisdicional no âmbito do poder judiciário em suas várias esferas, o qual expressa: Art. 1.º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei. 333 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. A verdadeira reforma do Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index.php?Itemid=167&id=3149&option=com_content&task=view. Acesso em 27/06/2008. 334 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. Processo judicial eletrônico. p, 15/16 368 Revista ESMAC Pois bem, seguindo a proposta nesse trabalho acerca do Processo Eletrônico colacionamos, a seguir, o apontamento de Almeida Filho: A prática dos atos processuais por meio eletrônico não é novidade no Brasil. Contudo, a norma recém editada não se apresenta tão simples de ser adotada, a não ser com o grande trabalho que a doutrina e a jurisprudência deverão apresentar a fim de sanar o grande vazio que se encontra no texto legal. 335 Para o ilustre doutrinador, embora a lei, em um primeiro momento, intente suprir os anseios do mundo jurídico, para que a mesma venha a ser efetivamente aplicada dependerá muito da interpretação realizada tanto pelos doutrinadores bem como pelos magistrados ao a aplicarem ao caso concreto. 2.0 – Abrangência/área de aplicação A Lei que rege sobre o Processo Eletrônico é aplicável nas esferas cível, criminal e trabalhista, bem como nos processos dos juizados especiais, conforme consta do § 1º da Lei n.º 11.419/06, excetuamos aqui o caso do processo de execução cível, uma vez que em razão do Princípio da Cartularidade (não há execução sem título), se faz necessária a apresentação material do título, não podendo sequer ser substituído por uma cópia. Este, entretanto, não é o caso das execuções fiscais, baseadas nas certidões da Dívida Ativa da Fazenda Pública. Alvim e Cabral Junior afirmam que, “este preceito mais não faz do que viabilizar, em nível legal, a possibilidade de se realizar o processo judicial pela via eletrônica, compreendendo tanto a comunicação de atos como a transmissão de peças processuais”.336 A comunicação dos atos processuais se faz necessária a todas as partes do processo, e se dá através de intimações ou citações, isso em razão dos princípios do contraditório de da ampla defesa. Sendo assim, as intimações, por exemplo, se processariam através de um diário eletrônico, o que já ocorre em várias unidades da federação. Com isso, o Estado economizaria tempo e dinheiro, via de conseqüência, dando celeridade à marcha processual proporcionando uma tutela jurisdicional tempestiva, bem como disponibilizando o acesso á publicações em qualquer lugar em tempo real. Registramos aqui que o Tribunal de Justiça do Estado do Acre conta com um Diário da Justiça, também veiculado via internet, sem prejuízo da divulgação pelo meio impresso. Referente à comunicação dos atos processuais, ensinam Alvim e Cabral Junior: A comunicação de atos envolve toda forma de cientificar os partícipes do processo de atos processuais, como a citação e a intimação. A citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender (CPC, art. 213), e a intimação, o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa (CPC, art. 234). Na citação, trata-se de um ato a ser realizado, como por exemplo, o oferecimento da contestação, enquanto na intimação, trata-se de um ato já realizado, como, por exemplo, a prolação de uma decisão.337 335 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit.,p. 1838. 336 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 16. 337 Idem, ibidem.. 369 Conforme dispõe o Art. 1º da Lei do Processo Eletrônico não somente as comunicações dos atos podem ser realizadas através do meio eletrônico, mas também a transmissão de dados, que por sua vez pode se processar através da técnica de escaneamento338, passando a ser um arquivo digitalizado. O art. 1º, § 2º da Lei 11.419/06 dispõe o seguinte: “ § 2º. Para o disposto nesta Lei, considera-se: I - meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais; II - transmissão eletrônica toda forma de comunicação à distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores; III - assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário: a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica; b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.” Dissertando sobre o § 2.º Almeida Filho, esclarece: A fim de entendermos o que se trata por meio eletrônico, o parágrafo segundo apresenta as hipóteses assim consideradas, qualquer armazenamento de tráfego de informações por meios eletrônicos será considerado, para os efeitos da Lei, meio eletrônico.339 Sendo assim, considera-se meio eletrônico, qualquer forma de amarzenamento de dados, e, aqui podemos incluir os programas de automação utilizados pelo Poder Judiciário em todo país. Bollmann (apud Clementino) nos informa, acerca do armazenamento, que: Armazenamento de Dados: as informações são guardadas em duas formas, a primeira, em arquivos no formato gerenciador da base de dados (gerenciador de banco de dados “open source”) e a segunda, usada para imagens digitalizadas, em arquivos formato PDF.340 Ou seja, em se tratando de Processo Eletrônico, ou as informações originariamente são direcionadas ao meio eletrônico de armazenamento de dados ou posteriormente os documentos são digitalizados em formatos de arquivo em PDF. Considera-se transmissão eletrônica toda forma de comunicação de atos através de redes de comunicação, aqui o legislador, prefere que seja utilizada a internet ou rede mundial de computadores, conforme consta do inciso II do § 2º do Art. 1º. Para ter acesso ao Processo Eletrônico é necessário que o usuário seja cadastrado e possua uma assinatura digital, esta utilizada como forma de autenticar o usuário junto ao sistema, como dispondo no III do § 2º do art. 1º. Alvim e Cabral Junior, acerca da garantia que a assinatura eletrônica pode dar segurança ao procedimento eletrônico, com maestria, argumentam: “a assinatura eletrônica 338 Idem, ibidem. 339 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit.,p. 186. 340 BOLLMANN, Vilian, apud CLEMENTINO, Edilberto Barbosa, op. cit., p. 74. 370 Revista ESMAC é um modo de garantir que o documento é proveniente do seu autor e que seu conteúdo está íntegro, pois a criptografia assimétrica cria um vínculo entre a assinatura e o corpo do documento”.341 Desta forma, respondendo a alguns questionamentos acerca da confiabilidade do Processo Eletrônico, no tocante ao reconhecimento do usuário do sistema, a proposta da assinatura eletrônica vem colocar termo quanto à garantia de lisura ao Processo. Com a assinatura eletrônica é possível a identificação dos autores dos documentos remetidos por meio eletrônico. Entretanto, sabe-se que o fato de se ter uma assinatura eletrônica, não implica dizer que seria realmente o usurário cadastrado que estivesse usando o sistema, posto que a senha pode ser extraviada, ou até mesmo emprestada pelo usuário, no entanto, pensamos que essa é uma responsabilidade que se supõe inerente ao cargo. Enfim, o uso da assinatura eletrônica se apresenta necessário para o envio de recursos, petições e atos processuais, com a finalidade de identificar o autor dos referidos atos processuais. Alvim e Cabral Junior, acerca do credenciamento de usuários, enfatizam: Para efeito da prática de atos processuais e remessa de peças por meio eletrônico, é obrigatório o credenciamento prévio do remetente no Poder Judiciário, a se disciplinado pelos órgãos respectivos (...) a adoção desse sistema de transmissão de dados permite que qualquer pessoa, seja ou não advogado, possa fazê-la em nome e por conta do remetente, dispensando assim o papel e a assinatura.342 Desta forma, como dito anteriormente, é necessário o prévio cadastramento/credenciamento do usuário junto ao Poder Judiciário para o envio de documentos. Embora isso possa servir de um maior controle, não garante que seja a pessoa em nome da qual está se processando o envio dos documentos, que efetivamente os tenha enviado, pois como aponta o renomado autor qualquer pessoa pode fazer isso em seu lugar. Entretanto, insistimos em que, caso o usuário permita que outra pessoa se utilize de sua senha, a responsabilidade continua sendo a sua. E mais, não vemos no instrumental utilizado, seja ele o tradicional ou via eletrônica, que garanta a lisura do profissional. Estabelece o § 1º do art. 2º da Lei n.º 11.419/06 que o credenciamento dos usuários obedecerá a um procedimento, onde será averiguada a identificação presencial dos mesmos, ou seja, o credenciamento será pessoal e não on-line, o usuário terá que se deslocar à repartição competente para o cadastramento, quando então pessoalmente, será identificado. Como dito anteriormente, para que a pessoa credenciada tenha acesso ao sistema eletrônico, será registrada em favor do mesmo uma senha, com a qual o usuário terá acesso ao sistema, conforme o disposto no § 2º do art. 2 da Lei n.º 11.419/06, o qual expressa: § 2º. Ao credenciado será atribuído registro e meio de acesso ao sistema, de modo a preservar o sigilo, a identificação e a autenticidade de suas comunicações. Bem como delegará a ele qualquer responsabilidade pelo uso indevido, como a perda ou empréstimo da senha. Mais uma vez recorremos a Alvim e Cabral Junior, para respaldar nossos argumentos. Vejamos, segundo os autores sobre o objetivo dessa regra: 341 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 20/21. 342 Idem, p. 24 371 O objetivo dessa regra é possibilitar que a pessoa credenciada tenha acesso ao sistema eletrônico, devendo ele, uma vez registrado, receber determinado número e senha, com a qual entrará no sistema; tudo nos estilo do sistema utilizado pelos bancos. O registro e meio de acesso devem ser feitos de molde a preservar o sigilo, a identificação e a autenticidade de suas comunicações, o que já é garantido pelo sistema do ICO-Brasil.343 2.1 - Da prática dos atos processuais O legislador ao dispor sobre a pratica dos atos processuais na forma eletrônica estabeleceu que os mesmos reputar-se-ão à sua realização, ou seja, dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário. E, quando a petição eletrônica for enviada para atender determinado prazo processual, este será verificado, para efeito de tempestividade se enviado até 24 (vinte e quatro) horas do seu último dia. Diferentemente do que dispunha o Código de Processo Civil que em seu art. 172: “os atos processuais realizar-se-ão em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas”, no processo virtual os atos processuais podem ser praticados 24 (vinte e quatro) horas por dias. Isto tende a melhorar o acesso das partes a todos os atos processuais, bem como aumenta a possibilidade das partes exercerem o Princípio do Contraditório e a Ampla Defesa. Tomemos como exemplo a parte que não consegue protocolar a sua defesa até o fechamento do protocolo integrado do Tribunal de Justiça do nosso Estado, qual seja às 18,00 (dezoito) horas do último dia. Esta parte terá 6 (seis) horas a mais para praticar o ato e enviar via internet no caso do processo virtual. Alvim e Cabral Junior, sobre o assunto, aduzem: O prazo é, sabidamente, o limite do tempo para a prática do ato processual, variando conforme se trate de prazo legal, judicial ou convencional. Nestes casos, o ato deve ser praticado dentro do prazo, sendo consideradas tempestivas as petições eletrônicas que chegarem ao seu destino até às 24 horas do último dia, o que significa até às 23h 59m 59s, antes, portanto, da zero hora do dia imediato.344 Há autores, como José Carlos de Araújo de Almeida Filho, que entendem que o Processo Eletrônico fere o princípio da igualdade e isonomia, pois como diz o autor veja-se: “(...) neste sentido, quem se utiliza do Processo Eletrônico possui uma diferenciação, ferindo princípios de igualdade e isonomia, em assim sendo, violando-se de forma literal o art. 5º, caput, da Constituição”.345 Não concordamos com este posicionamento porque, como já foi colocado anteriormente, uma vez que a parte tem que ser representada em juízo por um profissional e levandose em conta que todos estes profissionais, com raríssimas exceções, dispõe de acesso aos sistemas de informação, entendemos que o princípio da igualdade é respeitado neste novo procedimento. E mais, vimos nesse meio, uma forma de melhor atender a sociedade, portanto, o atendimento mais ágil como forma de dar conta das enormes demandas se reverterá em ganho de tempo até para os não usuários. Ou seja, não entendemos porque um serviço 343 Idem, p. 25 344 Idem, p. 27. 345 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 215. 372 Revista ESMAC não deva ser implantado em nome de uma minoria em detrimento da maioria, posto que a agilidade processual não visa atender alguns, mas sim todo o sistema jurídico. E indo mais além em nossa argumentação, se a implantação predispõe que essa é a norma, podemos inferir que haverá por parte de todos os poderes, empenho para que todos os usuários tenham acesso o mais rapidamente possível. E, finalizando este subtítulo, retomemos o renomado autor em sua preleção: A situação se agrava porque o Processo Eletrônico é atribuído, indistintamente, aos processos civil, do trabalho e penal, além dos juizados especiais. Quanto aos juizados especiais, por força do art. 24, X, há competência concorrente entre estado e União para legislar sobre seu funcionamento. Se em virtude do parágrafo primeiro, do art. 24 da constituição, em matéria de competência concorrente, a União se limitará a legislar sobre aspectos gerais, não poderia a Lei do Processo Eletrônico ser taxativa, impingindo o recebimento até as 24 horas do último prazo. 346 Sendo assim, verifica-se, através do posicionamento do referido autor, o termo estabelecido na Lei do Processo Eletrônico para o envio de petições tempestivas, é incongruente, posto que a competência para legislar sobre a organização dos judiciários estaduais é dos próprios Tribunais de Justiça. 2.2 – Do protocolo eletrônico Usualmente, nos cartórios judiciais, a cada recebimento de qualquer documento, lança-se no corpo do mesmo o protocolo, o qual indica a hora e o dia do recebimento do documento e o servidor que o recebeu. Entretanto, tratando-se de Processo Eletrônico, há que haver mudanças de todas as ordens e também a que se refere ao o protocolo se faz necessário, dando surgimento ao Protocolo Eletrônico. Sobre o assunto, Alvim e Cabral Junior, aduzem: O protocolo eletrônico é o conjunto de regras, padrões e especificações técnicas que regulam a transmissão de dados entre computadores por meio de programas específicos, permitindo a detecção e correção de erros, conhecido é visto também como protocolo de transmissão de dados. O protocolo eletrônico é visto também como o documento que garante que a remessa foi recebida com sucesso, possibilitando ao remetente que imprima o protocolo e guarde o seu comprovante de envio.347 Todo ato praticado pelo ser humano é suscetível a falhas, propositais ou não. Isto no caso de protocolamento de petições pode ter conseqüências trágicas, como no caso de defesa intempestiva. O protocolo integrado reduziu muito a possibilidade de erros, uma vez que as petições são autenticadas mecanicamente. Com o Processo Virtual a segurança é bem maior, posto que as petições são protocoladas em tempo real e o controle do horário de entrada das mesmas passa a ser realizado pelo próprio sistema. 346 Idem, ibidem. 347 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 26 373 2.3 – Da comunicação eletrônica dos atos processuais A Lei do Processo Eletrônico, em seu art. 4º, estabelece a prerrogativa dos Tribunais criarem o Diário da Justiça Eletrônico, vejamos: Art. 4º Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral. Com a criação do Processo Eletrônico a comunicação dos atos processuais, a qual, hoje, se da através das intimações, será processada por meio do Diário da Justiça Eletrônico, disponibilizado na internet, onde todos os interessados terão livre acesso. Antes da criação da Lei, em alguns Estados da Federação, disponibilizava-se o Diário da Justiça Eletrônico, mas paralelamente a este, ou vice-versa, também circulava o diário da justiça na forma impressa. Sobre a criação de Diários da Justiça eletrônicos, adverte Almeida Filho: A partir do momento em que se cria o Diário da Justiça de forma eletrônica, os sistemas informatizados dos tribunais deverão estar em compasso com as informações prestadas pelos sítios e não poderá haver mais o entendimento de que se trata apenas de caráter consultivo, como insistimos e não é demais repetir. A criação do Diário da Justiça on-line impossibilitará a tese da mera informação.348 Ao que, Alvim e Cabral Júnior acrescentam, Se a lei exigir a intimação ou vista pessoal, não poderá ser feita por meio do Diário da Justiça eletrônico, mas a lei não esclarece qual a forma de divulgação será usada nessas hipóteses, sugerindo que nesses casos, a intimação se faça por mandado, por meio de oficial de justiça.349 Essa, nos parece, é a alternativa mais acertada no caso de intimação pessoal, como no caso do Ministério Público e a Defensoria Pública que as intimações sejam feitas através de oficial de justiça. Sendo assim, verificamos que a regra da intimação pela via eletrônica, passa a ser a norma, com as devidas exceções. 348 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 231. 349 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit. p. 31 374 Revista ESMAC 2.4. – Início da contagem de prazos A contagem dos prazos processuais, como regra, o art. 240 do Código de Processo Civil, assim dispõe: Art. 240. Salvo disposição em contrário, os prazos para as partes, para a Fazenda Pública e para o Ministério Público contar-se-ão da intimação. Na intimação através de Diário da Justiça eletrônico, dispõe a lei 11.419/06, em seu art. 4º, § 4º que: § 4.º Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação. Desta forma, a contagem inicial dos prazos processuais passará a correr no primeiro dia útil após o da publicação, esta por sua vez, segundo o § 3º do mesmo artigo ocorrerá no primeiro dia útil ao da data em que foi disponibilizada a informação no Diário da Justiça eletrônico. Sobre a criação do Diário da Justiça Eletrônico e suas vantagens, Almeida Filho, sintetiza: Com a criação do Diário da Justiça na modalidade eletrônica, além de se reduzirem os custos com o processamento dos feitos e impingir maior celeridade ao processo, uma vez que os Tribunais poderão criar sistemas de certificação digital nos autos – sempre pela ICPBrasil -, as informações prestadas nos sítios serão dotadas de credibilidade. Credibilidade é o termo mais apropriado, porque a jurisprudência, (...) não conferia tal adjetivo aos seus sítios.350 Acertadamente o autor ressalta que a celeridade processual implementada pela comunicação eletrônica dos atos, trouxe um grande avanço, em matéria processual, para o Ordenamento Jurídico brasileiro. Tal assertiva ganha peso, quando lembramos as dificuldades e dinheiro que se gasta para que uma intimação seja realmente efetivada, tomando-se por base o modelo antigo de intimação. Com base no modelo antigo, o Juiz (a) determinava a intimação da parte, vez que proferira uma decisão nos autos, o auxiliar judiciário confeccionava o mandado de intimação, após isso, o mandado era remetido a uma central de mandados, o qual era distribuído a um dos Oficiais de Justiça. E não se acaba por aí, o Oficial de Justiça diligenciava, se tivesse sorte de encontrar a parte no endereço fornecido, caso contrario, o mesmo precisava insistir por várias vezes até conseguir intimá-lo. Neste contexto, verifica-se que foram necessárias várias ações para que se procedesse à intimação, a qual, para ser levada a termo, precisou um mês, ao passo que no processo eletrônico ocorreria no máximo em 10 (dez) dias. Portanto, o primeiro e importante, como vimos destacando nesse trabalho, avanço da comunicação eletrônica dos atos, reside no fato que a mesma, em relação ao modelo antigo, é célere, ou seja, é econômica em relação ao tempo. 350 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 232. 375 O segundo avanço diz respeito à economia financeira processual. O Poder Judiciário, economizou papel e dinheiro em relação à diligência empreendida pelo Oficial de Justiça sem contar que, quanto mais tempo que o processo demora em ser resolvido, mais recursos são gastos pelo Judiciário, para manter toda a estrutura suporte dos trâmites processuais. Portanto, no que diz respeito à economia processual, tanto financeira quanto temporal, observa-se que é grande a poupança da comunicação eletrônica quando comparada ao modelo antigo. No modelo novo, o Magistrado determina a intimação, o auxiliar a remete, via e-mail, para o setor competente que a procede no primeiro momento possível. 2.5 – Intimação Eletrônica Muito embora e Lei em um primeiro momento tenha dado a entender que qualquer pessoa poderia ser intimada pelo meio eletrônico, o art. 5º da Lei do Processo Eletrônico dispõe que somente as pessoas previamente cadastradas o podem. Veja-se o disposto no art. 5º: Art. 5º As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico. Sendo assim somente os usuários cadastrados na forma do art. 2º da Lei poderão ser intimados pelo modelo novo. Em nossa opinião, a ressalva destacada pelo legislador é acertada, posto que se assim não fosse dar-se-í-a margem a todas as espécies de reclamações e inclusive nulidades. O desejo de impor uma marcha mais acelerada ao processo não significa sacrificar a certeza de que as intimações alcancem o seu objetivo. Os Princípios do Devido Processo Legal e do Contraditório e Ampla Defesa não podem ser sacrificados em nome da celeridade processual. Sobre o assunto, Alvim e Cabral Júnior, esclarecem: Como se vê do caput do art. 5º, as intimações só serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, ficando dispensada a intimação mediante publicação no órgão oficial. Na verdade, o que o art. 2º disciplina é o credenciamento no Poder Judiciário, enquanto o art. 5º fala em cadastramento na forma do art. 2º. Em que pese a diversidade de linguagem, aquele que se cadastrar estará credenciado, e só estará credenciado aquele que se cadastrar.351 O portal próprio a que se refere o caput do art. 5º não é o site/sítio, do próprio Tribunal, o qual, geralmente, contém um link para o Diário da Justiça Eletrônico, onde também são veiculadas as comunicações dos atos. E dando continuidade à prescrição Alvim e Cabral Júnior: O portal próprio é um sítio privado que os internautas criam para a divulgação e recep- 351 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 33 376 Revista ESMAC ção de informações, pelo que, se, ao se cadastrar ou se credenciar, fornecer o interessado esse endereço eletrônico, a intimação será feita por seu intermédio, dispensando qualquer outro modo de divulgação, inclusive pela publicação no órgão oficial ou Diário da Justiça eletrônico.352 A intimação eletrônica, conforme se pode observar, é realizada através de um portal próprio para intimações, pois o usuário ao se cadastrar/credenciar junto ao sistema, automaticamente também é cadastrado par ter acesso a este portal, pelo qual receberá as intimações. Almeida Filho, com referência ao fato de a intimação eletrônica ser considerada pessoal, profere a seguinte crítica: É certo que o art. 4º trata de intimações realizadas por meio da imprensa em mídia eletrônica. E esta intimação não pode ser considerada pessoal. Nos termos do art. 5º, com a emenda substitutiva apresentada, a partir do momento em que a parte aderir a termo constante nos sítios dos Tribunais, a simples entrada certificará a prática do ato processual e, com isto, considerando-se a intimação pessoal fictícia. Desta forma, o ingresso em portal do Tribunal será considerado um meio eletrônico e jamais pessoal. A ficção jurídica criada pela norma é prejudicial, porque em muitos casos é necessária a intimação pessoal da parte.353 Como se vê, ao entrar neste portal próprio, exclusivo, para este fim, o credenciado já se dará por intimado, conforme dispõe o § 1º do art. 5º da Lei, entretanto, se a consulta vier a se dar em dia não útil esta será considerada realizada no próximo dia útil subseqüente, conforme se dessume da interpretação do § 2º do mesmo artigo. Agora, pergunta-se, e se o usuário não acessar o portal eletrônico, como ficaria a intimação? Respondendo a este questionamento o § 3º do mesmo art. 5º da Lei 11.419/06, assim dispõe: § 3º. A consulta referida nos §§ 1o e 2o deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo. Sendo assim, verifica-se que a norma, implicitamente, estabelece uma obrigação para o credenciado, que é a de acessar diariamente, ou no mínimo a cada dez dias, o portal próprio de intimações a fim de que proceda à consulta. , Se pois se o usuário assim não proceder, o fizer no prazo de 10 (dez) dias do envio da intimação, esta será considerada já realizada, o que poderá lhe causar prejuízo, caso este dever não seja observado. Acerca do assunto, Alvim e Cabral Júnior, com autoridade, prelecionam: Como a intimação depende do acesso à internet, ou seja, do dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica, prescreve o § 3º que a consulta deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos, contados do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data deste prazo.354 Desta feita, caso o usuário não acesse o sistema, a fim de que seja intimado, o 352 Idem, Ibidem. 353 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 235. 354 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 33. 377 mesmo assim será considerado após o período de 10 (dez) dias, ou seja, independetemente de ter acessado ou não. E arrematando, redundantemente para que não haja engano, os mesmos autores enfatizam: Assim, que se cadastrar ou se credenciar no Poder Judiciário, para fins de intimações por meio eletrônico, fica ciente de que deverá acessar o seu portal de dez em dez dias, pois, qualquer intimação enviada será considerada efetivada ao fim desse prazo.355 Quanto ao teor do § 4º, em caráter informativo, a remessa de correspondência eletrônica, ficará a cargo do usuário manifestar o interesse por este serviço. A remessa de correspondência eletrônica é uma faculdade dos usuários, entretanto os que optam por esta forma de comunicação dos atos processuais, optam também em serem intimados desde o envio da comunicação, posto que os mesmos serão considerados comunicados/intimados no momento do recebimento, não sendo mais necessário esperar que transcorra o interregno de tempo do parágrafo terceiro. Prescreve o § 6º que as intimações, para todos os efeitos legais, são consideradas como se pessoais fossem, mesmo em se tratando da Fazenda Pública, em qualquer das suas esferas. Implica dizer que mesmo sendo uma modalidade de intimação ficta, como outrora assinalada por Almeida Filho, para todos os efeitos legais será considerada pessoal. 2.6 – Citação Eletrônica Assim preconiza o art. 6º da Lei n.º 11.419/06, acerca da citação eletrônica: Art. 6º. Observadas as formas e as cautelas do art. 5º desta Lei, as citações, inclusive da Fazenda Pública, excetuadas as dos Direitos Processuais Criminal e Infracional, poderão ser feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando. Desta forma, observa-se que a citação eletrônica somente é vedada quando se deparar com um processo criminal ou infracional, hipóteses em que o antigo modelo de comunicação dos atos processuais se fará necessário. Almeida Filho, criticando a citação eletrônica, em face da impossibilidade de identificação do chamamento ao processo, preleciona: “Quanto ao art. 6º., entendemos ser temerosa a idéia de uma citação por meio eletrônico, porque não se conseguirá identificar o recebimento do ato de chamamento ao processo”.356 Em nosso entendimento, o alerta temeroso do autor é fundamentado posto que, na nova citação, seria necessário que o réu, chamado em Juízo para se defender em relação ao prognóstico de Almeida Filho, teria que ser um usuário cadastrado. Do contrário, a identificação do recebimento da citação se tornaria quase inacessível, com exceção à hipótese de o 355 Idem, Ibidem. 356 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 239. 378 Revista ESMAC réu confessar ter sido intimado. Muito embora isso seja presumível, o texto legal não é claro neste ponto. No entanto, contrariamente ao entendimento, anteriormente, exposto, Carreira Alvim e Cabral Júnior, comentam: As citações, tanto quanto as intimações, de qualquer pessoa, física ou jurídica, inclusive a da Fazenda Pública, poderão ser feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando, conforme se vê do disposto no art. 6º. A única condição que a Lei estabelece, para que a citação se faça eletronicamente, é que a íntegra dos autos seja acessível ao citando.357 Como podemos constatar, os Estes autores acenam positivamente à citação eletrônica, apontando como requisito essencial para sua efetivação, ela se efetive, a cópia integral dos autos, a fim de que o réu possa apresentar a sua defesa, vez que a falta de referido documento a inviabilizaria, ante a falta de parâmetro. Ousamos discordar dos autores, pois se a citação da Fazenda Pública pela via eletrônica pode ser aceita levando em conta o quadro de procuradores que pode acompanhar diariamente citações\intimações no site, no que tange à pessoa física os cuidados devem ser maiores, pois a parte pode facilmente ser prejudicada por descuido do advogado que deixou de verificar o site por algum período. 2.7 – Cartas e comunicações oficiais eletrônicas As cartas, em se tratando de ato judicial, podem ser de três formas, precatória, rogatória ou de ordem, cada qual aplicável a uma hipótese processual diferente. Tem vez a carta precatória quando um Juiz (a) de uma Comarca pretender que determinado ato processual seja praticado em outra Comarca. Nesse caso é um pedido de auxílio, posto que o Juízo deprecante não possua jurisdição no Juízo deprecado. De outra banda a carta rogatória, se mostra necessária quando determinado ato judicial necessita ser praticado em outro país, delegando-se, via de conseqüência, o ato a outra autoridade judiciária estrangeira. Já com relação à carta de ordem, a mesma se presta, quando determinado ato processual necessário para o deslinde da causa em instância superior é delegado pelo Tribunal a um Juiz (a) de primeiro grau do mesmo Tribunal, a fim de que proceda à diligência determinada pela instância superior. Com efeito, dispõe o art. 7º da Lei n.º 11419/06, Lei do Processo Eletrônico, o seguinte: Art. 7º. As cartas precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e os dos demais Poderes, serão feitas preferentemente por meio eletrônico. Em nosso entendimento, também aqui, relativamente às três espécies de cartas, o 357 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 35.. 379 novo modelo de processo é perfeitamente compatível, nada tendo que acrescentar em relação aos outros pontos já levantados. Não vislumbramos qualquer óbice para esta prática pelos Tribunais, posto que referido dispositivo, em muito colabora com a tão almejada celeridade na tramitação das cartas. O que é salutar, uma vez que as mesmas, por causa do porte e retorno, demoram consideravelmente mais para serem cumpridas como antecipado por Alvim e Cabral Júnior: Essas cartas são demoradas por dependerem de postagem e remessa de um local para outro, pelo que sua expedição pela forma eletrônica vai agilizar o processo, possibilitando o seu cumprimento num menor espaço de tempo.358 Também, Almeida Filho, segue no mesmo sentido e, ainda vaticina a possibilidade ímpar de se utilizar o sistema de videoconferência, dando maior legitimidade e transparência ao procedimento. Confiramos o que diz o autor: Tendo em vista a previsão do texto legal, que permite a transmissão por meio eletrônico dos atos processuais, e sabedores que somos que as precatórias possuem um alto custo e, ainda, são extremamente morosas, além de encaminhá-las ao juízo de outra Comarca por meio eletrônico, para atos de citação etc., podemos admitir um sistema de cooperação para a oitiva de testemunhas (...). Através de sistema de videoconferência ambos os juízes podem realizar o procedimento de oitiva de testemunhas, com a possibilidade dos advogados fazerem suas perguntas.359 358 Idem, p. 37. 359 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 252 - 253 380 Revista ESMAC 3. DO PROCESSO ELETRÔNICO Este capítulo é destinado ao estudo do Processo Eletrônico, propriamente dito, visto que os anteriores se destinaram a questionar a informatização do processo, bem como a comunicação eletrônica dos atos judiciais. A respeito do mesmo, o art. 8º da Lei 11.419/06, assim dispõe: Art. 8º. Os órgãos do Poder Judiciário poderão desenvolver sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais, utilizando, preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso por meio de redes internas e externas. Parágrafo único. Todos os atos processuais do processo eletrônico serão assinados eletronicamente na forma estabelecida nesta Lei. Esta regra disposta no art. 8º, viabiliza o processo eletrônico em todas as esferas judiciais, entretanto apenas faculta ao Pode Judiciário a adoção deste novo modelo de processo. Ao facultar a adoção deste sistema, a Lei dá margem para que os Tribunais não assumam o encargo de implantar o processo eletrônico para o processamento de ações judiciais. Em nosso entendimento, esse é um ponto nevrálgico, pois que acaba com a garantia de implantação, porque preceito que não dispõe da obrigatoriedade, como podemos constatar no prognóstico bem fundamentado de Almeida Filho: A se manter o texto legal na forma que se encontra, há a possibilidade de termos uma norma não aplicável. E isto se justifica diante de tantas faculdades e possibilidades. Faltou coragem ao legislador ao implantar o sistema. Faltou coragem em assumir a obrigatoriedade do processamento eletrônico desde que assim iniciado.360 Ainda o art. 8º, caput, reza que os autos poderão ser total ou parcialmente eletrônicos, ao que o autor, acima citado, faz severa crítica como podemos constatar a seguir: Nos termos do art. 8º podemos observar que os autos do Processo Eletrônico podem ser processados inteiramente desta forma ou parcialmente. Isto quer dizer que implantamos um sistema ‘meio eletrônico’ para o Processo Eletrônico. Ou o processo é eletrônico ou não é. A parcialidade não atinge o desiderato que se utilizam deste meio está distante da prática que é adotada pela maioria dos países que se utilizam deste meio para o processamento de seus feitos.361 Corretamente, para nós, Almeida Filho faz a crítica discordante do preceito, posto que uma das vantagens do processo eletrônico seria, justamente, a de poder ser manuseado eletronicamente, sem necessidade das partes se dirigirem até o cartório da vara onde tramita o processo, o que não será possível, caso os autos não sejam integralmente eletrônicos. Como é de conhecimento de todos, a tramitação processual também não é célere 360 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 259. 361 Idem, p. 258 381 em razão da abertura de vistas as partes, o que não mais existiria se o processo fosse integralmente eletrônico. Ainda da análise do art. 8º, o mesmo dispõe que os atos processuais, preferencialmente deverão, quando praticados, serem realizados mediante a utilização da rede mundial de computadores, internet. Sobre o uso da internet, Carreira Alvim e Nery Cabral Junior, comentam: A preferência, por certo, será pela rede mundial de computadores, acessível a todos os internautas do planeta, que lhes faculta o acesso ao processo eletrônico, que pode-se dar também através de redes internas menores, como a intranet, ou mesmo redes externas.362 O parágrafo único do art. 8º remete-nos ao estudo do art. 1º, quando expõe que os atos processuais são praticados mediante o uso de assinatura eletrônica, como forma de reconhecer a autenticidade do documento, bem como, primordialmente, o seu remetente, a fim de que a segurança do processo eletrônico não seja colocada em check. O art. 9º da lei repete as disposições, por nós já postas, no Capítulo II, para qual remetemos o estudo. Assim, embora redundante, voltemos às vantagens do Processo Eletrônico, mais uma vez nas palavras de Clementino (apud Alvim e Cabral Júnior). Diz o autor que é “materialmente possível que todas as etapas do processo, desde a apresentação da narrativa fática até a determinação do ‘cite-se’, sejam feitas num único dia, o que seria absolutamente impossível na ‘sistemática do papel’”.363 Repetindo, acrescentamos que a utilização dos meios eletrônicos para a prática de atos processuais viabiliza, consideravelmente, a celeridade processual, tais como as intimações e as citações. Outro ponto de suma importância, também contribuinte para o aumento da celeridade processual tão almejada, é no tocante ao manuseio dos autos em cartório. É só nos lembrarmos que no modelo antigo de processo, um servidor é destacado para numerar as folhas do processo, fazer juntadas e mais outro tanto de tarefas árduas e demoradas. Com a adoção do processo eletrônico este problema é resolvido de vez, posto que, desde o peticionamento da inicial, a interposição de recursos a movimentação é automaticamente atualizada pelo sistema. Com isso, os pedidos são apreciados de forma mais rápida, posto que quando do requerimento de determinado pedido pela parte, realizado eletronicamente, os autos imediatamente são remetidos ao Juízo para apreciação. É o que dispõe o art. 10 da lei 11.419/06, que assim expressa: Art. 10. A distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e das petições em geral, todos em formato digital, nos autos de processo eletrônico, podem ser feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem necessidade da intervenção do cartório ou secretaria judicial, situação em que a autuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico de protocolo. 362 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 39. 363 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa – apud - ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit. p. 42. 382 Revista ESMAC Ao que Alvim e Cabral Junior discorrem de forma clara e objetiva: O protocolo é um serviço da justiça, onde se dá entrada em qualquer requerimento, pelo que, se as petições digitalizadas dão entrada diretamente no processo eletrônico, não tem sentido falar-se em protocolo, embora o art. 10 fale em recibo eletrônico de protocolo. Na verdade, trata-se de um comprovante de remessa por via eletrônica, e, não, propriamente, de um recibo de protocolo. Igualmente a juntada da contestação, dos recursos, e das petições em geral, todos em formato digital, nos autos do processo eletrônico, será feita pela forma prevista no art. 10, diretamente pelos advogados, sem a intervenção do cartório ou secretaria, com fornecimento automático do comprovante de remessa.364 Conforme dispõe o § 1º do mesmo artigo as petições serão consideradas tempestivas se enviadas até as 24,00 horas do último dia do prazo estabelecido, e, caso ocorra algum erro imputável ao sistema responsável pelo recebimento o prazo será prorrogado para o próximo dia útil seguinte à resolução do problema, conforme o disposto no § 2º do art. 10 da referida Lei. 3. 0 – Da prova eletrônica Reza o art. 11 da Lei n.º 11.419/06 que, os documentos produzidos eletronicamente, nos moldes do art. 10, serão considerados, para todos os efeitos, como documentos originais. Quanto aos documentos digitalizados, aqueles que não foram produzidos eletronicamente, mas sim na forma ordinária e reproduzidos na forma eletrônica, gozam de presunção relativa de autenticidade, ou seja, até que se prove que houve alguma adulteração, antes ou depois do processo de digitalização, os documentos digitalizados têm a mesma força probante dos originais. Tratando-se de documentos que não podem ser digitalizados ou que com o processo de digitalização a legibilidade do documento fique comprometida, deverão ser apresentados em cartório no prazo máximo de 10 (dez) dias do envio do peticionamento eletrônico, devendo ainda constar da petição referida a sua condição. Sendo desta forma, vejamos que dispõe o § 5º, vejamos: § 5º. Os documentos cuja digitalização seja tecnicamente inviável devido ao grande volume ou por motivo de ilegibilidade deverão ser apresentados ao cartório ou secretaria no prazo de 10 (dez) dias contados do envio de petição eletrônica comunicando o fato, os quais serão devolvidos à parte após o trânsito em julgado. Por sua vez, o parágrafo sexto, dispondo acerca da disponibilidade de acesso ao documento eletrônico, possibilita somente às partes e ao Ministério Público a visualização dos documentos, ficando o acesso, desta forma, vedado a quaisquer outras pessoas, em se tratando de acesso externo, pois o interno é estendido para os funcionários da vara também. 364 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 46 383 3.0.1 – Do incidente de falsidade Para que se decida quanto à autenticidade do documento digitalizado, necessário é o ajuizamento do incidente de falsidade, o qual também se procede de forma eletrônica, conforme se dessume da leitura do § 2º do art. 11 o qual expressa: § 2º A argüição de falsidade do documento original será processada eletronicamente na forma da lei processual em vigor. A argüição, como vimos, pode se dar em face do documento digitalizado, mas também pode ocorrer que seja ajuizado o incidente de falsidade em razão do documento eletrônico, mais especificamente em relação à assinatura digital ou chave pública. Sobre a argüição de falsidade em relação à chave pública e o ônus da prova, Boiago Júnior ressalta que: Se vier argüido que a chave não é autêntica, a hipótese se assemelha à prevista no art. 389, II, do CPC – contestação de assinatura do documento -, caso em que o ônus da prova àquele é daquele que produziu o documento eletrônico, a quem cabe provar a autenticidade da chave pública que afirma ser do suposto signatário, com a qual se vai conferir a assinatura digital.365 Sendo assim, o ônus da prova não é de quem alega a falsidade, mas de quem produziu o documento eletrônico. 3.0.2 – Da preservação dos documentos digitalizados. Reza o § 3º do art. 11 que os documentos digitalizados deverão se manter preservados pelo seu detentor até o trânsito em julgado. Verifica-se que a Lei, somente impõe o dever de preservação do documento até que o ocorra o trânsito em julgado dos autos, após, o detentor dos documentos fica livre deste encargo podendo até destruir o documento caso não lhe seja mais útil. 3.1 – Conservação dos autos A conservação dos autos, conforme dispõe o art. 12, poderá ser realizada tanto de forma integralmente eletrônica ou ainda parcialmente eletrônica. Referido dispositivo é pertinente, posto que como o art. 8º prevê que os autos poderão ser total ou parcialmente eletrônicos, assim também os arquivos deverão ser. Carreira Alvim e Cabral Júnior, sobre a conservação eletrônica dos autos, com propriedade, aduzem: 365 BOIAGO JÚNIOR, José Wilson. Contratação eletrônica – Aspectons jurídicos. p. 73-74. 384 Revista ESMAC A conservação eletrônica de processos operados por esse meio é da maior importância, porquanto eventual problema tecnológico que possa comprometer a sua estrutura poderá ser efetuada total ou parcialmente eletrônico certas peças cuja digitalização seja tecnicamente impossível, em vista, por exemplo, o grande volume de documentos ou por motivo de ilegibili dade.366 Por fim, referencialmente à conservação dos autos, Almeida Filho predispõe que preleciona: “no art. 12º da Lei do Processo Eletrônico, que também sofre emenda redacional encontramos a situação do processo meio digital”.367 Quanto ao processo eletrônico, o arquivo se dará através de sistemas de segurança, os quais armazenarão os dados em meios que garantam a integridade dos atos judiciais, como disposto no § 1ª do art. 12: § 1º. Os autos dos processos eletrônicos deverão ser protegidos por meio de sistemas de segurança de acesso e armazenados em meio que garanta a preservação e integridade dos dados, sendo dispensada a formação de autos suplementares. Desta forma, se armazenado, eletronicamente, o dado, a teor do § 1º, dispensa-se a formação de autos suplementares. No tocante à preservação do processo eletrônico, e criticando a linguagem usada pelo legislador quando da criação do § 1º, Carreira Alvim e Cabral Júnior, esclarecem: A linguagem usada pelo legislador não poderia ser pior. O que quis dizer o legislador, e disse mal (‘por meio’, ‘em meio’), é que ‘os autos do processo eletrônico deverão ser protegidos por sistemas de segurança de acesso e armazenamento que garantam a preservação e integridade dos dados, dispensada a formação de autos suplementares’. Como se vê, o ‘por’ meio e ‘em meio’ não teria feito nenhuma falta. Muitos são os sistemas de segurança utilizados pela internet para garantir a preservação de dados, vulgarmente conhecidos como sistemas ‘antivírus’, cabendo ao Poder Judiciário a escolha daquele que seja menos vulnerável à atividade dos crackers.368 Outro ponto importante, no tocante à conservação dos autos está na possibilidade de serem enviados a outro Juízo ou instância superior que não disponham do meio eletrônico de tramitação processual, caso em que deverão ser impressos, autuados e remetidos ao Juízo competente, como fica claro na disposição do § 2º: § 2º. Os autos de processos eletrônicos que tiverem de ser remetidos a outro juízo ou instância superior que não disponham de sistema compatível deverão ser impressos em papel, autuados na forma dos arts. 166 a 168 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, ainda que de natureza criminal ou trabalhista, ou pertinentes a juizado especial. Almeida Filho, discorrendo sobre o referido, expõe o seguinte esclarecimento: 366 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 54.. 367 ALMEIDA FILHO, op. cit., p. 282. 368 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 54. 385 Quando o Processo Eletrônico, por questões de incompetência, suspeição ou qualquer outra forma que determine a remessa a outro juízo ou ascenderem à instância superior que não possua sistema informatizado, o feito será impresso e atuado na forma como hoje é adotado.369 No Juízo para qual foram remetidos os autos eletrônicos, ou na instância superior, deverá ser procedida a certificação da origem dos documentos, ou seja, quais são os seus produtores, tendo a faculdade de se acessar o banco de dados do processo eletrônico, a fim de se verificar se as assinaturas digitais são verdadeiras, conforme o disposto no parágrafo terceiro da mesma Lei em estudo. No juízo competente, para o qual os autos foram enviados, uma vez procedida a autuação, nos termos do § 2º, o processo passa a ter a tramitação estabelecida para os processos físicos, nos termos do parágrafo quinto. O § 5º do art. 12, estabelece o seguinte: § 5o A digitalização de autos em mídia não digital, em tramitação ou já arquivados, será precedida de publicação de editais de intimações ou da intimação pessoal das partes e de seus procuradores, para que, no prazo preclusivo de 30 (trinta) dias, se manifestem sobre o desejo de manterem pessoalmente a guarda de algum dos documentos originais. A respeito do disposto acima, Carreira Alvim e Nery Cabral Júnior, prelecionam: Assim, estabelece o citado preceito que a digitalização, de autos em mídia, em tramitação ou já arquivados será precedida de publicação de editais de intimações ou da intimação pessoal das partes e de seus procuradores, para que, no prazo preclusivo de 30 (trinta) dias, se manifestem sobre o desejo de manterem pessoalmente a guarda de algum dos documentos originais (...). Como os documentos digitalizados, uma vez inseridos nos autos do processo eletrônico, serão incinerados, pelas dificuldades em mantê-los arquivados no cartório ou secretaria da vara, assegura-se às partes obter a sua guarda pessoal, devendo fazê-lo no prazo de trinta (30) dias, após o que a sua destruição impedirá o exercício dessa faculdade. 370 Desta forma, assegura-se às partes obter pessoalmente a guarda dos documentos digitalizados quando, para tanto, deve proceder ao requerimento no prazo de 30 (trinta dias) após a publicação dos editais. 369 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a informatização no Brasil, p. 285 - 286.. 370 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 57. 386 Revista ESMAC 3.2 – Da exibição e envio de documentos No processo civil antigo a exibição de documento tem vez quando o Juiz (a) para formar o seu convencimento, necessita que uma das partes apresente a exibição de algum documento em seu poder. Assim, como ocorre no modelo antigo de processo o Juiz (a) também possui esta faculdade no processo eletrônico, conforme dispõe o art. 13 da Lei 11.419/06, que assim expressa: Art. 13. O magistrado poderá determinar que sejam realizados por meio eletrônico a exibição e o envio de dados e de documentos necessários à instrução do processo. Portanto, o Juiz (a) poderá determinar que a parte proceda ao envio de um documento digitalizado, por meio eletrônico, por exemplo, sendo este necessário para a instrução processual. Por sua vez, o § 1º do art. 13, segundo os apontamentos de Almeida Filho, estabelece: A requisição de dados através dos cadastros públicos, como instituído no parágrafo 1º, é norma salutar, a fim de agilizar a prestação da entrega jurisdicional, como, por exemplo, os ofícios às Fazendas, à Secretaria da Receita Federal – a fim de informar determinado endereço -, aos cartórios de registros e aos notariais.371 Complementando, importantes também são os apontamentos de Alvim e Cabral Júnior, os quais prelecionam: Esse preceito se limita a conceituar o que se deva entender por cadastro público para efeito de exibição e envio de dados necessários à instrução de processo eletrônico, que neles se encontrem armazenados ao largo do contraditório. Para essa finalidade, consideram-se públicos todos os cadastros atualmente existentes e os que venham a existir, bem assim os mantidos por concessionárias de serviço público ou empresas privadas, que contenham informações indispensáveis ao exercício da função judicante.372 Desta feita, para melhor operacionalizar, o andamento do processo eletrônico, conforme preceitua o referido parágrafo, é necessário que os cadastros públicos previstos nos artigos sejam criados. E, vez que independente da participação da partes, poderá o magistrado requisitar as informações necessárias, por meio eletrônico, junto à instituição competente para prestá-las. Hoje, como um dos exemplos mais importantes temos o Sistema BACENJUD, Sistema do Banco Central do Brasil, o qual colabora e muito para o andamento processual, vez que possibilita ao Magistrado a bloquear e/ou quebrar o sigilo bancário on line em questão de minutos, quando necessários ao deslinde da lide processual. 371 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit.,p. 288. 372 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 59. 387 3.3 – Sistemas de acesso Os órgãos do poder Judiciário a partir do advento da Lei n.º 11.419/06, que optaram por implantar o processo eletrônico ficaram obrigados a desenvolver sistemas com programas de código aberto, com acesso ininterrupto, por meio da rede mundial de computadores, com dispõe o art. 14 da Lei do Processo Eletrônico. Vejamos: Art. 14. Os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores, priorizando-se a sua padronização. Parágrafo único. Os sistemas devem buscar identificar os casos de ocorrência de prevenção, litispendência e coisa julgada. Com referência ao artigo supracitado, Alvim e Cabral Júnior, comentam: O art. 14 consagra uma regra programática, estabelecendo que os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores, priorizando-se sua padronização. Os programas com código aberto são aqueles que possibilitam o acesso a qualquer pessoa, enquanto os com código fechado ou restrito são aqueles acessíveis apenas a determinados usuários, ou, mais precisamente, aos que possuam uma senha de ingresso no programa. 373 Interessante dispositivo é norma contida no parágrafo único, o qual traz em sua essência a busca pela prevenção, litispendência e coisa julgada. Sendo assim, ao ajuizar-se uma ação pelo modelo eletrônico de processo, o sistema imediatamente inicia uma busca a fim de verificar se outra ação, entre as mesmas partes, com o mesmo objeto e causa de pedir, em se tratando de litispendência e coisa julgada, ou outra ação conexa, no caso da prevenção, foram ajuizadas anteriormente. Ainda, relativamente ao assunto, Almeida Filho, acerca do assunto, com maestria exemplifica: Imaginemos, então, que A pratique, em dias e locais diferentes, o mesmo crime, ou seja, o tipificado no art. 155 do Código Penal (furto). Após as investigações criminais pela autoridade competente, o Ministério Público ajuíza duas ações penais, sendo uma em uma dia e a outra uma semana depois. Uma vez que o sistema informático não é humano e a sua inteligência é artificial, tendo as mesmas partes e o mesmo fundamento do pedido, identificará uma litispendência.374 No entanto, fazemos a seguinte ressalva, e o silogismo assim permite, para que o exemplo apontado pelo renomado doutrinador seja possível, necessário será que a informatização processual tenha ocorrido também nas duas comarcas, pois do contrário a verificação da litispendência se dará nos moldes antigos. 373 Idem, p. 61/62. 374 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 295-296. 388 Revista ESMAC 3.4 – Do fornecimento do CPF/CNPJ para o ajuizamento da ação Prevê o art. 15 da Lei 11.1419/06, que ao se protocolar uma petição inicial, necessário que o autor forneça o CPF – Cadastro de Pessoas Físicas ou o CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, quando o autor uma empresa, vejamos: Art. 15. Salvo impossibilidade que comprometa o acesso à justiça, a parte deverá informar, ao distribuir a petição inicial de qualquer ação judicial, o número no cadastro de pessoas físicas ou jurídicas, conforme o caso, perante a Secretaria da Receita Federal. Acerca deste dispositivo, Almeida Filho, aduz o seguinte comentário: A norma tem sua razão de ser, a fim de impedir, como outrora ocorreu (nas famosas fraudes do INSS em finais dos anos 90), a duplicidade de demandas. Admitimos, com a inserção que ora se torna legal, superando os atos administrativos desprovidos de qualquer legalidade, como o do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que os sistemas judiciários devam estar integrados e unificados em nível nacional.375 Conforme frisa o renomado autor, outros Estados da Federação, através de outras medidas administrativas, já estabeleciam esta condição para o processamento de ações judiciais. Entretanto, com o advento da Lei 11.419, este assunto deixou de ser normatizado por atos administrativos e passou a ser regulamentado em Lei específica, o que consideramos ser um grande avanço. Agora, necessário se faz abrir um parêntese quando à situação em que se haja a impossibilidade de o autor informar o número do seu CPF o que, em tese, comprometeria o acesso à Justiça. Nestes casos apresentação do número do CPF, pode ser adiada para outro momento. Apresentando uma crítica quanto à razão de ser do referido dispositivo legal, Alvim e Cabral Júnior discorrem: Em que pese a ressalva feita pelo art. 15, de que tal exigência não deve comprometer o acesso à justiça, a prática tem velado que, pelo menos relativamente à pessoa física, o obstáculo existe, porquanto, ao exigir que a petição informe o número do CPF, em vez de garantir acesso à justiça ao nacional, como promete a Constituição, garante apenas ao contribuinte, o que não deixa de ser um fiscalismo incompatível com as garantias constitucionais de acesso à Justiça.376 Ousamos discordar dos autores, posto que o próprio art. 15 faz uma ressalva, expondo que, a contrario sensu, o autor pode ajuizar a ação sem apresentar o CPF, caso a apresentação seja impossível, como pode ocorrer com os estrangeiros residentes no Brasil, por exemplo. De igual forma, os membros do Ministério Público, ou autoridades policiais de375 ALMEIDA FILHO, op. cit., p. 298-299 376 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 63. 389 verão instruir as peças de acusação com o número dos registros dos acusados no Instituto Nacional de Identificação do Ministério da Justiça, se houver, conforme consta do parágrafo único do art. 15. Com referência ao disposto neste parágrafo, Carreira Alvim e Cabral Júnior predispõem: Essa regra pode ser eficaz na esfera criminal, para evitar que pessoas diversas das realmente culpadas sejam processadas, julgadas e condenadas pela justiça, como tem acontecido com certa freqüência, mas não constituirá um obstáculo intrasponível para que isso aconteça (...).377 3.5 – Dos livros cartorários dispõe: Em referência aos livros cartorários, segundo o art. 16 da Lei 11.419/06, assim Art. 16. Os livros cartorários e demais repositórios dos órgãos do Poder Judiciário poderão ser gerados e armazenados em meio totalmente eletrônico. Os livros e demais repositórios do Poder Judiciário, conforme o artigo citado, também poderão ser armazenados eletronicamente. Pensamos, como já frisamos antes, por se constituir em uma tendência, que este dispositivo vai se tornar redundante com a adoção do processo eletrônico. O art. 16 é de tão simples análise e aplicação, e segundo Almeida Filho, Trata-se, simplesmente, como se vislumbra no texto, da impossibilidade de manutenção dos livros em mídia digital. A prática também não é nova e o legislador, em bom momento, inseriu a possibilidade de assim proceder.378 Este dispositivo, em nosso sentir, com a adoção do processo eletrônico, que como já frisamos antes, é uma tendência, vai se tornar redundante. 377 Idem, p. 64 378 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 299. 390 Revista ESMAC 3.6 – Da regulamentação nos Tribunais Art. 18. Os órgãos do Poder Judiciário regulamentarão esta Lei, no que couber, no âmbito de suas respectivas competências. Esta regulamentação, preconizada no artigo acima, Lei n.º 11.419/06, poderá ser procedida por cada Tribunal, segundo seus próprios critérios, entretanto, em sintonia com a Lei do Processo Eletrônico, embora essa harmonia seja difícil em relação a outros Tribunais, posto que a Lei permite que cada uma legisle no âmbito de suas respectivas competências. Alvim e Cabral Júnior, acerca das dificuldades de se hamornizar os Tribunais, no tocante as regulamentações que serão procedidas, antecipam o seguinte: As dificuldades surgirão, na prática, se cada tribunal estadual resolver regulamentar o processo eletrônico segundo seus próprios critérios, sem observar a necessária harmonia que deve haver na formulação de tal processo em nível nacional. Assim, no âmbito da Justiça federal, seria conveniente que o Conselho de Justiça Federal, (...), e o Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiças dos Estados, no âmbito das Justiças Estaduais, fizesse a mesma coisa.379 3.7 – Da convalidação dos atos eletrônicos anteriores à publicação da lei do processo eletrônico Reza o art. 19 da Lei n.º 11.419/06, que os atos processuais praticados antes de sua publicação ficam convalidados, utilizando-se o Princípio da Instrumentalidade, caso não tenha havido prejuízo para as partes e o ato tenha atingido a sua finalidade. Com isso, mesmo diante de uma possível nulidade sanável, esta será convalidada, uma vez que a lei permite, caso não tenha resultado nenhum prejuízo para as partes, em razão do postulado da doutrina francesa do pas de nullité sans grief. Sobre este ponto, posto que a lei apenas convalidou os atos processuais, praticados por meio eletrônico, somente até a data de sua publicação, porém só passou a viger após 90 (noventa) dias, período da vacatio legis, Carreira Alvim e Cabral Júnior alertam: A partir daí surge uma situação inusitada. Antes da entrada em vigor da Lei 11.419/06, que se daria em 19/03/2007, muitos atos processuais continuarão sendo praticados, por meio eletrônico, como aqueles acobertados pela regra do art. 19. Mas, não tendo tais atos sido praticados de acordo com a nova Lei, mesmo porque esta não estava ainda em vigor, nem estando acobertados pelo art. 19, que convalida aqueles praticados até a data de sua publicação, que solução adotar? Para evitar tais situações, deveria o art. 19 ter convalidado todos os atos praticados por meio eletrônico até a data de entrada em vigor desta Lei, e não da data de sua publicação, que, no caso, não coincide com a vigência.380 379 ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. op. cit., p. 66. 380 Idem, p. 67. 391 De fato assiste razão ao doutrinador, o que fazer com os atos processuais eletrônicos, praticados durante a vacatio legis, ou seja, entre o período de publicação da norma e a data de sua vigência, posto que estes não foram convalidados pela lei do processo eletrônico. 3.8 – Das alterações implantadas no Código de Processo Civil, em razão da vigência da Lei n.º 11.419/06. Muito embora a Lei n.º 11.419/06 seja aplicável no processo trabalhista, cível e criminal, ela previu alterações somente no código de processo civil, conforme aponta Almeida Filho, “apesar da Lei do Processo Eletrônico destinar-se aos três processos, ou seja, cível, trabalho e penal, a norma somente previu a hipótese de alteração no CPC. Ainda assim, de forma tímida e sem maiores comprometimentos do que analisamos até o presente momento”.381 É certo que o advento da Lei trouxe consideráveis mudanças na sistemática processual e, caso não alterasse o Código de Processo Civil, vigente se tornaria obsoleta, posto que com a adoção do Processo Eletrônico, buscava-se justamente uma revolução em matéria processual. Para que esta mudança fosse de vez implementada necessário seria a adaptação do Código de Processo Civil ao meio eletrônico de comunicação dos atos processuais, de peticionamento eletrônico e outros mais. As referidas alterações, já foram estudadas ao longo deste trabalho, sendo desnecessária a redundância com novos apontamentos. Contudo, façamos uma síntese dos destaques que vêem alterar a sistemática processual, quais sejam: o Art. 38 passou a ter um parágrafo único, o qual prevê que a procuração pode ser assinada digitalmente; o art. 154, que passou a viger com a introdução do § 2º o qual prevê que todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico; bem como a introdução do parágrafo único do art. 164 do CPC, o qual passou a prever que as assinaturas dos juízes podem ser feitas eletronicamente, entre outras. 381 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. op. cit., p. 306. 392 Revista ESMAC 4. DA IMPLANTAÇÃO DO PROCESSO ELETRÔNICO JUNTO À VARA DE EXECUÇÕES PENAIS DE RIO BRANCO - AC No Brasil, atualmente, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça existem 135 (cento e trinta e cinco) Varas Eletrônicas totalmente implantadas, as quais estão distribuídas conforme o quadro abaixo: UF Juizados Existentes na Capital Juizado Existentes no Interior Juizados comprometidos para implantação 0Total de Varas 0Implantadas4 Acre 7 Alagoas 12 25 11 1 9,09% 9 12 4 33,33% Amapá 6 11 0 0 0,00% Amazonas 8 60 13 20 153,85% Bahia 14 64 14 1 7,14% Ceará 21 20 23 12 52,17% Distrito Federal 12 27 4 2 50,00% Espírito Santo 14 0 2 0 0,00% Goiás 18 36 16 8 50,00% Maranhão 17 11 11 6 54,55% Mato Grosso 11 81 8 2 25,00% Mato Grosso do Sul 11 4 8 0 0,00% Minas Gerais 5 70 7 3 42,86% Pará 29 28 25 1 4,00% Paraíba 6 21 23 14 60,87% Paraná 0 10 13 13 100,00% Pernambuco 17 7 0 1 0,00% Piauí 15 8 12 1 8,33% Rio de Janeiro 47 160 2 0 0,00% Rio Grande do Norte 11 68 13 3 23,08% Rio Grande do Sul 19 321 2 1 50,00% Rondônia 6 22 14 6 42,86% Roraima 4 6 5 13 260,00% Santa Catarina 3 12 10 0 0,00% São Paulo 41 347 5 0 0,00% Sergipe 40 6 8 0 0,00% Tocantis Total Geral Percentual de Varas Comprometidas x Implantadas 5 42 7 4 57,14% 369 1.476 135 135 - Fonte: CNJ 393 Através desta planilha, verifica-se que o número de Varas Eletrônicas implantadas ainda é tímido, entretanto, o número daquelas comprometidas com a implantação é quase que o dobro. Além disso, os Projetos Pilotos que implantados nos Juizados Especiais o que confirmam que o advento do Processo Eletrônico, em todo Judiciário brasileiro, é uma forte e irreversível tendência. A opção inicial pela Varas dos Juizados Especiais talvez tenha se dado pela adoção de procedimentos altamente simplificados o que facilita a implantação da nova tecnologia. Também vale registrar aqui, que a Justiça Federal é a que tem mais investindo nos meios virtuais, sendo que todas as Varas dos Juizados Especiais foram virtualizadas. Atualmente a Justiça Federal também conta com a implantação da primeira Vara de Execuções Fiscais, no Distrito Federal totalmente virtual Quanto à implantação da Vara Eletrônica de Execuções Penais de Rio Branco-AC, levando-se em consideração que uma vara de execuções de penas, como a própria denominação sugere, é competente para a execução das penas, como poderia, neste ponto, o processo eletrônico abreviar a resposta estatal? Sabe-se que a idéia de Processo Virtual ou Eletrônico nasceu da necessidade de dar celeridade, economia, bem como melhor gerir a atividade jurisdicional, buscando-se com isso atender a demanda crescente em um tempo menor que o atual, em um momento que o mundo jurídico, bem como a sociedade se revoltavam com o modelo arcaico de processo, o qual diante da demora na solução das lides não dava efetividade ás decisões judiciais. Tratando-se de execução de pena, a duração do processo a princípio não pode ser abreviada, pelo manuseio rápido dos autos, ou pela juntada ágil de um documento, posto que, se o reeducando que foi condenado a 10 (dez) anos de prisão, por exemplo, o processo tramitará por este período na Vara de Execuções até o cumprimento integral da pena. As exceções ficariam apenas por conta do contido na Lei 7.210/84, onde existem vários dispositivos que prevêem o abreviamento da pena, tais como a remição, o indulto integral e o parcial (comutação) entre outros. Também, em se tratando de execuções de penas restritivas de direitos, nos termos do § 4º do art. 46 do Código Penal, é previsto que, se superior a um ano, poderá o reeducando cumprir a pena substitutiva em menor tempo, até a metade, caso cumpra até o dobro de horas por semana. Todavia, estes dispositivos não se referem à tramitação célere do processo, mas sim, a meios de abreviação do tempo de cumprimento da pena, uma vez que a extinção do feito só se fará após o cumprimento integral. Entretanto, a Lei 11.419/06, conhecida como a Lei do Processo Eletrônico, trouxe inovações em relação à tramitação de processos, admitindo a comunicação de atos processuais e a transmissão de peças indispensáveis para a formação do processo. , Tal fato veio otimizar e acelerar o curso processual, alcançando, desta forma, a economia processual tão almejada, sendo perfeitamente, sob este prisma, aplicável ao processo de execução penal, uma vez que durante a execução da pena, muitos pedidos paralelos são processados pelo Juízo das Execuções Penais. Estes pedidos são na maioria das vezes urgentes posto que ao Juiz da Vara de Execuções Penais cabe a gerência de todos os atos afetos a vida do reeducando, desde o pedido de tratamento médico ao de prisão domiciliar, de progressão, transferência de cela, entre 394 Revista ESMAC outros. Abreviar o tempo de resposta a estes pedidos é de extrema importância, tendo em vista a urgência dos mesmos e a concentração de tudo na mão do Juiz da Vara de Execuções Penais. Na Vara de Execuções Penais de Rio Branco-AC, o número de juntadas no mês de Junho de 2008, no total de 1.225 (mil duzentos e vinte e cinco), reflete o elevado número de pedidos. 4. 0 – Justificativas para a implantação do processo eletrônico na Vara de Execuções Penais de Rio Branco - AC. 4.0.1 – Da transparência A transparência que o Processo Eletrônico proporcionaria ao processo de execução penal seria está justamente no fato de que, em qualquer hora e qualquer lugar, o patrono das partes poderia acessar os dados do processo e saber desde logo sobre a decisão tomada. Acerca da transparência, Tejada, ainda antes da criação da Lei 11.419/06, já prenunciava: Além de combater a morosidade processual, o processo virtual ainda melhora o acesso à Justiça e a transparência do Poder Judiciário. Isso porque o processo eletrônico pode ser manejado em horário integral, isto é, as portas da Justiça estão sempre abertas para o jurisdicionado. A publicidade é tanta quanto a rede mundial da Internet permite.382 Seguindo no mesmo sentido, Benucci, predispõe: Outra característica positiva do novo modelo de processo é a ampla e absoluta publicidade. O acompanhamento processual on line já está disponível em, praticamente, todos os tribunais brasileiros, para qualquer pessoa, desde que o processo não esteja tramitando sob sigilo de justiça.383 Em se tratado de processo de execução penal isso seria um avanço enorme, posto que poria um fim nos argumentos de que as penas estão vencidas, que estão presos além do que deviam. Quem milita nesta área sabe o que estamos afirmando. Às vezes os atrasos na entrega de um relatório carcerário ou de um exame criminológico, necessários para a aferição do requisito subjetivo da pena, acabam retardando a concessão do benefício. O mesmo ocorrendo quando o Ministério Público demora na entrega do seu parecer. Em se tratado de processo de execução penal isso seria um avanço enorme, posto que acabaria com o problema, com as argumentações de que as penas estão vencidas, que 382 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. Processo Virtual: uma solução revolucionária para a morosidade. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index2.php?option=com_content&task=view&id=50&pop=1&. Acesso em 17/06/2008. 383 BENUCCI, Renato Luis, op. cit., p. 129 395 estão presos além do que deviam. Quem milita nesta área sabe o que estamos afirmando. Às vezes os atrasos na entrega de um relatório carcerário ou de um exame criminológico, necessários para a aferição do requisito subjetivo da pena, acabam retardando a concessão do benefício. O mesmo ocorrendo quando o Ministério Público demora na entrega do seu parecer. Com esta a transparência proporcionada pelo curso processual on line, as filas nos balcões da Vara de Execuções Penais acabariam, pois os parentes dos reeducandos teriam acesso a todo o andamento do litígio. Isto, com certeza, refletirá diretamente em economia na mão de obra, podendo os servidores encarregados com o atendimento ao balcão serem realocados para a prática de outras tarefas. 4.0.2 – Da agilidade nas decisões e procedimentos cartorários Com a adoção do Processo Eletrônico outro ponto importante é justamente o de que os Juízes bem como os escrivães não ficam mais atrelados às dependências do Gabinete ou da Vara para processarem os pedidos e exararem as decisões. Todos podem acessar o Processo Eletrônico de qualquer lugar, a qualquer hora. Além do mais, a própria Lei do processo Eletrônico elimina a restrição de horários para a prática dos atos processuais prevista no Código de Processo Civil, podendo os envolvidos praticar os atos em qualquer horário. Com isso, a agilidade nas decisões judiciais, bem como na prática de procedimentos cartorários, tornam-se visíveis e altamente aprovadas pelos jurisdicionados. 4.0.3 – Intimações O volume de intimações oriundas da Vara de Execuções Penais de Rio Branco-AC, assim como os demais procedimentos é denso, sendo certo que o prazo que se necessita para se efetivar uma intimação, no modelo atual de processo, com o qual trabalha a Vara, não é menor do que 30 (trinta) dias em média. Este prazo se justifica pelo tempo necessário para confeccionar o mandado, além dos 30 (trinta) dias estabelecidos pelo provimento da Corregedoria do Estado do Acre para o efetivo cumprimento do mandado. Ademais, nosso tribunal vem enfrentando sérios problemas, no tocante ao cumprimento dos mandados no prazo estabelecido, uma vez que o quadro de Oficiais de Justiça é muito reduzido e não consegue dar cabo ao elevadíssimo número de mandados. Diante desta situação, a análise célere de concessão e regressão de benefícios, justificações e demais atos processuais dependentes da intimação do reeducando, são prejudicadas. Presumimos, portanto, que com a implantação do Processo Eletrônico na Vara de Execuções Penais, de Rio Branco-AC, uma vez que a intimação por mandado seria exceção à regra, esta situação mudará consideravelmente, posto que, como vimos anteriormente, a intimação pelo Processo Eletrônico se processa no período máximo de até 10 (dez) dias, o 396 Revista ESMAC que impulsionará a análise de situações processuais dependentes da intimação. No tocante às intimações pessoais do Ministério Público e da defensoria Pública, por exemplo, via mandado isto não seria muito demorado tendo em vista a facilidade de realizar dita intimação no respectivo local de trabalho. 4.0.4 – Das Cartas Precatórias e Ofícios Estando todos os Juízos, assim como os demais Órgãos Públicos e de utilidade pública, aptos a acessarem o sistema, as cartas precatórias como os demais ofícios poderão ser encaminhados eletronicamente ao processo de execução já eletrônico. A Comarca de Rio Branco-AC, como é uma das poucas que possuem unidades penitenciárias para o cumprimento da pena em regime fechado, recebe uma grande quantidade de reeducando das Comarcas do interior do Estado. Para cada reeducando do interior do Estado que cumpre pena em Rio Branco-AC é remetida, ao Juízo das Execuções Penais, uma Carta Precatória, permanecendo os autos originais com o Juízo Deprecante até o final do cumprimento da pena. Daí, então, ocasião em que a precatória é devolvida para os trâmites de extinção da pena. Atualmente, na Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC, conforme dados obtidos através do SAJ, Sistema de Automação do Judiciário, tramitam 289 (duzentos e oitenta e nove) Cartas Precatórias. Diante deste fato, ou seja, do envio de Carta Precatória para o cumprimento da pena, duas situações logo surgem: primeiro, estando a Vara Criminal do Interior trabalhando com o Processo Eletrônico, a precatória também é remetida para a Vara de Execuções Penais da mesma forma. Entretanto, se a Vara Criminal do Interior não estiver habilitada com este tipo de processo, ao ser recebida a Precatória na Vara de Execuções Penais de Rio BrancoAC, esta será atermada ou escaneadas e após, tramitará eletronicamente até o seu integral cumprimento. De igual forma se procederá com os ofícios enviados, ou seja, as instituições poderão encaminhar os ofícios eletronicamente se tiverem acesso ao sistema, ou continuar encaminhado no modo tradicional, oportunidade em que as correspondências serão escaneadas. 4.0.5 – Juntadas Quem conhece o expediente cartorário, entende muito bem o problema que a juntada de documentos proporciona visto que, para ser adicionada aos autos, move toda uma estrutura, fato desgastante e demorado que teria fim com a implantação do Processo Eletrônico, pois as mesmas simplesmente deixariam de existir. Em particular, na Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco isto tem causado um enorme problema, não pelo simples fato de se fazer a juntada, mas pelo volume enorme de documentos a serem juntados todos os dias. 397 Para melhor elucidar, trazemos à colação uma planilha referente às juntadas realizadas na Vara de Execuções Penais de Rio Branco – AC, no período de 02/01/2008 a 26/06/08. Verifiquemos: JUNTADAS Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho TOTAL 1.056 1.241 1.346 1.447 1.717 1.225 8.022 Fonte: Vara de Execuções Penais/ SAJ/PG Com a adoção do Processo Eletrônico, a juntada se dará automaticamente, posto que, quando o patrono do reeducando entrar com a petição eletronicamente, a mesma será protocolada automaticamente nos autos, sem a necessidade de destacar-se um servidor para proceder à juntada. Considerando-se o volume de juntadas do mês de Junho, conforme dados constantes na planilha acima, para as quais é destacado um servidor exclusivamente, a tarefa levaria várias semanas para ser realizada. 4.0.6 – Numeração de folhas Com a adoção do processo eletrônico não se perderá mais tempo, no tocante à numeração de folhas nos autos, pois este procedimento é gerado automaticamente a partir de qualquer juntada. Isto resultará em uma economia enorme de tempo, pois o servidor deixará de realizar este procedimento e se ocupará com outros serviços igualmente necessários, tornando o serviço cartorário passa a ser mais ágil, mais célere, o que refletirá uma tutela jurisdicional mais justa e tempestiva. 4.0.7 – Das Comunicações dos Institutos Penitenciários As comunicações das penitenciárias, referente às faltas aos pernoites do reeducando, por exemplo, oficiadas ao Juízo da Vara de Execuções Penais para que sejam tomadas determinadas providências, são juntadas aos autos e logo em seguida é feita a conclusão. Uma comunicação, por si só, em média origina 03 (três) juntadas. Primeiro, a da própria comunicação da falta pela instituição prisional, segundo da promoção ministerial; e, terceiro, a do pedido de justificação das faltas por parte da defesa. Com a adoção do Processo Eletrônico, o tempo do trabalho dos servidores não será desperdiçado com as juntadas, tornando assim sobra nobre a ser direcionada a atividades indispensáveis. Ademais, como o tempo que o processo leva para o Juiz analisar o pedido de justificação de faltas será consideravelmente reduzido, dependendo da decisão judicial, as análises de concessão de novos benefícios para o reeducando não ficariam prejudicadas por tanto tempo. Elucidemos: enquanto não justificadas as faltas do reeducando, as mesmas 398 Revista ESMAC o prejudicam quando da análise dos requisitos subjetivos para á concessão de progressões e concessão de livramento condicional, ou qualquer outro benefício. Por fim, consideremos que, como se é de esperar, os Órgãos Públicos responsáveis pela execução da pena deverão estar todos interligados ao sistema, posto que se assim não for, terão os documentos que serem digitalizados, como prevê a Lei n.º11.419/06. 4.0.8 – Da redução de custos A redução de custo auferida com a implantação do Processo Eletrônico é quase imensurável. Economizar-se-á uma enormidade com material de expediente e com o de tempo, posto que o judiciário gasta, para manter os trâmites de um processo, 01 (um) ano no sistema convencional, ao passo que utilizará apenas 05 (cinco) meses para solucionar um Processo Virtual. Sendo assim, muito embora, como já frisamos, o Processo Eletrônico por si só não abrevie a pena do reeducando, é certo que os trâmites processuais serão seriam agilizados. Em decorrência desse fato, a resposta estatal para os incidentes na execução seria muito mais rápida e, portanto, o Poder Judiciário poupará gastos. Também, economizaria em material de expediente, tais como papel, toneres, entre outros. Isto sem falar na economia em mão de obra pois necessitaria de menos servidores para administrar o mesmo número de processos. Sobre a economia de gastos, Tejada, com autoridade, preleciona: A economia para os cofres públicos também impressiona. Em breve, não haverá mais necessidade de prédios imensos e de uma infinidade de armários só para guarda de papéis. Os servidores hoje dedicados a atividades meramente de estiva poderão ser deslocados para outras atividades mais gratificantes.384 E ainda, sobre o impacto favorável ao meio ambiente, adotando-se o Processo Eletrônico, quando considerados os processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal por ano, Tejada arremata: Só no Supremo Tribunal Federal tramitaram, em 2006, aproximadamente 680 toneladas de papel em recursos extraordinários e em agravos de instrumento. Fossem digitais todos esses processos, teria havido grande economia para os cofres públicos em papéis, energia, combustíveis. Imagine-se o resultado se considerarmos o Brasil como um todo. Só no ano passado, ingressaram aproximadamente 23 milhões de novas ações no país, nas quais foram utilizadas cerca de 46 mil toneladas de papel. Para produzir essa quantidade, é necessário cortar 690 mil árvores, o que corresponde ao desmatamento de uma área aproximada de 400 hectares e o consumo de 1,5 milhões de metros cúbicos de água, o suficiente para abastecer uma cidade de 27 mil habitantes durante um ano.385 384 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. A verdadeira reforma do Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index.php?Itemid=167&id=3149&option=com_content&task=view. Acesso em 27/06/2008. 385 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. A verdadeira reforma do Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: Disponível em: http://www.cnj.gov.br/index.php?Itemid=167&id=3149&option=com_content&task=view. Acesso em 399 Vejamos como a redução de gastos é evidente na mostra do quadro comparativo, o qual apresenta as cifras contabilizadas pela Diretoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, onde constam os dados para a manutenção de material de expediente, levando-se em consideração os meses de março, abril, e maio deste ano, e, tomando-se por base a 1ª Vara Criminal e a 5 ª Vara Criminal – Vara de Violência Doméstica, a qual adotou o Processo Eletrônico. 1ª VARA CRIMINAL 5ª VARA CRIMINAL ITEM DE CUSTO Março Abril Maio Março Abril Maio Material de consumo (almoxarifado) R$ 783,21 R$ 910,00 R$ 366,70 R$ 366,70 R$ 175,50 R$ 239,69 Fonte Diretoria geral do TJ/AC Na 1ª Vara Criminal, nos meses de março, abril e maio deste ano foi gasto com material de expediente a importância de R$ 2.060,90 (dois mil e sessenta reais e noventa centavos). Enquanto isso, na Vara de Violência doméstica (totalmente virtual) foram gastos apenas R$ 781,89 (setecentos e oitenta e um reais e oitenta e nove centavos). Verifica-se, desta forma, que o gasto com material de expediente da 5ª Vara criminal corresponde a exatos 37,93 % do valor do gasto na 1ª Vara Criminal, diferença bem considerável. Ressaltamos que esta diferença poderá ser muito maior levando-se em consideração o Poder Judiciário como um todo. Sabe-se, todavia, que a redução de gastos poderá ser ainda maior na Vara de Execuções Penais. A demanda processual desta vara é uma das maiores de todo o Poder Judiciário Acreano, onde tramitam, atualmente, 2.939 (dois mil novecentos e trinta e nove) processos. Há ainda, a CEPAL – Central de Penas Alternativas, uma extensão da anterior (VEP), onde são computados 1.942 (mil novecentos e quarenta e dois) processos, dados estes referente ao mês de junho de 2008, extraído do SAJ – Sistema de Automação do Judiciário, utilizado pelo TJ/AC. Sendo assim, verifica-se que o Juízo da Vara de Execuções Penais responde por cerca de 4.881 (quatro mil oitocentos e oitenta e um) processos. Salienta-se, desta forma, que a redução de custos apontada, a qual é defendida neste trabalho como uma justificativa para a implantação do Processo Eletrônico, junto à Vara de Execuções Penais, seria ainda mais considerável, levando-se em conta que na Vara de Violência Doméstica tramita uma quantidade muito menor de processos com relação à Vara de Execuções Penais. O exemplo utilizado no item 4.0.5 (juntadas) demonstra a economia que poderia ser alcançada em termos de material de expediente. Desta forma, verificamos que será muito vantajosa a implantação do Processo Eletrônico em todas as varas do Poder Judiciário acreano, em especial a Vara de Execuções Penais. 27/06/2008. 400 Revista ESMAC 4.0.8.1 – Custos para a implantação de uma vara eletrônica Para a implantação de uma Vara Eletrônica, praticamente são necessários a aquisição de dois tipos de móveis, equipamentos eletrônicos (computadores, scanner, mídias digitais) e móveis e utensílios (cadeiras, mesas). Não será mais necessário a aquisição de estantes e outros tipos de arquivos onde se acomodam os processos. Aqui na comarca de Rio Branco – AC, recentemente foi instalada a Vara de Violência Doméstica (5ª Vara Criminal), a qual adotou o Processo Eletrônico e é totalmente virtual. Segundo dados da Diretoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, para a implantação desta Vara Eletrônica, foram doados pelo Conselho Nacional de Justiça 10 (dez) computadores completos e 07 (sete) scanner, tendo sido ainda adquirido pelo próprio TJ/AC, um notebook. O total de equipamentos adquiridos pelo TJ/AC monta a importância de R$ 41.814,55 (quarenta e um mil oitocentos e quatorze reais e cinqüenta e cinco centavos). Foram adquiridos também pelo TJ/AC diversos móveis e utensílios, estes no valor de R$ 19.185,00. Desta forma para a implantação da Vara de Violência Doméstica foi gasto um total de R$ 61.000, 55 (sessenta e um mil reais e cinqüenta e cinco centavos), conforme anexos n.º VI e VII. Como se pode observar, a importância gasta para a implantação da Vara de Violência Doméstica, foi mínima se levarmos em consideração a instalação de uma Vara comum. Isso foi possível com a redução nos móveis necessários para o novo modelo eletrônico. Para a implantação da Vara de Execuções Penais Eletrônica, com certeza gastarse-í-a muito menos, haja vista que a mesma já está guarnecida com equipamentos de informática e móveis de escritório, os quais não precisariam serem adquiridos novamente. Ou seja, somente restariam os esforços para a adaptação ao sistema eletrônico, posto que a estrutura física e de equipamentos já existe. 4.0.9 – Diferenças entre o procedimento atual e após a adoção do processo eletrônico. Este tópico aborda justamente a diferença entre um dos procedimentos adotados pela Vara de Execuções Penais de Rio Branco-AC e como será com a adoção do Processo Eletrônico. Tomemos, por exemplo, o procedimento de progressão do regime fechado para o regime semi-aberto, para tanto, apresenta-se os seguintes andamentos: 1. O defensor do reeducando apresenta o pedido de progressão de regime; 2. O pedido de progressão será juntado aos autos após passar pela fila das juntadas, oportunidade em que os autos irão conclusos ao Juiz (a); 3. O Juiz (a) proferirá o despacho, determinando que seja dada vista ao Ministério Público; 4. O Ministério Público apresentará parecer e, como ocorre com a maioria dos casos, o mesmo requer a realização de exame criminológico; 5. Os autos retornam novamente conclusos ao Juiz (a), que poderá ou não determinar 401 a realização do exame criminológico; 6. Realizada as diligências os autos são remetidos, novamente ao Ministério Público, a fim de que se manifeste quanto á progressão, caso o Juiz (a) decida pela realização do exame criminológico. Caso não entenda, decidirá pela progressão entendendo que os requisitos para a concessão estão preenchidos, ou indeferi-lo se entender o contrário. Se levarmos em consideração que a prática dos atos acima é inerente ao procedimento de progressão de regime, mesmo o reeducando já tendo alcançado direito ao benefício, caso não ocorra nenhum contratempo, a audiência admonitória na qual será concedida a progressão se daria, no mínimo, em dois meses. Ao contrário, adotando-se o Processo Eletrônico, a apreciação do pedido de progressão se daria no máximo em semanas, pois: Primeiramente, o pedido de progressão se daria de forma eletrônica, não necessitando de entrar na fila das juntadas. Esta última, como já inferido anteriormente, não mais existiria realizando-se pois, imediatamente os autos conclusos ao Juiz (a), que de igual forma poderá despachar determinando a abertura de vistas ao Ministério Público, o qual poderá emitir o parecer. Portanto, tudo isso no mesmo dia, caso não ocorra nenhum contratempo. Posteriormente, seria determinada a realização do exame criminológico, caso necessário, o que, se por ventura acontecesse, seria o que mais demorado demoraria em razão que se trata de uma entrevista a qual o reeducando é submetido. Após, e por fim, a decisão seria prolatada. Tudo isso, como dissemos, em semanas, atingindo assim a celeridade e a efetividade processuais tão almejadas. 4.0.10 – Do sistema a ser adotado Algumas Varas em todo o Brasil utilizam-se do Sistema PROJUDI – Processo Judicial Digital, de processo eletrônico, desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça. A Vara de Violência de Violência Doméstica, recentemente instalada na Capital da Coma rca de Rio Branco-AC, utiliza o sistema desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entretanto defendemos que o sistema de processo eletrônico a ser adotado deveria ser o Sistema de automação do Judiciário (SAJ), já utilizado pelo próprio Tribunal de Justiça do Acre, que com a sua nova versão SAJ-5, já contempla a possibilidade de ser adotado. Observamos que a adoção do Processo Eletrônico através do sistema SAJ é perfeitamente possível e, entendemos ser a melhor opção, posto que o projeto de interligação de todas as comarcas do Estado do Acre já está em sua fase final. Isto facilitaria muito o envio de documentos, ofícios e precatórias entre estas comarcas. Ademais, o sistema SAJ já foi implantado a anos no Estado, dispondo o mesmo de linguagem interativa bem positiva, além da facilidade de interligação das comarcas. Acrescenta-se que a linguagem utilizada pelo sistema SAJ é bem atualizada, podendo ser acessado em qualquer computador moderno, sem nenhum tipo de atualização. As pesquisas feitas pelo sistema SAJ também acessíveis e de fácil realização, em especial pela existência de ícones auto-explicativos. íncones auto aplicativos. Em contrapartida, Já as pesquisas realizadas pelo sistema PROJUDI são bem lentas e cansativas pela falta de vários recursos disponíveis no sistema. 402 Revista ESMAC Exemplifiquemos, utilizando o sistema PROJUDI, com a hipótese de que um juiz queira acessar um processo, com número identificado, para dar mais celeridade ao despacho, a pedido de uma parte. O primeiro procedimento seria ele acessar o número do processo e averiguar a data de sua conclusão. Em seguida, teria que acessar o lote de processos conclusos naquela data e fazer uma verificação manual para conseguir localizar aquele ao qual procura, uma vez que o lote não é salvo em ordem numérica. Encontrado o processo, só então o juiz pode acessá-lo e exarar o seu despacho. No sistema SAJ, este procedimento é bem menos trabalhoso, pois o juiz pode digitar apenas o número do processo e diretamente acessá-lo para despachar sem necessidade de fazer busca alguma. Este tempo valioso tem que ser poupado. O tempo que se ganha utilizando o PROJUDI, é perdido caso haja a necessidade de proceder qualquer pesquisa. O mesmo podemos dizer em relação à necessidade em se localizar um processo pelo nome da parte. No PROJUDI a pesquisa é manual e lenta e com critérios inadequados para efetivar a busca. Já no SAJ esta pesquisa é facilmente feita pelo sistema com parâmetros mais definidos, ou seja, este é um sistema de interatividade excelente e linguagem compatível com os computadores de última geração, além da vantagem de já estar instalado nas Comarcas do Estado. 4.0.11 – Considerações Finais A implantação do Processo Eletrônico na Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC se mostra salutar, devendo o Tribunal de Justiça do Estado do Acre, passar para esta situação com considerável importância. O Processo Eletrônico, como defendido neste trabalho, se apresenta como uma tendência do mundo jurídico moderno. Em sendo assim, o Tribunal que não se adaptar a esta nova dinâmica de processo, continuará a apresentar uma resposta estatal não efetiva, que não atende aos anseios da sociedade. As Novas Tecnologias da Informação foram de suma importância para os avanços apresentados pela iniciativa privada e também o será em se tratando de Poder Judiciário. Para que a finalidade de se prestar de uma melhor tutela jurisdicional seja alcançada, a prática sempre desembocará na necessidade de melhor gerir o sistema. Nesta visão, se verifica que a idéia de adotar amplamente o Processo Virtual ou Eletrônico, é de grande destaque e, em nosso entendimento, pelo exposto ao longo desse trabalho, de imprescindível necessidade e urgência. 403 CONCLUSÃO Ao aprofundarmos no estudo do Processo Eletrônico, pudemos constatar que este novo modelo de processo, em um primeiro momento surgiu da necessidade do Poder Judiciário apresentar uma resposta estatal, mais justa e efetiva aos jurisdicionados, posto que o antigo modelo, apresentado pelo Código de Processo Civil de 1973, não se mostrava capaz de atender a demanda processual, sempre crescente, moderna. Esta afirmação se consubstancia, quando partimos do ponto de vista de que as lides processuais ao longo dos tempos somente cresceram, não apenas em volume, mas também no tocante à variedade. Com isso, o modelo antigo de processo passou a não ser mais efetivo, posto que cheio de formalismos, impedia que os litígios fossem resolvidos em um tempo hábil. Princípios como o da celeridade e economia processual passaram a ser utópicos, e, caso a lide fosse resolvida, corria-se o risco de o bem da vida ter perecido, por exemplo. Porém, uma resposta estatal célere, não é o único resultado útil que o Processo Eletrônico apresenta mas, conforme ficou evidenciado no trabalho, o novo modelo de processo se apresenta também, consideravelmente econômico, não só para o Poder Judiciário, mas para as partes. Nos escritórios de advocacia a redução com material de expediente também será considerável, e, o impacto ambiental benéfico que disso resulta, em nosso entendimento, é imensurável. A transparência processual é outro ponto muito importante, o qual no Processo Eletrônico é, sem dúvida, um ganho ímpar, vez que os autos de processo estarão disponíveis na internet 24 (vinte e quatro) horas por dia. Para os processos que não tramitam em segredo de justiça, estas serão acessíveis a qualquer um, a título de consulta. No tocante à implantação do Processo Eletrônico junto à Vara de Execuções Penais, entendemos que é de suma importância, sendo este um projeto promissor e que elevará e muito o conceito do Poder Judiciário Acreano, em relação a todas as esferas sociais, posto que com uma resposta estatal mais célere aos reeducandos, o processo de ressocialização social, a qual se apresenta como resultado com a aplicação da pena, se mostrará muito mais perto de ser alcançado. Referida assertiva, se mostra pertinente vez que o processo de execução da pena percorre várias etapas. Levando-se em consideração uma condenação em regime fechado, por exemplo, até que o reeducando cumpra toda a condenação, ocorrerão duas progressões, uma do regime fechado para o semi-aberto e outra do regime semi-aberto para o regime aberto, para então ser concedido ao reeducando o livramento condicional. Ressalta-se, todavia, que para cada progressão e concessão do livramento condicional, inicia-se um procedimento interno, a nosso ver demorado, conforme foi demonstrado no ponto 4.0.0, para o qual remetemos o leitor, todavia, necessário, será abreviado e muito com a implantação do Processo Eletrônico. Não se pode esquecer ainda dos incidentes de indulto, comutação, conversões de pena, regressões e agravos, além dos diversos pedidos atravessados no curso do processo. Sabe-se que, para cada incidente na execução, gasta-se tempo para a realização dos atos processuais. Por exemplo, uma falta ao pernoite, para os reeducandos do regime semi-aberto, quando não justificada, pode dar ensejo à regressão de regime de cumprimento 404 Revista ESMAC de pena. Entretanto, tal medida somente pode ser manejada após a prévia oitiva do reeducando, conforme consta do art. XX da Lei de Execuções Penais, o que demanda que sejam efetuados uma seqüência de atos processuais, que por sua vez poderá ser mais célere com a implantação do Processo Virtual junto àquela Vara. Desta forma, com a adoção do Processo Eletrônico os procedimentos, os trabalhos cartorários em si serão mais ágeis, as filas comuns de atendimento no balcão diminuirão, em decorrência desta ação e a sociedade acreana como um todo será consideravelmente beneficiada, vez que a ressocialização tão almejada estará mais próxima. Devemos considerar que uma resposta demorada pode levar o reeducando ao descumprimento das condições a ele impostas, o que pode ser evitado se a resposta jurisdicional for célere e efetiva. E mais, podemos também afirmar que a taxa de reincidência poderá ser reduzida se a ressocialização for mesmo alcançada. Para um encerramento parcial de nossa dissertação, não podemos nos esquecer de mencionar que, vivendo em um mundo globalizado, a prestação jurisdicional deve acompanhar todos os avanços tecnológicos. A tecnologia, como apontado pela doutrina, é de suma importância para que os fins da jurisdição sejam efetivados, especificamente, no nosso entendimento, para que tais fins da pena também REFERENCIAS ALMEIDA FILHO, José Carlos da Araújo. Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo Eletrônico: A Informatização Judicial no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. ALVIM, J. E. Carreira. CABRAL JUNIOR, Silvério Nery. Processo Judicial Eletrônico. Curitiba: Juruá, 2008. BENUCCI, Renato Luís. A Tecnologia Aplicada ao Processo Judicial. Campinas, SP: Millenium Editora, 2006. BOIAGO JÚNIOR, José Wilson. Contratação Eletrônica – Aspectons Jurídicos. Curtiiba: Juruá, 2006. p. 73-74. BOLLMANN, Vilian. Juizados Especiais Federais. Comentários à Legislação de Regência. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. BRASIL. Lei n.º 11.419 de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências. Diário Oficial da União, 20 de dezembro de 2006. CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. Processo Judicial Eletrônico. Curitiba: Juruá, 2007 DIDIER JUNIOR, Fredie. Direito Processual Civil: Teoria geral do Processo de Conhecimento. 6ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2006. 405 DINAMARCO, Candido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 7ª. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. FURASTÉ, Pedro Augusto. Normas Técnicas para o Trabalho Científico. 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Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. 406 Revista ESMAC A AGILIZAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL NO TERCEIRO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE RIO BRANCO Mirla Regina da Silva Cutrim INTRODUÇÃO No paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito, que assegura aos litigantes os direitos humanos fundamentais do acesso à justiça e da razoável duração do processo e impõe a observância ao princípio da eficiência, a sociedade civil organizada, dotada do poder de exigir dos poderes públicos a instituição de meios hábeis à efetivação desses direitos e garantias, vem servindo como mola propulsora a ocasionar não apenas uma série de reformas no processo civil brasileiro, mas também um choque de gestão administrativa e jurisdicional no Poder Judiciário nacional. Esse processo pressupõe o imperioso rompimento de práticas obsoletas e a quebra de paradigmas arcaicos em um movimento modernizante das lideranças da magistratura, que deve tomar posse de seu espaço determinante na construção de uma nova cultura judiciária. No aspecto administrativo desponta a gestão cada vez menos amadora e casuística, mais profissionalizada, adotando-se, com algumas adaptações, modelos oriundos da iniciativa privada. No aspecto jurisdicional, as recentes reformas legislativas no processo civil brasileiro englobaram alterações nos procedimentos, nos atos do juiz, das partes, dos advogados e dos serventuários da justiça. Quanto a estes últimos, a Emenda Constitucional 45/2004 possibilitou maior atuação na prática de atos ordinatórios, reduzindo os despachos judiciais de mero expediente no andamento processual. Além disso, a lei 11.419/2006 introduziu significativo avanço tecnológico para facilitar a tramitação dos procedimentos judiciais com a adoção do processo eletrônico visando à agilização da tutela jurisdicional. A despeito de tais inovações, muitas práticas antigas continuam entranhadas na mente e nas atitudes dos operadores do direito, desde o menor servidor até a presidência das diversas cortes do país. Essa situação demanda medidas que criem maior receptividade às mudanças e acompanhem as novas tendências que surgem para atender aos reclamos da sociedade, já não tão tolerante com a conhecida morosidade da justiça. Nesse quadro, focando especificamente o âmbito dos Juizados Especiais, é indispensável agregar à gestão administrativa os princípios processuais da celeridade, informalidade, economia processual e simplicidade, principalmente porque estes órgãos da justiça passaram a ser nos últimos anos depositários da promessa de uma nova justiça para as pessoas comuns,alcançando um número expressivo que processosquecomprometeseriamente o alcance da sua finalidade. Num quadro de limitações de toda sorte, o Poder Judiciário deve enfrentar de forma criativa a exigência de melhor gerenciar o seu desempenho, reduzindo custos e cumprindo as normas constitucionais e legais, ao mesmo tempo em que deve oferecer condições de acesso 407 capazes de atender com eficiência as necessidades dos jurisdicionados. Assim, tendo como base os conhecimentos adquiridos nas disciplinas “Juizados Especiais”, “Gestão de Serventias Judiciais” e “Gestão e qualidade dos serviços judiciários” procura-se olhar com mais atenção para os atos dos serventuários da justiça e aprofundar o estudo sobre algumas práticas cartorárias que, não obstante os avanços já alcançados, continuam servindo como obstáculo à celeridade. Em seguida, compatibilizam-se as diretrizes da Lei nº 9.099/95 com a gestão simplificada de Juizados Especiais, experimentada no Terceiro Juizado Especial Cível da Comarca de Rio Branco – Acre, com vistas à implementação da agilização da tutela jurisdicional. 1 - MARCO TEÓRICO 1.1. Administração Geral e Administração Jurisdicional A história moderna registra em vários continentes diversos movimentos de reformas do Estado de Direito e dos sistemas judiciais, incluindo reformas na área da administração da justiça, resultantes de pressões sociais e econômicas que variam no contexto de cada nação. Identifica-se como característica geral dessas reformas a busca por um Judiciário mais eficiente e apto a assegurar os direitos e garantias constitucionais. Os primeiros passos das mudanças concentraram-se em soluções de caráter processual e depois avançaram para as medidas de ordem administrativa, notadamente as novas tecnologias da informação e modelos de gestão de processos, significando que foram adotadas frentes de trabalho tanto de natureza jurisdicional quanto administrativa. Esse movimento em busca do aperfeiçoamento da justiça e da agilização da tutela jurisdicional deve ser considerado como parte de um processo mais amplo de modernização de todo o aparelho estatal, no caminho ao desenvolvimento e pressupõe, no presente estudo, o conhecimento e conceituação da administração judiciária e de suas espécies. Primeiramente, importa destacar que, em termos gerais, a administração não se resume apenas ao processo de planejar, organizar, dirigir e controlar, de forma cíclica, toda a atividade de uma organização. Ela é muito mais do que isso, principalmente quando se fala de criação de riqueza, de produção de conhecimento e de aumento da qualidade de vida da sociedade. O processo de gestão, por sua vez, é uma função orgânica básica da administração. Num sentido lato, a gestão é constituída pelo gerenciamento dos processos essenciais ao funcionamento e às atividades operacionais de uma unidade organizacional. Para Chiavenato386 o conceito de gestão sob a ótica da administração está relacionado com o conjunto de recursos e a aplicação de atividades destinadas ao ato de gerir. São processos mentais e físicos de estabelecer o que é desejável e como serão elaborados. O mesmo autor, citado por George Marmelstein Lima, leciona que a administração “não é um fim em si mesma, mas um meio de fazer com que as coisas sejam realizadas da 386 CHIAVENATO, I. Administração: Teoria, processo e prática. 3ª Ed. São Paulo: Makron Books, 2007. 408 Revista ESMAC melhor forma possível, com o menor custo e com a maior eficiência e eficácia”.387 Disso resulta que o conceito de gestão está ligado ao conjunto de recursos e a aplicação de atividades destinadas ao ato de gerir. Assim, a gestão é uma função orgânica básica da administração e compreende os processos decisórios de estabelecer o que é necessário fazer e como será feito. Focalizando especificamente a administração da justiça, nela incluída a gestão de unidades jurisdicionais, observa-se que a bibliografia nacional carece de estudos científicos sobre o Poder Judiciário, sendo ainda bastante reduzida, voltada em sua maior parte para a elaboração de pesquisas, diagnósticos e divulgação de casos de sucesso, sendo necessário fomentar um maior aprofundamento de projetos de pesquisas sobre a matéria. Cláudia Dantas Ferreira da Silva, ao abordar o tema da administração judiciária, alerta que existem distinções nos conceitos ligados ao assunto: “Para um estudo analítico do que seja Administração Judiciária, importa fazer algumas distinções. Para designar os principais significados ligados ao termo, inseridos no conceito amplo de Administração Judiciária, será convencionado aqui o uso das terminologias política judiciária, administração judiciária (em sentido estrito) e administração jurisdicional.”388 De logo observa-se que essas expressões, comumente tratadas como sinônimas, possuem em verdade, caracteres específicos pelos quais se distinguem. De fato, prossegue a autora, esclarecendo que como uma espécie do gênero administração judiciária, porque desempenhada em limites mais estreitos e por um grupo mais especializado, podemos apreender como administração jurisdicional a administração das atividades-fim, ou seja, das atividades próprias dos operadores do sistema judiciário, por eles mesmos executada. Dessa forma, a administração jurisdicional é a “administração dos meios necessários ou mais adequados à realização do Direito, no âmbito de atuação de determinado operador do direito”.389 A autora cita ainda, como paradigma, a administração dos magistrados de sua própria jurisdição, que envolve as estratégias pessoais por eles formuladas para a realização dos julgamentos de sua competência. Essas estratégias envolvem, por exemplo, decisões sobre a conveniência ou não de se delegar atividades, a definição da rotina e da divisão de trabalho no órgão de sua jurisdição, como formas de enfrentar as dificuldades da atividade jurisdicional diante da elevada demanda. No âmbito dos tribunais, algumas inovações na atuação dos magistrados têm resultado efetivamente em uma maior celeridade na tramitação dos processos. Ainda se aguarda a elaboração de um marco teórico específico no Brasil sobre a gestão de procedimentos judiciais, quando analisada sob o ponto de vista da administração global do andamento dos processos em uma dada unidade jurisdicional. Em nível internacional, a administração da justiça vem sendo objeto de inúmeros 387 LIMA, George Marmelstein. “Organização e Administração dos Juizados Especiais Federais”. Revista do Centro de Estudos Judiciários, Vol.10. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2005.p.119 388 SILVA, Cláudia Dantas Ferreira da. Administração judiciária: planejamento estratégico e a reforma do Judiciário brasileiro. Jus Navengandi, Teresina, n. 976. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062. Acesso em 31.08.2006 389 Ob.cit. 409 estudos e pesquisas, destacando-se os trabalhos do Observatório Permanente da Justiça, em Portugal, conduzidos pelo sociólogo Boaventura de Souza Santos, colhendo e relatando as experiências de vários países da Europa, Ásia e América. Valiosos relatórios foram elaborados por esse autor, disponibilizados no ambiente da internet390, dentre os quais destacamse estudos referentes à gestão dos tribunais, atos e tempos dos processos, administração e gestão da justiça. Na experiência norte-americana destaca-se o Centro Nacional deTribunais Estaduais (NCSC) cujo banco de informações conta com mais de trinta e cinco mil volumes de livros sobre administrações de tribunais. O Desembargador Roberto Portugal Bacellar, do Tribunal de Justiça do Paraná, após participar de programa de intercâmbio no referido órgão, relata seu funcionamento e observa que: “um dos primeiros princípios de gestão ou administração de processos é o de que os Tribunais e juízes assumem a responsabilidade pela demora na tramitação dos processos. Esse princípio surgiu para resolver a questão da difusão do poder e da falta de responsabilização, na medida em que, quando os tribunais eram criticados em razão da má gestão, ninguém poderia verdadeiramente falar em nome de todos.” 391 No Brasil, esforços recentes do Conselho Nacional de Justiça têm buscado reunir representantes dos diversos tribunais em busca de modernização administrativa392 e aperfeiçoamento da gestão. A par das iniciativas públicas, movimentos voltados ao aperfeiçoamento da administração da justiça são detectados na sociedade civil, por meio de fundações e institutos, tais como a Fundação Getúlio Vargas, o Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário, o Instituto Pedro Ribeiro de Administração Judiciária, o Instituto Nacional de Qualidade Judiciária, dentre outros. Esses registros permitem aferir que há uma demanda social por uma jurisdição mais célere: o Brasil está instituindo um novo paradigma – mais profissionalizado e técnico – para a administração da justiça e deve aliar-se a uma verdadeira revolução cultural na magistratura, na qualidade de responsável direta pela administração da justiça. Diante dos conceitos iniciais, verifica-se que a agilização da tutela jurisdicional permeia o debate em torno da administração jurisdicional, pois assumiu uma importância crescente à medida que os problemas do sistema judiciário foram se agravando ao longo das últimas décadas, tendo como marco a morosidade, o que motivou não só o avanço das reformas processuais mas também a maior participação da sociedade organizada envolvida na questão, por intermédio dos diversos congressos e encontros na comunidade jurídica e na sociedade organizada. 390 Disponíveis em www.opj.ces.uc.pt. 391 Bacellar, Roberto Portugal. Juizados Especiais – A nova mediação paraprocessual. São Paulo: RT, 2003. P. 238/241.. 392 Cf. http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4707&Itemid=42, acesso em 25 de agosto de 2008. 410 Revista ESMAC 1.2. A administração no poder judiciário Historicamente, a partir de 1998, com a emenda constitucional nº 19/98, que positivou o princípio da eficiência no “caput” do art. 37 da Constituição Federal, a questão da gestão passou a assumir destaque na administração pública brasileira, voltando-se a uma configuração de Estado Gerencial, ou seja, em busca de resultados. É verdade que, no século anterior, o tema da administração não era considerado relevante dentro do Poder Judiciário. A formação acadêmica das autoridades judiciárias voltava-se inteiramente para a condução do processo judicial, formação essa que afetava diretamente os cartórios. Com efeito, o Juiz Vicente de Paula Ataíde Júnior menciona que: “quem visita um museu judiciário pode apreciar os antigos autos, do século XIX e mesmo do século XX, todos elaborados à base da pena e do tinteiro.(...) Não é preciso ir muito longe para encontrar cartórios judiciais ainda movidos à máquina de escrever e a fichinhas de controle processual, obviamente na contramão de todos os esforços empreendidos pela administração judiciária para combater as causas da morosidade da prestação jurisdicional.”393 Na parte administrativa do Poder Judiciário, o Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Vladimir Passos de Freitas, ao tratar sobre a transparência nos tribunais, já advertia que: “Como Poder Público que é, sujeita-se às mesmas regras existentes para o Executivo e o Legislativo. Desse modo, a administração da justiça não é um problema exclusivo dos juízes, mas de toda a sociedade. Devem os Tribunais, historicamente conhecidos como uma das organizações mais burocráticas do Estado, alterar suas práticas centenárias para buscar eficiência e modernização na gestão.” 394 Exímio conhecedor da vida forense, prossegue o magistrado, destacando que: “A realidade brasileira revela que nossosTribunais, geralmente, são órgãos administrados de forma tradicional, pouco adequados aos princípios da moderna gestão administrativa, e que, não raramente, valorizam vestes, rituais, um cerimonial pouco afeito ao século XXI. Retratam uma visão soberana, em que o Estado é o senhor e a pessoa, o súdito. Aí está a origem do nosso Poder Judiciário. Nesta forte tradição se encontra a explicação para práticas até hoje adotadas, ainda que em franca decadência, de um excessivo formalismo, que pode ser identificado tanto nos atos judiciais (p. ex. exigência de atualizar-se procuração antiga) ou nos atos administrativos (p. ex: outorga de medalhas aos próprios integrantes de um Tribunal).”395 No Brasil, os primeiros passos para enfrentar a crise de gestão foram dados em meio a uma abordagem mais inserida na ótica do processo civil, referindo-se às mudanças no andamento do processo, de acordo com a sua espécie ou classificação, limitando-se a 393 JUNIOR, Vicente de Paula Ataíde. O novo juiz e a administração da justiça. Curitiba: Juruá, 2006. p.48/491.. 394 FREITAS, Vladimir Passos de. A transparência nos tribunais brasileiros. Extraído do site: http://www.trf4.gov. br/trf4/upload/editor/apg_VLADIMIR_COMPLETO.pdf Acesso em 18.04.2008... 395 Ob.cit 411 descrever e reordenar as etapas sucessivas culminantes na prestação jurisdicional do Estado – a sentença e ainda com a instituição de procedimentos mais dotados de efetividade. Embora a legislação de cunho processual tenha tratado do tema, fixando prazos para a realização de alguns atos processuais, tais como a defesa, a sentença ou o despacho, e alterando alguns procedimentos nota-se que o legislador não se preocupou, de maneira clara, em estipular e impor a valoração a um período máximo e razoável de duração do processo, da propositura até a conclusão do procedimento. Os passos seguintes foram dados pela sociedade, a partir da ênfase às mazelas estruturais do Poder Judiciário, destacando-se a total ausência de conhecimentos em gestão por parte dos magistrados e a inexistência de planejamento a longo prazo pelos Tribunais, fatores que permitiam a dilação do andamento dos processos por tempo além do esperado pelas partes, perdendo-se os demais prazos em questões não previstas detalhadamente na legislação, tais como designação de audiências, cumprimentos de mandados, juntadas, devolução de cartas etc. A demora no andamento dos processos, ainda que justificada em muitos casos, impregnou a história do Poder Judiciário como uma das instituições mais burocráticas do Estado, fazendo com que a lentidão se tornasse sua marca registrada por muitos anos. Ex-Presidente do Conselho Federal da OAB e do Instituto dos Advogados de São Paulo, Rubens Aprobato Machado, relata esse aspecto histórico da administração judiciária: “A crise de gestão é tão antiga quanto o Judiciário, um Poder que tem de ser exercido e respeitado. Conheço o expediente forense desde quando se costuravam os processos com barbante e alfinetões enormes. Fiz muitas dessas costuras. O controle dos processos era feito ou pela memória do escrevente ou por fichinhas nem sempre bem elaboradas ou atualizadas. É incrível constatar que, após mais de meio século, ainda usamos esses métodos. O acesso à justiça é condição “sine qua non” para se fomentar a cidadania e fortalecer a democracia, e só se torna efetivo quando há resposta em tempo razoável. É hora de mudar, enquanto for possível curar o doente. O Judiciário está à espera de um choque de gestão”396 Foi nas duas últimas décadas que efetivamente se ampliou a focalização na administração da justiça, não como um problema detectado exclusivamente pelos juízes, mas muito mais decorrente da mobilização da sociedade civil, insatisfeita com o quadro então vigente. Somou-se a isso uma nova ordem mundial, com a ação das grandes forças econômicas, que assumiram maior destaque com a globalização, enfatizando o quadro em que se encontrava o Estado democrático, atingido em sua soberania pela degradação da vida política corrompida e da má gestão das instituições públicas, com efeitos desastrosos para a economia e para as populações, noticiados em diversos relatórios anuais do Banco Mundial. É possível afirmar, embora existam divergências quanto a esse assunto, que o capital internacional impôs, paulatinamente, mediante recomendações do Banco Mundial, alguns requisitos às diversas nações para que estas pudessem obter financiamentos e benefícios. 396 MACHADO, Rubens Aprobato. “Justiça brasileira pede choque de gestão”, publicado no Jornal Folha de São Paulo, edição do dia 10 de março de 2008, p. A3. 412 Revista ESMAC Dentre esses requisitos consta, segundo Candeas, “o aperfeiçoamento dos sistemas de justiça”397 , abordando desde a gestão dos tribunais até o impacto de decisões jurisdicionais na economia. José Renato Nalini, um dos precursores do debate acerca da administração judiciária já alertava, em 1995, acerca dos motivos de tais exigências, destacando que os grandes conglomerados econômicos se subtraem à atuação demorada da justiça, pois o interesse financeiro não pode se subordinar à incerteza jurisdicional do processo398. Entendendo que a globalização do mundo não permite uma visão compartimentada, o autor abordava com visão ampliada a questão da gestão de qualidade na justiça, afirmando que nada do que ocorre em qualquer setor da atividade humana vem a ser irrelevante para a Justiça, que atua exatamente num universo multifário e não ignorar qualquer faceta dele. Além das forças econômicas, as forças sociais também exigiram modernização do Poder Judiciário, impulsionando-o a preocupar-se com os procedimentos administrativos e processos judiciais, de modo que tornou-se impraticável manter essa esfera de Poder como uma organização isolada, constituída de diversas ilhas institucionais, várias delas pouco dispostas à assimilação de práticas renovadoras. Com a percepção da necessidade de se adaptar às irreversíveis mudanças, o sistema judiciário brasileiro, inserido no ambiente mercadológico e social, viu-se diante da necessidade de adequação de sua estrutura à nova ordem, adotando ações voltadas à modernização gerencial e administrativa, para responder aos efeitos da globalização e dos reclamos da sociedade. Só então se passou a olhar com mais atenção para os aspectos operacionais anacrônicos dos cartórios judiciais, onde existia um vácuo teórico e normativo, que foi preenchido e visto de forma interdisciplinar, mediante o uso de conceitos da teoria geral da administração, vinculados ainda à gestão de recursos humanos na busca de profissionalização das tarefas voltadas à administração judicial e utilização de recursos tecnológicos. Como resultado, adveio a utilização, por alguns juízes e tribunais, de métodos e técnicas de gestão oriundas da iniciativa privada, citando-se, como exemplos, o ISO 9001 e o PDCA, que, aliados ao uso da tecnologia da informação, possibilitam cada vez mais o acesso a informações processuais e o controle de dados, gerando um desempenho mais célere e com mais qualidade. A implementação dessas técnicas passou a ser, de certa forma, vital para o melhor funcionamento dos cartórios. Valorosa contribuição adveio igualmente da instituição de prêmios visando o estímulo de práticas inovadoras, com vistas a promover a divulgação das medidas voltadas ao aprimoramento da gestão no âmbito do Poder Judiciário, prevalecendo neste ponto a ênfase à criatividade em aspectos práticos e casuísticos. Por meio de experiências individuais, nos mais diversos rincões do Brasil assistem-se os notórios avanços no âmbito da administração. Essas experiências integram os bancos de práticas divulgados nos vários eventos anualmente promovidos, tanto pelos poderes públicos quanto por organizações não governamentais. Pouco a pouco a situação vai adquirindo, como já dito, o almejado contorno da modernização, situação esta que não ocorre apenas no Brasil, mas em diversas outras nações, sendo necessária, a esta altura, a extensão dessas premiações ao estímulo da produção científica. 397 CANDEAS, Ana Paula Lucena Silva. Os valores recomendados pelo Banco Mundial para os judiciários nacionais. Revista Cidadania e Justiça. Brasília: Associação dos Magistrados Brasileiros, 2004. Volume 13 P.173. 398 NALINI, José Renato. “A gestão de qualidade na Justiça”. In Revista dos Tribunais, vol. 722. São Paulo: RT, 1995. p.367 413 Em estudo comparado sobre os diversos sistemas de administração do poder judiciário, realizado no Observatório da Justiça de Portugal, Boaventura de Souza Santos constata que as agendas estratégicas da reforma da justiça passaram a conferir especial centralidade às reformas no âmbito da administração e gestão, em especial dos tribunais judiciais. Destacando tais reformas, assevera o renomado autor que: “No seu lastro estão dois pressupostos essenciais: a adoção de uma nova concepção de administração pública, assente no abandono do modelo de gestão burocrático e na adoção dos modelos gestionário e da qualidade total e o reconhecimento de que os déficits de organização, gestão e planejamento dos sistemas de justiça são responsáveis por grande parte da ineficiência e ineficácia do seu desempenho funcional, reclamando, por isso, a introdução de profundas reformas estruturais dirigidas não só ao aumento da sua eficiência e eficácia, mas, também, da sua qualidade e transparência.”399 A perspectiva do Banco Mundial, nos relatórios anuais que enfatizam a importância do Poder Judiciário, notadamente os dos anos de 1997, intitulado“O Estado num mundo em transformação” e de 2002, intitulado “Instituições para os mercados”, mencionados por Candeas400 registra a constatação de que os magistrados brasileiros têm-se mostrado cada vez mais receptivos ao valor “eficiência”, o que é demonstrado pelos avanços nas seguintes áreas: simplificação de procedimentos; instauração de juizados especiais para causas de pequeno valor; implantação da justiça itinerante – por exemplo, por via fluvial na Amazônia; promoção de seminários e estudos sobre custos e agilização processual; iniciativas legislativas; e visibilidade nos meios de comunicação por meio de informes publicitários. Além dessas iniciativas, a preocupação maior dos magistrados em matéria de eficiência se manifesta na incorporação de novas tecnologias, sobretudo a disponibilização de alguns atos processuais pela internet nos sites dos órgãos judiciais. Essas iniciativas apontam que o Poder Judiciário vivencia um momento ímpar na história, em busca de aperfeiçoamento e modernização, voltando-se à sua capacidade de resolver as demandas da sociedade, observando o acesso à justiça e a razoável duração do processo, com os meios que podem ser utilizados para fazer valer esses princípios. O quadro histórico da Justiça no Brasil é por demais suficiente para demonstrar que não há mais lugar para o empirismo que outrora imperava, para as improvisações e mesmo para a burocracia excessiva. Observa-se, portanto, uma considerável evolução na administração judiciária nacional. O que se requer, agora, é um amadurecimento responsável dos órgãos judiciários para alcançar os modelos de gestão contemporânea que permitam a melhoria dos serviços públicos prestados à sociedade. 399 SANTOS, Boaventura de Souza. Como gerir os tribunais? Análise comparada de modelos de organização e gestão de justiça. Acesso em: 18.04.2008 no site: http://opj.ces.uc.pt/portugues/relatorios/ relatorioComo_gerir_os_ tribunais.html . 400 CANDEAS, Ana Paula Lucena Silva. Os valores recomendados pelo Banco Mundial para os judiciários nacionais. Revista Cidadania e Justiça. Brasília: Associação dos Magistrados Brasileiros, 2004. Volume 13 P.17 414 Revista ESMAC 1.3 Tendências na Administração Jurisdicional Como já enfatizado no item anterior, é fácil constatar que os métodos de administração usados tradicionalmente, marcados pela burocracia e pela lentidão, não são mais suficientes para responder com satisfação ao volume de demandas e às pressões da sociedade que exige qualidade e rapidez nos processos judiciais. É fato que, a partir dessa constatação, os tribunais vêm reconhecendo sua parcela de responsabilidade na morosidade da justiça e que os avanços alcançados na administração jurisdicional não são privilégio da nação brasileira nem exclusividade de um único país: acontecem mundialmente. Simultaneamente, ocorre uma grande valorização e destaque aos direitos e garantias fundamentais, constitucionalmente assegurados, o que permite o estabelecimento de um liame entre alguns desses direitos e a administração jurisdicional. Desse modo, não se pode conceber tais avanços constitucionais sem cotejá-los com os instrumentos de operacionalização do processo. Isto significa que a gestão deve caminhar e crescer conjunta e paralelamente aos novos direitos e valores, berçário de ampliação de demandas, que exigem melhoria da performance da atuação do Judiciário. O respeito aos direitos fundamentais funciona como pressuposto de todo o sistema jurídico, pois tem como conseqüência o direito do cidadão de exigir dos poderes públicos a respectiva proteção, bem como a instituição de meios propícios a esta finalidade, buscando sanar as deficiências do próprio Estado, de modo que possa representar a mais fiel concretização dos valores expressos na Constituição da República ou dela decorrentes. Nesse aspecto, tem-se que uma abordagem sobre agilização da tutela jurisdicional deve passar necessariamente pelo enfoque de alguns direitos fundamentais, já que, em última análise, visa ela concretizar, por meio de uma gestão adequada, o acesso à justiça com a garantia de razoável duração do processo, atendendo ao princípio da eficiência judicial, dentre outros valores assegurados na Constituição. O professor da pós-graduação em Poder Judiciário, promovida pela Fundação Getúlio Vargas, Luiz Umpierre de Melo Serra anota que diante do novo quadro instalado com a promulgação da Carta, os cidadãos passaram a exigir “uma melhor atuação do Poder Judiciário a fim de assegurar aqueles direitos por ela consagrados, com relevante destaque ao irrestrito acesso à justiça”401. Para Boaventura de Sousa Santos, a consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais e a sua expansão paralela à do Estado de bem-estar “transformou o direito ao acesso efetivo à Justiça num direito charneiro, um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais”402. Foi seguindo essa linha doutrinária voltada ao efetivo acesso que o ordenamento jurídico estabeleceu novas normas de processo, com técnicas diversificadas (juizados especiais de pequenas causas, juízo arbitral, dentre outros) além de reformas legislativas visando solucionar os litígios de maneira mais rápida e menos dispendiosa, ao mesmo tempo 401 SERRA, Luiz Umpierre de Mello. Gestão de Serventias Judiciais. Programa de MBA em Poder Judiciário. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2007. p.9 402 SANTOS, Boaventura de Souza. FARIAS, Eduardo. (Org.). Direito e Justiça: A função social do judiciário. São Paulo: Ática: 1989, p.45. 415 em que intencionava aliviar o congestionamento, gerado pela explosão de demandas e a morosidade dos tribunais, objeto de inúmeras críticas da sociedade. A preocupação com o tempo de duração do processo, e sua inserção no corpo constitucional, positivada no art. 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna é decorrência dos reclamos quanto ao problema da propalada morosidade. Em decorrência do princípio, impõe-se que o processo judicial demore apenas o tempo necessário para sua finalização, assegurando-se os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Trata-se, em verdade, de uma conseqüência da garantia de acesso à justiça, exigindo-se não apenas o ingresso no Poder Judiciário, mas também um processo dinâmico, adequado e justo. Ademais, face ao princípio da eficiência aplicada ao âmbito judicial, não se pode permitir que o judiciário postergue a conclusão do processo, sendo necessário resgatar a devida celeridade, com a finalidade de reparar, ainda em tempo oportuno, os direitos atingidos. Nos termos deste princípio, inserto no art.37, caput, da Constituição Federal deve a Administração Pública atuar de forma eficiente, alcançando o fim a que se propõe (o bem comum) com as maiores qualidade e celeridade possíveis. Para a aferição deste conceito (eficiência), necessária se faz uma avaliação de custo-benefício acerca da atuação administrativa. Equivale a dizer que o Poder Público deve atuar de forma a atingir seus objetivos, visando, de um lado, a qualidade e a celeridade e, de outro, tentando minimizar os custos (ônus) para o alcance de suas finalidades. Em adição, o entendimento doutrinário e jurisprudencial anterior à Emenda Constitucional n.º 45 também já dispunha que a mora/omissão administrativa importa em violação aos princípios da eficiência e da razoabilidade. O Poder Judiciário, para alcançar eficiência deve acompanhar a mesma dinâmica do mundo moderno, sendo inconcebível que mantenha uma estrutura burocrática alheia às novas tecnologias que surgem a cada dia. Muito além da simples informatização, a legislação já permite a utilização do processo virtual403, chamado por Vicente de Paula Ataíde Júnior de “a revolução na prestação dos serviços judiciários”404 que consiste no fim do processo escrito, com a realização de todos os atos por computadores interligados, sem demora nem gastos desnecessários, beneficiando o usuário dos serviços judiciários. Essa dinâmica implica em contradições aparentes entre os objetivos a serem alcançados, pois nem sempre a ampliação e facilitação do acesso à justiça será menos onerosa, quando se verificam, por exemplo, os custos globais de implantação e manutenção de complexos sistemas de informatização. Da mesma forma, a aceleração do procedimento não significará em todas as ocasiões um implemento da qualidade, quando vista, por exemplo, sob o ponto de vista de conteúdo das decisões. A despeito de tais circunstâncias, é positivo que as medidas mais significativas sejam dirigidas à solução dos problemas da ineficiência e da lentidão. Como solucionar esses problemas também é objeto dos debates na sociedade e das práticas dos tribunais e juízes. Entremeando debates, estudos e práticas, algumas tendências se destacam e aqui 403 Cf. Lei 11.419/2006. 404 JUNIOR, Vicente de Paula Ataíde. O novo juiz e a administração da justiça. Curitiba: Juruá, 2006. P.77. 416 Revista ESMAC passam a ser resumidamente registradas. A primeira, e mais evidente, é a tendência à simplificação de rotinas e ao maior uso da tecnologia da informação, decorrente, dentre outros fatores, do aumento da litigiosidade que resultou na morosidade judiciária. A manualização de rotinas cartorárias é outra forte tendência dos tribunais, por meio da adoção de sistemas de gestão e modelos importados da iniciativa privada. O planejamento estratégico é outra ferramenta adotada mais recentemente. Além disso, aumentou a tendência ao agravamento da avaliação de desempenho dos tribunais e juízes no que diz respeito à produtividade quantitativa e sua divulgação à sociedade. Exemplo disso é o sistema “Justiça Aberta” recentemente implantado pelo Conselho Nacional de Justiça, que publica mensalmente as taxas de congestionamento das unidades judiciárias do país, indicando que uma parte das reformas caminham no sentido de estabelecer e difundir as pendências e a morosidade por meio de indicadores quantitativos das diversas unidades jurisdicionais. Mas só isso não basta. A tendência a um novo perfil de juiz e de servidores se impõe. O aperfeiçoamento e o compromisso pessoal são necessários. Sérgio Cavalieri Filho, citado por Luiz Umpierre de Mello Serra afirma que: “A alta administração dos tribunais é capaz de construir belos grandes e adequados fóruns, comprar computadores e sistemas, equipar os prédios com a melhor tecnologia disponível, mas não consegue impulsionar os processos sem juízes gestores, servidores qualificados, treinados, e acima de tudo, conscientes da grandiosa tarefa que devem desempenhar.”405 Verifica-se portanto que esses valores constitucionais convergem à unanimidade em novas tendências de administração em busca da agilização da prestação jurisdicional. 405 SERRA, Luiz Umpierre de Mello. Gestão de Serventias Judiciais. Programa de MBA em Poder Judiciário. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2007. p.9.7. 417 02 - OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS 2.1. Os Juizados Especiais Cíveis Depositários da promessa constitucional de ampliação do acesso à justiça e do pleno exercício da cidadania, os Juizados Especiais resultam de um movimento em busca de maior efetividade dos direitos das pessoas comuns, cujas pequenas demandas eram reprimidas de forma indireta, em razão dos custos financeiros a serem suportados para ajuizamento de ações e da estrutura precária do Poder Judiciário. No Brasil, mesmo anteriormente à Constituição Federal de 1988, o sistema processual adotou os Juizados Especiais de Pequenas Causas, instituídos por legislação ordinária, a saber, a Lei n° 7.244/84. Tratava-se, em verdade, de modelo adaptado das Small Claims Courts dos Estados Unidos da América, por ocasião de visita da coordenação do Programa Nacional de Desburocratização, dirigida pelo Ministro Hélio Beltrão, que constatou a inadequação da estrutura judiciária para atender às causas de menor valor e encontrou, no modelo americano, um caminho que abriu espaço para a modernização do Poder. A orientação normativa firmada naquela lei direcionava para o fim maior da realização da justiça de forma simples e objetiva. Apesar do êxito daqueles Juizados, era apenas facultativa a sua criação e instalação em todo o país. Contudo, importância tal assumiu a matéria, que foi elevada ao âmbito constitucional, motivando, após aquele marco inicial, a determinação de que passasse a ser obrigatória a adoção do novo microssistema, conforme o artigo 98, inciso I, da CF, que assim dispõe: “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados ou togados e leigos, competentes para a conciliação e o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e de infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitido nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.”406 Passando a ser obrigatória em todos os estados da federação, a determinação constitucional foi lastreada no princípio do amplo acesso à justiça, estabelecendo a criação dos Juizados como mecanismos aptos a propiciarem a rápida e efetiva atuação do direito voltado à satisfação dos jurisdicionados e à pacificação social. José Guilherme Vasi Werner assevera que: “A Constituição da República Federativa do Brasil, edição de 1988, chancelando e consolidando uma experiência de simplificação do sistema processual civil formalizada por meio da Lei nº 7.244/1984, criouosistemadosJuizadosEspeciais,comopropostadeumajustiçanova,destacadadaJustiçatradicional, o que levou o Desembargador Thiago Ribas Filho a decretar um ‘novo tempo na justiça”.407 406 BRASIL, Constituição da República Federativa. Art. 98. 407 WERNER, José Guilherme Vasi. Juizados Especiais. Programa de MBA em Poder Judiciário. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2007. p.3 418 Revista ESMAC A norma assimilou e prestigiou a idéia fundamental defendida pelo jurista italiano Mauro Capelletti, conducente à maior atuação do cidadão na resolução dos problemas do grupo social, mediante a adoção de técnicas simplificadoras dos procedimentos e a previsão de formas alternativas de resolução dos conflitos, convocando o povo para participar da administração da Justiça. Essa concepção do sistema representa muito mais do que uma simples mudança de rito. Dentre os vários meios possíveis de acesso célere e efetivo à justiça, hodiernamente os Juizados Especiais, sejam estaduais ou federais, representam o que de mais concreto o Estado brasileiro tem posto à disposição dos cidadãos. O novo modelo de prestação jurisdicional mostrou-se apto a resolver, pelo menos em parte, a crise de identidade e de credibilidade vivenciada pelo Poder Judiciário ante a excessiva morosidade na tramitação dos processos, representando uma alternativa satisfatória para resolver os entraves da jurisdição tradicional. Assim, o advento dos Juizados Especiais deflagrou uma nova era no Poder Judiciário. Profundas e significativas mudanças provocaram um rompimento com antigos paradigmas marcados por instrumentos burocráticos processuais que, diante de causas de pequenas complexidades e de pequeno valor, travavam o curso do processo e dificultavam o acesso da maioria das pessoas ao serviço de prestação jurisdicional. Com a criação dos juizados especiais, podem ser identificados e resumidos os seus objetivos principais: O primeiro consiste em possibilitar o ingresso em juízo, sem ônus pelas custas ou responsabilidade por honorários judiciais, em primeira instância, naquelas demandas em que não haja complexidade probatória ou cujo valor da pretensão econômica seja pequeno, proporcionando a ampliação do universo das pessoas, aptas a terem acesso à justiça. O segundo objetivo é o de garantir a celeridade processual, não alcançada no processo tradicional, mediante a simplificação dos atos processuais, adotando-se a oralidade como princípio norteador, tudo isso para que cada vez mais, seja diminuída a distância temporal entre a data da propositura da ação e a manifestação final do Poder Judiciário, atribuindo-se ao processo o máximo de efetividade. Por fim, o terceiro e não menos importante objetivo, consiste em consolidar-se no âmbito do Poder Judiciário uma forma distinta de efetuar a composição dos conflitos individuais postos sob a sua apreciação, mediante a conciliação, que adquire contorno prioritário nos Juizados. O sistema especial traz algumas simplificações com vista à aceleração do procedimento judicial, dentre as quais destacam-se: a) dispensa de advogado e de petição escrita para a apresentação do pedido inicial; b) vedação da intervenção de terceiros; c) descabimento de provas complexas; d) inexistência de recursos contra decisões interlocutórias; e) dispensa da cobrança de custas e honorários; etc. Contudo, pouco tempo após a instituição do novo sistema, um paradoxo começou a despontar, pois o próprio sucesso dos juizados junto a população forçou a exigência de uma rapidez que, embora prevista constitucionalmente, não existia na prática, em razão de deficiências administrativas e limitações orçamentárias. Nesse sentido, constatou-se a desproporcionalidade entre a reserva orçamentária destinada ao setor que mais crescia no Judiciário, em percentual muito menor do que a taxa de crescimento, gerando disparidade no tratamento que veio a afetar diretamente a atividade 419 fim. A falta de alinhamento entre a gestão administrativa e a gestão jurisdicional começou a gerar indesejados pontos de estrangulamento, pois os recursos humanos e materiais existentes evidenciaram insuficientes para atender o volume de serviço, fazendo com que essa valiosa instituição de cunho constitucional perdesse um de seus maiores objetivos: a celeridade. De outra banda, a pressão quantitativa que recaiu sobre os juízes contribuiu para degradarascondiçõesde funcionamento da administraçãodajustiçaquotidiana,exigindo-se um maior número de sentenças em detrimento da qualidade necessária à função jurisdicional. Novamente, os atrasos inaceitáveis outrora da justiça comum contaminaram o sistema dos juizados especiais e acentuaram o debate sobre a produtividade e a qualidade dos serviços como uma das questões importantes ao aperfeiçoamento da justiça. Só então chegou-se à conclusão de que faltava maior avanço gerencial e orçamentário também no âmbito do sistema especial. Esses ingredientes históricos permitem concluir que, por um lado a instituição dos juizados especiais foi um verdadeiro marco no Judiciário mas, por outro, esbarrou no problema da deficiência na gestão. Atualmente, além de ser paulatino, o avanço gerencial dos juizados não é uniforme no Brasil, sendo possível encontrar, espalhados pela nação, diversos tipos de configurações organizacionais. No âmbito estadual, a situação também se repete em nível interno, onde o suporte administrativo e orçamentário não é compatível com a importância que alcançaram os juizados. Os métodos de gestão tradicionais, lentos e burocráticos, lamentavelmente ainda persistem também no âmbito desses Juizados, e não respondem quer ao volume de demandas, quer às exigências de qualidade e rapidez do andamento dos processos, como exigido pela sociedade. Além disso, a carência de uma uniformidade de tratamento gerencial culmina por gerar desigualdades entre as unidades jurisdicionais e atinge diretamente a própria população destinatária dos serviços. O resultado é de se esperar: a morosidade. Por isso, é necessário introduzir novos modelos de organização que permitam maior flexibilidade e gerem maior eficiência no funcionamento das unidades, assentado nos princípios da racionalidade e da qualidade do sistema, de forma muito bem coordenada. 420 Revista ESMAC 2.2 Configuração dos Juizados Especiais no Brasil A realidade da gestão dos cartórios judiciais no Brasil ainda hoje é baseada em uma equipe de servidores subordinados a um único agente decisor – o juiz. Desde a implantação do sistema dos juizados especiais, essa mesma configuração básica foi trazida da justiça comum, com poucas variações, alterando-se ao sabor do casuísmo de cada magistrado. Ainda é possível encontrar, em um único foro, juizados de igual competência com funcionamento bastante diferente e resultados distintos. Essa estrutura organizacional não se mostra adequada às peculiaridades dos Juizados Especiais, muito menos à finalidade última de acesso buscada pela norma constitucional, pois a centralização hierárquica e funcional faz com que o processamento dos feitos seja entremeado por longos tempos de espera, tanto nos gabinetes quanto nos cartórios. José Guilherme Vasi Werner, professor do módulo “Juizados Especiais” no curso de Especialização em Poder Judiciário, ministrado pela Fundação Getúlio Vargas em parceria com o Tribunal de Justiça do Estado do Acre, elenca a configuração ideal do sistema dos Juizados: “(i) Juizados autônomos, com juízes titulares e quadro próprio de servidores; (ii) Juizados descentralizados territorialmente e com serviços itinerantes; (iii) Juizados com servidores especificamente capacitados; (iv) Juizados com recursos proporcionais à sua demanda; (v) Juizados com métodos padronizados de trabalho; (vi) Juizados com conciliadores selecionados por concurso e por livre designação, especialmente capacitados para a função; (vii) Juizados com turmas recursais compostas de juízes integrantes do sistema; (viii) Juizados com órgão de planejamento e supervisão, com objetivo de implantação de políticas e ações estratégicas.”408 Tocante aos métodos padronizados de trabalho, o fato é que muitas rotinas são praticadas de forma automática, sem que se faça um prévio estudo sobre sua necessidade, viabilidade e relevância para o processo e para o resultado dele esperado. Isso porque, na prática, uma escrivania mais antiga tende naturalmente a perpetuar uma forma de trabalho sem uma crítica racional das atividades. Mesmo que exista uma manualização de rotinas, estas ainda trazem muitas práticas antigas e desnecessárias, num verdadeiro anacronismo organizacional. O professor Luiz Umpierre de Melo Serra lembra que: “Em geral, a organização administrativa das serventias judiciais é empírica, baseada na experiência dos profissionais mais antigos, muitas vezes, sem considerar técnicas existentes. Sem duvida, a experiência desses profissionais é muito valiosa, especialmente porque adquirida justamente com o desempenho dessa atividade. Contudo deixa de aproveitar as me-lhores experiências e pesquisas realizadas no Pais e no mundo. Os profissionais que atuam junto às serventias judiciais, em sua maioria, não têm formação especifica para o desempenho de atividade de gestão.”409 408 WERNER, José Guilherme Vasi. Juizados Especiais. Programa de MBA em Poder Judiciário. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2007. p.13.. 409 SERRA, Luiz Umpierre de Mello. Gestão de Serventias Judiciais. Programa de MBA em Poder Judiciário. 421 O documento“Análise da gestão e funcionamento dos cartórios judiciais”elaborado em junho de 2007 pela Secretaria de Reforma do Judiciário, vinculada ao Ministério da Justiça, em parceria com o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com o apoio institucional do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais – CEBEPEJ e da Fundação Getúlio Vargas, apresentou um estudo sobre a gestão e funcionamento dos cartórios judiciais no Brasil que serve como indicativo dos modelos adotados na grande maioria das unidades integrantes do Poder Judiciário. Trata-se, em verdade, de verdadeiro estudo sobre a“burocracia judicial”colocando em evidência a questão da pouca atenção dada aos cartórios judiciais como igualmente responsáveis pela morosidade. Referido documento traz a constatação de que “em geral, os cartórios organizam o serviço interno pela mistura de três critérios: ‘por tarefas’, ‘por finais’ e ‘por ritos”410. Na organização “por tarefas”, cada funcionário é responsável por uma única tarefa em todos os processos do cartório. Exemplos práticos são o do servidor responsável pelas juntadas ou pela expedição de mandados e do servidor responsável pelas intimações telefônicas. Já na organização “por finais”, os processos são distribuídos entre os funcionários conforme sua numeração final, ou seja, o funcionário é responsável por todas as tarefas em processos com determinada numeração final, independentemente do tipo de processo ou de procedimento. Por fim, na organização “por rito”, cada grupo de funcionários se encarrega de processar ações judiciais que tramitam por determinado rito ou procedimento: ações de rito ordinário, ações de rito sumário, ações de despejo, ações de execução, etc. Além disso, há o registro de que alguns despachos judiciais mais simples são minutados pelos servidores para o juiz assinar. Alguns setores também funcionam com relativa autonomia. Na prática, o que ocorre é que os cartórios costumam conjugar mais de um critério de organização. Prossegue ainda o estudo destacando que: “Os cartórios judiciais não dispõem de administração profissional e não utilizam ferramental técnico apurado para planejar, organizar, controlar, dirigir e coordenar os recursos humanos, financeiros, materiais e tecnológicos com base científica. Isso pode ser apontado como responsável, dentre outras disfunções, por filas, tempos de ciclos extensos e indesejados, controles em duplicidade, falta de informação ou informação sem credibilidade, estresse e falta de realização profissional dos recursos humanos. Geralmente, os cartórios adotam ações pontuais visando reduzir o volume de trabalho de uma determinada rotina, no formato de mutirão. Essas medidas, contudo, são paliativas e de baixa efetividade. A gestão dos cartórios (pelo Tribunal ou pelo diretor) não está baseada em relatórios de gestão ou índices de resultados. Não há contrato de manutenção preventiva dos equipamentos. Também não há um manual de operações (eletrônico ou físico) nem um plano diretor de informática, ou similares.”411 Vê-se portanto, a produção nacional de um valioso instrumento de crítica e avaliação da burocracia judicial. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2007. p.4.. 410 BRASIL, Ministério da Justiça – Secretaria de Reforma do Judiciário. “Análise da gestão e funcionamento dos cartórios judiciais”, p.13/14 411 Ob.cit. p.41. 422 Revista ESMAC Por outro lado, o resultado do trabalho realizado pelos Juizados Especiais e pelas Turmas Recursais no ano de 2006 foi destacado no relatório “Justiça em Números” do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, divulgado em 2007, segundo o qual, do total de 7,8 milhões de processos (casos novos e casos pendentes) em tramitação no ano de 2006 e pouco mais de 4 milhões de sentenças, os Juizados Especiais obtiveram taxa de congestionamento de 47,6%. Já as Turmas Recursais, responsáveis por montante menor de processos (240 mil casos novos, 77 mil casos pendentes e 213 mil sentenças), alcançaram a menor taxa de congestionamento, cerca de 33%. Diante de tais dados, os membros daquele Conselho recomendaram às instituições do Poder Judiciário nacional que “busquem maximizar suas capacidades gerenciais adotando soluções criativas contra a ineficiência administrativa e o anacronismo organizacional em um contexto de recursos escassos.”412 A conclusão do relatório baseia-se na consideração de que a disponibilidade de recursos materiais é condição necessária, mas não suficiente, da organização eficiente do Poder Judiciário. Precisa-se de criatividade. Historicamente, na Capital do Estado do Acre, os dois primeiros Juizados Especiais foram criados e instalados no ano de 1995, sendo um Juizado Especial Cível e um Juizado Especial Criminal. Sete anos depois, em novembro de 2002, foram instalados mais dois Juizados Cíveis e um Juizado Criminal. No ano de 2007, a Corregedoria Geral da Justiça instituiu por meio da portaria nº 13/2007 grupo de trabalho com vistas a promover, nos Juizados Especiais, o primeiro estudo do acervo e do fluxo processual, identificando as causas de obstrução, visando traçar diretrizes para o aperfeiçoamento das atividades jurisdicionais e administrativas. Para tanto, foi necessária a elaboração de um prévio diagnóstico de cada unidade, com visitas onde foram colhidas as manifestações dos servidores e juízes. O estudo expressou situação bastante conhecida a nível nacional, indicando que as unidades com a mesma competência funcionam isoladamente. Constatou-se que a delegação/centralização é variável nas diversas unidades, cada qual com forma individualizada de gestão, remanescendo boa parte das práticas como herança da justiça ordinária, com poucas adaptações. Cada Juiz disciplina de forma individual as atividades processuais e administrativas do seu Juizado. Em conseqüência, os jurisdicionados, completamente alheios a essa situação, não compreendem porque existem tratamentos diferentes em cada juizado, o que culmina por atingir negativamente a imagem do Poder. Os advogados, de sua parte, aproveitam para escolher dentre os juizados aquele cuja rotina mais lhe beneficia. O estudo resultou na realização de um verdadeiro diagnóstico dos Juizados Especiais da capital, valioso para o repensar das práticas adotadas em cada unidade. Assim, as reuniões da segunda etapa do trabalho voltaram-se à discussão e análise da estrutura em vigor e da necessidade de racionalização das atividades. Como resultado, apontou, dentre outras conclusões, que o sistema de automação ou de informatização por si só não é suficiente para a solução do problema de agilização dos trabalhos cartorários, indicando a necessidade de medidas na área de gestão: 412 http://serpensp2.cnj.gov.br/justica_numeros_4ed/RELATORIO_JN_2006.pdf, acesso em 05 de setembro de 2008. 423 “Os dados do SAJ413 não conferem com a situação real encontrada “in loco” por falta de permanente movimentação dos atos processuais; O SAJ não permitiu verificação do índice de acordos obtidos, nem há dados estatísticos específicos nesta área; O problema de atendimento das partes e advogados foi constatado em todos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais; O indicador de taxa de congestionamento do SAJ não reflete a realidade. Quanto ao acervo constatou-se a existência de grande número de processos que poderiam ser arquivados (40% desde logo). Não há uniformidade de procedimentos documentados para todos os Juizados. Os Juizados funcionam como ilhas.”414 Dentre as diretrizes propostas pelo grupo de trabalho, diante da situação apontada, foram destacadas as seguintes medidas na área da política de atuação nos Juizados: “Maior atuação da Coordenação dos Juizados Especiais, viabilizando homogeneização dos serviços. Capacitação dos servidores do setor de atendimento; Capacitação dos conciliadores e juízes leigos visando aperfeiçoamento das audiências e obtenção de maior índice de acordos; Investimentos urgentes para reverter a lentidão no sistema SAJ (Sistema de Automação Judiciária), causadora de obstrução no fluxo processual e no atendimento às partes e advogados; Aquisição de computadores compatíveis com o número de servidores e com as necessidades do serviço; Substituição das atuais impressoras por impressoras a laser, resultando em maior agilidade e em considerável redução dos custos; Criação de um núcleo especial vinculado à CEMAN (Central de Mandados), com viaturas apropriadas para cumprimento de mandados de prisão e de condução coercitiva com policiais civis requisitados para auxílio aos Oficiais de Justiça (Convênio). Por fim, no tocante às medidas de normatização, sugeriuse a gestão junto à ESMAC (Escola da Magistratura) para realização de encontros com a participação de Juízes e servidores para uniformizar rotinas e procedimentos, tendo em vista que cada Juizado trabalha de maneira diferente.”415 Observando-se os dados constantes dos relatórios nacionais e locais acima destacados, conclui-se que a configuração dos Juizados não obedece um critério de uniformidade, persistindo certo isolamento funcional, o que resulta em desprestígio do sistema como um todo. Nessa problematização, impõe-se buscar um modelo de administração que consiga eliminar os entraves, outrora vivenciados na justiça comum ordinária, trazidos aos juizados, com os quais estes não podem conviver, e identificar soluções para alcançar mais celeridade na condução processual, visando obter melhores resultados com o mínimo de atos, deslocando o foco da atenção para a trajetória dos procedimentos do cartório, do que depende a agilização da tutela jurisdicional. 413 SAJ é a sigla para o Sistema de Automação Judiciária em uso no Poder Judiciário do Acre. 414 ACRE. Diagnóstico dos Juizados Especiais do Estado do Acre, março de 2007. COGER – Corregedoria da Justiça do Estado do Acre. 415 Ob.cit. 424 Revista ESMAC 2.3. O Novo Modelo de Gestão dos Juizados Especiais Cíveis em Rio Branco - AC Proposto à Corregedoria Geral de Justiça do Estado No ano de 2007, após a elaboração do diagnóstico dos Juizados Especiais, foram dados os passos iniciais para a implantação do Manual de Gestão Simplificada de Juizados Especiais Cíveis416, apresentado à Corregedoria Geral da Justiça do Estado, mediante proposta de descentralização de atividades e adoção de formas mais simplificadas de trabalho. O modelo proposto dispensa o excesso de formulações técnicas, baseia-se na naturalidade das ações do magistrado e dos servidores, que não ficam vinculados a normas de gestão extremamente detalhadas, sendo mais voltada para a interação das equipes em busca de metas e resultados. Pede racionalização das tarefas, perquirindo-se a necessidade e utilidade dos atos processuais tanto para o cliente (jurisdicionado) quanto para a equipe. Importa em verdadeira quebra do paradigma da formalidade na gestão e tem como lastro o uso intensivo de recursos da computação, mais e mais presente nas áreas meio e fim do Poder Judiciário. Com efeito, ao adotar as facilidades que a tecnologia pode prover, as atividades do cartório ficam cada vez mais céleres. Uma das contribuições mais importantes da informática é fornecer resultados numéricos que permitem e facilitam a detecção de problemas, mas no Judiciário tem sido pouco utilizada neste aspecto. Importante destacar que a tecnologia facilita a gestão de processos, mas por si só não alcança todo o seu potencial se não estiver aliada a uma gestão adequada. Isto porque a automação resolve problemas de organização, mas não os problemas estruturais nem os motivacionais, sem os quais a possibilidade de êxito é reduzida. Implica em redução de custos, pois aposta na simplificação dos processos de trabalho e resulta em melhoria da performance, visto que se torna mais rápida e investe no potencial do ser humano a partir de um maiorincrementodadelegaçãodeatribuições,capacitandocadapessoaenvolvidaaentender a atividade fim da sua unidade, dando a motivação e o empoderamento necessário a cada um e ao grupo como um todo. Essa proposta também pode ser vista como um modelo competitivo a nível externo, mas de forma saudável, pois permite a adoção do método da comparação417 de resultados para fins de análise de desempenho, bem como estimula o exercício da criatividade, tendocomolastroaparticipaçãodetodos mediantedelegaçãodasresponsabilidadesoutrora centralizadas na figura do juiz, liberando-o para maior dedicação à atividade primordial de julgar, o que funciona como um fator de qualificação das decisões judiciais. Com isso o magistrado passa a ter, também, um papel mais gerencial, incorporando na gestão os princípios que orientam os juizados especiais associados ao princípio da eficiência judicial. Desse modo, o modelo proposto acaba por seguir a tendência da administração pública contemporânea que indica que o Estado Brasileiro tornou-se, nos últimos anos, um Estado “gerencial”. Com efeito, referido modelo surge como resposta à necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade do serviço, buscando-se concretizar o princípio constitucional da eficiência. A diferença fundamental para o modelo burocrático está na forma de controle, 416 ACRE. Gestão Simplificada de Juizados Especiais Cíveis, maio de 2007. COGER – Corregedoria da Justiça do Estado do Acre 417 O método comparativo é um método científico para coleta e análise de dados. 425 que deixa de basear-se nos processos de trabalho para concentrar-se nos resultados. Cabe recordar, neste ponto que, ao atuarem sob o princípio da gestão burocrática, os administradores públicos acabam por direcionar uma parte substancial das atividades e dos recursos do Estado para o atendimento de necessidades da própria burocracia, e não para as finalidades últimas do serviço. Já o modelo gerencial baseia-se na definição precisa dos objetivos a serem atendidos,garantindoautonomianaadministraçãodosrecursoscolocadosàdisposiçãodasequipes para que se possa atingir os objetivos contratados, com controle posterior aos resultados. Esse paradigma gerencial contemporâneo, adotado nos novos modelos de gestão, temcomofundamentoadescentralizaçãoeaconfiançanosagentesenvolvidosnosprocessos de trabalho. Por isso, exige formas mais flexíveis de organização, com a horizontalização das estruturas, descentralização de funções e incentivos à criatividade. Esse modelo contrapõese ao paradigma da burocracia, à ideologia do formalismo e do rigor técnico tradicional. Por outro lado, requer capacitação permanente dos servidores e avaliação sistemática das atividades, com o controle dos resultados alcançados, superando os aspectos anacrônicos e os excessos formais do modelo tradicional. A idéia aqui é a de unir a capacitação e a avaliação em um só momento, de forma mais econômica. Como os Juízes têm a obrigação de inspecionar suas unidades pelo menos uma vez a cada ano, esse é o melhor momento para que tais medidas sejam adotadas de forma simultânea, pois a partir da avaliação dos resultados obtida a partir da inspeção, é possível detectar os pontos que demandam treinamento das equipes e outras medidas. Paralelo a isso, alia-se a necessidade de orientação aos cidadãos atendidos, proporcionando várias formas de informação, seja pelo balcão, internet, telefone, correios, etc. bem como demandando sua participação ativa e responsável na colaboração com o resultado do processo. Campanhas educativas mediante cartazes, folders, folhetos e até mídia ambiental colaboram nesse ponto. Em suma, a Administração Pública deve ser permeável à maior participação dos agentes e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os fins (resultados). Ela procura ver o cidadão como cliente de seus serviços. A título de argumentação, esse raciocínio permite traçar um paralelo entre a gestão simplificada com a teoria da instrumentalidade do processo, segundo a qual a utilidade dos procedimentos é o alcance último do direito. Repudia-se assim, a “visão puramente técnica do processo tradicional”418 completamente superada pela doutrina. No aspecto hierárquico-organizacional, seguindo a previsão do art. 93 da Lei nº 9.099/95 que outorgou aos Estados legislarem sobre a organização dos Juizados Especiais, a Lei Complementar Estadual nº 90/2001 estabeleceu em seu artigo 7º que tais unidades jurisdicionais serão coordenadas por um Desembargador, com mandato de dois anos. A atividade de coordenação deve deixar o aspecto meramente formal e partir para integrar efetiva e cotidianamente a estrutura dos Juizados, ante a constatação de que, na realidade atual, cada Juizado funciona como uma “ilha”. Com efeito, restou constatado no Diagnóstico dos Juizados Especiais do Estado do Acre419 que, à época do estudo, os juizados encontravam-se totalmente descoordenados uns dos outros, cada qual funcionando de modo próprio. Em razão dessa circunstância e da previsão legal, a figura do desembargador ou 418 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2003. p.275 419 Cf. item 2.2 do capítulo anterior. 426 Revista ESMAC juiz Coordenador constitui–se relevante para a gestão administrativa e jurisdicional dos Juizados Especiais, adstrito o modelo proposto à sua efetiva atuação no sistema. A melhor regulamentação de sua competência e a adoção de força vinculante das decisões e orientações administrativas dará maior efetividade à Coordenação, para a correção dos atos administrativos mais relevantes que estejam sendo praticados em desacordo com a uniformidade institucional. Igualmente importante o acesso às informações orçamentárias direcionadas aos Juizados, que permitam estabelecimento de diretrizes de atuação e planejamento de ações e metas de trabalho. A coordenação pode inclusive mediar seminários, encontros e reuniões que busquem soluções para problemas comuns das unidades e que afetam o desempenho global dos Juizados. São providências que ampliam a cultura do diálogo permanente e da troca de idéias, desempenhando assim um importante papel no aprimoramento dos serviços. No plano das estruturas organizacionais se faz necessária a descentralização e a redução dos níveis hierárquicos. A esse propósito, cabe realizar aqui, uma comparação do modelo tradicional com um modelo contendo uma estrutura organizacional mais simples e horizontalizada, representados nos quadros abaixo: Modelo Tradicional: Visão Hierárquica/Funcional Coordenação Geral dos Juizados Gabinete do Juiz Secretaria Geral Gabinete do Juiz Gabinete do Juiz Secretaria Geral Secretaria Geral Atermação Conciliação Atermação Conciliação Atermação Conciliação Secretaria Execução Secretaria Execução Secretaria Execução 427 Modelo proposto: Organização por processos de trabalho Coordenação Geral dos Juizados Administração Recepção e Protocolo Central de Atermação Central de Conciliações Juizados Gabinete do Juiz Secretarias Execução É bom lembrar a valiosa lição do professor Mauriti Maranhão, ao destacar que a administração com estrutura meramente funcional, com hierarquia calcada nos organogramas, “atualmente não soluciona as principais necessidades de gestão, em face da complexidade da cadeia produtiva e das organizações, decorrentes do extraordinário impacto da informação em nossas vidas”420. A crítica do autor recai na impossibilidade desse modelo tradicional solucionar as necessidades de comunicação, fluxo do processo, agilidade de operação, eliminação de processos que não agregam valor, dentre outros. Contudo, é igualmente imperativo reconhecer que a visão hierárquica/funcional em uma instituição como o Poder Judiciário é um paradigma de difícil superação, em face da inexistência de uma cultura de abordagem por processos, na qual o foco passa da hierarquia para o ponto de vista do cliente. Como não é possível abandonar esse tipo de organização da instituição, a solução é alinhar a estrutura com o processo de trabalho, atribuindo menor ênfase às relações hierárquicas/funcionais e maior à abordagem por processos.421 Adotando-se o modelo organizacional proposto, a gestão dos juizados especiais cíveis por parte dos juízes de direito se torna bastante simplificada, uma vez que a Coordenação Geral dos juizados passa a assumir especial importância no tocante ao disciplinamento das atividades mais relevantes e acompanhamento do desempenho, metas estabelecidas e resultados a serem alcançados, efetuando as correções necessárias às rotinas essenciais do trabalho. Embora aparentemente este modelo extraia algumas atribuições dos juízes, em verdade, o benefício é muito maior, uma vez presente a atuação proativa de uma Coordenação Geral, integrada por equipe de apoio especializada nesta área, os juízes dos juizados otimizam o tempo de trabalho com maior celeridade aos julgamentos e atos processuais de sua competência, minimizando o congestionamento de feitos em andamento. A atuação efetivas de uma liderança (coordenação) é importante no aspecto da coesão e da manutenção da coerência institucional, evitando contradições internas e contribuindo na padronização de rotinas relevantes nas unidades, com vistas a sanar as diferenças que interferem no atendimento ao jurisdicionado, assim como unificar as rotinas básicas e processos de trabalho no tocante aos serviços administrativos e aos atos processuais essen420 MARANHÃO, Mauriti. O processo nosso de cada dia: modelagem de processos de trabalho. Rio de Janeiro: Quality Mark, 2004. p.31 421 Ob.cit. p.38 e 45. 428 Revista ESMAC ciais (macroprocessos e processos). Não é imprescindível delimitar os pormenores da atuação judicial (subprocessos), e sim levar cada um a se comprometer com os resultados almejados. Esses resultados devem ser delimitados e voltados ao atendimento das necessidades dos jurisdicionados. Há uma natural priorização dos processos mais abrangentes da organização. Nesse sentido, cabe à Coordenação viabilizar condições de trabalho aos juizados, atuando diretamente ou mediante delegação a um magistrado sub-coordenador, a gestão de atividades administrativas que afetem todas as unidades, tais como a Central de Reclamação, Registro, Autuação e Distribuição, o Serviço de Recepção e Protocolo, o Serviço de Pregão Unificado de Audiências e Leilões, o Serviço de Contadoria Judicial, o Serviço de Administração do Prédio, Xérox, Correios, a unificação do corpo de conciliadores, a seleção e treinamento e acompanhamento de conciliadores e juízes leigos, a promoção de capacitação de juízes de direito e dos servidores. De outra parte, cabe aos juízes de direito e respectivas unidades jurisdicionais a tramitação processual dos feitos conforme processo simplificado de trabalho estabelecido pela Coordenação dos juizados, acompanhamento, gestão e motivação contínua dos recursos humanos da unidade, delegando ao escrivão e aos servidores a gestão dos recursos materiais e equipamentos e a execução compartilhada do planejamento estratégico simplificado, com vistas ao alcance das metas estabelecidas. O aperfeiçoamento da comunicação interna é fundamental para a gestão simplificada, devendo o líder compartilhar com todos os servidores envolvidos dados concretos de resultados atuais, para que compreendam como a sua unidade jurisdicional está se comportando, como estão se comportando as demais unidades equiparadas, identificando onde está posicionada sua unidade frente às demais (em nível local ou nacional). Essa medida permite estabelecer metas de resultado, identificar quais as ações e o tempo necessários para que sejam alcançadas, mediante um plano de ação simplificado. Com uma firme atuação da liderança e com o reforço dos laços de relacionamento, os servidores incorporam a idéia de que o sucesso depende de cada um e de todos juntos. O gestor deve ser o primeiro a incorporar em si o princípio da simplicidade, sabendo motivar sua equipe, identificar oportunidades e talentos, explorando todo o potencial dos recursos humanos. No tocante à organização do espaço físico, é sabido que um bom ambiente de trabalho é fator que efetivamente contribui para o desempenho das atividades pelos servidores. Padrões mínimos de limpeza e organização devem ser observados como fatores essenciais ao alcance de bons resultados. Sendo possível, deve ser evitada a contaminação visual com a excessiva colagem de papéis diversos nas paredes, ressalvados os espaços apropriados para esse fim. Assim, a adequada distribuição das atividades processuais dentro do espaço físico disponível, para agilizar a movimentação processual, deve seguir o mesmo fluxo procedimental da Lei n. 9.099/95. Atividades que demandam alta concentração, tais como conferências de prazos, digitação de atos intimatórios, movimentações, cálculos, etc., devem ficar em espaço reservado sem interferência de pessoas estranhas ao serviço. Tal medida reduz o chamado “retrabalho” oriundo de erro de atenção, que resulta na repetição desnecessária de atos acarretando o atraso no andamento do processo. O “layout” ideal de um Juizado deve, assim, obedecer a distribuição de mesas, computadores e prateleiras de processos em sequência aos atos processuais praticados, ob429 servando-se ainda para os atos de conferência e digitação os espaços em que a iluminação é maisadequada,alémdaalturaergométricanosequipamentosdeusocontinuado,queimpeça dores lombares e cervicais, proporcionando maior qualidade de vida aos servidores. Quanto aos subprocessos de trabalho, na gestão simplificada, as equipes terão liberdade para elaboração das rotinas especificas de cada setor, desde que seja observado o alcance dos valores prestigiados pelo sistema especial e a observância às normas legais de procedimento. Essa providência também retira a mão de obra usada em“tempos mortos”do processo, melhor readequando os parcos recursos humanos. Encontra-se aqui uma das características do método de abordagem por processos de trabalho, ensinadas por Mauriti Maranhão, no MBA em Poder Judiciário: “Quando uma organização realmente “emplaca” a abordagem por processos, há uma boa possibilidade de criar um ambiente favorável ao progresso sustentado,combinado e potencializado pela satisfação das pessoas que nela trabalham. Começa a ser gerado um “círculo virtuoso”: o trabalho é absorvente, engrandece e dignifica as pessoas e as deixa mais felizes; as pessoas por estarem mais felizes no trabalho, naturalmente se motivam para introduzir novas e melhores formas de executar os processos.”422 Sendo assim, é mais do que oportuna a criação de uma comissão de juízes e servidores junto à Coordenação para aprofundar o estudo dos processos de trabalho, estabelecendo tão-somente as normas gerais para as atividades desenvolvidas. As normas específicas referente aos subprocessos deverão ser elaboradas mediante o processo participativo das equipes diretamente envolvidas. Eventual intervenção ou alteração dos subprocessos traçados somente vão para análise do Juiz e da Coordenação na hipótese de resultados insatisfatórios. Ocorre assim uma redefinição de papéis e de responsabilidades. Especial atenção deve ser atribuída ao atendimento, atividade ocorre desde a recepção e protocolo, ao balcão da Secretaria e até ao Gabinete do Juiz. Considerando que os Juizados são unidades onde predomina a informalidade e a oralidade, o atendimento às partes e advogados, seja mediante atividade realizada pelo Juiz de Direito, pelos Juízes Leigos, Conciliadores, seja pelos Secretários e por todos os demais servidores, deve primar pela excelência, presteza e urbanidade. O atendimento aos idosos, gestantes e lactantes é prioritário. Recomenda-se ao servidor atendente que seja atencioso, saiba ouvir e compreender as informações. Deve ser paciente e ter habilidade para acalmar a parte, passando-lhe credibilidade e confiança e, em razão de eventual dificuldade de expressão, em decorrência de fatores culturais, de linguagem e de comportamento. Deve manter diálogo de fácil compreensão e sem qualquer envolvimento pessoal com os fatos relatados. Deve prestar todas as informações possíveis, ainda que não afetas diretamente ao seu serviço. Deve observar as normas legais, formulários padronizados e rotinas específicas do seu setor. Por fim, cabe ao Secretário Geral orientar constantemente os servidores quanto a esta atividade, devendo acompanhar sua realização, verificando especialmente se são atendidas as orientações e normas. No tocante à Central de Atendimento de Reclamações da Comarca, para que o tempo médio de duração desses atos fique em torno de dois dias, é necessária lotação de 10 422 MARANHÃO, Mauriti. O processo nosso de cada dia: modelagem de processos de trabalho. Rio de Janeiro: Quality Mark, 2004. p. 13 430 Revista ESMAC (dez) servidores, sendo seis (06) para o registro de reclamações, quatro (04) para os atos de autuação e atos preparatórios da remessa da citação e distribuição. O manual de gestão simplificada recomenda que a chefia da Central de Reclamações será ocupada por Bacharel em Direito. O registro geral, sendo automatizado, é imediato e concomitante ao recebimento das reclamações e petições, feito na Central de Recebimento de Reclamação. Considerando que o sistema SAJ gera imediata e automaticamente no mesmo ato de registro da reclamação, a etiqueta de autuação e a carta de citação, os atos de autuação do processo e remessa da Carta aos Correios deverão ser praticados por servidores lotados na Central de Reclamação. A autuação deve ser realizada diariamente, pela Central de Recebimento de Reclamações, observado o prazo de até dois dias para a distribuição dos processos às unidades jurisdicionais, as quais ficarão responsáveis pela segunda e posterior tentativa de citação, desta feita por Oficial de Justiça, na hipótese de a primeira tentativa pelos Correios restar frustrada. A distribuição deve ser eqüitativa entre as unidades jurisdicionais. Não se pode esquecer que, no aspecto jurisdicional, as recentes reformas legislativas no processo civil brasileiro englobaram alterações nos procedimentos, nos atos do juiz, das partes, dos advogados e dos serventuários da justiça. Quanto a estes últimos, a Emenda Constitucional 45/2004 possibilitou maior atuação na prática de atos ordinatórios, reduzindo os despachos judiciais de mero expediente no andamento processual. Além disso, a lei 11.419/2006 introduziu significativo avanço tecnológico para facilitar a tramitação dos procedimentos judiciais, de modo que, mesmo sem adoção integral do processo eletrônico, alguns dispositivos já podem ser utilizados visando à agilização da tutela jurisdicional. A despeito de tais inovações, muitas práticas antigas continuam entranhadas nas rotinas de trabalho, situação que demanda medidas que criem maior receptividade às mudanças e acompanhem as novas tendências que surgem para atender aos reclamos da sociedade, já não tão tolerante com a conhecida morosidade da justiça. 431 03 - AGILIZAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL NO TERCEIRO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE RIO BRANCO 3.1. A Experiência do Terceiro Juizado Especial Cível da Comarca de Rio Branco - Acre Partindo do pressuposto de que a agilização da tutela jurisdicional, na verdade, é resultado da agilização global e individualizada de todos os atos que integram o processo judicial, conclui-se que o tema integra tanto a administração jurisdicional quanto a administração judiciária, pelo que impõe-se definir um método para o trabalho processual e um modelo de estrutura funcional que sejam adequados para organizar os serviços de um Juizado Especial Cível. A opção por um modelo de gestão constitui-se em questão preliminar relevante, já que dela depende a maior ou menor eficiência na condução dos processos no âmbito local, isto é, naquelas medidas internas que não dependam necessariamente de providências da administração superior dos tribunais, desaguando diretamente no alcance de bons resultados. Sintonizadas com o modelo de gestão simplificada descrito e na esteira das tendências de administração de escrivanias judiciais, e mesmo a despeito das conhecidas carências estruturais, algumas práticas adotadas no Terceiro Juizado Especial Cível da Comarca de Rio Branco, capital do Estado do Acre têm colaborado para a agilização da tutela jurisdicional e passam a ser aqui descritas e compartilhadas, sem embargo do seu aprimoramento contínuo. Cuidam-se de medidas aplicadas com os conhecimentos obtidos antes e depois do curso de especialização em Poder Judiciário em parceria com a Fundação Getúlio Vargas. rata-se da unidade jurisdicional do Estado que detém o maior volume de processos, bem refletindo a situação nacional detectada pelos diagnósticos nacionais do Conselho Nacional de Justiça e da Secretaria de Reforma do Judiciário, quanto à necessidade de medidas criativas de gestão que busquem superar os problemas de pouca estrutura de apoio que resultam na indesejada morosidade. O diagnóstico local423 relata que o Juizado funciona desde dezembro de 2002, portanto não possui uma estrutura muito antiga. Iniciou com atendimento direcionado apenas a pessoas jurídicas (microempresas - MEs) e no início de 2007 passou a receber ações propostas por pessoas físicas, ampliando, ao depois, esse atendimento para as empresas de pequeno porte (EPPs), tudo num curto espaço de tempo. A par disso, o Terceiro Juizado Especial Cível possui uma unidade anexa, o Programa Justiça Comunitária Itinerante, que além dos agentes comunitários de justiça e cidadania, conta também com um ônibus onde funciona um Juizado Especial Cível para atendimento nos bairros periféricos, funcionando desde outubro de 2002, mediante convênios anuais com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e/ou com o Município de Rio Branco. Trata-se de atividade voltada a incentivar o uso da mediação como técnica de resolução alternativa de conflitos em bairros carentes, difundindo informações jurídicas e 423 ACRE, Corregedoria Geral da Justiça do Estado. Diagnóstico dos Juizados Especiais da Comarca de Rio Branco, março de 2007. 432 Revista ESMAC contando com um juizado especial itinerante como coadjuvante. Contudo, a obstrução processual na unidade é idêntica à do Terceiro Juizado, porém em menor proporção, em vista do reduzido número de feitos em andamento. Porém, dotada com uma estrutura material e humana bem menor do que a dos demais Juizados Especiais Cíveis, o Terceiro Juizado Especial logo passou a deter, em curto espaço de tempo, o maior volume de processos de todo o Estado do Acre, em razão da ampliação sucessiva de sua competência desacompanhada de ações administrativas ao início, voltadas à melhor estruturação de espaços, equipamentos e recursos humanos. Paulatinamente esse descompasso com os demais Juizados vem sendo amenizado, em razão, dentre outros fatores, de recentes medidas voltadas à distribuição equitativa de feitos e de maior equiparação da quantidade de servidores e conciliadores entre as unidades , o que não elide a necessidade de aperfeiçoamento das técnicas e processos de trabalho, aqui definidos como o encadeamento de atos voltados ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Nesse ponto, Mauriti Maranhão424, referência em modelagem de processos, destaca a necessidade de se estabelecer limites para a delimitação de um processo de trabalho, pois ele pode abranger desde um processo elementar até um processo complexo. Cabe a quem faz o mapeamento dos processos arbitrar esses limites, para que se tenha a melhor solução ao seu objetivo de análise. Por convenção, o autor adota as denominações de macroprocessos (os processos mais abrangentes da organização), processos (as subdivisões dos macroprocessos) e subprocessos (as subdivisões dos processos). Essa terminologia de modelagem de processos já vem sendo aplicada aos procedimentos judiciais das escrivanias de justiça, embora com termos mais genéricos. Especificamente no Terceiro Juizado Especial foram definidos alguns processos de trabalhovoltadosaomacroprocesso,consistentenaentregaoportunadaprestaçãojurisdicional, com cinco subdivisões: - processamento do atendimento inicial; - processamento da conciliação; - processamento da decisão judicial; - processamento da execução; - processamento do controle de resultados. Por sua vez, os subprocessos são os atos repetitivos, que podem ser praticados em série ou escala, já alcançados pela tecnologia da informação, que muito avançou para melhorar a eficiência desses atos. Especial importância assumem também os atos ordinatórios como forma de reduzir a tramitação de processos encaminhados ao juiz para atos que impulsionam o processo e que podem ser realizados diretamente na secretaria. Os subprocessos de trabalho constituem o“conjunto de atividades, funções ou tarefas identificadas, que ocorrem em um período de tempo e que produzem algum resultado.”425 Consistem nas atividades internas e generalizadas da escrivania/secretaria, tais como: 424 Ob.cit. p. 20. 425 Ob.cit. p. 13. 433 - expedição de atos citatórios e intimatórios; - expedição de atos ordinatórios; - controle de pauta de audiências; - controle de prazos processuais. Maranhão destaca com propriedade que“processos que não agregam valor devem ser eliminados da organização”426. Sob o aspecto operacional, considera-se de qualidade o processo que atende a necessidade do cliente. O presente estudo realiza portanto uma crítica de alguns atos processuais ainda praticados nos Juizados, perquirindo-se sobre sua utilidade prática no processo. A idéia motriz deste estudo considera fundamental que tanto os processos de trabalho quanto os subprocessos atendam as peculiaridades do sistema dos Juizados Especiais, que prestigiam a celeridade, simplicidade e economia processual. Esses valores devem alcançar todos os atos praticados no cartório. Os manuais de trabalho precisam ser de fácil manuseio, leitura e compreensão. No processamento das atividades cartorárias é possível definir o tempo razoável de duração de cada ato processual, consoante o tempo médio encontrado, para afinal obter o tempo razoável de duração do processo como um todo. A Lei nº 9.099/95, em seu artigo 2º, traça as diretrizes operacionais que orientam os procedimentos do cartório ou secretaria, desde o início até o final: Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação. Na prática, esses valores não são integralmente observados em grande parte dos atos processuais praticados nos Juizados Especiais. O receio para com os critérios da oralidade e da informalidade faz remanescer a resistência a elaboração de atos que poderiam ser muito mais simplificados. Como resultado, muitos dos modelos adotados são “importados” da justiça formal ordinária. A esse propósito, passa-se a analisar as rotinas – aqui denominadas processos de trabalho – em conformidade com as disposições legais relativas à prática dos atos da secretaria do Terceiro Juizado, lançando-se também algumas idéias que poderão ser implementadas em passos seguintes à fase atual. Não se trata, como podem pensar os mais desavisados, de uma“desprocessualização” do sistema. Não se ignora o grande acervo de experiências até então sedimentadas pelo processo tradicional. Porém, coloca-se cada qual no seu devido lugar, já que se tratam de dois sistemas bastante diferenciados. Naverdade,ovalordoprocessoedoprocedimentoémantidonosJuizadosmedianteuma conduçãomelhorestruturada,deacordocomassuaspeculiaridades. Aconduçãoracionaledinâmica do processo no Juizado Especial é a melhor garantia da segurança jurídica às partes. O que se precisaédesmistificaralgunsprincípiosecritériosinstrumentaisdoprocessoqueforamintroduzidos pela nova legislaçãoeaindanãoplenamenteobservados.Dopontodevistaexterno,essesprincípios nada mais fazem do que homenagear a própria sociedade e modernizar o direito processual. 3.2 O Atendimento Inicial e a Conciliação 426 Ob.cit.p.28. 434 Revista ESMAC Nos Juizados Especiais Cíveis de Rio Branco-AC o atendimento inicial, outrora encargo individualizado, encontra-se desvinculado das unidades jurisdicionais, atualmente afetado à uma Central de Atermação/Reclamação. O primeiro objetivo é proporcionar uma distribuição equitativa dos feitos aos três juizados existentes, evitando a sobrecarga de um dos juízos relativamente aos demais. A distribuição é computadorizada e imediata, obedecendo-se aos critérios da igualdade e da alternatividade, submetendo-se à fiscalização das partes e de seus advogados, bem como da coordenação dos juizados. O sistema informatizado ainda não realiza de forma automática, a distribuição por dependência na forma do artigo 253 do Código de Processo Civil, a qual ainda é processada manualmente e somente após a verificação pelo juiz ou conciliador, gerando algum atraso nos feitos, nesta parte. Outro aspecto desfavorável é que as medidas solicitadas durante o plantão somente são distribuídas no dia seguinte para o juízo de origem, deixando de computar-se o serviço realizado pelos plantonistas. O segundo objetivo é o de conferir maior agilidade no atendimento inicial ao cidadão, já que há maior quantidade de servidores no setor. É fundamental que haja um controle apurado do teor das reclamações entradas, já que os pedidos são formulados por pessoas leigas desacompanhadas de advogado, devendo, para tanto, o setor possuir um bacharel em direito que efetue a triagem das ações. O ideal seria que todos os atermadores e atendentes possuíssem bom nível de conhecimentos jurídicos, de modo a evitar ou minimizar erros nas informações e nas proposituras das reclamações, ocasionando serviço desnecessário às secretarias, tais como complementações de documentos ou alterações de pedidos ou de partes. Como regra de informalidade, nessa fase inicial não se exige a juntada imediata de documentos, ressalvadas as hipóteses de pedidos de tutelas de urgência. Essa medida é uma das formas de agilização da tutela jurisdicional, pois colabora para facilitar a autuação e montagem do processo, reduzindo as juntadas, bem como para reduzir os atos posteriores de desentranhamento nas hipóteses de extinção pelo não comparecimento do autor à audiência preliminar, situação bastante comum. Com efeito, sabe-se que tais documentos somente serão necessários em momento posterior, para servirem como prova na audiência de instrução, e isto se não houver acordo entre as partes, o que denota a possibilidade de serem apresentados apenas na conciliação ou na instrução. Atribui-se maior responsabilidade às partes na guarda desses documentos até o momento oportuno de apresentação. Frisa-se que, no atendimento inicial o autor é desde logo orientado a trazer, na data da audiência de conciliação, a documentação que dispuser. Em não havendo acordo, é feita a juntada de documentos no momento da audiência conciliatória, possibilitando-se ainda a juntada em eventual audiência de instrução e julgamento. Em havendo conciliação entre as partes, a juntada é desnecessária, passando a valer o título executivo judicial. Nos casos de cobranças mais comuns, é possível na etapa da conciliação ser procedida a entrega do cheque ou nota promissória ao outro acordante, valendo em seu lugar o título judicial. Em uma única hipótese a documentação é solicitada às partes desde o início do processo, a saber, no caso de haver pedido de tutela de urgência (medida liminar). Colabora ainda com a agilização da tutela jurisdicional uma outra forma de simpli435 ficação do atendimento inicial, a saber, a instituição do cadastro simplificado de microempresas litigantes habituais, mediante apresentação de cópia do CNPJ e de cópia do registro na Junta Comercial, juntamente com o ato de designação do preposto apto a representar a empresa perante o Juizado Especial. Essa providência é realizada uma única vez, na primeira reclamação movida pela parte, dispensando a apresentação posterior de seus atos constitutivos todas as vezes em que comparecer ao Juizado para formular reclamação cível. Com efeito, a partir da admissão das microempresas como autoras no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, ocorreu significativo aumento de demandas e, em conseqüência, de serviços cartorários para o reduzido quadro de servidores. Outra prática é a disponibilização da gravação em disquetes fornecidos pelas partes, contendo cópias dos formulários e pedidos de reclamação e execução cível mais comuns (para os litigantes habituais e microempresas). Para efeito educativo, inclui-se, neste caso, de um termo de responsabilidade da parte contendo seu compromisso e colaboração com o bom andamento do processo. Antes da adoção desta medida, a exigência formal de documentação comprobatória da condição de microempresa para juntada nos autos acarretou reclamações dos jurisdicionados, em vista do custo para a obtenção de certidões na Junta Comercial e de cópias dos atos constitutivos, onerando pequeníssimas empresas que, em regra, foram beneficiadas com tratamento diferenciado na Constituição Federal e que tinham que realizar deslocamentos prévios a outros órgãos antes de ingressarem com a ação. Além disso, gerava indesejável acúmulo do serviço de juntadas na Secretaria do Juizado, demorando ainda mais a prestação jurisdicional. Eram necessários pelo menos dez atos processuais preliminares que duravam em média trinta dias, quando não solicitada dilação ou suspensão pelo autor, por falta de condições financeiras ou outros motivos: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. Ingresso da reclamação cível; Despacho ordenando a juntada/complementação de documentos; Intimação da parte; Preenchimento de termo de comparecimento da parte apresentando documentos para juntada. Juntada dos documentos. Aferição da regularidade da documentação; Certidão de regularidade. Designação da audiência preliminar de conciliação. Intimação do reclamante; Expedição da citação ao reclamado. Tais procedimentos não se coadunavam com os princípios da celeridade e informalidade previstos na Lei 9.099/95, de modo que foi criado, por meio de portaria, um cadastro simplificado de microempresas, permitindo o arquivamento em Cartório dos atos constitutivos das microempresas em uma única vez, dispensando-as das juntadas individualizadas em todos os processos. Foram delegados à Secretaria a conferência da documentação e intimação da parte para complementação se necessário, designação de audiências com pauta organizada para facilitar inclusive o comparecimento da parte para solucionar vários processos em uma única 436 Revista ESMAC data. As intimações também são feitas em bloco, isto é, por microempresa, o que facilita a realização dos trabalhos cartorários. Adota-se igual procedimento quando a empresa encontra-se no pólo passivo da reclamação. Essa prática trouxe benefícios que tornaram a Justiça acessível à todos. Isso porque as medidas extinguiram vários atos processuais preliminares, reduzindo a carga de serviço da secretaria e o tempo do processo, além de melhorarem a pauta de audiências e democratizaram o acesso à justiça com a redução de custos financeiros desnecessários para as partes. Também facilitou e democratizou o acesso aos Juizados Especiais, pois reduz a oneração financeira das partes com os gastos com certidões e cópias de documentações. Simplifica os procedimentos cartorários e acelera o andamento dos processos, suprimindo aproximadamente dez atos processuais. O processo de implementação do cadastro simplificado ocorreu de acordo com as seguintes fases: 1. 2. e 3. 4. 5. 6. 7. Elaboração de uma Portaria instituindo o Cadastro Simplificado em cartório. Reunião para orientação do procedimento aos servidores do atendimento inicial da secretaria. Reunião para orientação do procedimento aos conciliadores. Reunião com os litigantes habituais do Juizados, fornecendo orientações sobre o cadastro simplificado e sobre a disponibilização de modelos de pedidos para gravação em disquete ou CD apresentado pelas partes. Criação de um folder educativo sobre o procedimento dos Juizados. Reunião com os litigantes microempresários, orientando-se sobre procedimentos que simplificam o andamento processual. Adoção do cartaz: “Fale com a Juíza” para reclamações quanto aos procedimentos dos conciliadores e servidores. Nenhuma dificuldade foi encontrada para a implementação, pois dependeu apenas da edição de uma Portaria do Juiz, que redundou em sucesso devido à busca por uma visão que encontrasse o ponto de vista do jurisdicionado e democratizasse o acesso à justiça, e ainda à colaboração dos servidores e das partes. Posteriormente, o procedimento foi encaminhado ao Cartório Distribuidor para adoção junto aos demais Juizados Especiais que passaram a receber reclamações das microempresas. Não houve aumento de despesas em cartório, e sim redução de tempo e de serviços, agilizando a tutela jurisdicional. Ainda no tema do atendimento inicial, a Lei nº 9.099/95 dispõe a regra de processamento do pedido inicial: Art. 16. Registrado o pedido, independentemente de distribuição e autuação, a Secretaria do Juizado designará a sessão de conciliação, a realizar-se no prazo de quinze dias. De acordo com esse dispositivo legal, o registro do pedido inicial não obriga nem requer distribuição e autuação imediata, bem diferente da justiça comum ordinária. O que se prioriza é a designação da sessão de conciliação, que deveria realizar-se no prazo de quinze dias. A norma permite inferir a possibilidade de os dois primeiros momentos do pro437 cesso serem realizados por uma “central” de recebimentos das reclamações cíveis e por uma “central” de conciliações, o que seria uma medida bastante salutar, tanto nas comarcas em que os Juizados são reunidos em um único prédio, quanto nos Juizados descentralizados em bairros que contam com mais de uma unidade no mesmo local. Em outras palavras, a distribuição e autuação ocorreriam somente em caso de não acordo ou ainda de execução de título judicial ou extrajudicial. As etapas iniciais seriam operacionalizadas antes do encaminhamento dos autos às unidades, que ficariam responsáveis pela instrução, julgamento e execução. Uma forma de organização mais econômica e mais sistemática, consonante com o espírito de celeridade e de tratamento igualitário da lei. Atualmente, após a atermação do pedido inicial e a autuação do processo, os autos são distribuídos a um dos Juizados que providencia a remessa da citação e a realização da conciliação. Ainda se constata distorção entre as unidades no tocante ao alongamento da pauta, fazendo com que alguns jurisdicionados sejam atendidos de forma mais ou menos rápida, dependendo do juizado onde “cai” o seu processo. A criação de uma central de conciliações, como já destacado, também resolve de vez este problema. O dispositivo legal também prevê a designação da conciliação em um prazo de quinze dias. Na prática, questões operacionais vinculadas aos atos externos da empresa de correios na região amazônica, responsável pela realização da citação por carta, e à quantidade de salas para conciliação impedem que esse prazo seja obedecido, de modo que foi estabelecido como padrão a ser alcançado o prazo mínimo de quarenta e cinco dias para a conciliação. Atendendo-se aos critérios norteadores do processo, previstos no art. 2º da mesma Lei, é possível afirmar que a conciliação pode preceder a distribuição e autuação do pedido. Essa medida não gera qualquer prejuízo ao reclamante, ao contrário, acelera o procedimento, pois dispensa os atos iniciais de capeamento dos autos e distribuição a um dos Juizados. Assim, formulado o pedido inicial, a central de atermação poderia tão somente registrá-lo no sistema automatizado, imprimindo e entregando uma via para o reclamante a título de recibo e de intimação para a conciliação. Na hipótese de dispensa de autuação, o controle de remessa e devolução da carta de citação pode ser feito pela listagem dos correios, cuja via fica em cartório, bem como pela pasta de juntada dos Avisos de Recebimento - ARs, organizada de forma cronológica, por data de audiência, em local específico. O Aviso de Recebimento – AR pode inclusive ser escaneado para os autos virtuais, quando se tratar de Juizado virtual. Nesta etapa, deve ainda ser verificada de forma manual ou automaticamente os possíveis casos de prevenção ou continência, se o próprio sistema não for preparado para acusar e emitir aviso imediatamente sobre a situação. Considerando que a conciliação é cadastrada na pauta informatizada, os únicos papéis impressos neste momento seriam as vias do reclamante (cópia do termo de reclamação) e do reclamado (carta de citação contendo o termo de reclamação). Além disso, há um caso em que o processo começa diretamente com a sessão de conciliação, dispensando até mesmo o registro inicial do pedido e a citação: Art. 17. Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurar-se-á, desde logo, a sessão de 438 Revista ESMAC conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a citação. Desse modo, surge mais uma quebra de paradigma, com maior informalidade no Juizado, já que o juiz poderá homologar de imediato o acordo, sem que haja o registro prévio do pedido. Para fins estatísticos, o registro poderá ser posterior. As vantagens principais da existência de uma central de atermação/reclamação são a agilização do atendimento e a eliminação de alguns que atos normalmente ocorreriam ao depois, como a designação de audiência, juntadas e dispensa de impressão de documentos, medidas adiadas para a fase posterior do processo, caso não haja acordo. Junto a esse serviço central também funciona o protocolo geral onde são recebidas as petições intermediárias dos processos e os avisos de recebimento dos correios, encaminhados à unidade respectiva, o que colabora para a redução de atendimentos diretamente no balcão de cada Juizado, reservando os servidores para a prática de atos que demandam maior atenção e concentração mental. No tocante aos atos de citação, a Lei nº 9.099/95 também possui dispositivos simplificadores, senão vejamos: “Art. 18. A citação far-se-á: I - por correspondência, com aviso de recebimento em mão própria; II - tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado; III - sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória. § 1º A citação conterá cópia do pedido inicial, dia e hora para comparecimento do citando e advertência de que, não comparecendo este, considerar-se-ão verdadeiras as alegações iniciais, e será proferido julgamento, de plano. § 2º Não se fará citação por edital. § 3º O comparecimento espontâneo suprirá a falta ou nulidade da citação.” Regra geral, a citação por carta é a mais utilizada no Juizado, porém não exclui totalmente a citação por oficial de justiça nos bairros e localidades não atendidos pelos serviços dos Correios. Como regra de informalidade e simplicidade, agilizando a prática de atos judiciais, a lei dispensa a elaboração de mandado de citação neste caso, cumprindo-se o ato citatório com a simples entrega de cópia do termo de reclamação no qual deverá constar, além do pedido e da data da audiência, a advertência acerca da revelia ao reclamado. Nesse caso, a simples via do pedido inicial terá efeito de servir como mandado judicial. Ao certificar o cumprimento do ato, o Oficial deverá registrar que realizou a citação com as advertências de lei, o que supre a ausência de formalidade do mandado judicial. Porém, na prática, ainda há resistência à supressão do “mandado judicial”, remanescendo no Juizado a mesma formalidade da justiça comum, resultando em mais dispêndio de tempo para a emissão do mandado, cadastramento e remessa ao setor competente, cumprimento e devolução, gerando uma delonga de mais de trinta dias. A propósito da prática dos atos intimatórios nos Juizados, dispõe a Lei nº 9.099/95: Art. 19. As intimações serão feitas na forma prevista para citação, ou por qualquer outro meio idôneo de comunicação. 439 Em tal processo de trabalho também é possível a agilização da intimação das partes por meio idôneo de comunicação, sendo o mais comum a ligação telefônica para a parte reclamante, já que não se trata neste caso de ato citatório. É o caso da complementação do pedido ou de documentação faltante em pedidos de tutela de urgência, ou ainda do comparecimento em audiência redesignada. A esse respeito foi baixada uma Portaria no Terceiro Juizado Especial, disciplinando as intimações telefônicas, hipóteses de cabimento, além dos requisitos necessários para a prática do ato e de sua validação no processo. Essa portaria foi reaproveitada posteriormente pela Corregedoria Geral de Justiça que emitiu provimento similar aplicável às demais unidades. Outra forma de agilização da tutela jurisdicional, e questão peculiar dos Juizados, diz respeito ao tratamento conferido aos litigantes habituais e às grandes empresas, ou seja, aqueles autores ou réus que diariamente estão presentes nos Juizados Especiais Cíveis, o que permite a realização de termos de cooperação para citações e intimações dos atos processuais em cartório, com data e hora previamente marcadas. O entendimento com as partes é possível inclusive para a designação de pautas específicas, separadas por empresas ou por assuntos. Trata-se de medida que colabora em muito com a aceleração dos processos, por minimizar os atos de intimação por carta, telefone e mandado. A utilização dos oficiais de justiça deve ser reduzida, por servir como fator de delongamento do processo, face ao acúmulo de serviço e à redução dos recursos humanos. Assim, prioriza-se o uso dos correios e as intimações telefônicas, de modo que aqueles devem ser deixados ou reservados para os mandados constritivos realmente relevantes, que em regra ocorrem posteriormente, na fase de execução. Aqui, surge um problema comum. Ainda não é integralmente utilizado o disposto no artigo acima mencionado sobre as intimações por qualquer meio idôneo de comunicação, resistindo-se ao uso do telefone, sobrecarregando os oficiais de justiça, o que demandará medidas futuras tendentes a correção da situação. Muito já se falou sobre o processo de trabalho referente aos atos da conciliação. Neste ponto, cabe ainda ressaltar que os conciliadores desempenham um dos mais importantes papéis do Juizado, no tocante à solução dos conflitos, urgindo a constante capacitação e acompanhamento por equipe especializada. Se bem usarem suas habilidades e competências conciliatórias, os conciliadores atenderão ao verdadeiro objetivo dos Juizados – a solução pacífica dos conflitos, colaborando com a redução dos processos e do tempo de duração dos litígios. É patente que os investimentos orçamentários devem recair na melhoria e aperfeiçoamento das fases iniciais dos processos nos Juizados, notadamente o atendimento inicial e a conciliação, já que um atendimento bem feito e uma conciliação bem conduzida resultam no encerramento precoce e exitoso do processo, minimizando os atos posteriores e atendendo aos preceitos constitucionais do acesso à justiça e da razoável duração do processo. A falta de investimentos ou sua aplicação atrasada nestes setores fundamentais dos juizados gera inúmeros prejuízos aos jurisdicionados, já que do reduzido quadro de conciliadores decorre o indesejado alongamento da pauta de audiências, ante a maior demora nas 440 Revista ESMAC audiências preliminares. De sua parte, o Terceiro Juizado Especial Cível conta atualmente com apenas dois conciliadores e duas salas parcialmente equipadas para as audiências preliminares, fator que impede o juizado de funcionar a contento, a despeito das diversas solicitações de servidores e computadores. Esse travamento da pauta de audiências consubstancia uma das principais causas de obstrução no fluxo das atividades do Terceiro Juizado e tem sido solucionado de forma paliativa, com a realização de diversos mutirões, já que no âmbito administrativo depende de providências externas à administração local do Juizado. Solução definitiva e a contento demanda a contratação de novos conciliadores, medida afeta à administração superior. Ainda no tocante à conciliação, a Lei nº 9.099/95 dispõe o procedimento a ser adotado: “Art. 22. A conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação. Parágrafo único. Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado, mediante sentença com eficácia de título executivo. Art. 23. Não comparecendo o demandado, o Juiz togado proferirá sentença. (...) Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei: I - quando o autor deixar de comparecer a qualquer das audiências do processo; (...) § 1º A extinção do processo independerá, em qualquer hipótese, de prévia intimação pessoal das partes.” O princípio da celeridade e da economia processual é muito bem constatado nesta etapa da conciliação, visto que a agilização da tutela jurisdicional é obtida mediante a preparação prévia de diversos modelos de termos de audiência contendo as situações mais comuns, cabendo ao conciliador tão somente selecionar o modelo de acordo com a situação ocorrente. Os modelos disponibilizados possuem inclusive as determinações de providências posteriores à audiência, de modo a enxugar e facilitar a tramitação do processo na secretaria, após o ato. Algumas sentenças mais simples também já constam desses modelos, agilizando a tutela jurisdicional, desde que muito bem orientado o conciliador. Exemplifica-se com as hipóteses de extinção pelo não comparecimento do autor, de extinção por pedido de desistência da reclamação, homologação imediata do acordo e ainda, a decisão de revelia nos casos mais comuns de cobrança que já possuam prova documental hábil e suficiente à condenação. A existência de uma “Central de Conciliações” já destacada no item anterior, se devidamente organizada e preparada, consubstancia uma medida administrativa apta a agilizar a tutela jurisdicional, fornecendo tratamento igualitário às partes e evitando que haja distorção na pauta de audiências. Porém, para que o tempo médio de duração da fase conciliatória fique em torno de trinta a quarenta e cinco dias, é necessária lotação de pelo menos doze conciliadores, sendo quatro para as audiências de cada um dos três Juizados. Atualmente, as audiências de conciliação são realizadas em espaço próprio e separado das unidades jurisdicionais, sendo portanto necessária a designação de servidores responsáveis pela elaboração e acompanhamento da pauta, distribuição dos processos aos conciliadores, 441 realização do pregão, recebimento com o resultado da audiência, movimentação estatística e devolução dos autos às Unidades de origem. As audiências deverão são realizadas concomitantemente, conforme o número total de conciliadores existentes, a partir das 8h30min, em intervalos de trinta minutos, período de tempo considerado suficiente a possibilitar ao conciliador entabular o diálogo com as partes, conduzir as propostas de acordo, elaborar o termo respectivo, conferir, imprimir e colher as assinaturas. O espaço físico é propício ao tipo de atividade desenvolvida, para evitar tumulto, interrupções, barulho e outros atos que atrapalhem o entendimento das partes. Uma idéia interessante é a de atribuir à Central de Audiências a atuação extensiva às arrematações, já que a prática mostra ser comum a possibilidade de uma conciliação entre as partes presentes por ocasião do leilão, sendo regra bastante comum o resultado negativo da arrematação. Assim, aproveita-se a presença das partes para nova tentativa de acordo. Quanto à simplificação da Conciliação, a experiência comum mostra que é possível uma melhor organização da pauta de audiências, mediante tratamento diferenciado aos litigantes habituais (comumente nas relações de consumo) com pauta mensal própria, como já destacado anteriormente, em datas e horários fixados mediante prévio contato com os advogados ou microempresários, agilizando a tramitação processual em bloco. Para a obtenção de acordos, os Juizados dispõem de programas geradores de planilhas de cálculo de atualização, o que também facilita os entendimentos das partes. Em situações temporárias de alongamento de pauta, a agilização da tutela jurisdicional é feita através de mutirões de conciliação, sendo oportuno frisar que o calendário anual do Judiciário acreano já conta com períodos tradicionalmente separados para tais medidas, como por exemplo, a semana da Justiça, no mês de dezembro de cada ano. Por fim, cabe ressaltar que, para o acompanhamento dos resultados das conciliações, o Terceiro Juizado Especial Cível dispõe de tabela que mensalmente é informada pelos conciliadores, de modo a identificar o maior ou menor índice de acordos e outras situações, como revelias, extinções, suspensões e redesignações. Não sendo o caso de extinção ou remarcação, e não sendo alcançada a conciliação, será fixada data para a audiência de instrução e julgamento, procedendo-se no mesmo ato às advertências necessárias, saindo intimadas as partes desde logo. 442 Revista ESMAC 3.3 A Decisão Judicial e a Execução Como foi visto, em decorrência das regras de procedimento e dos princípios da simplicidade e informalidade, pouca ou quase nenhuma presença do juiz togado ocorre nas fases preliminares de atendimento inicial e conciliação. Este apenas recebe os autos para colher as provas orais e documentais, e julgar a lide, na hipótese de não acordo. Se a unidade possuir um quadro de juízes leigos, o juiz togado receberá o processo apenas para a análise da decisão proferida por aqueles, para o fim de homologá-la ou proferir outra decisão em substituição. O sistema foi organizado de tal forma que, em funcionando a contento, o juiz togado fica reservado para as decisões que demandam análise e estudos mais aprofundados, fazendo cair por terra a alegação de baixa qualidade das sentenças proferidas nos juizados especiais. Nesta linha, entende-se por qualidade da decisão não a quantidade de laudas preparadas, eis que atende ao anseio de justiça das partes a sentença que, embora sintética, bem aprecia o caso e fundamenta de maneira compreensível às partes a razão de decidir. Desse modo, o quarto processo de trabalho refere-se à fase de decisão judicial, por ocasião da instrução e julgamento, a respeito do qual a Lei nº 9.099/95 dispõe: Art. 27. Não instituído o juízo arbitral, proceder-se-á imediatamente à audiência de instrução e julgamento, desde que não resulte prejuízo para a defesa. Parágrafo único. Não sendo possível a sua realização imediata, será a audiência designada para um dos quinze dias subseqüentes, cientes, desde logo, as partes e testemunhas eventualmente presentes. Art. 28. Na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as partes, colhida a prova e, em seguida, proferida a sentença. (...) Art. 36. A prova oral não será reduzida a escrito, devendo a sentença referir, no essencial, os informes trazidos nos depoimentos. Art. 37. A instrução poderá ser dirigida por Juiz leigo, sob a supervisão de Juiz togado.” No Terceiro Juizado Especial Cível, as audiências de instrução são conduzidas tanto pelo juiz togado quanto por um juiz leigo, e realizadas em outro espaço, distinto das audiências preliminares. Similar ao que ocorre na conciliação, existem modelos diversos de termos de audiências de instrução, muitos deles já contendo uma decisão previamente esquematizada em conformidade com o tipo de assunto, para alteração e adaptação de acordo com o resultado da audiência e a convicção do julgador em cada caso concreto sob apreciação. O número de audiências a serem marcadas depende da quantidade de juízes leigos existentes e do acúmulo ou não do Magistrado titular com outras unidades ou atribuições. O quadro insuficiente de juízes leigos é um dos fatores que limita a pauta, gerando o seu indesejável alongamento. Embora no âmbito dos Juizados a lei permita que a conciliação e instrução sejam realizadas no mesmo ato, se não resultar prejuízo para a defesa, tal prática ainda não é adotada no Terceiro Juizado nas hipóteses de comparecimento de ambas as partes, visto que a audiência preliminar destina-se à conciliação e também a um maior contato das partes 443 viabilizando conhecimento mais aprofundado do litígio e permitindo posterior produção de provas. Outros motivos são a questão orçamentária e a situação estrutural. A viabilização futura da audiência uma (conciliação e instrução) depende do maior incremento do aparato judicial. Além disso, aspectos operacionais ainda impedem o cumprimento do prazo de quinze dias para a realização da instrução, como por exemplo, a não localização das partes ou os procedimentos de remessa e devolução das citações e intimações pelos correios, que na prática ultrapassam o prazo legal. O Terceiro Juizado não faz uso da gravação digital da audiência, contudo busca reduzir o quanto possível os termos elaborados, com a indicação da norma voltada ao registro apenas do essencial. Interessante aspecto concernente à fase de agilização da tutela jurisdicional na etapa de instrução e julgamento diz respeito à possibilidade de “administração ativa de casos” consistente em agrupar e decidir em conjunto processos com o mesmo conteúdo, medida que pode ser implementada desde a designação da audiência de instrução. Ao Juiz de Direito, sendo o líder por excelência do Juizado Especial, cabe, além da prestação jurisdicional, promover a gestão compartilhada de sua unidade, motivando e gerenciando suas equipes, traçando planos e metas em conjunto com os servidores. O Juiz togado pode minimizar a centralização de poder, delegar maiores atribuições e responsabilidades ao escrivão e aos servidores. No Terceiro Juizado Especial Cível, independentemente das inspeções e correições anuais, é realizada a coleta mensal de dados estatísticos para envio ao Conselho Nacional de Justiça e Corregedoria Geral, oportunidade em que são realizadas reuniões periódicas com os servidores para avaliar os resultados obtidos. Essa medida promove a cultura da melhoria contínua, analisando e revendo periodicamente as atividades realizadas e permite aprimorar os laços de comunicação interna, tanto com a Coordenação Geral quanto com os seus servidores. Cabe destacar neste ponto que, quando não é o caso da prática de atos ordinatórios, o uso de despachos padronizados com assinatura digital para as situações mais comuns já de conhecimento das equipes de trabalho, de quem se requer atitude proativa no ambiente de trabalho. Cita-se como exemplo o despacho judicial com assinatura digitalizada do magistrado para o caso de deferimento dos pedidos de redesignações de audiências quando acompanhadosdaprovadeimpedimentoaocomparecimentodaparte,odespachocomassinatura digital para arquivamento de autos já findos, dentre outros. A prática de atos da secretaria nesse contexto da decisão judicial diz mais com designações, com as respectivas intimações, quando não marcada a audiência na própria sessão de conciliação, além da publicação. Um problema comum é o das redesignações, motivadas por acúmulo de outras atividades pelos magistrados, o que eventualmente resulta no alongamento temporário da pauta, e a demora nas intimações e na publicação das decisões. Esse atraso decorre do acúmulo de atividades diversas pelos servidores, e pela realização de diversos atos menores para a consumação do ato processual propriamente dito. Em outras palavras, significa dizer que, quando o juiz dá uma ordem de intimação, a secretaria realizará pelo menos dez atividades para este ato processual: 444 Revista ESMAC 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. Recebimento dos autos pelo Escrivão; Movimentação e baixa da conclusão; Aposição do carimbo de recebimento; Encaminhamento à mesa da servidora responsável pela intimação. Colocação do processo na fila de intimações, por ordem cronológica de recebimento. Movimentação para a fase seguinte “aguardando intimação”; Emissão do ato de intimação. Aposição da certidão de intimação. Movimentação da realização do ato no sistema; Lançamento para a fase seguinte. Essa rotina evidencia que, por maior rapidez que se lhe imprima, o ato processual de intimação não é imediato, demandando algum tempo até ser efetivado. A solução consiste em reduzir o máximo possível os atos menores, como os itens 1,2,3,4 e 6 do exemplo anterior, aproveitando ao máximo os dados registrados apenas no sistema, e documentando no processo apenas aqueles atos mais relevantes. Nesse sentido, o Terceiro Juizado Especial Cível passou a registrar as baixas, conclusões, juntadas e remessas apenas no sistema informatizado, denominado SAJ – Sistema de Automação Judiciária, o que colaborou com a agilização da tutela jurisdicional mediante a redução do tempo de espera em cartório para aposição e assinatura de termos nos processos, ganhando assim, tempo para os atos mais relevantes. Com a informatização, também foram totalmente abolidos diversos livros outrora obrigatórios, dentre eles o livro de registro de sentenças, ante a constatação de sua total desnecessidade na secretaria, o que culminou com a agilização da tutela jurisdicional, mediante a redução de serviços, materiais de consumo e tempo. Assim, uma via da sentença fica no processo e uma via com cada uma das partes interessadas, cabendo à secretaria apenas eventual publicação da decisão na hipótese de não ter sido prolatada em audiência. Cabe à Secretaria o processamento das reclamações, observando os prazos processuais da fase de conhecimento até decisão definitiva ou terminativa e arquivamento dos autos, observadas as normas legais e as rotinas de trabalho definidas. O processamento das execuções, pelo setor competente, observadas as normas legais e as rotinas de trabalho definidas. A Secretaria também é responsável pelo acompanhamento imediato dos Recursos Humanos e Materiais, e execução do plano de ação sob seu encargo, observadas as normas legais e as rotinas de trabalho definidas. Atribui-se maior responsabilidade do escrivão e dos servidores com material permanente e de consumo, cautelas e requisições. Programa-se a reciclagem anual das equipes. Quanto à simplificação dos atos da Secretaria, cita-se como exemplos, o encerramento dos antigos livros de registro (redução de custos e serviço desnecessário); A redução e simplificação das certidões e termos (redação); A dispensa de intimação das partes nos casos de extinção a pedido, quando verificada a ausência de prejuízo; A renúncia ao prazo recursal, que pode constar do próprio formulário do pedido de extinção (redução do tempo). Conquanto a realização de atividades em bloco, por meio do sistema de automação judiciária – SAJ tenha permitido um significativo ganho de tempo no andamento dos processos, outras atividades passaram a constituir gargalos, como por exemplo, o atendimento das 445 partes no balcão de informações e realização de audiências com datas distantes. Na área da gestão das secretarias dos Juizados, um ponto crucial é o atendimento ao público, realizado mediante fornecimento de informações e redução a termo das declarações e pedidos das partes. A movimentação processual pode ocorrer mediante organização e movimentação dos processos e demais documentos nos espaços físicos onde se encontrarem, em layout apropriado, conforme a etapa do procedimento a ser adotado. Já se avançou o suficiente para compartilhar a atribuição de maior responsabilidade às partes após a conciliação, ficando cada uma delas com a responsabilidade pela guarda do termo de acordo, de modo que o processo seja imediatamente arquivado e não fique na situação de “suspenso”, resultando em indesejável acúmulo de processos na secretaria. Tocante à tramitação dos recursos inexiste dificuldade, já que a legislação confere autonomia à realização dos procedimentos diretamente pela Secretaria Judicial. Com efeito, diz a Lei nº 9.099/95: Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente. § 1º O preparo será feito, independentemente de intimação, nas quarenta e oito horas seguintes à interposição, sob pena de deserção. § 2º Após o preparo, a Secretaria intimará o recorrido para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias. Computados os prazos de dez dias para cada parte, somados ao prazo de quarenta e oito horas para o preparo e de dois dias para os atos da secretaria a cada intervalo entre um ato e outro, chega-se a um período vinte e oito dias, para a tramitação do recurso em primeiro grau, não computado o período de seu andamento na Turma Recursal. De modo geral, a forma de tramitação do recurso por si só já permite a aceleração do andamento do processo. O processo final de trabalho é o da tramitação da execução, o ponto crucial de congestionamento do Terceiro Juizado Especial, onde são localizados os processos mais antigos em tramitação. Como medida de agilização da tutela jurisdicional nessa fase, foram adotadas medidas de economia de despachos e redução da aposição de termos nos autos. Também foi concedida maior autonomia e maior confiança à equipe para o processamento da execução, mediante ampliação da prática de atos ordinatórios e da utilização de despachos com assinatura digitalizada do Juiz togado, nas situações mais comuns similares às da secretaria (indeferimentos de mandados repetitivos para os mesmos endereços, indeferimento de suspensões repetitivas de processos, redesignações, arquivamentos, etc.). O método de trabalho adotado é o por tarefas, o que otimiza a realização das atividades em ciclos, fazendo com que o processo venha à conclusão o mínimo possível, apenas para as decisões necessárias e mais relevantes. A Lei nº 9.099/95 norteia o procedimento da seguinte forma: “Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações: II - os cálculos de conversão de índices, de honorários, de juros e de outras parcelas serão efetuados por servidor judicial; 446 Revista ESMAC III - a intimação da sentença será feita, sempre que possível, na própria audiência em que for proferida. Nessa intimação, o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado, e advertido dos efeitos do seu descumprimento (inciso V); IV - não cumprida voluntariamente a sentença transitada em julgado, e tendo havido solicitação do interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á desde logo à execução, dispensada nova citação; (...) VII - na alienação forçada dos bens, o Juiz poderá autorizar o devedor, o credor ou terceira pessoa idônea a tratar da alienação do bem penhorado, a qual se aperfeiçoará em juízo até a data fixada para a praça ou leilão. Sendo o preço inferior ao da avaliação, as partes serão ouvidas. Se o pagamento não for à vista, será oferecida caução idônea, nos casos de alienação de bem móvel, ou hipotecado o imóvel; VIII - é dispensada a publicação de editais em jornais, quando se tratar de alienação de bens de pequeno valor; Art. 53. A execução de título executivo extrajudicial, no valor de até quarenta salários mínimos, obedecerá ao disposto no Código de Processo Civil, com as modificações introduzidas por esta Lei. § 1º Efetuada a penhora, o devedor será intimado a comparecer à audiência de conciliação, quando poderá oferecer embargos (art. 52, IX), por escrito ou verbalmente. (...) § 4º Não encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoráveis, o processo será imediatamente extinto, devolvendo-se os documentos ao autor.” A penhora on-line, ferramenta de grande utilidade merece ser destacada em uma fase onde a localização de bens do devedor é extremamente dificultada.Trata-se de inovação adotada por meio de convênio assinado entre o Tribunal de Justiça do Estado e o Banco Central, permitindo a constrição de valores pecuniários depositados em quaisquer bancos do país e dificilmente localizados pelos credores nas execuções. A medida não enseja a quebra do sigilo bancário dos executados, uma vez que consiste no envio de um ofício eletrônico ao banco central informando a quantia devida e a ordem de pesquisa de informações sobre a localização de ativos financeiros do devedor. Considerando que o setor onde tramitam as execuções é o que possui maior número de atendimentos em balcão, uma medida externa à unidade que agilizou a tutela jurisdicional foi a divulgação dos atos processuais mediante a disponibilização de consulta processual às partes por meio da internet. Essa iniciativa acabou por reduzir o movimento de pessoas e os atendimentos no balcão do Juizado, possibilitando às partes acompanharem seus processos acessado as informações do andamento processual sem necessidade de deslocamento até o cartório. O fator de demora dos processos nesta etapa deve-se aos sucessivos pedidos de suspensão para indicação de endereço ou localização de bens penhoráveis, agravando-se ainda na hipótese de expedição de cartas precatórias. Para a agilização da tutela jurisdicional no Terceiro Juizado Especial, a situação foi resolvida mediante redução/limitação mais severa do prazo de suspensão (apenas sessenta dias ou dois pedidos de trinta dias), adotando-se como última medida, a extração de cópia da sentença ao credor para posterior execução. Outro fator de demora consiste no cumprimento dos mandados judiciais de citação, penhora adjudicação e prisão a cargo dos Oficiais de Justiça, por intermédio da Central de Mandados, externa porém vinculada à unidade. O Terceiro Juizado Especial optou por re447 duzir ao máximo os atos a serem praticados por Oficial de Justiça, incrementando o uso da intimação telefônica e por carta também na fase de execução, como forma de agilização dos serviços. Nesta parte, a melhor solução, afeta à estruturação da Central de Mandados, deve partir da administração superior do tribunal. Essas constatações permitem aferir que se caminha cada vez mais para uma nova forma de tramitação processual em cartório muito mais agilizada e informal, já que diversas formalidades adotadas como regra na justiça comum ordinária são plena e expressamente dispensadas nos Juizados Especiais Cíveis. 3.4 O Controle de Resultados As práticas adotadas e destacadas nos itens anteriores permitem aferir uma nova forma de tramitação processual em cartório muito mais agilizada e informal, já que diversas formalidades adotadas como regra na justiça comum ordinária são plena e expressamente dispensadas nos Juizados Especiais Cíveis. Como foi visto, o uso da tecnologia da informação na administração jurisdicional e judiciária facilita e reduz em muito o tempo de realização dos serviços, mas não é tudo. É imprescindível a avaliação contínua das atividades realizadas. Neste ponto, a idéia é a de aproveitar, de forma mais prática e racionalizada, uma ferramenta antiga posta à disposição do juiz togado – a inspeção. Com efeito, boa parte dos problemas estruturais são oriundos da omissão no aspecto gerencial das unidades. Como destacado no primeiro capítulo, uma das atuais tendências da administração judiciária mostra que a atividade judicante não se resume mais à elaboração de despachos e sentenças. A atividade dos juízes não se esgota na capacidade advinda de sua formação jurídica, sendo necessário ampliar o conhecimento específico para as matérias atinentes à capacidade gerencial. O novo juiz é um juiz“empreendedor”: age como um articulador das ações das pessoas que lhe são subordinadas e, especialmente, planeja e gerencia as ações, daí a importância de inspecionar permanentemente o cartório. Tradicionalmente, a inspeção é vista como uma forma de verificação do funcionamento global do cartório, apontando falhas e solicitando providências aos magistrados e servidores. Porém, vista por esta nova ótica, a inspeção não se limita somente à atividade de mera constatação de falhas “in loco”, mas, acima de tudo, pretende implementar um jeito novo de avaliar as atividades e os resultados obtidos com o fim de auxiliar o escrivão e os servidores na administração eficiente do Juizado. Serve assim, como instrumento de implantação de uma cultura de aperfeiçoamento contínuo no Juizado e de mudança de paradigmas, deixando de ser vista como algo a causar temor aos servidores e passando a ser tratada como um momento esperado e agradável, de crescimento coletivo e institucional. No Terceiro Juizado Especial Cível, o controle dos resultados é concretizado mediante um uso inovador das inspeções judiciais. A experiência mostra como ponto positivo a realização da inspeção ao final do exercício,nosmesesdenovembrooudezembro,poispermiteextrairumquadrodofuncionamento do cartório no ano que finda, possibilitando um planejamento para o ano seguinte, com o estabelecimento de novas metas e alterações de processos de trabalho – a revisão das rotinas. 448 Revista ESMAC Quando obedecida sua implementação de forma sistemática e contínua, a inspeção gera o chamado “círculo virtuoso”, pois a avaliação dela decorrente gera um novo planejamento, que por sua vez gera uma nova execução e em seguida uma nova avaliação. É possível afirmar que tal conduta, embora com a denominação jurídica de inspeção judicial, equipara-se, em outras palavras, ao conhecido método de gestão P-D-C-A (Plan – Do – Check – Act) estudado no MBA em Poder Judiciário da Escola da Magistratura do Estado do Acre em parceria com a Fundação Getúlio Vargas. De outra parte, além da inspeção local, o Terceiro Juizado passa por correições ordinárias e extraordinárias realizadas a cada biênio pela Corregedoria Geral de Justiça, com o mesmo objetivo, de maneira global no Poder Judiciário, nas quais também ocorrem novas orientações e reuniões com os servidores. Em ambas as oportunidades, aos servidores também é facultada a apresentação de propostas de alterações e melhorias nos processos de trabalho, bem como são recebidas críticas e sugestões dos jurisdicionados. Porém, a participação ativa do jurisdicionado, apesar de facilitada e divulgada, ainda é mínima no momento da inspeção. Nessa situação, buscam-se outras medidas que envolvam a participação proativa das partes na melhoria dos trabalhos, de forma direta ou indireta. Quando se busca identificar os problemas de gestão, é bastante comum, na inspeção judicial, a ênfase aos problemas internos, como espaço, recursos humanos e materiais. Em geral, deixa-se de fora os problemas da sociedade que podem refletir no aumento de demandas e adoção de medidas que os alcancem. A mudança dessa atitude, procedendose à extensão da visão do quadro externo da sociedade aos atos de inspeção e de controle de resultados também pode repercutir positivamente na agilização da tutela jurisdicional. Um exemplo vivenciado no Terceiro Juizado Especial Cível de Rio Branco é o do preenchimentoincorretodenotaspromissóriaspelasmicroempresaseempresasdepequeno porte, gerando demandas ordinárias de cobrança que poderiam ser agilizadas caso os títulos executivos fossem preenchidos corretamente, fato que foi constatado durante a inspeção judicial. Diante da falta de informação das partes quanto aos requisitos necessários à formação do título executivo, foram adotadas duas medidas: primeiramente foi realizada uma reunião de esclarecimentos e informações na Associação Comercial, esclarecendo-se que o preenchimento correto das notas permite execução direta, dispensando-se o rito da cobrança ordinária que estava assoberbando desnecessariamente o Terceiro Juizado. Também foi esclarecido sobre a necessidade de se obedecer os prazos de prescrição para evitar a extinção de diversos processos, em prejuízo aos credores, situação que também não era de amplo conhecimento dos jurisdicionados. Em segundo lugar, foi afixado em locais de fácil acesso do Terceiro Juizado e da Justiça Comunitária Itinerante um modelo de nota promissória preenchida corretamente, em tamanho bem ampliado, de modo a alcançar não apenas os microempresários, mas também os créditos das pessoas comuns. Essas medidas tornaram mais célere o acesso à justiça, suprimindo etapas desnecessárias no andamento processual e permitindo maior número de execuções diretas. Outras medidas no âmbito interno demandam parcerias com a administração superior do tribunal e com a sociedade podem gerar melhores resultados, tais como a capacitação 449 periódica dos conciliadores e juízes leigos e uso intensivo de algumas das técnicas de mediação, que resultam em maior índice de acordos; a realização de campanhas educativas contínuas de conciliação nas salas de espera de audiência, com ambiente adequado a quebrar barreiras comportamentais e amenizar o temperamento das partes; a instituição e seleção de um cadastro reserva de conciliadores e juízes leigos, medidas a cargo da coordenação dos juizados, da escola da magistratura, do centro de capacitação e da administração mediante convênios com outras instituições. A propósito, algumas experiências divulgadas no FONAJE – Fórum Nacional de Juizados Especiais, mostram que Juizados Especiais de outras comarcas do país realizam entendimentoscomgrandesempresas,notadamenteasmaisdemandadas,nosentidodedisponibilizarem advogados, prepostos e órgãos de atendimento aos reclamantes em espaços cedidos na sede das unidades jurisdicionais, facilitando em muito a obtenção de acordos judiciais em menor prazo, bem como de transações extrajudiciais. Importante também se mostra levantar, em momento futuro, o perfil dos demandantes e demandados dos Juizados, bem como dos tipos de ações mais ajuizadas, como medida de política administrativa que permitirá uma atuação mais direcionada junto às partes. Com efeito, observa-se que o tratamento adequado dos litígios de massa que motivam o alto volume de feitos nos Juizados Especiais, tanto pela via da administração jurisdicional quanto pela via da administração judiciária, notadamente a gestão proativa envolvendo a participação da sociedade, colabora em muito para a agilização da tutela jurisdicional, encaminhando simultaneamente outras soluções extrajudiciais com o fim de minimizar os problemas que ensejam aumento de demandas judiciais. Para a gestão em caso de congestionamento, detectado nas inspeções anuais ou no acompanhamento periódico dos resultados, pela Coordenação Geral ou pela própria unidade jurisdicional, o comprometimento da celeridade em virtude do índice de congestionamento de feitos, são adotadas medidas especiais direcionadas para a solução do caso concreto, valorizando-se o recém destacado princípio da solidariedade entre magistrados, mediante formação de grupos temporários de trabalho para identificação e atuação nos processos que demandam regularização de tempo. Ademais, como já constatado nas unidades que a adotam, com o advento da prenunciada virtualização do processo, em muito reduzirá o tempo de realização de diversos atos processuais, simplificando rotinas e minimizando o indesejável acúmulo de feitos. Em conseqüência da adoção de medidas de simplificação a taxa de congestionamento tende a decrescer de forma gradativa e natural. A virtualização associada à gestão simplificada é hábil a implementar a almejada celeridade prestigiando e garantindo a razoável duração do processo. As medidas exemplificadas são evidências de que a gestão administrativa mais proativa dos magistrados pode culminar em efeitos positivos para os jurisdicionados e para a sociedade como um todo. A precariedade de recursos não deve servir de omissão ou escusa para a manutenção do“status quo”e sim de desafio à criatividade, notadamente na administração jurisdicional, trazendo, como já destacado anteriormente, um papel mais empreendedor ao juiz dos Juizados Especiais. Mesmo sem o uso de um método de gestão advindo da iniciativa privada, o Poder Judiciário dispõe de ferramentas legais e institucionais que promovam sua melhoria. A inspeção judicial e as correições, se utilizadas adequadamente, podem funcionar com instru450 Revista ESMAC mentospotenciaisdeanálise de resultados, planejamento estratégicoeacompanhamentoda execução na forma planejada, permitindo ações para corrigir os eventuais desvios entre o planejamento e a execução. Imperfeições ainda existem e existirão, o que deve ser reconhecido com humildade e como desafio constante à criatividade e busca de soluções. Como ensina o magistrado José Renato Nalini, “os juízes não têm a chave para resolver os problemas do mundo. Mas integram o Estado e não podem considerar-se descomprometidos da tarefa de contribuir para a consecução de seus objetivos.” 451 CONCLUSÃO O Judiciário passa por um novo momento, indicando a disposição dos juízes em mudar o quadro negativo que estava se solidificando. Pouco a pouco vão se vencendo os problemas que atordoavam a Justiça, como a falta de orçamento, métodos ultrapassados de organização e o falta de tratamento do excesso de demandas. O acesso à justiça, como um direito fundamental, recomenda uma atuação sintonizada com outros mecanismos que permitam a agilização da tutela jurisdicional, criando-se aqui um vínculo entre gestão e esses direitos e valores, que também devem nortear a gestão e condução da máquina burocrática judicial levada a efeito pelos magistrados. A adoção de métodos de gestão compatíveis com a nova realidade do Poder Judiciário, mediante a utilização plena dos recursos tecnológicos constitui-se em relevante contribuição para o alcance dos princípios constitucionais do acesso à justiça, da razoável duração do processo e da eficiência. Porém, o incremento da tecnologia da informação por si só não é suficiente para o alcance das finalidades almejadas pelo sistema. Também não é o simples aumento de recursos humanos e financeiros que fará do Judiciário uma instituição mais eficiente, mas a introdução de mecanismos de gestão que tornem a tutela jurisdicional mais ágil de forma a atender os postulados constitucionais. Criatividade é a palavra de ordem. Alterações simples e eficientes nos sistemas de organização podem conferir celeridade e racionalidade à gestão dos Juizados, o que produz conseqüências internas, ao melhorar o andamento dos serviços, e externas, aumentando a confiança da sociedade, sem necessidade de reformas legislativas. Oralidade, simplicidade, informalidade, economia e celeridade são fundamentos dos juizados especiais e precisam ser incorporados não só no processo judicial mas também na forma de gestão. Igual entendimento se aplica quanto ao princípio da instrumentalidade, aqui aplicado extensivamente à gestão, eis que o grande diferencial do presente trabalho consiste em não valorizar excessivamente os meios, e sim os resultados, prestigiando a criatividade e a inovação na medida em que dá liberdade aos juízes e suas equipes de trabalho para que, observando normas gerais, encontrem, eles mesmos, o seu caminho de eficiência. A virtualização está às portas e por si só dispensará inúmeras rotinas, suprimindo os detalhados manuais hoje existentes. Ela demandará não uma gestão simplificada, mas ultra-simplificada, de modo que o modelo aqui apresentado atende também a nova realidade que se avizinha. Não basta a disposição do Juiz. É necessária a disposição da administração superior, aliando-se àquele para fornecer os meios materiais e organizacionais que viabilizem a concretização, em última análise, dos fins constitucionais destacados. O compartilhamento de responsabilidades entre Coordenação-Geral, juízes e servidores contribui para que cada um assuma o seu papel, com vistas a atender aquilo que o jurisdicionado mais deseja: celeridade e efetividade. Esse o propósito da gestão simplificada. Outras idéias e medidas surgem com o passar do tempo, funcionando como um motor de criatividade, que somente benefícios apresenta. Alerta-se, porém, que a proposta aqui destacada não tem o condão de resolver todos os problemas dos Juizados Especiais, 452 Revista ESMAC mas são apresentadas neste estudo no intuito de colaborar com a agilização da tutela jurisdicional e com a construção de uma justiça cada vez mais moderna. A metodologia da “Gestão Simplificada” não é uma realidade plena no Poder Judiciário, eis que dotado em grande parte de seus órgãos, de complexa estrutura demandando detalhamentometiculosodosprocedimentos.Contudo,noqueconcerneespecificamenteao sistema dos Juizados Especiais, é possível permitir o uso desta ferramenta inovadora, eis que também fundamentada na busca de racionalização dos serviços. Simplicidade, informalidade, economia e celeridade aqui são considerados mais do que princípios processuais do microssistema, revestindo-se em verdadeiros vetores para a atuação do juiz também no aspecto gerencial. Se o grande desafio dos Juizados é dar cumprimento à sua missão constitucional de implementar o acesso à Justiça e a razoável duração do processo, com simplicidade e celeridade, o modelo de gestão simplificada encontra-se apto ao atendimento de tais requisitos. REFERÊNCIAS BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais – A nova mediação paraprocessual. São Paulo: RT, 2003. CHIAVENATO, I. Administração: Teoria, processo e prática. 3ª Ed. São Paulo: Makron Books, 2007. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo.11a ed. São Paulo: Malheiros, 2003. JUNIOR, Vicente de Paula Ataíde. O novo juiz e a administração da justiça. Curitiba: Juruá, 2006. LIMA, George Marmelstein. “Organização e Administração dos Juizados Especiais Federais”. Revista do Centro de Estudos Judiciários, Vol.10. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2005. MARANHÃO, Mauriti. O processo nosso de cada dia: modelagem de processos de trabalho. Rio de Janeiro: Quality Mark, 2004. SANTOS, Boaventura de Souza. FARIAS, Eduardo. (Org.). Direito e Justiça: A função social do judiciário. São Paulo: Ática: 1989. SERRA, Luiz Umpierre de Mello. Gestão de Serventias Judiciais. Programa de MBA em Poder Judiciário. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2007. WERNER, José Guilherme Vasi. Juizados Especiais. Programa de MBA em Poder Judi453 ciário. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2007. ARTIGOS EM PERIÓDICOS CANDEAS, Ana Paula Lucena Silva. Os valores recomendados pelo Banco Mundial para os judiciários nacionais. Revista Cidadania e Justiça. Brasília: Associação dos Magistrados Brasileiros, 2004. Volume 13 p.17 NALINI, José Renato. “A gestão de qualidade na Justiça”. In Revista dos Tribunais, vol. 722. São Paulo: RT, 1995. p.367 MACHADO, Rubens Aprobato. “Justiça brasileira pede choque de gestão”, publicado no Jornal Folha de São Paulo, edição do dia 10 de março de 2008, p. A3. LEIS E DOCUMENTOS OFICIAIS BRASIL, Constituição da República. Ed. RT, atualizada até 05.02.2007. BRASIL, Código de Processo Civil. Ed. Saraiva, atualizado 16.01.2007. BRASIL. Lei nº 9.099/1995. BRASIL. Lei n 11.419/2006. BRASIL, Ministério da Justiça – Secretaria de Reforma do Judiciário. “Análise da gestão e funcionamento dos cartórios judiciais”. ACRE. Diagnóstico dos Juizados Especiais do Estado do Acre, março de 2007. COGER – Corregedoria da Justiça do Estado do Acre. ACRE. Gestão Simplificada de Juizados Especiais Cíveis, maio de 2007. COGER – Corregedoria da Justiça do Estado do Acre. ARTIGOS ELETRÔNICOS SILVA, Cláudia Dantas Ferreira da. Administração judiciária: planejamento estratégico e a reforma do Judiciário brasileiro. Jus Navengandi, Teresina, n. 976. Disponível em: http:// jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8062. Acesso em 31.08.2006. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Relatório Nacional do Judiciário. http://serpensp2. cnj.gov.br/justica_numeros_4ed/-RELATORIO_JN_2006.pdf, acesso em 05 de setembro de 2008. FREITAS, Vladimir Passos de. A transparência nos tribunais brasileiros. Extraído do site: http:// www.trf4.gov.br/trf4/upload/editor/apg_VLADIMIR_COMPLETO.pdf Acesso em 18.04.2008. 454 Revista ESMAC A INEFICIÊNCIA DO JUDICIÁRIO E A MEDIAÇÃO COMO MECANISMO ALTERNATIVO DE PACIFICAÇÃO SOCIAL NO ÂMBITO DA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER Olivia Maria Alves Ribeiro 1. INTRODUÇÃO As mudanças sociais havidas nas últimas décadas fomentam a necessidade de repensarmos o Judiciário, emprestando-lhe maior eficiência, com o fim de enfrentar as dificuldades advindas da modernidade. A sociedade já não suporta conviver com a tão propalada “crise do Judiciário” que parece não ter fim. Fazendo um breve retrospecto na história, verificamos que não é de hoje que o povo anseia por novas formas de paz social, tanto que em 1988 o preâmbulo da nossa Constituição Federal já trazia delineado o anseio pela solução pacífica das controvérsias: “ Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a Justiça como valores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”427 Rámon Soriano428 sintetiza, com precisão, os “três males endêmicos” da administração da Justiça: as incertezas do Direito, a lentidão do processo e os seus altos custos. Com razão o nobre jurista. Mas não basta ter o diagnóstico, é preciso tratar a doença. A inacessibilidade, a burocracia, o formalismo inútil, a linguagem rebuscada, os altos custos, a morosidade, decorrente, principalmente, dos “escapes” processuais, as decisões ineficazes, com soluções pontuais e apenas jurídicas, afora tantas outras mazelas por demais conhecidas de todos, devem ser extirpadas da história do Judiciário brasileiro. Para tanto, precisamos fazer uma grande reforma. Não reformas normativas, já que essas vêm ocorrendo há mais de uma década e não têm se mostrado eficazes. As reformas têm que ser feitas a partir de nós, magistrados, com uma mudança de mentalidade, mudança de postura na forma de julgar. A Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Fátima Nancy Andrighi, em sua fala no discurso de abertura do I Congresso de Mediação Judicial, ocorrido em março do ano pretérito, em Brasília, delineou, com muita precisão, o Juiz que a sociedade moderna espera, 427 BRASIL, Constituição de 1988. Preâmbulo. 428 SORIANO, Ramón, Sociologia del derecho 455 quando afirmou que “o mundo contemporâneo exige um juiz pacificador de almas”. Por certo. O mito da inimputabilidade política, da neutralidade, da fuga social para manter-se imparcial, onde o magistrado não deve envolver-se com os problemas sociais, políticos, econômicos e culturais de sua comunidade, já não encontra eco no seio da sociedade contemporânea. O magistrado, antes de ser um julgador, e para bem julgar, deve estar inteirado com os problemas do meio em que vive. Antes de ser uma máquina de produzir sentenças, é um ser humano e, como tal, deve viver e sentir a problemática do seu tempo e do seu semelhante. Se é certo que o juiz não deve julgar pelo sentimento, já que o sistema não permite, também é certo que não está impedido de julgar com sentimento. Daí tem-se que um novo magistrado, com formação humanística, preocupado em efetivamente cumprir a sua missão de promover a paz social, voltado, também, para políticas públicas de gestão da justiça, deve surgir nesse novo milênio. Nesse contexto, a difusão de nova cultura de pacificação de conflitos encontra terreno fértil para se desenvolver, mostrando-se extremamente propício o momento histórico por que passa o judiciário brasileiro para a disseminação das técnicas autocompositivas entre os magistrados. Assim, a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem ganham especial atenção, ao colocarem-se, ao lado do tradicional processo judicial, “como uma opção que visa a descongestionar os tribunais e a reduzir o custo e a demora dos procedimentos; a estimular a participação da comunidade na resolução dos conflitos e a facilitar o acesso à solução do conflito, já que, por vezes, muitos deles ficam sem resolução porque as vias de obtenção são complicadas e custosas, e as partes não têm alternativas disponíveis, a não ser, quem sabe, recorrer à força”429. Para tanto, e com o fim de se garantir mais efetividade ao sistema de distribuição de justiça, se propõe a utilização desses mecanismos, em especial, a mediação, tanto no âmbito judicial quanto numa fase pré-judicial, anterior à judicialização do conflito. Para a implementação destes mecanismos poderão ser utilizadas parcerias com o Executivo e outros órgãos ou instituições, aproveitando-se de estruturas físicas e humanas já existentes (a exemplo dos PROCONS), além de criação de Câmaras de conciliação e mediação nos bairros, as quais podem atuar nas escolas, nas sedes das associações, podendo contar, inclusive, com conciliadores e mediadores voluntários, estes constituídos por aposentados das áreas de direito e de outras áreas que lidam com conflitos sociais, profissionais este que, quando em atividade, em muito contribuíram para a pacificação social. Na fase pré-judicial, deve o Poder Judiciário atuar apenas como parceiro, disponibilizando, no caso do Acre, por exemplo, a estrutura que possui e que já vem fazendo um trabalho de conciliação, através da Justiça Comunitária Itinerante. Na fase judicial, no âmbito do primeiro grau, embora entenda que as técnicas autocompositivas devam ser implementadas após a colheita das provas e antes da prolação da sentença ou, após esta, antes de endereçá-la ao Tribunal, no caso de recurso, consideramos que o magistrado poderá utilizá-las no curso do processo, sempre que considerar conveni429 MORAIS, José Luis Bolzan de. Mediação e Arbitragem - Alternativas à Jurisdição, p. 107/108. 456 Revista ESMAC ente e propício o momento. No segundo grau, as técnicas poderão ser desenvolvidas por uma equipe de mediadores constituída pelo Tribunal, antes da distribuição do recurso, ou pelo próprio relator, antes de incluí-lo em pauta para julgamento. Por fim, sugere-se uma mudança de mentalidade de todos os profissionais da área, a começar por uma revisão dos cursos jurídicos, para que, valorizando aqueles profissionais, como instrumentos de pacificação social, possam contribuir para a solução dos conflitos, desde o seu nascedouro e em toda a sua extensão, servindo de elo entre a estrutura administrativa, a população e o Judiciário. Neste aspecto, a Ordem dos Advogados do Brasil, por sua Seção Acre, poderá servir como importante aliada. Assim é que, no presente trabalho será dado, em breve abordagem, um enfoque acerca da crise da jurisdição e da utilização das técnicas de autocomposição de conflitos, centrando-se na mediação judicial e pré-judicial e sua aplicação no âmbito da Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. 457 2. A CRISE NO JUDICIÁRIO O Brasil é o país da toga. Mesmo com um judiciário desgastado perante a sociedade, não só pelo envolvimento em escândalos, que vão desde o nepotismo, venda de sentenças e envolvimento de magistrados com o crime organizado, mas, e principalmente, pela morosidade na prestação jurisdicional, o brasileiro ainda atribui (graças a Deus) muita credibilidade ao Poder Judiciário. Essa credibilidade é revelada pelo acervo processual existente nos Cartórios das Varas e Secretarias dos Juizados e Tribunais de todo o país. Segundo o Ministro Gilmar Mendes (informação verbal), Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça430, tramitam nos juízos brasileiros em torno de 68 milhões de ações, para um universo de aproximadamente 189,6 milhões de habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística431, sendo que, na Justiça Estadual brasileira, existem, em média, oito magistrados para cada cem mil habitantes, conforme se observa da tabela abaixo432: 430 Em Reunião com a Magistratura Acreana, com o tema “Administração da Justiça”, ocorrida em Rio Branco, em 13 mar. 2009. 431Dadosdisponíveisemhttp://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2008/POP_2008_TCU.pdf . Acesso em 13 mar. 2009. 432Dadosdisponíveisemhttp://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justica_em_numeros_2007.pdf. Acesso em 13 mar. 2009.. 458 Revista ESMAC Em discurso acerca desta questão, o Ministro Nilson Naves afirmou (informação verbal)433, que o Superior Tribunal de Justiça, com menos de vinte anos de existência, tem mais de um milhão de recursos especiais e mais de cento e dez mil habeas corpus, o que revela, segundo ele, o prestígio do judiciário brasileiro. As tabelas a seguir evidenciam essa realidade, senão vejamos434: 433 Em discurso de abertura do Curso de Formação de Multiplicadores, ocorrido em Brasília, no período de 15 a 17 de dezembro do ano passado. 434 Dados disponíveis em http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Boletim/sumario.asp . Acesso em 11 mar. 2009 459 460 Revista ESMAC No âmbito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Rio Branco, no estado do Acre, com apenas um ano de instalação, os números são os seguintes: Processos distribuídos 3.288 Processos arquivados 461 Processos Ativos 2.827 Processos Julgados 264 Medidas Protetivas apreciadas 2.054 Prisões: - Auto de Prisão em Flagrante 246 - Prisão Preventiva 45 Liberdade Provisória 92 Revogação de Prisão Preventiva 9 Relaxamento de prisão 32 Renúncia à representação 262 Se por um lado isto é bom, por outro é muito maléfico, na medida em que contribui para o inchaço da máquina judiciária e, por conseguinte, para o retardamento da prestação jurisdicional, confirmando, assim, o que disse o Desembargador Lécio Resende (informação verbal), Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal435, quando afirmou que “o sistema garante o acesso ao Judiciário, mas não permite a saída”. A afirmação do ilustre magistrado é constatada pelo número de casos novos protocolados em 2007 no âmbito do primeiro e segundo grau da Justiça Estadual brasileira, conforme se observa da tabela fornecida pelo programa Justiça em Números (2007), do Conselho Nacional de Justiça436: 435 Em sua fala na palestra de abertura do I Congresso Brasileiro de Mediação Judicial, realizado em Brasília, no período de 03 a 05 de março do ano pretérito. 436Dadosdisponíveisemhttp://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justica_em_numeros_2007.pdf. Acesso em 13 mar. 2009. 461 462 Revista ESMAC 463 É de se registrar que esse congestionamento afeta não apenas a prestação jurisdicional, mas também outras áreas e setores de âmbito estadual ou nacional, como é o caso, por exemplo, da questão orçamentária, cujos gastos com toda a estrutura judiciária alcançam, no caso do Acre, por exemplo, 1,68% das despesas totais do PIB Estadual, conforme se verifica na tabela do programa anteriormente referido437: Outro aspecto que tem contribuído para a lentidão do Judiciário é a questão do grande número de recursos. Mesmo com as reformas legislativas no âmbito processual e a criação de outros instrumentos, através da Emenda Constitucional nº 45/2004, com o fim de frear essa demanda, como, por exemplo, a súmula vinculante, decorrente de reiteradas decisões em matéria constitucional, e a repercussão geral como pressuposto de admissibi437Dadosdisponíveisemhttp://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justica_em_numeros_2007.pdf. Acesso em 13 mar. 2009. 464 Revista ESMAC lidade do recurso extraordinário, tratada nos arts. 102 § 3º e 103-A da CF, regulamentadas, respectivamente, pelas leis nº 11.417, de 19.12.2006 e nº 11.418, de 19.12.2006, a redução do número de recursos, seja especial, seja extraordinário, ainda é insipiente. O desembargador Cláudio Balbino Maciel438, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao comentar a Reforma do Judiciário, afirmou que ela não interessava aos grandes perdedores de causas judiciais, quais sejam, a União, os Estado e os municípios, os quais diuturnamente se utilizam dos recursos apenas para adiar o cumprimento das sentenças, conscientes de que as causas já estão perdidas. Segundo aquele Desembargador, o problema, neste particular, reside no fato de que há muitos interesses em jogo, considerando que, hoje, protelar o cumprimento de sentenças por meio de recursos traz lucros para os devedores, já que o custo é de apen as 0,5% de juros por mês. Ressalta, ainda, o eminente magistrado, que “Talvez mais da metade dos processos hoje existentes sejam falsos litígios, ou seja, sejam causas perdidas, em que o perdedor só quer ganhar tempo”. Aponta ele, também, outros beneficiários da lentidão: os advogados que têm a remuneração vinculada à realização de atos processuais, ganhando, por exemplo, pela interposição de um recurso. Todas estas mazelas são por demais conhecidas do Judiciário. Não obstante, referido poder não tem conseguido encontrar mecanismos para contê-las ou mesmo eliminá-las do âmbito de sua atuação. Isso decorre do fato de que, ao longo de décadas, o mesmo preferiu manter-se passivo, como se nada lhe atingisse. Surgem daí as acirradas críticas e o descontentamento do povo brasileiro que tem se perguntado, sem obter respostas: Como se falar em cidadania se o Poder Judiciário não tem cumprido o seu papel de promover a pacificação social, nem, tampouco, garantido ao cidadão o acesso à justiça? Nem se diga que acesso à justiça é o mesmo que acesso a jurisdição. A primeira tem a ver com resolver a causa e, a segunda, com julgar a causa. Não basta ter uma ação em curso no Judiciário, é necessário que esta ação seja julgada, ainda que contrária aos interesses de quem a promoveu. Não é demais lembrar que o acesso à justiça, que antes se constituía apenas em uma garantia formal, passou a representar um direito efetivo. Assim, não basta resolver o processo, faz-se necessário resolver o conflito. E aqui reside o outro lado da ineficiência do Poder Judiciário, o qual tem se limitado a solucionar as controvérsias apenas no âmbito jurídico, sem se preocupar com as outras questões que envolvem o conflito (sociológica, econômica, psicológica, etc...), as quais, embora não colocadas de forma expressa na inicial e contestação, integram o litígio, porém não são consideradas pelo magistrado ao julgar a causa. É que o magistrado, no seu dia-a-dia, lida apenas com uma parcela do conflito que envolve as partes. Na maioria das vezes sequer toma conhecimento do conflito de fundo, ou seja, daquele que gerou o litígio jurídico, e sua decisão, que se atem apenas ao aspecto jurídico-formal, resolve o processo, mas não resolve o litígio. Muitas vezes, tal decisão acaba por agravar o(s) conflito(s) de fundo (social, familiar, econômico, político...), o que o Juiz 438 MACIEL, Cláudio Balbino. Reforma só atenua a lentidão da Justiça. Folha de S. Paulo, São Paulo, 09 Jul.04. 465 de Direito da Bahia, André Gomma439, chama de “litigiosidade remanescente”, fazendo com que estas partes novamente procurem o Poder Judiciário para resolver aquelas questões que, no passado, não ficaram evidenciadas. Nesse contexto, muitos tribunais do país, preocupados em reverter esse cenário, têm tentado inserir no âmbito da atividade judicial, e até mesmo pré-judicial, novas técnicas de resolução de conflitos. Apesar dos esforços, esses mecanismos não têm tido a atenção que merecem. Não obstante, alguns tribunais já despontam com um trabalho de sucesso nessa área, dentre eles pode-se mencionar o Mediativa – Instituto de Mediação Transformativa, em São Paulo, que vem desenvolvendo vários projetos de mediação nas Comarcas daquele estado. Há, ainda, o trabalho de mediação que vem sendo realizado, com êxito, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no âmbito familiar, e que, a partir de 2008, foi estendido também para as varas cíveis. Além destes, há, também, a mediação familiar implementada nas comarcas do Rio Grande do Sul; o trabalho de conciliação e mediação realizado, com grande êxito, por agentes comunitários nos bairros da capital de Rio Branco, e tanto outros trabalhos merecedores de destaque nessa área. Também preocupado com os rumos do Judiciário brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça instituiu, em agosto de 2006, o Movimentação pela Conciliação, o qual tem como objetivo a solução de conflitos por meio da conciliação, posto que esta técnica estimula a cultura do diálogo, com a finalidade de tornar a Justiça mais rápida e efetiva. Em 2007, por exemplo, foram mobilizados cerca de 3 mil magistrados e 20 mil servidores e colaboradores, possibilitando o atendimento de mais de 300 mil pessoas. Somente na 3ª Semana Nacional pela Conciliação, a qual ocorreu nos dias 1º a 5 de dezembro do ano pretérito, foram realizadas mais de 305 mil audiências e homologados mais de 135 mil acordos, totalizando cerca de R$ 1 bilhão de processos solucionados por meio do diálogo entre as partes.440 Muito embora tal movimento venha apontando resultados excelentes, há que melhor ser avaliado, na medida em que o mesmo não alcança a finalidade precípua das técnicas de autocomposição dos conflitos, já que o objetivo maior da instituição deste movimento pelo Conselho Nacional de Justiça é o de desobstruir o Judiciário, conforme salientado acima, e não de pacificar os conflitos existentes entre as partes. Não resta dúvida de que há diversas vantagens no uso das técnicas de autocomposição. Ada Pellegrini441, por exemplo, aponta três fundamentos para a utilização das vias conciliativas: o funcional, o social e o político. O fundamento funcional, justificado pela crise da Justiça, traduz-se pelo eficientismo, isto é, buscar a racionalização na distribuição da justiça, desobstruindo os tribunais, ao atribuir-se a solução de certas controvérsias a instrumentos institucionalizados que buscam a autocomposição, tais como a mediação e a conciliação, além da recuperação de 439 AZEVEDO, André Gomma. Mudança de paradigma. Revista Justilex, Distrito Federal, n. 44, p. 6-8, ago. 2005. Entrevista. 440Dadosdisponíveisemhttp://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6977:movimento-pela-conciliacao-e-institucionalizado-no-cnj&catid=1:notas&Itemid=675 . Acesso em 22 mar. 2009. 441 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da justiça conciliativa. Revista da Escola Nacional da Magistratura Distrito Federal, n. 05, p. 22-27, mai. 2008. 466 Revista ESMAC certas controvérsias que permaneceriam sem solução na sociedade contemporânea, em face da inadequação da técnica processual. O segundo fundamento das vias conciliativas, o social, consiste na função da pacificação social, isto é, na solução não só da parcela de lide levada a juízo, ou seja, não só da ponta do iceberg, mas também dos problemas de relacionamento que estão na base da litigiosidade, os quais não ficam evidenciados no processo tradicional. Por fim, há o fundamento político, que está contido no aspecto da participação do povo na administraçãodaJustiça,pelacolaboraçãodocorposocialnosprocedimentosdemediaçãoeconciliação. É sobre essas diversas formas de solução de conflitos que o próximo tópico irá abordar. 467 3. FORMAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS “O homem é um ser social. O que vive, isoladamente, sempre, ou é um Deus ou uma besta.”442 A célebre frase de Aristóteles resume a necessidade do ser humano de se relacionar com outros de sua espécie e, por conseguinte, de se adaptar às normas vigentes, sejam elas sociais ou impostas por Lei, para que possa ter uma convivência harmônica em sociedade, sob pena de sofrer sanções. Tem-se, então, que o conflito decorre da inobservância das regras de direito comum, pautadas no brocardo “o direito de um termina onde começa o do outro”. A ser assim, pode-se afirmar que o conflito nasceu com o homem, na sua convivência em sociedade e, com ele, foram surgindo, desde os primórdios, diversas formas de resolução dos conflitos. Daí se conclui que o homem é o elemento comum entre todas elas, já ele é o foco de todos os interesses, para que se alcance uma convivência pacífica entre os indivíduos. O mais primitivo meio de resolução de conflito é a autotutela, em que a solução da controvérsia se dá pelas próprias partes, através da força, ao se impor, mediante violência moral (vis relativa) ou física (vis absoluta), uma vontade sobre a outra, vencendo a resistência do adversário, sem a interferência de um terceiro com poder de decisão. Tal forma de resolução dos conflitos é, em regra, vedada no sistema jurídico brasileiro, havendo, entretanto, algumas exceções. A heterocomposição constitui-se em outra forma de resolução de controvérsias, onde a solução do conflito decorre da imposição de uma decisão de um terceiro, neutro ao conflito, ficando as partes vinculadas àquele. No sistema brasileiro, essa função é atribuída aos órgãos jurisdicionais, havendo órgão jurisdicional de natureza pública ou estatal, que é o Poder Judiciário, e o de natureza privada, que é a arbitragem, instituída pela L. 9.307/96. Na heterocomposição, seja na função exercida pelo Poder Judiciário, seja naquela exercida pelo árbitro, a decisão é imposta às partes, em uma solução adversarial, sendo absolutamente comum, exatamente por conta da imposição, que uma delas não fique satisfeita com aquilo que ficou decidido, o que acarreta não só a interposição de diversos recursos, quando cabíveis, com o retardamento da prestação jurisdicional, como já dito, bem como o desgaste do relacionamento entre autor e réu, quando existente. Um terceiro tipo de solução de conflito é a autocomposição, que é a resolução do conflito mediante ajuste voluntário entre os litigantes. Pode ser direta ou bipolar (quando as próprias partes resolvem o conflito) ou indireta ou assistida ou triangular (quando as partes são assistidas por um terceiro, neutro ao conflito, como ocorre na mediação e na conciliação). A autocomposição pode dar-se: pela transação, onde cada parte abre mão de um pouco, fazendo concessões recíprocas; pela renúncia, quando o autor renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação; e pelo reconhecimento jurídico do pedido, quando o réu dá razão ao autor. Esta terceira forma de solução de controvérsia – autocomposição – se utiliza de 442Disponívelemhttp://www.pucsp.br/pos/cesima/schenberg/alunos/paulosergio/teologia.htm. Acessoem 17mar. 2009. 468 Revista ESMAC três técnicas para obter a resolução do conflito: a negociação, onde há a aproximação das partes sem a intervenção de terceiro, como, por exemplo, quando há a conversação direta entre as partes ou quando o advogado do autor conversa com o advogado do réu, a conciliação e a mediação. Nestas duas últimas, a aproximação é realizada com a intervenção de um terceiro, sendo que, na conciliação, o terceiro é ativo, sugerindo soluções. Para Roberto Bacellar443, a conciliação pode ser definida como “um acordo de vontades, onde as pessoas fazem concessões mútuas, a fim de solucionar o conflito”. Na mediação, diferentemente, o terceiro é passivo, funcionando como apaziguador de ânimos, deixando que as próprias partes cheguem a uma solução. De acordo com o mesmo autor, a mediação pode ser definida, grosso modo, como técnica de indução das pessoas interessadas na resolução de um conflito a encontrarem, através de uma conversa, soluções criativas para o mesmo, com ganhos mútuos e com a preservação do relacionamento entre elas. Isto é, trata-se de um diálogo assistido por um mediador, cujo fim é propiciar um acordo satisfatório para os interessados e por eles desejado, preservando-lhes o bom relacionamento. Geralmente, a conciliação é utilizada para as causas patrimoniais, situações circunstanciais, como, por exemplo, um pedido de indenização por acidente de veículo, onde as partes não se conhecem e o único vínculo entre elas é o objeto do acidente. Já a mediação, por lidar com os sentimentos das partes envolvidas na questão, é utilizada para causas não patrimoniais, como aquelas que envolvem questões de amizade, vizinhança, relações comerciais, trabalhistas, mais principalmente as causas de família, onde há múltiplos vínculos. Nesse passo, ensina o Professor Sousa Santos444 que, quando as partes estão envolvidas em relações multiplexas, ou seja, relações de múltiplo vínculo (opostas às relações circunstanciais, de vínculo único, que se estabelecem entre estranhos), “a continuidade das relações por sobre o conflito tende a criar um peso estrutural a cuja equilibração só a mediação adequa”. Isto porque, valorizando os laços fundamentais de relacionamento, incentivando o respeito à vontade dos interessados e ressaltando os pontos positivos de cada um destes, ao final se extrai, como conseqüência natural do processo, os verdadeiros interesses em conflito. O que há de comum em todas as técnicas de resolução de controvérsias é que, a todas elas, aplicam-se os princípios processuais previstos na Constituição (devido processo legal, Juiz natural, contraditório, ampla defesa...), havendo sempre, segundo André Gomma, a possibilidade de reexame pelo órgão estatal445. Doravante, a abordagem será em torno da mediação. 443 BACELLAR, Roberto Portugal. A mediação no contexto dos modelos consensuais de resolução de conflitos. In: I ENCONTRO ESTADUAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS, 11.., 1998, Rio Branco, Anais ... Rio Branco: Tribunal de Justiça – Coordenadoria dos Juizados Especiais, 1998, pp. 12,13. 444 BACELLAR, 1998, p. 17 apud SOUSA SANTOS, 1980, p. 08. 445 AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação - série Grupos de Pesquisa em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 152-154 469 4. MEDIAÇÃO Historicamente o Direito Processual era voltado exclusivamente à composição de litígios, cujo foco, até meados do séc. XX, era a conceituação e compreensão dos seus institutos. Passada a fase imanentista (ou privada) e a fase autonomista, já não há mais razão para se manter a idéia axiológica de que o Direito Processual é o único instrumento de resolução de conflitos; novas funções, modelos e escopos devem ser atingidos através de um sistema jurídico-processual moderno e efetivo, voltado para os fins do processo. Niceto Alcalá Zamora Y Castillo446 apresenta em sua obra Processo, Autocomposición y Autodefesa, três missões transcendentais do sistema processual: a jurídica (em que o sistema processual serve como instrumento para a realização do direito objetivo em caso de litígio), a política (voltada à realização de garantias e liberdades decorrentes das estruturas institucionais do Estado) e a social (voltada à contribuição para a convivência pacífica dos jurisdicionados). Ao que o autor chama de missões do processo. Ada Pellegrini447, citada anteriormente, denomina de fundamentos para a utilização das vias conciliativas. Inspirado no mesmo autor Cândido Rangel Dinamarco estabeleceu os escopos do sistema processual também em três categorias: sociais, políticas e jurídicas. A primeira, voltada à realização efetiva da pacificação social; a segunda, relacionada com a função do ordenamento jurídico-processual de influenciar politicamente as relações do Estado com o cidadão; a terceira, voltada à realização do direito material, ou seja, à atuação da vontade concreta da lei. Enfim, embora com denominações diferentes, seja pelo aspecto jurídico, político ou social, o sistema processual vigente caminha para novos horizontes, e novos escopos sociais estão lentamente sendo introduzidos nos sistemas processuais modernos, estabelecendo alguns doutrinadores, como Baruch Bush e Dinamarco448, as orientações voltadas à compreensão recíproca das partes (validação) e a educação destas para composição da controvérsia (capacitação ou empoderamento) com escopos da mediação. Por ter como principal escopo a pacificação social, dentre os chamados métodos alternativos de resolução de conflitos a mediação é a que tem recebido maior atenção. Enquanto há uma corrente que critica sua utilização, questionando se não seria parte de um processo de privatização das funções judiciais, as quais são consideradas eminentemente estatais; se não estaria havendo um enfraquecimento da figura estatal, com a outorga, pelo Estado, de suas atribuições jurisdicionais aos cidadãos, diminuindo-lhe a autoridade de arbitrar conflitos e equilibrar desigualdades para promover a paz social, outros entendem que a mediação surge como uma alternativa eficaz para combater a morosidade e a inacessibilidade do processo judicial oficial, na medida em que o acesso à Justiça, embora garantido constitucionalmente, ainda é difícil para muitos cidadãos, além do que o processo 446 Citado por AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação - série Grupos de Pesquisa em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 152-154. 447 GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da justiça conciliativa. Revista da Escola Nacional da Magistratura Distrito Federal, n. 05, p. 22-27, mai. 2008. 448 Citados por AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação - série Grupos de Pesquisa em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 156-157 470 Revista ESMAC tradicional demora muitos anos para ser decidido. Há, ainda, aqueles que a consideram um instrumento de resgate do estatuto do cidadão e da comunidade, para restaurar a sua capacidade emancipatória, através da autogestão de seus conflitos.449 Não obstante o reconhecimento da eficácia deste novo instrumento de resolução de controvérsias, pouco ou quase nada tem sido escrito a respeito. No cenário nacional o assunto, por se apresentar ainda novo, não tem tido a atenção que requer e merece. 4.1 Conceito O conceito de mediação ainda é bastante controvertido e varia de acordo com o núcleo de abordagem do doutrinador. A corrente majoritária a define como um processo autocompositivo, informal, porém estruturado, no qual um terceiro imparcial auxilia as partes em disputa a encontrar, elas mesmas, soluções que compatibilizem os seus interesses e necessidades450. Para Christopher MOORE451: Amediaçãoéumprolongamentoouaperfeiçoamentodoprocessodenegociaçãoqueenvolve a interferência de uma aceitável terceira parte, que tem poder de tomada de decisões limitado ou não-autoritário. Esta pessoa ajuda as partes principais a chegarem de forma voluntária a um acordo mutuamente aceitável das questões em disputa. Da mesma forma que ocorre com a negociação, a mediação deixa que as pessoas envolvidas no conflito tomem as decisões. A mediação é um processo voluntário em que os participantes devem estar dispostos a aceitar a ajuda do interventor se sua função for ajudá-los a lidar com diferenças – resolvê-las. Já o autor Karl A. Slaikeu452 define mediação como “um processo através do qual uma terceira pessoa auxilia duas ou mais partes a elaborar sua própria solução para um conflito”. 449 JUSTIÇA COMUNITÁRIA – Uma experiência, 2008, Brasília. Anais... Brasília: Ministério da Justiça, 2008, 185p. 450 SLAIKEU, Karl A. No final das contas: um manual prático para a mediação de conflitos. Tradução Grupo de Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 35-38. 451 MOORE, Christopher W. O Processo de Mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. Porto Alegre: ArtMed, 1998. p. 22-23 452 SLAIKEU, Karl A. No final das contas: um manual prático para a mediação de conflitos. Tradução Grupo de Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 35-38. 471 4.2 Contextualização histórica Se fizermos um retrospecto na história iremos observar que a mediação esteve presente em quase todas as culturas ao redor do mundo, a qual era praticada, inclusive, pelos nativos. Nas comunidades religiosas, fossem elas judaicas, cristãs, islâmicas, hinduístas ou budistas, era comum que os líderes religiosos desempenhassem o papel de mediadores, resolvendo conflitos civis e religiosos. Na China, as idéias de Confúcio desempenharam um importante papel na evolução e desenvolvimento da mediação no âmbito comunitário. Isto porque, segundo referido pensador, preservar a harmonia era dever de todos. Apenas quando a comunidade reconhecesse ser incapaz de realizar essa tarefa é que a mesma deveria recorrer ao direito positivo e à regulação. Segundo a filosofia confuncionista, a harmonia entre os homens só pode ser conseguida quando as pessoas suportam mutuamente a natureza individual de cada um. Após a colonização das Américas, as comunidades que passaram a se formar com a migração de diversas culturas para esses continentes, também utilizavam métodos não-judiciais para a resolução de seus conflitos. No período colonial, a resolução não-judicial dos conflitos expressava um forte impulso comunitário e era tanto maior quanto mais forte fossem os laços entre seus membros. Em algumas comunidades, especialmente nas religiosas, a resolução dos conflitos por via judicial era explicitamente desencorajada, implicando até mesmo sanções sociais para aqueles que não respeitassem essa regra. Com o desenvolvimento do comércio criou-se a necessidade de uma uniformização das práticas de resolução de disputas para a proteção dos interesses individuais dos comerciantes perante as diversas comunidades em que atuavam, o que fez com que a importância da mediação comunitária fosse mitigada diante da supremacia da lei. Os grupos imigrantes do século XIX também tiveram importante participação no histórico da mediação comunitária. Colônias italianas, gregas, holandesas, escandinavas e judaicas, principalmente na América do Norte, freqüentemente desenvolviam câmaras de mediação e arbitragem para resolver conflitos internos. Contemporaneamente, a mediação surge nos Estados Unidos da América, na década de 1970. Sua evolução ocorreu de forma rápida e eficaz, sendo logo incorporada ao sistema legal. Em alguns Estados, a mediação tornou-se obrigatória, na fase que antecede o procedimento judicial. No final da década de 70, a mediação chegou à Inglaterra, passando a ser aplicada por alguns advogados independentes. Sua primeira manifestação, no Brasil, decorreu das Ordenações Filipinas. Depois foi regulamentada nacionalmente, na Carta Constitucional do Império, de 1824, ao reconhecer a atuação conciliatória do Juiz de Paz, ante o desenvolvimento dos processos. Na legislação brasileira, a mediação teve sua importância reconhecida, inicialmente, na reforma do Código de Processo Civil de 1994 (audiências de conciliação prévia) e igualmente na Lei n. 9.099/95, dos Juizados Especiais. Atualmente, tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei, de autoria da deputada Zulaiê Cobra, propondo a institucionalização e disciplina da mediação como método de 472 Revista ESMAC preservação e solução consensual de conflitos. Dessacontextualizaçãopode-seafirmarqueamediaçãosurgiuconcomitantemente com os conflitos do homem, como instrumento de pacificação dos conflitos com seus semelhantes. Porém, ante a falência de métodos tradicionais, observa-se que, durante as últimas duas décadas, o uso de métodos de resoluções alternativas de disputas vem se desenvolvendo em grande escala, o que tem gerado grande interesse acerca de sua vantagem conceitual e eficiência institucional453. 4.3 Princípios da mediação A mediação possui alguns princípios peculiares, necessários para o desenvolvimento da atividade e o sucesso na solução dos litígios. Dentre eles, destacam-se os seguintes: - Princípio da Confidencialidade/Privacidade: tem-se por este princípio que o processo de mediação deverá ser realizado em um ambiente privado, havendo, inclusive, um acordo de confidencialidade entre as partes, seus advogados, acaso existentes, e o mediador, com o fim de oportunizar um clima de confiança e respeito, necessários para que se tenha um diálogo franco, possibilitando, portanto, as negociações; - Princípio da Imparcialidade: na mediação, as partes são auxiliadas por um terceiro, dito imparcial, ou seja, o mediador não pode tomar partido por qualquer uma das pessoas em conflito, devendo manter-se neutro, eqüidistante das partes, não podendo se aliar a nenhuma delas; - Princípio da Informalidade/Oralidade: o procedimento da mediação, em relação ao processo judicial, é informal, simples, sendo valorizada a oralidade, uma vez que a grande maioria das intervenções é feita através do diálogo. Este princípio busca a celeridade, a simplicidade e a economia na resolução dos conflitos; - Princípio da Reaproximação das partes: ao contrário do que ocorre em um processo judicial tradicional, onde as partes são adversárias, a mediação busca aproximar as partes, nivelandoas a um mesmo patamar com o fim de se estabelecer reciprocidade entre elas; não basta a resolução do litígio, com a redação de um acordo, mas o restabelecimento do relacionamento. Se as pessoas em conflito não conseguirem restabelecer referido relacionamento, o processo de mediação não terá sido completo, não será possível o diálogo e, por conseguinte, a mediação não terá tido qualquer êxito. Deste princípio, decorre um outro, o da não-competitividade, que se traduz pela estimulação de um espírito colaborador entre as partes. Com a mediação, não se busca que uma parte seja perdedora e a outra ganhadora, mas, sim, que ambas possam ceder um pouco e ganhar de alguma forma. Procura-se amenizar eventuais sentimentos negativos entre as pessoas em conflito; - Princípio da Autonomia das decisões/Autocomposição: na mediação o acordo é obtido pelas próprias pessoas em conflitos, as quais são auxiliadas por um ou mais mediadores, cabendo a elas a responsabilidade por suas escolhas. O mediador, por sua vez, não pode decidir pelas partes, não tem qualquer poder de decisão. Ele é apenas o facilitador da comunicação, estimulador do diálogo, um auxiliar na resolução dos conflitos, mas não os decide. 453 AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação - série Grupos de Pesquisa em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 109. 473 4.4 Papel do mediador O papel do mediador, como regra, é apenas facilitar a comunicação das partes, as quais deverão, com o auxílio daquele, encontrar a solução para chegar a um acordo. O mediador, diferentemente do árbitro e do Juiz, não decide nada, nem profere decisão, servindo apenas de intermediário entre as partes.454 Não há uma fórmula específica para definir um bom mediador.455 Em decorrência dos princípios acima citados, a literatura tem apontado como atributos fundamentais para que um mediador tenha êxito em sua atividade: ser imparcial (neutro no que concerne à questão de substância do processo de mediação); transmitir confiança e garantir a confidencialidade; ser bom ouvinte e não ter pressa (a pressa é inimiga da mediação), além de demonstrar serenidade. Deve, ainda, o mediador conhecer seus próprios preconceitos; estar atento às influências culturais e ter familiaridade com o sentimento das partes. Na busca dos seus objetivos o mediador deve encontrar seus limites de controle e influência frente às partes em conflito, prestando cuidadosa atenção nos interesses das mesmas. Deve interpretar o que escuta quando as partes contam suas histórias, fazendo anotações, para depois revê-las nas reuniões conjuntas.456 Embora não se exija formação acadêmico-jurídica, o mediador deve ser especialista no processo de resolução de conflitos e conhecedor, ainda que de forma superficial, das questões substantivas que serão discutidas (diferentemente da arbitragem, em que se exige do árbitro conhecimento da matéria sobre a qual irá versar a discussão, como responsabilidade civil, engenharia, entre outras). Além disso, deve o mediador ser assertivo, ao invés de ficar inerte à discussão entre as partes, tudo sob pena de estar fadado ao fracasso.457 Por conta de todas essas características que um bom mediador deve ter é que se faz necessário um treinamento específico, isto é, a capacitação dos mediadores, posto que a maior dificuldade na mediação é a falta de conhecimento das técnicas. Um mediador preparado é sinônimo de mediação com sucesso. Em que pese não haja, ainda, em nosso país, um critério estabelecido para a seleção, capacitação e acompanhamento das atividades realizadas pelos mediadores, necessária a regulamentação, com critérios objetivos, de como será feito o processo seletivo, ainda que simplificado, para não só verificar a capacidade do candidato a mediador, mas também para se reduzir os prejuízos advindos da falta de qualidade e interesse daquele que atua nesta área, principalmente no que concerne à satisfação das partes e à solução dos litígios. Ainda não há, também, nenhuma forma de licenciamento governamental para mediadores, apesar de várias organizações conferirem certificados aos que participam de semi454 AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação - série Grupos de Pesquisa em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 193. 455 Idem – Ibidem, p. 35.. 456 SLAIKEU, Karl A. No final das contas: um manual prático para a mediação de conflitos. Tradução Grupo de Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 18.. 457 SLAIKEU, Karl A. No final das contas: um manual prático para a mediação de conflitos. Tradução Grupo de Pesquisa e Trabalho em Arbitragem, Mediação e Negociação na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 35-38. 474 Revista ESMAC nários e treinamento em mediação. No cenário internacional, os mediadores são escolhidos mais pela confiança que inspiram ou de sua aceitação pelas partes e por suas experiências anteriores do que pelo credenciamento profissional ou treinamento acadêmico. Espera-se que, num futuro bem próximo, com o crescimento, divulgação e aplicação da mediação, que os mediadores passem a ser licenciados e regulados e que a mediação possa ser encarada como uma disciplina profissional, incluídas nos currículos das faculdades. Aliás, nesse aspecto, faz-se necessária a mudança de mentalidade dos responsáveis pelo conteúdo programático dos cursos de direito, a fim de que se possa extirpar a idéia de litigiosidade da atividade jurídica acadêmica, demonstrando-se ser o campo da mediação mais uma oportunidade de atuação dos bacharéis em Direito. Já há algumas iniciativas, neste sentido, nas faculdades de direito de São Paulo e do Distrito Federal, onde já possuem a disciplina de mediação na grade curricular. Por conta disso, em Brasília grande parte dos advogados daquele estado/município aconselham seus clientes participar da mediação. Outra questão que se encontra pendente de regulamentação, e que, com o crescimento, divulgação e aplicação da mediação, deve ser objeto de profunda análise e reflexão, é a responsabilidade civil do mediador por danos causados às partes, seja na mediação judicial ou extrajudicial. Na medida em que a mediação passa a ser utilizada como forma de resolução de conflitos, e ante a falta de previsão legal acerca da responsabilidade civil do mediador, não nos parece coerente deixá-lo isento da reparação dos danos que por ventura possa causar às partes envolvidas no processo de mediação, ainda que estas tenham optado, voluntariamente, pela mediação e pela escolha do mediador. No que tange à mediação judicial, penso que a questão deve ser tratada na forma do que dispõe o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, na medida em que, à falta de regulamentação, o mediador, assim como o árbitro (art. 17 da Lei n. 9.307/96), fica equiparado a funcionário público quando no exercício da função ou em razão dela. Assim, quaisquer danos causados por funcionário público ao particular - no caso, às partes que optaram pela mediação - serão imputados diretamente à pessoa jurídica de cuja organização faz parte referido funcionário. Portanto, uma vez sendo o mediador nomeado pelo Juiz, atua na condição de funcionário público, e os atos por ele praticados deverão ser imputados à pessoa jurídica de cuja organização no caso, o Tribunal de Justiça, fizer parte o Juiz que o nomeou, cabendo à parte lesada buscar a reparação. Por outro lado, na mediação extrajudicial, ainda que as partes tenham optado, voluntariamente, pela mediação e pela escolha do mediador, a partir do momento em que este é nomeado por aquelas, passa a existir uma relação jurídica contratual, na medida em que nasce uma convenção entre as partes, por um compromisso, expresso e volitivo, de elegerem o mediador para condução, pelo processo de mediação, do conflito que os envolve, de uma forma neutra e imparcial, mantendo a confidencialidade. Uma vez infringindo esses preceitos e causando dano a uma das partes ou a ambas, deverá o mediador responder sob aquele enfoque, qual seja, da responsabilidade civil contratual subjetiva, na forma do que dispõe o art. 927 e seguintes do CC, ou, ainda, nos termos 458 458 AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação - série Grupos de Pesquisa em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 38. 475 do art. 14, § 4º, da Lei n.8.078/90. Analisados estes aspectos, passaremos, agora, a enfocar a aplicação prática da mediação em uma vara de violência doméstica, seja através da mediação pré-judicial, seja na pós-judicial. 476 Revista ESMAC 5. A MEDIAÇÃO NA VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER 5.1. Breve contextualização da violência no âmbito doméstico e familiar A violência contra a mulher é uma realidade presente na vida da maioria das mulheres, principalmente das pobres e negras. Ela decorre da cultura patriarcal e machista, incorporada na sociedade, a qual oprime e violenta as mulheres, na medida em que, embora homens e mulheres nasçam iguais, a sociedade impõe papéis diferenciados para ambos os sexos, prevalecendo, em todos os aspectos, a superioridade daqueles sobre estas. O fenômeno da violência contra a mulher é inerente ao padrão das organizações desiguais de gênero que, por sua vez, são tão estruturais quanto à divisão da sociedade em classes sociais, ou seja, o gênero, a classe e a raça/etnia são igualmente estruturantes das relações sociais. Na realidade, as diferenças entre homens e mulheres têm sido sistematicamente convertidas em desigualdades em detrimento do gênero feminino, sendo a violência contra mulher a sua face mais cruel. No caso da realidade brasileira, além da violência física, sexual, moral, psicológica e patrimonial, as quais ocorrem frequentemente dentro dos lares, praticadas por companheiros, maridos, namorados, amantes, filhos, pais e outros parentes ou por aqueles que já tiveram com elas uma relação doméstica ou familiar, o que as torna mais vulneráveis a estas práticas, existe, ainda, a violência social disfarçada, que se reflete fortemente no dia-a-dia de todas as mulheres fora de suas casas, fazendo com sejam discriminadas na vida pública como, por exemplo, no trânsito, nos salários inferiores aos dos homens, na maior dificuldade de ingressar no mercado de trabalho, etc... No Brasil, a preocupação com a violência contra a mulher, como problema social, teve como marco a atuação dos movimentos feministas, a partir de meados da década de 1970, lutas que se ampliaram, no início dos anos 1980, para a denúncia de espancamentos e de maus-tratos conjugais, conduzindo à criação dos primeiros serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência, a exemplo dos SOS Mulher, e, no âmbito governamental, das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM’s), criadas a partir de 1985. Em nosso país, pesquisas apontam que, a cada 15 segundos, uma mulher é vítima de violência. Segundo fontes oficiais, somente na capital do Acre, em 2008, quatro mulheres foram brutalmente assassinadas, não se tendo dados acerca do número de mortes ocorridas no interior do estado. Conforme relatório constante do corpo deste trabalho, em apenas um ano de instalação (fevereiro/2008 a fevereiro/2009), a Vara de Violência Doméstica e Familiar registrou um acervo processual de 3.288 feitos, o que demonstra o índice de violência e a falta de estrutura para combater, de forma eficaz, os diversos tipos de crimes praticados contra as mulheres. De se ressaltar que, em contraposição a esses números, existem, no estado, apenas uma Delegacia e uma Vara Especializada no Atendimento à Mulher. Acrescente-se a isso a frágil rede de serviços disponíveis na prevenção e combate à violência contra a mulher. 477 Aliado à falta de estrutura, há que se considerar, ainda, que as experiências têm revelado que as mulheres vítimas de violência e de maus tratos que buscam recursos e apoios nas DEAM’s sofrem outro tipo de violência, aquela decorrente da discriminação e do corporativismo da maioria dos agentes policiais, os quais, não se sabe se intencionalmente, não estão aptos a compreender a dinâmica destes atos violentos e, em algumas vezes, até mesmo fazem pouco caso das agressões sofridas por aquelas. O dia-a-dia frente à Vara da Violência Doméstica e Familiar tem revelado que esses profissionais têm dificuldade em lidar com fenômenos dessa natureza por estarem inseridos na mesma estrutura social e cultural de relações e de simbolizações do gênero, origem de variados tipos de violência contra as mulheres. É exatamente essa estrutura, a qual desvaloriza as mulheres, que norteia as concepções e práticas destes profissionais. Percebe-se, por outro lado, que apesar dos índices alarmantes de violência contra as mulheres, em nosso país as políticas públicas de prevenção e combate à violência nesta área se mostram, muitas vezes, ineficientes ou mesmo inexistentes, existindo poucos serviços disponíveis e uma carência de profissionais capacitados e sensibilizados para atuar junto a esta problemática. Outra questão que dificulta o trato do problema é a escassez de dados e a forma preconceituosa como é tratado o assunto no âmbito jurídico, mormente quando se trata da constitucionalidade da lei e do que se pode chamar de violência doméstica e familiar, o que dificulta traçar um retrato completo da violência. Porém, basta que se leia ou se assista os noticiários para se ter uma idéia da dimensão do problema. Em que pese a Constituição de 1988 preconize que:“homens e mulheres são iguais perante a Lei”, e apesar do avanço com a promulgação da Lei n. 11.340/2006, as leis da força física e do preconceito ainda imperam. Além disso, as causas da violência, na grande maioria o uso de drogas lícitas e ilícitas, refogem ao aspecto jurídico e legislativo, uma vez que são questões de saúde pública, as quais não têm tido a atenção que merecem. Apesar dos percalços, penso que avançamos, na medida em que a idéia principal que norteia esta Lei é caracterizar o tipo de violência, tido como violação dos direitos humanos; tratar do grave problema de saúde pública; além de garantir proteção e procedimentos policiais e judiciais humanizados para as vítimas. Afora isso, a lei tem um cunho social de grande relevância, pois tem por fim promover uma mudança real nos valores sociais, que naturalizam a violência contra a mulher, em que os modelos de dominação masculina e subordinação feminina, durante séculos, foram aceitos pela sociedade. Com esta preocupação, a Lei Maria da Penha apresenta, de maneira detalhada, os conceitos e diferentes formas de violência contra a mulher, pretendendo ser um instrumento de mudança política, jurídica e cultural, criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e dispondo sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como medidas de prevenção da violência, de proteção e assistência integral à mulher. 478 Revista ESMAC 5.2. A ação penal na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher Os crimes de maior incidência no âmbito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, no estado do Acre, são: calúnia (art.138, CP), injúria (art. 140, CP), ameaça (art. 147, CP) e lesão corporal leve (art.129, caput, do CP). No que pertine aos dois primeiros delitos, considerando que são crimes contra a honra da vítima, o Código Penal dispõe que os mesmos são processados através de ação penal privada. Já o crime de ameaça deverá ser processado através de ação penal pública condicionada à representação, por força do que dispõe o Código Penal, em seu art. 147, parágrafo único. Nestes crimes que se processam mediante ação penal pública condicionada à representação, a Lei n. 11.340/06 possibilita à vítima a renúncia à representação criminal, instituto que será examinado a seguir. Em face da controvérsia que se instaurou acerca da natureza jurídica da ação penal nos crimes de lesão corporal leve, a questão será abordada também em tópico específico. 5.3. Da renúncia à representação Como é cediço, renúncia significa abdicação do exercício de um direito, refere-se ao ato através do qual o ofendido abre mão do direito de oferecer a queixa, ou seja, é própria das ações penais privadas. Não obstante a renúncia se constitua num instituto exclusivo da ação penal privada, a Lei n. 9.099/95, entretanto, criou uma hipótese de aplicação deste instituto às infrações de menor potencial ofensivo apuráveis mediante ação pública condicionada. O artigo 74, parágrafo único, da referida lei, estabeleceu que, nos crimes de ação privada e pública condicionada, a composição em relação aos danos civis, homologada pelo juiz da audiência preliminar, implicaria em renúncia ao direito de queixa ou de representação. Esta é a explicação encontrada para o termo utilizado pelo legislador no artigo 16 da Lei n. 11.340/2006, ao enunciar que, nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada para este fim, ouvido o representante do Ministério Público. Entretanto, este termo sofre muitas críticas, pois juridicamente o termo correto seria retratação da representação, uma vez que a renúncia somente poderia ocorrer antes do exercício do direito de representação. Há, portanto, uma imperfeição na lei, pois renunciar significa não exercer o direito de representação e, sem representação, não há inquérito policial e nem a possibilidade de o Ministério Público oferecer a denúncia. A retratação da representação acarreta a decadência, desde que ultrapassado o prazo de seis meses, que tem como efeito a decretação da extinção da punibilidade do agente, ligada, portanto, ao direito de punir do Estado, isto porque o seu exercício afasta o jus puniendi estatal. 479 Nota-se que na parte final do artigo em comento, o legislador inova ao permitir que a retratação seja feita até o recebimento da denúncia. Com efeito, os artigos 25 do Código de Processo Penal e 102 do Código Penal, que dispõem ser a retratação cabível até o oferecimento da denúncia, nos casos abrangidos pela Lei Maria da Penha, estariam derrogados, pois essa retratação é permitida até seu recebimento. Contudo, para dificultar que a vítima requeira a retratação apenas por conta de pressões do agressor, a Lei n. 11.340/06 dispõe que o ato somente será eficaz se ocorrido em audiência especialmente designada para essa finalidade, ou seja, cria uma formalidade processual antes do recebimento da denúncia. Em que pese esta autorização - para que a retratação possa ser feita até o recebimento da denúncia - implique em ganho de tempo para que o agressor procure a vítima e, assim, a convença a desautorizar a procedibilidade da ação penal, pensamos que o legislador buscou preservar a harmonia das relações domésticas ou familiares, posto que, na grande maioria dos casos, as partes, após a instauração do processo, reatam o relacionamento e continuam a conviver juntos, sendo esta uma razão a justificar a utilização dos métodos alternativos, em particular a mediação, para a solução dos conflitos no âmbito da Vara. 5.4. Natureza jurídica da ação penal nos casos de lesões corporais leves e culposas Na medida em que se propõe a aplicação da mediação no âmbito da Vara de Violência Doméstica e Familiar, faz-se necessária uma breve análise acerca da natureza jurídica da ação penal no que tange aos delitos de lesões corporais leves e culposas, posto que estes delitos têm ocorrido com maior incidência nesta unidade jurisdicional. Pois bem. Após a Lei Maria da Penha, instalou-se um intenso questionamento a respeito da natureza jurídica da ação penal nos crimes de lesões corporais leves e culposas. A dúvida é se a ação penal continua sendo condicionada à representação ou voltou a ser pública incondicionada. Senão vejamos: É desnecessário dizer que os delitos previstos no Código Penal são, em regra, de ação pública incondicionada. Porém, em alguns casos, a lei expressamente reclama a iniciativa do ofendido, havendo a necessidade de representação, ou, em outros, dispõe que a ação proceder-se-á mediante queixa para aqueles crimes de ação penal privada. Como não havia ressalva quanto ao crime de lesão corporal, nunca houve qualquer dúvida sobre sua natureza. No entanto, com o advento da Lei 9.099/95, os crimes de lesão corporal leve e lesões culposas passaram a ser processados mediante ação pública condicionada à representação do ofendido. Com a promulgação da Lei n. 11.340/2006, foi acrescentado ao artigo 129 do Código Penal o § 9º, que trata das lesões corporais tendo como especialidade uma relação doméstica ou de afetividade. Eis a redação do dispositivo: (...) § 9º - se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. 480 Revista ESMAC Pena – detenção de 3 (três) meses a 3 (três) anos. Denota-se da leitura do aludido texto que a violência doméstica, embora considerada como lesão corporal, é forma qualificada da lesão, não dependendo de representação da vítima desde o advento da Lei n. 10.886, de 17 de junho de 2004. Portanto, o que a Lei n. 11.340/2006 fez foi reforçar este entendimento, na medida em que vedou a utilização dos Juizados Especiais Criminais para esses delitos. Em verdade, operou-se uma revogação tácita do art. 88 da Lei n. 9.099/95, no que diz respeito aos crimes de lesão corporal praticados nas circunstâncias que implicam violência doméstica. Isto porque, apesar de a Lei Maria da Penha fazer referência à representação nos artigos 12, I e 16, não indicou quais crimes estariam sujeitos à representação da vítima. Ademais, a Lei Maria da Penha afastou a incidência da Lei dos Juizados Especiais dos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena prevista (artigo 41). Inobstante tais disposições, uma parcela considerável da doutrina, como Marcelo Lessa Bastos, Damásio de Jesus, Maria Berenice, Ana Paula Schwelm Gonçalves, Fausto Rodrigues de Lima e outros, entende que o delito de lesão corporal leve deve ser perseguido mediante ação penal pública condicionada, por força do artigo 88 da Lei n. 9.099/95. Já a segunda corrente, que tem, entre outros defensores, Luis Flávio Gomes e Gonçalves e Lima, entende que a Lei Maria da Penha vedou a aplicação dos institutos processuais da Lei n. 9.099/95, especialmente no tocante ao art. 88, de modo que a ação penal passou a ser pública incondicionada para as lesões corporais leves e culposas. Gonçalves e Lima459 exteriorizam seus pensamentos: A Lei não fez expressamente qualquer menção à natureza da ação penal nas infrações de que trata, no entanto, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico, observando-se os princípios que regem a matéria e os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, induz à conclusão de que tais crimes não mais dependem da vontade das vítimas para seu processamento. A nova Lei 11.340/2006, ao determinar expressamente que não se aplica a Lei 9.099/1995 para a violência doméstica contra a mulher (art.41), efetivamente afasta toda a Lei anterior. No entanto, apesar de afastar da Lei 11.340/2006, em seu artigo 16, determinar que nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida só será admitida a renúncia perante o juiz, tal situação não se aplica aos crimes de lesão corporal leve praticadas no âmbito doméstico, somente aos crimes em que o Código Penal expressamente determine que a ação seja condicionada à representação. Assim sendo, os defensores dessa corrente fundamentam-se no fato de que o dispositivo que determina a necessidade de representação para esses crimes é o artigo 88 da Lei n.9.099/95 e, uma vez afastada a aplicação da referida lei, inexistindo qualquer ressalva, conclui-se que a mesma não se aplica por inteiro, inclusive o seu artigo 88, de forma que o artigo 100 do Código Penal, que dispõe ser ação penal pública incondicionada, regularia a matéria. Outros têm esse mesmo pensamento, mas fazem ressalva no tocante aos crimes culposos, pois nestes não tem relevância a situação de mulher como vítima, sendo ainda necessário para estes delitos a representação da vítima. 459 LIMA, Fausto Rodrigues de; GONÇALVES, Ana Paula Schwelm. A lesão corporal na violência doméstica: nova construção jurídica. Jus Navegandi, ano 10, n.1.169, Teresina, 13 set. 2006. Disponível em < www.jusuol.com.br >. Acesso em: 14 mar. 2009. 481 Existem, também, aqueles que, fazendo uma interpretação sistemática dos dispositivos da Lei n. 11.340/2006 (arts. 12, I, 16 e 17), concluem que o afastamento da lei n. 9.099/95 é uma determinação atinente aos institutos despenalizadores alheios à autonomia volitiva da vítima – a transação e a suspensão condicional do processo – entretanto, a representação continua sendo exigida nos crimes de lesões corporais, pois concorre em favor da ofendida, que decidirá acerca da instauração do processo contra o acusado. Além disso, o legislador assegurou à ofendida a garantia de que a retratação somente seria eficaz se feita na presença do juiz, depois de ouvido o Ministério Público. Nesse sentido, Damásio de Jesus460: É contraditório afirmar, em face do art. 41 da Lei Maria da Penha, que a ação penal é incondicionada, e, ao mesmo tempo, defender, perante o art. 16, que não se pode interpretar a expressão renúncia no sentido de desistência da representação. Adotada a tese de ação penal pública incondicionada, como falar em renúncia ou retratação da representação? (...) Não pretendeu a lei transformar em pública incondicionada a ação penal por crime de lesão corporal cometido contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, o que contrariaria a tendência brasileira da admissão de um Direito Penal de Intervenção Mínima e dela retiraria meios de restaurar a paz no lar. Ao meu sentir, entender que a contravenção de vias de fato e o crime de lesão corporal comum devem ser processados por meio de ação penal pública incondicionada, seria um retrocesso legislativo lastimável, ferindo, por outro lado, o princípio da intervenção mínima. Além do mais, a severidade da ação penal pública incondicionada poderá levar a impunidade do agente agressor, posto que, em muitos casos, a mulher deixará de levar o fato à autoridade policial, por não querer que seu marido, companheiro ou namorado tenha conseqüências processuais alheias a sua vontade. Na realidade, a vontade da mulher agredida é que as agressões cessem, não porque o marido ou companheiro foi preso, mas porque de alguma forma o Estado interveio para apaziguar o problema familiar. A jurisprudência, seguindo as correntes doutrinárias acima citadas, tem se orientado por duas posições. A primeira posição jurisprudencial foi firmada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, onde, por três votos a dois, a Sexta Turma decidiu que lesões corporais leves praticadas contra a mulher no âmbito familiar também constituem delito de ação penal pública incondicionada. Segundo a Relatora, Desembargadora convocada Jane Silva: (...) um dos princípios elementares do direito preconiza que a legislação não utiliza palavras inúteis, e o artigo 41 da Lei Maria da Penha diz claramente que não se aplicam aos crimes praticados com violência doméstica os ditames da Lei n. 9.099/1995, que transferiu para os juizados especiais os procedimentos relativos às lesões corporais simples e culposas. Se a Lei n. 9.099/1995 não pode ser aplicada, significa que seu artigo 88, que prevê a representação para a lesão corporal leve e culposa nos casos comuns, não pode, por conseguinte, ser aplicado a essas espécies delitivas 460 JESUS, Damásio E.de. Da exigência de representação da ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006). São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, 2006. Disponível em < www.damasio.com.br > Acesso em 14 mar. 2009. 482 Revista ESMAC quando estiverem relacionadas à violência doméstica encampadas pela Lei Maria da Penha.461 Já a segunda corrente entende que se trata de ação condicionada à representação, porque o artigo 41 da Lei n. 11.340/06 deve ser interpretado em consonância com o artigo 16 da citada Lei, ou seja, (...) nos crimes de lesão corporal culposa ou dolosa simples que atinge a mulher no âmbito familiar, tratados pela Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha), a ação penal é pública condicionada à representação, podendo haver a retratação da ofendida.462 Diante das posições apresentadas, filio-me à segunda, levando em consideração os modernos fundamentos do Direito Penal, em especial o princípio da intervenção mínima, que propõe ao ordenamento jurídico penal uma redução dos mecanismos punitivos do Estado ao mínimo necessário, só se justificando a intervenção penal quando for absolutamente necessária para a proteção dos cidadãos. Ou seja, o Direito Penal deve apenas sancionar as condutas mais graves e perigosas que lesem os bens jurídicos de maior relevância, deixando de se preocupar com toda e qualquer conduta lesiva, caracterizando, destarte, o caráter fragmentário do Direito Penal, que é corolário do Princípio da intervenção mínima. Isto porque, no caso da violência doméstica e familiar, a rigidez da lei acaba destruindo a unidade familiar em vez de tentar harmonizá-la e reconstruí-la. É certo que a Lei Maria da Penha está aí para coibir a violência doméstica, tendo o magistrado o desafio de aplicá-la a cada caso concreto, considerando as suas peculiaridades, mas deve deixar, entretanto, de representar a figura repressora e, sim, procurar mediar os conflitos e, principalmente, tratar as causas que levam o agressor a cometer este tipo de violência. Assim, aplicando-se o princípio da intervenção mínima aos crimes cometidos na Vara de Violência Doméstica e Familiar e se considerando que o crime de lesão corporal leve é processado mediante ação penal pública condicionada à representação, cabível a renúncia à representação e, por conseguinte, a mediação dos conflitos existentes, o que será abordado a seguir. 5.5. O que mudou após a promulgação da Lei Maria da Penha De tudo que se disse até aqui acerca da violência doméstica e familiar, não se pode negar que a Lei n. 11.340/2006 foi um grande avanço no combate à violência contra a mulher, considerando que ampliou a proteção em face dessa violência, passando a alcançar não só a violência física, mas psicológica, patrimonial, sexual e moral; aumentou o tempo de prisão do agressor, bem como permitiu sua prisão em flagrante ou preventivamente, além de ter eliminado o pagamento de cestas básicas como forma de punição, fato este que servia 461 STJ.SEXTA TURMA. HC n.º 106805. Disponível em http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine. wsp?tmp.area=398&tmp.texto=90889. Acesso em 17 mar. 2009. 462 RSE 1.0024.07.564783-4/0011. TJ-MG. Quarta Câmara Criminal; Rel. Des. Ediwal José de Morais; Julg. em 21/05/2008; DJEMG 11/06/2008. 483 de desestímulo às vítimas para que prestassem queixa de seus agressores, por acreditar que os mesmos ficariam impunes. Entretanto, mesmo prevendo a utilização de outros profissionais, com um trabalho interativo com o magistrado e equipe multidisciplinar, percebe-se que os conflitos que deram causa à agressão continuam sem solução, gerando novos conflitos. Tanto assim, que, mesmo decorridos quase três anos após a promulgação da Lei nº 11.340/2006 e inobstante o maior rigorismo no que tange à punição do homem agressor, os índices de violência não sofreram redução, pelo contrário, chegaram a aumentar, observando-se, em diversos casos, que os agressores pensam ser melhor matar do que agredir a vítima, já que, no primeiro caso, não ficarão presos, e no segundo, sim. Assim, percebe-se, de forma clara, que não basta a inovação legislativa, sendo necessária a utilização de outros métodos para que os conflitos sejam, de fato, resolvidos e não voltem a acontecer. Nesse sentido, sem adentrar na questão das políticas públicas que devem ser implementadas na área, tanto para conscientização dos agressores e agredidas, mas também para o tratamento da dependência de drogas lícitas e ilícitas, a experiência como titular de uma Vara de Violência Doméstica e Familiar no meu estado tem revelado que as causas que deram ensejo à violência não são resolvidas com o afastamento do agressor do lar ou com a aplicação de outras medidas protetivas. Ao contrário, em diversas ocasiões, que não são poucas, a agressão toma proporções drásticas, e o que antes era apenas ameaça, por exemplo, evolui para uma efetiva agressão. Por outra, observa-se que as medidas judiciais não têm efetividade, tornando-se, vítimas e agressores, verdadeiros “clientes” desses Juizados. 5.6. Mediação pré-judicial ou mediação judicial? Diante desse cenário, entendo que a mediação pode ser perfeitamente usada no âmbito da Vara da Violência Doméstica e Familiar como instrumento de pacificação familiar e social, tanto numa fase pré-judicial ou paraprocessual como nas questões já judicializadas. Na mediação pré-judicial ou paraprocessual, pode-se utilizar, no caso do Acre, em particular, da estrutura da Justiça Comunitária e da Polícia da Família, tendo os agentes comunitários e os policiais da família, devidamente treinados, como mediadores, valendo salientar que os primeiros já têm, inclusive, curso de mediação. Além disso, pode-se trabalhar na área da prevenção, com a realização de palestras, as quais poderão ser proferidas não só pelos magistrados, como também por profissionais da área de psicologia, assistência social e saúde, em locais comunitários, tais como igrejas, escolas, centros esportivos... visando não só o tratamento e a conscientização do homem agressor, mas também das mulheres vítimas de violência, conscientizando-as de seus direitos e valorizando sua auto-estima. Outra forma de utilização da mediação pré-judicial seria proceder como já fazem os advogados no estado do Rio Grande do Sul, os quais, na petição inicial, e antes que esta seja despachada pelo juiz da causa, já postulam que o caso seja enviado à mediação e serviço 484 Revista ESMAC social, conforme salientou Josiane Barbieri (informação verbal)463, em palestra específica sobre este tema. Trabalhando-se com a mediação pré-judicial, fazendo-se todo este trabalho de prevenção, conscientização e valorização das pessoas envolvidas no conflito, não resta dúvida de que os conflitos serão resolvidos em seu nascedouro, solucionando-se não só o litígio aparente, mas todos os sentimentos e questões dele decorrentes, o que é a sua finalidade precípua. Outro benefício que se poderá obter com a mediação será uma sensível redução na judicialização das demandas, tanto na instauração de novos processos quanto na resolução daqueles já existentes, reduzindo-se o acervo processual da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. No que tange à mediação judicial, esta poderá ser feita já no momento em que as vítimas procurem as delegacias especializadas de atendimento à mulher para formular suas representações, oportunidade em que poderão ser encaminhadas, juntamente com o agressor, diretamente à presença do Juiz, o qual deverá submetê-las à mediação, que poderá ser feita tanto pelo magistrado quanto por uma equipe de mediadores voluntários, não institucionalizados. Tais mediadores poderão ser os aposentados das carreiras jurídicas, como desembargadores, juízes, procuradores, promotores e defensores públicos, e outros de outras áreas, como psicólogos, assistentes sociais, que tenham experiência com questões de vilência doméstica e familiar os quais, uma vez capacitados, poderão ser utilizados não só para fazer mediação propriamente dita, mas também para fazer um trabalho com o agressor e a vítima, com a ministração de palestras ou encaminhamento e acompanhamento dos mesmos a centros de tratamento e recuperação de dependentes de drogas lícitas e ilícitas e até mesmo a sua inserção no mercado de trabalho, tornando-se a mediação judicial - como disse o Min. José Delgado (informação verbal)464 - um moderno instrumento de pacificação de litígios. Note-se que não só nessa fase inicial, ou seja, quando a vítima comparece à DEAM para representar contra o agressor, mas em todas as fases do processo, até o momento que antecede ao recebimento da denúncia, a mediação judicial pode ser realizada. De fato, este procedimento já tem sido feito na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Rio Branco, seja em audiência prévia para oitiva das partes, antes da concessão das medidas protetivas requeridas, seja em qualquer momento em que for requerido por uma das partes. É relevante consignar que, sendo realizada dentro de um processo judicial, a mediação seria colocada no mesmo patamar das sentenças e acórdãos de um tribunal, na medida em que o acordo resultante daquela terá a mesma força de uma sentença, de um acórdão, podendo, inclusive, ser executado, em caso de descumprimento. Por fim, visando evitar o desgaste das partes e o descrédito da técnica de mediação, entendo que as partes devem ser submetidas, no máximo, a 03 (três) sessões de mediação, seja pré-judicial ou judicial. Caso já tenha se submetido a sessões pré-judiciais, deverá ocorrer apenas mais uma sessão judicial. 463 Em palestra realizada no I Congresso Brasileiro de Mediação Judicial, realizado em Brasília, no período de 03 a 05 de março do ano pretérito.. 464 Em palestra realizada no I Congresso Brasileiro de Mediação Judicial, realizado em Brasília, no período de 03 a 05 de março do ano pretérito. 485 Uma vez não sendo obtido êxito nas sessões de mediação pré-judicial, deverá a vítima ser encaminhada à Delegacia especializada de atendimento à mulher, para formulação do termo de representação criminal, com o encaminhamento ao Juiz, para o deferimento das medidas protetivas de urgência postuladas, se for o caso. Após, sendo hipótese de crime de ação penal privada, a vítima deverá ser encaminhada à Defensoria Pública, para a propositura da ação. Caso o crime seja de ação penal pública condicionada à representação, deverá, após o encaminhamento do inquérito policial respectivo, ser dado vista dos autos ao representante do Ministério Público, para o oferecimento da denúncia. Já no caso da mediação judicial, não havendo acordo entre as partes, dar-se-á continuidade ao processo anteriormente instaurado, da fase em que o mesmo se encontrava, quando se iniciou a mediação. CONCLUSÃO A crise que assola o Poder Judiciário, que não é de hoje, já não incomoda apenas aos seus membros. Tem mobilizado a sociedade, a qual tem exteriorizado sua insatisfação e exigido resposta eficaz e efetiva, principalmente no que diz respeito à celeridade e eficácia das decisões. Por outro lado, tem conduzido todos os profissionais que atuam no meio jurídico, sejam eles advogados, defensores, promotores e, principalmente, os magistrados, a grandes reflexões e a uma busca incessante de meios alternativos para a solução dos conflitos, de modo que possam diminuir o hiato existente entre a “identidade do direito” e a “materialidade da realidade”, na medida em que o processo tradicional, além de moroso, tem resolvido apenas a controvérsia colocada em Juízo, deixando de lado as outras questões que envolvem o conflito, o que se constitui em grande erro. Porém, no esforço que se tem feito para diminuir a dicotomia “Direito e Realidade”, garantindo o acesso à justiça, tem-se praticado um outro erro: a errônea interpretação de que o direito fundamental ao “acesso à justiça” corresponde a um “direito à prestação jurisdicional”, o que em nada, ou quase nada, se assemelha. Isto porque, embora tenha o Judiciário a função de dizer o Direito, isto é, aplicar o direito ao caso concreto, não significa dizer que, com o esgotamento da prestação jurisdicional, a justiça tenha, efetivamente, sido feita. Aliás, quanto a esta questão, já asseverava o autor Marc GALANTER em 1993 (1993 :75): “O problema posto pelo acesso à justiça não é, apenas, assim, permitir a todos recorrer aos tribunais; implica que se procure realizar a justiça no contexto em que se colocam as partes; nesta ótica, os tribunais só desempenham um papel indireto e, talvez mesmo, menor.” A ser assim, os mecanismos não jurisdicionais de resolução de controvérsia, como a mediação, enfoque do trabalho em apreço, os quais se realizam através da negociação direta, sem depender, a priori, da atuação do Estado-Juiz, mas apenas da manifestação volitiva das próprias partes ou de terceiros que intervêm na relação litigiosa, têm despontado como instrumentos eficazes para a realização dessa justiça, na medida em que resolvem não só a 486 Revista ESMAC lide central, mas todos os conflitos e sentimentos que a ela deram causa. E é exatamente por resolver todos os conflitos que englobam a litigiosidade entre as partes que a técnica da mediação se nos revela como importante mecanismo de pacificação social a ser usado no âmbito da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, não devendo o magistrado ficar preso apenas aos instrumentos processuais previstos na legislação, a fim de proporcionar integral proteção às mulheres que sofrem agressões das mais variadas espécies. Chega-se a esta conclusão porque, na grande maioria dos casos que tramitam nestas unidades jurisdicionais, há relação de afetividade entre as partes, as quais, mesmo depois de ajuizado o processo, continuam mantendo seu relacionamento, o que dá ensejo a diversas renúncias à representação e a novos pedidos de medidas protetivas pela promovente, em um círculo vicioso sem fim. Essa situação ocorre porque, na grande maioria das vezes, a vítima não quer que seu agressor seja preso e, ao final condenado, mas que seja tratado, ou mesmo apenas conscientizado, para que ambos possam continuar vivendo em harmonia. Portanto, é necessário um trabalho de harmonização e de dialogo entre as partes, para que, resolvido o conflito, elas possam continuar este relacionamento, de forma positiva. Esse trabalho pode ser feito tanto através da mediação pré-judicial, com palestras de conscientização e prevenção, a serem realizadas em locais comunitários, facilitando o acesso à população, como através da mediação judicial, o que, como dito anteriormente, já vem sendo feito, embora de forma tímida, na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher da Comarca de Rio Branco, no estado do Acre, da qual sou titular, o qual se pretende ampliar, brevemente, mediante a realização de convênios, contratação de pessoal e melhor estrutura, para se trabalhar também a mediação pré-judicial. Utilizando-se a mediação, seja na fase pré-judicial, seja após a instauração do processo, a mesma servirá não só para a resolução de todos os conflitos que englobam a litigiosidade entre as partes, sua finalidade primeira, mas também para a desobstrução do judiciário, posto que grande parte dos conflitos poderá ser evitada, com a mediação pré-judicial e, aqueles já judicializados, poderão ser resolvidos pela mediação judicial, reduzindo-se o número de processo e, por via de conseqüência, a taxa de congestionamento do judiciário brasileiro. Conclui-se, portanto, que a utilização desses mecanismos alternativos de resolução de conflitos virá ao encontro do povo que anseia por justiça, de forma rápida e eficaz, fazendo com que o mesmo continue mantendo a confiança e credibilidade no Poder Judiciário. Sendo assim, e diante dos resultados positivos da mediação nas causas de família, não custa tentar o uso dessa técnica no âmbito dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, a qual, por certo, também dará excelentes resultados, como de fato já vem acontecendo. 487 REFERÊNCIAS ANDRIGHI, Fátima Nancy. A mediação e o processo educativo. Brasília, 2008. Palestra prolatada no I Congresso de Mediação Judicial em 04 mar. 2008. AZEVEDO, Andre Gomma de (org.). Estudos em arbitragem, mediação e negociação- série Grupos de Pesquisa em Arbitragem. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. n.1. vol. 2. p. 152-154 e vol. 3. BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais: A nova mediação paraprocessual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. BARBIERI, Josiane. A mediação familiar como realidade prática em comarcas do Rio Grande do Sul. Brasília, 2008. Palestra prolatada no I Congresso de Mediação Judicial em 03 mar. 2008. BARROS, Verônica Altef. 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Lisboa: Agora Publicações, 2004. 492 Revista ESMAC A UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E DO PROCESSO VIRTUAL/ ELETRÔNICO COMO FERRAMENTAS PARA OTIMIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NA TERCEIRA VARA CRIMINAL DE RIO BRANCO – AC Raimundo Nonato da Costa Maia INTRODUÇÃO O escopo primordial que norteia a elaboração deste Trabalho de Conclusão de Curso-TCC tem por objetivo demonstrar como a tecnologia da informação e o processo virtual/eletrônico podem contribuir para o aprimoramento da prestação jurisdicional e, neste caso em particular, pretende-se fazer esta demonstração com a aplicação específica numa vara criminal onde o autor exerce suas atividades regulares. Tais ferramentas, a meu ver, são indispensáveis no estágio atual em que se encontra a sociedade contemporânea, delas não sendo mais possível prescindir para que sejam alcançados os desideratos buscados pelo Poder Judiciário. A partir do início do Século XX as organizações passaram a experimentar um período de forte inovação e emprego de tecnologias, elementos críticos para a busca de patamares superiores de desempenho e competitividade. A Tecnologia de Informação (TI) é reconhecida neste contexto pelo potencial de contribuição que pode trazer ao sucesso organizacional. A Tecnologia da Informação e o Processo Virtual/eletrônico vêem demonstrando serem ferramentas poderosas na otimização da prestação jurisdicional, notadamente no que tange aos aspectos da celeridade, da eficiência e da economia na realização das tarefas inerentes aos serviços postos à disposição do cidadão pelo Poder Judiciário, traduzindo-se em reais benefícios para os destinatários finais, cumprindo, assim, alguns dos objetivos do Estado Democrático de Direito. As mudanças decorrentes do processo de globalização experimentadas pela sociedade atual, cuja característica principal é a evolução, com avanços tecnológicos e sociais, certamente acarretam grandes transformações em praticamente todas as áreas, de modo que não poderia ser diferente com o direito, que precisa estar conectado às novas tecnologias, a fim de que possa continuar a proporcionar ao cidadão a possibilidade de dispor, sempre, dos meios mais modernos para a solução de suas lides. O grande desafio da moderna administração é a implantação de uma forma de gestão gerencial, focada na busca incondicional da eficiência, cujo resultado final deve primar pela qualidade, economia, oportunidade e satisfação do usuário, notadamente porque tais princípios são oriundos da própria Constituição Federal de 1988. No Poder Judiciário a sempre crescente demanda acarreta grande morosidade na entrega da prestação jurisdicional, razão pela qual a utilização da tecnologia da informação e a implantação do processo virtual/eletrônico certamente possibilitarão maior agilidade no gerenciamento desta delicada questão. 493 O detalhamento de como essas novas ferramentas de gestão poderão ser efetivamente aplicadas para criar novos paradigmas de atuação dentro do Poder Judiciário, tendo como meta a ser alcançada a real e célere entrega da prestação jurisdicional constitui o objeto principal deste trabalho, cuja metodologia a ser adotada será a revisão bibliográfica, enriquecida pela ilustração de experiências práticas inovadoras já adotadas em outros órgãos da Administração Judiciária ou até mesmo de entidades paraestatais ou do Terceiro Setor, que posam servir de norte para esta mudança que se pretende ver operar o mais rapidamente possível, a fim de evitar que o Poder Judiciário seja esmagado por este verdadeiro rolo compressor que é a evolução tecnológica. No primeiro capítulo será abordado o tema referente à tecnologia da informação, onde se pretende discorrer acerca do referencial histórico, conceito, classificação e vantagens de sua utilização, de igual modo como se objetiva especificar, no segundo capítulo, no tocante ao tema relacionado ao processo virtual/eletrônico, para, no terceiro capítulo, ingressar diretamente sobre a questão da prestação jurisdicional, traçando-se o conceito, a forma, as vantagens decorrentes da utilização das novas tecnologias e os reflexos na atuação do magistrado. Assim, objetiva-se demonstrar que a implementação da utilização dessas novas tecnologias será importante instrumento para garantir a eficiência de uma gestão democrática, focada especificamente no atendimento das expectativas do cidadão/jurisdicionado. 494 Revista ESMAC 1. A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Breve histórico sobre a evolução da tecnologia da informação Se num passado mais distante o homem dependia quase que exclusivamente de sua força física para sobreviver, pois naquele ambiente inóspito em que habitava não havia quaisquer instrumentos capazes de facilitar a sua principal atividade, a caça, hoje, depois de passar por inúmeras evoluções, dentre elas a industrialização e a massificação da utilização das máquinas para ajudá-lo ou até mesmo substituí-lo na execução das tarefas cotidianas, chegou-se a um estágio tal de avanço que não basta mais possuir a força física ou as máquinas para deter o domínio da atividade econômica, política, ou social. Atualmente, no mundo globalizado em que vivemos, somente quem detém o conhecimento da tecnologia da informação poderá se sobressair e almejar obter êxito em qualquer ramo da vida social, seja na política, na economia, nos esportes, na medicina, na educação, etc. A Tecnologia da Informação (TI) vem causando profunda e contínua revolução nas estruturas de trabalho e da sociedade em geral, pois está intimamente associada à reformulação do sistema capitalista de produção, que caracterizou as últimas décadas do século XX e para a qual o desenvolvimento tecnológico deu suporte. Ao esboçar cenários no mundo do trabalho é necessário frisar como a tecnologia, notadamente a partir dos anos 90, passar a causar profundos impactos tanto na sociedade quanto nas organizações em particular. Com o objetivo de fazer um mergulho, ainda que de forma mais superficial, no processo histórico que norteou a evolução da tecnologia da informação, a fim de que tenhamos uma breve noção de como tudo começou, desenvolveu-se e chegou ao estágio atual, é que passaremos a relatar esse contexto histórico. De acordo com MANUEL CASTELLS465: A seqüência Histórica da revolução da tecnologia da informação tem os seguintes aspectos: A breve, porém intensa, história da revolução da tecnologia da informação foi contada tantas vezes nos últimos anos, que é desnecessário dar ao leitor um outro relato completo. Além disso, devido ao ritmo acelerado dessa revolução, qualquer outro relato tornar-se-ia obsoleto, tanto que, entre o momento em que este livro está sendo escrito e o de sua leitura (digamos 18 meses), microchips terão dobrado seu desempenho a um determinado preço, de acordo com a geralmente aceita “lei de Moore”. Todavia, considero útil para a análise nos lembrarmos dos principais eixos da transformação tecnologia em geração/processamento/ transmissão da informação, colocando-os na seqüência que se deslocou rumo à formação de um novo paradigma sociotécnico. Este breve resumo me autorizará, posteriormente, a omitir referências sobre aspectos técnicos ao discutir sua interação específica com a economia, cultura e sociedade por todo o itinerário intelectual deste livro, exceto quando novos elementos de informação forem necessários. E é o próprio MANUEL CASTELLS quem delineia todo o perfil seqüencial que norteou a evolução histórica da tecnologia da informação, do qual citaremos os trechos mais relevantes, de forma bastante resumida: 465 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede; tradução: Roneide Venâncio Majer; atualização para 6ª edição: Jussara Simões – (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v. 1) São Paulo: Paz e Terra, 1999 495 Macromudanças da microengenharia: eletrônica e informação Apesar de os antecessores industriais e científicos das tecnologias da informação com base em microeletrônica já poderem ser observados anos antes da década de 1940 (não menosprezando a invenção do telefone por Bell, em 1876, do rádio por Marconi, em 1898, e da válvula a vácuo por De Forest, em 1906), foi durante a Segunda Guerra Mundial e no período seguinte que se deram as principais descobertas tecnológicas em eletrônica: o primeiro computador programável e o transistor, fonte da microeletrônica, o verdadeiro cerne da revolução da tecnologia da informação no século XX. Porém, defende-se que, de fato, só na década de 1970 as novas tecnologias da informação difundiram-se amplamente, acelerando seu desenvolvimento sinérgico e convergindo em um novo paradigma. Vamos reconstituir os estágios da inovação em três principais campos da tecnologia que, intimamente inter-relacionados, constituíram a história das tecnologias baseadas em eletrônica: microeletrônica, computadores e telecomunicações. E continua CASTELLS mais adiante: Contudo, o passo decisivo ma microeletrônica foi dado em 1957: o circuito integrado (CI) foi inventado por Jack Kilby, engenheiro da Texas Instruments (que o patenteou) em parceria com Bob Noyce, um dos fundadores da Fairchild. Na seqüência CASTELLS afirma: O avanço gigantesco na difusão da microeletrônica em todas as máquinas ocorreu em 1971 quando o engenheiro da Intel, Ted Hoff (também no Vale do Silício), inventou o microprocessador, que é o computador em um único chip. Assim, a capacidade de processar informações poderia ser instalada em todos os lugares. Para CASTELLS a Segunda Guerra Mundial teve papel fundamental na criação e desenvolvimento de novas tecnologias: Os computadores também foram concebidos pela mãe de todas as tecnologias, a Segunda Guerra Mundial, mas nasceram somente em 1946 na Filadélfia, se não considerarmos as ferramentas desenvolvidas com objetivos bélicos, como o Colossus britânico (1943) para decifrar códigos inimigos e o Z-3 alemão que, como dizem, foi criado em 1941 para auxiliar os cálculos das aeronaves. E arrematando, acerca das telecomunicações, CASTELLS assevera: É claro que essa capacidade de desenvolvimento de redes só se tornou possível graças aos importantes avanços tanto das telecomunicações quanto das tecnologias de integração de computadores em rede, ocorridos durante os anos 70. Mas, ao mesmo tempo, tais mudanças somente foram possíveis após o surgimento de novos dispositivos microeletrônicos e o aumento da capacidade de computação, em uma impressionante ilustração das relações sinérgicas da revolução da tecnologia da informação. As telecomunicações também foram revolucionadas pela combinação das tecnologias de “nós” (roteadores e comutadores eletrônicos) e novas conexões (tecnologias de transmissão). 496 Revista ESMAC Outro fator considerado relevante por CASTELLS na evolução histórica da tecnologia da informação foi a criação da internet: A criação e o desenvolvimento da internet nas três últimas décadas do século XX foram conseqüência de uma fusão singular de estratégia militar, grande cooperação científica, iniciativa tecnologia e inovação contracultural. A internet teve origem no trabalho de uma das mais inovadoras instituições de pesquisa do mundo: a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA) do Departamento de Defesa dos EUA. Mais adiante afirma o mesmo autor, ainda se referindo à criação e desenvolvimento da internet como um dos componentes fundamentais no processo histórico-evolutivo da tecnologia da informação: A primeira rede de computadores, que se chamava ARPANET – em homenagem ao seu poderoso patrocinador – entrou em funcionamento em 1 de setembro de 1969, com seus quatro primeiros nós na Universidade da Califórnia em Los Angeles, no Stanford Research Institute, na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara e na Universidade de Utah. Estava aberta aos centros de pesquisa que colaboravam com o Departamento de Defesa dos EUA, mas os cientistas começaram a usá-la para suas próprias comunicações, chegando a criam uma rede de mensagens entre entusiastas de ficção científica. Na obra outrora citada o autor continua a descrever a evolução histórica da tecnologia da informação, especificamente delineando o passo-a-passo que tornou possível a expansão, em larga escala, do uso da internet, notadamente com o desenvolvimento das tecnologias de rede, bem como a massificação do uso da computação. Tecnologias de rede e a difusão da computação Em fins da década de 1990, o poder de comunicação da internet, juntamente com os novos progressos em telecomunicações e computação provocaram mais uma grande mudança tecnologia, dos microcomputadores e dos mainframes descentralizados e autônomos à computação universal por meio da interconexão de dispositivos de processamento de dados, existentes em diversos formatos. Nesse novo sistema tecnológico o poder de computação é distribuído numa rede montada ao redor de servidores da web que usam os mesmos protocolos da internet, e equipados com capacidade de acesso a servidores de bases de dados e servidores de aplicativos. Seqüenciado na explanação o autor comenta sobre o que se pode chamar de praticamente o divisor tecnológico dos anos 70, eis que é, a partir de então, que se estabelece um divisor de águas, por assim dizer, devido à rapidez com que os avanços tecnológicos começaram a se verificar. 497 O divisor tecnológico dos anos 70 Esse sistema tecnológico, em que estamos totalmente imersos na aurora do século XXI, surgiu nos anos 70. Devido à importância de contextos históricos específicos das trajetórias tecnológicas e do modo particular de interação entre as tecnologias e a sociedade, convém recordarmos algumas datas associadas a descobertas básicas nas tecnologias da informação. Todas têm algo de essencial em comum: embora baseadas principalmente nos conhecimentos já existentes e desenvolvidas como uma extensão das tecnologias mais importantes, essas tecnologias representaram um salto qualitativo na difusão maciça da tecnologia em aplicações comerciais e civis, devido a sua acessibilidade e custo cada vez menor, com qualidade cada vez maior. Assim, o microprocessador, o principal dispositivo de difusão da microeletrônica, foi inventado em 1971 e começou a ser difundido em meados dos anos 70. O microcomputador foi inventado em 1975, e o primeiro produto comercial de sucesso, o Apple II, foi introduzido em abril de 1977, por volta da mesma época em que a Microsoft começava a produzir sistemas operacionais para microcomputadores. Além de citar outros eventos importantes para o desenvolvimento da tecnologia da informação, ocorridos nas décadas de 1970 e seguintes, CASTELLS também se reporta sobre a utilização desses novos conhecimentos nas chamadas “Tecnologias da Vida”, bem como estabelece “O contexto social e a dinâmica da transformação tecnológica”, para, na seqüência, discorrer acerca dos personagens e locais onde mais se intensificou a revolução da tecnologia da informação. Modelos, atores e locais da revolução da tecnologia da informação Se a primeira Revolução Industrial foi britânica, a primeira revolução da tecnologia da informação foi norte-americana, com tendência californiana. Nos dois casos, cientistas e industriais de outros países tiveram um papel muito importante tanto nas descobertas com na difusão das novas tecnologias. A França e a Alemanha foram fontes importantes de talentos e aplicações da Revolução Industrial. As descobertas científicas originadas na Inglaterra, Fraca, Alemanha e Itália constituíram a base das novas tecnologias de eletrônica e biologia. A capacidade das empresas japonesas foi decisiva para a melhoria do processo de fabricação como base em eletrônica e para a penetração das tecnologias da informação a vida quotidiana mundial mediante uma série de produtos inovadores como videocassetes, fax, videogames e bips. Na verdade, na década de 1980, as empresas japonesas atingiram o domínio da produção de semicondutores no mercado internacional, embora em meados da década de 1990, as empresas norte-americanas já tivessem reassumido a liderança competitiva. Continuando seu relato sobre o tópico acima elencado, CASTELLS faz referência ao que se pode chamar de o berço da revolução da tecnologia da informação, o chamado Vale do Silício, localizado próximo à San Francisco, nos Estados Unidos da América: 498 Revista ESMAC Para entender as raízes sociais da revolução da tecnologia da informação nos Estados Unidos, além dos mitos que a cercam, farei um breve relato do processo de formação de sua fonte tecnológica mais notável: o Vale do Silício. Como já mencionei, foi no Vale do Silício que o circuito integrado, o microprocessador e o microcomputador, entre outras tecnologias importantes, foram desenvolvidos, e é lá que o coração das inovações eletrônicas bate há quarenta anos, mantido por aproximadamente 250 mil trabalhadores do setor de tecnologia da informação. Além disso, toda a área da Baía de São Francisco (inclusive outros centros de inovação como Berkeley, Emeryville, condado Marin e a própria São Francisco) também participou do início da engenharia genética e é, na virada do século, um dos principais centros mundiais de software avançado, projetos e desenvolvimento da internet, engenharia genética e projetos de processamento de dados em multimídia. O Vale do silício (condado de Santa Clara, 48 km ao sul de São Francisco, entre Stanford e San Jose) foi transformado em meio de inovação pela convergência de vários fatores, atuando no mesmo local: os novos conhecimentos tecnológicos; um grande grupo de engenheiros e cientistas talentosos das principais universidades da área; fundos generosos vindos de um mercado garantido e do Departamento de Defesa; a formação de uma rede eficiente de empresas de capital de risco; e, nos primeiros estágios, liderança institucional da Universidade de Stanford. Após fazer precioso relato sobre a fonte de formação tecnológica mais notável da tecnologia da informação, o Vale do Silício, CASTELLS cita seus atores mais importantes, a exemplo dos “Oito da Fairchild”, Bill Gates, Steve Jobs, Steve Wozniak, entre outros, esclarecendo que sem eles certamente a revolução da tecnologia da informação teria adquirido outras características. Porém, sem esses empresários inovadores, como os que deram início ao Vale do Silício ou aos clones de PCs em Taiwan, a revolução da tecnologia da informação teria adquirido características muito diferentes e é improvável que tivesse evoluído para a forma de dispositivos tecnológicos flexíveis e descentralizados que se estão difundindo por todas as esferas da atividade humana. Sem dúvida, desde o início dos anos 70, a inovação tecnológica tem sido essencialmente conduzida pelo mercado: e os inovadores, enquanto ainda muitas vezes empregados por grandes empresas, em particular no Japão e na Europa, continuam a montar seus negócios nos Estados Unidos e, cada vez mais, em todo o mundo. Com isso, há um aumento da velocidade da inovação tecnológica e uma difusão mais rápida dessa inovação à medida que mentes talentosas, impulsionadas por paixão e ambição, vão fazendo pesquisas constantes no setor em busca de nichos de mercado em produtos e processos. Na realidade, é mediante essa interface entre os programas de macropesquisas e grandes mercados desenvolvidos pelos governos, por um lado, e a inovação descentralizada estimulada por uma cultura de criatividade tecnológica e por modelos de sucessos pessoais rápidos, por outro, que as novas tecnologias da informação prosperam. No processo, essas tecnologias agruparam-se em torno de redes de empresas, organizações e instituições para formar um novo paradigma sociotécnico. Para finalizar, CASTELLS estabelece as características que formam o paradigma da tecnologia da informação, cuja matéria-prima primordial é justamente a informação, aliada à penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias numa lógica de redes ou sistemas de relações, 499 baseados na flexibilidade, de modo a permitir a convergência para um sistema integrado: O paradigma da tecnologia da informação A primeira característica do novo paradigma é que a informação é sua matéria-prima; são tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação para agir sobre a tecnologia, como foi o caso das revoluções tecnológicas anteriores. O segundo aspecto refere-se à penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias. Como a informação é parte integral de toda a atividade humana, todos os processos de nossa existência individual e coletiva são diretamente moldados (embora, com certeza, não determinados) pelo novo meio tecnológico. A terceira característica refere-se à lógica de redes em qualquer sistema ou conjunto de relações, usando essas novas tecnologias da informação. Mais adiante o autor estabelece a quarta característica: Em quarto lugar, referente ao sistema de redes, mas sendo um aspecto claramente distinto, o paradigma da tecnologia da informação é baseado na flexibilidade. Não apenas os processos são reversíveis, mas organizações e instituições podem ser modificadas, e até mesmo fundamentalmente alteradas, pela reorganização de seus componentes. E continua com a quinta característica, asseverando: Então, uma quinta característica dessa revolução tecnológica é a crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado, no qual trajetórias tecnológicas antigas ficam literalmente impossíveis de se distinguir em separado. Assim, a microeletrônica, as telecomunicações, a optoeletrônica e os computadores são todos integrados nos sistemas de informação. Arrematando o que foi dantes estabelecido, o autor conclui que o paradigma da tecnologia da informação não tende a se fechar como um sistema, mas a abrir-se como uma rede de acessos múltiplos: Em resumo, o paradigma da tecnologia da informação não evolui para seu fechamento como um sistema, mas rumo a abertura como uma rede de acessos múltiplos. É forte e impositivo em sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento histórico. Abrangência, complexidade e disposição em forma de rede são seus principais atributos. Assim, a dimensão social da revolução da tecnologia da informação parece destinada a cumprir a lei sobre a relação entre a tecnologia e a sociedade proposta algum tempo atrás por Melvin Kranzberg: “A primeira lei de Kranzbeg diz: A tecnologia não é nem boa, nem ruim e também não é neutra”. É uma força que provavelmente está, mais do que nunca, sob o atual paradigma tecnológico que penetra no âmago da vida e da mente. Mas seu verdadeiro uso na esfera da ação social consciente e a complexa matriz de interação entre as forças tecnológi500 Revista ESMAC cas liberadas por nossa espécie e a espécie em si são questões mais de investigação que de destino. Portanto, prosseguirei agora com essa investigação. A nova revolução da informação De acordo com MALTA466 é em conceitos que se processa a nova revolução da tecnologia da informação: A nova revolução da informação se processa em conceitos. Peter Druker diz que há 50 anos a TI – Tecnologia da Informação tem se centrado em dados (coleta, armazenagem, transmissão, apresentação), sendo hoje muito mais T do que I e é aí que se dá a transformação; para o futuro, o foco estará na informação, para determinar seu significado, sua finalidade, redefinindo tarefas e as próprias instituições. O primeiro impacto revolucionário ocorreu por volta de 1950, com o “milagre” do computador. Depois surgiram os softwares, que, numa fração de tempo e custos tradicionais, projetam edifícios, fazem cirurgias virtuais, permitem às empresas organizarem suas operações nos mais diversos cantos do planeta. Até agora o computador e a tecnologia da informação, dele originária, não foram além de meros produtores de dados para as tarefas da alta gerência. Isso ocorreu porque os sistemas de Informações Gerenciais (SIG) tomaram os dados do sistema contábil tradicional de preservação de ativos e controle de custos, que são tarefas operacionais, nunca tendo sido tarefas de alta gerência. São necessárias decisões estratégicas baseadas em novas realidades para a criação de valor e riqueza, essa a força motriz de uma nova contabilidade que vem se empenhando em obter as informações de que as organizações necessitam, isto é, ao invés de prover dados, visam a prover informações para as tarefas e decisões da alta gerência. Druker conta que a atual revolução da informação é a quarta da história da humanidade. A primeira foi a invenção da escrita, há cerca de 6.000 anos atrás, na Mesopotâmia, depois na China e depois na América Central, pelos Maias; a segunda revolução da informação ocorreu com o livro escrito, primeiro na China, talvez em 1300 a.C. e, 800 anos mais tarde, na Grécia, onde Peisistratos, o tirano de Atenas, mandou copiar em livros os épicos de Homero, até então apenas recitados. Entre 1450 e 1455, gutemberg inventou a impressora e o tipo móvel, causando a terceira revolução da informação, que se consolidou com a contemporânea gravação. Esta provocou um grande impacto sobre o significado da informação e teve enorme importância pela redução de custos e pela velocidade da nova tecnologia de impressão. Trabalhar com informações talvez seja um dos maiores desafios gerenciais para o século XXI, porque são a base do desafio da produtividade do trabalhador do conhecimento e o desafio do autogerenciamento. Outra abordagem histórica acerca da evolução da tecnologia da informação nos é fornecida por PENNAFORTE467, o qual traça, inclusive, um paralelo com a globalização e seus efeitos nas relações de trabalho: 466 Malta, Maria Lucia Levy. Direito da Tecnologia / Maria Lucia Levy Malta – Campinas: Edicampo, 200 467 Pennaforte, Charles. Globalização: A Nova Dinâmica Mundial / Charles Pennaforte – Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1998. 501 Tecnologia e globalização Em 1932 surgia o telégrafo. Em 1925, a televisão. Em 1945, o computador. Em 1971, o chip. Em 1997, o pager de voz. Estas são algumas das inovações tecnológicas que mudaram e estão mudando o mundo. O avanço da tecnologia assume um caráter de fundamental importância no momento atual. A utilização do computador, do fax ou do modem encurtou sensivelmente as distâncias. Através dos computadores, milhões de pessoas podem se comunicar ou fazer transações comerciais. Bilhões de dólares podem desaparecer das bolsas de valores de Manila, nas Filipinas e aparecer na cidade do México instantaneamente. Para o professor Krishan Kumar468, da Universidade de Kent, na Inglaterra: “A combinação de satélites, televisão, telefone, cabo de fibra ótica e microcomputadores enfeixou o mundo em um sistema unificado de conhecimento. Ela acabou com a imprecisão da informação. Agora, pela primeira vez, somos uma economia realmente global porque, pela primeira vez, temos informações compartilhadas de forma instantânea pelo planeta”. Mais adiante o autor continua exemplificando como a evolução da tecnologia da informação nos conduziu ao que hoje se pode definir como uma verdadeira “aldeia global”, pois o que se compra, o que se vende, o que se come, o que assiste está presente nos quatro cantos do planeta. Uma sociedade global As mudanças pelas quais a sociedade vem passando há algum tempo chamam a atenção de vários teóricos. Para designar tais transformações, já surgiram vários rótulos: terceira onda para Alvin Toffler, sociedade informática para Adam Schaft e, como já mencionamos no início, “aldeia global” para McLuhan. Mas o que, na prática, configura uma sociedade global? Esta é uma pergunta rápida de se responder. Basta você olhar os seriados que passam em nossas televisões (e nas do mundo), o McDonalds e seus hambúrgueres deliciosos, os filmes hollywoodianos, a CNN, que transmitiu para todo o mundo a Guerra do Golfo, a internet que possui atualmente 100 milhões de usuários etc. Referindo-se ao novo padrão tecnológico PENNAFORTE, na mesma obra anteriormente citada, afirma: O antigo modelo industrial dos EUA, da Europa Ocidental e do Japão, baseado nos setores de metalurgia, siderurgia e mecânica, já foi ultrapassado. Os novos setores da vanguarda tecnológica, a chamada tecnologia de ponta, são a robótica, a telemática (informatização com a telecomunicação) a microeletrônica (informática), a biotecnologia (engenharia genética) e a química-fina (novos materiais sintéticos). Alguns denominam essa nova etapa tecnológica da Terceira Revolução Industrial ou Revolução Técnico-Científica. Na seqüência PENNAFORTE relata sobre a importância que teve a chamada Guerra Fria para o desenvolvimento tecnológico, assim como a Segunda Guerra Mundial, citando como exemplo mais importante a invenção do computador, durante o período da guerra. 468 Krisham Kumar. Da sociedade Pós-industrial à Pós-moderna, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p. 22, 1997 502 Revista ESMAC Hoje o computador está presente na maioria das casas, graças à produção em massa, que permitiu a redução dos custos e o acesso mais fácil para grande parte da população. O autor supracitado ainda discorre sobre a sociedade pós-industrial, acerca da qual teoriza: A Terceira Revolução Industrial impôs também mudanças na organização da sociedade. Se, até os anos 60, as economias tinham uma participação do setor industrial (secundário) muito grande, hoje a realidade é bem diferente. O setor de prestação de serviços (terciário) predomina. A produção manufatureira perdeu seu posto para a concepção de projetos que permitam criar novos produtos de uma maneira mais racionalizada. O principal exemplo é a produção de softwares (programas) para computadores. Para alguns intelectuais, vivemos na sociedade da informação, em que a informática passa a ser o principal produto de consumo, já que ela está presente no dia-a-dia de todos, tanto das empresas como da população. Ir ao banco ou acessa-lo pelo computador em casa nos obriga ao contato com a tecnologia. As TVs, seja a cabo ou de recepção direta dos satélites, mostram essa importância. Esta é a principal característica dos anos 90. Por fim, PENNAFORTE enumera as mudanças que tais progressos tecnológicos operaram nas relações de trabalho e no processo de produção, comentando sobre o fordismo, a crise do fordismo, o pós-fordismo, e a “desindustrialização”, concluindo com a chamada reestruturação do espaço industrial e os tecnopólos, definindo-os como áreas de alta tecnologia e centros de excelência, onde ocorrem os maiores avanços e descobertas no campo da microeletrônica, citando como exemplo mais conhecido o Vale do Silício, nos EUA, além do Sophia Antipolis, na França, Terceira Itália, na Itália, Corredor M4, na Inglaterra, entre outros. Após esse breve histórico acerca da evolução da tecnologia da informação, partese para a conceituação do termo. Conceito de tecnologia da informação Mais uma vez é CASTELLS quem nos auxilia, quando afirma: Como tecnologia, entendo, em linha direta com Harvey Brooks e Daniel Bell, “o uso de conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de uma maneira reproduzível”. Entre as tecnologias da informação, incluo, como todos, o conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações/radiodifusão, e optoeletrônica. Além disso, diferentemente de alguns analistas, também incluo nos domínio da tecnologia da informação a engenharia genética e seu crescente conjunto de desenvolvimentos e aplicações. Do site wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Tecnologia_da informa%C3%A7%C3%A3o), acessado no dia 19.02.2008, foi extraído outro conceito de tecnologia da informação, conforme abaixo transcrito a título de ilustração: 503 A Tecnologia da Informação é um termo comumente utilizado para designar o conjunto de recursos não humanos dedicados ao armazenamento, processamento e comunicação da informação, bem como o modo de como esses recursos estão organizados num sistema capaz de executar um conjunto de tarefas. A TI não se restringe a equipamentos (hardware), programas (software) e comunicação de dados. Existem tecnologias relativas ao planejamento de informática, ao desenvolvimento de sistemas, ao suporte ao software, aos processos de produção e operação, ao suporte de hardware, etc. A sigla TI, tecnologia da informação, abrange todas as atividades desenvolvidas na sociedade pelos recursos da informática. É a difusão social da informação em larga escala de transmissão, a partir destes sistemas tecnológicos inteligentes. Seu acesso pode ser domínio público ou privado, na prestação de serviços das mais variadas formas. A aplicação, obtenção, processamento, armazenamento e transmissão de dados também são objeto de estudo na TI. O processamento de informação, seja de que tipo for, é uma atividade de importância central nas economias industriais avançadas por estar presente com grande força em áreas como finanças, planejamento de transportes, design, produção de bens, assim como na imprensa, nas atividades editorias, no rádio e na televisão. O desenvolvimento cada vez mais rápido de novas tecnologias de informação modificou as bibliotecas e os centros de documentação (principais locais de armazenamento de informação) introduzindo novas formas de organização e acesso aos dados a obras armazenadas; reduziu custos e acelerou a produção dos jornais e possibilitou a formação instantânea de redes televisivas de âmbito mundial. Além disso, tal desenvolvimento facilitou e intensificou a comunicação pessoal e institucional, através de programas de processamento de texto, de formação de bancos de dados, de editoração eletrônica, bem de tecnologias que permitem a transmissão de documentos, envio de mensagens e arquivos, assim como consultas a computadores remotos (via rede mundiais de computadores, como a internet). A difusão das novas tecnologias de informação trouxe também impasse e problemas, relativos principalmente à privacidade dos indivíduos e ao seu direito à informação, pois os cidadãos geralmente não tem acesso a grande quantidade de informação sobre eles, coletadas por instituições particulares ou públicas. Para ilustrar colacionamos um conceito sociológico acerca do termo tecnologia, extraído do Dicionário de Sociologia469: Tecnologia é o repositório acumulado de conhecimentos culturais sobre como adaptar, usar e atuar sobre os ambientes físicos e seus recursos materiais, com vistas a satisfazer desejos e vontades humanas. Os conhecimentos sobre como plantar e colher culturas, fabricar aço, abrir estradas ou construir computadores são, todos eles, parte da tecnologia cultural. Embora a tecnologia não tenha adquirido ainda um lugar proeminente no pensamento sociológico, certo número de sociólogos defende sua importância, especialmente para compreender o curso da história e a mudança social. Tipos importantes de sociedades – tais como a DE CAÇADORES-COLETORES, HORTELÃ, AGRÁRIA, INDUSTRIAL, ou PÓS-INDUSTRIAL – distinguem-se, primeiro e acima de tudo, pelas diferenças em tecnologia, que se vinculam a diferenças espetaculares na forma das instituições sociais, tais como a família, religião e política, e nos termos e condições da vida social. A REVOLUÇÃO 469 Johnson, Allan G. – Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociologia/Allan G. Johnson: tradução Ruy Jungmann; consultoria, Renato Lessa. – Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed., 1997 504 Revista ESMAC INDUSTRIAL, que gerou enormes mudanças, baseou-se em grau muito alto em inovações tecnológicas. Tecnologia, porém, não deve ser confundida com CIËNCIA. A tecnologia consiste de conhecimentos práticos sobre como usar recursos materiais, ao passo que a ciência consiste de conhecimento abstrato e teorias sobre como as coisas funcionam. É por certo verdade que o desenvolvimento tecnológico e cientifico com freqüência andam de mãos dadas, mas este não é sempre necessariamente o caso. Benefícios da Utilização da Tecnologia da Informação Por meio da internet são realizadas um sem número de transações nos mais diversos campos, que vão desde o comércio eletrônico (e-commerce, e-business, e-banking etc.) até relações afetivas. Obviamente, essas transações possuem conseqüências jurídicas e freqüentemente acarretam conflitos. O Poder Judiciário deve estar preparado para lidar com esses conflitos. Para tanto, deve buscar se familiarizar com as provas digitais. A tecnologia da informação exerce vasta influência no campo probatório, a exemplos que vão de uma simples mensagens de e-mail até complexas fórmulas matemáticas certificadoras da autenticidade de documentos digitais tornam-se comuns nas discussões forenses. Atualmente certidões negativas de débitos fornecidas, on-line, nas páginas dos órgãos públicos são aceitas com plena validade. O Governador de São Paulo, José Serra, em artigo recente, publicado no jornal O Estado de São Paulo, no dia 24.08.2007, defendeu o uso das novas tecnologias pela justiça, referindo-se mais especificamente ao recurso da videoconferência, eis que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu pela anulação de um interrogatório realizado por esse meio, com o acusado no local em que estava custodiado e o juiz na sala de audiências do Fórum. Para o Governador o Código Penal não regula, mas também não proíbe o uso dessa tecnologia, fazendo-se faz necessária, no entanto, a aprovação de projeto de lei para a devida regulamentação. Entre outras vantagens da videoconferência o Governador José Serra afirma que: A videoconferência traz para o ambiente judicial o que o telefone e a internet trouxeram para a convivência humana. Elimina o espaço e encurta o tempo. Sob fiscalização e acompanhamento do defensor, do Ministério Público e da sociedade, permite o interrogatório a distância. Também permite que o processo tenha, sem prejuízo das garantias constitucionais, uma duração menor, que o juiz multiplique sua capacidade de trabalho e que o Estado não exponha a sociedade a riscos desnecessários nem dissipe seus escassos recursos com o transporte de presos. Não há razão para impedir esse ganho de eficiência, que tem entre seus defensores tribunais como o nosso Superior Tribunal de Justiça, a Corte Constitucional da Itália e a Corte Européia dos Direitos Humanos. Estes dois tribunais já examinaram a validade da videoconferência para o interrogatório, que é prevista na legislação italiana, e concluíram que essa técnica garante a ampla defesa e o direito ao processo justo. Ao redigir a decisão, um dos grandes juristas italianos, Giuliano Vassali, argu505 menta que não tem fundamento a premissa segundo a qual somente a presença física do acusado no Fórum poderia assegurar a efetividade do seu direito de autodefesa, princípio que não pode ser confundido com as modalidades práticas pelas quais se concretiza em cada processo e cuja realização requer, apenas, que se garanta a participação pessoal e consciente do réu e meios técnicos que sejam idôneos para alcançar esse objetivo. A Corte Européia dos Direitos Humanos recorda que o uso da videoconferência é previsto no direito internacional, como, por exemplo, na Convenção da União Européia sobre a extradição judiciária em matéria penal. A videoconferência realizada em São Paulo, com o apoio do tribunal de Justiça, conforme procedimento regulado por uma lei do Estado, não torna a atividade judiciária mecânica e insensível, não sacrifica nem diminui a defesa. Como já foi lembrado em decisões do Superior Tribunal de Justiça, o que muda é a forma de apresentação do acusado, com uma extensão digital da sala de audiências, que “possibilita o contato visual e verbal, em tempo real, entre todas as pessoas envolvidas com o processo, quais sejam, réu, juiz, promotor, defesa, vítima e testemunhas”. E tudo garantindo-se que o réu se comunique “com seu advogado através de telefone, reservadamente”, e facultando-se a presença de um defensor “na sala de audiências e outro no presídio”. Ou seja, este é um modo de assegurar a participação livre e consciente do acusado, por meio de uma tecnologia moderna, cuja aplicação é cercada de todos os cuidados para garantir que se expresse com liberdade. Além disso, o uso da videoconferência torna possível a filmagem do interrogatório e o seu registro perene num CD-ROM, que fica arquivado para consulta de todos, inclusive de outros magistrados. Assim, no julgamento de eventuais recursos, o tribunal pode ver e ouvir exatamente o que o réu disse e o modo como o fez, o que não acontece na forma tradicional de documentação do interrogatório. E este é um benefício valioso, pois faculta a observação direta dessa prova pelo tribunal, o que é melhor do que a mera leitura de palavras impressas, que são veículos imperfeitos do pensamento e estão mais expostas a equívocos de interpretação do que a observação atenta do modo como o interrogatório realmente ocorreu. O ponto de vista defendido pelo Governador José Serra é extremamente pertinente, pois a utilização dessa ferramenta tecnológica, a videoconferência, certamente se traduz num recurso indispensável para agilizar a entrega da prestação jurisdicional, da qual não há como o Poder Judiciário prescindir, se quiser realmente estar em sintonia com os novos tempos. Conforme muito bem demonstrado pelo signatário do artigo supracitado, inúmeras são as vantagens na realização do interrogatório de acusados pelo sistema da videoconferência, dentre elas pode ser citada a segurança, evitando-se o deslocamento de presos, muitas vezes de alta periculosidade, pelas regiões centrais das grandes cidades, onde normalmente estão localizados os Fóruns Criminais, evitando-se os riscos de fugas ou arrebatamentos. Tais operações, quase sempre, exigem grande aparato policial, elevando demasiadamente os custos para o Estado e, em última análise, para o cidadão contribuinte. Por outro lado, há como se observar o respeito aos direitos e garantias individuais previstos na nossa Constituição Federal, não havendo qualquer razão para obstar o uso desse meio para a realização dos atos processuais, notadamente o interrogatório dos acusados que se encontrem custodiados. A AJUFE – entidade de classe dos juízes federais – é outra defensora da validade 506 Revista ESMAC dos interrogatórios feitos através do sistema de videoconferência, inclusive fazendo publicar nota pública no dia 15 de agosto de 2007, na qual reafirma a posição firme daquela associação na defesa desse meio eletrônico: Não há ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório, uma vez que o sistema de audiência por videoconferência (teleaudiência) permite o contato privativo – em linha exclusiva e criptografada – entre o acusado e seu defensor. Além disso, o defensor não fica em nenhum momento impedido de contatar o preso, no presídio, antes da audiência. A teleaudiência – exatamente porque permite a gravação das imagens do ato processual – opera em favor e não contrariamente ao acusado, pois permite que no momento de valoração das provas, o depoimento do réu seja recuperado na sua mais ampla extensão, consubstanciando-se, por isso mesmo, em um importante instrumento para o julgamento da causa, especialmente quando o magistrado responsável pela decisão não tenha tido participação nos atos de instrução, situação essa que ocorre amiúde. É de se notar, outrossim, que o sistema de audiência por videoconferência restringe-se aos casos de presos de maior periculosidade, cujo transporte pelas vias das cidades traz insegurança à sociedade, devido ao risco de fuga por tentativa de resgate. Além disso, é relevante lembrar o alto custo do transporte desses presos de alta periculosidade, que, não raro, são levados para presídios de segurança máxima, localizados em local afastado dos grandes centros urbanos e, em determinados casos, em outros estados, como nos de presos sujeitos à jurisdição federal. Não é raro, ainda, que dificuldades burocráticas na disponibilização dos presos ou a falta de contingente para a escolta levem a adiamentos das audiências com réus presos, atrasando significativamente a resolução dos seus processos. Nações democráticas da Europa já adotam o interrogatório por videoconferência sem qualquer lesão a direitos individuais dos acusados. Por isso, é preciso mudar a mentalidade para que o Poder Judiciário possa aprimorar a prestação da jurisdicional atividade jurisdicional, compassada com os novos tempos, valendo-se dos necessários avanços tecnológicos. A AJUFE, enfim, manifesta sua preocupação de que esse entendimento, se adotado, venha a gerar a declaração da nulidade de inúmeros processos relativos a réus presos de alta periculosidade. 507 2. O PROCESSO VIRTUAL/ELETRÔNICO O processo eletrônico, concebido pela promulgação da lei 11.419/2006, estabeleceu um novo paradigma para a administração cartorária e judicial no Brasil, pois com a adoção desse novo instrumento torna-se possível o armazenamento em mídias eletrônicas de todos os atos processuais, constituindo num grande passo em direção à aplicação dos meios eletrônicos no âmbito jurisdicional. Os computadores e recursos tecnológicos deles decorrentes, que até então eram utilizados basicamente como editores de textos ou meros substitutos das antigas máquinas de escrever ou, ainda, como simples mecanismos de acompanhamento processual, podem, a partir de agora, traduzir-se em efetivas ferramentas para a prática de atos processuais, eis que a tecnologia hoje existente é capaz de permitir a confecção, armazenangem e manutenção em mídia digital de tudo o que for praticado dentro de um processo judicial. A intensificação do uso desses meios eletrônicos tanto na confecção dos atos processuais como na formação dos próprios autos eletrônicos permitirá rapidamente a concepção de uma nova visão da justiça, contribuindo para combater um dos males que mais afetam a imagem do Poder Judiciário, que é justamente a morosidade. De acordo com dados extraídos de uma pesquisa feita pelo Supremo Tribunal Federal, 70% (setenta por cento) do tempo gasto em processos se restringe aos atos relativos a andamento, tais como expedição de certidão, protocolo, registro e carimbo compulsório. À vista de tal quadro, não há mais dúvida acerca da vantagem da informatização do processo judicial. E não seria apenas o jurisdicionado que teria grandes vantagens com a implantação do processo eletrônico, mas também e muito importante nesses tempos de aquecimento global e destruição da camada de ozônio, o meio ambiente, pois inúmeras toneladas de papel que seriam utilizadas para a formação dos processos que ingressariam na Justiça não precisariam ser utilizadas, fato que evitaria o corte de enorme quantidade de árvores. Conforme acentuado por Sérgio Renato Tejada Garcia – Juiz Federal e ex-Secretário-Geral do Conselho Nacional de Justiça, “o processo eletrônico põe em cheque as noções de tempo e espaço. Isso porque, não mais existem obstáculos físicos para a movimentação processual, nem limitações de horários de expedientes”. Tais condições virtuais possibilitam o acesso do magistrado ao processo, em qualquer hora ou dia, do lugar onde se encontre, seja qual for, bem como às partes, incluindo-se o Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradores Públicos e Advogados, que poderão exercer maior controle, com a utilização de ferramentas que darão transparência e segurança, permitindo imprimir maior celeridade ao processo. A grande tarefa a ser enfrentada, no entanto, é a da transformação de todos os processos judiciais em eletrônicos, pois a efetividade da lei que o instituiu depende de ferramenta tecnológica adequada para instrumentalizá-la, razão pela qual resulta de grande relevância o empreendimento do Conselho Nacional de Justiça em desenvolver e distribuir aos tribunais para instalação o software de processo eletrônico, sistema livre, sem o qual restaria inviabilizada a instalação e a execução do processo eletrônico e, por extensão, a sonhada virtualização da Justiça. 508 Revista ESMAC Conceito de Processo Virtual/Eletrônico Por se tratar de ramo novo do direito, o chamado Direito Eletrônico ainda não encontrou uma definição definitiva. Assim, encontramos diversas denominações, tais como Direito da Informática, Direito Eletrônico, Direito Virtual, Direito Cibernético, entre outras. Para José Carlos de Araújo Almeida Filho470 definir o que venha a ser esse novo ramo do direito não é tarefa das mais fáceis. Segundo este autor: Doutrinadores pátrios, de reconhecida autoridade no assunto, como os professores Paulo Sá Elias e Aldemario Araújo Castro defendem a tese de que a denominação mais correta seria Direito da Informática... ...Contudo, diante da definição que ora se apresenta, não se pode admitir que um ramo novo do direito seja definido com tamanha simplicidade. Em que pese todo o respeito atribuído ao Prof. Aldemario Araújo Castro, sempre ousamos divergir de sua posição. Se as relações e implicações são oriundas das modernas tecnologias da informação, não se pode restringir o direito a um ramo específico de outra área do conhecimento. Não podemos admitir que o direito seja da informática, nem ao menos, quando se trata da Informática Jurídica, que os conhecimentos se apresentem tão dissociados... ...Assim sendo, a partir do momento em que o direito tem por natureza tratamentos transdisciplinares, que vão além da multidisciplinariedade e da interdisciplinaridade, definir este novo ramo como sendo próprio de uma ciência, ou seja, da informática, é desprezar todos os demais meios de comunicação e técnicas que estão além destas, mas, ao mesmo tempo, entre estas. Admitir o direito como sendo de uma área da ciência, poderemos ter a definição de Direito da Informática. Contudo, o direito não é da informática, mas se apresenta como meio de definir conflitos oriundos de todos os segmentos da sociedade. A partir do momento em que insistimos ser o termo Direito da Informática ultrapassado, necessária se faz uma justificativa pela contraposição à definição do Prof. Aldemario. Analisando o conceito do Professor Aldemario, podemos alavancar nossa teoria de que a denominação mais correta é a de Direito Eletrônico, porque nem todos os canais de comunicação da era moderna são afeitos, especificamente, à informática. Ainda que não se possa assim admitir, porque a informática é uma realidade presente e substancialmente importante, se partirmos da premissa que tudo envolve a informática, primariamente, em um campo secundário a informática deixa de ter importância e passamos a uma segunda fase – que é a eletrônica. Assim sendo, quando admitimos que a informática seja uma fonte primária – inclusive geradora de direitos e deveres -, passamos a uma segunda etapa, admitindo fontes secundárias e, assim, teremos um conceito mais abrangente quando adotamos o termo Direito Eletrônico. E é certo que a informática é espécie do gênero eletrônica. Desta forma, entendemos por direito Eletrônico o conjunto de normas e conceitos doutrinários, destinados ao estudo e normatização de toda e qualquer relação onde a informática seja o fator primário, gerando direitos e deveres secundários. É, ainda, o estudo 470 Almeida Filho, José Carlos de Araújo, 1967 – Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico: a informatização judicial no Brasil – Rio de Janeiro: Forense, 2007 509 abrangente com o auxílio de todas as normas codificadas de direito, a regular as relações dos mais diversos meios de comunicação, dentre eles os próprios da informática. Almeida Filho afirma que o processo é elemento indissociável de toda a estrutura de Direito Constitucional, permitindo acesso à justiça e aos Direitos e Garantias Fundamentais do ser humano e o processo eletrônico é o meio pelo qual o Poder Judiciário poderá imprimir maior agilidade na resolução das lides. Nas palavras do autor: Dentro dessa nova ordem processual, o processo eletrônico aparece como mais um instrumento à disposição do sistema judiciário, provocando um desafogo, diante da possibilidade de maior agilidade na comunicação dos atos processuais, que se identifiquem no processo eletrônico os denominados pontos-mortos e os gargalos processuais. Contudo, o processo eletrônico deve ser precedido de toda a segurança e cautela e não pode se admitir tratar-se de uma panacéia para os males do Judiciário. Trata-se de mais um instrumento colocado à disposição dos jurisdicionados, a fim de terem garantia de acesso á justiça – eficaz e célere. Mas não nos basta somente o processo eletrônico. Cappelletti e Garth apontam outros elementos a serem transpostos, a fim de que este acesso à justiça seja integral e pleno, como: A) custas elevadas; b) possibilidades das partes (questões financeiras); c) problemas especiais dos interesses difusos; e d) as barreiras ao acesso... ...Relativamente ao processo eletrônico, pela eliminação do papel e a redução substancial dos gastos, inclusive com grande apego em questões ambientais, porque a economia também se refere às madeiras e água, entendemos que a superação de obstáculos financeiros demandará muito mais de políticas internas dos Tribunais e dos Governos Estaduais, do que das partes. No que concerne à expressão processo virtual, correlata a todo processo judicial que integra a ‘realidade virtual’ forense e científica, como preconiza o sempre citado jurista, essa deve ser concebida como gênero do qual o processo telemático e o processo cibernético são espécies – sendo que esse último teria um plus em relação àquele, uma vez que o seu procedimento “além do emprego de meios informáticos e telemáticos, que proporcionam a digitalização de peças processuais e o seu envio por redes computacionais, também utiliza a inteligência artificial na tomada de decisões judiciais” (PIMENTEL, 2003, p. 887)471. Segundo Pierre Levy, citado por Áurea Maria Lowenkron472, o virtual não se opõe ao que é real e também não pode ser confundido com o falso, passando mais a idéia do que é atual, no sentido que pode se atualizar em qualquer tempo e lugar, o que é característico do ciberespaço, onde não existem limites territoriais geográficos definidos: Dada a impossibilidade de resumir o pensamento de Pierre Levy, mencionarei apenas algumas de suas idéias. Uma das premissas é a de que o virtual está ligado à idéia de força, de potência, e “não se opõe ao real”, mas sim ao que é “atual”. Como potência, o virtual pode se atualizar em qualquer tempo e lugar. Ao atualizar-se, produz efeitos, razão pela qual Levy recusa a identificação do virtual ao falso, ao ilusório. Seria um modo de existência do qual nascem a verdade e a mentira. 471 PIMENTEL, Alexandre Freire. Principiologia juscibernética. Processo telemático. Uma nova teoria geral do processo e do direito processual civil. Recife, 2003. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco. 472 LOWENKRON, Áurea Maria. Tecnologia da informação e da comunicação: a busca de uma visão ampla e estruturada / Fátima Bayma de Oliveira (org). – São Paulo: Pearson Prentice Hall: Fundação Getúlio Vargas, 2007. vários autores. 510 Revista ESMAC Tendo negado a identificação do virtual ao falso, Levy passa a definir o virtual em termos de categorias de tempo, espaço e existência que lhe são associadas. Qual é o espaço em que se dão as relações virtuais? Para responder, Pierre Levy define o ciberespaço pela característica da desterritorialização que, simplificando bastante, pode ser apresentado como o desprendimento do aqui e do agora, um tornar-se não presente, uma espécie de nomadismo, que pode se territorializar ou se atualizar. Seria o que não pertence a lugar algum, o que desengata do espaço físico e do tempo do relógio, mas existe. Nele, há unidade de tempo sem unidade de lugar. Em vez de unidade de lugar, tem-se a sincronização, e em vez de unidade de tempo, há interconexão. Um exemplo fornecido por Levy ajuda a esclarecer essa noção: o fato de freqüentar um espaço não designável (“onde ocorre a conversa telefônica?”, questiona o autor) ou de não estar somente “presente” num espaço geográfico demarcável, nada disso impede a existência. Apesar de desterritorializado, o virtual atualiza-se e- o que é mais importante – produz efeitos. “Embora não se saiba onde, a conversação telefônica tem lugar” argumenta Levy (1996). Para o sociólogo Zygmunt Bauman473 também citado por Áurea Maria Lowenkron no livro há pouco referido, a noção de virtual pode ser assim compreendida: A compreensão do tempo e do espaço possibilitada pelas novas tecnologias de comunicação relaciona-se com a forte tendência ao imediatismo, à fluidez e à volatilidade das coisas, desde o trabalho até os relacionamentos. Por essa característica de estar sempre correndo em busca de mudanças, num processo compulsivo de modernização, a era atual foi chamada por esse sociólogo de “modernidade líquida”, que suplantou sua antecessora, a “modernidade sólida”, com suas promessas de que o processo de modernização traria soluções definitivas para os problemas humanos. 473 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 511 PROCESSO ELETRÔNICO E LEGISLAÇÃO A legislação que rege o Processo Judicial Eletrônico no Brasil foi devidamente documentada por CLEMENTINO474, conforme a seguir se transcreve: Leis e Atos Normativos relativos ao Processo Judicial Eletrônico, anteriores à Lei 11.419, de 19.12.2006 Cabe agora traçar um panorama das iniciativas normativas que tiveram por escopo regular a utilização da Via Eletrônica no Processo. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) estabelece que compete privativamente à União legislar sobre direito processual, além de civil comercial e penal. Todavia, também estabelece que no tocante às custas dos serviços forenses; criação, funcionamento e Processo do Juizado de Pequenas Causas; aos procedimentos processuais e assistência jurídica e defensoria pública, a competência legislativa é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal. A Lei 9.800, de 26.05.1999 (DOU 27.05.1999) permite às partes a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de Atos Processuais... ...Diversos Tribunais pátrios já vêm utilizando os novos recursos eletrônicos para tentar resolver seus graves problemas relativos ao grande número de demandas e recursos materiais insuficientes. Vejamos alguns deles. Em São Paulo e Mato Grosso do Sul (Tribunal Regional da 3ª Região – TRF 3), a partir dos trabalhos realizados pela Comissão temporária constituída pela Portaria 3.222 (de 08.08.2001), encontra-se em funcionamento o Juizado Virtual, que busca substituir o Processo físico por meio eletrônico.. ...O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4) que abrange os Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, por intermédio da Resolução 13, de 11.03.2004, implantou e estabeleceu normas para o funcionamento do Processo eletrônico nos Juizados Especiais Federais no seu âmbito de atuação... ...Com o mesmo intuito de inserir-se na era eletrônica, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal foi um dos primeiros Tribunais do país a contar com a certificação digital... ...O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul lançou na mesma data a Assinatura Digital de seus Acórdãos. A 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça teve seus acórdãos assinados simultaneamente no encerramento da sessão de julgamento, totalmente informatizada, em 18.02.2004. O fato somente foi possível devido à implantação da Assinatura Digital. O próprio Supremo Tribunal Federal já ingressou, só que de maneira mais tímida, na era Virtual. A Resolução 287, de 14.04.2004, instituiu o e-STF, sistema que permite o uso de correio eletrônico para a prática de Atos Processuais, no âmbito daquela Corte de Justiça, mediante a utilização de um sistema de transmissão de dados e imagens, tipo correio eletrônico, para a prática de Atos Processuais, nos termos e condições previstos na Lei 9.800, de 26.05.1999... ...De modo geral, os Tribunais que integram o Judiciário nacional vêm em maior ou menor medida procurando integrar e ampliar o uso dos Computadores e dos Meios Eletrônicos de transmissão de dados para a utilização no Processo Judicial. 474 Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2004. CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. O processo judicial eletrônico. 1. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2007 512 Revista ESMAC OUTROS EXEMPLOS DE INFORMATIZAÇÃO NO PODER JUDICIÁRIO Talvez o melhor exemplo que possa ser citado como passo decisivo para a total informatização do Poder Judiciário, que ainda não ocorreu, mas começa a tomar maior amplitude, tenha sido a criação do sistema PROJUDI pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça – cuja finalidade essencial era a de tentar imprimir certa padronização nas incipientes experiências isoladas que havia nos diversos tribunais espalhados pelo País afora. Na seqüência da criação do PROJUDI podem ser citadas outras experiências que também alcançaram considerável êxito, como a implantação, no âmbito da Justiça Federal, especificamente nos Juizados Especiais Federais, de um programa denominado JUSTIÇA SEM PAPEL, através do qual o juiz passou a receber, despachar, decidir, presidir audiências e sentenciar num ambiente virtual, sem a utilização de impressora. Esta nova tecnologia trouxe grande impacto aos Juizados Especiais Federais, especialmente para atividade específica do juiz, causandou profunda revolução na rotina forense, contribuindo sobremaneira para o alcance da tão sonhada celeridade e informalidade na prestação jurisdicional. Merece grande destaque também a experiência inovadora experimentada pelo Tribunal de Justiça do Amapá, com a criação e implantação de um sistema denominada TUCUJURIS, no qual os autos físicos continuam existindo, muito embora toda a tramitação processual tenha passado a ser feita eletronicamente, com o processo judicial totalmente eletrônico em todas as áreas da Justiça (Cível, Criminal, Júri, Família, Infância e Juventude, Juizados Especiais e alguns núcleos descentralizados, criados graças à implementação desse sistema, tais como N.A.M – Núcleo de Atendimento à Mulher - causas afetas à Lei Maria da Penha - e Postos Descentralizados dos Juizados Especiais). Esta experiência corajosa e inovadora do Tribunal de Justiça do Amapá permitiu posteriormente a tomada de outras decisões no âmbito administrativo, tendentes a tornar ainda mais célere a tramitação processual, com a eliminação de vários carimbos e da conclusão física dos autos ao juiz, que passou a controlá-los eletronicamente, sendo que, nessa mesma esteira, foram também eliminados os os livros de registros de sentenças, audiências e de carga. O advogado e consultor empresarial André Luiz Junqueira475, em artigo publicado sob o título a virtualização do processo judicial, relata várias experiências que estão sendo implementadas no âmbito do Poder Judiciário, com a finalidade de utilização, em cada vez maior escala, dos benefícios decorrentes da informatização e da tecnologia da informação, como as que abaixo colacionamos a título de ilustração: Vários são os exemplos bem-sucedidos do uso da Tecnologia da Informação na Justiça, uma vez que muitos tribunais já possuem sistemas informatizados internos, sistemas de acompanhamento processual por correio eletrônico (chamado de Push), bibliotecas jurídicas eletrônicas, etc. O Diário Oficial da União e o Diário da Justiça já são publicados na Internet há alguns anos (vide o endereço: www.in.gov.br). A Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, também está tomando medidas para disponibilizar o seu Diário Oficial em meio 475 Texto extraído do artigo Virtualização do Processo Judicial por André Luiz Junqueira. Advogado e consultor empresarial, formado pela Universidade Veiga de Almeida (RJ); orientador jurídico do Grupo APSA - Gestão Patrimonial e Negócios Imobiliários; associado ao escritório Schneider Advogados Associados (www.schneiderassociados. com.br ) e coordenador do portal JurisIntel (www.jurisintel.com ). 513 eletrônico. A partir de julho de 2006, somente serão aceitas para publicação, as matérias enviadas eletronicamente pelos órgãos públicos. Vide o sítio: www.imprensaoficial.rj.gov.br. Vários juizados especiais espalhados pelo Brasil estão adotando a “justiça sem papel”. Exemplificando: o Juizado Especial Federal de Rio Sul (Santa Catarina) já adotou o processo eletrônico para causas de Benefícios Previdenciários (em face do Instituto Nacional do Seguro Social) e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (em face da Caixa Econômica Federal). Diversas outras sedes do Judiciário de Santa Catarina também já aderiram ao processo eletrônico (Seção de Comunicação Social da JFSC, 14 de julho de 2006). Todos os atos processuais são feitos eletronicamente, incluindo as intimações (a auto-intimação para os advogados cadastrados, regulamentada pela Resolução n° 30/2004 do TRF 4ª Região). A Seção Judiciária de Santa Catarina da Justiça Federal também iniciou uma campanha recente para diminuir o consumo de papel digitalizando documentos (Seção de Comunicação Social da JFSC, 14 de julho de 2006). Campanha esta que visa também a preservação ambiental. Citamos a página: www.jfsc.gov.br. Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro adicionou um novo item para a sua gestão de trabalho, mais especificamente em seu plantão judiciário noturno: “trata-se de um programa de informática [elaborado pela Corregedoria Geral de Justiça] que reúne as questões mais comuns surgidas nos plantões, com modelos de decisões e a respectiva jurisprudência, autorizações, certidões, ofícios, além de toda a legislação necessária para a fundamentação dos atos” (Assessoria de Imprensa do TJ/RJ, 17 de julho de 2006). O sítio oficial do tribunal é: www.tj.rj.gov.br. Devemos salientar o trabalho desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (desde a sua instalação em 14 de junho de 2005) no acompanhamento do PL n° 5828 e no estímulo e adoção de medidas administrativas para a uniformização do uso das tecnologias disponíveis em prol do exercício das atividades meio e fim dos órgãos do Judiciário. Entre outras questões, a Comissão de Informatização do CNJ vem trabalhando na padronização processual, para a utilização em um sistema único de classificação processual e até de tramitação eletrônica de processos. Assim como estuda os melhores sistemas de informação a serem adotados pelos tribunais (no momento, 13 sistemas de tramitação processual diferentes são utilizados por tribunais brasileiros). Para mais detalhes, o relatório das atividades da comissão mencionada está disponível n página oficial do CNJ: www.cnj.gov. br. Concluímos que o projeto de lei em questão tem o objetivo fundamental de eliminar as dúvidas sobre a licitude da adoção de um processo judicial totalmente realizado em meio eletrônico. E já existem diversos exemplos desse tipo de uso da Tecnologia de Informação no Poder Judiciário brasileiro. Finalizando, o Projeto de Lei n° 5828 é um excelente instrumento para uniformizar o uso da Tecnologia de Informação na prestação da tutela jurisdicional, diminuindo as despesas e morosidade da Justiça brasileira. Em nossa opinião, este projeto representa a peça mais importante da Reforma do Judiciário. Arrematando todos os exemplos anteriormente citados, há que se fazer o registro de duas experiências bastante inovadoras e importantes sobre a questão da informatização e utilização da tecnologia da informação e do processo virtual no âmbito do Poder Judiciário, ambas ganhadoras do Prêmio Innovare, que é realizado pelo Instituto Innovare com o apoio do Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Reforma do Judiciário, da Associação 514 Revista ESMAC dos Magistrados Brasileiros – AMB, da associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, da Associação Nacional da Defensoria Pública – ANADEP, da Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e da Vale, em sua terceira edição, realizada no ano de 2006. A primeira delas na categoria Juizado Especial, de autoria do Desembargador Federal José Eduardo Santos Neves, de São Paulo/SP, com o título “Sistema Informatizado do Juizado Especial Federal de São Paulo”, cuja prática consiste na implementação de um sistema informatizado nos Juizados Especiais Federais da 3ª Região para armazenamento de informações processuais em mídias digitais, andamento processual e gravação de audiências. A segunda, na categoria Tribunal, de autoria do Desembargador Federal Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, de Recife/PE, com o título “Processo Judicial Digital da Justiça Federal da 5ª Região”, consistente na implantação de um sistema de informática desenvolvido totalmente em software livre que possibilitou a instituição do processo judicial digital na Justiça Federal da 5ª Região, integrando o Judiciário, o Ministério Público, a Advocacia, a Defensoria Pública e as universidades. Tramitação de Projetos de Lei relativos ao Processo Judicial Eletrônico no Congresso Nacional e o advento da Lei 11.419, de 19.12.2006 Em pesquisa nas páginas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal logrou-se encontrar inúmeros projetos de Lei relativos à tentativa de regulamentação da utilização da internet em benefício da Sociedade, de modo a auxiliar a implementação de políticas públicas, e também no incipiente desenvolvimento do Processo Virtual. O congresso Nacional, como não poderia deixar de ser, vem sendo palco de discussões de inúmeras idéias inovadoras no tocante à utilização da Via Eletrônica como instrumento eficaz para a persecução dos objetivos fundamentais do Poder Público, bem como para combater a morosidade dos Processos judiciais... ...Em 2001, a Associação dos Juízes Federais – Ajufe apresentou uma sugestão de projeto de lei (dispondo sobre a informatização do Processo Judicial) à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, recém-criada (à época) pelo Presidente da Câmara, Deputado Aécio Neves, presidida pela Deputada Luíza Erundina. 515 UMA NOVA PERSPECTIVA DE PROCESSO JUDICIAL Essa nova perspectiva de processo judicial é demonstrada com maestria por CLEMENTINO, quando o autor traça um paralelo de uma situação hipotética entre um processo judicial tradicional e o novo modelo de processo judicial, o processo eletrônico ou virtual. A demonstração feita pelo autor acima citado é tão didática que nos permitiremos reproduzi-la na íntegra: Precisamos nos acostumar com uma nova realidade processual que veio se inserindo gradativamente em nosso sistema jurídico, mediante iniciativa de alguns Tribunais, consoante já exposto, e agora se consolida com a publicação da nova Lei. Diversos autores já vinham proclamando a possibilidade/necessidade de se ampliar a utilização dos meios eletrônicos como meio de aperfeiçoamento da Justiça, antevendo as mudanças que se avizinhavam. Analise de uma situação hipotética Imaginemos uma situação processual corriqueira dentro de um Processo Judicial simples como o de cobrança (dentro de toda a sua complexidade), para ilustrar essa idéia. Processo Judicial Tradicional Segundo o tradicional Processo Judicial de cobrança, o credor busca o escritório de advocacia, conta-lhe toda a sua história, contrata honorários advocatícios, assina procuração, adianta as custas judiciais ao seu patrono, que reduz toda a historia fática relatada aos fatos jurídicos relevantes, produz a sua petição inicial com todos os requisitos processuais e segue ao Fórum para o protocolo, sujeitando-se ao transito, assim como a eventuais filas e outros contratempos. Depois disso, o funcionário do protocolo restitui uma via protocolizada, enquanto põe a via original na pilha que aguardara a necessária distribuição posterior. Após a audiência de distribuição, os autos seguem ate a respectiva vara, onde aguardara na pilha de petições iniciais a serem autuadas. Após esse “percurso”, os autos, dependendo da natureza do pedido, ou da urgência dos requerimentos, podem tomar diferentes caminhos. No exemplo utilizado, ação de cobrança, usualmente se procede à verificação dos pressupostos processuais e condições da ação, o que normalmente é feito por funcionários do próprio cartório, seguindo-se diretamente ao Juiz com a proposta de despacho no sentido de Citação do Réu, ou de determinação de emenda da inicial em caso de irregularidade passível de ser sanada. A Citação, vale lembrar, é o Ato Processual pelo qual se dá notícia ao Réu de que contra ele estão se imputando certos fatos, com determinada conseqüências jurídicas, dandolhe oportunidade para que apresente sua versão dos fatos, deixando-lhe claro que se não se pronunciar a respeito, presumir-se-ão verdadeiros os fatos alegados pelo Autor da ação. Para 516 Revista ESMAC tanto, o Réu terá, de ordinário, prazo e quinze dias para entender o conteúdo da pretensão jurídica do Autor, buscar a necessária orientação profissional e apresentar sua resposta em Juízo. O termo inicial desse prazo para resposta tem diversas regras distintas para cada uma das diversas formas de Citação; pessoal por mandado; pessoal por correio; por hora certa; por edital ou por carta precatória. Apresentada a resposta do Réu, esta deverá ser juntada aos autos para que, mediante conclusão, chegue ao Juiz para se verificar a existência de matéria preliminar, ensejando-se ao Autor oportunidade para manifestação. Em seqüência, há ainda determinação às partes para que se manifestem quanto à necessidade de dilação probatória, após o que o Juiz decidirá em decisão saneadora as preliminares argüidas, bem como deliberará a respeito das provas requeridas pelas partes, deferindo-as ou denegando-as acaso desnecessárias ou impertinentes. Após a instrução processual, proferirá o Juiz a sua sentença, com o que encerrará o Processo em primeira instância de jurisdição (ou única, em caso de não interposição de recurso), ao menos no que diz respeito ao Processo de conhecimento que objetiva a constituição de um título executivo judicial. Constituído este e promovida sua liquidação, que, no caso, demandaria a simples apresentação de memória discriminada e atualizada do valor a ser executado, promover-se-ia, em caso de inocorrência do cumprimento voluntário da obrigação, a execução forçada, mediante a competente Ação Executiva, no bojo da mesma base material (mesmos autos). Narrado dessa forma parece relativamente simples o trâmite processual. Contudo, se levam em consideração os fatores intervenientes, tais Atos Processuais podem se revelar de difícil concretização, por obstáculos de toda ordem. O descumprimento do Autor quanto aos prazos que lhe são impostos pela Lei e pelo Juiz resolve-se com o indeferimento da inicial (em caso de inobservância dos requisitos do art. 282 do CPC), ou com base no art. 267, III, do CPC, quando a causa já está em curso. A inércia do Réu resolve-se com a decretação da revelia e todas as suas conseqüências. Quanto ao mérito, no que diz respeito ao ônus da prova, com relação a ambos, tem-se o disposto no art. 333. Entretanto, com relação aos Magistrados, outra deve ser a solução, haja vista que a extinção do Processo, por óbvio, não resolve adequadamente o problema da demora na prestação jurisdicional do Estado. Os casos em que a demora na solução do litígio decorrem de desídia do Magistrado, por certo devem ser corrigidos na via disciplinar. Ocorre, contudo, que o que se dá na maioria das vezes é a absoluta impossibilidade material para o Processo e julgamento célere das questões postas em juízo, seja pelo grande número de feitos em tramitação, seja pelo reduzido número de Juízes, funcionários e, principalmente, pela falta de recursos materiais e tecnológicos ou subutilização dos disponíveis. Da necessidade da concretização da solução determinada na sentença/acórdão surgem outras dificuldades. A execução forçada implica, no caso, a expropriação dos bens do Executado para a satisfação do direito creditício do Exeqüente. E tal atuação envolve a localização dos bens do Executado, tarefa nem sempre simples diante da prática comum de ocultação destes. 517 Novo modelo de Processo Judicial Analisemos, então, uma situação hipotética em que a mesma série de atos supra descrita esteja contextualizada em um sistema processual moderno, com otimização da utilização dos recursos que já estão disponíveis no presente, sem excessivos dispêndios, dentro da realidade e possibilidade nacionais. O credor digita sua versão dos fatos jurígenos e a encaminha, via Correio Eletrônico, para dois ou três escritórios advocatícios, para, dentre eles, escolher o que lhe inspirar mais confiança. Assina contrato Virtual com os profissionais que irão defender seus interesses em Juízo, bem como outorgará poderes para tanto, mediante procuração assinada digitalmente. Provavelmente os advogados virtualmente contratados aproveitarão sua narrativa escrita, conferindo “formatação jurídica” à sua pretensão, a qual poderá rapidamente ser ajuizada Via Eletrônica, juntamente com todos os Documentos probantes, aptos a serem “transformados” em fotografias digitais, mediante a utilização de máquinas de digitalização de imagens (scanners). No Juízo competente a petição eletrônica recebida é automaticamente distribuída, sendo-lhe atribuída identificação numérica, podendo ser imediatamente analisada pelos assessores do Magistrado, que de pronto deverão selecionar a proposta de despacho padrão, a ser digitalmente assinada. Ressalte-se que é materialmente possível que todas as etapas, desde a apresentação da narrativa fática até a determinação do “cite-se”, sejam feitas em um único dia, o que seria absolutamente impossível na “sistemática do papel”, hoje vigente. No que diz respeito à concretização do julgado, a conexão do Judiciário a diversas bases de dados poderia reduzir significativamente as dificuldades que hoje emperram a efetivação do comando contido na sentença. Nesse sentido Madalena e Oliveira vão além, chegando a admitir a possibilidade da produção de uma sentença por um sistema inteligente, mediante o emprego de técnicas de gerenciamento de informações pertinentes aos procedimentos judiciais, com a simples respostas a determinados quesitos vinculados a respostas específicas do programa de Computador, especialmente desenvolvido para tal finalidade. No mais, com a adoção de fragmentos de fórmulas jurídicas logicamente concatenadas, poder-se-ia chegar a um modelo de sentença racionalmente correspondente ao conteúdo dos autos eletrônicos. Entretanto, tal proposta somente seria viável em demandas simples e repetitivas, como uma ação de cobrança, por exemplo, sendo inviável em ações dotadas de maior complexidade e passíveis de maiores desdobramentos, especialmente aquelas de conteúdo cuja reprodução seja de difícil repetição, por sua especificidade. Os problemas da utilização dos recursos eletrônicos crescem à medida que se desenvolvem os Atos Processuais a partir da determinação de Citação do Réu. O Processo Judicial Eletrônico em alguns pontos manifesta-se apenas como uma maneira diferente de realizar alguns Atos Processuais, em outros, implica uma verdadeira revolução conceitual. As formas de Intimação e de contagem de prazos têm que ser adequadas à realidade Virtual, onde tempo e espaço têm uma concepção distinta. Não se podem ignorar as possibilidades que são oferecidas pelos modernos recursos tecnológicos. Todavia, o uso desses instrumentos está sujeito às respostas possíveis a uma série de indagações que se pretende fazer ao longo das linhas que se seguem. 518 Revista ESMAC Finalidade do Processo Virtual Segundo Bruno Arone, advogado e mestrando em direito processual, no artigo Processo Digital, Informatização da Justiça Exige Empenho e Cautela, publicado na revista Consultor Jurídico de 29 de abril de 2008, a implantação do processo digital ou virtual, ou eletrônico é uma realidade iminente, mas que é preciso adotarem-se certas cautelas e cuidados para que não sejam desrespeitados os princípios processuais ou se criem duas justiças, uma rápida e informatizada para os ricos e outra lenta e ineficiente para os pobres. Nas exatas palavras do autor supracitado: A onda tecnológica abraçou o planeta e fincou suas garras sobre todos os ramos de atuação da humanidade. A jurisdição, obviamente, não ficou de fora do impacto cibernético. Mas, conforme comentado acima, ainda que a informatização do processo judicial seja um caminho sem volta, não se pode olvidar que os princípios processuais devem ser respeitados, sob risco de um grave retrocesso na constante busca pelo processo justo. É importante frisar que, se a informatização do processo judicial vem para ajudar, ela não pode atrapalhar. Por mais redundante que seja essa preocupação, ela é necessária. José Carlos Barbosa Moreira já faz, há um bom tempo, o alerta para se ter cautela com esse açodamento legislativo nas reformas processuais. O cuidado na implantação do sistema da Lei 11.419/06 deve ser redobrado, especialmente com relação aos princípios do acesso à Justiça e da igualdade. Como muito bem advertiu Edilberto Barbosa Clementino, a informatização do processo judicial não pode dividir a Justiça entre aquela dos ricos (informatizada e veloz) e aquela dos pobres (lenta e ineficiente). Diante da exclusão digital que assola o Brasil, será necessária uma vasta política de integração populacional aos meios cibernéticos, tal como ocorreu com a telefonia, em decorrência do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), instituído pela Lei 9.998, de 17 de agosto de 2000. Se essas circunstâncias forem levadas em consideração, com a adoção dos devidos métodos preventivos, poderemos esperar um impacto positivo da informatização judicial sobre todos os princípios processuais. Vantagens Decorrentes da Utilização do Processo Virtual/Eletrônico As relações virtuais e seus efeitos são realidade no nosso cotidiano, delas não havendo como se furtar. A tendência é a substituição gradativa do meio físico (processo tradicional em papel) pelo virtual ou eletrônico, o que já ocorre e justifica a adequação, adaptação e interpretação das normas jurídicas nesse novo ambiente Em artigo publicado no site jus navigandi o juiz federal George M.lima476, citando 476 LIMA, George Marmelstein. e-Processo: uma verdadeira revolução procedimental. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3924>. Acesso em: 07 jul. 2008. 519 o juiz Edison Aparecido Brandão, que foi o primeiro a implantar o interrogatório por vídeoconferência no Brasil, afirma que: “O processo tal como o conhecemos está acabando, vindo a seu lugar meio inédito, apto a novas realidades, que formará e criará parâmetros de um futuro em muito diferente do que se imaginava em nosso passado ou que se tem em mente em nosso presente”. Na seqüência LIMA discorre acerca de como o processo eletrônico irá mudar radicalmente a realidade do Poder Judiciário, vaticinando que as mudanças não demorarão muito a se espalhar por todo o País, muito embora reconheça que haverá alguns Tribunais onde as dificuldades de adequação a essa nova realidade serão bem maiores: A princípio, pode-se dizer que as palavras acima, proferidas pelo Juiz Edison Aparecido Brandão, que foi o pioneiro em implantar o interrogatório por vídeo-conferência no Brasil, são meros devaneios de um entusiasta da tecnologia da informação. Muitos pensam assim e consideram que o processo, pelo menos por algum tempo, ainda permanecerá com as mesmas características que possui há mais de um século. Ledo engano. O novo direito processual que surge (verbo colocado propositadamente no presente, mas que também poderia ser colocado no passado ou no futuro que o sentido permaneceria o mesmo), com o uso da tecnologia da informação, é totalmente diferente do que imaginaram os grandes processualistas do século passado. Não há papel. Não há documentos físicos. Não há carimbos. Tudo é digital. Tudo é novo. Tudo é diferente. Esse novo processo, que, na onda dos modismos cibernéticos, pode ser chamado de e-processo (processo eletrônico), tem as seguintes características: a) máxima publicidade; b) máxima velocidade; c) máxima comodidade; d) máxima informação (democratização das informações jurídicas); e) diminuição do contato pessoal; f) automação das rotinas e decisões judiciais; g) digitalização dos autos; h) expansão do conceito espacial de jurisdição; i) substituição do foco decisório de questões processuais para técnicos de informática; j) preocupação com a segurança e autenticidade dos dados processuais; k) crescimento dos poderes processuais-cibernéticos do juiz; l) reconhecimento da validade das provas digitais; k) surgimento de uma nova categoria de excluídos processuais: os desplugados. Nem pensem que essas mudanças ocorrerão daqui a vinte ou cinqüenta anos. Elas já iniciaram e caminham a passos rápidos. Como se verá neste artigo, em que serão analisadas de maneira genérica algumas dessas conseqüências ocasionadas no processo pela tecnologia da informação. O processo “virtual”, com o perdão do jogo de palavras, já é uma realidade. No desenvolvimento do seu excepcional artigo LIMA (12) discorre sobre o que considera serem as características que norteiam o e-processo (processo eletrônico), cujas idéias principais reproduziremos para ilustrar este trabalho, haja vista que bastante se assemelha com aquele. A primeira característica apontada por LIMA é a da máxima publicidade, que é decorrente de comando constitucional (art. 93, IX, da CF/88), segundo o qual todos os atos processuais deverão ser públicos, à exceção daqueles que correm em sigilo e, com o desenvolvimento e larga utilização da tecnologia da informação, em breve essa publicidade será universal, pois qualquer pessoa, com acesso a internet, de qualquer lugar do mundo, poderá acompanhar a realização de atos processuais, como também já ocorre com a divulgação de acórdãos pelos tribunais brasileiros ou o acompanhamento de audiências, mesmo de juízes 520 Revista ESMAC de primeiro grau, através da internet, possibilitando, inclusive, maior fiscalização pública dos atos judiciais ou administrativos. A característica da máxima velocidade permitirá estancar um dos gargalos do Poder Judiciário, que é justamente a tão propalada morosidade, pois tão logo um ato seja realizado, imediatamente estará disponível na rede mundial de computadores, com a devida comunicação direta, via e-mail, às partes interessadas, meio pelo qual também poderão ser realizadas a maioria das comunicações processuais, como as citações, intimações e notificações, tudo em tempo real, como já vem ocorrendo na maioria dos Juizados Especiais Federais, decorrente de previsão da própria lei que os instituiu. Alguns tribunais já instituíram também o sistema de acompanhamento processual conhecido por push, no qual se recebe uma comunicação eletrônica todo vez que houver uma movimentação processual, bastando, para tanto, apenas um prévio cadastramento. O Diário Oficial virtual também já é uma realidade em vários tribunais, de forma que a versão impressa está praticamente com os dias contados e a morte anunciada. A máxima comodidade é outra característica do processo eletrônico, afigurandose como uma de suas grandes vantagens, através da utilização da internet, a comodidade de peticionar, pagar custas, etc. sem a necessidade de deslocar-se pessoalmente ao foro, conforme já havia previsto a Lei nº 9.800/99, através de fac-símile (fax) “ou outro similar”, como por exemplo, o correio eletrônico, embora que com a desvantagem da obrigatoriedade de juntada dos originais no prazo de 05 (cinco) dias da data do término do prazo, circunstância que praticamente inviabiliza a utilização do e-mail para o envio de petições. Há notícias alvissareiras de práticas tendentes à adoção dos meios eletrônicos para a remessa de petições ou acompanhamento processual por vários tribunais pelo Brasil afora, como por exemplo, a dispensa da apresentação física da “petição original”. O acompanhamento processual por telefone também já é uma realidade bastante concreta, conforme se verifica em Santa Catarina, na parceria entre aquele Tribunal e a operadora de telefonia celular TIM, assim como a utilização de terminais remotos de alguns bancos para esta mesma finalidade, como é o caso do convênio firmado entre o Tribunal de Justiça de São Paulo e a Nossa Caixa. A internet também possibilitou maior velocidade no acesso às informações, democratizando-as, muito embora tal fenômeno possa trazer um incremento na litigiosidade, mas, por outro lado, poderá diminuir a necessidade de contato pessoal, possibilitando a realização de atos processuais através de vídeo-conferência, dispensando-se dispendiosos e inseguros deslocamentos de réus ou testemunhas às unidades jurisdicionais para prestarem depoimentos, embora tal modalidade tenha sido alvo de severas críticas, notadamente por parte das entidades de classe da advocacia, sob o argumento do desrespeito ao princípio constitucional da ampla defesa. A tendência de utilização desse meio, no entanto, parece irreversível e o Superior Tribunal de Justiça, através do RHC 6272/SP, 5a Turma, rel. Min. Félix Fischer, j. 3/4/1997, validou o primeiro interrogatório feito dessa forma no Brasil, o que também foi autorizado pela Medida Provisória nº 28, de 04.02.2002. A utilização desses meios eletrônicos certamente contribuirá para a automação das rotinas e das decisões judiciais através do desenvolvimento de softwares que, num futuro bem próximo serão capazes de elaborar decisões judiciais com a simples alimentação de dados em campos previamente estabelecidos, não obstante seja prudente frear o ímpeto de 521 alguns mais alvoroçados que já prevêem a substituição do magistrado por uma máquina de elaborar sentenças, pois a sensibilidade humana jamais ou dificilmente poderá ser suplantada por um frio programa de computador. Na verdade, o que se busca com a utilização da tecnologia da informação, do processo virtual ou eletrônico e de tantas outras formas de substituição das práticas até então vigentes é simplesmente dotar o magistrado do melhor arsenal para enfrentar os desafios de entregar a prestação jurisdicional para uma sociedade que não tem mais tempo para esperar pelos meios tradicionais de resolução de seus conflitos. A sociedade evoluiu muito mais rapidamente e se o Poder Judiciário não acompanhar esta evolução certamente cairá em descrédito e será, inexoravelmente, substituído por outros meios que surgirão para a solução das lides. A digitalização dos processos e a conseqüente substituição dos autos físicos por meros registros digitais, armazenados nos bancos de dados do Poder Judiciário é uma realidade da qual não há como esquivar-se, assim como a expansão do conceito espacial de jurisdição deverá sofrer profundas alterações, pois a internet é um ambiente sem fronteiras ou limites territoriais geográficos delimitados, o que importará obrigatoriamente em revisão das regras de competência territorial e internacional. Todas estas mudanças inevitáveis poderão deslocar o foco decisório das questões processuais para técnicos de informática, os quais terão sua importância aumentada na medida em que questões ligadas à parte técnica certamente serão dirimidas por eles, que informarão aos juízes para a tomada da decisão acerca da qual não possuem conhecimento específico. A conseqüência de tudo isso é que deverá ser muito maior a preocupação com a segurança e a autenticidade dos dados processuais, pois nos autos tradicionais, em papel, não são muito comuns os casos de falsificação de documentos. É certo que os autos virtuais serão revertidos de todo um aparato disponível para garantir sua autenticidade, tais como assinatura digital, senha, criptografia, biometria, etc. não obstante, no universo cibernético existem os aficionados em justamente desvendar tais sistemas de segurança, os hackers, cujo maior divertimento é conseguir violar e penetrar nos sistemas de empresas ou organismos governamentais, às vezes por mero prazer e, na maioria, com objetivo de auferir lucro fácil. Daí porque a preocupação com a segurança deverá sempre fazer parte da pauta de discussão dos processualistas. Os Tribunais Superiores como o STF e o STJ já saíram na frente com a adoção de algumas medidas para garantir a segurança no acesso às informações que disponibilizam para consulta pública. O STF, por exemplo, está adotando o sistema de identificação biométrica, que só permite o acesso à rede com a exibição da impressão digital do usuário e o STJ, ao reconhecer a validade de cópias de acórdãos obtidas de sua Revista Eletrônica de Jurisprudência, adota, como mecanismo de segurança, uma marca d’água com a logomarca do STJ e a certificação digital por um terceiro (Autoridade Certificadora). Em diversos outros tribunais estaduais, regionais federais e trabalhistas também estão sendo adotadas políticas referentes à implantação e o desenvolvimento de sistemas próprios visando garantir a segurança das informações e dos dados processuais que tramitam de forma virtual. 522 Revista ESMAC 3. A PRESTAÇÃO JURISDICONAL A prestação jurisdicional é função típica de Estado e constitui-se num dos princípios fundamentais do estado democrático de direito oriundos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A tão propalada demora na entrega da prestação jurisdicional é tema recorrente tanto na mídia em geral quanto no seio da sociedade, muito embora pouco se fale acerca dos reais motivos da ocorrência dessa possível morosidade, quando e porque acontece, notadamente para que sejam observados e analisados pelo grande público, pelos meios de comunicação e pelos litigantes. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, quando trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, prescreve que a todos deve ser assegurada a razoável duração do processo, embora também preveja o dispositivo constitucional que devem ser destinados os meios para garantir a tão almejada celeridade, como por exemplo, as condições de trabalho, a demanda compatível com a estrutura existente, pessoal suficiente e qualificado e o pronto oferecimento de elementos e cumprimento de diligências pelos advogados, incluindo aí os defensores públicos e procuradores fazendários, Ministério Público, Polícia e outros órgãos públicos e privados. Constitui-se, portanto, num direito constitucional básico de qualquer cidadão o pleno acesso ao Judiciário, onde lhe seja garantida a resolução da sua demanda com observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, num processo com razoável duração. O direito à prestação jurisdicional vem evoluindo ao longo da história, conforme afirma Aluísio Gonçalves de Castro Mendes477: O homem e a sociedade vivem em constante evolução. Por conseguinte, o direito, como um todo, e o direito processual, como objeto do presente estudo, também precisam acompanhar pari passu as transformações sociais. O princípio do direito à prestação jurisdicional representa construção que vem se desenvolvendo ao longo da história. Em síntese, resulta da evolução consubstanciada nos sistemas anglo-saxão (common law) e codificado de direito (civil law). A Profa. Ada Pellegrini Grinover escreveu, há trinta anos, estudo valioso sobre as garantias constitucionais do direito de ação. Nos países de direito costumeiro, a necessidade da proteção judicial, como direito fundamental, surge a partir do art. 39 da Magna Carta de 1215, na Inglaterra, que estabelecia, em suma, que nenhum homem livre poderia ser privado da sua liberdade, exilado, condenado ou de qualquer forma aniquilado, salvo mediante o devido processo legal (due processo of law). A regra possuía inicialmente, como se vê, caráter defensivo. A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê, no artigo 8º, que “Toda pessoa tem direito a um recurso efetivo perante as jurisdições competentes contra os atos violando os direitos fundamentais que lhe são reconhecidos pela Constituição ou pela lei”. 477 Mendes, Aluísio Gonçalves de Castro, Estudos de direito processual civil/Luiz Guilherme Marinoni, coordenador. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. Vários autores. “Homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão” - Bibliografia 523 No Brasil, segundo o professor MENDES o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional sofreu alguns reveses durante o período da ditadura militar, mas hoje se encontra fortemente consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: O princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional passa a figurar expressamente nas constituições a partir da Carta de 1946. Entretanto, viveu momentos de agonia durante os anos de ditadura. O Ato Institucional 5, de 13.12.1968, determinou, no seu art. 11, a exclusão de qualquer apreciação judicial de todos os atos praticados de acordo com o respectivo Ato e seus atos complementares. A Emenda Constitucional de 1969 foi ainda mais longe, excluindo da apreciação judicial os atos em geral praticados pelo Governo Federal, bem como atos institucionais e atos complementares etc. Encontra-se, atualmente, inscrito no art. 5º, XXXV, da Constituição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Conceito de Prestação Jurisdicional Para Chiovenda a jurisdição seria o meio de realização do ordenamento jurídico tendo a lei como sinônimo exclusivo de direito, cabendo aos juízes somente a aplicação da vontade abstrata da lei à realidade do caso concreto sem qualquer juízo de valor em sua aplicação. Já para Carnelutti a jurisdição poderia ser definida como a justa composição da lide. Na definição do professor Moacyr Amaral Santos478, “Como legislador, o Estado estrutura a ordem jurídica. Formula as leis destinadas à conservação e desenvolvimento da vida em sociedade. Realizando a ordem jurídica, aplica a lei. Aplica-a no exercício de sua função administrativa, de garantia do bem comum, ou no exercício de sua função jurisdicional, de compor conflitos de interesses perturbadores da paz jurídica”. O renomado professor Moacyr Amaral Santos, na obra a pouco citada, complementa seu pensamento afirmando que: A jurisdição, portanto, é uma das funções da soberania do Estado. Função de poder, do Poder Judiciário. Consiste no poder de atuar o direito objetivo, que o próprio Estado elaborou, compondo os conflitos de interesses e dessa forma resguardando a ordem jurídica e a autoridade da lei. A função jurisdicional é, assim, como que um prolongamento da função legislativa, e a pressupõe. No exercício desta, o Estado formula as leis, que são regras gerais abstratas reguladoras da conduta dos indivíduos, tutelares de seus interesses e que regem a composição dos respectivos conflitos; no daquela, especializa as leis, atuando-as em casos ocorrentes. Caracterizando-se como uma típica função de Estado, a jurisdição é exercida de 478 Santos, Moacyr Amaral, Primeiras linhas do direito civil – São Paulo: Saraiva, 1998, vol. 1:20. ed. rev. e atual. Por Aricê Moacyr Amaral Santos 524 Revista ESMAC forma exclusiva pelo Poder Judiciário na composição dos conflitos de interesses que porventura ocorram, consolidando-se a idéia do Estado de Direito, já que não é permitida a autotutela dos interesses individuais em conflito, porque, se assim fosse, comprometida estaria, certamente, a paz jurídica, eis que somente o Estado dispõe da força e tem interesse em assegurar a ordem jurídica estabelecida, conforme assevera o citado mestre: A idéia do Estado de Direito consolidou neste a função jurisdicional, cujo objetivo é “resguardar a ordem jurídica, o império da lei e, como conseqüência, proteger aquele dos interesses em conflito que é tutelado pela lei, ou seja, amparar o direito objetivo”. SANTOS faz questão de frisar a separação de poderes, bem como a incumbência específica da jurisdição ao Poder Judiciário: A atribuição da jurisdição ao Poder Judiciário pressupõe o Poder Legislativo, com a incumbência de formular as leis, de criar o direito objetivo, a regular a ordem jurídica. A jurisdição, portanto, pressupõe a lei, o direito objetivo. Diversamente do que ocorria em Roma, no período formulário, em que legislação e jurisdição podiam se exercer concomitantemente, pois os magistrados, a quem era conferida a iurisdictio, ao concederem a actio, podiam e muito comumente criavam o direito a ser aplicado. Mas a jurisdição se exerce em face de um conflito de interesses e por provocação de um dos interessados. É função provocada. Quem invoca o socorro jurisdicional do Estado manifesta uma pretensão contra ou em relação a alguém. Ao órgão jurisdicional assistem o direito e o dever de verificar e declarar, compondo assim a lide, se aquela pretensão é protegida pelo direito objetivo, bem como, no caso afirmativo, realizar as atividades necessárias à sua efetivação prática. A conclusão lógica a que se chega é que a efetividade da prestação jurisdicional se caracteriza como um direito fundamental sob o prisma da concepção normativa, ou seja, aquela em que o próprio ordenamento constitucional do Estado define quais são os direitos fundamentais segundo sua ideologia, decorrente do próprio texto Constitucional, conforme se extrai da simples leitura dos dispositivos normativos abaixo transcritos: Art. 5°, LXXVIII “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Art. 5°, XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça de direito.” A efetividade da prestação jurisdicional, sob caráter materialista, é um direito fundamental, por ser suporte imprescindível ao exercício da cidadania e a própria dignidade da pessoa humana, denegá-lo, fere não só o direito de cidadão, mas também, a própria dignidade de ser humano. Segundo Marinoni479 o direito à prestação jurisdicional é fundamental pois dele depende a efetividade dos demais direitos, uma vez que esses últimos, diante de situações de ameaça e agressão, sempre restam na dependência de sua realização. De forma incisiva o jurista completa que é por esse motivo que o direito à prestação jurisdicional efetiva é proclamado o mais importante dos direitos, exatamente por construir o direito e fazer valer os próprios direitos. Compete ao Poder Judiciário a tarefa de realizar o “munus” judicante a cargo do Estado. Este preceito está claramente inserto no art. 5º, inc. XXXV da Constituição Fede479 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p.184-185. 525 ral/88, principal fonte normativa de nosso país, que nenhuma lesão ou ameaça a direito individual ou coletivo poderá ser subtraída ao seu exame. É o chamado direito a jurisdição, que está umbilicalmente atrelado ao conflito de interesses, condição imprescindível e justificadora da necessidade da prestação da tutela jurisdicional. CARMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA, então Procuradora do Estado de Minas Gerais e Professora Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC/MG, atualmente Ministra do Supremo Tribunal Federal, em sua obra “As Garantias do Cidadão na Justiça”, pág. 31/51, sob o título “O Direito Constitucional à Jurisdição” estabelece que o “direito à jurisdição é o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado ao cidadão de exigir do Estado a prestação daquela atividade. A jurisdição, é, então, de uma parte direito fundamental do cidadão, e, de outra, dever do Estado.” Dessa forma, pode se afirmar com convicção que o acesso à justiça é o mais fundamental dos direitos fundamentais, por garantir a realização concreta dos demais direitos. O Poder Judiciário tem a missão de garantir a execução dos direitos, sendo este o mais fundamental dos direitos, justamente porque sem ele os demais direitos não passam de meras proclamações abstratas. Formas de Prestação Jurisdicional e modos de exercê-la Segundo o escólio de BARROS480 a prestação jurisdicional é exercida pelo Estadojuiz, tendo como finalidade primordial a composição dos litígios, a fim de que o litigante vencedor possa ver triunfar a sua pretensão em relação à vontade do vencido, nas formas abaixo elencadas: Como todos nós sabemos, a função jurisdicional tem como escopo compor litígios, com a supremacia da pretensão do litigante vitorioso, substituindo-se à vontade do derrotado. Ao exercer o direito de ação, o autor torna-se credor do Estado. Este passa a dever-lhe a solução do conflito. Por isso, afirma-se que a sentença corresponde à entrega da prestação jurisdicional. Hoje se entende que tal entrega pode ocorrer de várias formas: a) declaração de que o demandante não pode reclamar o direito (por efeito de prescrição, decadência, etc); b) declaração de que a pretensão do autor é procedente (ou improcedente); c) condenação do réu. Nosso CPC afirma que, com a sentença, o Estado cumpre sua função, entregando a prestação jurisdicional. Se o derrotado não obedece à condenação, deve o vitorioso promover a liquidação, se a sentença for ilíquida (o que ocorre constantemente) e, após, propor a execução. Temos, então, três processos autônomos e sucessivos. Todos eles com potencial de acesso ao STJ e ao STF. 480 BARROS, Humberto Gomes de. O que é a prestação jurisdicional? Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 8, nov./dez. p. 65-67, 2000. 526 Revista ESMAC sual. Para os doutrinadores a autonomia dos processos homenageia a ciência proces- Como foi afirmado há pouco, a função jurisdicional visa à atuação da lei aos conflitos de interesses ocorrentes, compondo-os para resguardar a ordem jurídica vigente, com o fim específico de manter a paz jurídica e social, manifestando-se por três formas, quais sejam: pela decisão, pela execução e pelas medidas preventivas, ou cautelares. A decisão, de acordo com SANTOS, “pressupõe uma pretensão real ou virtualmente contestada. O juiz deverá conhecer a lide para então atuar a lei aplicável ao caso. Decide após regular conhecimento, isto é, servindo-se do processo de conhecimento”. Ocorre que “o vencido pode não satisfazer a condenação. A pretensão, acolhida pela decisão, pode não ser satisfeita. A ordem jurídica não estará, portanto, restaurada. Nesse caso, o juiz, ainda atuando a lei, exercerá atividades destinadas a transformar em realidade o comando contido na decisão. É a execução, por via de processo de execução”. Por fim, o autor define como se dá a tutela jurisdicional preventiva ou cautelar, esclarecendo que “a providência jurisdicional de conhecimento, a de decisão, ou de execução, que reclamam atividades várias, que exigem tempo mais ou menos demorado, podem chegar tarde demais, em desprestígio da lei e, consequentemente, em prejuízo do direito das partes. A fim de impedir ou obviar as conseqüências do periculum in mora, recorre-se ao processo cautelar ou preventivo, por meio do qual a jurisdição determina providências preventivas ou cautelares. Essa é a chamada tutela jurisdicional cautelar ou preventiva”. Na jurisdição estão compreendidos três poderes: o de decisão, consistente no poder de conhecer, prover, recolher os elementos de provas para decidir. O de coerção, utilizado para compelir o vencido a cumprir a decisão emanada do órgão jurisdicional e o poder de documentação, que nada mais é do que a representação por escrito dos atos processuais. Três são os princípios fundamentais que dominam e regem o exercício da jurisdição, sendo o primeiro deles o princípio da investidura, que preconiza que a jurisdição só pode ser exercida por quem dela se acha legitimamente investido, eis que se trata de função do Estado, de modo que qualquer ato processual praticado por quem não é legitimamente investido padecerá de nulidade plena. O segundo princípio é o da indelegabilidade da jurisdição, segundo o qual o juiz exerce função jurisdicional delegada pelo Estado, em caráter pessoal, não podendo delegá-la a outrem. E o terceiro princípio é o da aderência ao território, estabelecendo que os juízes exercem jurisdição somente nos limites da circunscrição territorial que lhes é traçada pelas leis de organização judiciária, enquanto o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm jurisdição em todo o território nacional, assim como os Tribunais de Justiça de cada Estado da Federal têm jurisdição sobre o território do respectivo Estado. O instrumento da jurisdição para a composição das lides é o processo, nas modalidades previstas no ordenamento processual brasileiro, que são especificamente os processos de conhecimento, de execução e cautelar, às vezes utilizado sincreticamente, quando cabível. O processo é instaurado por iniciativa da parte, através da ação, seja qual for sua modalidade ou natureza, mas tem impulso por iniciativa oficial, através do juiz que o preside, até a sentença e eventual execução latu sensu. SYDNEY SANCHES481, discorrendo sobre o processo, afirma que “no de 481 SANCHES, Sydney, Revista da AMB, Poder Cautelar Geral do Juiz, Ano I, 02/90, p. 10. 527 conhecimento o que se busca é um juízo de certeza do direito. No de execução o objetivo é a satisfação do direito. E no cautelar o simples acautelamento de eventual direito de uma das partes, enquanto não se obtém um juízo de certeza ou satisfação do direito.” O direito processual entra em sua quase totalidade na categoria de disposições que foram denominadas “regras finais”: que não impõem obrigações, sendo que, quem se propõe a um determinado fim, que seria obter justiça, oferece o método, a receita para conseguilo482. Da ação decorre a jurisdição e o processo é o instrumento desta, consolidando um complexo de direitos e deveres, tanto das partes quanto do juiz, objetivando-se em atos até a prolatação da sentença; o processo nada mais é do que uma relação jurídica, daí a denominada relação jurídica processual. O processo é apenas o conjunto de meios destinados à proteção dos direitos483, fornecendo, assim, os meios jurídicos para tutelar os direitos e atuar o seu sistema, através de atos das partes e do juiz, interligados pela unidade do escopo a ser alcançado, qual seja, a justa composição da lide, que nada mais é do a finalidade precípua da atuação jurídicoracional. A otimização da prestação jurisdicional de forma qualificada e efetiva deverá partir da compreensão da jurisdição à luz dos objetivos do Estado brasileiro emanados da Constituição Federal de 1988, que prevê no art. 3º: “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem comum de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação”. A Produtividade com a Utilização das Novas Tecnologias Não há qualquer sombra de dúvida acerca dos reais benefícios que a utilização das novas tecnologias, notadamente a implementação do processo virtual ou eletrônico, proporcionará para garantir a efetividade da prestação jurisdicional, gerando considerável aumento na produtividade dos magistrados e garantindo aos jurisdicionados uma razoável duração dos processos, com os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, conforme preceitua a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII. Para ilustrar com um exemplo concreto de como as novas tecnologias causam grande impacto na redução do tempo médio de tramitação dos processos entre as datas da distribuição até a prolação da sentença, reprodui-se parte dos relatórios de atividades elaborados pelas Coordenadorias dos Juizados Especiais Federais. Confira-se os dados do TRF da 4ª Região, MS nº.2004.04.01.036333-0/RS: - Justiça comum 719,87 dias; - Juizado com tramitação exclusiva no papel 206,62 dias; - Juizados mistos – processos de papel e virtuais 104,33 dias; - Juizados exclusivamente virtuais 47,67 dias (pág. 05). 482 COUTURE, Eduardo, Fundamentos Del Derecho Procesal Cvil, Buenos Aires: Depalma, 1988, p. 285. 483 LIEBMAN, Enrico Tullio, Manual de Direito Processual Civil, tradução de Cândido Rangel Dinamarco, v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 72 528 Revista ESMAC A implementação do e-Processo avança para possibilitar aos jurisdicionados e profissionais da área do direito inúmeras vantagens, pois poderão acompanhar o trâmite dos processos e praticar atos processuais à distância – de sua sede, de seu escritório ou de sua residência -, pela rede mundial de computadores. O Sistema representa economia, agilidade, segurança e transparência, decorrências da difusão do e-Processo no âmbito do Poder Judiciário. Com tais facilidades certamente a produtividade dos juízes e das unidades jurisdicionais alcançará considerável incremento, como já se observa em praticamente todas as empresas, corporações ou organismos governamentais que fazem uso dos recursos decorrentes da tecnologia da informação, notadamente as que já avançaram na implantação do e-Processo. A implantação de novo Sistema de Automação da Justiça (SAJ) está sendo considerado internamente uma evolução no processamento de dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). O sistema, fornecido pela empresa privada Softplan/Poligraph e em fase de implantação em todo o Estado, está aos poucos substituindo o anterior, fornecido pela Prodesp. De acordo com o juiz Eduardo Marcondes, responsável pela administração dos sistemas de informática da Justiça paulista na gestão anterior, o novo programa permite integrações que dispensam trabalhos de redigitação antes feitos pelos serventuários. “Agora, todos os atos dos processos são registrados via on-line em um só banco de dados e automaticamente lançados no Diário da Justiça Eletrônico”, afirma. Antes do SAJ, muitas varas não tinham nem cabeamento de rede instalado. “As informações eram trocadas entre funcionários e setores por disquete até alimentarem o site do TJSP”, explica o juiz Luis Paulo Aliende Ribeiro, da Quarta Vara de Fazenda Pública da capital paulista. Segundo Marcondes, já é possível notar os resultados do novo sistema, pois o número de processos julgados em relação ao de ações ajuizadas no Estado aumentou. Em 2006, uma em cada duas ações recebidas foi julgada. Já em 2007, este número aumentou para 1,4. O juiz, porém, destacou que o número de petições diminuiu de 5,63 milhões, em 2006, para 3,36 milhões em 2007. Considerado pelo TJSP como o “primeiro fórum totalmente digital do mundo”, o Fórum Nossa Senhora do Ó, na região da Lapa, na capital paulista, é a grande bandeira da informatização da Justiça do Estado. A unidade é a única da capital a não ter mais arquivos em papel . Segundo o diretor do fórum, Paulo Eduardo Sorce, desde o início do funcionamento virtual, em julho do ano passado, as cerca de 70 petições protocoladas diariamente são digitalizadas - quase todas no mesmo dia do protocolo. “Isto significa um andamento 70% mais rápido dos processos, e com apenas um terço dos funcionários que seriam necessários em um fórum comum”, afirma. As cinco varas instaladas no fórum - três cíveis e duas de família e sucessões - e o setor de conciliação contam com um total de 25 servidores. Para o diretor do fórum digital, a agilidade nos processos da unidade aumentará na medida em que o peticionamento eletrônico - via internet, com assinatura digital do advogado - for mais utilizado. Segundo Sorce, hoje apenas l% das petições são recebidas via internet. (informação constante no site http://www.alexandreatheniense.com.br/documento_eletrnico/index.html, acessado em 09.07.2008, às 10:37 horas). 529 As informações acima citadas demonstram e reforçam o que vimos afirmando ao longo de todo este trabalho sobre as vantagens na utilização da tecnologia da informação para o incremento das atividades judiciais, notadamente no que se refere à agilização na entrega da prestação jurisdicional, o que, na verdade, é uma exigência do nosso tempo, da qual nenhum administrador pode se dar ao luxo de ignorar. É evidente que não deveremos perder o foco nem nos distanciarmos da informatização e da alta tecnologia, que devem ser recebidas como verdadeiras aliadas, em face das inúmeras facilidades e vantagens que proporcionam, sem as quais ocorrerá certo desajustamento na atual conjuntura. Na área do direito, são incontáveis os exemplos de facilidades, como a possibilidade da transmissão de petições, informações, jurisprudência e outros dados pela Internet ao computador (laptop/notebook) do advogado, do magistrado, do promotor de justiça, enfim, dos operadores do direito em qualquer lugar em que se encontrem, como por exemplo, numa viagem, na própria sala de audiências, em palestras ou em congressos. Reflexos do Processo Virtual/Eletrônico na Atuação do Juiz Todas essas mudanças de paradigmas certamente causarão enormes transformações nas atividades judicantes, exigindo dos magistrados constantes reciclagens e diversificação de conhecimentos para poder acompanhar a evolução da sociedade. Na precisa definição de LIMA, haverá um aumento dos poderes cibernéticos dos juízes: Atualmente, a autoridade judicial tem poderes que vão desde penhorar um automóvel até autorizar escutas telefônicas e determinar quebras de sigilo bancário. Tradicionalmente, essas atividades são feitas mediante ofícios enviados pelo juiz. Com a tecnologia da informação, essas atividades serão realizadas diretamente pelo juiz, sem intermediários. Por exemplo, se o juiz determinar a penhora de um automóvel, ele próprio (ou um servidor a seu mando) irá efetuar o bloqueio do referido veículo de seu computador. Isso já é feito aqui na Justiça Federal do Ceará. Outros poderes, ainda mais assustadores, vão surgir. Com o Bacen Jud, que é um sistema de solicitação de informações via internet, o magistrado pode enviar ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional com uma facilidade impressionante. Com isso, as quebras de sigilo bancário e os bloqueios de contas correntes de pessoas físicas e jurídicas poderão ser efetivados com alguns cliques. O juiz será uma espécie de hacker oficial, com poderes para invadir sistemas de computadores, interceptar mensagens eletrônicas e obter livre acesso aos mais sigilosos bancos de dados, compartilhando informações com órgãos como a Polícia Federal, a Interpol, a Receita Federal, o INSS etc. No combate contra a criminalidade, alguns convênios estão sendo implementados visando facilitar o acesso às informações policiais, como o cadastro de estrangeiros, passaportes, veículos, folhas de antecedentes, procurados, registro de armas, Sistema Nacional de Informação Criminal (Sinic) e Integração Nacional de Informação de Justiça e Segurança Pública (Infoseg). Obviamente, sem uma plena consciência tecnológica e sem uma efetiva ciberética, haverá inúmeros abusos dos poderes cibernéticos do juiz. 530 Revista ESMAC Como bem observou LIMA, a utilização dos recursos e facilidades proporcionados pela tecnologia da informação e, especificamente, com a implantação do processo eletrônico ou virtual, causará fortes impactos na forma de prestação jurisdicional, pois se o processo tradicional já é elitista, o que se dirá do processo eletrônico. A não ser que seja desenvolvido um grande esforço geral no sentido de proporcional a inclusão digital, sob pena de se criar uma legião de “desplugados”, o que só contribuiria para aumentar ainda mais o enorme abismo já existente entre o povo e a Justiça. E não serão somente os juízes que experimentarão reflexos na vida funcional com a implantação do processo eletrônico ou virtual. Com a utilização das mais diversas possibilidades decorrentes da tecnologia da informação, que certamente farão parte das nossas vidas de forma cada vez mais forte e presente em muito breve espaço de tempo, ocorrerão mudanças consideráveis, que deverão ser bem equacionadas para que não se transformem na causa de insucesso de tais mudanças, conforme bem observou FETZNER484: O desenvolvimento da TI, considerada em estado “puro” ou em convergência com outras tecnologias, compondo as chamadas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), possibilitou novos modelos de negócio e formatos organizacionais, mudando a maneira como as organizações operam e como as pessoas realizam os seus trabalhos. Cada vez mais os indivíduos trabalham em estreito contato com computadores e esta interação pode ter efeitos diferentes sobre diferentes pessoas, ambientes de trabalho e organizações. Embora haja a convicção de que a tecnologia tem potencial para melhorar a nossa vida, criando tarefas mais interessantes e desafiadoras, facilitando a realização do trabalho e melhorando a eficiência e a eficácia de um modo geral dos processos de trabalho, há também a constatação de que pode afetar as pessoas trazendo algum tipo de efeito negativo. Estes seriam, por exemplo, desumanização, impactos psicológicos (depressão, solidão), redução do nível de emprego, ansiedade da informação, stresse, lesões por esforços repetitivos, exclusão digital (TURBAN; McLEAN; WETHERBE, 2004). Em decorrência, encontram-se muitas reações contrárias à tecnologia, inclusive rejeição, seja explicita ou não. Mas o desenvolvimento tecnológico e a inovação empresarial são fatos dados, havendo uma preocupação crescente voltada para como administrar as tecnologias de forma competente, na qual se entende essencial considerar as pessoas. A literatura acadêmica, a imprensa especializada e a observação diária apontam as pessoas como um dos fatores críticos para o sucesso da implantação de Tecnologias da Informação (LORENZI; RILEY, 2003; MALHOTRA; GALLETTA, 2004). Se a tecnologia transforma a ação das pessoas, estas, por sua vez, transformam a tecnologia. Atentar para o sujeito em processos de implantação de tecnologia se justifica não só pela constatação inicial de que são as pessoas, afinal, que usam a tecnologia e é através delas que se realizam os resultados organizacionais, mas porque uma das características da tecnologia é possibilitar a geração de novos conhecimentos. Como diz Castells (1999, p. 51), “computadores, sistemas de comunicação, decodificação e programação genética são todos amplificadores e extensões da mente humana”. Para ele, os usuários apropriam-se da tecnologia e a redefinem, e assim “as novas tecnologias de informação não são simplesmente ferramentas a serem 484 FETZNER, M. A. M.; FREITAS, H. Implantação de Tecnologia da Informação nas Organizações − os Desafios da Gestão da Mudança. In: Encontro de Administração da Informação (EnADI), I, 2007, Florianópolis/SC. Anais...Florianópolis/SC: Anpad, 2007. 531 aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos” (Castells, 1999, p. 51). Assim, sem efetivo envolvimento das pessoas dificilmente o valor potencial de uma tecnologia será alcançado. Concluindo seu pensamento FETZNER reafirma que para o pleno sucesso na implantação de novas tecnologias numa organização é necessário o envolvimento de todos, desde a alta gerência até o mais simples servidor, sob pena de completo fracasso: O sucesso nos resultados de implantação de novas tecnologias implica várias mudanças e em diversos níveis da organização. Sobre o assunto refere Albano (2001, p. 10): Não basta disponibilizar novos recursos tecnológicos e de sistemas. As pessoas, os grupos e os diversos níveis gerenciais que compõem a força de trabalho da organização devem estar plenamente comprometidos com os resultados almejados, familiarizados com o processo de mudança proposto e motivados para a assimilação e o uso efetivo da nova tecnologia. Gerenciar mudanças, a partir da introdução de novas tecnologias, exige das organizações uma habilidade muitas vezes difícil de ser encontrada. O exame de aspectos humanos da implantação sob o prisma da gestão da mudança possibilita pensar as pessoas em relação com a tecnologia e o contexto organizacional mais amplo, sem limitar de pronto os aspectos que podem contribuir para o entendimento da questão. Ou seja, permite conciliar abordagens sobre cultura, aceitação de tecnologia, etc., tendo presente que iniciativas bem sucedidas numa organização envolvem considerar pessoas, processos e tecnologias articulados em torno da visão estratégica, necessidades e objetivos do negócio. 532 Revista ESMAC 4. A TERCEIRA VARA CRIMINAL DE RIO BRANCO/AC. – REFLEXOS E INFLUÊNCIAS DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E DO PROCESSO VIRTUAL/ELETRÔNICO PARA A OTIMIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL Breve referencial histórico da Terceira Vara Criminal da Comarca de Rio Branco/ AC. A Terceira Vara Criminal da Comarca de Rio Branco/AC. foi criada pela Lei Complementar Estadual nº 47/95, em seu artigo 230, inciso I e foi efetivamente instalada no dia 22 de março do ano de 2002, sendo seu primeiro juiz titular o próprio signatário deste trabalho de conclusão de curso. Inicialmente a vara começou a funcionar no Fórum Barão do Rio Branco, o principal desta Capital, mas posteriormente foi transferida para novo prédio locado pelo Tribunal de Justiça, na Avenida Getúlio Vargas, no Centro, onde foram sediadas as quatro varas residuais, mais a vara de execuções penais e a central de penas alternativas. Até meados deste ano de 2008 a terceira vara criminal também detinha a competência para processar e julgar os feitos referentes à Lei Maria da penha, mas com a instalação da 5ª vara criminal, especializada nesta matéria, houve a cessação desta competência e, atualmente, há em tramitação um acervo aproximado de 2.100 processos. Praticas adotadas para agilizar a entrega da prestação jurisdicional Muito antes da edição da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, que alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal brasileiro, dentre eles os relativos aos procedimentos, esta unidade jurisdicional já vinha inovando, com a adoção de algumas mudanças que verdadeiramente trouxeram grande contribuição para dar maior celeridade na tramitação processual e, conseqüentemente, para a entrega da prestação jurisdicional final. Talvez a maior contribuição para o alcance desses objetivos tenha sido a implantação do sistema de gravação de audiências em mídia digital, pois este recurso trouxe inegável ganho de tempo e grande aumento da produtividade. Se antes da adoção desse sistema era possível, com muito esforço, realizar de quatro a cinco audiências por dia, ouvindo-se cerca de dez a doze pessoas, depois que se passou a fazer a tomada de depoimentos através do sistema de gravação em mídia digital (áudio), o número de audiências realizadas diariamente aumentou para dez ou mais, e o número de pessoas inquiridas subiu para mais de trinta, havendo dias em que foram ouvidas até quarenta pessoas. Outra decisão que contribuiu decisivamente para o aumento da produtividade foi o que podemos chamar de concentração de atos processuais, mas sem qualquer prejuízo para as garantias dos princípios constitucionais da ampla defesa ou do devido processo legal. E já explico como se dava essa concentração: como quase 90% (noventa por cento) dos processos em tramitação nesta unidade jurisdicional eram assistidos pela Defensoria Pública, e o Defensor Público que oficia no juízo era sempre o mesmo, assim como o repre533 sentante do Ministério Público, foi combinado entre o juízo e as partes de se realizar o interrogatório dos réus e, logo em seguida, no mesmo dia, fazer a inquirição das testemunhas arroladas na denúncia, sendo que, ao final da inquirição, o Defensor Público era instado a manifestar-se para declarar se ainda pretendia oferecer a defesa prévia e arrolar testemunhas. Caso o Defensor, após o interrogatório do réu e inquirição das testemunhas de acusação, entendesse necessário o oferecimento da defesa prévia, com a possibilidade de arrolar novas testemunhas, era concedido normalmente o prazo de 03 (três) dias para a adoção de tal providência. Mas, caso o defensor, diante das provas já produzidas, verificasse que não havia mais necessidade, já dispensava o prazo para tal finalidade, ocasião em que se declarava encerrada a produção de provas e fazia-se imediata consulta as partes sobre o interesse em requerer alguma diligência, o que sempre ocorria naquele momento ou, quando não havia interesse, já se declinava pela desistência daquele prazo processual, partindo-se diretamente para a produção das alegações finais. Repita-se que a concentração desses atos em nada feria as garantias constitucionais, eis que contava com plena adesão da própria defesa, já que isto proporcionava rápida conclusão da instrução processual, diminuindo sensivelmente o prazo em que os acusados permaneciam presos provisoriamente. Esta forma de concentração de atos processuais também era utilizada em processos com patronos particulares devidamente constituídos pelos réus, mas somente quando estes, devidamente informados das vantagens, concordavam formalmente em aderir ao procedimento, notadamente em face das vantagens que dele decorria. Tanto é verdade que jamais houve um recurso sequer questionando este tipo de instrução, alegando cerceamento de defesa ou qualquer outra garantia constitucional. O próprio legislador foi muito feliz quando aprovou o texto da nova Lei 11.719/2008, que praticamente veio sacramentar o que já estávamos adotando havia bastante tempo na terceira vara criminal, com pleno êxito. Não obstante, embora se reconheça o acerto de tais inovações, é de se concluir que ainda são somente tímidas tentativas de se adequar às novas exigências por uma prestação jurisdicional cada vez mais célere e em dia com o nosso tempo. Entende-se que muito ainda precisa ser feito e que o Poder Judiciário precisa utilizar de forma muito mais efetiva os recursos decorrentes da tecnologia da informação e comunicação, dentre os quais o processo virtual ou eletrônico surge como uma ferramenta indispensável para proporcionar uma tramitação processual mais rápida e menos dispendiosa para o jurisdicionado, sem falar nos benefícios indiretos, como por exemplo para o meio ambiente, com a eliminação do papel, o que evitaria o corte de grande quantidade de árvores, preservando, assim muitas das nossas riquezas naturais. Ao longo de todo este trabalho foram citadas várias experiências desenvolvidas por outros tribunais referentes à utilização de recursos derivados da tecnologia da informação, algumas extremamente bem sucedidas, outras que necessitam de pequenos ajustes para perfeita harmonização com as garantias constitucionais e processuais, mas todas indispensáveis para o aprimoramento do objetivo primordial da missão reservada ao Poder Judiciário, que é a de fazer justiça, certamente uma das tarefas mais difíceis de ser executada e a mais nobre entre todos os poderes. O aprofundamento dos conhecimentos para melhor utilização dos benefícios da tecnologia da informação se constitui na grande tarefa a ser enfrentada pelos administradores, juízes e demais operadores do direito, sob pena cairmos na obsolescência e perdermos 534 Revista ESMAC a credibilidade perante aqueles que clamam por justiça, mas não uma justiça lenta, desatualizada e sem meios para atender aos anseios de um novo tempo em que as relações humanas tomaram formas totalmente diferenciadas do que até então era estabelecido. Sem o pleno conhecimento da novel realidade e a conscientização de que é impossível vislumbrar novos horizontes dissociados desse paradigma que vai se impondo de forma rápida e avassaladora não resta outra alternativa ao Poder Judiciário que não seja aquela de buscar intensa e decididamente conhecer e aplicar os benefícios e vantagens proporcionados pela tecnologia da informação, a fim de seguir cumprindo sua missão constitucional com credibilidade e eficiência. 535 CONCLUSÃO Por tudo o que foi pesquisado e explanado no decorrer da elaboração deste trabalho de conclusão de curso é possível concluir que a tecnologia da informação e comunicação, com todas as possibilidades dela decorrentes, dentre as quais se destaca o processo virtual ou eletrônico, tornou-se uma realidade concreta e palpável no âmbito do Poder Judiciário, com aplicação em suas mais diversas áreas e instâncias, inclusive numa vara criminal, como é o caso desta em que atua o subscritor, com a preservação e observância dos direitos e garantias previstos na Constituição da República Federativa do Brasil, assim como as regras processuais vigentes. É possível concluir-se ainda que a implantação do processo virtual/eletrônico, também chamado e-Processo, se constitui numa verdadeira revolução não só no âmbito do Poder Judiciário, mas também nos organismos governamentais, ONG’s ou empresas privadas que já o adotaram ou começam a fazê-lo. Com ele, a publicidade processual ganha contornos nunca dantes imaginados, pois a comunicação dos atos processuais ocorre em tempo real, o impulso processual é automático e o contato pessoal entre advogados, servidores, partes, testemunhas, peritos e juízes torna-se praticamente inexistente. Com o processo virtual/eletrônico o juiz poderá dispor de novas e mais eficientes ferramentas para cumprir o seu mister, fazendo, por exemplo, o rastreamento de bens do devedor de forma direta, ganhando uma efetividade processual até então inimaginável. Ademais, a quantidade de informação jurídica será expandida de maneira bastante veloz, tornando-se disponível a uma infinidade de pessoas em muito menor espaço de tempo. O foco da execução de muitos atos processuais será deslocado dos juízes ou servidores para máquinas, dotadas de inteligência artificial e capazes de decidir com tanta desenvoltura quanto um ser humano. Não demorará muito para o que hoje se conhece por “autos processuais” passar a ser uma simples pasta virtual, na qual serão armazenadas todas as peças do processo: a petição inicial e os documentos que a instruem, a contestação, as imagens da vídeo-audiência e a sentença. O acesso a essa pasta será feito através da internet por qualquer pessoa que tenha interesse em conhecer o conteúdo nela armazenado em meio digital. A tecnologia da informação é que proporcionará o acesso a todas essas facilidades que causam uma espécie de deslumbramento nos operadores do direito, os quais, fascinados com tais inovações, começam a descobrir toda a infinidade de serviços disponibilizados online e que são, sem nenhuma dúvida, as formas como vão se dar as relações jurídicas num futuro muito próximo, que já começa a efetivamente se concretizar de forma irreversível. È forçoso reconhecer, no entanto, que paralelamente às inúmeras vantagens que a informatização do processo está trazendo, surgem sérios problemas capazes de ameaçar a própria legitimidade que o processo judicial oferece. Dentre esses problemas o mais preocupante é a questão da segurança e autenticidade dos dados processuais, por abrir um grande leque de possibilidades para o cometimento de fraudes ainda nem sequer imaginadas pelos operadores do direito, sendo que as punições encontram grande barreira em relação à identidade do eventual fraudador ou no tocante ao território físico onde ele possa se encontrar. Mas tais problemas poderão ser minorados e até mesmo superados com a adoção e o desen536 Revista ESMAC volvimento de sistemas de senhas, chaves ou outras formas eletrônicas capazes de garantir a autenticidade e inviolabilidade das informações processuais constantes nos bancos de dados disponibilizados aos jurisdicionados e demais partes interessadas. Questão a ser ainda melhor resolvida é a do grande abismo social existente entre os que têm acesso às mídias digitais e os que não têm esse acesso, os chamados desplugados, os quais, se não for entrada uma forma de dar-lhes acesso às informações jurídicas, serão alvos fáceis de serem ludibriados no mundo virtual. Ainda é muito cedo para se afirmar com convicção se a digitalização total do processo trará mais benefícios ou mais problemas a serem enfrentados pelos que se dedicam a estudar a questão do acesso à justiça, embora, queiramos ou não, a digitalização será uma realidade inexorável em muito breve espaço de tempo, para a qual os processualistas, os tribunais, os juízes e os advogados não estão, ainda, devidamente preparados e talvez ninguém esteja, de modo que só mesmo o tempo será capaz de responder a esta tão cruciante dúvida acerca das vantagens ou desvantagens dela decorrentes. O que não se pode, no entanto, é fechar os olhos para esta nova realidade. É preciso urgente e inadiável aprofundamento no estudo dessas novas tecnologias para que se possa usufruir o que ela oferece de melhor para a modernização e ingresso definitivo do Poder Judiciário na Era Digital. REFERÊNCIAS CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede; tradução: Roneide Venâncio Majer; atualização para 6ª edição: Jussara Simões – (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v. 1) São Paulo: Paz e Terra, 1999 MALTA, Maria Lucia Levy. Direito da Tecnologia / Maria Lucia Levy Malta – Campinas: Edicampo, 2002 PENNAFORTE, Charles. Globalização: A Nova Dinâmica Mundial / Charles Pennaforte – Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1998. KRISHAM KUMAR. Da sociedade Pós-industrial à Pós-moderna, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p. 22, 1997 JOHNSON, ALLAN G. – Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociologia/ Allan G. 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Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9399>. http://www.alexandreatheniense.com.br/documento_eletrnico/index.html, acessado em 09.07.2008, às 10:37 horas. 539 O PODER DE GESTÃO DO JUIZ EM RELAÇÃO ÀS ASTREINTES EFETIVADAS Solange de Souza Fagundes INTRODUÇÃO Embora literalmente resulte exteriorizado da norma do art. 461 do Código de Processo Civil que a fixação e a alteração da periodicidade e do valor das astreintes somente tenham assento nas obrigações de fazer e de não fazer, não é raro deparar-se com decisões judiciais fora desses marcos. Juízes há, como a própria, outrora, que modificam o valor das astreintes mesmo quando convertidas em obrigação de pagar quantia certa, sob o fundamento da faculdade plasmada no art. 461 do Código de Processo Civil e sob as regras da proporcionalidade e da razoabilidade. Isso, mesmo quando a execução é definitiva e existe julgado superior imantado de coercibilidade e intangibilidade, nulificando ou alterando decisão interlocutória ou a própria sentença. Essa modificação unilateral vem comumente quando o valor apurado em liquidação alcança soma tida por excessiva pelo julgador, e sob o sustentáculo de que decorrentes e originárias as astreintes de obrigação de fazer ou de não fazer. Assim é que, após apresentação de memória de cálculo das astreintes efetivadas pelo credor, ou certificação do contador do juízo quanto ao montante apurado, numa medida comparativa o crédito em exigibilidade logra por vezes alterado para menor. No Acre, até antes da reforma do Código de Processo Civil, advinda com a Lei 11.232/05, a questão parecia sedimentada. O entendimento era unânime, e as decisões judiciais nesse sentido encontravam conformação do jurisdicionado credor. Na comunidade jurídica, enfim, havia consenso quanto a possibilidade de o juiz, com base na regra do art. 461 do Código de Processo Civil, diminuir o valor das astreintes efetivadas, ou fazendo retroagir decisões modificativas do valor na fase de conhecimento, ou na fase de cumprimento do julgado no que relativo ao montante exigido. A controvérsia se instalou quando em dois casos particulares as astreintes efetivadas alcançaram montante superior a cem mil reais, tido por excessivo. Frente à diminuição do montante, e julgando mandados de segurança interpostos pelos credores, enquanto uma das Turmas Recursais acrianas teve que a possibilidade era legal, a outra teve entendimento de impossibilidade de gestão do juiz nesse contexto, porquanto as astreintes efetivadas têm natureza de obrigação de pagar. A partir de então e ante a controvérsia verificada no seio do Judiciário acriano, sobretudo nos Juizados Especiais Cíveis, a aluna escrevente, que é juíza titular da Primeira Vara do microssistema, dedicou-se a estudar detidamente o tema reconstruindo e modifi540 Revista ESMAC cando sua linha de pensamento e raciocínio. Desde então, em razão da conclusão que extraiu da interpretação literal e sistemática dos dispositivos legais atinentes e das regras da proporcionalidade e da razoabilidade, não mais interferiu nas astreintes efetivadas. Passou a ter entendimento que a obrigação principal, causa de pedir, não tem correlação estreita com as astreintes na medida em que estas restam fixadas tão-somente para forçar o devedor ao cumprimento da prestação e, em conseqüência, conferir eficácia ao provimento judicial em nome do prestígio e da credibilidade do Judiciário. Consolidou sua compreensão quanto a que não têm as astreintes caráter indenizatório nem compensatório, nem substituem a pretensão da causa. E que, se elas se efetivam dia por dia, isso decorre da desídia do devedor, que demonstra preferir arcar com a conseqüência de pagá-las a dar cumprimento à ordem do juiz. Como se demonstrará no corpo do presente trabalho, que expressa o entendimento da aluna, obtido também com base nas decisões das Cortes superiores, a modificação, mesmo quando possibilitada, exige demonstração de causa. Sem ela, há violação do preceito constitucional que impõe a fundamentação das decisões, como também das regras do Código de Processo Civil relativas à fase de cumprimento das decisões. Ou seja, tanto na fase de conhecimento quanto na de execução de título extrajudicial ou na fase de cumprimento de julgado, a interferência estatal somente logra autorizada quando o objeto for relativo a obrigação de fazer ou de não fazer. Assim é que a faculdade de modificação do valor das astreintes encontra limites, dos quais a autoridade judicial não pode se afastar. E se há alteração do valor e da periodicidade de incidência, naturalmente quando haja causa para o novo decisório modificativo, pena de ofensa ao princípio da preclusão e da coisa julgada quando for o caso, não é de ser retroativa a decisão como sói verificado em algumas situações, tal que importe em recomposição do valor já efetivado. Muito menos quando a multa efetivada encontra-se em fase de execução, oportunidade em que parece não haver regramento possibilitador da atuação do juiz no tangente à modificação do valor depurado do decisório. As astreintes efetivadas, embora alguns autores entendam equivaler a obrigação de dar coisa certa – regra que abriga a faculdade estatuída no art. 461 do Código de Processo Civil (art. 461-A)–, transmuda-se em obrigação por quantia certa mesmo quando dependente de liquidação. Nesse particular pelo menos é exigível a distinção, até porque quando a lei dispõe sobre a obrigação de dar coisa, no que pertinente à exigibilidade da prestação excluiu a obrigação de dar dinheiro (obrigação de pagar quantia certa). Tanto que, referindo-se a valor, são as disposições de liquidação da sentença tratadas nos arts. 475-A ao 475-H do Código de Processo Civil. E quanto ao cumprimento do julgado, o art. 475-I do mesmo compêndio é textual ao excluir a obrigação de dar coisa, tratada no art. 461-A do Código de Processo Civil. Nele resta estatuído que, tratando-se de obrigação por quantia certa, o cumprimento da sentença far-se-á por termos próprios, diverso do cumprimento da sentença que diz respeito a obrigação de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa, tratadas nos arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil. A impossibilidade de ingerência do juiz parece singularizada, com sumarização legal no sentido de que, embora alcance montante astronômico, o valor da multa efetivada é in541 tangível porque convertida em obrigação de pagar quantia certa decorrente de título judicial. Causa justa, decorrente da lei, consagra a obstaculização de diminuição do crédito oriundo de astreintes efetivadas, mesmo porque o alcance do valor devido depende de liquidação por mero cálculo aritmético. Ou seja, do produto entre o valor arbitrado e o tempo transcursado sem cumprimento da obrigação (de fazer ou de não fazer). As decisões que fixam astreintes são alcançadas pela preclusão também para o juiz. Daí não parece lógico nem razoável modificar o valor da multa fixada fazendo retroagir os efeitos da decisão. Isso quando possível fazê-lo, ou seja, quando versar a obrigação sobre um facere ou um non facere e na fase que admita a interferência judicial. Nem, também, diminuir montante efetivado sob escudo de excessivo e desproporcional. Sobretudo na fase de exigibilidade (cumprimento da decisão), uma vez terem as astreintes sofrido transmudação para dívida de valor e porque decorrentes de decisão judicial alcançada pela preclusão ou pelo trânsito em julgado. E considerando porque a relação daí por diante é tão-somente entre o credor e o devedor da obrigação (certa, líquida e exigível). Na Lei pátria, não há um único dispositivo legal que traga essa permissão. O invocar da justiça ou de regras específicas para a hipótese compromete a segurança jurídica das decisões, desprestigia o Judiciário, guarnece e fomenta a desídia e a recalcitrância quanto ao cumprimento das ordens judiciais. Parece expressar, não a liberdade e o poder do magistrado, mas o agir à margem da ordem jurídica. Impróprio, assim, parece escudar-se em regras da proporcionalidade e da razoabilidade, mormente quando apenas citadas para efeito de justificar o arbitramento de valor diverso daquele depurado da liquidação e do próprio título. Convenha-se que a adequação, a necessidadeeaproporcionalidade emsentido estrito,estacorrespondendoàprópriarazoabilidade em algumas visões, não dizem respeito a valor aritmético, mas a interesses colidentes em caso concreto. A medida do razoável e do proporcional exige criteriosidade e aparente antinomia entre direitos fundamentais, sem o que a decisão alicerçada nessas regras, em verdade, infringe o processo legal. Esse o entendimento reconstruído que fez modificar, não o valor das astreintes mais, mas o posicionamento da aluna magistrada quanto à impossibilidade de alteração do valor efetivado, e que será exposto minudentemente no presente trabalho. No primeiro capítulo será buscado demonstrar que o poder político conferido aos magistrados, como parcela do Poder Estatal, visa à solução dos conflitos, à garantia das instituições democráticas, à tutela, ao cumprimento e respeito aos direitos e garantias fundamentais. Que no exercício da jurisdição – meio de exercício do poder estatal monopolista -, não é absoluto o poder porque nitidamente previsto e delimitado na Constituição e nas leis infraconstitucionais. Se o juiz é dotado de garantias especiais que lhe distingue dos demais agentes, isso tem ensejo exatamente dada a relevância do poder estatal a ele conferido. A margem de liberdade para atuar no processo encontra limites impostos pela própria lei. Assim, embora seja assegurada a independência à livre convicção, limites existem como em tudo de resto na sociedade à atuação e liberdade do julgador. A Constituição traz expressos alguns princípios que devem prevalecer em toda espécie de processo. São postulados que visam a um processo justo e que têm por objetivo nuclear o acesso a justiça tanto na forma como na substância. No segundo capítulo o enfoque é dirigido às astreintes mediante análise de suas 542 Revista ESMAC características especiais e distinções de institutos correlatos, tanto quanto das hipóteses de sua incidência, aplicação e oportunidade de fixação ou modificação. No terceiro e último capítulo, sob o título de “O juiz na fase de execução” o presente trabalho busca demonstrar o poder do juiz em relação às astreintes em fase de exigibilidade, tendo em conta suas características especiais e sua natureza jurídica. Primeiro, cuida de discriminar as características essenciais da execução, delineando o marco do contraditório na fase e como se alcança a efetividade e o desfecho pretendido. Num terceiro momento, procede-se a uma análise das astreintes efetivadas no contexto das obrigações de pagar e como crédito líquido e certo. Sempre enfocando as características especiais das astreintes, confronta o poder de gestão do juiz na fase de cumprimento do julgado, atingido pela coisa julgada ou porque precluída a questão, à luz do art. 461 do Código de Processo Civil. É delineado numa análise conjunta, no contexto das fases do processo, a natureza das obrigações e os efeitos das decisões eficazes, com demonstração final de que impossibilitada qualquer interpretação extensiva de declinado texto adjetivo visando reduzir valor das astreintes efetivadas. Nesse capítulo, têm análise especial as regras da proporcionalidade e da razoabilidade, onde buscou-se demonstrar que sequer cogitável de aplicação na hipótese das astreintes efetivadas, uma vez inexistirem direitos colidentes ou princípios em aparente antinomia tal a requererem essa ponderação. Enfim, busca-se demonstrar que as astreintes efetivadas, independentemente do montante, são dívidas de valor cuja relação circunscreve-se ao credor e ao devedor, e somente o primeiro pode abdicar de alguma parcela do crédito exteriorizado no título judicial. E é essa característica também que descredencia o juiz à interferência para modificar o quantum já efetivado, até porque não o faz em relação aos títulos extrajudiciais qualquer seja o valor neles consignados. A conclusão a que se pode chegar parece não ser outra senão a de que o poder de gestão do juiz em relação às astreintes efetivadas é tão-somente o de ordenar as medidas (meios adequados) tendentes ao atingimento do fim desejado pelo credor, nos termos literais dos procedimentos plasmados no Código de Processo Civil. 543 1. O JUIZ, O PODER E A JURISDIÇÃO 1.1. O Poder Estatal dos Magistrados e o Direito ao Exercício da Jurisdição. O Estado, para desincumbir-se das atividades e dos serviços públicos a seu cargo, delega poderes a seus agentes espraiando o poder estatal. Consentâneos e proporcionais aos encargos e incumbências, recebem os agentes os necessários e instrumentais poderes para o desempenho das tarefas a si afetas. Os agentes políticos, integrantes da organização constitucional e, portanto, componentes do Estado constitucional, por exercerem funções governamentais, judiciais e quasejudiciais, são detentores de poder político, estrutural e orgânico.485 O art. 37, XI, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº 19/98, dispõe serem agentes políticos, dentre outros, os membros de qualquer dos Poderes. O poder deve ser entendido, segundo Calmon de Passos, como capacidade, para qualquer instância que seja (pessoal ou impessoal), de levar alguém (ou vários) a fazer (ou não fazer) o que, entregue a si mesmo, ele não faria necessariamente (ou faria talvez).486 Tem o autor que o poder é pressuposto essencial à sociedade. Quanto ao poder político, Diogo de Figueiredo Moreira Neto diz que é um elemento diferenciador caracterizado pela relação comando/obediência, a energia que move os indivíduos e as instituições e que, uma vez concentrado como poder estatal, passa a constituir a energia suprema que o Estado retira da sociedade nacional para empregar na consecução de seus fins.487 No aspecto jurídico, o poder, segundo o mesmo autor, é a própria energia criadora do direito, que contém em si a promessa de realização da idéia social que o representa. Calmon de Passos acrescenta à divisão de Diogo de Figueiredo o poder ideológico, que inclui o aspecto antropológico e o sociológico como o que, mediante mecanismos de convencimento, legitima o próprio poder em todas as suas manifestações. O poder político é, assim, o poder decorrente da organicidade, estrutura e hierarquia constitucional que o Estado confere a seus agentes como verdadeiro instrumento para o desempenho das tarefas estatais. Mas o poder é do Estado. Os agentes apenas recebem dele a delegação para desempenho de atividades e serviços próprios do ente concedente. O poder é atributo dessa delegação. Os serviços públicos continuam sob império, muito embora para melhor atingimento dos fins públicos sejam desconcentrados e delegados, espraiando-se por entre Poderes, Órgãos e agentes. Ao juiz, via do poder político, restou atribuída a função de exercer a jurisdição, medida e extensão da delegação e do poder propriamente. A parcela do poder estatal conferida aos membros do Poder Judiciário (magis485 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26ª ed. São Paulo, Ed. Malheiros, 2001, p. 108. 486 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2003, p. 45. 487 Diogo de Figueiredo Moreira Neto Apud PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2003, p. 46. 544 Revista ESMAC trados) tem por finalidade a solução dos conflitos e, sobretudo, a garantia das instituições democráticas, a tutela, o cumprimento e respeito aos direitos e garantias fundamentais. No exercício da jurisdição – meio de exercício do poder estatal monopolista, que não é absoluto porque nitidamente previsto e delimitado na Constituição e nas leis infraconstitucionais –, o juiz é dotado de garantias especiais que lhe distingue dos demais agentes exatamente dada a relevância do poder estatal a ele conferido. O poder dos juízes é poder de solucionar litígios mediante decisões normativas individuais, além dos poderes ordinatórios, instrumentais e instrutórios. Segundo Calmon de Passos “o magistrado não é um homem para se contrapor à ordem jurídica. O magistrado é um homem para dar concreção a uma ordem jurídica.” Segundo ele a“Ordem jurídica que tem uma feição política irrelutável, porque não tem sentido que você imagine uma condição dialética dentro do exercício do próprio poder.”488 Os magistrados, como agentes estatais do Poder Judiciário, detêm poder político para o exercício da jurisdição visando a que as instituições democráticas tenham garantia e os direitos fundamentais sejam respeitados. O juiz, assim, tem limitação do poder que lhe foi conferido pelo Estado na ordem jurídica do sistema pátrio. É um poder fundado no dever, cujo direito indelegável imanente exige perfeita e integral sintonia com os primados legais e constitucionais. Os juízes, que receberam do povo, através da Constituição, a legitimação formal de suas decisões, têm o dever de proteger eficazmente os direitos dos cidadãos, decidindo com justiça. Jamais devem decidir nem ordenar como indivíduos, mas na condição de agentes públicos, usando ponderadamente do poder discricionário que lhes é imanente em contrapeso com a responsabilidade que detêm. Como dito por Dalmo de Abreu Dallari, “daí vem a sua força”.489 Não há outro meio e forma de exercitamento do poder estatal de solucionar conflitos, e antes ordenar a forma de processamento das lides, fora da jurisdição. E jurisdição, não é mais, segundo Rosemberg, que a atividade do Estado dirigida à realização do ordenamento jurídico. É a que tem por escopo a aplicação do direito objetivo a uma pretensão de direito material, compondo o litígio e declarando aplicável aos fatos levados a juízo490. É, no dizer de Amilcar de Castro, um poder-dever do Estado de distribuir justiça, aplicando a lei ao caso concreto.491 Afonso Borges, ainda sobre jurisdição, leciona que ela se constitui em um poderdever. Poder, porque o Estado é o titular da jurisdição, monopólio do Poder Judiciário; dever, porque a ele compete manter a paz e, conseqüentemente, o primado do direito objetivo, ameaçado ou violado pela lide deduzida em juízo, bem como atender à pretensão dos interessados referente a interesses particulares à sanção judicial.492 488 Calmon de Passos Apud TAKOI. Sérgio Massaru. Mandado de segurança para controle dos atos jurisdicionais. São Paulo, Ed. Pillares, 2006, p. 20. 489 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3ª ed. rev. São Paulo : Saraiva, 2007, p. 92 490 Rosemberg Apud DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. 2ª edição revista e aumentada. Curitiba, Ed. Juruá, 2001, p. 520. 491 Amilcar de Castro Apud DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. 2ª edição revista e aumentada. Curitiba, Ed. Juruá, 2001, p. 521. 492 Afonso Borges Apud DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. 2ª edição revista e aumentada. Curitiba, Ed. Juruá, 2001, p. 521. 545 Importante ainda citar José Frederico Marques, que afirma: “a jurisdição, no Estado Moderno, é atividade pública; (...)”.493 Sobre a atuação do magistrado, ou melhor, o exercício da jurisdição, diz o autor citado que é objeto da atividade jurisdicional, efetivamente, a declaração de certeza ou a realização coativa e concreta dos interesses tutelados em abstrato pelas normas de direito objetivo, quando, por falta de certeza ou por inobservância de ditas normas, não há satisfação nem conformação direta pelos envolvidos.494 Ivo Dantas arremata lecionando que no Estado Moderno-contemporâneo a jurisdição detém o monopólio de aplicação da Lei.495 O poder dos magistrados, segundo o mesmo autor, é um poder-dever ou um deverdireito de dizer a lei, aplicando-a ao caso concreto e em sua perspectiva (dela, a lei) de fazer Justiça. O juiz, assim, é o delegado do Estado. É o terceiro imparcial selecionado para promover a pacificação social mediante a aplicação das regras legais ao caso concreto. Mas não basta o poder, nem, tampouco, o direito de exercer a jurisdição. O direito exige conhecimentoeaperfeiçoamento contínuo, pena de infringênciado deverde bem prestar a jurisdição, ou seja, com base e em estrita observância das regras legais. No exercício do poder, que se dá via da jurisdição e através de instrumento formal denominado processo, o juiz está jungido a deveres relativos ao poder ordinatório, instrumental ou instrutório. Mas não apenas a isso. Também está jungido a um processo compreendido como a exteriorização concreta da atividade jurisdicional. Está-se a falar do processo substancial, ou seja, da observância, do respeito e da garantia de cumprimento das regras legais do Ordenamento Jurídico, que devem estar exteriorizadas nas decisões compositivas da lide. A Lei Complementar n. 35, de 14.03.79, conhecida como Estatuto da Magistratura, em seu art. 35, I, dispõe ser “dever do magistrado cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e atos de ofício”. É certo que o juiz não se posta mais como um mero escravo ou aplicador insensível da lei, posto que pode dela divergir quando entendê-la inconstitucional. No entanto, exigente nesse caso, e em prol da verdadeira justiça, que se descortinem argumentos que justifiquem e solidifiquem a equidade aplicável ao caso concreto. Justiça nesse contexto só pode significar o dar a cada um o que é seu na medida em que haja motivo, prova, regras próprias dispositivas aplicáveis e certifique o justo no caso concreto. Quanto ao conteúdo de fundo do processo, ou seja, relativamente à efetiva prestação da tutela, o dever do magistrado é de cumprir e fazer cumprir as disposições legais, ofício indelegável e inarredável. Quer dizer, o poder é também dever pena de até contrariar os fins e a própria dignidade da justiça. A propósito, a dignidade da justiça pode estar comprometida de diversos modos 493 José Frederico Marques Apud DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. 2ª edição revista e aumentada. Curitiba, Ed. Juruá, 2001, p. 521 494 Dantas, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. 2ª edição revista e aumentada. Curitiba, Ed. Juruá, 2001, p. 522 495 Idem - Ibidem, p. 523. 546 Revista ESMAC e conforme o comportamento das partes no processo. Mas também do comportamento de todos os mais que nele atuarem, na proporção que ofenderem à moral e às regras legais reguladoras da vida na sociedade estatal. Sem dúvida, qualquer dos atores do processo podem propiciar indignidade da justiça, e essa é uma preocupação não apenas dos tempos modernos. Tanto que o art. 125 do Código de Processo Civil traz estatuído que o juiz deve dirigir o processo “conforme as disposições deste Código”. Infringir as regras do Ordenamento Jurídico parece implicar em subtrair dignidade à Justiça. Implicar em infração de dever e em contrapor-se ao legal processo. Em complemento à ordem processual citada acima, tal a consolidar que o poder do juiz encerra dever conseqüente de atrelamento à observância, tanto das regras formais de desenvolvimento do processo quanto das regras substanciais, é o que se dessume do art. 126 seguinte, que regra que “No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais”. É dizer que ao julgar uma causa está o juiz intimamente umbicado às regras legais do ordenamento jurídico, mesmo quando para a questão posta não houver regra própria, para cujo pronunciamento deve recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do Direito (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º). Em suma, o poder que o Estado confere ao magistrado é dever de prestar a jurisdição dignificando a justiça. E isso só se efetiva com a observância e prestígio das regras compositivas da ordem jurídica brasileira. Assim, o direito-poder do magistrado não é absoluto na medida em que se encontra ele vinculado ao devido processo legal substancial. Pode-se concluir, assim, que não apenas as partes e os auxiliares da justiça podem comprometer a dignidade da justiça. O juiz, quando deixa de cumprir as disposições legais e atos de ofício, com independência, serenidade e exatidão, parece atuar em direção contrária a essa reputada dignidade. Também quando deixa de dirigir o processo conforme as disposições das normas adjetivas. De igual, quando no julgamento da lide deixa de aplicar as normas legais. Inegavelmente, extraordinária importância detém o Poder Judiciário como um todo no cenário estatal onde o poder político dos juízes está implícito na organização constitucional dos Poderes.496 Porém, essa politicidade implícita na conduta dos juízes requer socialidade inerente ao direito que, segundo Dalmo de Abreu Dallari, é mais um elemento informador do caráter político da função jurisdicional.497 Segundo o mesmo autor, a raiz da função jurisdicional está na necessidade de esclarecer o direito e de garantir sua aplicação justa. Ou seja, o juiz terá sempre de fazer escolhas quando estiverem em conflito normas, argumentos, interpretações e até mesmo interesses. A solução dos conflitos no caso tem nítida conotação política, mas não dispensa o conhecimento e a interpretação do direito tendo em conta o contexto das normas.498 Mesmo quando discordante da aplicação de determinada norma, exigível que o juiz bem instrumente sua posição de modo que a ideologia decisional reste escudada em bases sólidas do Estado de Direito. Os preceitos constitucionais guardam relevância nessa seara, sendo de convir que o sistema processual brasileiro é colorário constitucional. 496 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3ª ed. rev. São Paulo : Saraiva, 2007, p. 95 497 IIdem - Ibidem, p. 96. 498 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3ª ed. rev. São Paulo : Saraiva, 2007, p. 97. 547 A lei que rege o procedimento das causas cíveis comuns encontra-se regrada no Código de Processo Civil. Portanto, o que nele disposto deve ter observância tanto pelas partes como pelo condutor do processo (o juiz). Sobretudo quando disserem respeito a matéria de substância, cujo preterimento possa gerar prejuízo a qualquer das partes ou infringir preceito constitucional. Parece claro que o poder do juiz de exercer a jurisdição é também dever de cumprir e fazer cumprir a lei. Desse modo, se a lei adjetiva traz determinação expressa, de compreensão literal, sujeita o juiz em suas decisões. Sem essa sujeição, o poder transforma-se em arbítrio, e o juiz pode estar comprometendo a dignidade da justiça. 1.2. A livre convicção e a independência do magistrado frente aos princípios e garantias constitucionais do processo. É fato que o juiz, hoje, tem margem de liberdade maior para atuar no processo. Entretanto, encontra ele limites impostos pela própria lei. O simples desprezo às formas processuais, como observado por João Batista Lopes, como também o não conduzir a prestação jurisdicional qualificada, pode resultar, muitas vezes, em graves injustiças.499 A atuação do juiz pode desaguar para o campo da nulidade do ato. Assim, embora seja assegurada a independência à livre convicção (não sendo o juiz, no processo, a imagem do “convidado de pedra”), limites existem, como em tudo de resto na sociedade, à atuação e liberdade do julgador. Desse modo, é inquisitivo que o juiz se curve à necessidade de formar livremente sua convicção com base em uma interpretação lógica e sistemática da norma e com observância aos princípios e garantias constitucionais. A Constituição traz expressos alguns princípios que devem prevalecer em toda espécie de processo, jurisdicional ou não. São limitações. Postulados que visam a um processo justo (desenvolvido por meios adequados e aptos a produzir resultado justo) e tenha por objetivo nuclear o acesso a justiça, tanto na forma como na substância, ou seja, desenvolvidos os atos e prestada a jurisdição sob o devido e legal meio (CF/88, art. 5º, LV - do devido processo legal). Consigne-se serem complementares os princípios da igualdade, da liberdade, do contraditório e ampla defesa, do juiz natural, do duplo grau de jurisdição e da exigência de motivação das decisões judiciais. Em verdade, esses primados encontram-se contidos nos preceitos mestres que devem embasar toda a realização da jurisdição. Enfim, a inafastabilidade do controle jurisdicional, o acesso a justiça e o devido processo legal contêm em si todos os demais e prevalentes princípios especificados. São aqueles consectários destes. São também princípios-garantias a que o juiz se encontra umbicado e cuja interpretação e aplicação da lei atrelam-se inquestionavelmente. Então, a livre convicção do magistrado só exterioriza a garantia consagrada nesse particular quando fundar-se e basear-se em respeito aos demais princípios-garantias do processo. 499 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do Processo e da Sentença, 6ª ed. rev. ampl. e atual de acordo com a Reforma Processual 2006/2007 – São Paulo, Ed. Revistas dos Tribunais, 2007, p. 165 548 Revista ESMAC Convenha-se que não há preceitos contraditórios. Eles convivem harmonicamente e dependem tão-somente de análise conjuntiva. Como as normas não se confundem com a lei que as contêm, necessário serem interpretadas as leis em busca do conhecimento das normas que vivem no plano ideal do direito. Senão, desnecessária a livre convicção uma vez que ela só se pode dar com análise do caso concreto em face da idéia normativa. E desnecessário pode apresentar até mesmo a figura do juiz, uma vez que julgar não passaria de adequar o caso concreto à norma fria da lei, tarefa não esperada de agente com tal qualificação. É a interpretação jurídica, que consiste especificamente na atenção ao bem comum, ou seja, em descobrir a projeção da lei sobre a vida das pessoas. Os textos legais comportam diferentes leituras conforme o contexto em que se inserem. Assim é que a interpretação deve ter em conta o espaço e o tempo, o verdadeiro significado das palavras, a intenção e objetivos do legislador, tudo considerado em face do caso concreto. A despeito da diversidade de métodos e técnicas, a interpretação deve deixar imperar harmonia tal que alcance o justo, até porque interpretação isolada oferece risco de distorções. É dizer que o juiz deve realizar uma interpretação sistemática, já que a lei é apenas parte de um contexto normativo, e a norma dela exauriente deve ser resultado da interação entre todos os elementos da ordem jurídica positivada. Sobretudo da Constituição, que encerra norma mater. Segundo Cândido Rangel Dinamarco, a interpretação, no que diz respeito às garantias individuais, exige sistematização e avaliação à luz da suprema garantia de acesso à justiça.500 Numa interpretação sistemática, indispensável ter em conta os princípios e garantias integrantes da tutela constitucional do processo, quais o dogma da legalidade, da publicidade, da igualdade, do juiz natural, da necessidade de motivação das decisões, do contraditório e da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição, que conglomeram-se nos preceitos sínteses da inafastabilidade do controle jurisdicional e do devido processo legal. Com a interpretação lógico-sistemática ameniza-se o que se prega quanto a dever o juiz vinculação formal à letra da lei. O juiz só é escravo da lei no sentido em que dela deve subtrair a verdadeira norma, porque só assim estará apto a prestar a atividade jurisdicional justa. Assim é que se diz também que no Estado moderno-contemporâneo o juiz é um criador do direito. Que é dotado de independência e do poder de formar livremente sua convicção. Em verdade, o juiz está vinculado à interpretação e a garantir a observância da lei, notadamente dos preceitos fundamentais. Essa a medida da liberdade da livre convicção do julgador, uma vez que só pode haver justiça se a lei for observada e devidamente aplicada ao caso concreto. E isso só se exteriorizará de uma interpretação lógico-sistemática, pena de propiciar incursão em abuso, em ilegalidade e em desprestígio ao devido processo legal. 500 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo, Ed. Malheiros, 2001, vol. I, p. 248. 549 2. AS ASTREINTES E SUAS CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS 2.1. Espécies e distinções Astreintes ou multas, vocábulo originário do latim, implica penalidade, sanção imposta ao devedor de obrigação na hipótese de infringência a regra ou a princípio de lei ou de contrato. Além de multa, segundo a natureza do ato ou do fato jurídico motivador de sua incidência, recebe denominações diversas. Pode ser compensatória, moratória, cominatória, fiscal, penal ou penitencial. A multa compensatória, estipulada conjunta ou separadamente do contrato e da obrigação principal, é pacto acessório e visa a compensar o credor em caso de inadimplemento. Integra as perdas e danos e pode substituir a obrigação principal, porém inacumulável com esta. Tem natureza indenizatória, e tanto configura penalidade ao devedor como o coercta ao cumprimento da obrigação principal no tempo e modo pactuados. A multa moratória, também integrante da cláusula penal e contrato acessório, destina-se a compensar o credor pelo retardamento no cumprimento da obrigação principal e a evitar que o devedor incorra em mora. Mas pode ser estipulada tão-somente para assegurar o cumprimento de alguma cláusula especial do contrato, podendo ser exigida juntamente com a obrigação principal. A multa fiscal é imposição pecuniária prevista na legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. É obrigação acessória, mas não implica para o sujeito ativo (fisco) o direito de exigir um comportamento do sujeito passivo, mas o poder jurídico de criar contra ele o crédito correspondente à penalidade pecuniária. É como se encontra textualizado no art. 113, §3º, do Código Tributário Nacional. Sinteticamente, a obrigação acessória tem o objetivo de viabilizar o controle dos fatos relevantes para o surgimento da obrigação principal. Corresponde a obrigação de fazer – como por exemplo a de emitir uma nota fiscal –, a de não fazer – como por exemplo não receber mercadoria sem a exigida documentação legal – e a obrigação de tolerar – como por exemplo permitir a fiscalização de livros e documentos. A multa fiscal, assim, tem como fato gerador qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal (Código Tributário Nacional, art. 115).501 Enquanto a obrigação tributária principal é obrigação de dar – tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (art. 113, §1º do CódigoTributário Nacional) –, a obrigação acessória é obrigação de fazer, de não fazer e ou de tolerar. 501 MACHADO, Hugo de Brito, Curso de direito tributário, 20ª ed. rev. Atualizada e ampliada, Malheiros Editores, 2006. 550 Revista ESMAC E embora as obrigações acessórias só existam em função das principais, não há necessariamente um liame entre determinada obrigação principal e determinada obrigação acessória. O objeto da obrigação acessória é sempre não patrimonial, diversamente do objeto da obrigação tributária principal, que é uma prestação de natureza patrimonial.502 Apesar de não ter correlação direta com as astreintes, coincide com ela quanto a, pelo menos, duas hipóteses de incidência, quais nas que decorrentes do descumprimento de obrigação de fazer e de não fazer. A multa fiscal vem expressamente fixada em dispositivos legais conforme o tipo da infração. Logra transformada em obrigação principal. É penalidade acessória, mas previsiva de sanção. Não tem exigibilidade própria, mas tão-somente quando convertida em obrigação principal em decorrência de uma atitude omissiva ou comissiva do sujeito passivo. A multa penal é derivada de condenação criminal. É obrigação de pagar quantia em dinheiro. É pena, e não tem caráter de acessoriedade, nem decorre de vontade pessoal do agente. Tem previsão de aplicação e de cálculo nas leis penais. A multa penitencial, ou arras, ou sinal, diz respeito à hipótese de desfazimento de contrato. É parte do pagamento da obrigação que tanto pode ser devolvida ao que a adiantou como pode ser retida por quem a recebeu. Além, presta-se a indenizar a parte inocente da relação contratual desfeita. A multa cominatória ou astreintes, propriamente, é meio de coação para cumprimento de ordem judicial. Tem aplicação restrita às obrigações de fazer ou de não fazer e de entregar coisa certa, na forma dos arts. 461, 461-A e 645 do Código de Processo Civil. É fixada pelo juiz no curso do processo e visa ao cumprimento da obrigação. Nessa medida, reveste-se de dimensão pública porque têm por fito conseqüente a dignidade da justiça. É espécie de multa anômala. A multa cominatória pune violação de dever, daí porque só se aplica às obrigações que têm por objeto algum ato corporal do devedor. Funcionam as astreintes como mecanismo ressocializador, punitivo ou retributivo, na medida em que prestam-se a exemplar e desestimular condutas ilícitas. Para alguns, a multa cominatória tem índole de responsabilidade por inadimplemento eventual. Para outros, é obrigação fruto de outras obrigações anteriores acaso descumprida a ordem judicial que as fixou.503 A multa cominatória ou astreintes é penalidade pecuniária correlata à cláusula penal, mas com ela não se confunde. Primeiro porque inexiste por vontade das partes, não havendo limite ou vinculação com a causa principal. Além, só aplicável na medida das previsões legais, quais nas obrigações de fazer ou de não fazer e nas de entrega de coisa. As astreintes encontram semelhança com a multa fiscal na medida do que lecionado no Código Tributário Nacional em seus arts. 113 e 115.504 502 Idem - Ibidem. 503 SOUZA FILHO, Luciano Marinho de B. E. Multas “astreintes”: um instituto controvertido. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 65, maio 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4070>. Acesso em: 08 abr. 2008. 504 Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. §2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. Art. 551 Do primeiro texto legal citado deflui-se já no parágrafo primeiro que a penalidade pecuniária consubstancia obrigação principal. Quer dizer que com o surgimento do fato gerador, concretizado pela prática ou abstenção de um ato em matéria tributária, há criação de um crédito correspondente. A obrigação acessória na hipótese não tem natureza patrimonial, traduzindo-se no fazer ou não fazer do contribuinte. Tanto que o parágrafo segundo é clarividente quanto a que “a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nelas previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. O esclarecimento final e conclusivo encontra-se no parágrafo terceiro, que textualmente regra que“a obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária”. Confrontando esses regramentos com as astreintes pode-se concluir que o liame é providencial para a questão enfocada no presente trabalho, muito embora haja inversão quanto a natureza das obrigações. Desimportando se as astreintes sejam obrigação acessória, a relevância consolidase na regrada conversão da multa fiscal em obrigação principal. À similitude, as astreintes efetivadas, independentemente da obrigação que as gerou, consubstanciam-se em também obrigação certa de pagar quantia, sendo de convir que o fato gerador da obrigação tributária encontra sintonia com o fato gerador das astreintes. Demais disso, o art. 115 do Código Tributário Nacional equipara a obrigação acessória a um fazer ou não fazer com as espécies de obrigação suscetíveis de gerar as astreintes. E no art. 116 e seguintes, a Lei Tributária faz consolidar que a obrigação principal (multa fiscal) tem seus efeitos protraídos e efetivamente constituída desde o momento inicial de infração à legislação, por omissão ou prática de conduta, positiva ou negativa, nela prevista no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. As astreintes são similares, uma vez que também se efetivam a partir do momento da abstenção ou da prática de obrigação de fazer ou de não fazer determinada judicialmente, sendo de anotar, à semelhança do que disposto acerca da obrigação tributária (art. 118), que igualmente devem as astreintes ter concretizados seus efeitos desde a ocorrência efetiva do facere ou non facere. A principiologia de legalidade para efeito de incidência das astreintes encontra sustentáculo tão-somente no Código de Processo Civil, nos arts. 461, 461-A e 645. Não configuram contraprestação de obrigação e nem têm as astreintes caráter indenizatório. A finalidade é, dando cumprimento à determinação judicial e legal, preservando a valorização, a estabilidade e a eficácia do Ordenamento Jurídico, alcançar a finalidade específica da prestação obrigacional. Em verdade, defendem alguns autores que é multa apenas na aparência e que deve ser fixada em valor exorbitante tal a compelir o devedor a tornar efetiva e eficaz a ordem emanada do juiz no processo. Importante anotar que já em 1999, os Juizados Especiais Cíveis do Rio de Janeiro fizeram consagrar a diferença entre multa moratória e cláusula penal.505 Também a sua não 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal. 505“Eis que a multa cominatória fixada para obrigar o devedor a cumprir obrigação de fazer infungível tem natureza 552 Revista ESMAC vinculação ao teto limitativo da competência do microssistema.506 Além, em mesmo ano, quando ainda não alterado o Código de Processo Civil, mais especificamente acrescidos os §§5º e 6º ao art. 461, quando ainda não inserido o art. 461-A e não modificado o processo de execução de títulos extrajudiciais, os Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio de Janeiro, pelo Enunciado n. 12.2, arregimentaram que a multa cominatória, cabível apenas nas ações e execuções que versarem sobre o descumprimento de obrigação de fazer, de não fazer e de entrega de coisa certa, não sofrem limitação de qualquer espécie em seu valor total, devendo ser estabelecida em valor fixo e diário, contado o prazo inicial a partir do descumprimento do preceito cominatório. A cláusula penal é da esfera do direito privado, é decorrente da vontade das partes contratantes. Já a multa cominatória é imposta pelo juiz nas obrigações de fazer e de não fazer ou de entrega de coisa (arts. 461, 461-A e 654 do Código de Processo Civil), para garantir efetividade do processo e cumprimento da obrigação. As astreintes têm semelhança com a multa fiscal na medida em que ambas visam a efetividade, na medida de suas características específicas em relação às obrigações geratrizes e pelo fato de que suas naturezas são de obrigação patrimonial, mas cindida esta da obrigação acessória no aspecto da exigibilidade. É de convir que não há liame entre a obrigação principal e a acessória, embora uma exista em função da outra. Na multa cominatória, diferentemente do que disposto no art. 412 do Código Civil, que regra não poder o valor da cominação imposta na cláusula penal exceder ao da obrigação principal, não há limite de valor. Assinale-se que o juiz, quando provocado acerca da cláusula penal contratada, pode reduzir equitativamente a penalidade se manifestamente excessivo o montante ou se já cumprida em parte a obrigação principal (art. 413, Código Civil), tendo em conta a natureza e a finalidade do negócio. A aplicação dessa regra de diminuição, em que o juiz interfere nos contratos alterando-lhe ajuste, tem razão para evitar o enriquecimento ilícito e garantir proporcionalidade com a parte da obrigação não cumprida. No entanto, segundo a norma do art. 416 do Código Civil, a pena convencional pode ser exigida pleno iure, sem necessidade de alegação de prejuízo, muito embora possa o devedor argüir excesso a ser apreciado em mesma sede. A multa cominatória também pode ser exigida, contanto que efetivada. Mas não há qualquer vinculação ou correlação com o valor da obrigação principal. Quanto ao momento, se dúvida ou controvérsia havia, com a reforma do Código de Processo Civil decisões superiores vieram fazer sedimentar a possibilidade de exigência a qualquer tempo, mesmo na fase de conhecimento, e dentro do próprio processo. Nesse norte, é o Enunciado 120 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais Cíveis.507 jurídica diferente da cláusula penal e da multa moratória, que encontram seus limites fixados na lei... O juiz somente poderá rever o valor da cominação se, e somente se, em face da cláusula “rebus sic stantibus”, alterarem-se de modo significativo e imprevisível as condições do pacto. Do contrário, é de ser mantido o valor da multa, que só chegou a patamares elevados, em função da inércia habitual da empresa (1999.700.004893-2, juíza-rel. Teresa Cristina Gaulia)”. 506 “Omissis (...) A multa cominatória não está limitada ao teto insculpido no inciso I do art. 3º da Lei 9.099/95, posto que tal entendimento viria a beneficiar a inércia e a omissão do devedor da obrigação de fazer, obrigação de fazer esta que no caso presente é infungível, só podendo ser cumprida pela própria ré. A multa cominatória tem função de fazer cumprir a ordem judicial, que cairia no vazio caso a mesma fosse reduzida, como pretendeu a r. Sentença (1999.700.005849-4, julgado em 09/12/1999)”. 507 A multa derivada de descumprimento de antecipação de tutela é passível de execução mesmo antes do trânsito 553 Importante assinalar que algumas distorções têm-se verificado em razão da variada nomenclatura. Juros, multa, ou simplesmente mora. Mas o que precisa ser compreendido é que a penalidade por descumprimento da obrigação pode estar ajustada em cláusula contratual, instantânea ou posterior, com efeito compensatório ou indenizatório. Mas sempre será uma penalização moratória. Os juros de mora, multa de mora ou simplesmente mora diferem completamente da multa cominatória na medida em que cominação tem sentido diverso de pacto. A cominação de multa consiste numa imposição (como é o caso da multa fiscal e das astreintes), e nenhum contratante tem direito de impor ao outro qualquer cominação moratória, até porque isso desnaturaria o contrato e invalidaria a obrigação conseqüente. Convenha-se que a revisão judicial dos contratos e a anulabilidade das cláusulas abusivas e ilegais encontram abrigo legítimo. Os juros cominatórios não decorrem de contratos. Decorrem de decisão judicial sujeita a preclusão ou ao atributo de eficácia da coisa julgada, e de lei, à semelhança da multa fiscal. Diferentemente da cláusula penal, não há vinculação monetária entre o valor das astreintes e a obrigação principal. Até porque a cláusula penal é expressão volitiva nos contratos, e a multa cominatória é sanção aplicada pelo juiz ao devedor recalcitrante de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa certa. A multa cominatória tem natureza processual e o objetivo de forçar o devedor ao cumprimento da obrigação, assim operando a favor da efetividade processual. Semelhante à cláusula penal moratória, as astreintes podem sofrer majoração ou redução nos termos do art. 461, §6º do Código de Processo Civil. Isso, no entanto, em sendo o caso das obrigações incidentárias e se já não convertida em obrigação por quantia certa. A multa cominatória, diversamente da multa definida como cláusula penal – que admite sua isenção por ausência de culpa, redução ou substituição –, tem caráter cogente e se posta como elemento hábil a dar validade ao processo de execução da decisão na qual foi fixada. Enfim, as astreintes são autônomas em relação ao direito material e não há, atualmente, como já mencionado antes, qualquer limite imposto pela legislação, exatamente porque objetiva garantir o adimplemento da ordem judicial e a efetividade do processo. E não guardam característica de acessoridade em relação ao objeto principal da ação, em tudo semelhante à multa fiscal, razão porque não se põe temerário afirmar sua inserção na categoria de obrigação principal de pagar quantia certa (multa efetivada), insuscetível de reapreciação do montante em fase de exigibilidade. em julgado da sentença – Aprovado no XXI Encontro – Vitória-ES. 554 Revista ESMAC 2.2. Incidência, Aplicação e Oportunidade de fixação ou modificação da multa cominatória. Das possibilidades legais que o juiz tem de fixar as astreintes, dada a sua natureza e função, é a determinação de incidir ela dia por dia enquanto não resultar provida a tutela específica ou não obtido o resultado prático equivalente. Convenha-se que a fixação das astreintes é forma de pressão psicológica e de eficácia persuasiva sobre o réu.508 Natural que se não vier a ser alcançado o pretendido objetivo, o juiz, mesmo de ofício, pode modificar-lhe o valor ou a periodicidade, e até converter em perdas e danos a obrigação. Porém, não há fundamento que guarneça a redução das astreintes porque suplantantes a bem de vida. Nem na fase de conhecimento e muito menos na de execução. O juiz é livre para impor a multa diária no patamar que entender razoável, mas está tolhido de alterar o que já se consumou, e jungido à categoria das obrigações de fazer, de não fazer e de dar coisa (diferente da obrigação de pagar). A fungibilidade modificativa da multa deve ter em mira tão-somente a efetivação da tutela ou o resultado prático equivalente. É meio de garantia de adimplemento da ordem judicial. Na medida em que os dias se passam, se o devedor permanece recalcitrante em efetivar a tutela, a multa se perfaz. Quer dizer, se efetiva e logra transformada em obrigação de pagar quantia certa. E parece não se afigurar lógico que eventual decisão redutora ou majoradora da multa possa ter eficácia retroativa, à luz do que plasmado nos arts. 471 e 473 do Código de Processo Civil. Como lecionado por Nelson Nery Júnior não há limites para fixação da multa, e sua imposição deve ser em valor elevado para que iniba o devedor com intenção de descumprir a obrigação. O objetivo precípuo das astreintes é compelir o devedor a cumprir a obrigação e sensibilizá-lo de que vale mais a pena cumprir a obrigação do que pagar a pena pecuniária. A limitação da multa nada tem a ver com enriquecimento ilícito do credor porque não é contraprestação de obrigação, nem tem caráter reparatório.509 Se o devedor deixa a multa se efetivar, torna-se devedor dia por dia no valor efetivado até que satisfaça a obrigação ou que seja convertida ela em perdas e danos. A redução de ofício desse valor efetivado parece estar impossibilitado, sob pena de ofensa ao princípio dispositivo e até ao da impessoalidade. A redução de multa efetivada, tanto por retroação de decisão que a reduz, quanto na fase de execução, equivaleria atuar em desprestígio da norma processual que a vincula. Configuraria desnaturar o instituto. A preclusão na hipótese tem efeito correlato ao da coisa julgada. O juiz, não podendo decidir as questões já decididas, não pode modificar retroativamente o valor da multa já efetivada. O valor modificado só pode passar a ter efeito após a nova decisão, uma vez que até então a multa já se efetivou no patamar da decisão anterior.510 508 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo: leis processuais civis extravagantes anotadas. Barueri, SP : Manole, 2007. 509 NERY Júnior, Nelson, Código de processo civil comentado, 9ª ed. RT - pág. 589 510 Acórdão REsp 521183 - DJ 06.03.2006, p. 198 e REsp 706799 – DJ 06.12.2004, p. 287 do Superior Tribunal 555 Em mesmo contexto, não parece adequado modificar quantia calculada de astreintes efetivadas, em fase de exigência de cumprimento do julgado, sob o pálio de enriquecimento ilícito. A uma porque o valor apurado decorre de título executivo judicial e não de prática alguma contrária a lei. Também porque há causa jurídica nítida assentada na recalcitrância e desídia do devedor em dar cumprimento à determinação judicial. Traga a lume, quanto às correlatas medidas cautelares, a regra do art. 807 do Código de Processo Civil que dispõe conservarem elas sua eficácia durante todo o tempo que durar o processo principal. Quanto à parte final do texto legal em comento, que dispõe da possibilidade de revogação ou modificação quantitativa ou redutora, a decisão naturalmente não pode retroagir, porque já efetivada a cominação. De considerar que a modificação ou revogação da medida cautelar diz respeito à tutela específica em si, de natureza obrigacional diversa da de pagar quantia certa, causa de pedir da cautelar ou da ação de conhecimento. Anote-se que com a reforma de 2006, o processo de conhecimento deixou de ser extinto. Segundo regra modificativa do art. 269 do Código de Processo Civil, o processo passou a ser objeto de resolução ante a alteração do conceito de sentença (art. 162, §1º). Ou seja, ou o juiz decide o mérito (art. 269) resolvendo a lide, ou não, extinguindo o processo sem resolvê-lo (art. 267). Embora o processo de conhecimento contemple a fase de conhecimento e a fase de cumprimento do julgado, trata-se de dois momentos distintos, com regras próprias. Assim, a sentença não é mais ato do juiz que põe fim ao processo, mas tão somente ato decisório de transição da fase cognitiva para a fase executiva. Se a sentença reconhecer a existência de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa, pode consignar astreintes para o caso de descumprimento. De igual, na fase de execução, alterando o valor e a periodicidade conforme verifique que se tornou insuficiente ou excessiva para efeito de obtenção de resultado prático. Se se houver fixado astreintes no curso do processo (na fase de conhecimento), em tutela específica, dado que tem esta a mesma natureza de cautelar, deve haver, na sentença, pronunciamento confirmando ou não a mesma. Mesmo quando a sentença é terminativa (art. 267 do Código de Processo Civil) e dela decorra a cessação de eficácia da medida concedida, parece não haver como desguarnecer a multa efetivada, porque já convolada em obrigação de pagar. Em recente decisão sobre a questão, o Tribunal de Justiça acreano teve voto vencedor no sentido de que o escopo magno das astreintes é dissuadir o mau comportamento e a insubordinação das partes, sobretudo das que têm maior poder econômico que imaginam estar acima da Justiça, cumprindo ou descumprindo as decisões judiciais de acordo com a sua própria conveniência. E que, visando as astreintes a salvaguardar a eficácia subordinante das decisões do Poder Judiciário e sendo imprescindíveis, pouco importa a vitória ou derrota ao final da demanda da parte que dela se beneficiou, devendo a multa ser integralmente paga mesmo no caso de eventual sucesso da parte que preferiu desobedecê-la (Acórdão 5.077. Diário da Justiça 3.740, de 01.07.08). Essa inovadora decisão veio – sem falsa modéstia – em reconhecimento à tese e posicionamento da aluna escrevente após a análise detida do instituto, conferindo força de Justiça. 556 Revista ESMAC maior à certeza de que as astreintes, embora fixadas em razão de uma obrigação tida por principal na causa, com elas não guardam liame ao ponto de credenciar a interferência judicial para diminuir o valor das que efetivadas. Bom de registrar que em tempos passados, antes mesmo desse detido estudo enunciado, e quando a aluna escrevente era juíza substituta em uma Comarca interiorana do Acre, quando ainda não vindas as disposições dos parágrafos 5º e 6º do art. 461 do Código de Processo Civil, que houve fixação de multa diária a uma instituição creditícia na fase de conhecimento (então processo de conhecimento), que visava alcançar obrigação de não fazer. A multa se efetivou, e a sentença deixou de formalizar a convolação da medida liminar. E vinda a então execução das astreintes, esse foi o ponto que levou o banco a refutar a obrigação de satisfazê-las. O Tribunal de Justiça acreano, já naquela ocasião, decidiu pela independência e consolidação da obrigação de pagar quantia certa, mas a questão encontrase submetida à instância superior, não se sabendo na hipótese que entendimento virá. Ainda que se considerem as astreintes como obrigação de pagar, há, ainda, controvérsia quanto ao momento de sua exigibilidade. Partes há que requerem execução parcial e quando em curso a fase de conhecimento do processo. E julgados há que entendem ser exigíveis as astreintes efetivadas tão-somente após o advento da sentença de mérito da causa. Entretanto, há decisões superiores que já fizeram sedimentar que a execução em causa pode ser imediata, e na fase de conhecimento, dispensando-se processo de execução autônomo. Em comentário ao art. 461 do Código de Processo Civil, de Thetônio Negrão, a nota 8c traz disposto que a decisão impositiva da multa com eficácia liberada autoriza a execução de seu valor mesmo que contra ela penda recurso. A nota 7c, entretanto, assinala que, inobstante incidente a partir da data designada pelo juiz, a multa cominatória somente poderá ser cobrada a partir da data em que a sentença transitar em julgado, ou, mesmo pendente recurso, se for permitida a execução provisória (RT 810/315) e, também, após o executado ter sido citado para a execução e inadimplido a obrigação (JTJ 260/314). Guilherme Rizzo Amaral, embora condicione a execução das astreintes fixadas, reduzidas ou alteradas no transcurso da fase de conhecimento, ou seja, à resolução da lide, já antes da reforma do Código de Processo Civil defendeu a incidência de atualização monetária e juros de mora no valor apurado das astreintes efetivadas, em razão de sua liquidez e certeza, para efeito de execução.511 Noutro turno, o advogado e professor Luiz O. Amaral, também antes da reforma da execução, veio lecionar e requerer incidência das astreintes na obrigação líquida e certa de pagar, como já institucionalizado para as obrigações de fazer e de não fazer. O autor citado alinha-se com as lições de Pontes de Miranda, Silvio Rodrigues e Serpa Lopes, tal que equipara a obrigação de fazer à obrigação de pagar. 512 Pontes de Miranda, de fato, tem que “Dar é fazer. Fazer é todo ato positivo.” Silvio Rodrigues ensina que a obrigação de fazer consiste na prática de um ato, até mesmo jurídico. E que na idéia de fazer encontra-se a de dar. Serpa Lopes afirma ser inútil a distinção entre obrigação de fazer e obrigação de 511 AMARAL, Guilherme Rizzo, “As astreintes e o processo civil brasileiro - Multa do artigo 461 do Código de Processo Civil e outras”, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2004. 512 AMARAL, LUIZ O. Do injusto ónus processual para se executar obrigação pecuniária. Disponível em: http://www.verbojuridico.net/doutrina/brasil/br_la02.html - 52k. Acesso em 03.04.2008. 557 dar, mas não afasta o alcance prático da diferenciação. O apelo do advogado e professor citado acima restou recepcionado pela legislação na medida da regra do art. 475-I, vinda através da Lei n. 11.232/05. Embora não se trate de astreintes propriamente, mas de multa de mora legal, visa o texto normativo, além da satisfação da obrigação, exatamente conferir efetividade às decisões judiciais e guarnecer a credibilidade do Judiciário.513 Sobre a possibilidade de aumento ou diminuição das astreintes, os Tribunais Superiores têm se manifestado, mas sempre quando relativa a obrigação de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa. A guisa de exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 763975/RS514, por sua Terceira Turma, em julgamento do dia 13.02.2007 (DJ 19.03.2007 p. 330), como também no REsp 705914-RN515, quanto a possibilidade de modificação da multa, teve que seu valor pode ser alterado a qualquer tempo, contanto que nova situação a justifique. O julgado é claro quanto a que o valor das astreintes pode ser alterado a qualquer tempo, mas quando se modificar a situação em que fora cominada a multa. Por evidente, está o julgado a referir-se a execução de obrigações receptíveis dessa incidência (obrigação de fazer e de não fazer). No REsp 914389-RJ516, publicado no DJ de 10.05.2007, o Superior Tribunal de Justiça, apesar de reservar a interpretação constitucional ao Supremo Tribunal Federal, lançou no 513 Idem – Ibidem 514 PROCESSO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ASTREINTES. ALTERAÇÃO DO VALOR. EXECUÇÃO. COISA JULGADA. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NO STJ. SÚMULA 7. JUROS DE MORA. SÚMULA 54. O valor das astreintes pode ser alterado a qualquer tempo, quando se modificar a situação em que foi cominada a multa (...). 515 PROCESSO CIVIL – OBRIGAÇÃO DE FAZER – ASTREINTES – ALTERAÇÃO DO VALOR – EXECUÇÃO – COISA JULGADA – ART. 461, §6º, CPC, POSSIBILIDADE. O valor das astreintes pode ser alterado a qualquer tempo, quando modificar a situação em que foi cominada a multa. 516 ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. NORMA CONSTITUCIONAL. REVISÃO RESTRITA AO STF EM SEDE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 131 DO CPC. NÃO-PREQUESTIONADO. ASTREINTES. REDUÇÃO EM BUSCA DE PROPORCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Autos que versam sobre execução em face da CEF objetivando a satisfação de astreintes fixada em R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de atraso no cumprimento de ordem judicial que determinava a recomposição das contas vinculadas ao FGTS. Acórdão do TRF 2ª Região que confirmou a redução da multa para o valor máximo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), aos fundamentos de que: a) seu objetivo é o cumprimento do julgado e não o enriquecimento da parte autora; b) não há falar em ofensa à coisa julgada eis que a multa foi cominada não por sentença, mas por decisão interlocutória; c) o valor da multa deve ser adequado ao da obrigação principal, que in casu, foi de apenas R$ 11.644,00 (onze mil, seiscentos e quarenta e quatro reais), não podendo ser executado o valor de R$ 94.000,00 (noventa e quatro mil) a título de astreintes. Recurso especial em que se alega violação dos artigos 5º, inciso XXXVI da CF/88, 131, 461, § 5°, 467 e 474, do CPC, art. 6º, caput e § 3º, da LICC e 884 do CC/2002, afirmando-se, em síntese: a) a causa do enriquecimento do recorrente “decorre de decisão judicial cominando multa atribuída por uma razão justa, derivada de um título legítimo, por um motivo lícito, com objetivo de coagir o devedor a cumprir obrigação específica”; b) “no caso concreto, a decisão interlocutória de natureza terminativa, cominando multa, fez coisa julgada”. Pugna pela execução da multa diária no valor fixado inicialmente. 2. A interpretação da norma constitucional é reservada, unicamente, ao egrégio Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário, consoante delimitação de competência atribuída pela Carta Magna (art. 102, III). 3. Com relação à tese de negativa de vigência do art. 131, do CPC, não se vislumbra no aresto guerreado pronunciamento a respeito da matéria inserta nesse dispositivo legal, ressentindo-se o recurso do necessário prequestionamento nesse ponto. Incidência, portanto, da Súmula 282 do STF. 4. Este Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou quanto à possibilidade de ser reduzido o valor de multa diária em razão de descumprimento de decisão judicial quando aquela se mostrar exorbitante. 5. Precedentes: REsp 836.349/MG, de minha relatoria, 1ª Turma, DJ 09.11.2006; REsp 422966/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, DJ 01.03.2004; REsp 775.233/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 01.08.2006; 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não-provido 558 Revista ESMAC dispositivo do acórdão que é possível a redução do valor da multa diária em razão de descumprimento de decisão judicial quando aquela se mostrar exorbitante. Esse julgado disse respeito a um caso idêntico, em que houve redução do valor de astreintes efetivadas. Porém, a possibilidade redutora, como citada no acórdão, encontra ressonância em anteriores julgados da mesma Corte, adiante conferidos. No REsp 422966/SP517, a questão versava da possibilidade de aplicação de astreintes na fase de execução de sentença. Especificamente, quanto a título extrajudicial (contrato de seguro e acerca de cláusula penal). Fez sumarizar o Superior Tribunal de Justiça que cabíveis apenas as astreintes nas obrigações de fazer ou de não fazer. O Superior Tribunal de Justiça bem esclareceu a linha diferencial das astreintes em relação a cláusula penal, determinando a limitação da multa decendial compensatória e tão-somente porque o título exeqüendo não mencionou o período de incidência. No REsp 775233/RS518, citado como precedente no REsp 914389/RJ, a questão, igualmente, referiu-se à cominação de multa diária em obrigação de fazer. O Superior Tribunal de Justiça, convém dizer, no item 2 do dispositivo, fez anotar que“a função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação e incide a partir da ciência do obrigado e de sua recalcitrância”. No item 4 seguinte do julgado, a Corte Superior fez consolidar a possibilidade de aplicação das astreintes na fase de execução, mas de obrigação que comporte, no caso, um 517 CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CLÁUSULA PENAL E ASTREINTES. DISTINÇÃO. ART. 920, CC/1916. APLICAÇÃO NA EXECUÇÃO DE SENTENÇA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. RECURSO DESACOLHIDO. I - Na linha da jurisprudência desta Corte, não se confunde a cláusula penal, instituto de direito material vinculado a um negócio jurídico, em que há acordo de vontades, com as astreintes, instrumento de direito processual, somente cabíveis na execução, que visa a compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer e que não correspondem a qualquer indenização por inadimplemento. II - A regra da vedação do enriquecimento sem causa permite a aplicação do art. 920, CC/1916, nos embargos à execução de sentença transitada em julgado, para limitar a multa decendial ao montante da obrigação principal, sobretudo se o título exeqüendo não mencionou o período de incidência da multa. III - Sendo o processo “instrumento ético de efetivação das garantias constitucionais” e instrumento de que se utiliza o Estado para fazer a entrega da prestação jurisdicional, não se pode utilizá-lo com fins de obter-se pretensão manifestamente abusiva, a enriquecer indevidamente o postulante 518 PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A NECESSITADO. OBRIGAÇÃO DE FAZER DO ESTADO. INADIMPLEMENTO. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. ASTREINTES. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. VALOR DESPROPORCIONAL. 1. Ação ordinária c/c pedido de tutela antecipada ajuizada em face do Estado objetivando o fornecimento do medicamento Miflasona 400 Spray e Zetron 150 mg, indicado para paciente portador de doença de Chagas e doença pulmonar obstrutiva. 2. A função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação e incide a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância. 3. In casu, consoante se infere dos autos, trata-se obrigação de fazer, consubstanciada no fornecimento de medicamento ao paciente que em virtude de doença necessita de medicação especial para sobreviver, cuja imposição das astreintes objetiva assegurar o cumprimento da decisão judicial e conseqüentemente resguardar o direito à saúde. 4.“Consoante entendimento consolidado nesteTribunal, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juízo da execução, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública.” (AGRGRESP 189.108/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 02.04.2001). 5. Precedentes jurisprudenciais do STJ: REsp 775.567/RS, Relator Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 17.10.2005; REsp 770.524/RS, Relatora Min. ELIANA CALMON, DJ 24.10.2005; REsp 770.951/RS, Relator Min. CASTRO MEIRA, DJ 03.10.2005; REsp 699.495/RS, Relator Min. LUIZ FUX, DJ 05.09.2005. 6. À luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, valor erigido com um dos fundamentos da República, impõe-se a concessão dos medicamentos como instrumento de efetividade da regra constitucional que consagra o direito à saúde. 7. In casu, a decisão ora hostilizada pelo recorrente ratifica multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) que, além de comprometer as finanças do Estado do Rio Grande do Sul, revela-se exorbitante. 8. Recurso especial parcialmente provido. 559 fazer. Dizendo da regra de proporcionalidade, a Corte, confrontando o princípio da dignidade da pessoa humana (item 6) com o comprometimento das finanças do Estado do Rio Grande do Sul (item 7), recomendou ponderação desses interesses para efeito de fixação da multa diária, outrora fixada em R$5.000,00. Como se percebe sem esforço, a decisão esteve a referir-se a multa diária fixada, não ao montante efetivado e exigível, tanto que no mesmo dispositivo determinou cálculo das astreintes efetivadas. No terceiro dos repertórios mencionados no Acórdão 914389/RJ, qual o REsp 836349/MG519, já no primeiro item do dispositivo do julgado confere-se que as questões ventiladas guardam perfeita sintonia com a questão enfocada. O Superior Tribunal de Justiça, nos itens seqüenciais, mencionando o firme posicionamento nesse sentido, trouxe lição no sentido de que se da sentença decorre obrigação de pagar quantia, o seu cumprimento não pode se dar sob o regime do art. 461 do Código de Processo Civil. Para ser mais explícito, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, decorrendo a sentença de obrigação de fazer, consectário lógico é a aplicação do dispositivo mencionado e a possibilidade de imposição de multa diária como meio de compelir o devedor recalcitrante ao cumprimento da obrigação que lhe foi imposta. E foi nesse contexto que consagrou caber ao Juízo de Primeiro Grau “precisar a quantidade de dias em que incorreu em mora a recorrida, além do quantum devido a título de astreintes”. Ora, não parece ser outro o entendimento que não referente esse chamamento à liquidação tangente às astreintes efetivadas. Há menção complementar quanto a que o juiz jamais deve perder de vista a regra da proporcionalidade estampada no §6º, do art. 461 do Código de Processo Civil. Nesse contexto, convém relembrar que essa proporcionalidade é consentânea e estritamente relativa à fixação ou modificação das astreintes, tanto na fase de conhecimento quanto na fase de exigibilidade, por força da própria regra do art. 461 quanto do art. 475-I, ambos do Código de Processo Civil. Contanto, naturalmente, que relativas a obrigação de fazer ou de não fazer. 519 PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FGTS. CORREÇÃO MONETÁRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REGIME DO ART. 461 DO CPC. INADIMPLEMENTO. MULTA DIÁRIA. ASTREINTES. AUTORIZAÇÃO DO § 4° DO ART. 461 DO CPC. PRECEDENTES DA 1ª TURMA. 1. Historiam os autos que os ora recorrentes ajuizaram ação de execução visando a satisfação de multa fixada em razão do atraso no cumprimento de ordem judicial que determinava a recomposição das contas vinculadas do FGTS. Acórdão que entendeu incabível a fixação de astreintes em razão do atraso no cumprimento da obrigação de creditar dinheiro em conta vinculada do FGTS, porque incompatível com o objeto de obrigação de dar dinheiro, cuja única sanção legalmente prevista é o pagamento de juros moratórios. Recurso especial no qual se alega violação dos arts. 461, §§ 4° e 6°, e 645, paragrafo único, todos do CPC. Argumenta-se que inexiste autorização legal para supressão da astreinte, mas tão-somente para a sua modificação. Suscita-se dissídio jurisprudencial com julgado advindo do TRF/2ª Região que considerou cabível a imposição de multa diária, nos termos do art. 461, § 4°, do CPC, em razão da demora da CEF no cumprimento da obrigação de creditar nas contas do FGTS as diferenças apuradas nos meses de janeiro/89 e abril/90. 2. A jurisprudência da 1ª Turma deste Sodalício firmou posicionamento no sentido de que“decorrendo da sentença, não a obrigação de pagar quantia, mas sim a de efetuar crédito em conta vinculada do FGTS, o seu cumprimento se dá sob o regime do art. 461 do CPC” (REsp n° 789.287/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJ de 03/04/2006). Consectário lógico da adoção dessa premissa é a possibilidade da imposição de multa diária (art. 461, § 5°, do CPC) como meio de compelir o devedor recalcitrante ao cumprimento da obrigação que lhe foi imposta. 3. Caberá ao juízo de primeiro grau precisar a quantidade de dias em que incorreu em mora a recorrida, além do quantum devido a título de astreintes, jamais perdendo de vista a regra de proporcionalidade estampada no § 6° do art. 461 do CPC. 4. Recurso especial provido. 560 Revista ESMAC Até porque astreintes efetivadas não são obrigação de fazer ou de não fazer, mas de pagar. Se alcançada a decisão que as fixou ou modificou pela preclusão, ou pela coisa julgada, há impedimento legal de reapreciação do valor efetivado. Ora, parece evidente que o entendimento superior diz respeito ou à fase de conhecimento ou à fase de exigibilidade de julgado tangente a obrigação de fazer ou de não fazer. De considerar que inexiste previsão legal de incidência de multa diária em título judicial, salvo a que prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que parece não comportar interpretação contrária. Todos os magistrados que entendem que a possibilidade tem elastecimento na fase de exigibilidade e no que tangente às astreintes já efetivadas, até citam equivocadamente esses e outros julgados superiores. Olvidam eles, entretanto, a natureza de um título de crédito, para o qual jamais nenhuma Corte Superior viria lecionar redução de ofício do valor, uma vez que isso configuraria invasão vedada na esfera da privacidade das partes envolvidas na relação obrigacional. Embora pareça desnecessário, não é demais consignar que esse é o mesmo entendimento da Primeira Turma da Corte Superior, exteriorizado no REsp 938605/CE (DJ 08.10.2007 p. 234). Também no REsp 438003/RS, da Segunda Turma, (DJ 18.08.06 p. 363), no qual resta exteriorizado que as astreintes efetivadas são obrigação de pagar quantia certa. Também que incabível a cominação de astreintes nesse tipo de obrigação.520 O Superior Tribunal de Justiça, quanto a aplicabilidade do art. 461 do Código de Processo Civil, nos REsp 663774-PR521 e 776922-SP522, fez sumarizar que a cominação de astreintes está atrelada às obrigações de fazer e de não fazer. Ou seja, fez consolidar que nesse marco assenta-se a faculdade conferida ao juiz para fixar ou modificar o valor ou a periodicidade da multa, inclusive de ofício, mas desde que verifique que ela se tornara insuficiente ou excessiva. Também é do Superior Tribunal de Justiça jurisprudência firme no sentido de que não pode o juiz decidir novamente as questões já decididas, isso referindo-se ao modo de 520 (...) 2. Consoante a jurisprudência do STJ, na hipótese de obrigação de pagar quantia certa, predomina o entendimento de que “a multa é meio executivo de coação, não aplicável a obrigações de pagar quantia, que atua sobre a vontade do demandado a fim de compeli-lo a satisfazer, ele próprio, a obrigação decorrente da decisão judicial. (...) Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100 da CF)” (REsp n. 784.188/RS, relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 14.11.2005). 521 PROCESSO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EXECUÇÃO DO ART. 461 DO CPC. MULTA DIÁRIA (ASTREINTES) MOMENTO DE INCIDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. SÚMULAS 282 E 356/STF. Na tutela das obrigações de fazer e de não fazer do art. 461 do CPC, concedeu-se ao juiz a faculdade de exarar decisões de eficácia auto-executiva, caracterizadas por um procedimento híbrido no qual o juiz, prescindindo da instauração do processo de execução e formação de nova relação jurídico-processual, exercita, em processo único, as funções cognitiva e executiva, dizendo o direito e satisfazendo o autor no plano dos fatos (...). 522 PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – ART. 461 DO CPC – ASTREINTES: SUSPENSÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ – POSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE DECISÃO ULTRA PETITA – NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO – OFENSA AO ART. 128 DO CPC. 1. O art. 461 do CPC prevê a cominação de multa para cumprimento da obrigação de fazer e não fazer, podendo ser fixada de ofício ou a requerimento da parte. 2. O juiz, também de ofício ou a requerimento da parte, conforme autorizado pelo §6º do mesmo dispositivo legal, está autorizado a modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique se se tornou insuficiente ou excessiva. (...) 561 liquidação de título judicial, com aplicação no caso das astreintes efetivadas.523 Nesse mesmo norte, mas também fazendo acrescentar que o art. 461 do Código de Processo Civil só tem aplicação em obrigação de fazer ou de não fazer, é o Acórdão no REsp 521184.524 O Tribunal de Justiça do Paraná, nos autos do Processo n. 0328399-6, AI, originário da 8ª Vara Cível de Curitiba, perfilhou decisório no sentido de que impossível reduzir de ofício multa cominatória em fase de execução.525 OTribunal paranaense deixou claro no voto do acórdão mencionado que se tratava de execução de título judicial por quantia certa, e não de execução para cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer. Aduziu que a multa nasceu no processo de conhecimento e que não era o caso de buscar moderação e razoabilidade, uma vez que o elevado valor efetivado teve causa no franco descaso do devedor. Fez registrar, em resumo, no julgado, que o magistrado não poderia ter reduzido de ofício o valor executivo, líquido e certo, porque ofendeu a coisa julgada material no âmbito da tutela antecipada em processo de conhecimento, e também porque não há limite de teto para o valor acumulado da multa. A questão, embora não pareça suscitar dúvida, tem propiciado incursões diversas. Alguns juízes, mesmo resolvendo a lide julgando-lhe o mérito em favor do credor de obrigação de fazer ou não fazer ou de entrega de coisa, na fase executiva da sentença, mesmo quando já trânsita em julgado a decisão, têm diminuído o montante apurado das astreintes efetivadas. Isso sob o fundamento da norma do art. 461 do Código de Processo Civil. No Estado do Acre, embora a maioria tenha aderido à posição defendida, a cada dia engrossando a fileira nesse particular, ainda é díspare a posição dos juízes das três Varas dos Juizados Especiais Cíveis em relação a questão. No Primeiro Juizado, houve um tempo em que a multa efetivada e calculada era reduzida para montante entendido pelo juízo como razoável. Isso quando o montante atingia valor que o juiz taxava de “patamar excessivo”. Enfim, havia fixação do valor, desprezandose o montante efetivamente incidentário da multa. Posteriormente, sob novo entendimento, sobretudo em razão das novas regras do Código de Processo Civil, o montante efetivado e calculado passou a ter acolhida na íntegra sob o fundamento de que convertida em obrigação de pagar e desatrelada da obrigação principal (de fazer ou de não fazer). 523 II – O Tribunal de origem considerou, quanto à forma de liquidação da sentença exeqüenda, que não se pode decidir novamente as questões já decididas (art. 471, do CPC) e que é defeso à parte discutir questões já decididas, para as quais já se operou a preclusão (art. 473, do CPC). REsp 706799 – Primeira Turma – DJ 06.03.2006, p. 198 do Superior Tribunal de Justiça. 524 PROCESSUAL – PRECLUSÃO – COMINAÇÃO – DESOBEDIÊNCIA – MULTA – COBRANÇA – REFORMATIO IN PEJUS. I – Só é lícito ao tribunal conhecer de ofício, antes de proferida a sentença de mérito, as questões a que se refere o CPC, nos incisos IV, V e VI do art. 267. Fora disso opera-se preclusão, tanto mais quando há perigo de reformatio in pejus. II – O art. 461 do CPC não impede a imposição de multa diária para o cumprimento de obrigação fungível. III – Não é fungível a obrigação de abster-se na prática de determinado ato. Não se concebe que alguém se abstenha em lugar de outra pessoa, (...) 525 AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. MULTA COMINATÓRIA. DESÍDIA DO DEVEDOR. REDUÇÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA MATERIAL. AUSÊNCIA DE TETO PARA AS ASTREINTES. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO ENTRE PRINCIPAL E ACESSÓRIO. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. 562 Revista ESMAC Houve multas que alcançaram patamares superiores a R$30.000,00, e até R$170.000,00, sendo de anotar que em algumas oportunidades a parte devedora insurgiu-se com a decisão recorrendo à instância superior das Turmas Recursais. Houve um momento, particularizando a Segunda Turma Recursal, que o entendimento era de que o valor fixado a título de astreintes não deveria ser reduzido (Acórdão n. 2.007, MS n. 2007.900001-7).526 Do voto do relator, colhe-se que andou ele na mesma direção do Superior Tribunal de Justiça, qual seja, da possibilidade de modificação caso se verifique que as astreintes se tornaram insuficientes ou excessivas, mas na hipótese de obrigação de fazer ou de não fazer. ATurma, unanimemente, reconheceu que o impetrante tinha direito líquido e certo a executar o devedor pela quantia integral das astreintes efetivadas, sem qualquer redução. Assim, determinou que a execução tivesse prosseguimento pelo valor de R$78.000,00, exatamente no correspondente ao resultado obtido do cálculo aritmético (produto) entre o valor fixado de multa diária e os dias em que ela se efetivou (até o dia de cumprimento da obrigação de fazer ou da transformação da obrigação em perdas e danos). A mesma Segunda Turma Recursal, nos termos do Acórdão n. 2.146, em recurso inominado de uma sentença da Primeira Vara do Juizado Especial Cível, consolidando posição anterior, teve que impossibilitado modificar astreintes no curso do processo sem motivação.527 No caso, o magistrado singular, no curso do processo, diminuiu o valor da multa diária fixada anteriormente, quando a desídia do destinatário da ordem era imperante. Ou seja, sem qualquer motivo para a redução. E, além, tornando sem efeito duas decisões anteriores que haviam majorado o valor diário das astreintes, fez retroagir a decisão pautada. A Segunda Turma Recursal, no julgado enfocado, lançou no voto que as astreintes devem cumprir função punitiva pelo descumprimento de ordem judicial e que seu valor não se limita ao da condenação. Fez convalidar as decisões revogadas e estatuiu que a multa se efetiva e é devida de exigibilidade até o cumprimento da obrigação de fazer. Enfim, teve a Segunda Turma Recursal, à unanimidade, que a multa diária em valor elevado era proporcional à desídia da devedora. E que impunha o resguardo à segurança jurídica das decisões judiciais, em face do que nula e ineficaz restou declarada a decisão do juiz singular. O mesmo magistrado, entretanto, sob o escudo do §6º do art. 461 do Código de Processo Civil, deu mostras de não acolher a decisão do Acórdão 2.146. Na fase de exigibi526 MANDADO DE SEGURANÇA – ASTREINTES – DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL – MANUTENÇÃO DO VALOR – SEGURANÇA DEFERIDA. 1. Aquele que sem qualquer motivo justificável descumpre ordem judicial, mesmo informado que tal comportamento importaria no pagamento de astreinte, deve por ele se responsabilizar. 2. Objetivando conferir respeitabilidade às decisões judiciais, o valor fixado a título de astreinte não deve ser reduzido, mormente tratando-se de litigante habitual, a fim de desestimular condutas omissivas. 3. Segurança deferida. 527 DANO MORAL – QUANTUM – MAJORAÇÃO – DESCUMPRIMENTO DE LIMINAR JUDICIAL – ASTREINTES – MODIFICAÇÃO NO DECORRER DO PROCESSO – VEDAÇÃO À ALTERAÇÃO IMOTIVADA – SEGURANÇA JURÍDICA DAS DECISÕES JUDICIAIS – CONVALIDAÇÃO DE DECISÃO DE JUIZ TOGADO – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 4. Tal medida se justifica, não somente porque a majoração da quantia ali fixada mostra-se razoável e proporcional à desídia da Empresa recorrida, mas, principalmente, para que se resguarde a segurança jurídica das decisões judiciais já decididas. Não se está a negar a prerrogativa concedida ao Juiz de Direito de poder, a qualquer tempo, rever e modificar o valor da multa quando esta se mostrar exorbitante ou ínfima, podendo fazê-lo a partir do momento em que é investido nos autos, desde que ocorra fato novo que leve à necessidade de redução, o que, frise-se, não ocorreu na presente demanda (...). 563 lidade (cumprimento do julgado) reduziu de ofício a multa efetivada e calculada em mais de R$100.000,00 para apenas R$1.000,00, extinguindo de pronto o processo. Em novo recurso inominado, após alguns incidentes processuais, a Primeira Turma Recursal, no Acórdão 3.801, julgando embargos de declaração no Recurso Cível n. 2008.900073-5, deu a eles efeito infringente e fez sumarizar a nulidade da sentença que extinguiu o processo de execução, determinando o prosseguimento daquela nos termos do Acórdão 2.146 da Segunda Turma Recursal.528 O juiz da Segunda Vara do Juizado Especial Cível da Comarca de Rio Branco ora defere a executividade da multa total, mesmo quando o montante resulte elevado, reconhecendo ser ela obrigação de pagar quantia certa (Processo n. 070.06.012415-6, p. 344), ora manda calcular a multa diária e requer a conclusão dos autos para exame e decisão quanto a fixação da multa diária (Processo n. 070.07.020989-8, p.63). E ora reduz-lhe o valor, sob o argumento de que o arbitramento judicial da multa judiciária deve resultar invariavelmente do sentir subjetivo e objetivo do magistrado, e não da resolução automática de uma operação matemática que torne o juiz da causa refém de números (Processo n. 070.07.008519-6, p. 60). Caso recente que deve ser trazido a cotejo desenvolveu-se nos autos do Processo n. 070.05.016990-4 em que a multa efetivada e calculada alcançou em 17.12.2007 o montante de R$173.000,00. À solicitação de cumprimento de um julgado superior, que “cassou” a sentença monocrática que teve por cumprida a obrigação de fazer529, o juízo singular deferiu a execução solicitada, vindo a devedora interpor mandado de segurança de referida decisão sob o argumento de que o valor exeqüendo postava-se abusivo. Apesar de o cálculo expressar o comando do Acórdão, o mandado de segurança teve acolhida unânime e o montante da multa restou modificado para R$8.650,00, conforme voto do relator. No caso, a sentença de conhecimento, acolhendo o pedido de apresentação de documentação que deu azo ao ilícito objeto da reclamatória, e consignando prazo para satisfação da obrigação de fazer, fixou multa diária de R$1.000,00, também considerando a inocuidade da que fixada anteriormente em liminar, tanto da que majorada posteriormente. 528 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – COISA JULGADA – APARENTE COLISÃO – EXECUÇÃO – SENTENÇA DE EXTINÇÃO – QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA – NULIDADE. 1) Inexiste colidência de coisas julgadas entre os acórdãos 3.462 e 2.146, ambos transitados em julgado, posto que o primeiro deixou de apreciar, embora pedido pela parte, a matéria sobre as astreintes, a qual foi analisada pelo segundo. 2) A sentença da execução, além debasear-se em acórdão que não havia analisado a matéria, desprezouentendimentodeórgãohierarquicamente superior, bem como as normas procedimentais aplicáveis à espécie, além de declarar a extinção de referida execução sem que houvesse ocorrido a satisfação da obrigação, razão pela qual deve ser considerada nula. 3) Sendo a nulidade questão de ordem pública, deve ser conferido efeito modificativo e infringente aos embargos para prosseguir-se a execução na forma como determinada no Acórdão nº. 2.146. 4) Embargos conhecidos e parcialmente providos. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração n° 2008.90073-5, da Comarca de Rio Branco, ACORDAM os membros da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, por unanimidade, ante a reforma do voto do relator originário, o qual acompanhou o voto vista, apreciando questão de ordem pública nos embargos de declaração, os acolheu e deu-lhes efeito modificativo e infringente, declarando a nulidade da sentença que extinguiu o processo de execução, e determinando o prosseguimento daquela, nos termos do acórdão n.º 2.146 da 2ª Turma Recursal, consoante o voto vista da relatora designada. 529 Acórdão no Recurso Cível n. 2007.900656-9, p. 123 – Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Acre. 564 Revista ESMAC Transitada em julgado, vindo pedido de cumprimento da referida sentença, o demandado vencido foi notificado. E ante a apresentação dos documentos no prazo assinalado, houve sentença reconhecendo o cumprimento da obrigação, extinguindo o processo. Em Recurso Inominado dessa sentença, o Acórdão da Primeira Turma Recursal naquela oportunidade, cassando-a, teve por deferir a pretensão executória da multa diária ao reconhecimento de que não cumprida a obrigação de fazer. Nos termos do Acórdão do Recurso Cível n. 2007.900656-9, veio novo pedido executivo das astreintes. Da decisão deferitória, após liquidação por cálculo aritmético nos termosdadecisãosuperior, a parte executada interpôs mandadodesegurança,oqualrecebeu inexplicável decisão unânime de redução (de R$173.000,00 para R$8.650,00). O argumento do relator, cujo voto serviu de fundamento ao julgado, teve que a decisão que deferiu a execução da multa diária no montante de R$173.000,00 estava apoiada em frágeis e insubsistentes premissas. A contraposição fundante do julgado teve que o valor não era razoável nem proporcional. Era excessivo e absurdo, e que podia ser modificado e reduzido na presente fase. O relator comparou o montante com o poder de compra de bens pelo salário mínimo, e argüiu a regra do art. 461, §6º do Código de Processo Civil e do Enunciado 25 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais.530 O magistrado relator voltou a fazer ressaltar que a fixação por arbitramento judicial da multa diária deve resultar invariavelmente do sentir subjetivo e objetivo do magistrado e não da resolução automática de uma operação matemática que torne o juiz da causa refém de números. De registrar que o arbitramento judicial mencionado certamente não guarda correlação com a forma de liquidação tratada no Capítulo IX do Código de Processo Civil, vinda com a Lei nº 11.232/05. Fez sumarizar que não há falar em trânsito em julgado do acórdão anterior que cassou a sentença reconhecedora do cumprimento da obrigação de fazer, deferindo a execução das astreintes. E que, a qualquer tempo, por autorização expressa do art. 461, §6º do Código de Processo Civil, pode ser modificado o valor efetivado, já que “a multa fixada a título de astreinte não transita em julgado”. Assim foi que, pelo que considerou justo e equânime, arbitrou em R$8.650,00 o montante da multa que deveria ter exigibilidade certa. A parte recorreu da decisão e atualmente ainda não se sabe de decisão posterior e superior quanto a questão. A Terceira Vara dos Juizados Especiais Cíveis da Comarca de Rio Branco tem decidido em linha semelhante a do Segundo Juizado. A guisa de exemplo, consigne-se que, sob os auspícios da proporcionalidade e razoabilidade, nos autos da reclamação n. 070.05.0206559, fez reduzir astreintes efetivadas no valor de R$78.000,00 para R$30.000,00. A Segunda Turma Recursal, entretanto, reformou essa decisão fazendo restabelecer o patamar original (Acórdão 2.007-MS nº 2007.900001-7). Na mesma linha, nos autos da reclamatória n. 070.06.023419-9, a magistrada reduziu igualmente um valor calculado de aproximados R$18.000,00, para R$9.000,00. Mas, julgando mandado de segurança interposto dessa decisão, a SegundaTurma Recursal, através 530 (...) O montante da multa diária de R$173.000,00, apenas para descortinar o seu caráter excessivo, daria para pagar mais de 455 trabalhadores com 01 SALÁRIO MÍNIMO ou, por outra, comprar à vista 02 AUTOMÓVEIS CITROEN C-4 PALLAS e sobrar dinheiro; ou 01 TOYOTA LAND CRUISER PRADO AUT (mais R$1.978,00); 01 TOYOTA/SRW4/SRV/A/T (e sobrar dinheiro), contudo, salta à vista e grita à consciência que o referido montante representa 34.600 vezes o valor atribuído à causa (R$5,00) pelo litisconsorte (...). 565 do Acórdão n. 2.460531, na mesma linha da decisão anterior, teve ser defeso ao juiz reduzir valor de multa efetivada. Volte-se a anotar que não se questiona a possibilidade dessa modificação no que tange a obrigação causa de pedir em si mesma. Porém, no que tange à multa efetivada, por já consubstanciada dívida de valor, a aplicação do art. 461 parece infringir o devido processo. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com muita propriedade, pronunciouse no sentido de que as astreintes são dívidas por quantia certa, independentes em relação à obrigação principal, para elas não havendo limites de valor.532 Nesse mesmo sentido é a recente decisão do Tribunal de Justiça acreano no julgamento do Agravo de Instrumento n. 2008.001029, de Rio Branco – Acórdão n. 5.077, por voto vencedor da Revisora533. O Tribunal acreano asseverou que não se pode admitir o exercício arbitrário das próprias razões do magistrado na hipótese. Ou seja, que qualquer redução das astreintes no 531 MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – ASTREINTES – REDUÇÃO DA MULTA – IMPOSSIBILIDADE –SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Conheço do mandamus, por não haver outro meio cabível para recorrer da decisão judicial, no âmbito dos juizados, quando a parte entende-se prejudicada, por ato ilegal. 2. É cediço que ao magistrado é facultado modificar o valor ou a periodicidade da multa, se verificar que esta se tornou insuficiente ou excessiva, conforme disposto no art. 461, §6º do Código de Processo Civil, desde que em ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. 3. A teor do artigo 475-g, é defeso modificar a sentença que a julgou, sendo pois inconcebível reduzir valor de multa em sentença, o que é cabível somente com relação ao período restável a execução, não podendo retroagir para reduzir valor já concebido. 4. Segurança concedida. (...) 532“A obrigação de fazer ou não fazer fixada em compromisso de ajustamento, caso não adimplida, enseja execução específica, sem prejuízo da multa estabelecida no título, que pode ser cobrada pela via da execução por quantia certa. Não há limite para a fixação da multa, e sua fixação deve ser em valor elevado, para que iniba o devedor com intenção de descumprir a obrigação. O objetivo das ‘astreintes’ é compelir o devedor a cumprir a obrigação e sensibilizá-lo de que vale mais a pena cumprir a obrigação do que pagar a pena pecuniária. Nesse sentido, a ilimitação da multa nada tem a ver com enriquecimento ilícito do credor, porque não é contraprestação de obrigação, nem de caráter reparatório”. 533 VV. PROCESSUAL CIVIL: ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DETERMINANDO A EXCLUSÃO DO NOME DE CLIENTE DOS CADASTROS DE RESTRIÇÃO DE CRÉDITO; FIXAÇÃO DE ASTREINTES, PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL; EXECUÇÃO DA MULTA. 1.- As astreintes não têm qualquer relação com o objeto litigioso do processo, isto é, com o bem da vida pleiteado na demanda, representando, apenas e tão-somente, uma sanção processual, também de caráter dissuasório, com a finalidade precípua de evitar ou prevenir qualquer resistência ilegal das partes, eventualmente oposta ao exercício da função jurisdicional. 2.- Em outras palavras, o seu escopo magno é dissuadir o mau comportamento e a insubordinação das partes, sobretudo das que têm maior poder econômico, que imaginam estar acima da Justiça, cumprindo ou descumprindo as decisões judiciais, de acordo com a sua própria conveniência. 3.- Portanto, as astreintes visam salvaguardar a eficácia subordinante das decisões do Poder Judiciário, sendo imprescindíveis nas obrigações de fazer ou não fazer, pouco importando a vitória ou derrota, ao final da demanda, da parte que delas se beneficiou. 4.- Logo, se a decisão judicial for descumprida, a multa deve ser integralmente paga, e em razão do próprio descumprimento, mesmo no caso de eventual sucesso da parte que preferiu desobedecê-la, por sua própria conta e risco, do que usar os meios próprios para impugná-la. 5.- Se a parte não está satisfeita com a decisão que concede antecipação de tutela ou, ainda, que estabelece uma obrigação de fazer ou não-fazer, cominando pena de multa para o caso de descumprimento, que interponha o recurso adequado, e o Tribunal, reexaminando a matéria, poderá cassar a decisão de Primeiro Grau, liberando das astreintes a parte prejudicada. 6.- Mas não se pode admitir o exercício arbitrário das próprias razões, que é um vilipêndio não apenas à dignidade da Justiça, mas ao direito das partes, não apenas deste processo, mas de todas as demandas judiciais, que precisam ter a certeza de que as decisões proferidas a seu favor serão cumpridas pela parte contrária e, sobretudo, de que deverão cumprir, sob as penas da lei, as que forem contra si proferidas. 7.- Qualquer redução das astreintes, no momento da sua execução, implica em violação ao princípio da segurança jurídica, que confere aos jurisdicionados o direito subjetivo público de exigir do Estado a preservação da autoridade das decisões dos seus tribunais, além de representar uma capitis diminutio à própria força das decisões judiciais, pois seria muito mais cômodo não cumprilas, confiando a parte na impunidade ou, ainda, na eventualidade de um recurso favorável. 566 Revista ESMAC momento de sua execução afeta a dignidade da justiça. A Corte fez esclarecer que as astreintes não têm qualquer relação com o objeto litigioso do processo, representando apenas uma sanção processual. No caso, a multa efetivada alcançou o montante de R$365.000,00, e o relator teve que ela era exorbitante e desproporcional pelo simples fato de a parte obrigada não ter retirado a negativação do credor, determinada pelo Juízo. Marta Helena Baptista da Silva Jung anota que o caráter acessório das astreintes está relacionado com a tutela do bem jurídico que se busca preservar no curso do processo. E que, deferido o pedido em tutela antecipada, a qualquer tempo, seja através de decisão interlocutória, sentença ou acórdão, é fundamental que na fase executória a obrigação se cumpra. E mais. Que o resultado do processo que der origem à imposição da multa desimporta para efeito de exigibilidade da multa efetivada.534 Teori Albino Zavascki, com muita propriedade, ensina que o título executivo, mesmo se consubstanciado em decisão interlocutória, define norma jurídica individualizada, cujo fato gerador é superveniente à relação processual e, por isso mesmo, dá origem a obrigação autônoma e independente da que constitui objeto do processo.535 Registre-se que o Tribunal de Justiça acreano, como já dito linhas atrás, não vincula as astreintes efetivadas e a conseqüente exigibilidade delas ao resultado do processo. Tem que não importa a vitória ou derrota do credor nem do devedor. Quanto ao momento da exigibilidade, após a Reforma do Código de Processo Civil, parece não haver dúvida de que pode se dar no corpo do próprio processo de conhecimento na medida do quantum efetivado. Nos Juizados Especiais Cíveis, conforme Enunciado n. 120, “A multa derivada de descumprimento de antecipação de tutela é passível de execução mesmo antes do trânsito em julgado da sentença”. Não parece haver qualquer objeção quanto a execução das astreintes efetivadas antes mesmo da sentença, em razão de que o cumprimento da sentença – ou de qualquer decisão interlocutória – tem lugar, na atualidade, dentro dos mesmos autos. É como sumarizado no art. 475-I e seguintes, em particular do que extraído do §5º do art. 475-J, ambos do Código de Processo Civil. A lição do Ministro Teori Zavasck é de que o título executivo que autoriza a cobrança da multa é autônomo e independente em relação ao que sustenta a execução da obrigação de fazer ou não fazer. E admite a execução antes mesmo da sentença de mérito, execução esta que será definitiva ou provisória dependendo de estar ou não a decisão que fixa as ‘astreintes’ submetida a recurso.536 O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua 14ª Câmara Cível, no Agravo de Instrumento n. 70005680657, que teve por Relator o Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, ementou que “As astreintes são auto-executáveis nos próprios autos da demanda em que cominadas (...)”. Ante tantas decisões balizadas não é difícil constatar que a seriedade do sistema 534 JUNG, Maria Helena Baptista da Silva, Astreintes – Eficácia e Efetividade – Disponível em: <www.baptistadasilva.com.br/artigos007> Acesso em: 04 abr. 08. 535 Teori Albino Zavasck apud JUNG, Maria Helena Baptista da Silva, Astreintes – Eficácia e Efetividade – Disponível em: <www.baptistadasilva.com.br/artigos007> Acesso: em 04 abr. 08 536 Idem – Ibidem. 567 jurídico brasileiro e a dignidade da justiça exigem integridade, sendo, afinal, nesse propósito a previsão legal das astreintes. Se o juiz descumpre norma legal tangente à matéria, parece comprometer a justiça. Volte-se a lembrar que o Tribunal de Justiça acreano, no Acórdão 5.077, fez anotar no dispositivo do julgado não se poder admitir o exercício arbitrário das próprias razões. Isso, referindo-se ao magistrado que reduz montante de astreintes efetivadas e em fase de exigibilidade. O Tribunal de Justiça teve que decisão desse mote é um vilipêndio à dignidade da justiça, ao direito das partes, e não apenas do processo específico, mas de todas as demandas judiciais que precisam dar às partes a certeza de cumprimento das decisões. De imaginar nesse contexto quando a parte ignora e descumpre a medida determinada sem razão, incorrendo assim em ilícito processual. E o juiz, simplesmente por entender ser desarrazoado, desproporcional e propiciador de enriquecimento sem causa, vem a diminuir o valor exeqüendo da multa já efetivada. Parece mesmo configurar desprestígio e propiciar indignidade à justiça. E estimular que outros ajam de igual forma desidiosa. Pelo menos é assim que professam os Tribunais Superiores, como já exposto linhas atrás. Nessa ótica, razão parece estar com aqueles magistrados que, independentemente da sentença de procedência, façam cumprir o julgado relativo às astreintes na medida exata de seu montante efetivado e apurado. Inclusive antes da sentença, de forma a não permitir que a parte infratora permaneça impune até o resultado final da lide. E, eventualmente, no caso de receber guarida, lograria desonerada do pagamento, e a punição aplicada, assim, restaria sem nenhum efeito prático. Inclusive é nesse sentido a decisão do Tribunal de Justiça acreano no Acórdão n. 5.077. Guilherme Rizzo Amaral, em palestra a respeito das astreintes no Processo Civil Brasileiro, diz ter resolvido estudar as astreintes em razão da perplexidade que lhe tomou, frente as enormes diferenças entre o que se lê, o que se aprende e o que se pratica.537 Iniciou ele a palestra fazendo várias indagações acerca do tema, dentre elas, se a multa fixada na antecipação da tutela, não confirmada pela sentença, continua sendo devida. Se, quando e como pode ser executada, e se pode o juiz reduzir crédito resultante da multa. Antes de responder detidamente a cada uma delas, o ilustre palestrante fez assinalar que “O Código de Processo Civil atual não é o Código de Processo Civil de 1973, ou, pelo menos, não tal qual foi originariamente concebido”. O palestrante prenotou que não bastava trazer a execução de título judicial para dentro do processo de conhecimento, mas conferir ao juiz ferramentas que lograssem eficazes para efetividade e cumprimento da sentença. Uma delas é a multa diária, expõe o autor, de natureza coercitiva, para inibir resistência injustificada às ordens do juiz e proteger a dignidade do Poder Judiciário. O palestrante fez anotar, mencionado o Projeto de Lei n. 3.253, que no sistema pátrio incabível a aplicação de multa periódica nas obrigações de pagar quantia. Ocorre que o mencionado Projeto de Lei resultou convertido na Lei n. 11.232, de 07.12.2005, que exatamente veio impingir multa (não periódica) às obrigações de pagar, tudo na medida do art. 475-J do Código de Processo Civil. Daí, inclusive, é que se solidifica e se confirma que a incidência de multa diária 537 AMARAL, Guilherme Rizzo. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br/.../doutrina/congressodireito processual civil/08.02.2006.doc> Acesso em: 03 abr. 08. 568 Revista ESMAC tratada no art. 461 e 461-A do Código de Processo Civil somente tem aplicação estrita nas obrigações de fazer ou de não fazer e nas de entregar coisa. Obrigações de fazer ou de entregar, que para essa finalidade específica não comportam a abrangência que muitos autores lhes conferem, qual inserindo em seu contexto genérico a espécie obrigação de pagar quantia certa. Volvendo à questão específica da exigibilidade da multa efetivada, e ainda referindo-se à providencial palestra do Professor Guilherme Rizzo, anotem-se as seguintes ponderações. Entendidas as astreintes como medida de proteção à dignidade do Poder Judiciário, mesmo quando a sentença resolve improcedente o pedido do autor e revoga a antecipação da tutela outrora concedida, o crédito relativo às astreintes efetivadas continuaria sendo devido uma vez que houve decisão judicial e a mesma resultou descumprida. Por outro lado, se entendido as astreintes como objeto de promoção da tutela específica do direito do autor, sendo improcedente o pedido e de caráter acessório à multa, o crédito restaria extinto, não podendo ser exigido. Parece ser esta última posição a mais adequada, uma vez que o processo não pode beneficiar aquele que não tem razão. E somente nessa hipótese é que se poderia justificar a inexigibilidade das multas efetivadas e a revogação retroativa dos efeitos da decisão posterior. Sendo resolvido o processo com procedência do pedido, parece evidente, mesmo quando não explícito na sentença, que houve confirmação das decisões interlocutórias versantes da multa, efetivando elas seus efeitos na medida dos valores e tempo relativos à multa fixada. Quando o cálculo da multa efetivada alcança valor estratosférico, caso em que na fase executiva tem levado muitos juízes, sob o argumento da proporcionalidade, razoabilidade e da proibição de enriquecimento sem causa, a reduzi-lo, o palestrante evidenciado lembra que se está na fase de execução. E que embora se admita a redução do montante, que isso não pode se consubstanciar em regra, devendo ser verificadas as circunstâncias caso a caso.538 De convir que o Código de Processo Civil brasileiro não mais acolhe, nem é sustentado tão-somente pelas teorias liebmanianas, muito embora ainda delas releve influência. Com a Lei n. 11.232/05 houve completa mudança do paradigma, e o sistema fez consolidar que a execução é mero prolongamento do processo de conhecimento. As alterações advindas com a Lei n. 10.358/01 e 10.444/02, de igual, fizeram processar alterações no sistema em abandono as Teorias de Liebmam como das que as sucederam e que hoje conferem tratamento ímpar e diferenciado à exigibilidade de crédito decorrente de título judicial. Porém, embora a execução tenha se transmudado em mera fase do processo de 538 (...) I – A disposição contida no §6º, do artigo 461, do Código de Processo Civil não obriga ao magistrado alterar o valor da multa mas, em verdade, confere uma faculdade, condicionada ao preenchimento de um requisito, qual seja, que tal valor tenha se tornado insuficiente ou excessivo. II – Ainda que na hipótese o acórdão recorrido tenha decidido sobre a inviabilidade do exercício daquela faculdade por entender pela existência da coisa julgada, não deixou de considerar sobre a inobservância do requisito, não demonstrada qualquer alteração superveniente da situação fática a justificar a redução do valor arbitrado. (...). REsp 938605/CE. Rel. Ministro Francisco Falcão. Primeira Turma. DJ 08.10.2007. 569 conhecimento e que a definição tenha sido alterada, a sentença não perdeu suas características essenciais. Ou seja, conservou a eficácia que adquire com o trânsito em julgado, e a publicação continuou sendo o marco de cumprimento e finalização do ofício jurisdicional. A norma do art. 463 do Código de Processo Civil só admite que o juiz altere a sentença para lhe corrigir inexatidões materiais ou lhe retificar erro de cálculo e por meio de embargos de declaração para sanar obscuridade, contradição ou omissão. Daí que se a sentença de mérito deu procedência ao pedido, logrou por confirmar eventuais decisões interlocutórias que tenham fixado ou alterado o valor das astreintes. Mesmo não havendo sedimentada qualquer dessas hipóteses, sobretudo quando transitada em julgado e já em fase de exigibilidade do crédito, não parece adequado alterar o montante apurado, pena de infringência à coisa julgada e ao devido processo legal. Convenha-se que a sentença que resolve o mérito da lide é definitiva. E se resolve a lide, conferindo procedência à pretensão, configura condenação, e é por si só auto-suficiente à exigibilidade em execução, do montante liquidado. Aliás, a sentença condenatória serve instrumentalmente a permitir a instauração da atividade executiva, mas a execução é exterior à sentença condenatória. Tenha-se em conta que o primeiro momento lógico da sentença refere-se à obrigação, enquanto o segundo, o propriamente condenatório, é o que impõe ao réu o cumprimento de um dever jurídico. Este pode ser de dar, de fazer ou de não fazer. E conforme seja a natureza da condenação é que se delimitam as obrigações que exigem coerção para ter efetivado o objeto da condenação. Ou podem ser executadas prontamente, como é o caso da obrigação de pagar, cuja única multa incidente é a de 10% prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil, ou contêm mandamentos – e essa é sua natureza específica -, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa. Nas decisões (sentenças) mandamentais, por expressa autorização de lei (art. 461 e 461-A do Código de Processo Civil), é que o juiz pode fazer incidir, diminuir ou aumentar a multa cominatória até que a obrigação seja adimplida ou convertida em perdas e danos. Mas nem assim, com relação às multas efetivadas, em face de tudo que exposto, parece ser possível a ingerência do juiz no montante efetivado. Até porque inexiste sentença de mérito na fase de execução do julgado. A fase executiva tem regras próprias, e no caso específico citado não haverá oportunidade ao juiz de alterar ou modificar decisão anterior ou sentença. Apenas em decisões interlocutórias e com efeito ex nunc pode fazê-lo. A execução, afinal, só se extingue por sentença declaratória nas hipóteses dos arts. 794 e 795 do Código de Processo Civil. Volte-se a anotar que as obrigações de fazer e de não fazer encerram um fato, enquanto as obrigações específicas de pagar encerram uma obrigação pura e simples. O objeto da obrigação de pagar não é ato do devedor, mas o bem jurídico que através da prestação o devedor está obrigado a outorgar ao credor. Nas obrigações de fazer e de não fazer, o objeto é a atitude do obrigado e, portanto, da relação jurídica. Sem demanda quanto a oportunidade de exigência das astreintes, em prestígio ao teor das decisões judiciais, parece indiscutível dever incidir desde o momento em que veri570 Revista ESMAC ficada a desobediência à ordem. E até que venha ser modificada ou alterada, quando então passa a ter incidência o novo valor prefixado. Ou quando transformada a obrigação em perdas e danos, ou cumprida ela a custa de terceiros ou do próprio devedor. A doutrina também, como posto linhas atrás, já fez sedimentar que a multa diária deve ser fixada em valor exorbitante e desproporcional ao valor do direito posto em causa, e tão somente em função da capacidade econômica do devedor de modo a coerctá-lo a satisfazer a prestação. Convenha-se que embora no Código de Processo Civil não haja regra específica, à semelhança do que tratado no Código Tributário Nacional, a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), em seu art. 12, §2º, estabelece que a multa é devida desde o dia em que configura o descumprimento do dever jurídico de fazer ou não fazer. Disciplina que tem inteira aplicação aos processos regidos no Código de Processo Civil, conforme lição de Eduardo Talamini.539 Daí parece lógico que vencido o prazo dia por dia, a multa torna-se exigível convolando-se em obrigação de pagar. Afinal, todas as mudanças efetivadas no Código de Processo Civil não tiveram senão o escopo de dar maior efetividade ao processo, garantir o acesso a justiça justa e propiciar composição célere da lide. Em suma, o direito do credor em receber a multa vencida parece inibir o juiz de modificar-lhe o valor na fase executiva. Mesmo porque a multa fixada, embora possa sofrer modificações ao longo da fase de conhecimento, exige demonstração lógica da insuficiência ou excessividade, e sempre em função e em relação à postura do devedor quanto ao cumprimento da obrigação. E essas modificações só se operam ex nunc. Demais disso, a preclusão, a coisa julgada e o processo legal, enfim, inibem postura similar na fase de cumprimento do julgado. Ao juiz, desse modo, não parece possibilitado, sem razão efetiva, alterar o valor e a periodicidade das astreintes. Muito menos quando já efetivadas, ou fazendo retroagir os efeitos de novel decisão, ou, ainda, sob o espectro de excessividade e desproporção, lançar decisório que subtraia do credor o direito à percepção do montante integral consumado, a toda evidência, dívida líquida, certa e exigível. 539 TALAMINI, Eduardo. Disponível em: <www.ambito-jurídico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_ leitura&artigo_id=2280–53k> Acesso: em 03 abr. 08. 571 3. O JUIZ E A FASE DE EXECUÇÃO. 3.1. Características essenciais da execução A Constituição brasileira consagra o devido processo legal no art. 5º, LV, no qual restam inseridos, dentre outros, o princípio da legalidade, o princípio da igualdade, o princípio do juiz natural, o princípio da independência e da livre convicção do juiz, o princípio de acesso a justiça, o princípio do contraditório e da ampla defesa, próprios e aplicáveis ao processo de execução. E emerge do Código de Processo Civil, destacados pelos doutrinadores, o princípio da efetividade da execução forçada e o princípio do desfecho único, aqui enfocados por sintonizantes com o tema. Consectário do devido processo legal é o contraditório e a ampla defesa conseqüente, que devem ter lugar e observância em qualquer procedimento pena de invalidade de todos os atos desenvolvidos em qualquer espécie de processo. 3.1.1. O Contraditório e a defesa No processo de execução de título extrajudicial, mesmo após as reformas do Código de Processo Civil, a lei conservou os embargos do devedor (art. 736 do Código de Processo Civil). Embargos com natureza de ação de conhecimento incidente ao processo de execução, através do qual o executado se defende contra a execução ajuizada, buscando uma sentença que a extinga.540 Já no tangente à execução de título judicial, hoje transmudada a fase do processo de conhecimento, a reforma, substancial em sua inteireza, em substituição aos embargos, trouxe previsão de Impugnação (art. 475-L do Código de Processo Civil). O instituto não tem natureza de ação de conhecimento incidente como os embargos à execução, traduzindo-se em simples exercício do direito de defesa simplificada contra a fase de cumprimento da sentença. A resistência que se pode expressar via da impugnação é direcionada tão-somente aos atos executivos propriamente, processando-se de regra nos próprios autos e dispensando citação. A impugnação, segundo regra do art. 475-L do Código de Processo Civil, só pode versar sobre a falta ou nulidade da citação no processo de conhecimento se correu ele à revelia, sobre a inexigibilidade do título, a penhora incorreta ou avaliação errônea, a ilegitimidade das partes, excesso de execução ou em qualquer causa superveniente à sentença que possa impedir, modificar ou extinguir a obrigação. Ainda que sejam transposições literais da versão original do art. 741, o processamento da impugnação é simplificado em relação ao dos embargos. E como se pode conferir, 540 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 7. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2008. p. 1048 572 Revista ESMAC apenas a citação é correlata à fase de conhecimento. Pode-se concluir daí que a impugnação não tem o condão de discutir matéria já decidida pela sentença, só podendo versar acerca de matéria atinente e específica ao próprio cumprimento do julgado. Essa a medida do contraditório e da ampla defesa na execução de título judicial ou, segundo a novel denominação, na fase de cumprimento da sentença. Importante consignar que a impugnação é resolvida por decisão impugnável por agravo de instrumento (art. 475-M, §3º). Somente resolvível por sentença quando depurada alguma causa que leve à extinção do processo executivo, quais nas hipóteses previstas no art. 794 do Código de Processo Civil. Nesse contexto, o julgamento da impugnação depende apenas do seu efeito sobre o processo. Ou seja, se das matérias alegadas resultar aferido que o processo deverá ter continuidade, a impugnação se resolve por decisão interlocutória. Se restar reconhecido, de outro lado, alguma causa que leve à extinção, isso se declarará por sentença nos termos dos arts. 794 e 795 do Código de Processo Civil. Deve ser anotado que a impugnação apenas excepcionalmente tem efeito suspensivo, e que segundo regra do art. 475-G do Código de Processo Civil, é defeso, na liquidação, discutir de novo a lide ou pretender modificar a sentença que a julgou. A liquidação não é mais nem menos senão o ato de tornar líquido o valor não determinado na sentença. É procedimento seguinte à emissão da sentença ou do acórdão, por meio do qual, quando nos decisórios não estiver determinado o valor devido para efeito de exigibilidade, permite-se o preenchimento do requisito de liquidez do título executivo a viabilizar a instauração da fase de cumprimento do julgado.541 O Capítulo IX, que trata da liquidação, inserido no Código de Processo Civil pela Lei n. 11.232/05, ao tempo em que permite que a parte elabore e apresente a memória de cálculo, também permite o juiz valer-se do contador do juízo sem embargo da liquidação por arbitramento e por artigos quando for a hipótese. Sendo as astreintes efetivadas dependentes apenas de cálculo aritmético, a regra aplicável dispensa – aliás, inibe – as duas últimas modalidades, tal que a impugnação quanto ao montante apresentado ou calculado cinge-se ao excesso eventualmente estampado na memória apresentada pelo credor ou no cálculo do contador do Juízo. Tanto que o art. 475-A, §1º, dispõe que o devedor deve ser intimado do requerimento de liquidação da sentença. E o §4º do art. 475-B, que se o credor não concordar com os cálculos feitos pelo contador do juízo, a execução se processa pelo valor originariamente pretendido. Sendo as partes legítimas para a fase executiva e não havendo nulidade de citação, a exigibilidade do título (da sentença ou do acórdão) depende apenas da liquidação, uma vez que a execução provisória se processa nos mesmos termos da definitiva. Quanto às outras causas de defesa passíveisdeseremargüidasnaimpugnação,nãodizemelasrespeitoaomontanteexeqüendoemsi, significando dizer que quanto a ele, salvo erro ou excesso manifesto, não há irresignação cabível. Essa a medida do contraditório e da defesa na execução de título judicial e na fase de cumprimento do julgado, independentemente de ser provisória ou definitiva. 541 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 7. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2008. p. 498/499.. 573 3.1.2. A efetividade e o desfecho único Araken de Assis, in Manual do Processo de Execução, leciona que toda execução deve ser específica, e que consiste ela na busca de entrega rigorosa do bem perseguido ao exeqüente, objeto da prestação inadimplida.542 Ou seja, a execução é limitada ao seu objeto, à obrigação textualizada no título. Essa a exata medida do princípio da efetividade da execução forçada, que consiste em que deve visar em dar a quem tem o direito exatamente o que o indivíduo tenha o direito de conseguir. Mais especificamente, em se tratando de astreintes efetivadas, ao montante do valor apurado em liquidação por mero cálculo aritmético, ou o exato quantum já assinalado no corpo da sentença. A execução é específica nesse particular, e consiste tão-somente em compelir o devedor a pagar o valor da multa efetivada decorrente de inadimplemento ou mora de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa. Consectário do princípio da efetividade da execução forçada é o princípio do desfecho único. O princípio da efetividade da execução encerra desfecho único conforme o bem perseguido pelo credor. E o único fim normal da execução, ou seja, o único desfecho que dela se espera, é a satisfação do crédito exeqüendo, muito embora possa ser encerrada de outras formas anômalas. Segundo regra do Código de Processo Civil, art. 794, a execução é extinta quando o devedor satisfaz a obrigação, quando o credor renunciar ao crédito, quando é concedida remissão total da dívida, ou for ela objeto de transação. A satisfação da obrigação é o desfecho único mencionado na medida do objetivo da execução. Porém, nada impede que o credor renuncie ao crédito, que haja auto-composição bilateral ou perdão da dívida. Não há regrado qualquer ingerência do juiz, a não ser declarar nessas hipóteses a extinção da execução Quanto à forma primeira, própria de desfecho da execução, é ela discriminada no Código Civil brasileiro, sendo de anotar que as demais formas nele previstas quanto a extinção das obrigações, salvo a remissão e o perdão, não figuram como hipóteses de extinção da execução. A satisfação da obrigação mencionada no art. 794-I do Código de Processo Civil, na execução por quantia tem lugar, segundo norma do art. 708 do mesmo codex, pela entrega do dinheiro, pela adjudicação dos bens penhorados ou pelo usufruto de bem imóvel. Diferentemente, na execução de obrigação de fazer a satisfação da obrigação somente resta configurada pelo cumprimento do julgado pelo devedor, ou seja, por um facere. Ou pela execução da obrigação por um terceiro (art. 632 e 633 do Código de Processo Civil). Em qualquer dessas modalidades, o processo de execução se extingue na forma 542 ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 2002, p. 116. 574 Revista ESMAC do art. 794-I do Código de Processo Civil, porque o provimento satisfativo da obrigação foi alcançado mediante a realização concreta do direito consagrado no título executivo.543 Daí que a sentença declaratória de extinção da execução só pode ser confeccionada quando verificada a ocorrência de alguma das causas citadas como meio hábil a extinguir a execução. Convenha-se que satisfazer a obrigação, em relação às astreintes efetivadas, diz respeito ao montante do valor calculado dia por dia. A efetividade da satisfação do crédito exeqüendo nos termos da lei (art. 794 do Código de Processo Civil) é que enseja o proferimento de uma sentença declaratória de finalização da relação processual pendente entre o exeqüente e o executado.544 Essa sentença não encerra nenhum provimento, muito menos satisfativo da obrigação, mas configura mero ato formal declaratório de encerramento do processo. Importante anotar que, com a reforma do Código de Processo Civil através da Lei n. 11.232/05, o conceito de sentença restou definido como o ato do juiz que implica resolução ou não do mérito da lide (art. 162, §1º). Na execução de título judicial inexiste lide, mas tão-somente a busca de efetividade da sentença oriunda da lide. Portanto, inexiste resolução de mérito, mas apenas reconhecimento de que ocorreu causa de extinção da execução (ou não, quando o processo for extinto por outra causa). De mais a mais, tratando-se de título judicial, embora não suprimido de todo o processo próprio de execução, a exigibilidade de obrigação decorrente de sentença condenatória ou mandamental é mera fase do processo de conhecimento, intitulada“Cumprimento da Sentença”, na forma disposta nos arts. 475-I a 475-R. O texto anterior do art. 162, §1º, do Código de Processo Civil, ditava que a sentença era todo ato pelo qual o juiz punha termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. Até aí poder-se-ía admitir que a sentença plasmada no art. 795 do Código de Processo Civil pudesse gerar incursão em dúvida quanto a natureza do ato, no sentido de que o juiz pudesse ater-se a mérito de execução de título judicial. Porém, após as novéis reformas, parece restar claro que não havendo lide, mas apenas fase de cumprimento da sentença (quanto aos títulos judiciais), sentença de fato não é a que extingue a execução por reconhecer qualquer das hipóteses do art. 794 do Código de Processo Civil. Assim, se antes pudesse se admitir que o juiz, na execução de astreintes efetivadas, pudesse modificar o valor exeqüendo, calculado dia por dia de incidência, atualmente essa possibilidade inexiste à luz das regras reformadoras do Código de Processo Civil. Pagamento, assim, só se tem caracterizado quando a satisfação do crédito vier na medida do valor exato apurado. E sem pagamento nesses termos não parece adequado declarar extinta a execução. Muito menos, o juiz, de ofício, sob o argumento de enriquecimento sem causa e desproporcionalidade, retirar unilateralmente do credor direito ao crédito e à obrigação integral. De considerar que até os títulos extrajudiciais têm exigibilidade autônoma. O título 543 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 7. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2008. p. 1336. 544 Idem – Ibidem. p. 1337 575 de crédito cambiário ou cambiareiforme expressa obrigação exigível no seu vencimento, tanto que passível de execução própria. O credor de obrigação consignada em título de crédito não necessita promover prévia ação de conhecimento para convertê-lo em título judicial. Os títulos de créditos são definidos como títulos executivos extrajudiciais (Código de Processo Civil, art. 585, I), possibilitando a execução imediata do valor devido. E o juiz nessa hipótese – pelo menos não se tem conhecimento – não diminui o valor exeqüendo sob fundamento de excessivo ou desproporcional. A não ser em julgamento de embargos do devedor quando apreciar a matéria disposta no art. 745, V, do CPC, não contemplada na impugnação. Vivante conceitua título de crédito como o “documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado”.545 A sentença é também um título (judicial), que se não exterioriza crédito líquido, sumariza sua certeza. A liquidez depende apenas de liquidação na forma prevista no Código de Processo Civil para então se tornar executável. Convenha-se que o Código de Processo Civil traz como requisitos necessários para qualquer execução apenas o inadimplemento do devedor (art. 580) e o título em si, líquido, certo e exigível (art. 586). Se o título de crédito tem autonomia e literalidade para efeito de exigibilidade do valor nele consignado, a sentença, por evidente, muito mais consubstancia-se em ato irrefutável de certeza e exigibilidade. O pagamento, assim, deve ser, também, no valor que da sentença ou da decisão resultar apurado. A extinção da execução, declarada por sentença, parece só ser devida, então, quando esse exato valor resultar pago. E desimporta o montante do valor exeqüendo, bastando tão-somente que tenha ele causa que o justifique. Justa no sentido de ter cobertura da lei como é o caso previsto nos arts. 461, 461-A e 645, do Código de Processo Civil. Quer dizer que se há na lei subsistência do enriquecimento é porque há reconhecimento de justa causa para o empobrecimento. O injusto, a falta de causa, enfim, somente se sustenta quando houver oposição entre a aquisição da vantagem e a legitimidade de sua manutenção. 546 Como lecionado por Orlando Gomes, quando a vantagem se funda em dispositivo de lei ou em negócio jurídico anterior, o enriquecimento tem causa justa.547 No caso das astreintes efetivadas, a culpa do empobrecido deve ser verificada em relação ao descumprimento da ordem judicial que as fixou. Portanto, se o valor calculado alcança volume, não se é creditar ao credor a causa, mas tão-somente à inércia e à desídia desvelada do próprio devedor que deixou protrair e efetivar as astreintes dia por dia. De outro lado, tão-somente em função do valor, não parece adequado buscar guarida para diminuir na fase de exigibilidade as astreintes efetivadas ao fundamento da propor545 Vivante apud COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 17 ed. rev. e atual. de acordo com a nova Lei de falências. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 233. 546 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. O enriquecimento sem causa do novo código civil brasileiro. Professor Doutor em Direito da Universidade de Lisboa/Portugal. 547GOMES, Orlando. Obrigações. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 250. 576 Revista ESMAC cionalidade e razoabilidade. Analisando e adaptando os elementos ou sub-princípios específicos frente ao caso concreto de uma execução de astreintes efetivadas, a situação aflora-se da seguinte forma. Pertinente lembrar inicialmente que a execução é meio posto a disposição do credor de qualquer espécie de obrigação não satisfeita voluntariamente. A execução, assim, das astreintes efetivadas, é meio hábil de ver o valor referente às elas devidamente satisfeito. Naturalmente que só se chega a uma execução quando há mora ou inadimplemento, ou seja, escusa de satisfação espontânea da obrigação. A finalidade, ou o fim propriamente dito é, valendo-se do meio legal (execução), obter o pagamento do valor apurado em liquidação ou já expressado na sentença ou nas decisões interlocutórias do processo. Parece claro restar verificada a adequação entre o meio e o fim. Quanto à necessidade, considerando que no Ordenamento Jurídico há disposição quanto aos títulos exeqüíveis, que há previsão do meio executivo para o pagamento resistido de obrigação e que não há exigência de qualquer medida extrajudicial como pressuposto e requisito da execução senão a mora ou o inadimplemento, afigura-se elemento legal a própria via executiva para o alcance da satisfação da obrigação. Quanto à suavidade do meio executivo, inserido na necessidade, pode ser ela traduzida no que se chama modo menos gravoso para o executado. A própria lei nesse particular limita a penhora sobre determinada categoria de bens e, na execução fora dos autos principais ou de título extrajudicial, confere prazo ao devedor para cumprimento espontâneo da obrigação. Bruno Marini, usando ditado popular e com base em posições doutrinárias, diz que a necessidade do meio pode ser comparada com a utilização de um“canhão para matar um passarinho”, que equivale à utilização de uma limitação grotesca para se resguardar uma finalidade. 548 Não é demais lembrar que com a reforma do Código de Processo Civil, na execução de títulos judiciais deixou de haver exigência de nova citação, determinando-se pronta penhora. Esse procedimento já era adotado nos Juizados Especiais quando a parte já houvesse sido intimada da sentença condenatória (art. 52, IV, da Lei n. 9.099/95). Os Juizados Especiais Cíveis, via do Enunciado 14 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais - Fonaje, levam à constrição bens guarnecedores da residência do devedor não essenciais a habitabilidade.549 Anote-se que após a Reforma do Código de Processo Civil o devedor passou a ser instado a oferecer bens passíveis de garantir o crédito exeqüendo, e a Lei Pátria é recheada de normas que revelam fraude à execução, notadamente se o devedor aliena bens sem reserva a garantir obrigações anteriores. Enfim, tudo converge na direção de satisfação da obrigação. Com relação ao montante apurado das astreintes efetivadas, não parece apropriado, por entendido astronômico, compará-lo com um canhão em relação ao valor da obrigação principal (o passarinho), uma vez que as astreintes têm natureza diversa da obrigação que lhe 548 MARINI, Bruno. O princípio da proporcionalidade como instrumento de proteção do cidadão e da sociedade frente ao autoritarismo . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1376, 8 abr. 2007. Disponível em: http://jus2.uol.com. br/doutrina/texto.asp?id=9708>. Acesso em: 04 abr. 2008. 549 Os bens que guarnecem a residência do devedor, desde que não essenciais a habitabilidade, são penhoráveis – Fórum Nacional dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 577 deu causa. Importa dizer que a redução das astreintes efetivadas na fase executiva, sob o argumento da desproporcionalidade do valor, ou melhor, do vulto da importância, se não analisados os elementos do princípio, parece configurar abuso intolerado. As astreintes efetivadas, independentemente da obrigação que as gerou, restaram convertidas em dívida de valor, daí porque, independentemente do montante que alcançarem, segue regra de execução por quantia certa, descabendo qualquer ingerência do juiz quanto a modificação do montante exeqüendo. Convenha-se que as astreintes se efetivam por decisão alcançada pela preclusão quanto ao valor do que se efetivou. O art. 471 é textual quanto a que nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas a mesma lide, com ressalva apenas da modificação da relação jurídica continuativa e em outros casos previstos em lei como é o caso, p.ex., da ação condenatória em alimentos e do restabelecimento da sociedade conjugal antes do divórcio. 3.2. Do Princípio da Proporcionalidade e da Razoabilidade No Brasil, embora não explícito na Constituição, a proporcionalidade tem sido erigida à categoria de princípio fundamental utilizado como se comportasse extensão da razoabilidade. Nessa direção tem decidido o Supremo Tribunal Federal, que baseia a associação ao substantive due process americano. No Direito Pátrio, a proporcionalidade e a razoabilidade são analisadas em sinonímia, cuja invocação, se não se dá quase sempre como mero recurso de prestígio ao interesse público (topos), é com caráter meramente retórico. É assim, sem análise sistemática, que inúmeras decisões têm expressado a proporcionalidade como meio de conter o que considerado abusivo em sentido subjetivo e abstrato. Essa subjetividade e abstração, sem fundamentos lógicos e consistentes, quer dizer, fundada a decisão em mera retórica sem demonstração do conteúdo informador do princípio na hipótese concreta, parece não ter o condão de produzir qualquer efeito, primeiro porque é exigência constitucional a motivação de todas as decisões. Depois porque a proporcionalidade, como regra ou como princípio, exige a aparente colidência de interesses legítimos das partes, de modo imponha ao julgador o aquilatamento de ambos para, então, compatibilizálos ou conferir relevo ao direito em prevalência. Como lecionado por Luiz Virgílio Afonso da Silva, se o direito brasileiro assemelha a regra da proporcionalidade com a razoabilidade, justificando o princípio da exigência constitucional do devido processo legal,“acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, (...)” e qualifica-se “como um parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais”.550 Segundo Hely Lopes Meirelles, esses princípios tratados no Brasil como equiva550 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de 2002, p. 32. 578 Revista ESMAC lentes e consentâneos, são chamados de princípio da proibição de excesso, que, em última análise objetiva, visa aferir a compatibilidade entre os meios e os fins de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas.551 O autor sedimenta que “a razoabilidade não pode ser lançada como instrumento de substituição da vontade da lei pela vontade do julgador ou do intérprete, mesmo porque ‘cada norma tem uma razão de ser”.552 A razoabilidade envolve a proporcionalidade, diz o autor, anotando ele que não é conforme a ordem jurídica a conduta decorrente de critérios personalíssimos. No que interessa ao presente trabalho, sob argumento de excessivo o valor encontrado em liquidação, e por mera citação retórica de que escudo tem no princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, sem nenhum critério o montante das astreintes efetivadas em fase de cumprimento do julgado tem sofrido diminuição. De consignar em primeiro plano que nenhuma decisão judicial pode refugir dos argumentos lógicos e de uma fundamentação consistente, do que se pode asseverar que as que se fundam apenas na retórica, sem demonstração do conteúdo informador do princípio na hipótese concreta, não se amolda à exigência constitucional preconizada no art. 93, inciso IX da Carta Magna cidadã. Num segundo momento, é preciso ter em conta a relação entre regras e princípios quando se adota o conceito de princípio jurídico em contraposição ao conceito de regra jurídica.553 Regras, segundo Alexy, expressam deveres definitivos e são aplicadas por meio de subsunção. Princípios, por seu turno, expressam deveres prima facie, cujo conteúdo definitivo somente é fixado após sopesamento com princípios colidentes. Alexy definiu princípios como“normas que obrigam que algo seja realizado na maior medida possível de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas” sendo, assim, mandamentos de otimização.554 Inobstante a classificação de Alexy, pode-se já concluir que o princípio da proporcionalidade, como anotado por Luiz Virgílio Afonso da Silva, não é um princípio em sentido estrito, mas uma regra cuja forma de aplicação submete-se à subsunção ainda que considerado como dever.555 Luiz Virgílio propõe como termo apropriado “regra da proporcionalidade”, o que não retira, aliás impõe, a subsunção. Ainda que a proporcionalidade se refira à proibição de excesso, de convir que ela não é utilizada simplesmente como mecanismo de controle de excesso dos poderes, mas como instrumento contra a omissão ou ação insuficiente do Estado. Significa dizer que a aplicação da proporcionalidade não guarda sintonia com a propagada proibição de excesso, e do que parece refulgir, sobretudo quando inexiste parâmetro para o que configura excessivo, que inexiste regra de proporcionalidade a ser aplicada sob esse argumento na fase de execução de astreintes efetivadas. A regra de proporcionalidade (como princípio) nasceu como dogma no direito 551 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26ª ed. São Paulo, Ed. Malheiros, 2001, p. 86 552 ANTUNES, Carmem Lúcia, apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26ª ed. São Paulo, Ed. Malheiros, 2001, p. 87. 553 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de 2002, p. 25/26 . 554 Idem – Ibidem, p. 25. 555 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de 2002, p. 25/26. 579 alemão tão-somente dirigida ao controle da constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Equivale ao princípio da razoabilidade do direito americano. Na Inglaterra, apesar de muitos afirmarem ter sido a Magna Carta de 1.215 a primeira fonte do princípio da razoabilidade, diz ela de princípio da irrazoabilidade implicando meramente na rejeição dos atos irrazoáveis, inclusive qualquer decisão judicial. Na Inglaterra, em verdade, como anotado por Luiz Virgílio, somente a partir de 1998, com o debate acerca da adoção do Human Ritghts Act, é que a regra da proporcionalidade passou a ser desempenhada ao lado do princípio da irrazoabilidade.556 Disso, inclusive, decorre a sustentação de não serem sinônimos proporcionalidade e razoabilidade, muito embora no Brasil a tendência seja esta sob o argumento de influência germânica. Registre-se que no direito alemão a regra da proporcionalidade nem é uma simples análise da relação meio-fim, nem uma simples pauta que sugira a razoabilidade de todos os atos estatais.557 Tem“uma estrutura racionalmente definida, com subelementos independentes – a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito -, que são aplicados em uma ordem pré-definida”. Esses subelementos, segundo Wilson Antônio, funcionam como indicadores de mensuração do princípio da proporcionalidade e, por não se ter por definidos os indicadores de mensuração do princípio da razoabilidade, no aspecto estrutural e em forma de aplicação a regra da proporcionalidade não tem a mesma origem do chamado princípio da razoabilidade.558 É por isso também que a mera citação da proporcionalidade, sem nenhuma referência a processo racional ou de efetiva comparação entre os fins almejados e os meios utilizados, tem sido entendido pelos estudiosos como simplista e mecânico e, por essa razão, fragilizada sua aplicação e admissibilidade. Parece evidente que a exigência da razoabilidade baseada no processo legal substancial não tem outra tradução senão na exigência de compatibilidade entre os meios e os fins do ato estatal. Como lecionado por Luiz Roberto Barroso, está na exigência de compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins por ele visados, bem como na aferição da legitimidade desses fins. A primeira, segundo o autor nominado, é que expressa a razoabilidade interna, enquanto a segunda a razoabilidade externa. E do que, segundo Luiz Virgílio, faz nítida a não identidade da razoabilidade com a proporcionalidade. O motivo, segundo o autor, assenta-se no fato de o conceito de razoabilidade corresponder apenas à primeira das três sub-regras da proporcionalidade, qual seja a exigência de adequação.559 Daí porque, apesar da equivalência entre um e outro pela jurisprudência pátria, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, parece imprópria a sinonímia. No entanto, mesmo para os que consideram a razoabilidade como sub-regra da proporcionalidade, prejuízo 556 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de 2002, p. 29 557 Idem – Ibidem, 30. 558 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de 2002, p. 30-31. 559 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de 2002, p. 29 580 Revista ESMAC nenhum resultará se bem analisada sua incidência e aplicação no caso concreto. Assim, qualquer seja o entendimento que se tenha a respeito de uma ou de outra, a questão relevante centra-se na verdadeira análise frente ao caso concreto. A razoabilidade sempre será relacionada ao aspecto qualitativo da relação meio-fim. A proporcionalidade diz respeito à questão quantitativa, ou seja, se o meio escolhido não comporta excesso. Bom de frisar que para a invocação do princípio ou regra em comento exigível a colisão de direitos fundamentais, sem o que a mera alegação de razoabilidade e de proporcionalidade não expressa relevo nem análise e aplicação concreta. Ao contrário, é a própria decisão desse teor que parece requerer a análise sob o foco desses princípios, uma vez que o maior ancoradouro da aplicação deles é afastamento do arbítrio estatal. A regra da proporcionalidade, conforme Gilmar Mendes e Suzana de Toledo Barros, que entendem conter em si a razoabilidade, exige análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Não apenas mera citação ou retórica quanto a aplicação, com exigência mesmo de análise dessas regras na ordem predefinida e de subsidiariedade entre si. Ou seja, da análise dos atos estatais, quer seja quanto ao excesso de poderes, quer seja quanto a omissão ou quanto a ação insuficiente dos poderes estatais. A análise da adequação precede à sub-regra da necessidade, e esta por sua vez ao da proporcionalidade em sentido estrito.560 Essa ordem de importância inafastável vincula o juiz, notadamente quanto à análise da abusividade de determinado ato estatal. Não que tenha de superá-las uma a uma, mas de buscar resolver a situação de forma que comprovada uma das subseqüentes regras. Basta que uma reste comprovada para se ter por prejudicada a análise das demais. E, conseqüentemente, para a aferição e constatação quanto à impossibilidade de aplicação do princípio da proporcionalidade. Melhor explica Luiz Virgílio. Segundo ele, “com subsidiariedade quer-se dizer que a análise da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com a análise da adequação”. E assim sucessivamente, tal que “a análise da proporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível se o problema já não tiver sido solucionado com as análises da adequação e da necessidade”.561 Adequar não seria apenas o meio “com cuja utilização o objetivo é alcançado, mas também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, (...)”. A proporcionalidade, estando ligada à idéia de adequação do ato estatal, numa simetria com a questão objeto do presente trabalho, leva à perquirição da adequação das normas procedimentais do Código de Processo Civil quanto à forma de cumprimento do julgado que fixou as astreintes. O meio previsto visa a que o comando judicial tenha alcance efetivo, qual seja, após a liquidação, também pelos meios legalmente previstos no Código de Processo Civil, leve o credor a perseguir a satisfação de seu crédito. O cerne do julgado não é outro senão a condenação do desidioso nas penas moratórias então fixadas. Então, se não há cumprimento espontâneo da obrigação, impõe-se sacramentar o cumprimento do julgado para o alcance do fim desejado pelo Estado ainda que esse objetivo possa não ser completamente realizado. 560 MENDES, Gilmar Ferreira e BARROS, Suzana de Toledo apud SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de 2002, P. 33 561 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de 2002, p. 34. 581 Mas essa não realização não guarda correlação com a adequação em si do meio que o Estado pôs a disposição do credor. Guarda sintonia tão-somente com o meio (execução strictu sensu do julgado) para alcance de efetividade do julgado. Esse tem sido o entendimento de grandes estudiosos, ou seja, de que uma medida estatal é adequada quando o seu emprego faz com que o objetivo legítimo pretendido seja alcançado, ou pelo menos fomentado. 562 Pode-se dizer, assim, que o desencadeamento da fase de cumprimento do julgado (medida) somente poderia ser considerado inadequado se não contribuísse em nada para a realização do objetivo pretendido pelo credor das astreintes efetivadas. Muito mais pelo objetivo do próprio julgado, condenatório ao pagamento de valor, pela desídia do devedor, ao credor. Em suma, a aferição da sub-regra da proporcionalidade relativa à adequação só se pode limitar ao exame de aptidão da medida para alcance dos fins ou objetivos visados. Desse modo, conferida a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito logram inexigentes de aferição, dado o caráter subsidiário dessas sub-regras. Se a adequação resta confirmada, pois, desnecessária a análise da necessidade, e muito mais da proporcionalidade em si, do que ressai afirmativo ser o ato estatal não abusivo e, portanto, não se havendo falar em regra de proporcionalidade. Muito menos de dever de otimização que possa afastar a subsunção do “tudo ou nada” de Alexy, da regra procedimental própria.563 A “dimensão de peso” da proporcionalidade não tem lugar de aplicação na hipótese ainda que se admita a prevalência do princípio, porquanto a regra válida e a conseqüência normativa são correlatas e não colidentes. Ainda que abstratamente a necessidade exija incursão de análise, porque reconhecido inadequado o meio para atingimento dos fins, o primeiro questionamento que se põe é qual direito está sendo limitado pela medida. Isso porque o princípio, ou a regra da proporcionalidade, exige confrontação da prevalência dos direitos fundamentais antagônicos das partes. No plano de exigibilidade das astreintes efetivadas, inquestionável que aquele que sofreu os efeitos da desídia é o credor do resultado material da coerção. Mais simplificadamente dizendo, do valor que o juiz fixou pelo inadimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer. A lei limita a desídia exatamente impondo astreintes. Se a parte a quem foi dirigida a ordem preferiu descumpri-la, desde o início esteve ciente de que o resultado disso seria a afetação de seu patrimônio. É de perquirir que direito fundamental do devedor está sendo afetado com a exigibilidade das astreintes efetivadas pelo meio adequado previsto no Código de Processo Civil. Não parece lógico nem adequado referir-se à excessividade do montante alcançado para se dizer necessária e adequada a aplicação da proporcionalidade, até porque inexiste no Ordenamento Jurídico Pátrio qualquer regra limitativa quanto a este fator. Nem regra que garanta ao devedor o direito a pagar menos do que deve. Muito mais quando se trata de 562 Martins Borowski apud SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de 2002, p. 36. 563 ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 4, Julho, 2001. p. 14. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 14 de agosto de 2008. 582 Revista ESMAC parte desidiosa,normalmente alicerçada de grande poderioeconômico-financeiro,cujovalor alcançado não lhe provocará indignidade. E muito mais quando não cumpre espontaneamente a obrigação cuja necessidade aflora, fazendo exsurgir a sub-regra da necessidade de valer-se o credor do meio adequado da instauração da fase de cumprimento do julgado. Assim, a resposta específica que se obtém do questionamento da necessidade na hipótese é única e afirmativa. Mas se superada a necessidade, resta a análise da proporcionalidade em sentido estrito, terceira sub-regra da regra da proporcionalidade que, para muitos, engloba a razoabilidade e consiste no aquilatamento entre o nível da restrição ao direito fundamental do devedor (na hipótese de execução das astreintes efetivadas) atingido pela medida utilizada pelo credor e a importância desse já então sedimentado direito fundamental do devedor. Ou seja, é preciso demonstrar qual dos dois direitos – se o do credor ou do devedor – deve ter prevalência. Luiz Virgílio sintetiza com muita propriedade como deve ser a aplicação da regra da proporcionalidade para a solução de colisões entre direitos fundamentais. Segundo ele, imprescindível a averiguação subsidiária da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, nos termos precedentemente descritos.564 Para os que apenas limitam-se à menção retórica do princípio, entendível como medida de proteção abstrata, ainda assim, sem demonstração argumentativa da prevalência do direito da outra parte, há afronta ao dispositivo constitucional do art. 93, IX, que, de qualquer sorte, parece tornar inócua a decisão. Num ou noutro aspecto, não se pode olvidar que a razão de ser do princípio ou da regra de proporcionalidade é exatamente a contenção do abuso do Estado. E dado que a exigibilidade de aplicação requesta a colisão entre direitos fundamentais, é a própria estrutura desses direitos fundamentais colidentes que vai determinar qual deles terá prevalência pela aplicação da regra. Isso significa que sem a colisão instrumental parece não ser o caso de invocar e de aplicar a regra da proporcionalidade, pena de também constituir isso em abuso de ato de Estado. Aplicando essa asserção ao caso concreto do direito de crédito decorrente de astreintes efetivadas, não parece perceptível na seara da principiologia jurídica algum direito fundamental do devedor senão a fórmula menos onerosa prevista do Código de Processo Civil. Para que se possa dizer da violação desse direito é preciso que se aponte possibilidade alternativa do credor de haver seu crédito, fomentado pela desídia do devedor de um lado e pela decisão judicial de outro. Nesse contexto, só há duas delas, qual o pagamento espontâneo previsto no art. 475-J, ou, subseqüentemente, a exigibilidade de cumprimento do julgado. Daí não se há dizer de otimização proporcional e, portanto, de aplicação do princípio da proporcionalidade,hajavistasubjacentetão-somenteamedidacoercitivadesencadeadacomainstauração da fase de cumprimento da decisão que fixou as astreintes. Ora, se o Código de Processo Civil é norma de aplicação obrigatória, se a instauração da medida constritiva decorreu da inércia do próprio devedor, não há ponderação a fazer 564 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de 2002, p. 41. 583 de modo se fale em dever de proporcionalidade. Aproporcionalidadetangenciadatão-somenteaomontantealcançadopelaliquidação do julgado, por não encontrar albergue legal, ao contrário, viola a substância do processo. É o oposto ao due process of law, porque há previsão legal de possibilidade da privação de bens. É que trata-se da exigibilidade de um crédito extraído de um título judicial imantado de imodificabilidade e de coercibilidade para o qual a lei traz previsão expressa de liquidação e de penhora subseqüente do montante apurado. Com efeito, decisões judiciais condenatórias em valores, ainda que dependentes de apuração, são documentos que expressam obrigação inquestionável, mormente quando já alcançadas pela preclusão ou pela coisa julgada. De trazer à lembrança que a Lei n. 9.492/97 traz previsão de que até a sentença, como documento de dívida, pode ser levada a protesto para efeito de demonstrar a mora. E no âmbito do registro descabe qualquer ponderação quanto ao montante do título, de modo que, protestada a sentença ou qualquer outro título ou documento de dívida, para cancelamento do protesto exigível o pagamento do montante nela expressado. Inclusive para efeito de não efetivação do solicitado registro no prazo conferido pelo oficial. Noutro norte, é de considerar que o juiz não interfere nos títulos extrajudiciais. A execução processa-se no exato montante neles textualizados. Então, não parece lógico, nem adequado, nem razoável, que invocando esses princípios ou regras e sob o argumento de que excessivo o valor, venha ser diminuído o montante exigível de astreintes efetivadas. De dizer também que um título de crédito tem características próprias, sendo uma delas, peculiar do título de crédito judicial, a literalidade e autonomia. A gestão do juiz na fase de cumprimento do julgado cinge-se à incursão das medidas arregimentadas para efeito de atingir o devedor em seu patrimônio e, conseqüentemente, conferir efetividade ao julgado e ao direito do credor. Reduzir valor de título executivo, e judicial, assim, é que parece desproporcional e irrazoável. É preciso, em suma, para se cogitar da aplicação da regra de proporcionalidade, que existam dois direitos fundamentais em confronto. Sem apontamento de qual direito do devedor esteja contrastado com o direito do credor, parece impossível juridicamente a otimização da proporcionalidade uma vez que ela não dispensa o sopesamento entre princípios colidentes. É que a proporcionalidade, que não encontra seu fundamento em dispositivo legal do direito positivo brasileiro, decorre da lógica da estrutura dos direitos fundamentais com princípios jurídicos. E para os que sustentam ser ela decorrência do Estado de Direito ou do devido processo legal, resta a tarefa indeclinável dos argumentos sem os quais a ponderação não passa de mera retórica.565 Diz Humberto Ávila que as normas contêm ordens diretas, enquanto os princípios apenas fundamentos. Que os princípios se dirigem a um número indeterminado de pessoas e a um número indeterminado de circunstâncias, enquanto as regras são menos gerais e contêm mais elementos de concretude relativamente à conduta. Que as regras são dedutíveis de textos normativos e que apesar de as decisões serem também tomadas com fundamento em argumentos não-recondutíveis diretamente a textos normativos, é preciso adotar critérios 565 SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável.Revista dos Tribunais. Ano 91. Vol.798. Abril de 2002, p. 45. 584 Revista ESMAC objetivos para melhor fundamentar a interpretação e a aplicação baseada em princípios. Que osprincípiosdevemserfundamentadoseconjugadoscomoutrosfundamentosprovenientes de outros princípios. Em meio a tantas ponderadas anotações, Humberto Ávila, valendo-se dos ensinamentos de Alexy Dworkin, leciona que a aplicação de um princípio deve ser vista sempre como uma cláusula de reserva, sendo imprescindível observar se no caso concreto há outro princípio de maior peso que exija a otimização da proporcionalidade. Proporcional é o ponderado. Se não há conflito, evidentemente, não há o que ponderar. Não se ponderam valores; ponderam-se princípios, repita-se, e segundo as possibilidades normativas e fáticas. Nesse ponto, Humberto Ávila explica: “(...) porque a aplicação dos princípios depende dos princípios e regras que a eles se contrapõem”. No campo fático, faz explicitar que“o conteúdo dos princípios como normas de conduta só pode ser determinado quando diante dos fatos”. Ainda referindo-se a Alexy, o autor fez transcrever a posição do jurista alemão concluindo que as regras jurídicas, só em caso de colisão, buscarão solução principiológica de modo a excluir o conflito e a solucionar a contradição aparente.566 Sobre a lição de Alexy no tangente à questão, anotada por Humberto Ávila, é ela textual quanto a que “De um lado regras são normas, que podem ou não podem ser realizadas. Quando uma regra vale, então é determinado fazer exatamente o que ela exige, nada mais e nada menos”567 . Parece lógico que para se aplicar a regra da proporcionalidade, diminuindo o valor de astreintes efetivadas, já exigíveis, se devesse declarar antes inadequado o meio previsto pelo legislador, qual a instauração da fase de cumprimento do julgado. Sem essa declaração, e tendo em conta que a adequação não guarda qualquer correlação com a conseqüência ou o fim visado pela medida, ou seja, com o montante do crédito, mas sim com a norma em si e com o fim visado pela própria, a proporcionalidade é letra morta. A lição continua. Na distinção entre princípios e regras, mesmo inadmitindo-se o “tudo ou nada” destas últimas, o autor faz a indicação de que os princípios diferem das regras quanto à obrigação que instituem, “já que as regras instituem obrigações absolutas, (...) enquanto os princípios instituem obrigações prima-facie, (...)”568. Todos esses fundamentos não têm razão de ser em função da simplicidade que plasma a otimização ou o dever, ou a regra da proporcionalidade. É que implica regras de colisão, e aí a dependência de uma ponderação. Sem tensão entre princípios, impróprio é falar de proporcionalidade. Impróprio invocar adequação e necessidade. E não há dispensa do aquilatamento conseqüente, tal a fazer ressair qual das normas em colisão tem prevalência. Sem normas ou princípios em colisão, sem direitos contraditórios, a lógica da proporcionalidade inexiste. Convenha-se que a interpretação das regras depende da conjunta interpretação dos 566 ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 4, Julho, 2001, p. 10. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 14 de agosto de 2008. 567 Idem – Ibidem. 568 ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 4, Julho, 2001, p. 10. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 14 de agosto de 2008. 585 princípios que a elas digam respeito. A proporcionalidade exige que o meio e o fim sejam sopesados. Mas da norma em si, não das conseqüências ou do resultado que o direito protege. Segundo Humberto Ávila, “não é o dever de proporcionalidade em si que estabelece a medida substancial da excessividade, mas sua aplicação conjunta com outros princípios materiais”. Tem o autor que é condição negativa da proporcionalidade o elemento da proibição de excesso posto apenas em retórica, sem a verdadeira e necessária ponderação dos interesses que, embora exteriorizados de um caso concreto, guardam generalidade dos destinatários. Quanto a razoabilidade, como já declinado antes, a defesa dos grandes juristas é de que não se confunde ela com a proporcionalidade, mas determina tão-somente que as condições pessoais e individuais dos sujeitos sejam consideradas na decisão. Assim, se foi essa circunstância ventilada, inarredável que o julgador aquilate também as condições das partes de modo a deixar esclarecida a impossibilidade de se permitir que um ou outro valor comprometa a justiça. Aí sim, é que permitida a análise das conseqüências normativas num juízo referente à pessoa atingida. Humberto Ávila conclui que a proporcionalidade, necessariamente, como estrutura formal de aplicação do direito, requer correlação com os elementos substanciais normativos “sem os quais não passa de um esqueleto”. Ou seja, exige aplicação “correlata com conteúdos, esses determináveis pela análise das normas constitucionais materiais assecuratórias de bens jurídicos e não apenas instituidoras de procedimentos”. Convém trazer a lume parte do repertório das decisões superiores quanto à regra da proporcionalidade em nosso direito pátrio no ritmo da discussão. No REsp 775233/RS569, referindo-se à cominação de multa diária em obrigação de fazer, teve do Superior Tribunal de Justiça, como se colhe do item 2 do dispositivo, que “a função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação e incide a partir da ciência do obrigado e de sua recalcitrância”. No item 4 seguinte do julgado, a Corte Superior fez consolidar a possibilidade de aplicação das astreintes na fase de execução, mas de obrigação que as comportem. No caso, obrigação de fazer. Dizendo da regra de proporcionalidade, a Corte, confrontando o princípio da dignidade da pessoa humana (item 6) com o comprometimento das finanças do Estado do Rio Grande do Sul (item 7), ponderando esses interesses recomendou proporcionalidade na refixação da multa diária outrora fixada em R$5.000,00. Como se percebe sem esforço, a decisão esteve a referir-se a multa diária, não ao montante integral efetivado e exigível. Tanto que houve determinação de cálculo da que já efetivada. A ponderação recomendada estava a dizer respeito a um novo valor de multa diária. Ou seja, o Tribunal recomendou que o juiz verificasse a situação das finanças públicas do Estado do Rio Grande do Sul de modo a não comprometê-la com valor de multa diária. No REsp 836349/MG570, confere-se que o Superior Tribunal de Justiça, mencionando o firme posicionamento nesse sentido, trouxe lição de que se da sentença decorre obrigação de pagar quantia, o seu cumprimento não pode se dar sob o regime do art. 461 do 569 STJ - REsp 775233/RS – Recurso Especial. Rel. Min. Luiz Fux. T1 Primeira Turma. 20.06.2006. DJ 01.08.2006 p. 380. 570 STJ - REsp 775233/RS – Recurso Especial. Rel. Min. Luiz Fux. T1 Primeira Turma. 20.06.2006. DJ 01.08.2006 p. 380. 586 Revista ESMAC Código de Processo Civil. Para ser mais explícito, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, decorrendo a sentença de obrigação de fazer, consectário lógico é a aplicação do dispositivo mencionado e a possibilidade de imposição de multa diária como meio de compelir o devedor recalcitrante ao cumprimento da obrigação que lhe foi imposta. E foi nesse contexto que consagrou caber ao Juízo de Primeiro Grau “precisar a quantidade de dias em que incorreu em mora a recorrida, além do quantum devido a título de astreintes”. Ora, não parece ser outro entendimento que não referente esse chamamento à liquidação tangente às astreintes efetivadas. No mesmo julgado há menção complementar quanto a que o juiz jamais deve perder de vista a regra da proporcionalidade estampada no §6º, do art. 461 do Código de Processo Civil. Nesse contexto, convém relembrar que essa proporcionalidade é consentânea e estritamente relativa aos interesses em conflito, marco do quantum objeto da fixação ou modificação das astreintes, tanto na fase de conhecimento quanto na fase de exigibilidade, por força da própria regra do art. 461 quanto do art. 475-I ambos do Código de Processo Civil. Contanto, naturalmente, que relativas à obrigação de fazer ou de não fazer. Até porque astreintes efetivadas não são obrigação de fazer ou de não fazer, mas de pagar. Se alcançada a decisão que as fixou ou modificou pela preclusão ou pela coisa julgada, há impedimento legal de reapreciação do valor efetivado. É que o que se efetivou tornou-se obrigação de pagar, cuja relação é cindida unicamente ao credor e ao devedor. Evidente que o entendimento superior diz respeito a obrigação de fazer ou de não fazer, tanto na fase de conhecimento como na fase de exigibilidade de julgado. Até porque inexiste previsão legal de incidência de multa diária em título judicial condenatório em obrigação de pagar, salvo a que prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil. Esse entendimento do SuperiorTribunal de Justiça parece não comportar interpretação contrária. Elucidativo é ele quanto a que não tem lugar a aplicação do princípio da proporcionalidade em obrigação de pagar, muito mais quanto ao valor apurado em liquidação de título judicial alcançado pela coercibilidade e intangibilidade. Volte-se a dizer que a proporcionalidade não é dirigida a nenhum valor pecuniário, mas sempre à adequação entre o meio e o fim sendo nessa direção o entendimento do SuperiorTribunal de Justiça quando advertiu ao magistrado da ponderação dos interesses para efeito de fixação da multa diária em obrigação de fazer. A advertência foi quanto a ponderação dos princípios, da dignidade da pessoa humana do requerente e da estabilidade das finanças públicas do Estado requerido. No caso, portador de doença gravíssima, o requerente pretendia o fornecimento de medicamentos. O magistrado, então, para fixação da multa diária, haveria de levar em consideração o direito a vida e à dignidade da pessoa humana como fundamentos da República, mas sem comprometimento das finanças públicas do Estado do Rio Grande do Sul. Nessa análise de aparente conflito de direitos fundamentais, a preponderância de um deles, frente aos valores mais relevantes, é que determinará se a multa é meio eficaz a atingir o fim pretendido. Naturalmente que o valor da multa funciona na hipótese como meio apto a coerctar o Estado a cumprir a obrigação determinada de fornecer o medicamento. Certamente, quanto maior for o valor fixado a título de multa, mais celeremente o Estado buscará fornecer os medicamentos necessários a preservar a vida do reclamante. Mas, reafir587 me-se, a razoabilidade e a proporcionalidade nada tem a ver com o valor enfim, mas com a medida do que necessário ao alcance da pretensão. Convém aqui anotar que, em nenhuma hipótese, o sentir subjetivo do magistrado é critério razoável ou de proporcionalidade. Se pelo menos, quando houvesse diminuição do montante exigível das astreintes efetivadas, com base nessas regras, houvesse uma demonstração lógica e consistente que pudesse guarnecer o valor tido por razoável e proporcional, pelo menos um parâmetro se teria para se avaliar a aplicação dessas regras. No entanto, por meras referências, é certo que critério não houve. Também inexistiu análise das sub-regras, quais da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito na sua forma subsidiária. E sem isso, a aplicação põe-se inócua mesmo porque qualquer decisão exige fundamentação. Convém anotar que não existe autorização para fixação de multa diária por arbitramento judicial fora das hipóteses de obrigação de fazer e de não fazer e relativa a obrigação de pagar, natureza das astreintes efetivadas. O único arbitramento, fora disso, é tratado na liquidação de sentença, tão-somente nas hipóteses, numerus clausus, consignadas no art. 475-C do Código de Processo Civil. A primeira delas é quando houver determinação na própria sentença ou convencionado pelas partes. A segunda dá-se quando a natureza do objeto da liquidação o exigir. Certamente, inocorrente uma ou outra hipótese, e em sendo possível a liquidação por cálculo aritmético na forma do art. 475-B do Código de Processo Civil, não há que se falar em “arbitramento judicial”. Demais disso, nem mesmo na liquidação por arbitramento pode o juiz refugir do laudo técnico. É que, se a lei exige a atuação de perito na hipótese, é por reconhecer que o juiz tanto não pode arbitrar sponte sua o valor do título, como a ele deve vinculação. Então, o “arbitramento judicial” de multa efetivada não tem amparo no Ordenamento Jurídico pátrio. O arbitramento possível é de multa diária, que se efetivará conforme o comportamento do obrigado depois de ciente da decisão, nas hipóteses, e somente nelas, previstas na Lei Adjetiva pátria já a tanto mencionadas. O juiz está guindado a aceitar o cálculo aritmético como forma de liquidação e, portanto, o valor que dele vier ser apurado com base em título de crédito judicial, descabendo, assim, refixação do valor por “arbitramento judicial” numa justificativa retórica em regras da proporcionalidade e da razoabilidade. Pode-se concluir que desproporcional e irrazoável é mesmo a decisão que, entendendo excessivo o montante alcançado pelas astreintes efetivadas, invoca sob retórica as regras da proporcionalidade e da razoabilidade para diminuir o montante liquidado ao patamar arbitrário e subjetivo do que entende razoável e proporcional. Reafirme-se que, princípio ou regra, o objetivo maior de tais preceitos não é menos que frear o arbítrio do Estado. E se o próprio Estado “arbitra” valor em confronto e à margem de título judicial, é o Estado quem está a afetar direito da parte.571 571 No processo n. 070.07.008519-6, do Segundo Juizado Especial Cível da Comarca de Rio Branco, a guisa de exemplo, já que esse tem sido seu posicionamento na maioria dos casos, a decisão, apenas citando a proporcionalidade e a razoabilidade da cominação, diminuiu a multa efetivada, apurada de operação aritmética simples, ressaltando que“a fixação por arbitramento judicial da multa diária deve resultar, invariavelmente, do sentir subjetivo e objetivo do magistrado e não da resolução automática de uma operação matemática que torne o juiz da causa, como se possível fosse, refém de números em detrimento do seu sentimento de justiça em relação às pessoas envolvidas e ao caso concreto”. Há casos em que o magistrado decide reconhecendo que o valor apurado nas mesmas circunstâncias 588 Revista ESMAC Portanto, impossível jurídica e legalmente qualquer gestão judicial sob o pretexto da razoabilidade e da proporcionalidade na fase de exigibilidade de astreintes efetivadas. Todos os magistrados que entendem que a possibilidade tem elastecimento na fase de exigibilidade e no que tangente às astreintes já efetivadas citam equivocadamente os julgados superiores como escudo de suas decisões. Sem esforço verifica-se o equívoco, uma vez que as decisões não caminham nessa direção. Olvidam eles a natureza de um título de crédito, para o qual jamais nenhuma Corte Superior viria lecionar redução de ofício do valor nele textualizado, uma vez que isso configuraria invasão vedada na esfera da privacidade das partes envolvidas na relação obrigacional. Embora pareça desnecessário, não é demais consignar que esse é o mesmo entendimento da Primeira Turma da Corte Superior, exteriorizado no REsp 938605/CE (DJ 08.10.2007 p. 234). Também no REsp 438003/RS, da Segunda Turma, (DJ 18.08.06 p. 363), no qual resta exteriorizado que as astreintes efetivadas são obrigação de pagar quantia certa.572 O Superior Tribunal de Justiça, quanto a aplicabilidade do art. 461 do Código de Processo Civil, nos REsp 663774-PR573 e 776922-SP574, fez sumarizar que a cominação de astreintes está atrelada às obrigações de fazer e de não fazer. Ou seja, fez consolidar que nesse marco assenta-se a faculdade conferida ao juiz para fixar ou modificar o valor ou a periodicidade da multa, inclusive de ofício, mas desde que verifique que a mesma se tornara insuficiente ou excessiva. Também é do Superior Tribunal de Justiça jurisprudência firme no sentido de que não pode o juiz decidir novamente as questões já decididas, isso referindo-se ao modo de liquidação de título judicial, com aplicação no caso das astreintes efetivadas.575 é dívida de valor, e imediatamente determina seguir a execução por quantia certa. O Terceiro Juizado Especial Cível segue linha idêntica. Porém, o que diferencia as decisões de um e de outro Juizado é o valor “arbitrado”, uma vez que neste, é sempre a metade do montante encontrado, enquanto naquele não há parâmetro. O magistrado do Segundo Juizado Cível simplesmente “arbitra” sem demonstrar que critérios considerou para a fixação do valor. 572 (...) 2. Consoante a jurisprudência do STJ, na hipótese de obrigação de pagar quantia certa, predomina o entendimento de que “a multa é meio executivo de coação, não aplicável a obrigações de pagar quantia, que atua sobre a vontade do demandado a fim de compeli-lo a satisfazer, ele próprio, a obrigação decorrente da decisão judicial. (...) Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100 da CF)” (REsp n. 784.188/RS, relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 14.11.2005). 573 PROCESSO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EXECUÇÃO DO ART. 461 DO CPC. MULTA DIÁRIA (ASTREINTES) MOMENTO DE INCIDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. SÚMULAS 282 E 356/STF. Na tutela das obrigações de fazer e de não fazer do art. 461 do CPC, concedeu-se ao juiz a faculdade de exarar decisões de eficácia auto-executiva, caracterizadas por um procedimento híbrido no qual o juiz, prescindindo da instauração do processo de execução e formação de nova relação jurídico-processual, exercita, em processo único, as funções cognitiva e executiva, dizendo o direito e satisfazendo o autor no plano dos fatos (...). 574 PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – ART. 461 DO CPC – ASTREINTES: SUSPENSÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ – POSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE DECISÃO ULTRA PETITA – NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO – OFENSA AO ART. 128 DO CPC. 1. O art. 461 do CPC prevê a cominação de multa para cumprimento da obrigação de fazer e não fazer, podendo ser fixada de ofício ou a requerimento da parte. 2. O juiz, também de ofício ou a requerimento da parte, conforme autorizado pelo §6º do mesmo dispositivo legal, está autorizado a modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique se se tornou insuficiente ou excessiva. (...) 575 (...) II – O Tribunal de origem considerou, quanto à forma de liquidação da sentença exeqüenda, que não se pode decidir novamente as questões já decididas (art. 471, do CPC) e que é defeso à parte discutir questões já decididas, para as quais já se operou a preclusão (art. 473, do CPC). REsp 706799 – Primeira Turma – DJ 06.03.2006, p. 198 do Superior Tribunal de Justiça. 589 Nesse mesmo norte, mas também fazendo acrescentar que o art. 461 do Código de Processo Civil só tem aplicação em obrigação de fazer ou de não fazer, é o Acórdão no REsp 521184.576 Daí que parece impróprio dizer da aplicação de regra da proporcionalidade e razoabilidade para reduzir montante de astreintes efetivadas. 3.3. O crédito e a exigibilidade das astreintes efetivadas. A questão de maior relevo é mesmo em que tipo de obrigação as astreintes podem ser cominadas. Isso em razão de que tanto é possível fixá-las, reduzi-las ou majorá-las, tanto na fase de conhecimento como na de execução. Necessário atentar para o fato de que as astreintes são de natureza processual e que visam compelir o devedor ao cumprimento da obrigação. Operam a favor da efetividade processual. Essa a diferença nuclear das astreintes em relação à cláusula penal e à multa de mora. O art. 461 do Código de Processo Civil é marco do instituto, sendo de anotar a regra do §6º, que dispõe da possibilidade do juiz, de ofício, modificar o valor da multa. De literal compreensão é o caput do artigo mencionado, que giza que as providências para assegurarem resultado prático equivalente ao do adimplemento devem se dar nas ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. As astreintes figuram como uma dessas providências ao lado da tutela específica da pretensão. Assim é que o §4º, do art. 461, do Código de Processo Civil, dispõe que o juiz, concedendo a tutela, liminarmente ou mediante justificação prévia, ou na sentença, poderá impor multa diária ao réu independentemente de pedido do autor. Porém, se for compatível com a obrigação. O caput do art. 461 é textual quanto a que a tutela específica da obrigação nele mencionada deve dizer respeito a obrigação de fazer ou não fazer. Parece, desse modo, que a multa diária mencionada no §4º somente pode ter ensejo se as obrigações forem desta natureza. E somente até a oportunidade da sentença. Significa dizer que as astreintes, na hipótese do art. 461 do Código de Processo Civil, restaram cingidas à fase de conhecimento do processo, porque não se colhe nenhuma autorização para aplicação das astreintes além de nas obrigações de fazer ou de não fazer. Essa regra sob menção, introduzida no Código de Processo Civil pela Lei n. 8.952, de 13.12.1994, veio ter acréscimo em 2002, pela Lei n. 10.444, com os parágrafos 5º e 6º. No primeiro deles, reforçando a função das astreintes, qual seja coerctar o devedor a cumprir a determinação judicial, veio a previsão de imposição de multa por tempo de atraso dentre outras medidas possibilitadoras de obtenção do resultado prático equivalente à 576 PROCESSUAL – PRECLUSÃO – COMINAÇÃO – DESOBEDIÊNCIA – MULTA – COBRANÇA – REFORMATIO IN PEJUS. I – Só é lícito ao tribunal conhecer de ofício, antes de proferida a sentença de mérito, as questões a que se refere o CPC, nos incisos IV, V e VI do art. 267. Fora disso opera-se preclusão, tanto mais quando há perigo de reformatio in pejus. II – O art. 461 do CPC não impede a imposição de multa diária para o cumprimento de obrigação fungível. III – Não é fungível a obrigação de abster-se na prática de determinado ato. Não se concebe que alguém se abstenha em lugar de outra pessoa, (...) 590 Revista ESMAC tutela específica concedida precedentemente. O §6º também inserido no art. 461 do Código de Processo Civil pela mesma lei, sempre na concepção de satisfazer a obrigação e conferir credibilidade à justiça, fez consagrar que o juiz pode modificar de ofício o valor ou a periodicidade da multa caso verifique que se tornou insuficiente ou excessivo. Analisando o texto normativo por inteiro, não é difícil constatar que a modificação arregimentada visa a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente. Assinale-se que a modificação em pauta só pode ocorrer, dada a norma do caput, no momento anterior à fase de cumprimento da sentença. Essa alteração também adveio com a Lei 10.444/02, que estendeu, na forma do §3º do art. 461-A, as mesmas possibilidades, à ação que tenha por objeto a entrega de coisa. Anote-se que a sentença relativa às obrigações de fazer e de não fazer e de entrega de coisa, dada sua natureza mandamental, não mais se executa, mas apenas se efetiva em fase própria no mesmo processo de conhecimento. Sempre referindo-se a obrigação de fazer ou de não fazer, encontra-se previsto no art. 645 do Código de Processo Civil que o juiz, ao despachar a inicial da execução, fixará multa por dia de atraso no seu cumprimento. O parágrafo único desse dispositivo traz previsão de redução da multa se a mesma estiver prevista no título. Nesse caso, a multa insere-se na categoria de cláusula penal, e a redução tem amparo nas regras do Código Civil versantes da matéria. Atente-se para que as astreintes aplicáveis na fase de conhecimento do processo não encontram limites. A redução ou majoração preconizadas devem ter em conta o alcance do resultado da obrigação tutelada, e sempre exigem demonstração de que se tornou insuficiente ou excessivo o valor antes cominado. Se as sentenças relativas às obrigações de fazer ou de não fazer e de entrega de coisa tornaram-se mandamentais, na fase de cumprimento as inteiras regras do art. 461 têm aplicação irrestrita, mas nos termos de seus mandamentos. Assim encontra-se positivado no art. 475, I, do Código de Processo Civil, primeira parte, introduzido pela Lei n. 11.232/05. Mas tratando-se de obrigação por quantia certa, considerando que o tipo não encontra agasalho na regra do art. 461, e tendo em conta as disposições da segunda parte do art. 475-I como também do 475-J, parece descaber falar-se em fixação, redução ou majoração de astreintes. O cumprimento da sentença relativa a obrigação por quantia certa dá-se diferentemente da que contém condenação em obrigação de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa. Enquanto as últimas são cumpridas na forma dos arts. 461 e 461-A, segundo norma do art. 475-I, as primeiras, sob igual regramento, têm lugar na forma dos artigos seguintes versantes sobre liquidação e cumprimento da sentença. Consigne-se que a única multa prevista para a hipótese é a do art. 475-J - de 10% sobre o montante da condenação -, acaso o condenado não efetue o pagamento no prazo de quinze (15) dias. E quanto a ela, não há previsão legal de modificação, de fixação de ofício, de redução ou de majoração pelo juiz. 591 Importante assinalar que diferente da obrigação em si é a multa pelo seu descumprimento da mesma. A multa efetivada é sempre obrigação por quantia certa, enquanto a obrigação de que ela decorreu, mesmo se infungível, mantém o elo pessoal entre as partes. É pacífico nas Jurisprudências dos Tribunais Superiores quanto a que a cominação de multa diária prevista no art. 461 do Código de Processo Civil é meio de coerção ao cumprimento da obrigação de fazer ou de entrega de coisa, cabível inclusive contra a Fazenda Pública.577 O Supremo Tribunal Federal, mesmo inadmitindo o recurso extraordinário, no AgRg 544.297-5/RJ, teve que a redução do valor da multa cominatória, aplicada nos termos do art. 461, §6º do Código de Processo Civil, ofendeu norma constitucional indiretamente, irradiada de má interpretação, aplicação, ou até de inobservância de normas infraconstitucionais.578 Importante anotar ainda algumas características das obrigações incidentárias das astreintes. Segundo Costa Machado in Código Civil Interpretado, obrigação pode ser conceituada como a relação jurídica transitória existente entre o sujeito ativo (credor) e o sujeito passivo (devedor), tendo como objeto uma prestação. A obrigação, segundo o mesmo autor, vincula-se sempre à idéia de dever, cujo descumprimento gera conseqüências amplas para todos os envolvidos, surgindo daí a responsabilidade.579 O Código Civil vigente, adotando a mesma estrutura do anterior, classifica as obrigações nas modalidades de dar coisa certa e de dar coisa incerta, nas obrigações de fazer e de não fazer, além de dispor sobre as obrigações alternativas, as divisíveis e indivisíveis e as solidárias, dentre outras concepções que no presente trabalho deixam de ser enfocadas por não guardarem estreita correlação.580 No presente estudo têm relevo somente as que passíveis de cominação de astreintes, assim merecendo enfoque. A obrigação de dar coisa certa é denominada obrigação específica, uma vez já individualizado seu objeto. É tratada nos arts. 223 a 242 do Código Civil, estando deferido ao credor, em caso de resistência ao cumprimento da obrigação, o uso das técnicas de tutela específica, busca 577 (...) 3. É cabível, mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação de multa diária (astreintes) como meio executivo para cumprimento de obrigação de fazer (fungível ou infungível) ou entregar coisa. Precedentes. REsp 808343/RS. (...) 3. O presente recurso carece do necessário prequestionamento quanto aos artigos 1º da Lei n. 9.494/97, 461 do CPC, uma vez que o acórdão recorrido não se manifestou sobre a possibilidade de concessão de tutela antecipada contra o Poder Público, nem acerca da aplicação das astreintes, nada obstante a oposição dos embargos de declaração . O mesmo se diga em relação à pretendida ofensa aos artigos 43 da Lei n. 4.320/64 e 267, VI, do CPC. 4. Ainda que assim não fosse, oportuno ressaltar o entendimento deste relator, no tocante ao cabimento de astreintes contra a Fazenda Pública, com o objetivo de forçá-la ao adimplemento da obrigação de fazer no prazo estipulado. AgRg no REsp 572601/RS. (...) 2. As astreintes do art. 644 do CPC, multa de caráter eminentemente coercitivo, e não sancionatório, visa compelir o devedor a cumprir sua obrigação de fazer ou não fazer, determinada em sentença, que se sujeita às regras do art. 461 do CPC. REsp 647175/RS. Rel. Ministra Laurita Vaz. DJ 26.11.2004, p. 393. 578 (...) 2. RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Acórdão impugnado que reduziu o valor da multa cominatória. Aplicação do art. 461, §6º, do CPC. Alegação de ofensa do art. 5º, XXII, XXIII, XXV, XXXII, LIV e LXIX, da Constituição Federal. Ofensa constitucional indireta. (...). 579 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (organizador). CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu (coordenadora). Código civil interpretado Brasil – Barueri, SP : Manole, 2008. 580 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (organizador). CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu (coordenadora). Código civil interpretado Brasil – Barueri, SP : Manole, 2008. 592 Revista ESMAC e apreensão da coisa e de multa (astreintes) conforme a regra do art. 461-A do Código de Processo Civil neste introduzida pela Lei n. 10.444/2002.581 A obrigação de dar coisa incerta, por seu turno, é denominada de obrigação genérica porque identificada apenas pelo gênero e pela quantidade. O objeto, assim, é meramente determinável, como bem descreve o art. 104, II, do Código Civil, como requisito necessário à validade do negócio jurídico. A obrigação de fazer, tratada nos arts. 247 a 249 do Código Civil, inicia por incursar o devedor que recusar a prestação só a ele imposta ou por ele exeqüível na obrigação de indenizar perdas e danos. Pode ser conceituada como uma obrigação positiva, cuja prestação consiste no cumprimento de uma atribuição ou tarefa por parte do devedor. Classifica-se em obrigação de fazer fungível – aquela que pode ser cumprida por outra pessoa à custa do devedor originário (art. 249) – e em obrigação de fazer infungível – aquela de natureza personalíssima por regra do contrato ou decorrente da natureza da prestação. Ao credor, em qualquer das duas modalidades, é assegurado o direito de requerer o cumprimento da obrigação de fazer por meio de medidas de tutela específica nos moldes do artigo 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor, este sendo consumerista a relação. A obrigação de não fazer é tratada no Código Civil em dois artigos (art. 250 e 251). Primeiro diz da extinção para depois dizer da imposição ao devedor que praticar o ato a cuja abstenção se obrigou, à pena de desfazimento a sua custa e ao ressarcimento de perdas e danos. É uma obrigação negativa que tem por objeto uma abstenção. E exatamente por essa característica que o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato a que devia se abster, conforme arregimentado no art. 390 do Código Civil. É sempre infungível, personalíssima (intuitu personae) e predominantemente indivisível por sua natureza consoante definição do art. 258. Pode ter origem legal ou convencional, sendo garantido ao credor, igualmente, as medidas de tutela específica previstas nos arts. 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor. Pertinente fazer anotar que após as reformas substanciais do Código de Processo Civil, ocorridas através da Lei n. 11.232/05, não se fala mais em execução de sentença (de título judicial), mas simplesmente de “Cumprimento da Sentença”. A Lei citada fez inserir no Livro I (De Conhecimento) o Capítulo IX, que dispõe sobre a liquidação da sentença, constituída das novéis disposições postas nos artigos numerados de 475-A ao 475-H. Em seguida, dispôs sobre o Cumprimento da Sentença no Capítulo X, eliminando o processo de execução de título judicial antes inserido no Livro II. O Cumprimento da Sentença segue a regra estatuída nos arts. 475-I ao 475-E. Daí que a outrora denominada execução de título judicial passou a figurar como mera fase do processo de conhecimento. Sobre a possibilidade de cominação de astreintes na fase executória do título judicial, regra o art. 475-J do Código de Processo Civil que, condenado o devedor ao pagamento 581 Idem - Ibidem. 593 de quantia certa ou já fixada em liquidação, não efetue ele no prazo de quinze dias o pagamento do montante, incorre em acréscimo de multa no percentual de 10%. Essa multa recém estatuída nas obrigações de pagar quantia certa configura sanção econômica para o devedor recalcitrante.Tem natureza indenizatória em decorrência da mora espontânea. E embora não regrado o dies a quo de incidência, tem aplicação após atualização monetária e cálculo dos juros de mora legais sobre o montante apurado da condenação. Se deve se dar após o trânsito em julgado, ou não, da sentença, cabe ao devedor a opção de previsibilidade quanto a reforma do julgado. Convém assinalar que os Juizados Especiais já fizeram sumarizar que esse prazo conta-se a partir do trânsito em julgado da sentença conforme Enunciado 105 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais.582 Sem embargo da farta jurisprudência citada, convém trazer à tona o julgado da Corte Maior deste país no Recurso Extraordinário n. 85263, de 1977, do Rio de Janeiro583 que, apesar de longa data e mesmo não conhecendo do recurso, deixou anotado noVoto não poder haver ofensa a coisa julgada relativa a multa. Melhor dizendo, nem quanto ao montante e tempo de incidência, salvo se omisso o Acórdão inferior quando, então, a questão pode ser objeto de decisão após o trânsito em julgado. Também no Acórdão n. 82382, de 1976, do Rio de Janeiro584, o Supremo Tribunal Federal teve que não é possível modificar a fluência da multa diária pena de ofensa a coisa julgada. Os Embargos opostos pelo devedor na execução do julgado foram rejeitados, guarnecendo-se o que decidido quanto a multa na sentença já transitada em julgado. De qualquer forma, exigível a intimação do sucumbente tal possa ele exercer a opção de satisfazer prontamente a obrigação ou submeter-se a eventualidade de reforma do decisum. No mais, tangente à fase de execução do título judicial, a regra aplicável é a do art. 475I do Código de Processo Civil, segunda parte, qual a que dispõe observância dos termos atinentes à natureza da execução (provisória ou definitiva), à delimitação das matérias de impugnação e dos atos subseqüentes de penhora, avaliação e pagamento do crédito em fase executiva. Resta, assim, arregimentado, que nas obrigações de pagar quantia certa exarada em sentença ou decorrente de liquidação do título judicial só tem pertinência incidir a multa tratada no art. 475-J do Código de Processo Civil, ou seja, de 10% sobre o montante apurado da condenação. Quanto à execução dos títulos extrajudiciais houve reforma advinda com a Lei n. 11.382/06. Porém, permaneceu intacta a regra do art. 645, que dispõe dever o juiz, ao despachar a inicial de execução de obrigação de fazer ou não fazer fundada em título extrajudicial, fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação. Essa regra é correlata ao que disposto no art. 52, V, da Lei n. 9.099/95, embora neste haja referência de fixação também na sentença (fase de conhecimento). É análoga à regra do art. 461 do Código de Processo Civil, só que própria da execução de título extrajudicial e quando 582 Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, não o efetue no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado, independentemente de nova intimação, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (Enunciado aprovado no XIX Encontro – Aracaju/SE) 583 (...) A questão do momento a partir do qual há de fluir a multa, não fixado tal momento expressamente na decisão exeqüenda, constitui matéria de execução, quando porventura não contemplado na sentença cujo cumprimento se pretende (...). 584 RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 82.382, Rio de Janeiro. Recorrente: Estado do Rio de Janeiro. Recorrido: Hotel Gran Pará Ltda - Segunda Turma. Supremo Tribunal Federal. 594 Revista ESMAC a mesma tiver por conteúdo obrigação de fazer ou de não fazer. A regra da Lei dos Juizados Especiais mencionada só tem aplicação na esfera de competência do microssistema, muito embora o Código de Processo Civil seja aplicado subsidiariamente. Em resumo, constata-se que ao magistrado restou conferido apenas o poder de dar efetividade às suas próprias decisões, fazendo acreditada a justiça na medida da coerção exercida sobre o devedor de obrigação de fazer e de não fazer. Nesse contexto, possibilitado ao magistrado na fase de conhecimento e até a sentença, como também na execução, mas desde que versante sobre obrigação de fazer ou de não fazer, fixar, modificar e alterar o valor e a periodicidade das astreintes. Mas sempre motivadamente e quando existente causa justificadora. Ainda assim, deve haver respeito à operada preclusão da decisão anterior nos limites do tempo em que efetivada a multa. Na fase de exigibilidade das astreintes, decorrência de sua efetivação, uma vez transmudada em obrigação de pagar quantia certa, não logra legalizado nenhum poder ao juiz para modificação do valor calculado. Decisões nesse contexto certamente desnaturam o próprio título, o próprio julgado, a própria decisão. Importam em injustiça na medida em que subtrai do credor direito líquido, certo e exigível a crédito que a lei lhe assegura. Importam em infringência ao devido processo legal. 3.4. Interpretação Normativa da Possibilidade de Atuação do Juiz O Código de Processo Civil tornou defeso às partes a discussão no curso do processo acerca das questões já decididas, cujo efeito se operou por preclusão (art. 473). Aliás, nem as partes, nem o juiz poderá mais discutir as questões já decididas, devendo ser esclarecido que a preclusão (operada no curso do processo e, portanto, antes da sentença) tem reservas no que diz respeito ao juiz. E essa impossibilidade é correlata com o efeito da coisa julgada. A preclusão é análoga. Apenas diz respeito às decisões interlocutórias ou à perda de oportunidade para a prática de determinado ato. Assim, parece que nenhuma decisão pode ter o condão de produzir efeito ex tunc no que se refere à multa efetivada. A ressalva que se tem, embora até nesse ponto haja quem defenda a intangibilidade das astreintes efetivadas, é tão-somente na hipótese de ser a causa resolvida improcedente. Insta dizer que as sentenças condenatórias não exigem mais a instauração de processo próprio. Em vez de execução propriamente, deve a parte credora requerer o cumprimento da sentença nos próprios autos, mesmo quando já decorridos seis meses e o juiz tiver determinado o arquivamento do processo, quando, então, será desarquivado para efeito de processamento do pedido (art. 475-J, §5º do Código de Processo Civil). A liquidação da sentença é tão-somente ato preparatório ao desencadeamento do cumprimento da sentença, pois. E a execução propriamente dita restou relegada aos títulos extrajudiciais, uma vez que, com a reforma, quanto aos títulos judiciais, foi ela convertida em fase do processo de conhecimento. 595 O Livro II, ao tratar do processo de execução, apenas dispõe sobre a legitimidade das partes para promovê-la, do juízo competente para processá-la, dos requisitos necessários para realizar qualquer execução e de discriminar os títulos executivos extrajudiciais, tanto assim seus requisitos formais. Com a revogação dos arts. 588 a 590, seus dispositivos lograram transferidos para o Livro I do Código de Processo Civil. No livro próprio de execução, o Código de Processo Civil também cuidou de discriminar os responsáveis pelo cumprimento das obrigações e os poderes do juiz no processo. Com a revogação dos arts. 603 a 611, que tratavam da liquidação da sentença, as disposições lograram transferidas para o processo de conhecimento sob os arts. 475-A ao 475-H. A sentença – volte-se a gizar –, restou objeto de cumprimento no processo de conhecimento, do que se deflui, sem esforço, estar reservada na atualidade a execução tãosomente aos títulos extrajudiciais. Portanto, as regulações subjacentes do Código quanto ao processo de execução dizem respeito somente aos títulos executivos relacionados no art. 585, ou, conforme seja para entrega de coisa ou de obrigação de fazer ou de não fazer tangentes a títulos extrajudiciais. Isso porque, quando tais obrigações forem objeto de sentença (título judicial), a execução se dará conforme regramento do art. 475-I. Aliás, resta claro no art. 621, alusivo à execução de obrigação de coisa certa, que ela só diz respeito a título extrajudicial. O mesmo se dá em relação à execução de entrega de coisa incerta, muito embora não literalizada no art. 629, de vez que a mesma depende obrigatoriamente de prévia determinação da coisa (Código Civil, art. 85), no que se converte em execução de obrigação de entregar coisa certa. Tenha-se em conta que a execução para entrega de coisa incerta só se pode fundar mesmo em título executivo extrajudicial, uma vez que por sentença exigível a discriminação da coisa para efeito da condenação, ainda que alternativa a obrigação. Tangente às obrigações de fazer ou de não fazer, considerando que o art. 475-I, quanto à sentença, determina expressamente que o cumprimento se dê conforme os arts. 461 e 461-A, evidente que o regramento executivo tratado nos arts. 632 e seguintes só está a se referir às obrigações cujo título seja extrajudicial. Não é demais lembrar que o art. 644, em reforço à norma do art. 475-I, regra que a sentença relativa a obrigação de fazer ou de não fazer cumpre-se de acordo com o art. 461, apenas observando-se subsidiariamente o que disposto no capítulo próprio da execução (Livro II). Em suma, analisando o Livro II e as reformas advindas com a Lei nº 11.232/05, constata-se que a partir desta não há mais execução de sentença. Mas cumprimento da sentença, que se processa nos próprios autos de conhecimento. Consigne-se que o art. 644 teve modificação de redação pela Lei n. 10.444/02, anterior, portanto, à reforma de 2005. Mesmo assim já previa que a obrigação de fazer e de não fazer cumpria-se de acordo com o art. 461. Com a última reforma, é de ser analisado o art. 644 em combinação com o art. 475-I, porque na época da alteração da redação do art. 644 não havia ainda o art. 475-I, nem o 461-A. O mesmo pode ser dito em analogia quanto ao art. 645 que, mesmo tratando de execução fundada em título extrajudicial, permite a fixação de multa por dia de atraso no 596 Revista ESMAC cumprimento da obrigação. Quanto à execução por quantia certa contra devedor solvente – naturalmente em se tratando de título extrajudicial –, são aplicáveis as disposições do art. 646 e seguintes do Código de Processo Civil. Mas para o caso de execução de título judicial, quando a parte credora preferir a execução da sentença de forma independente e até em outro juízo, como lhe faculta o art. 475-P, parágrafo único (local onde se encontram bens ou do domicílio do devedor), a regra será a do art. 475-I. De lembrar que com a última reforma do processo de execução foi revogado o art. 584 que enumerava os títulos judiciais, tendo suas disposições sido inseridas no processo de conhecimento, no art. 475-N. No mais, o art. 475-R do Código de Processo Civil dispõe que o processo de execução (Livro II) apenas se aplica subsidiariamente à fase de cumprimento da sentença. Ou seja, no que não conflitante com as novas regras vindas com a Lei nº 11.232/05, devendo se dar atenção à parte final da redação do artigo, clarividente por demais ao fazer consolidar que as normas mencionadas são as que regem a execução de título extrajudicial. Melhor dizendo, o Livro II (processo de execução) regra tão-somente a execução por título extrajudicial, restando a aplicação subsidiária mencionada quanto a responsabilidade patrimonial, quanto a nomeação e constrição de bens, quanto a penhora e ao depósito, quanto a avaliação, quanto a arrematação, quanto ao pagamento do credor e quanto a adjudicação. Quanto aos embargos, em se tratando de sentença nos autos do processo de conhecimento, não têm eles lugar, uma vez que com a reforma a via própria prevista (art. 475-J, §1º) de resistir o devedor é a Impugnação. Isso também se confere dos arts. 744 a 795, que literalmente excluem a sentença da possibilidade de embargos, ressalvando os tangentes à adjudicação, à arrematação e de terceiros, aplicados subsidiariamente na fase de cumprimento da sentença. Por conseguinte, não é temerário afirmar que, requerido o cumprimento da sentença nos próprios autos de conhecimento ou em autos apartados, a regra a ser observada é a do art. 475-I e seguintes. Ou seja, no tangente às obrigações de fazer ou de não fazer, nos termos do art. 461 e 461-A. E em tratando-se de cumprimento da sentença por quantia certa, segundo literalidade colhida do texto legal mencionado, por execução nos termos dos demais artigos do capítulo. Quer dizer, uma vez liquidada a sentença ou já contendo ela valor certo, mediante requerimento da parte instaura-se a fase própria com penhora e avaliação, intimando-se o executado para, querendo, impugnar no prazo de quinze (15) dias. E tanto faz que a execução seja provisória ou definitiva. Após liquidada a sentença, devedeprontoserexpedidomandadodepenhoraeavaliação,intimando-seoexecutadopara oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze (15) dias, sobre as matérias discriminadas no art. 475-L, a qual só terá efeito suspensivo excepcionalmente. O art. 475-B textualiza que a execução solicitada na forma do art. 475-J pode ser instruída com memória de cálculo ou pode ser liquidada pelo contador do juízo. E somente quando o credor não concordar com estes últimos, mas processando-se a execução pelo valor originadamente pretendido, é que a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador (art. 475-B, §4º). 597 Não há, como se vê, à luz da lei, nenhuma oportunidade na fase processual de cumprimento do julgado para modificação do valor nele sumarizado ou no que extraído de sua liquidação. Aliás, nem mesmo quando a execução é provisória por não ainda trânsita em julgado a sentença, porque ela, no que couber, dá-se nos mesmos termos da definitiva (art. 475-O). Bem mais porque, com base no mesmo texto mencionado, há permissão legal quanto até ao levantamento de depósito em dinheiro. Os arts. 461 e 461-A do Código de Processo Civil dizem respeito tão-somente a ação de conhecimento que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer (art. 461), e a entrega de coisa (art. 461-A). Isso se constata da literalidade dos textos mencionados em consonância com a regra do art. 475-I. Em face disso, impossível parece a redução do valor apurado e objeto de cumprimento de sentença ou acórdão só pelo fato de o valor ser oriundo de multa cominatória. Tenha-se em conta que a liquidação é fase própria para se apurar o valor objeto da condenação que não guarda correlação com obrigação de fazer. É, assim, obrigação por quantia certa dependente tão-somente de apuração. Obrigação de valor. Tanto é que não há previsão legal de liquidação tangente às sentenças que determinam a entrega de coisa nem, tampouco, por evidente, daquelas que determinam o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer. O art. 463 do Código de Processo Civil regra que, publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la para lhe corrigir inexatidões materiais ou lhe retificar erro de cálculo. Ou por meio de embargos de declaração para sanar omissão, contradição ou obscuridade. De outro lado, as regras processuais quanto à execução dispõem que a provisória far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, correndo por conta e responsabilidade do exeqüente, ficando sem efeito se sobrevier acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução e permitindo inclusive o levantamento de depósito em dinheiro. Também o art. 466 do Código de Processo Civil regra que a sentença condenatória do pagamento de uma prestação vale como título constitutivo de hipoteca judiciária. Estas observações e cotejos de mandamentos legais guardam pertinência com os atos do juiz possíveis na fase de cumprimento da sentença. Sobretudo em face da reforma do Código de Processo Civil, advinda com a Lei n. 11.232/05, específica do título judicial. Após as regras aplicáveis à fase de resolução da lide, de modo a atingir os requisitos da liquidez e exigibilidade, fez a lei inserir o Capítulo IX (Da Liquidação da Sentença), tratada nos arts. 475-A ao 475-H. O credor, assinale-se, pode exigir o valor devido mesmo antes do trânsito em julgado da sentença mediante execução provisória. Se não houver determinado o valor devido, pode requerer antes a liquidação da sentença. Se requerida, o primeiro ato do juiz, segundo norma do §1º do art. 475-A, é determinar a intimação do devedor, na pessoa de seu advogado. Esse o início do desenvolvimento da fase de liquidação, cujo pedido, naturalmente, deve encontrar-se articulado na petição do credor. Após a liquidação, ou se já apresentada a memória de cálculo, segundo norma do art. 475-B, o credor requererá de pronto o cumprimento da sentença na forma do art. 475-J, 598 Revista ESMAC devendo ser também intimado o devedor, que pode pagar o valor, ou impugná-lo e, então, nesse caso, sujeitar-se à possibilidade do acréscimo ali preestabelecido. O juiz, ante o requerimento de cumprimento da sentença, submete-se ao dever da intimação. Somente se a liquidação depender de arbitramento ou da forma de artigos é que ao juiz resta deferido o poder de decidir quanto ao valor, mas sempre limitado ao que extraído do decisório. Quando depender de cálculo aritmético, do contador ou apresentado pela parte, não há base legal que sustente manifestação judicial para modificar-lhe o valor. A manifestação ficou reservada às próprias partes nos termos da nova regra liquidatória do título judicial. É o que se confere do art. 475-B e do 475-G, do Código de Processo Civil. Dedique-se atenção à regra do último dispositivo mencionado que, mesmo reproduzindo o texto do revogado artigo 610, é clarividente na restrição, tanto do devedor quanto do magistrado, na oportunidade de liquidação do julgado, no que diga respeito ao quantum debeatur. Essa novel norma veio solucionar interpretação anterior, quando vigente o então revogado artigo 610 e então possibilitado ao devedor, na liquidação por artigos, frente a interferência interpretativa, conferindo natureza jurídica diversa à liquidação, invocar carência de ação, matéria circunscrita à fase de conhecimento. Segundo a regra atual (art. 475-G), resta clara a vedação de sequer discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou. Significa dizer que as astreintes efetivadas não podem receber do juiz qualquer decisório modificativo do patamar devido. Enfim, superada a fase de liquidação, o título tornou-se líquido e certo, considerando que exigível já o era antes de transitar em julgado a sentença de vez que a execução pode se dar provisoriamente em termos análogos. O cumprimento da sentença se desenvolverá na forma prevista no Capítulo IX, do Livro I. A primeira atuação do juiz nessa fase é quanto a multa e a penhora prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil. Ou seja, apurado em liquidação o valor e dele intimado o devedor, não havendo pagamento no prazo de quinze (15) dias, deve o juiz deferir a multa incidentária do art. 475-J determinando a penhora e a avaliação se não houve indicação de bens passíveis de penhora pelo credor já na inicial. Se apresentada impugnação, o juiz deve julgá-la nos termos do art. 475-L e seguintes. Nesse contexto, atribui efeito, manda processar, decide resolvendo a impugnação e suspende ou finaliza o processo, extinguindo-o nos termos dos arts. 794 e 795 do Código de Processo Civil. As alterações que promovem os juízes nas astreintes efetivadas, ou por retroatividade de decisão posterior modificativa do valor ou sob o pálio de onerosidade excessiva ou locupletamento ilícito (enriquecimento sem causa), parecem equivocadas, assim. Afinal, o art. 461 do Código de Processo Civil dispõe da fase de conhecimento do processo e diz respeito a obrigação de fazer e de não fazer. A multa, que se efetiva dia por dia, diferentemente, é obrigação de pagar, que atrai a regra dos arts. 475-I e 475-J do Código adjetivo civil. Na fase de cumprimento do julgado que encerre obrigação de pagar, natureza das astreintes efetivadas, seja decisão ou sentença, transitada em julgado ou não, segundo as regras legais e posições doutrinárias e jurisprudenciais enfocadas, o juiz está vinculado tão-somente a agir para efeito de liquidação do valor exeqüendo (quando 599 a parte não apresentar memória discriminada e atualizada de cálculo), às intimações das partes, aos atos de constrição, a eventual julgamento de impugnação e, a final, a declarar por sentença satisfeita a obrigação nas hipóteses previstas em lei. A atuação, diminuindo o valor de obrigação certa de pagar, como é a hipótese das astreintes efetivadas, viola as normas aplicáveis à espécie, do Código de Processo Civil e, conseqüentemente, o devido processo legal. Razão disso, não se põe temerário afirmar ser vedado ao juiz alterar o quantum apurado, das astreintes efetivadas. 600 Revista ESMAC CONCLUSÃO A Lei nº 11.232/05, revogando dispostivos atinentes e insertos no livro próprio, transmudou a execução de título judicial para o Livro I, que dispõe acerca do processo de conhecimento. A antes denominada execução de título judicial converteu-se então em fase do processo de conhecimento sob a denominação de “Cumprimento da Sentença”, tratada no Capítulo X do Livro I, nos arts. 475-I e seguintes. O cumprimento da sentença, segundo norma do art. 475-I do Código de Processo Civil, passou a se dar conforme a natureza do julgado. A regra é de que far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução nos termos dos demais artigos do Capítulo X do Livro I. O processo de execução (Livro II) restou relegado aos títulos extrajudiciais, sendo aplicado ao cumprimento da sentença tão-somente no que não colidente com as regras próprias inseridas no processo de conhecimento (Livro I). Ou seja, quanto a legitimidade, responsabilidade patrimonial, penhora, depósito e avaliação, arrematação, remissão, adjudicação e praça. Quanto aos embargos, só se relativo a estes últimos atos. O art. 461, que determina que o juiz pode a qualquer tempo modificar o valor ou a periodicidade da multa, encontra-se no Livro I. Conforme literalidade do art. 461, que regra aplicação na fase de conhecimento, é ele incindível tão-somente nas ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer. A concessão da tutela específica da obrigação mencionada no caput do art. 461 tanto pode se dar liminarmente, intermediariamente no curso do processo ou na sentença, consoante se pode extrair das regras do próprio art. 461 e também do mandamento do art. 475-I, neste caso quando se tratar de multa efetivada em fase de exigibilidade. A modificação tratada no §6º do art. 461, portanto, só se pode nos estritos marcos e situações previstas para tal. Ou seja, entre o ajuizamento da ação e por ocasião da análise de eventual pedido liminar, ou no curso do processo, até a sentença cognitiva, contanto que se trate de obrigação de fazer ou de não fazer. Se já em fase de execução do julgado, condenatório nessas modalidades obrigacionais, a regra tem também aplicação consoante mandamento do art. 475-I. O art. 461, caput e seus §§1 º, 2 º, 3 º e 4 º, do Código de Processo Civil, tiveram suas redações alteradas através da Lei nº 8.952 de 13.12.94. Já os §§5º e 6º do art. 461 vieram ser incluídos no Código de Processo Civil através da Lei nº 10.444, de 07.05.2002. O art. 461-A, também acrescentado pela Lei nº 10.444/2002, já que o art. 461 houvera versado sobre obrigação de fazer ou de não fazer, passou a regrar a ação cujo objeto seja a entrega de coisa, também prevendo a concessão de tutela específica com fixação de prazo para cumprimento da obrigação. O §3º do art. 461-A, acrescentado em mesma oportunidade, estatui que para esse tipo de ação – entrega de coisa certa ou incerta –, podem ser aplicadas as normas dos §1º ao 6º do art. 461 referentes a obrigação de fazer e de não fazer. Corroborando que referidos artigos dizem respeito unicamente à fase de conhecimento é a norma do art. 462, que determina ao juiz tomar em consideração eventual fato 601 constitutivo, modificativo ou extintivo do direito que possa influir no julgamento da lide. O julgamento da lide se dá exatamente via de sentença, na fase de conhecimento. Também o art. 463 faz consolidar a afirmação, uma vez que sumariza que o juiz só pode alterar a sentença, depois que for ela publicada, para lhe corrigir inexatidões materiais ou lhe retificar erros de cálculos, e através de embargos de declaração. O art. 466, mesmo sem transitar em julgado a sentença, dispõe que é dela efeito a produção de hipoteca judiciária. O Capítulo X do Livro I, que trata da Liquidação da Sentença, resultou inserido no Código de Processo Civil via da Lei nº 11.232/06, como de igual o instituto do Cumprimento da Sentença (Capítulo X) que se inicia exatamente com o art. 475-I. Antes de tratar do cumprimento da sentença, o Código de Processo Civil tratou de prever sua liquidação quando necessário. Ou seja, se não determinado o valor devido, caso em que prevê o §1º do art. 475-A a necessidade de intimação da parte do requerimento de liquidação. Dependendo a sentença apenas de cálculo aritmético, o art. 475-B dispõe que o credor requererá seu cumprimento na forma do art. 475-J. O art. 475-J mencionado preconiza que se o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, suportará acréscimo de 10% sobre a condenação, expedindo-se o mandado de penhora a requerimento do credor. O §1º de mencionado artigo dispõe que o executado deve ser intimado da penhora, passando daí a correr o prazo de quinze dias para o oferecimento de impugnação, que só poderá versar acerca das hipóteses previstas no art. 475-L recém inserido no Código de Processo Civil em 2006, também pela Lei nº 11.232/05. A impugnação, segundo o art. 475-M, de regra, não terá efeito suspensivo, o qual só se dará em caso de relevância dos fundamentos e o prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado dano de difícil ou incerta reparação. Mesmo que atribuído efeito suspensivo à impugnação, ao exeqüente restou assegurado o direito de pedir o prosseguimento da execução mediante oferecimento de caução idônea, processando-se a impugnação com esse efeito nos próprios autos de conhecimento como determina o art. 475-M, §§1º e 2º. O §1º do art. 475-I dispõe da possibilidade de ser executada a sentença antes de se operar seu trânsito em julgado, cujo recurso tenha sido recebido somente no efeito devolutivo. O art. 475-O dispõe que a execução provisória, no que couber, se dará do mesmo modo que a definitiva, correndo por conta e responsabilidade do exeqüente e ficando sem efeito sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, com liquidação de eventuais danos. O inciso III do art. 475-O prevê até a possibilidade, na execução provisória, de levantamento de depósito em dinheiro mediante caução suficiente e idônea. Segundo as regras do art. 461, somente na ação (fase de conhecimento) que diga respeito a obrigação de fazer ou de não fazer e na que tenha por objeto a entrega de coisa (art. 461-A) podem ter aplicação as regras nele estatuídas. Em execução, conforme literalidade do art. 645, somente se disser respeito a título extrajudicial e ao mesmo tipo de obrigação. Quando o título exeqüendo tiver natureza judicial, a incidência das regras dos arts. 461 e 602 Revista ESMAC 461-A tem lugar se a condenação for, também, em obrigação de fazer, ou de não fazer ou de dar coisa certa, conforme disposto no art. 475-I do Código de Processo Civil. Com as novéis alterações do Código de Processo Civil, que revogaram os artigos próprios do Livro II, não existe mais execução de título judicial (sentença). Mas apenas cumprimento da sentença, como fase do processo de conhecimento e após a liquidação quando necessária. Mesmo quando a execução de sentença se processar em autos apartados, no caso de execução provisória ou no caso de execução onde se encontrar bens ou no domicílio do devedor (art. 475-P, parágrafo único), a regra a ser aplicada é a do art. 475-I por tratar-se de título executivo judicial. Volte-se a anotar que o processo de execução (Livro II) restou relegado aos títulos extrajudiciais, sendo aplicado ao cumprimento da sentença tão-somente no que não colidente com as regras próprias inseridas no processo de conhecimento (Livro I). Ou seja, quanto a legitimidade, responsabilidade patrimonial, penhora, depósito e avaliação, arrematação, remissão, adjudicação e praça. Quanto aos embargos, só se relativo a esses últimos atos, uma vez que na execução de título judicial a irresignação cabível se processa via de impugnação. Na fase de cumprimento da sentença não cabem embargos do devedor, mas impugnação (art. 475-J, §1º) sobre as matérias elencadas no art. 475-I. Os embargos restaram reservados somente às execuções de título extrajudicial e às execuções da Fazenda Pública. A sentença recebeu nova definição após a Lei nº 11.232/05, de modo que é hoje o ato do juiz que implica algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil. Ou seja, o ato que resolver, ou não, o mérito da causa (art. 162, §1º). A sentença na fase de cumprimento do julgado (execução) não contém provimento satisfativo, mas consubstancia-se meramente em ato formal declaratório de encerramento do processo quando ocorrente alguma das causas extintivas elencadas no art. 794 do Código de Processo Civil. Não havendo resolução de mérito na fase de cumprimento da sentença, mesmo porque não há mérito a ser apreciado na execução, a sentença plasmada no art. 795 do Código de Processo Civil tem natureza estrita e vinculada à satisfação da obrigação, à transação, à remissão ou a outro meio de extinção do litígio por concessões recíprocas, além de quando ocorrente renúncia ao crédito exeqüendo. A satisfação da obrigação, salvo ajuste em contrário entre as partes, atrela-se ao que depurado do julgado. A multa cominatória tem natureza e função distinta de multa moratória e de multa compensatória integrantes da cláusula penal. Não pode decorrer de negócio jurídico, só tendo aplicação e incidência nos casos previstos em lei e quando houver processo judicial em curso. As astreintes, diferentemente da cláusula penal, não têm vinculação a teto algum. Nem mesmo com a obrigação principal. Embora as astreintes não sejam a pretensão da lide, uma vez cominadas e descumprida a ordem judicial, incidem dia por dia tornando-se efetivas. Tornam-se dívida de dinheiro e comportam execução por quantia certa nos termos do art. 475-I e seguintes do Código de Processo Civil. O pagamento, como forma de extinção das obrigações, segundo art. 708 e seguintes do Código de Processo Civil, far-se-á ou pela entrega do dinheiro, pela adjudicação dos bens 603 penhorados ou pelo usufruto de bem imóvel. Portanto, sem que haja pagamento efetivo do montante apurado relativo às astreintes, mediante a entrega de dinheiro ou pelas outras duas vias correspectivas, impróprio se afigura extinguir o processo de execução dizendo satisfeita a obrigação. A aplicação das regras da proporcionalidade e da razoabilidade, para efeito de reduzir valor efetivado de astreintes, não parece apropriado porque não guardam elas correlação com valor pecuniário, mas tão-somente com a adequação entre os meios e os fins. Para a exigibilidade das astreintes efetivadas o meio não é outro senão a via da instauração da fase de cumprimento do julgado após liquidação para apuração do quantum exeqüendo se necessário. E a finalidade é buscar o desfecho único de todo processo executivo, ou seja, o pagamento do valor correspondente às astreintes efetivadas, depuradas de decisório judicial alcançado pela preclusão ou pela coisa julgada. O princípio do devido processo legal contém ínsito o da legalidade que regra obediência às normas compositivas do Ordenamento Jurídico estando afetas ao juiz como dever. O Código de Processo Civil, em seu art. 125, dispõe que o juiz dirigirá o processo conforme as disposições do Código. E esse Código tem regramentos próprios para a fase de cumprimento do julgado, estatuídas a partir do art. 475-I após superada a fase de liquidação. O enriquecimento é instituto que exige a existência de amparo legal e causa justa. Em relação à multa cominatória efetivada, uma vez ser ela decorrente de texto de lei (arts. 461, 461-A ou 645 do Código de Processo Civil), e de decisão judicial antecedente, encerra plena e legítima causa jurídica, do que parece lógico não se haver falar em ausência dela para eventual enriquecimento dessa origem. Nem de, em razão de vultuoso montante, tê-lo por excessivo e por isso só invocar regras da proporcionalidade e da razoabilidade como estanques ao enriquecimento com causa. Em conclusão, depreende-se não ser adequado modificar valor de astreintes efetivadas, quer seja na fase de conhecimento quanto na de cumprimento da sentença. Nenhuma decisão parece poder retroagir para modificar as astreintes consumadas, mesmo quando nova decisão sobrevier modificando-lhes para menor o valor diário de incidência. As decisões nesse porte violam o devido processo legal. E quando verificada, sendo a matéria de ordem pública, deve ser conhecida de ofício e em qualquer grau de jurisdição. Convenha-se que o que afronta o devido processo legal é nulo pleno iuris, e mesmo sob o rótulo de transitado em julgado o decisório deve ser declarado sem qualquer efeito. Afinal, as astreintes somente produziram efeito inter-partes, não ensejando qualquer prejuízo a terceiro. E a nulidade absoluta por afronta ao devido processo legal não pode merecer resguardo. Na fase de exigibilidade das astreintes efetivadas, o poder conferido ao juiz, conforme dispositivos legais e firme jurisprudência, cinge-se às medidas propiciadoras de satisfação da obrigação de pagar o montante calculado. Sendo decorrentes de título judicial (decisões ou sentença), a regra a ser aplicada é a do art. 475-I e seguintes do Código de Processo Civil. Tratando-se de fase de cumprimento do julgado, a modificação do valor e da periodicidade da multa efetivada viola o devido processo legal sendo passível de nulificação. Deve ser considerado que qualquer montante expresso em título extrajudicial não sofre apreciação do magistrado em fase executiva, nem mesmo sendo questionado qualquer aspecto da substancialidade que possa desnaturar a literalidade e autonomia do título. Com muito mais 604 Revista ESMAC razão, parece irrazoável e desproporcional alterar valor de um título judicial. O poder de jurisdição e o da livre convicção do julgador exigem observância e cumprimento da lei, pena de configurar abuso, propiciar indignidade da justiça, senão ser sumário da própria injustiça. As astreintes efetivadas fluem dia por dia, convertendo-se assim em obrigação de pagar em face do que incabível pretender reduzir o valor calculado em fase de exigibilidade sob o escudo do art. 461 do Código de Processo Civil, aplicável apenas na fase de conhecimento ou quando a execução disser respeito a obrigação de fazer ou de não fazer. Assim, e por estas razões, a aluna conclui que as astreintes efetivadas não comportam nenhum poder de gestão do juiz para modificar-lhes o valor. Que decisão nesse sentido é nula pleno iuri. Que o credor de astreintes efetivadas tem direito líquido e certo à percepção de qualquer montante que vier alcançar a liquidação do título que as fixou. Que, afinal, o poder de gestão limita-se à direção do processo visando ao alcance do fim consignado no decisório, que é também o do credor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MACHADO, Hugo de Brito, Curso de direito tributário, 20ª ed. rev. Atualizada e ampliada, Malheiros Editores, 2006. MACHADO, Antônio Cláudio da Costa (organizador). CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu (coordenadora). Código civil interpretado Brasil – Barueri, SP : Manole, 2008 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 7. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2008. ASSIS, Araken de. 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Acesso em: 14 de agosto de 2008. 606 Revista ESMAC CONSIDERAÇÕES SOBRE A GESTÃO DE CARTÓRIO DE VARA CRIMINAL GENÉRICA, INSTALADA EM PEQUENA COMARCA DO INTERIOR DO ESTADO DO ACRE, NO QUE SE REFERE A PROCESSOS DE EXECUÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE, NOS REGIME FECHADO E SEMI-ABERTO, VISANDO ALCANÇAR AS FINALIDADES DAS PENAS Thais Queiroz Borges de Oliveira Abou Khalil 1. INTRODUÇÃO O novo tempo vivenciado pelo Poder Judiciário no Brasil, precedido de críticas e duras manifestações de desagrado por parte da população, insatisfeita com a ineficiência e com a morosidade da prestação jurisdicional, e também com a dificuldade de acesso à tutela estatal, tem despertado os juízes e suas equipes para a responsabilidade que têm pela verdadeira reprovação, por parte da população, dos serviços que vêem prestando. Após a Constituição Federal de 1988, a demanda ao Poder Judiciário cresceu consideravelmente, e não encontrou vazão em razão da precariedade das estruturas humanas e físicas, bem como da legislação ultrapassada. Ao mesmo tempo, os olhos da população, impulsionados pela imprensa, voltaram-se para os Fóruns e Tribunais, dando-se publicidade ao fracasso da prestação jurisdicional em muitos, para não se dizer, na maioria dos litígios submetidos a julgamento. O despertar veio em primeiro momento através de alterações legislativas, que facilitaram o acesso à tutela jurisdicional e racionalizaram os procedimentos, criando-se mecanismos para freiar o uso indiscriminados de atos meramente protelatórios, que perpetuavam o processamento dos feitos, tornando intempestivas as decisões judiciais. Ao lado das reformas legislativas, precipuamente processuais, os tribunais começaram a investir em recursos humanos e a melhorar a estrutura física de suas instalações, tudo de modo a propiciar adequadas acomodações aos jurisdicionados e às equipes de trabalho, além de estruturar e capacitar estas últimas, para bom atendimento dos primeiros e para o adequado processamento dos feitos. Constataram-se, finalmente, as deficiências dos tribunais, em todas as suas esferas, no que se refere aos atos de gestão. Desde a administração dos tribunais, passando-se pelos chefes de setores da administração, e chegando-se até os juízes, dentro de suas unidades judiciais, em nenhuma dessas esferas havia consciência da imprescindibilidade da boa administração, e os atos de gestão eram executados intuitivamente, já que seus executores sequer detinham formação acadêmica para tanto. Trazendo a questão especificamente às unidades judiciais, o que se verificava eram juízes extremamente capacitados e operosos, porém especificamente em relação a suas atribuições jurídicas. O excesso de trabalho, decorrente do fato de se responsabilizaram por 607 processos em número bastante superior ao recomendável, aliado ao fato de, muitas vezes, responderem por outras unidades judiciais além da de sua titularidade, os impediam de atentar-se para outros assuntos senão a prolação de sentenças, a realização de audiências, enfim, a temas jurídicos, para os quais estavam capacitados. Porém, verificou-se que, mesmo com os avanços legislativos, com a melhoria das condições de instalação física de suas unidades, do aumento do número de membros nas equipes de trabalho e a satisfatória capacidade destes para o desempenho das tarefas cartorárias, a ineficiência se manteve em larga escala e a celeridade não foi alcançada. Nesse momento, então, é que foi constatada a grave deficiência da gestão cartorária e as implicações diretas e negativas que traziam sobre o desempenho da atuação jurisdicional. Um simples olhar mais atento às unidades cartorárias foi suficiente para que muitos magistrados percebessem que de nada valiam as estruturas físicas e humanas disponíveis, se não estivessem bem coordenadas e usufruídas em sua integralidade. A boa atuação de um magistrado é totalmente dependente da atuação do cartório que movimenta o processo. Sentenças e despachos não executados pelo cartório, nada representam aos jurisdicionados senão um amontoado de papéis. Por isso, o processo de modernização do Poder Judiciário, que hoje pode ser constatado em muitos tribunais, deve-se, em muito, a este despertar para a imprescindibilidade dos atos de gestão cartorária. Seguida a esta constatação, surgiu vasto interesse dos profissionais do Direito que exercem atos de gestão, por conhecimento em torno do tema, já que a administração cartorária não pode continuar a ser feita intuitivamente. A grande dificuldade dos magistrados é exatamente alinhar seus conhecimentos jurídicos e sua experiência na movimentação dos processos, aos atos conscientes e preordenados de gestão. Nos grandes centros, em que as unidades cartorárias são especializadas e, em muitos casos, movimentam um único modelo de processo, é mais simples planejar-se a tramitação dos feitos, que se assemelha em muito à área de produção de uma empresa, executando-se cada etapa, de maneira sempre idêntica, até se alcançar o produto final que, em um processo, seria uma sentença ou o resultado da execução desta. Porém, esta realidade não se aplica a unidades judiciais genéricas, nas quais são movimentados vários procedimentos distintos. Nesses casos, requer-se maior conhecimento por parte da equipe de trabalho e mais complexidade na organização do cartório. Pretende-se, justamente, através da presente pesquisa, voltada a juízes e a profissionais que atuam na movimentação de processos, propor-se um modelo de gestão de um cartório judicial genérico, que movimenta feitos exclusivamente criminais, mas focando-se o estudo aos processos de execução de penas em meios fechado e semi-aberto, já que a experiência demonstra que, embora em número inferior, representam a parte mais complexa das atividades cartorárias. A pesquisa localiza-se, também, em uma vara instalada em pequena comarca do interior do Estado do Acre, onde o reduzido número de habitantes e a força da imprensa local, através da rádio, apresenta-se como fator de auxílio à atuação jurisdicional nas ações de execução penal. Não se trata, exatamente, da revelação do “segredo de um sucesso” ou de uma 608 Revista ESMAC “fórmula milagrosa”. Na verdade, procura-se encontrar mecanismos de profissionalizar a gestão cartorária especificamente dos feitos de execução penal em meios fechado e semiaberto, após a consciência da imprescindibilidade destas ações para que referidos processos cheguem a termo alcançado o objetivo proposto e esperado pelo apenado e pela sociedade em geral. Para tanto, inicia-se o trabalho abordando conceito de gestão e enfatizando-se a imprescindibilidade da gestão eficaz de cartórios judiciais. Fala-se sobre as penas, narrando-se a origem e evolução das mesmas, apresentando-se as diversas teorias a respeito de suas finalidades e demonstrando-se as que foram adotadas pelo ordenamento jurídico pátrio, já que a meta dos cartórios que movimentam processos de execução penal deve ser, justamente, que a pena imposta alcance os objetivos propostos na legislação. Focam-se, em linhas gerais, as regras da execução penal no Brasil, abordando-se a recente alteração legislativa que permitiu a progressão de regime aos condenados pela prática de crimes hediondos, já que esta inovação repercutiu sobremaneira na tramitação dos processos de execução penal, simplesmente porque o número de incidentes possíveis em um processo de execução de pena cumprida em regime semi-aberto é consideravelmente maior se comparado ao processo em que a pena é cumprida exclusivamente em regime fechado. Aborda-se a grande relevância da atuação jurisdicional ao longo da execução da pena, intermediando, com a necessária imparcialidade, os interesses de punir do Estado, e de que sejam cumpridas as leis, por parte dos reeducandos. Finalmente, aborda-se a atuação de todos os entes envolvidos e interessados no sucesso da execução das penas, quais sejam, o reeducando, a sociedade, o juiz, a unidade prisional e o cartório judicial, focando-se a análise a este último e apresentando-se, então, propostas de gestão justamente para que, a depender da atuação cartorária, os objetivos das reprimendas sejam efetiva e tempestivamente alcançados. 609 2. O QUE É GESTÃO? Pode-se dizer que até agora o empirismo tem remado na administração dos negócios. Cada chefe dirige à sua maneira, sem se preocupar em saber se há leis que regem a matéria. É necessário introduzir o método experimental, como Claudio Bernard introduziu na medicina, isto é, observar, recolher, classificar e interpretar os fatos. Instituir experiências. Impor regras.585 Estas são palavras de Henri Fayol, celebre engenheiro francês do século XIX que deu origem ao fayolismo, desenvolvendo conceito e técnicas de gestão. A constatação de Fayol foi o marco para que diversos estudos fossem desencadeados em torno da relevância da atuação direcional das instituições, que, conforme suas lições, devem ser administradas pautando-se nos seguintes princípios: “previsão, organização, mando, coordenação e fiscalização”.586 Na obra entitulada Administração Industrial e Geral, Henri Fayol relacionou seis operações existentes em todas as empresas, sendo elas as operações técnicas, comerciais, financeiras, de segurança, de contabilidade e administrativa. Sobre esta última, adotou a seguinte definição: Administrar é prever, organizar, comandar, coordenar e controlar. Prever é perscrutar o futuro e traçar o panorama de ação. Organizar é constituir o duplo organismo, material e social, da empresa. Comandar é dirigir o pessoal. Coordenar é ligar, unir e harmonizar todos os atos e todos os reforços. Controlar é velar para que tudo ocorra de acordo com as regras estabelecidas e as ordens dadas.587 Contemporâneo a Henri Fayol, o também engenheiro Frederick Winslow Taylor foi o precursor da Escola de Administração Científica. Americano, Taylor, tal qual Fayol, também vislumbrava a necessidade da improvisação e do empirismo cederem lugar à ciência e ao planejamento. Entretanto, sua abordagem partiu da meta de aumentar a produtividade da empresa aumentando o nível operacional. Seu estudo focou o operário, os métodos de trabalho, os movimentos e o tempo necessários à execução de uma tarefa, criando o que se chamou de Organização Racional do Trabalho.588 Abordando a Administração sob diversas frentes, Idalberto Chiavenato ressalta a Relevância da Escola das Relações Humanas, na medida em que reconhece que o sucesso da organização depende da abordagem humanística das pessoas e, por conseguinte, do poder de lide-rança do administrador. Sobre a Teoria Neoclássica da Administração, que se pauta nos princípios da Teoria Clássica, adaptando-se, porém, aos dias de hoje, Idalberto Chiavenato cita suas principais características, quais sejam: “1. Ênfase na prática da administração. 2. Reafirmação dos postulados clássicos. 3. Ênfase nos princípios gerais de Administração. 4. Ênfase nos objetivos e nos resultados. 5. Ecletismo nos conceitos”.589 585 FAYOL, Henri. Administração Industrial e Geral. São Paulo: Atlas, 1986, p. 11. 586 FAYOL, Henri. Op. cit., p. 12. 587 FAYOL, Henri. Op. cit., p. 26. 588 TAYLOR, Frederick W. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 1998. 589 CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, p.27. 610 Revista ESMAC Em relação à abordagem estruturalista da Administração, citando-se o sociólogo alemão Max Weber, Chiavaneto ressalta a relevância da análise da burocracia como forma de contribuição para toda a organização, mas informa que “a oposição entre a Teoria Clássica e a Teoria das Relações Humanas criou um impasse na Administração que a Teoria da Burocracia não teve condições de ultrapassar.”590 E conclui: “A Teoria Estruturalista significa um desdobramento da Teoria da Burocracia e uma leve aproximação à Teoria das Relações Humanas. Representa uma visão crítica da organização formal”.591 Sob o ponto de vista comportamental, a Administração também deve focar nas pessoas, porém, em contexto organizacional mais amplo, oferecendo ao administrador vários estilos de administrar (teorias X e Y), a serem selecionados conforme a visão daquele acerca do comportamento humano da organização. Fala-se, ainda, na Teoria do Desenvolvimento Organizacional, cujo foco principal “está em mudar as pessoas e a natureza e a qualidade de suas relações de trabalho”. Trata-se de “uma mudança organizacional planejada”.592 Influenciada pela Teoria Geral dos Sistemas, elaborada por volta de 1950, pelo alemão Ludwig von Bertalanffy, a Teoria Geral da Administração abandonou os princípios do reducionismo, do pensamento analítico e do mecanicismo, que influenciavam a Teoria Clássica, substituindo-os pelos princípios do expansionismo, do pensamento sintético e da tecnologia. Constatando-se a inexistência de uma fórmula de sucesso a ser adotada em todas as organizações, percebeu-se que as instituições sofrem influências do meio externo e, por isso, que a eficácia dependerá de modelos organizacionais únicos, implantados em cada uma delas. Eis a abordagem contingencial da Administração, que visa traçar modelos adequados para situações específicas. Dentre as funções administrativas, cite-se, modernamente, o planejamento, que, na lição de Idalberto Chiavenato “é a função administrativa que define objetivos e decide sobre os recursos e tarefas necessários para alcançá-los adequadamente”.593 O processo de planejamento faz parte da gestão e inclui etapas de definição dos objetivos da organização, constatação da situação atual, relação das premissas a serem alcançadas, proposição de alternativas para tanto, opção pela melhor alternativa proposta, implementação do plano escolhido e avaliação dos resultados obtidos. Antes da execução de qualquer ato de gestão, deve-se elaborar o planejamento da instituição. Aliado ao controle, à organização, e à direção, o planejamento integra o ciclo administrativo da instituição, cuja meta é otimizar o desempenho instituição, garantindo a eficácia de sua atuação. 590 CHIAVANETO, Idalberto. Op. cit., p. 47. 591 CHIAVANETO, Idalberto. Op. cit., p. 47. 592 CHIAVANETO, Idalberto. Op. cit., p 61. 593 CHIAVENATO, Idalberto. Op. cit., p. 409. 611 3. RELEVÂNCIA DA GESTÃO DO CARTÓRIO JUDICIAL O Poder Judiciário é visto e reconhecido na sociedade, comumente, através dos magistrados que o compõem. Os méritos e deméritos da prestação jurisdicional são geralmente atribuídos exclusivamente aos julgadores. Esta é a visão da sociedade e não precisa ser mudada. Ao jurisdicionado pouco importa o que se movimenta para que haja uma decisão judicial e para que a mesma se concretize. Importante é que tal ocorra em tempo oportuno, com eficiência e, principalmente, com justiça. Esta é a visão do jurisdicionado, mas não deve ser a do próprio Poder Judiciário que, compreendendo-a, não pode se olvidar de conhecer-se a si próprio através de outros olhos. É fundamental o estudo pormenorizado da estrutura institucional, para que se possa reconhecer e priorizar os instrumentos mais relevantes à prestação jurisdicional adequada. É sob este ponto de vista que devem ser analisados os Cartórios Judiciais que, vistos inicialmente como meros instrumentos que propiciam ao julgador exercer a jurisdição e executar suas decisões, ganharam especial atenção na medida em que se constata que do seu desempenho depende o desempenho do próprio julgador e, por conseguinte, da jurisdição estatal. Para responder a demandas, solucionar litígios, compor as partes, aplicar a lei, penalizar criminosos, pacificar a sociedade, enfim, para exercer a jurisdição estatal, o julgador não pode agir isoladamente, sob pena de total ineficácia de seu trabalho. Por mais operoso, dedicado, comprometido, preparado ou justo que seja um magistrado, seus méritos de nada valem se a ele não estiver agregada uma equipe, igualmente valorosa e competente, para permitir exeqüibilidade às decisões judiciais. Neste contexto é que se insere a relevância da gestão dos Cartórios Judiciais. A estes, devem-se voltar as atenções da administração dos Tribunais e também de seus chefes imediatos – os juízes. As atividades cartorárias devem ser planejadas estrategicamente. Deve-se estabelecer a missão, a visão e os valores que as permeiam. Devem-se traçar objetivos e metas, mapear-se procedimentos, avaliar-se criticamente o desempenho, ouvir-se os jurisdicionados e os co-autores de sua atuação (Ministério Público, Ordem dos Advogados, Defensoria Pública, Procuradorias, Polícias, Conselho Tutelar, dentre outros). Os Cartórios Judiciais devem ser dotados da estrutura física e humana necessária a realização de suas tarefas, mas, mais que isso, devem ser reconhecidos como instrumentos vitais da prestação jurisdicional e não meros coadjuvantes. O Poder Judiciário se faz, na verdade, da atuação conjunta do saber jurídico, concentrado no juiz, e da operosidade do Cartório. Na medida em que são chefiados por magistrados, cuja formação acadêmica não inclui a de gestão, os cartórios acabam sendo geridos sem o necessário planejamento, agem quase que por inércia. Adequam-se ao sabor do magistrado que o chefia. Geralmente, não é dispensado o cuidado necessário para a seleção e capacitação da equipe que os compõe. Também não se dedica atenção à estrutura física. Não se ocupa de mapear os processos de trabalho que, por conseqüência, acabam não sendo uniformes e precisos. Enfim, toda a desatenção à gestão cartorária finda repercutindo negativamente na atuação jurisdicional, daí a relevância de se buscar reverter este processo, chamando a atenção das administrações dos tribunais e dos juízes para a relevância do tema. 612 Revista ESMAC As empresas privadas, com o objetivo de atingir a meta de aumentar seus lucros, reconhecendo que para tanto necessitam satisfazer seus clientes, investem na elaboração de planos de gestão, compreendendo a relevância do tema para que a meta seja cumprida. Assim também deve ser a atuação do Poder Judiciário, responsável pela prestação jurisdicional que, embora não vise lucros, objetiva satisfazer o jurisdicionado. A compreensão em torno das atividades cartorárias não pode ignorar a existência de um processo de trabalho, voltado à entrega de um produto – jurisdição. Este produto deve atender às necessidades daquele que o recebe e, em se tratando da prestação jurisdicional, não se está fazendo referência ao seu mérito. Pouco importa, neste processo, se a decisão judicial foi ou não favorável ao demandante. Importa se houve uma decisão, se foi proferida em tempo oportuno e se foi executada correta e tempestivamente. O produto da atividade jurisdicional é também a entrega e não apenas o conteúdo da manifestação judicial, por isso, a qualidade deste produto não depende apenas do conhecimento jurídico ou da eficiência do julgador, mas do comprometimento e do empenho de toda sua equipe. A administração dos tribunais é responsável pela estrutura física que abriga o Cartório Judicial, pela disponibilização de instrumentos de trabalho, pelo fornecimento, remuneração e capacitação da mão-de-obra. Ao juiz, compete liderar a equipe, estabelecendo as atribuições de cada um e fiscalizando, permanentemente, o cumprimento e a qualidade de suas tarefas. Ainda que não lhe compita a providencia em torno da estrutura física do Cartório, o juiz deve cuidar para otimizar a estrutura disponível. O cuidado vai da disposição e do desenho dos móveis, à acomodação de cada funcionário no espaço de trabalho. Tudo interfere na qualidade do serviço: se a cadeira não é adequada para a tarefa de digitação, há prejuízos à produtividade e à saúde do servidor; se os servidores não estão acomodados de forma conveniente, há desnecessária movimentação de processos e de pessoas no espaço. Uma fórmula interessante que pode ser utilizada para auxiliar na organização física do Cartório é apresentada por Karou Ishikawa, que a criou em 1950. Trata-se do “Programa 5S”,sendo que cada “S” corresponde a uma ação, no idioma do idealizador da proposta (japonês): - Seiri – descarte: Separar o necessário do desnecessário. - Seiton – arrumação: Colocar cada coisa em seu devido lugar. - Seisso – limpeza: Limpar e cuidar do ambiente de trabalho. - Seikestu – saúde: Tornar saudável o ambiente de trabalho. - Shitsuke – disciplina: Padronizar a aplicação dos “S” anteriores. O juiz deve voltar sua atenção, também, a conhecer sua equipe, tomando cuidado para definir atribuições conforme aptidões de cada um. Deve ser atento à motivação da equipe de trabalho, mantendo-a a par das metas a serem alcançadas e dos indicadores de desempenho do tribunal. Como forma de imprimir transparência e celeridade aos processos de trabalho, o julgador deve padronizar e mapear as tarefas do Cartório Judicial, construindo árvores de processo de trabalho e trazendo toda a equipe à discussão em busca de soluções para os pontos de estrangulamento da capacidade produtiva, sem deixar de intercambiar soluções criativas que tenham sido implementadas em outras unidades. É de extrema relevância que todo o grupo de trabalho tenha ciência dos objetivos a 613 serem alcançados, da relevância de seus desempenhos para o sucesso da atuação jurisdicional, além de estarem comprometidos e motivados. Deve-se eliminar dos Cartórios Judiciais aquelas atividades mecânicas e repetitivas, executadas por quem não sabe o porquê ou o para que faz. Os pequenos detalhes da ação cartorária devem ser previamente pensados, estudando-se a melhor forma de execução das tarefas. O planejamento das ações deve ser minucioso e observado com rigor. O Cartório deve ser compreendido como uma indústria, responsável pela fabricação de um produto e ciente da missão de o fazer com celeridade e eficácia. Qualquer falha na elaboração ou na execução do processo de trabalho pode frustrar ou atrasar a entrega do produto ao destinatário, prejudicando a credibilidade e comprometendo o alcance da meta da instituição: a pacificação social. 614 Revista ESMAC 4. ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS PENAS As relações entre os homens fez surgir a necessidade das punições, em virtude dos conflitos inerentes às relações sociais. Inicialmente, as penas extrapolavam a pessoa do ofensor, na medida em que atingiam todo o grupo social ao qual o mesmo pertencia. Tratava-se da vingança de sangue, estabelecida entre as tribos, como forma de solidariedade e força. Se um membro da tribo ou clã era ofendido, todo o grupo estava legitimado a atacar não apenas o ofensor, como também todos os membros do grupo ao qual este pertencia. Esta forma de punição não levava em consideração a gravidade da falta praticada, nem tampouco questões de equidade ou justiça. Trazia conseqüências irreparáveis a ambos os grupos envolvidos, além de vitimar inocentes. Justamente por todos estes inconvenientes, foi que a vingança de sangue findou substituída pela expulsão e banimento do ofensor do grupo. Assim, garantia-se que apenas o próprio ofensor fosse penalizado. Surgiu, também, a noção de pena proporcional à falta praticada. Extrai-se do Código de Hamurabi e do Livro de Êxodos a lei do talião, através da qual a pena era imposta na mesma proporção e gravidade da ação. Porém, conforme lição de José Antônio Paganella Boschi: a crítica mais aguda ao olho por olho, dente por dente foi articulada por Ferrajoli, ao dizer que o modelo padecia do defeito de impossibilitar o processo de formação da tipicidade. Se as penas deviam ter a mesma qualidade que os delitos, seria imprescindível que existissem tantos tipos quantos fossem aqueles. Como isso não é possível, disse ele, a multiplicidade de penas consiste em uma multiplicidade de aflições não taxativamente predeterminadas em lei, desigualdades, dependente de sensibilidade de quem as padece e da ferocidade de quem as inflige.594 A Idade Média foi período marcado pela punição desumana e cruel. Aplicada apenas ao ofensor, mas que não se propunha à prevenção de delitos ou à reincerssão social do criminoso, mas apenas a demonstrar o poder absoluto do Estado, alicerçado em crenças fanáticas apregoadas pela Igreja e avesso a críticas ou questionamentos. Assim, as penas eram voltadas ao corpo do acusado e executadas publicamente, em rituais tenebrosos que atraiam a atenção da população, carente da assistência estatal. Nesse período, a confissão era tida como a “rainha” das provas e, via de regra, era obtida através de tortura. Beccaria, através de sua obra “Dos delitos e das penas”, foi das primeiras vozes a se levantar publicamente contra este modelo equivocado e distorcido da lei penal. Beccaria questionou a atuação dos órgãos públicos que, em lugar de freiar a atuação desmedida dos particulares, exercia “crueldades inócuas e utilize o instrumento do furor, do fanatismo e da covardia dos tiranos”!595. Segundo ele, “uma pena para ser justa, precisa ter apenas o grau de 594 BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Quarta edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 94. 595 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Hemus, 1974, p. 42.. 615 rigor suficiente para afastar o homem da senda do crime”.596 A humanização do processo de punição fez surgirem as penas que não se voltavam ao corpo, mas ao patrimônio do ofensor. Tratavam-se de indenizações pagas às vítimas ou seus familiares. Esta fase tese por marco a Revolução Francesa e a restrição da liberdade é uma de suas formas mais costumeiras. Surgiram, então, as penitenciárias, locais onde são cumpridas as penas privativas de liberdade, que modernamente se seguiram das medidas restritivas de direito. Ainda hoje, são aplicadas penalidades corporais, sendo a pena de morte a mais radical de todas elas. Durante muitos anos, a tendência foi de flexibilização, atentando-se para a proporção entre a falta e a pena. Porém, como bem enfatizou José Antônio Paganella Boschi, os recentes atentados terroristas que abalaram os Estados Unidos, realçando uma nova forma de violência, têm feito surgir movimentos no sentido de reduzir “as liberdades fundamentais, maximiza o direito penal, desvia recursos orçamentários para o aparelhamento bélico e militar e, assim, reproduz a desigualdade e a exclusão social, fontes de violência e de criminalidade”.597 No Brasil, o panorama não tem sido diferente. Sob influência da Revolução Francesa, as penas de galés e perpétuas, previstas nas Ordenações Filipinas, cederam lugar ao princípio da prescrição, da limitação ao tempo da prisão e do computo da prisão provisória à execução penal. Porém, hodiernamente, agora sob influência da crescente violência e criminalidade, também aqui se tem vivenciado o retrocesso da legislação penal, cada vez mais ocupada em aumentar as penas e agravar as regras da execução penal, como se a severidade da reação estatal e não a certeza desta reação, fosse a responsável pela solução da criminalidade e da violência que, no dizer de José Antônio Paganella Boschi, “jamais serão erradicadas por decreto.”598 596 BECCARIA, Cesare. op. cit., p. 47. 597 BOSCHI, José Antônio Paganella. op. cit., p. 95- 96. 598 BOSCHI, José Antônio Paganella. op. cit., p. 102.. 616 Revista ESMAC 5. OBJETIVOS DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE O ordenamento jurídico vigente no Brasil permite a aplicação de penas privativas de liberdade e restritivas de direitos àqueles que praticam delitos. Assim, após um juízo condenatório, o infrator estará sujeito ao ius puniendi do Estado, a quem competirá a execução da reprimenda imposta. Verifica-se, atualmente, verdadeiro clamor social em torno de impor-se maior rigor aos condenados, no que concerne à quantidade e à forma de execução da pena imposta. Isto porque tem sido crescente a criminalidade e muitas vezes inócuas as penas já aplicadas, diante do elevado índice de reincidência, esquecendo que o que fomenta esta é a forma e não a quantidade da execução da pena. Muñoz Conde599 afirma que a pena é indispensável para que seja possível a convivência em sociedade em nossos dias. Por isso, espera-se do Estado a imposição de penas que não apenas intimidem pretensos transgressores, como também que reeduquem, reinserindo à comunidade aqueles que já transgrediram a Lei Penal. Várias teorias foram formuladas em torno do objetivo da pena, podendo-se citar as que vêem na pena uma concepção retributiva e as que dela extraem uma formulação preventiva. As teorias absolutas ou retributivas da pena encontram guardia nos Estados absolutistas, nos quais havia verdadeira identidade entre o soberano e Deus, entre o Estado e a Igreja, entre o Direito e a moral. Partindo-se da premissa de que aquele que agia contra o soberano rebelava-se também contra Deus, é que surgia a idéia de que a pena deveria ser um “castigo com o qual se expiava o mal (pecado) cometido”600. Kant.601 foi um dos defensores dessa teoria. Para ele, a aplicação da pena decorre da simples prática do delito e não deve ter qualquer utilidade para o delinqüente ou para os demais integrantes da sociedade. “A pena jurídica, poena forensis, - afirma Kant – não pode nunca ser aplicada como um simples meio de procurar outro bem, nem em benefício do culpado ou da sociedade; mas deve sempre ser contra o culpado pela simples razão de haver delinquido;”602 Outro defensor da teoria retributiva da pena foi Hegel603, com a diferença que, para ele, a função da pena tem conotação mais jurídica, na medida em que encontra sua justificação na necessidade de restabelecer a vigência da “vontade geral”, simbolizada na ordem jurídica e que foi negada pela vontade do delinqüente. Por conseguinte, a pena “vem retribuir ao delinqüente pelo fato praticado, e de acordo com o quantum ou intensidade da nova negação que é a pena”.604 Carrara, Binding, Mezger, Welzel, Jescheck e o Papa Pio XII são também defensores da teoria retributiva da pena. Este último, inclusive, afirmou em sua mensagem ao VI 599 MUÑOZ, Conde. Introducción al Derecho Penal. Barcelona: Bosch, 1975, p. 33 e s. 600 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual e Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 67. 601 KANT, Immanuel. Fundamentación metafísica de lãs costumbres. Trad. Garcia Morente. 8 ed. Madrid: 1983; Princípios metafísicos de la doctrina del Derecho. México: 1978. 602 KANT, Immanuel. Princípios metafísicos. op. cit., p. 167; Fundamentación metafísica de las costumbers. op. cit., p. 85. 603 HENGEL, G. F.. Filosofia del Derecho. Espanha: 1975 604 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 72. 617 Congresso Internacional de Direito Penal: “O Juiz Supremo, em seu julgamento final, aplica unicamente o princípio da retribuição. Este há de possuir, então, um valor que não deve ser desconhecido”. Várias são as críticas em torno desta teoria. Na medida em que visa ressocializar o apenado, surge o questionamento em torno do fato da própria sociedade haver produzido, em seu meio hostil, o infrator, o que leva à conclusão de que a própria estrutura social é que deve ser modificada, e não a pessoa que transgrediu as regras impostas. Assim, José Antônio Paganella Boschi, citando Durkheim, indaga: “aceitando-se que a sociedade é criminógena, que a criminalidade sempre existirá (...), não teríamos, então, que deslocar o eixo das nossas preocupações com o criminoso para a fonte de produção do crime, ou seja, a própria sociedade?”605 e prossegue: “Desse modo, o projeto de ressocialização do homem criminoso não estaria viciado em sua base, na medida em que, na tentativa de legitimar-se socialmente, o direito penal tenta resolver o problema a partir dos efeitos, mantendo intocadas as suas causas?”606 Além disso, os críticos a esta teoria ressaltam que, na medida em que trata da ressocialização, a tese encontra resistência no fato de que a todos os indivíduos é assegurada liberdade de pensamento, de crença, de expressão cultural e artística. Enfim, em uma sociedade democrática e pluralista, o tratamento necessário à ressocialização deveria ser submetido à aceitação do apenado, a quem deve ser garantida a possibilidade de optar por ser diferente daquilo que se convencionou socialmente como sendo certo e aceitável nas relações sociais. Por fim, cite-se, também, a crítica a esta teoria, no que se refere à absoluta impropriedade das unidades prisionais para dispensar aos apenados o “tratamento” que seria necessário à ressocialização dos mesmos. Na medida em que as prisões regem-se por regras próprias, criadas pelo próprios apenados e diferentes das leis que vigoram no mundo dos “livres”, bem como que estas regras impõem muitas vezes tratamento desumano, degradante, humilhante ao apenado, não é de se esperar que a prisão produza efeitos no sentido de readequar quem quer que seja ao convívio social. Ao contrário dos adeptos da tese de que a pena deve ter caráter eminentemente retributivo ao delinqüente, estão os que atribuem à sanção concepção preventiva. Para as duas teorias a pena é considerada um mal necessário. No entanto, para as teorias preventivas, essa necessidade da pena não se baseia na idéia de realizar a justiça, mas na função, já referida, de inibir, tanto quanto possível, a prática de novos fatos delitivos.607 Feuerbach608 atribui ao Direito Penal a solução ao problema da criminalidade, por um lado através da cominação da pena e, por outro lado, com sua efetiva aplicação, como forma de verdadeira ameaça à sociedade para que se abstenha de praticar crimes. Sob a ameaça da pena o indivíduo estaria motivado a não delinqüir. Tem-se, então, a teoria da prevenção geral. Esta tese, contudo, desconsidera uma revelação relevante da psicologia do delinqüente, qual seja, sua convicção de que não será descoberto, de modo que o temor da pena 605 BOSCHI, José Antônio Paganella. op. cit., p. 110-111 606 BOSCHI, José Antônio Paganella. op. cit., p 111. 607 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p.75. 608 WINFRIED, Hassemer, Fundamentos de Derecho Pena. Barcelona: Bosch, 1984, p. 380. 618 Revista ESMAC não o impede de praticar o crime, justamente porque acredita que não estará sujeito à mesma. Fosse o contrário, países que adotam a pena de morte deveriam ter índices baixíssimos de criminalidade, o que não ocorre, conforme se observa nos Estados Unidos, por exemplo. Além disso, critica-se o fato de que não haveria limites ao poder punitivo do Estado, na medida em que a quantidade da pena poderia ser modificada até que o resultado visado fosse obtido. Critica-se, também, a possibilidade de legitimar-se ao Estado impor a um cidadão um castigo destinado a estimular os outros membros da sociedade a não delinqüirem. Em outras palavras, Roxim e Boschi enfatizam, respectivamente: “difícil compreender que possa ser justo que se imponha um mal a alguém para que outros omitam cometer um mal”609 e “como efetivamente admitir que, no plano ético, qualquer autoridade pública transforme o indivíduo, embora criminoso, em instrumento de políticas oficiais de educação do povo?”610 Assim como a teoria da prevenção geral, a teoria da prevenção especial também vislumbra na pena um meio de se evitar a prática de delitos, com a diferença que esta se dirige exclusivamente ao delinqüente em particular, para que ele não volte a delinqüir, enquanto aquela volta-se para a sociedade como um todo. Vários são os defensores dessa corrente, podendo-se citar Marc Ancel, na França e Von Liszt, na Alemanha. A prevenção especial não visa a intimidação do grupo social ou a retribuição pelo crime praticado. Visa apenas o próprio delinqüente, com o intuito de que ele não volte a transgredir as normas jurídico-penais. Para tanto, a pena deve ter o condão de corrigir, ressocializar e inocuizar. A crítica a essa teoria consiste em mencionar situações em que haveria impunidade, como no caso do delinqüente que, embora tenha praticado delito grave, não tenha nenhuma probabilidade de reincidir. Partindo da premissa de que a pena é um fenômeno complexo é que surgiu a teoria eclética, mista ou unificadora da pena, cujo primeiro idealizador foi Merkel, na Alemanha. No dizer de Mir Puig611, esta tese entende que tanto a retribuição quanto a prevenção geral e a prevenção especial são aspectos da pena. Esta combinação entre as teorias retributiva e preventiva não satisfez, fazendo surgir a teoria da prevenção geral positiva, que subdividiu-se em nas teorias da prevenção geral positiva fundamentadora e limitadora. A primeira considera que, ao tipificar uma conduta que fere bens jurídicos, o Estado está expressando e garantindo a vigência de tais valores. Já a segunda, assevera que “a prevenção geral deve expressar-se com sentido limitador do poder punitivo do Estado”.612 Em síntese, a pena deve ter caráter preventivo geral, visando intimidar e limitar a prática de delitos, agindo em prol da comunidade, mas deve estar pautada em limites de cunho preventivo especial, na busca de ressocializar o delinquente. Um Estado Democrático de Direito não pode invadir a esfera de direitos individuais de um cidadão, ainda que ele tenha praticado um delito, sem pautar-se por limites concretos e previamente estabelecidos. A pena deve conciliar o interesse da sociedade na pacificação social, sem olvidar para o interesse do delinqüente, de ver-se reintegrado ao convívio social. 609 ROXIN, Claus. Política Criminal e Estrutura Del Delito. Barcelona: PPU, 1992, p. 24 610 ROXIN, Claus. op. cit., p. 123. 611 MIR PUIG. Derecho Penal – Parte Geral. Barcelona: PPU, 1985, p. 36. 612 BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 88. 619 Foi justamente esta a tese adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que menciona, no artigo 59, do Código Penal, os fins de retribuição e de prevenção da pena, e no artigo 1º, da Lei de Execuções Penais, o cunho de ressocialização do apenado almejado pela reprimenda. 620 Revista ESMAC 6. REGRAS DA EXECUÇÃO DAS PENAS EM MEIOS FECHADO E SEMI-ABERTO A Lei 7.210/84, aliada ao Código Penal, disciplina a execução de penas no Brasil. Alicerçada em preceitos do Direito Penal, a Lei institui um sistema de execução das penas, regulamenta os direitos e as obrigações dos que estão sujeitos às mesmas, estabelece as regras dos regimes de cumprimento, institui benefícios prisionais, dentre outros. Especificamente em relação à execução das penas privativas de liberdade, impostas aos que são apenados com sanções acima de quatro anos ou que não se enquadrem nas possibilidades de substituição por medidas restritivas de direito ou suspensão condicional da pela, a Lei de Execução Penal traça as regras dos regimes fechado, semi-aberto e aberto e institui os requisitos necessários para benefícios como remição, saída temporária, trabalhos interno e externo, livramento condicional, dentre outros institutos criados para que a pena alcance seu propósito de reintegrar o apenado ao convívio social e prevenir a prática de outros crimes. Embora anterior à Constituição Federal de 1988, a Lei de Execuções Penais foi recepcionada pela Lei Maior, na medida em que preconiza o necessário à individualização da pena e de sua execução progressiva. Sobre este último aspecto, aliás, a exceção apresentada à progressividade da execução da pena pela Lei dos Crimes Hediondos, editada em 1990, foi recentemente abolida do ordenamento, após decisão do Supremo Tribunal Federal, que culminou na alteração legislativa, ampliando o prazo para a progressão de regime dos crimes hediondos, em lugar da vedação anteriormente existente. Em linhas mais claras, explica-se: a Lei dos Crimes Hediondos vedava a progressão de regime aos apenados pela prática dos delitos graves, nela relacionados. O Supremo Tribunal Federal, diversas vezes acionado a se manifestar sobre a compatibilidade de tal vedação com o princípio da individualização e progressividade da pena, assegurados pela Constituição Federal, manifestou que o preceito legal era constitucional. Porém, quando acionado para julgamento de um habeas corpus, em decisão histórica, a Corte Suprema modificou seu entendimento, contagiando os demais tribunais pátrios, que passaram a adotar o novo posicionamento, admitindo a progressão de regime aos que praticaram crimes hediondos. Pressionado pelo clamor social, o Congresso Nacional editou lei que modificou a Lei dos Crimes Hediondos, substituindo a antiga vedação pela atual permissão à progressão de regime, mas estabelecendo prazos mais rigorosos, em comparação aos que estão disciplinados na Lei de Execuções Penais, para os delitos de menor gravidade que, por isso, não são taxados como hediondos. Atualmente, portanto, caiu por terra o cumprimento de pena em regime integralmente fechado. Reeducando que praticou crime hediondo deve cumprir dois quintos de sua pena, se primário, ou três quintos, se reincidente, e ostentar bom comportamento, para alcançar a progressão. Para os demais delitos, prevalece o prazo de um sexto ou um terço da pena, variando conforme a primariedade ou a reincidência. O novo entendimento da Corte Suprema e a conseqüente alteração da Lei 8.072/90, refletiram o clamor de especialistas que sinalizavam no sentido de que o simples enclausuramento, desacompanhado de medidas aptas a capacitar o apenado ao retorno ao convívio social, impede o alcance ao objetivo da pena, na medida em que induz à reincidência, devolvendo, não precocemente, mas prematuramente, aqueles que não estão ainda aptos a tanto. 621 “A afirmação de que é possível, mediante cárcere, castigar o delinqüente, neutralizando-o por meio de um sistema de segurança e, ao mesmo tempo, ressocializá-lo com tratamento já não se sustenta, exigindo-se a escolha de novos caminhos para a execução das penas, principalmente no que tange às privativas de liberdade. Assim, tem-se entendido que a idéia central da ressocialização há de unir-se, necessariamente, o postulado da progressiva humanização e liberação da execução penitenciária, de tal maneira que, asseguradas medidas como as permissões de saída, o trabalho externo e os regimes abertos, tenha ela maior eficácia. Os vínculos familiares, afetivos e sociais são sólidas bases para afastar os condenados da delinqüência.”613 Atualmente, portanto, independente da gravidade do delito praticado, todas as penas são executadas progressivamente. A única diferença está no maior tempo que os criminosos hediondos devem cumprir de suas penas, para conquistarem a progressão. Aos que cumprem pena em regime fechado e semi-aberto, a Lei da Execução Penal e o próprio Código Penal asseguram outros benefícios além da progressão de regime. Três dias de trabalho interno no presídio diminuem um dia na pena a ser cumprida. Em regime semi-aberto, o enclausuramento pode restringir-se ao período noturno, permitindo-se a saída para o trabalho externo. Tem-se, também, a possibilidade de saída durante sete dias consecutivos, cinco vezes ao ano, para visita à família ou outros fins. Além disso, há o livramento condicional, que permite o convívio social do reeducando em tempo integral. Enfim, todas estas são medidas que relativizam o enclausuramento e preparam o preso, gradativamente, para o retorno ao convívio social, dando-lhe oportunidade de manter-se no mercado de trabalho, de relacionar-se com a família, de se mostrar apto ao cumprimento das regras e merecedor da extinção da reprimenda. A recente alteração legislativa imprimiu novo ritmo aos presídios e Cartórios que executam pena, na medida em possibilitou a “movimentação” dos processos, que antes simplesmente aguardavam nas prateleiras o curso da pena, até que o reeducando cumprisse o lapso necessário a galgar o livramento condicional (dois terços, se primário, ou três quintos, se reincidente). De qualquer sorte, solucionou a celeuma antes existente, que sancionava o próprio reeducando, na medida em que não o preparava ao retorno social, levando-o a descumprir e a perder o benefício do livramento condicional, e também à sociedade, que recebia o reeducando, sem qualquer preparo prévio, após longo e tortuoso período de enclausuramento, quase que o convidando à reincidência. 613 Julio Fabbrini Mirabete, Execução Penal, São Paulo, Saraiva, 2004, p.25 622 Revista ESMAC 7. RELEVÂNCIA DA ATUAÇÃO JURISDICIONAL AO LONGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS Debate-se acerca da natureza jurídica do procedimento de execução penal, concluindo-se, conforme lição de Ada Pellegrini Grinover, que se trata de atividade complexa, na qual atuam os Poderes Judiciário e Executivo614. A parte administrativa do procedimento fica a cargo do Poder Executivo, mais precisamente das autoridades penitenciárias. Já a apreciação dos incidentes no curso da execução fica a cargo da atuação jurisdicional, que abrange matérias de direito penal substancial (no que se refere à vinculação da sanção e do direito subjetivo estatal de castigar) e processual penal (no que tange à vinculação como título executivo)615. O artigo 1º, da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) estabelece: “Art. 1º. A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” A partir do momento em que é editada a sentença condenatória, surge ao Estado o direito de punir e ao apenado o direito de que tal ocorra conforme os preceitos legais. Entre tais direitos podem surgir conflitos, a serem dirimidos pelo Poder Judiciário, através de sua atuação jurisdicional imparcial. Como bem disse Julio Fabbrini Mirabete: “Na verdade, a lei não jurisdicionaliza a execução, mas reconhece que a execução é prevalentemente jurisdicional.”616 A atuação jurisdicional ao longo do cumprimento da pena é de extrema relevância, pois a imparcialidade do juiz se coloca como viga mestra a garantir o equilíbrio entre os interesses do Estado e do reeducando. Foi mencionada a importância da progressividade do cumprimento da pena, como requisito indispensável a que a mesma atinja seus objetivos. A legislação estabelece os parâmetros e os requisitos a serem observados para a progressão ocorra, os quais não são de ordem apenas objetiva, abrindo-se campo para a atuação jurisdicional, através da manifestação imparcial do juiz, à luz da legislação vigente. Além disso, vários são os incidentes que podem surgir ao longo da execução da pena, que demandam intervenção jurisdicional e não apenas administrativa do Poder encarregado da execução da pena. Soma de pena, livramento condicional, indulto, aplicação da lei mais benéfica, enfim, várias são as situações que podem surgir durante a execução da pena, cuja solução deve passar pelo crivo contundente do magistrado. Entretanto, esta atuação não afasta também a intervenção administrativa do juiz, como a inspeção, vigilância e fiscalização dos estabelecimentos prisionais e a criação do conselho da comunidade. Fato é que a atuação do julgador e de sua equipe de trabalho é de crucial importância para que a pena seja cumprida nos moldes estabelecidos pela legislação pátria. Assim, garante-se ao reeducando o conforto de que todo o processo de execução de sua pena está sendo acompanhado e submetido ao crivo da ação jurisdicional imparcial. 614 Enciclopédia de Direito. São Paulo: Saraiva, v. 35, e Natureza jurídica da execução penal. Execução Penal, vários autores. São Paulo: Max Limonad, 1987, p. 7. 615 Cf. LEONE, Giovani. Tratado de derecho procesal penal. Tradução de Santiago Sentis Melado. Buenos Aires: 1961. p. 472. 616 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11º edição. São Paulo: Jurídico Atlas, 2004, p. 177 623 Sendo assim, atentando-se para as determinações do primeiro artigo da Lei de Execução Penal, deve-se concluir que a atuação jurisdicional ao longo da execução da pena deve ser, em primeiro lugar, para de garantir que a decisão criminal seja fielmente cumprida e, em seguida, para propiciar a harmônica integração social do condenado. 624 Revista ESMAC 8. ANÁLISE DA ATUAÇÃO DE TODOS OS ENTES ENVOLVIDOS E INTERESSADOS NO SUCESSO DA EXECUÇÃO DA PENA 8.1 Juiz Além de responsável pela análise jurídica dos processos de execução penal, o julgador é também o chefe do Cartório responsável pela movimentação do feito, tem poder correicional sobre as unidades de cumprimento de pena, além de influência junto à sociedade e instituições para buscar parcerias em torno da boa execução das reprimendas. Na qualidade de julgador, o juiz que atua em unidade que processa execuções penais, além do conhecimento técnico a respeito da legislação aplicável à espécie, da doutrina e dos entendimentos dos tribunais pátrios, deve ter em mente a relevância de sua atuação junto ao apenado, a seus familiares e à sociedade. A legislação não pode ser aplicada às cegas, sem ser compatibilizada com as peculiaridades do local. O rigor não pode ser excessivo, a ponto de criar ao apenado apenas revolta, em lugar de arrependimento. A celeridade deve ser um compromisso observado fielmente, assim como a justeza das decisões, que devem ser compreendidas pelo reeducando. Os entendimentos a respeito de temas relevantes aos reeducandos devem ser objetivos, uniformes e as decisões até mesmo previsíveis. Assim, cria-se em torno do julgador a figura daquele que aplica a lei com equidade, com respeito aos direitos e com exigência ao cumprimento das obrigações, dispensando tratamento igual a todos que se encontram em situações iguais. A atuação do juiz na qualidade de julgador de execuções penais se dá por ocasião da apreciação de benefícios como progressão de regime, livramento condicional, saída temporária, remição e outros. Ocorre, também, na apreciação das faltas praticadas. No primeiro aspecto, o juiz deve cuidar para que o reeducando, especialmente aquele que ainda não esteve em meio aberto, tenha oportunidade de demonstrar que está apto a esta nova forma de cumprimento da pena, mostrando-se capaz de disciplina e auto responsabilidade. Deve, sempre, deixar claro ao reeducando quais as regras e condições a ele impostas e as conseqüências do descumprimento. Não pode, jamais, julgar condutas que em tese seriam consideradas infrações a tais regras e condições, sem antes dar ouvidos ao próprio reeducando, concedendo-lhe oportunidade de apresentar suas explicações. Na apreciação de faltas praticadas, nada impede que, mesmo reconhecendo o descumprimento de condição imposta, o julgador dê ao reeducando uma nova oportunidade, desde que a gravidade do fato assim o permita. Deve-se compreender ou até mesmo esperar, que, após longo período de enclausuramento, o apenado encontre certa dificuldade de reinserir-se socialmente e que, neste processo, venha a descumprir alguma das condições que lhe foram impostas por ocasião do agraciamento com algum benefício. Assim, ciente da falta e deixando claro ao apenado que a mesma foi constatada, é recomendável conceder ao mesmo nova oportunidade para demonstrar aptidão com o benefício recebido, em lugar de retirarlhe imediatamente a benesse, devolvendo-o ao cárcere. Tal entendimento justifica-se pela prática diária. Constata-se, por exemplo, que diversos reeducandos em regime semi-aberto, beneficiados com trabalho externo (geralmente 625 primeiro contato com o meio externo após a prisão), ausentam-se do local do trabalho, muitas vezes para visita a familiares. Casos como estes são diferentes de situações em que o reeducando forja uma proposta de trabalho, apenas para ausentar-se do presídio durante o dia. Uma e outra situação não podem ser sancionadas com o mesmo rigor, embora em ambos os casos tenha sido descumprida a mesma condição imposta: permanência no local de trabalho. Apesar de adequada a concessão de nova oportunidade a reeducando que pratica falta isolada, o julgador não pode ser benevolente e renovar as oportunidades indefinidamente, sob pena de cair em descrédito, inviabilizando o adequando cumprimento das penas. Uma vez advertido de que está recebendo única e, portanto, última chance de se mostrar preparado para o gozo de determinado benefício e que este será revogado em caso de nova falta, ocorrendo esta, a decisão não pode ser outra senão a prometida revogação do benefício, por maiores que sejam os apelos do reeducando Tratando mais uma vez da situação específica do apenado em regime semi-aberto, que pleiteia autorização para o trabalho externo, a praxe cartorária é solicitar a juntada aos autos da proposta de trabalho, para que o julgador avalie se é compatível e adequada para o reeducando. A avaliação desta espécie de pleito deve ser bastante criteriosa, pois, uma vez autorizado, o reeducando poderá se ausentar diariamente da unidade prisional, sem escolta. Este benefício pode ser utilizado inadequadamente por apenados ainda não preparados para o convívio social, impondo risco à sociedade. É corriqueiro em todas as regiões do país e não é diferente na região Norte, que há poucas oportunidades de trabalho para quem cumpre pena. Muitos reeducandos não conseguem o benefício do trabalho externo simplesmente porque não conseguem propostas de trabalho e, quando as têm, dificilmente são compatíveis com a legislação trabalhista, que impõe salário mínimo e carteira de trabalho assinada. Neste aspecto, a decisão do julgador não pode desconsiderar a realidade do meio onde vive, mas também não deve fechar os olhos para as artimanhas que podem ser criadas no intuito de ludibria-lo. Assim, não são recomendáveis as propostas de trabalho ambulante (que inviabiliza a fiscalização) e as oferecidas por familiares próximos ao preso (por igual motivo), sob pena de desvirtuar-se o propósito do benefício, que consiste em possibilitar ao apenado o retorno ao convívio social, através do trabalho. Para melhor avaliar cada situação e para colher do empregador o devido compromisso diante do acolhimento de apenado em seu ambiente de trabalho, o juiz pode realizar audiência destinada a oitiva de ambos, reeducando e empregador, avaliando, na ocasião, a pertinência do acolhimento do pedido, após colher informações sobre o tipo de trabalho a ser desenvolvido, o local e o horário das atividades e, principalmente, o comprometimento do empregador com a fiscalização das condições impostas ao reeducando, que devem ser conhecidas por ele. Além disso, o próprio empregador deve ser responsabilizado no caso de prestar declaração falsa, se não honrar a proposta formulada ou se mancumunar-se com o reeducando, no intuito de permitir que este se ausente da unidade prisional por motivo que não seja efetivamente o trabalho. O juiz, seja qual for a unidade onde presta a jurisdição, não pode olvidar, também, para a sua função de gestor. Toda a ação acima descrita, voltada a extrair da pena o melhor possível ao reeducando e à sociedade, é inútil se as decisões judiciais não são cumpridas, 626 Revista ESMAC ou o são, mas a destempo. Daí a relevância da atuação conjunta do juiz e de sua equipe de trabalho, responsável pela operacionalização da ação judicial. Para tanto, o juiz precisa conhecer sua estrutura de trabalho, precisa planejar, juntamente com a equipe, as ações cartorárias e deve estar sempre atento para conferir se a unidade está atuando conforme o planejamento estabelecido. Não pode o julgador, a pretexto de não ter formação acadêmica voltada à gestão, eximir-se de praticar, ele próprio, na qualidade de chefe maior da unidade judiciária, os atos de gestão previamente planejados. A ação do juiz deve ser de tal forma a liderar sua equipe, com autoridade e sabedoria, apontando as diretrizes a serem seguidas por ele próprio e por todo o grupo. Compete ao juiz motivar sua equipe, mantê-la a par dos objetivos e compartilhar com ela os bons resultados. Além disso, na qualidade de corregedor permanente das unidades prisionais, o juiz não pode se esquecer que são elas – as prisões – as protagonistas de toda a ação em torno do cumprimento da pena privativa de liberdade em regimes mais rigorosos. Por isso, o juiz tem obrigação de conhecer a estrutura da unidade prisional onde estão encarcerados os autores das ações de execução penal. Deve estar atento para que tais unidades cumpram a legislação específica e se prestem a propiciar ao apenado a retribuição e o aprendizado necessário ao retorno do mesmo ao convívio social, regenerado. Infelizmente, alardeia-se sobre o que se tem chamado de falência do sistema prisional no Brasil. As vozes dos estudiosos e especialistas são praticamente unânimes em afirmar que os presídios se tornaram grandes escolas de criminosos. Diz-se que o apenado sai da prisão com a índole ainda mais voltada à criminalidade e constata-se que os índices de reincidência são altíssimos. As falhas do sistema prisional repercutem, obviamente, no desempenho da pena para o próprio apenado e para a sociedade. Entretanto, o juiz não pode estar alheio a toda a situação, a pretexto de que a estrutura carcerária deve ser providenciada pelo Estado, assim entendido pelo Poder Executivo, e não pelo Judiciário, que representa. A inoperância da unidade prisional frustra, por completo, a ação pessoal do juiz e da unidade judiciária responsável pela movimentação dos feitos de execução penal. Trata-se de um elemento externo, porém, fundamental para que as metas da unidade sejam alcançadas. Por tudo isso, é que o juiz deve exercitar com grande zelo sua ação correicional na unidade prisional do lugar exerce a jurisdição. Visitar a prisão regularmente, conhecer sua estrutura, conversar frequentemente com os enclausurados, cobrar soluções, ajudar a encontrá-las e a executá-las, quando possível, tudo isso faz parte da ação do juiz frente à unidade prisional, com o fim último de garantir que ela seja, de fato, o local adequado para que o reeducando cumpra sua pena em meio fechado. Finalmente, o juiz deve estar ciente de que exerce poder junto à comunidade, que tem prestígio e autoridade, podendo utilizar-se de todas estas circunstâncias para envolver a sociedade e as instituições na execução das penas, já que estas, como já dito, não interessam apenas ao próprio apenado, mas também à comunidade onde ele vive. A ação do juiz junto à comunidade é ainda mais eficaz em comarcas pequenas, onde as instituições se comunicam com facilidade, onde todos se conhecem e interagem. A imprensa, aliás, é parceira inestimável na intermediação entre o juiz e a comunidade. Através dela, aquele pode se fazer ouvir, conclamando a todos a ajudar, especialmente na 627 fiscalização das unidades prisionais, através dos conselhos da comunidade, e dos que cumprem pena em meio aberto. Em diversos países foi implantado sistema de monitoramento eletrônico de presos em meio aberto. Através desse sistema, controla-se facilmente se o apenado está cumprindo todas as condições a ele impostas. Porém, apesar de tramitar no Congresso Nacional projeto de lei destinado a trazer ao Brasil esta tecnologia, fato é que, em cidades pequenas, a própria população pode contribuir em muito para que nada escape dos “olhos” da justiça, e para que as penas sejam cumpridas da maneira como devem ser. Em outras palavras, diz-se que as relações sociais e institucionais próximas, favorecidas pelo reduzido número de habitantes da comarca, permite ao juiz conquistar o apoio de toda a comunidade que, conhecendo-se, acaba auxiliando o Poder Judiciário que, por si só, não tem condições de monitorar os apenados em regime aberto. Além da comunidade, as polícias são, também, parceiras valorosas nesta missão, na medida em que, igualmente favorecidas pelas relações sociais próximas, têm a capacidade de detectar e, se for o caso, impedir, que faltas sejam cometidas por apenados em meio aberto. Além da atuação corriqueira, o juiz pode acordar com o comando das polícias locais, especialmente da Polícia Militar, conferência periódica, no endereço residencial ou no local de trabalho dos apenados em meio aberto, fazendo-o diariamente, de modo a não sobrecarregar os milicianos, mas também de forma a demonstrar aos reeducandos que há formas de controle dos mesmos, ainda que liberados do cárcere, garantindo-se, assim, que as penas sejam efetivamente cumpridas e que seus objetivos sejam realmente alcançados. Em síntese, conclui-se que várias são as frentes de atuação do juiz encarregado das execuções penais. Sua missão, que a princípio pode ser comparada à ação mecânica de avaliar tempo e comportamento, limitando a tanto a ação jurisdicional, amplia-se, na verdade, como grande ator e relevante autor da empreitada rumo ao sucesso da pena. 8.2 Unidade Prisional Tratando-se especificamente de penas cumpridas em meio fechado e semi-aberto, a unidade prisional acaba sendo o cenário principal da execução das mesmas. Nela devem ocorrer grande parte das atividades destinadas a convencer o apenado da falta praticada, fazê-lo se sentir punido diante da infração das regras sociais, além de regenerá-lo e de o preparar para o retorno ao convívio social, sem risco de reincidência. Várias são, portanto, as missões das unidades prisionais ao longo do cumprimento das penas, todas, porém, voltadas a um só objetivo: que estas alcancem os objetivos propostos. Inicialmente, a unidade prisional deve estar preparada a educar o apenado em relação à existência das regras de convivência social e da importância de que sejam cumpridas. Depois, deve ser capaz de esclarecer ao reeducando que ele ali está não como forma de castigo, mas de aprendizado, convencendo-o do fato de que o enclausruamento, para ele, é necessário, ou quiçá, benéfico, na medida em que o irá preparar para lhe dar melhor com as regras de convivência social. Em seguida, dentro da unidade prisional o apenado deve arrepender-se do mal 628 Revista ESMAC praticado e propor-se, sinceramente, a não reiterar no erro para, só então, capacitá-lo para o retorno ao convívio em sociedade, preparando-o para enfrentar as dificuldades decorrentes do enclausuramento, habilitando-o para que consiga sustentar-se através de ocupação lícita. Finalmente, deve cuidar para que o retorno à sociedade seja gradativo e só se conclua quando o apenado demonstrar, por seus méritos, sua aptidão. Neste estágio, considera-se que a pena alcançou o sucesso esperado. Não é objetivo deste trabalho detalhar as formas como as unidades prisionais devem realizar todas estas etapas da execução da pena. Porém, deve-se ressaltar que estas atuações não podem ser isoladas ou desconectadas das ações judiciais. A execução da pena é composta por vários atores, cada qual desempenhando seus papéis, mas todos imbuídos do mesmo propósito. As unidades prisionais, necessariamente passageiras ao longo deste processo (que se extinguirá quando o reeducando já houver alcançado o meio aberto, ante a progressividade de seu cumprimento), são, do ponto de vista do apenado, a parte mais árdua. Por isso mesmo, esta etapa deve ser cumprida com o maior zelo possível, pois dela depende o sucesso da “operação”. Fracassando em suas missões, as unidades prisionais põem a perder todas as outras etapas e, em lugar de reeducar e reinserir socialmente, acabam superlotadas de criminosos reincidentes. O equilíbrio entre disciplina e dignidade permite que tal não ocorra. Imprescindível, nos dias atuais, é que as unidades prisionais disponham de estrutura capaz de oferecer aos reeducandos que tenham interesse tratamento contra dependência química. Constata-se que em muitos casos o processo de reabilitação do apenado frustra-se, justamente, pela influência de fatores externos, como a dependência química. Por isso, a unidade prisional deve estruturar-se para atuar, também, nesta frente, preservando a voluntariedade imprescindível para o sucesso de qualquer tratamento contra vício. Outra frente de atuação das unidades prisionais deve ser o combate à corrupção. Vê-se frequentemente nos noticiários e vivencia-se, à frente de uma unidade jurisdicional responsável pela execução penal, várias situações em que a corrupção dentro das prisões inviabiliza o sucesso da pena. Através da corrupção, são introduzidos entorpecentes e celulares dentro dos presídios. Chefes de quadrilhas continuam a liderar seus bandos, sem que as grades representem empecilhos. Algumas vezes, as grades são simplesmente trespassadas em fugas facilitadas ou permitidas por quem é pago para as evitar. O remédio para esses males é conhecido, mas não se conhece experiência de aplicação prática no Brasil. Passa pela melhor remuneração dos agentes penitenciários e pelo melhor aparelhamento das unidades prisionais. Seja como for, fato é que o presídio de funcionar pautado em regras rígidas, mas que não comprometam a dignidade dos apenados. Deve abrigar poucos reeducandos, para que não se perca a individualidade que deve existir não apenas na fixação, como também no cumprimento das penas. Deve ter estrutura suficiente e adequada, aparelhada com sistema de segurança modernos e eficientes, tudo com vistas a garantir o cumprimento das regras impostas, sem olvidar para as relações que deve manter sempre ativas com outros entes também responsáveis pela execução das penas, inclusive com o Juízo da execução penal. 629 8.3 Reeducando sua pena. Reeducando: certamente o maior interessado não apenas no sucesso, mas no fim de A prática faz perceber que, enquanto ré em um processo, a pessoa sente-se devedora do Estado, especialmente quando reconhece que praticou um delito. Porém, uma vez condenada, o devedor dá lugar ao credor. Em meio fechado esta sensação é ainda mais forte. Na medida em que está sujeita à restrição da liberdade, o sentimento é de que sua parte está sendo cumprida, cabendo ao Estado oferecer-lhe as condições necessárias a tanto. É assim que pensa quem está enclausurado e sob esta ótica deve ser compreendido. Na medida em que galga benefícios que permitem o convívio social, o pensamento do apenado não é outro. Daí a explicação para o fato de terem tanta dificuldade em se submeter a condições que, aos olhos de quem nunca viveu o enclausuramento, parecem mínimas. À primeira vista, pensa-se que, para quem já esteve atrás das grades, deixar de freqüentar um bar ou obedecer determinada restrição de horário são tarefas bastante simples. Entretanto, para quem está acostumado a entender sua relação com o Estado sob a ótica de um credor, é difícil convencer de que ainda há regras a serem cumpridas, mesmo em meio aberto. O juízo da execução penal não deve ignorar esta circunstância e sua atuação deve levá-la em consideração. Exemplifica-se: inúmeras são as situações em que, progredindo para o regime semi-aberto e conquistando o direito de trabalhar externamente, o reeducando se desvia da rota e, em lugar de trabalhar, vai embriagar-se em um bar. Diante da situação, a ação natural do juiz seria retirar do apenado o direito que lhe permita se ausentar da cela, mas, certamente, na primeira ocasião em que o retorno à sociedade voltasse a ocorrer (ainda que por ocasião da extinção da pena), o apenado não estaria preparado para o convívio. Mais adequado, na situação relatada, seria ouvir as explicações do reeducando. Compreender que ele está em um processo de reeducação em que, como em todos os outros, os erros são inevitáveis, mas ajudam no aprendizado. A intransigência do juízo da execução penal, apenando com a mesma severidade os que praticam faltas leves e graves, trazem a quem cumpre a pena o sentimento de incompreensão e de injustiça. Como dito, para quem enxerga sua relação social sob a ótica de credor, não é fácil compreender que beber uma dose de cachaça ou deixar de retornar à prisão no horário aprazado são formas igualmente reprováveis de se descumprir regras de cumprimento de pena em meio aberto. O procedimento a ser aplicado em situações como as exemplificadas deve ser, em primeiro lugar, dar-se ao reeducando a oportunidade de se manifestar. Depois, avaliando a real gravidade da falta, verificar se não é caso de conceder-lhe nova oportunidade de manutenção de seu benefício. Sendo este o caso, o reeducando deve ser expressa e formalmente advertido de que, reiterando na falta, será sancionado. Em situações em que a sanção é inevitável, o julgador pode informar ao reeducando o período no qual a ele não será concedido outro benefício, ainda que diferente do que foi perdido. Assim, age-se de forma a prevenir novas faltas e a realmente demonstrar que o convívio social tão almejado por quem está enclausurado só será permitido quando o 630 Revista ESMAC apenado der mostras de sua capacidade de autodisciplina e senso de responsabilidade. Além disso, é de extrema relevância que o reeducando esteja bem informado a respeito de sua pena, por isso, o diálogo entre ele e o juízo da execução e à direção do estabelecimento prisional é fundamental. Uma vez ciente do montante da pena a ser cumprido, da previsão e dos requisitos necessários para galgar benefícios e das condições que deverá cumprir no gozo destes, bem como das conseqüências do descumprimento de tais condições, tem-se legitimidade para cobrar do reeducando o comportamento esperado. Uma das formas mais simples e eficazes de comunicação são as “cartas” que os apenados costumam enviar através de seus companheiros de cela ou de pavilhão, àqueles de quem deseja informações ou esclarecimentos. O juiz, o diretor, o promotor de justiça, o escrivão, o defensor público, enfim, qualquer que seja o destinatário de uma dessas “cartas”, deve ter a sensibilidade de compreender que, embora rudimentar para quem vive em liberdade, esta é uma das únicas formas de comunicação que a pessoa enclausurada possui com quem está fora da prisão. O reeducando sente-se fortemente entrelaçado com os que são responsáveis pela execução de sua reprimenda, com quem tem poder de decidir ou de executar medidas que venham a repercutir diretamente na pena, daí a explicação para a necessidade e o direito que tem de dialogar, seja de que modo for, pois é ínsito a qualquer ser humano adotar todas as medidas possíveis para conquistar a liberdade. A equipe da execução penal, objeto do presente estudo, deve estar ciente e sensível para esta circunstância e, pelo mesmo motivo que processa pedidos formulados diretamente pelo apenado, sem intermédio de advogado, deve adotar as providências desencadeadas pelas famosas “cartas”, levando ao conhecimento do remetente o recebimento e as providências adotadas. Na medida em que esperam que a pena cumpra seus objetivos e que o apenado se reabilite, retornando ao convívio social sem oferecer riscos de reincidência, todas as instituições envolvidas na execução da pena devem se empenhar para cumprir seu papel neste mister, sendo a primeira e quiçá principal medida, o tratamento humanitário e respeitador a todos os reeducandos, indistintamente. Por pior que seja a vida pregressa do apenado, quem executa a pena deve saber que a restrição de liberdade é a única penalidade constitucionalmente admissível a quem pratica delitos. O preconceito social é conseqüência sobre a qual quem executa a pena não pode influir, porém, não pode se igualar ao senso comum, desprezando as garantias constitucionais que conferem também aos criminosos os direitos à dignidade e respeito. A conduta do juiz e a recepcionalidade do cartório devem deixar claro ao reeducando que há abertura para a comunicação, que há respeito à sua condição, que há interesse no seu sucesso. A equipe responsável pela execução da pena deve não apenas agir de modo a propiciar a reintegração social do apenado, deve fazê-lo de modo a demonstrar ao mesmo que este é o seu objetivo e que todo o trabalho é desenvolvimento em torno e em prol do mesmo, sabendo que esta é condição indispensável para a pacificação social e, por conseguinte, para que a meta da unidade judiciária seja alcançada. 631 8.4 Sociedade Grande tem sido o clamor da sociedade brasileira em torno da crescente violência e impunidade. Nos grandes centros constata-se em maior volume a insegurança das pessoas e a descrença em torno da aplicação de penas e da efetividade destas. Fala-se em aumentar o rigor das reprimendas e da execução das mesmas, mas ao mesmo tempo, há grande inconformismo em torno dos gastos estatais com pessoas presas. O cidadão de bem não aceita a idéia de viver enclausuradado atrás de grades, protegido por cães e cercas elétricas, enquanto os que julga bandidos estão tranquilamente nas ruas afrontando a polícia. Também não concebe que, uma vez descobertos e condenados, os meliantes sujeitam-se a penas que se considera brandas e enchem-se de “regalias” dentro dos presídios, de onde saem ainda mais perigosos. Não há dúvida de que os sistemas penal e prisional brasileiros não têm satisfeito a população, cada vez mais revoltada e desacreditada com a crescente criminalidade. Entretanto, afora o trabalho das polícias, crucial para que os criminosos sejam descobertos e levados à julgamento, deve-se admitir que as instituições responsáveis pela execução das penas não se dedicam em envolver a sociedade, levando ao conhecimento dela o que se passa ao longo deste processo e buscando dela o precioso auxílio que pode ser prestado. Em uma cidade de poucos habitantes, onde todos acabam se conhecendo e onde a imprensa – rádio – se revela excelente meio de comunicação, é relativamente fácil trazer a sociedade para o processo da execução penal. O destino de todos os apenados é o retorno ao convívio social, daí o grande interesse de que retornem preparados para tal convívio e que deixem de representar perigo a bens juridicamente tutelados. Os conselhos da comunidade, que por força de lei devem existir em todas as localidades onde há unidades prisionais, são excelente forma de atuação da sociedade nos processos de execução de pena. Um conselho atuante, que realmente visita as prisões, ouve os presos, reivindica soluções, enfim, que se empenha no sentido de que a unidade prisional e o juízo das execuções penais cumpram seus papéis, auxilia sobremaneira, na medida em que é a voz de toda a sociedade que fala através dele. Entretanto, os conselhos não são a única forma de atuação da sociedade frente a este processo. Primeiro, é preciso que haja um convencimento da comunidade acerca da importância de se dar oportunidades àqueles que, mesmo ainda submetidos a reprimendas, estão retornando à vida em sociedade. Estas oportunidades podem ser de várias naturezas, mas principalmente, através da proposta de trabalho e do tratamento digno aos reeducandos em meio aberto. A grande queixa de quem sai das prisões é o descrédito junto às outras pessoas. O preconceito pelo fato de terem estado na prisão e a permanente desconfiança oprimem e repercutem junto ao apenado, como incentivo a continuarem à margem, na criminalidade, pois não se sentem integrantes do grupo social que o rejeita. Mesmo com incentivos trabalhistas, poucos são os que se dispõem a oferecer emprego a um reeducando, mas é justamente o desinteresse em se envolver que acaba alimentando a violência, muitas vezes reincidente. Além de oferecer oportunidades a quem retorna ao meio aberto, a sociedade como 632 Revista ESMAC um todo deve se engajar no sentido de auxiliar na fiscalização do cumprimento das obrigações que devem ser observadas justamente como forma de demonstrar aptidão ao convívio social. Já foi mencionado que não há no Brasil, ainda, lei que autorize o monitoramento eletrônico de presos em meio aberto. Por isso, são altíssimos os números de apenados que simplesmente ignoram restrições de horário, de freqüência a determinados locais, dentre outras, sem qualquer repercussão em suas penas, simplesmente por não serem descobertos. Esta fiscalização é de extrema importância, pois sua ineficácia pode ensejar a permanência junto ao grupo social de quem ainda não está apto e que pode representar risco. Por isso, se a comunidade, especialmente se é pequena, tem meios de auxiliar a justiça e a polícia neste trabalho, dando informações a respeito de fatos que tomem conhecimento. Na medida em que todos se transformam em fiscais, incentiva-se o apenado a observar suas obrigações. Através das rádios locais, o juiz pode falar frequentemente à população, deixando-a a par de quais são os requisitos impostos aos apenados em meio aberto. A própria rádio, além da polícia ou, se a demanda justificar, um serviço de recebimento de denúncias, podem ser meios de comunicação da sociedade com as autoridades constituídas, a fim de dar informações sobre apenados que estejam descumprindo condições de seu regime de cumprimento de pena, resguardando-se o anonimato dos informantes. Muitas vezes as pessoas se deparam com reeducandos pelas ruas e não sabem exatamente a que título reconquistaram a liberdade. Não sabem se se trata de um foragido, se é alguém que já cumpriu integralmente a pena ou se se trata de um apenado que está cumprindo a reprimenda em meio aberto. Se tiver uma forma de colocar-se a par destes esclarecimentos, a pessoa pode prestar relevante contribuição à justiça e à polícia, trazendo ao conhecimento das instituições fatos que geralmente não se tornam conhecidos, prejudicando a correta execução da pena. O envolvimento da sociedade, contudo, depende em muito da intermediação do juiz, como já foi tratado no tópico anterior. Na medida em que se relaciona bem com as outras instituições e tem o respeito da comunidade, o juiz pode encabeçar um processo que viabilize a participação popular no cumprimento das penas. Assim, todos acabam compreendendo melhor o processo e se sentindo responsáveis pelo sucesso do mesmo, contribuindo para que tal ocorra e, se a força da sociedade se une em torno de garantir que as penas alcancem seus objetivos, não há dúvidas de que se terá um processo vitorioso. A resposta será sentida na própria sociedade, através da redução da criminalidade. 633 8.5 Cartório Estudou-se que o ordenamento jurídico pátrio filiou-se às teorias que extraem da pena caráter retributivo e preventivo. Nesse contexto, e visando assegurar que tais objetivos sejam alcançados, é que deve ser voltada a atuação dos Cartórios que movimentam feitos de execução penal. A meta a ser alcançada pela Unidade Judiciária deve ser, portanto, que a reprimenda seja integralmente cumprida, com o rigor necessário a alcançar seu papel retributivo, mas também assegurando o cumprimento de todos os institutos criados pelo legislador para que a ressocialização seja alcançada, de modo a regenerar o criminoso (prevenção especial) e proteger a sociedade de novos desvios capazes de lesionar bens juridicamente tutelados (prevenção geral). A organização do Cartório Judicial deve ser de tal forma a propiciar a adequada e tempestiva movimentação dos feitos em trâmite, mantendo-se o reeducando a par de todos os fatos envolvendo o cumprimento de sua pena, viabilizando a apreciação célere do julgador quando da possibilidade de concessão de benefícios legais e dando imediato cumprimento às decisões que beneficiam os reeducandos. Ao mesmo tempo, o Cartório não deve olvidar para o fato de que seus processos envolvem pessoas enclausuradas, famílias separadas, crianças desassistidas, enfim, de que há um mundo de emoções que acompanham o andamento e anseiam o fim do processo, e tudo isso deve ser respeitado e compreendido. Por outro lado, há a coletividade, que apesar de não participar ativamente tem interesse no bom andamento dos feitos e espera que as penas cumpram seus objetivos. A atuação do Cartório, portanto, deve atentar-se para todos os que estão, direta ou indiretamente, envolvidos e interessados no cumprimento da pena, competindo-lhe abrigar a todos estes interesses, com olhos sempre voltados ao cumprimento das leis. Tratando-se especificamente de uma Vara Criminal Genérica e que, portanto, abriga não apenas execuções, como também ações penais e todos os seus incidentes, é que será avaliada e apresentada proposta de gestão, que leve em consideração a proporção entre as espécies de processos em trâmite e as peculiaridades do local de instalação da Unidade. Nos grandes centros, onde há locais adequados para cumprimento de penas em regime fechado e semi-aberto, costumam ser instaladas Unidades Judiciárias específicas para o processo das execuções penais. A especialidade permite ao julgador responsável pela Unidade e à sua equipe a elaboração de estratégias bastante eficazes e específicas, mas que muitas vezes não podem ser reproduzidas em outros cartórios, nos quais também tramitam feitos diversos. Nestes casos, a organização e o processamento de feitos de execução penal devem compatibilizar-se com as outras atividades igualmente urgentes e relevantes, desempenhadas pelo julgador e sua equipe de trabalho, tornando-se imperiosa a elaboração de estratégias capazes de propiciar que a uns e outros seja dispensada tramitação tempestiva e adequada. A regular tramitação de execuções penais é perfeitamente viável em uma unidade genérica, apesar, como já dito, de algumas práticas adotadas em unidades especializadas não serem compatíveis e exeqüíveis na situação apresentada. Trabalhando-se com a hipótese de uma unidade, na qual tramitem ações penais em número bastante superior ao de execuções penais, é possível criar-se faticamente um 634 Revista ESMAC Cartório de Execuções, dentro do Cartório Judicial, organizando-se os feitos de execução separadamente e deles encarregando corpo de servidores específico e especializado. Algumas Unidades preferem evitar a criação de “especialistas”, ou seja, servidores que movimentam apenas um ou outro tipo de processo. Isto porque, como geralmente os quadros de servidores são reduzidos, acontece frequentemente de um estar afastado, por férias, doença ou outros motivos, e se nenhum outro servidor saber executar a tarefa do que está ausente. O serviço realizado pelo servidor ausente simplesmente pára, prejudicando o regular andamento dos feitos, que se insere em verdadeira cadeia produtiva. Para evitar que tal ocorra, é importante que toda a equipe esteja capacitada a desempenhar as atividades da execução penal, especialmente se o número de servidores é insuficiente para se estabelecer um sistema adequado de substituições da equipe destinada exclusivamente ao trabalho das execuções. Porém, apesar do imprescindível conhecimento que todos devem ter a respeito de todo o trabalho desenvolvido na Unidade, parte da equipe pode, e preferencialmente, deve ser destacada a se dedicar exclusivamente às execuções, o que lhe permite especializa-se sobre o tema, além de favorecer ao julgador a identidade daqueles responsáveis pela movimentação de tais feitos. O cuidado com o espaço físico destinado aos processos de execução penal também é importante. Deve ser suficiente a abrigar os processos, separando-se cada caso e identificando-se clara e expressamente cada situação, para que a todos seja visualmente possível perceber a realidade da Unidade e para que a equipe de trabalho não deixe de dar aos feitos a movimentação adequada. Assim, os feitos devem ser separados por regime (fechado, semi-aberto, aberto), separando-se, também, os feitos referentes a livramento condicional do processo. O mesmo deve ser feito em relação aos feitos de execução de medidas restritivas de direitos, que não são, porém, objeto deste trabalho. Uma vez separados por regime de cumprimento de pena, devem os processos ser também organizados de forma que fique bastante identificado o dia em que será alcançado o requisito objetivo para a concessão de algum benefício (progressão de regime, livramento condicional). Ambas as separações (de regime de cumprimento de pena e de data para a concessão do benefício) são importantes, para evitar, por exemplo, a concessão de benefícios peculiares ao regime semi-aberto, a reeducando que esteja em regime fechado (saída temporária, por exemplo). Sabe-se que atualmente há Unidades informatizadas com sistemas que apontam, diariamente, os feitos que naquele dia, comportam a concessão de benefícios. Porém, esta não é a realidade do Cartório em análise e não deve ser a da maioria das Unidades instaladas em Comarcas pequenas, ainda não agraciadas com sistemas de informatização desta natureza. Por isso, o cuidado na separação dos processos deve ser extremo, pois um processo guardado na prateleira errada pode significar imenso prejuízo a um reeducando, correndo-se sério risco que, para ele, os objetivos da pena não sejam alcançados, inviabilizando-se o alcance da meta do Cartório. Dentro da equipe de trabalho destinada a movimentar os feitos da execução penal, deve-se estabelecer divisão de tarefas capaz de permitir que todos os membros movimentem todos os possíveis incidentes que surgem ao longo da execução penal. Para tanto, pode-se atribuir a cada servidor a responsabilidade de movimentação de processos através do último 635 número do feito. Assim, divide-se o trabalho igualmente entre os integrantes da equipe, evita-se que um fique sobrecarregado enquanto outro tenha tempo ocioso, além de capacitar a todos como forma de evitar a paralisação do trâmite com o afastamento de um deles. Além disso, deve estar claro que todas as atividades são supervisionadas pelo escrivão, que é o chefe imediato da equipe, subordinando-se ao juiz. Ao escrivão incumbe a tarefa de verificar permanentemente a adequação e a tempestividade das atividades da equipe de trabalho, além de intermediar a comunicação entre a equipe da execução penal e a equipe responsável pela movimentação dos outros feitos em trâmite na Unidade, já que em algumas situações a interação é necessária, como no momento de elaboração da pauta de audiências, por exemplo. O Cartório deve ser organizado, também, de modo a agir de ofício. Um benefício previsto na legislação não pode deixar de ser concedido por falta de requerimento do interessado, especialmente considerando que os interessados, no caso, estão enclausurados e, via de regra, não têm suporte financeiro necessário para contratar advogado ou talvez não tenham até mesmo o mínimo de informação que o leve a contatar um Defensor Público para defesa de seus interesses. Além disso, há o fato de que as Defensorias Públicas, geralmente, não estão devidamente estruturas, prejudicando o cumprimento da obrigação inserida na Lei de Execuções Penais, no que concerne à assistência jurídica aos apenados, sem contar com a ausência de profissionais do Direito no corpo técnico de algumas unidades prisionais. Partindo-se dessa premissa é que o Cartório, no que tange às execuções penais, pode desencadear, automaticamente, processos de análise da concessão de benefícios, tão logo haja o cumprimento de requisitos objetivos, dispensando requerimento do interessado. Assim, no exato dia em que é alcançado o requisito temporal necessário a concessão de algum benefício ao reeducando, o Cartório deve solicitar da unidade prisional as informações que serão utilizadas pelo julgador para avaliar a possibilidade de deferimento de algum benefício. De posse de tais informações (certidão carcerária e relatório do conselho penitenciário), o próprio Cartório deve abrir vista dos autos ao Ministério Público, para manifestação, fazendo conclusão do feito ao julgador, que também deve se dedicar à análise do mesmo no prazo legal. Aliás, no que pertine aos prazos, é importante que sejam observados e que os reeducandos os conheçam, para que possam reclamar dos atrasos. O Cartório deve solicitar as informações da unidade prisional no exato dia em que for alcançado o requisito temporal para a concessão de determinado benefício. Presídio e Conselho Penitenciário devem enviar as informações no prazo de dois dias. Em quarenta e oito horas, o Cartório deve juntar aos autos as referidas informações e providenciar a vista ao Ministério Público. Cinco dias é o prazo Ministerial. Quarenta e oito horas, o prazo do Cartório para fazer as juntadas aos autos e remete-los conclusos ao juiz. Cinco dias o prazo do julgador para decisão. Mais quarenta e oito horas o tempo que o Cartório dispõe para executar o que foi decidido: se o benefício foi concedido, viabilizar que passe a ser usufruído pelo reeducando, inclusive, com a realização da audiência admonitória, se for o caso. Em síntese, entre a data do cumprimento do requisito objetivo e a data do efetivo gozo do benefício pelo reeducando, não podem se passar mais que dezoito dias, pois, do contrário, o reeducando poderá reclamar, com razão, que sua pena “está vencida” (linguajar comumente 636 Revista ESMAC utilizado por apenados, dentro dos presídios). A eficiência do Cartório deve estar à prova todas as vezes em que um desses processos se desencadeia. É justamente o Cartório que faz a intermediação entre as “idas e vindas” do processo, até que seja proferida a decisão acerca da concessão do benefício. Por isso, a equipe de trabalho deve estar atenta e empenhada, cuidando para que os prazos sejam observados e, se possível, abreviados, já que dezoito dias é o tempo máximo que pode existir entre o dia em que o requisito objetivo foi cumprido e o dia em que o benefício passa a ser usufruído pelo reeducando. Uma alternativa viável para reduzir ainda mais o prazo para a execução do que foi decidido judicialmente, em relação a benefícios concedidos a reeducandos, é enviar ao presídio e ao conselho penitenciário, mensalmente, relação dos reeducandos e data da perspectiva de cumprimento do requisito objetivo para algum benefício. Assim, dispensa-se a solicitação individualizada das certidões carcerárias e dos pareceres do conselho penitenciário que, cientes no início de cada mês sobre quais reeducandos estão na iminência de obtenção de um benefício, poderiam adotar as providências necessárias para enviar ao Juízo os relatórios no exato dia do cumprimento do lapso temporal exigido na lei. A prática da atividade carcerária trouxe à baila uma questão interessante: o reeducando tem direito a gozar o benefício (progressão de regime, livramento condicional) no exato dia em que cumpre o requisito objetivo? Indiscutivelmente, para os reeducandos a resposta é sim. Na medida em que tem em seu poder a liquidação de pena (imperativo legal), o apenado cria a expectativa de que, na data marcada naquele documento, estará já usufruindo do benefício previsto. Porém, compete ao Cartório fazer constar na liquidação uma observação, informando ao reeducando de que esta expectativa não encontra abrigo em lei e que, portanto, a resposta à indagação acima é não. Explica-se: a legislação estabelece, por exemplo, que um apenado por crime não hediondo, que não seja reincidente, deve cumprir um sexto de sua pena em regime mais rigoroso para, só então, obter a progressão de regime. Além disso, durante o cumprimento de um sexto da pena, o reeducando deve ostentar bom comportamento. Por isso, o Cartório deve, necessariamente, aguardar o cumprimento do requisito temporal para, só então, solicitar da unidade prisional informação acerca do comportamento do preso, possibilitando ao Ministério Público exarar seu parecer e ao julgador proferir sua decisão, tendo em mãos informações sobre todos os requisitos necessários à concessão do benefício. Em outras palavras, para que o Cartório viabilize o efetivo gozo de um benefício, exatamente na data em que foi cumprido o requisito temporal, seria necessário trazer aos autos informações sobre o comportamento antes do cumprimento de tal requisito, sujeitando o julgador à possibilidade de conceder benesses a quem, no dia anterior ao cumprimento do requisito objetivo, por exemplo, tenha praticado falta grave no interior da unidade prisional, demonstrando inaptidão com o benefício almejado. O Cartório Judicial e o julgador devem conquistar a confiança do apenado, deixando-o tranqüilo em relação ao fiel e tempestivo cumprimento de seus direitos. Entretanto, devem mantê-lo devidamente esclarecido a respeito de quais são realmente seus direitos, evitando-se criar falsas expectativas que, muitas vezes, podem acarretar imensos prejuízos às unidades prisionais, com a possibilidade inclusive de rebeliões, causadas, muitas vezes, por ineficiência do Cartório e do julgador responsáveis pela execução das penas e, outras 637 vezes, por deficiência de comunicação entre ambos e os reeducandos. A movimentação de feitos em torno da concessão de benefícios não é, contudo, a única atuação do Cartório em relação às execuções penais. Vários incidentes podem surgir ao longo da execução da pena. Pedidos de transferência para outras unidades prisionais. Remição de dias trabalhados e estudados. Pedidos de trabalho externo e saída temporária. Recursos. Notícias do descumprimento de condições impostas ao cumprimento de regimes menos rigorosos. O Cartório deve estar preparado para processar, tempestivamente, todos estes incidentes. Nas situações em que a decisão judicial depende, antes, da manifestação do Ministério Público, a vista ao Parquet deve ser dada diretamente pelo Cartório, sem necessidade de prévia conclusão dos autos ao juiz para determinação de tal providência. Antes, porém, o Cartório deve estar atento no sentido de verificar se o pedido a ser apreciado está instruído com informações e documentos necessários. Constatando-se a ausência de umas ou de outros, deve certificar o ocorrido, levando o feito à análise do juiz, para que a omissão seja suprida antes da efetiva apreciação do pedido. Exemplifica-se: um pedido de saída temporária que não especifica o motivo do pedido seria fatalmente indeferido por falta de amparo legal, em virtude da ausência de tal informação. Para evitar a movimentação de toda a “máquina” para, ao final, rejeitar-se o pleito por falta de adequação aos requisitos da lei, é que o Cartório e o juiz devem diligenciar no sentido de permitir ao reeducando suprir a ausência antes da apreciação do pleito, evitando-se que, dias depois do indeferimento, pedido semelhante seja formulado, levando novamente a toda a movimentação em torno de sua apreciação. Em relação à remição, é comum a ansiedade de quem está preso, no sentido de saber quantos dias foram remidos e, depois disso, qual a data provável da concessão de benefícios. Porém, tendo em vista que a decisão em torno da remição também demanda a movimentação do feito, com pedido de informações da unidade prisional, com vistas dos autos ao Ministério Público e conclusão do feito ao juiz, deve-se estabelecer um período regular de apreciação do tema, até porque, uma vez operada a remição, o Cartório deve providenciar outra liquidação da pena, providenciando a entrega da mesma ao apenado. A depender da compreensível ansiedade do reeducando, a cada quinze dias seria feita a remição judicial dos dias que ele trabalhou ou estudou. Porém, isto não é aceitável diante da movimentação processual a tanto necessária, o que inviabilizaria outras atividades cartorárias e não traria nenhum benefício concreto ao apenado, além de satisfazer a sua curiosidade. Noventa dias é prazo razoável para apreciação da remição, a não ser, é claro, que antes disso a remição possa acarretar a possibilidade de concessão de algum outro benefício ao reeducando. Esta regra pode ser estabelecida ao Cartório, através de Ordem de Serviço do juiz, dela cientificando os reeducandos, justamente para se evitar expectativas que, não concretizadas, podem acarretar em transtornos como os já citados. De outra parte, atentando-se para a realidade da Comarca, compreendendo a dificuldade de acesso dos reeducandos à assistência jurídica, conhecendo as deficiências da Defensoria Pública (não dos Defensores Públicos, geralmente empenhados e comprometidos), enfim, percebendo a realidade social dos que estão submetidos a penas, o Juízo das execuções penais deve adotar providências no sentido de viabilizar o acesso dos reeducandos à justiça. O procedimento da execução penal não exige formalismo para que os pleitos dos 638 Revista ESMAC reeducandos sejam apreciados pelo julgador. É comum e aceitável, em Comarcas com as características da que está sendo apresentada, que o reeducando formule requerimentos de próprio punho, enviando “cartas” ao juiz. Negar-se esta forma de desencadeamento dos incidentes significaria inviabilizar aos reeducandos o acesso à manifestação judicial. Porém, a falta que conhecimento jurídico pode inviabilizar o atendimento de pedidos que poderiam ser deferidos acaso corretamente formulados. Para evitar que tal ocorra, é interessante que o Cartório tenha a disposição dos reeducandos formulários a serem preenchidos, neles constando todos os dados necessários à análise dos pleitos. Estes mesmos formulários podem ser colocados à disposição dos apenados, no estabelecimento prisional. Esta providência garante o acesso ao Judiciário, assegura ao reeducando tratar diretamente dos assuntos relacionados ao cumprimento de sua pena, além de economizar movimentação desnecessária de processos, em torno da apreciação de feitos natimortos, ou seja, que por incorreção no momento em que foram formulados, não podem ser deferidos. O atendimento ao público em Cartório que movimenta execuções penais é intenso e inevitável. Não apenas o reeducando, mas também seus advogados e familiares freqüentam a unidade cartorária em torno de solicitar informações e trazer pleitos a apreciação judicial. Por isso, o Cartório deve estar preparado para receber e prestar atendimento qualificado, especialmente considerando que muita procura vem de pessoas que não têm formação jurídica e necessitam compreender o que se passa no processo de seu interesse. Entretanto, este atendimento não precisa ser feito apenas pela equipe do Cartório destacada para o movimento das execuções penais. O rodízio entre toda a equipe de trabalho para o atendimento ao público em geral permite que todos se inteirem sobre as diversas espécies de procedimento em trâmite na unidade, além de permitir, a cada um, a necessária concentração ao cumprimento de suas outras atribuições, sem ser interrompido indiscriminadamente para atender ao balcão. Trocando em miúdos, deve-se estabelecer um rodízio diário entre os servidores para atendimento ao público, incluindo-se no rodízio o escrivão. O ideal é que a estrutura física existente proporcione o atendimento em local reservado, para que os assuntos tratados no balcão não prejudiquem a concentração dos que estão trabalhando no Cartório. Como todos os servidores participam do rodízio, todos devem estar a par da localização dos processos e do procedimento a ser seguido em cada um deles. Para tanto, a capacitação é imprescindível e o mapeamento dos processos de trabalho é relevante. Além disso, o atendente deve prestar informações completas, corretas e precisas. Se assim o fizer, estará satisfazendo àquele que buscou o atendimento. O linguajar deve ser simples e acessível, pois, como já dito, a procura vem de familiares ou do próprio reeducando, pessoas que não têm formação jurídica. De qualquer modo, sabendo que o atendimento ao público é uma atribuição à parte da movimentação processual e que demanda o tempo do servidor, o juiz deve estar atento para incluir em suas decisões informações suficientemente completas sobre os passos a serem seguidos no processo, diminuindo a procura do público no balcão. A ação do Cartório Judicial em torno da movimentação das execuções penais é intensa e representa grande parte da ação cartorária em uma unidade criminal genérica. Ações penais, que são maioria absoluta na unidade, demandam pouca movimentação cartorária. O procedimento é quase sempre o mesmo e vai, do recebimento da denúncia à sentença, passando poucas vezes pelo Cartório e, mesmo assim, demandando atividades menos com639 plexas, tais como a juntada de petições, vistas às partes e conclusão ao juiz. As atividades da execução penal, ao contrário, demandam mais atendimento ao público, mais movimentação em torno de um único processo, e mais atenção de conferência de dados, já que muitos pleitos não são formulados por advogados. Assim, apesar de minoria, as execuções representam a maior parte e a parte mais complexa das atividades cartorárias. Daí outro motivo que justifica tanta atenção a ser dedicada aos processos de execução penal. Entretanto, toda a atividade cartorária e, especialmente, a que concerne à movimentação das ações penais, pode ser mapeada, através de fluxogramas que demonstrem, de forma simples, mas completa, o trâmite e as providências cartorárias a serem adotadas em cada caso. O mapeamento, além de universalizar a informação a toda a equipe de trabalho (e não apenas aos que operam diariamente a execução penal), uniformiza o procedimento e pode contribuir, inclusive, para a diminuição da procura no balcão de atendimento. Se as partes e advogados envolvidos ou interessados nos feitos das execuções penais conhecem o procedimento adotado pelo Cartório e sente-se seguro em relação ao cumprimento dos prazos legais, não têm motivos para buscar atendimento, permitindo à equipe dedicar-se à execução de suas tarefas. A assertiva supra não tem o cunho de retirar do atendimento ao público a importância que representa para a boa prestação jurisdicional. Já foi dito que há diversos interesses em torno da execução das penas. Várias podem ser as razões que levam um cidadão ao balcão de uma Unidade Cartorária, em busca de informações e para tratar assuntos referentes a um processo de execução penal, mas seja qual for o motivo da procura, é imprescindível que o cidadão seja bem atendido, assim compreendendo-se a cordialidade do atendente, a tempestividade e a qualidade da informação prestada. Em suma, após ter clara qual a meta a ser alcançada, são inúmeras as atuações da Unidade Cartorária em torno da movimentação de feitos referentes a execuções penais. Porém, embora o julgador responsável pela unidade não possa dedicar-se exclusivamente às execuções penais, embora a equipe de trabalho também não esteja toda disponível para a movimentação de tais feitos e, ainda, embora sejam complexas e numerosas as atuações cartorárias neste aspecto, é perfeitamente possível, através de um planejamento, que todas as ações sejam implementadas com eficiência e eficácia e que a meta seja alcançada todas as vezes em que uma pena é extinta, desde que haja verdadeiro comprometimento da equipe de trabalho e atenção ao planejamento e ao mapeamento pré-estabelecidos. A rotina cartorária acaba trazendo vivências que impõem uma análise crítica do planejamento, sempre com o firme propósito de bom cumprimento da missão estabelecida. É imprescindível, entretanto, que as ações sejam previamente pensadas e nada impede que experiências bem sucedidas de outras unidades sejam intercambiadas. Além disso, a equipe de trabalho deve estar permanentemente motivada e ciente das repercussões do seu trabalho no meio em que vive. O clamor em torno da segurança pública tem sido crescente. Das grandes capitais ao mais longínquo município do interior, tem-se assistido ao crescente número de crimes, muitos envolvendo atos de violência. O uso de entorpecentes tem se disseminado, atingindo a todas as classes sociais, alimentado pelos que se dedicam à traficância. As unidades cartorárias que movimentam feitos criminais, e mais ainda as que processam as execuções penais, têm atuação direta sobre o enfrentamento da violência, na 640 Revista ESMAC medida em que é sabido e ressabido que o crime pode ser evitado não pela proporção da pena, mas pela certeza da punição. Este, além de muitos outros, pode ser o argumento a ser utilizado para a motivação da equipe de trabalho. Na medida em que se enxerga como beneficiário do sucesso da operação do cumprimento da pena, tendo a exata noção de que, uma vez ressocializado, o reeducando pode deixar de reincidir e, por conseqüência, de atacar bem jurídico seu ou mesmo de um vizinho, o servidor pode ter então mais uma razão para se empenhar a cumprir suas atribuições e a “vestir a camisa” da unidade judiciária, enxergando-se como verdadeiro co-autor do processo de melhoria da qualidade de vida e da segurança pública do local onde vive. 641 CONCLUSÃO Após apresentar-se concepção clara sobre o que é gestão e compreender-se a extrema relevância da gestão das unidades cartorárias, como forma de garantir-se a eficiência e a celeridade da atuação jurisdicional e, depois, ainda, de se relacionar quais são os objetivos a serem alcançados pelas penas impostas a quem pratica crimes, conforme previsão legislativa, constatou-se que todas estas informações eram imprescindíveis à boa atuação do Poder Judiciário, no que se refere à atuação jurisdicional que desempenha ao longo das execuções penais. Ciente de que a execução penal não é um procedimento eminentemente jurisdicional, e que nele intervêm outras instituições, precipuamente do Poder Executivo, clareou-se a idéia de que a atuação a cargo do Poder Judiciário deve estar correlacionada com a destes outros órgãos. Ao mesmo tempo, verificou-se a extrema importância do acompanhamento imparcial da execução da pena, feito pelo juiz, intermediando o conflito entre os interesses do Estado, em efetivar a reprimenda imposta aos criminosos, e o interesses destes, de que tal ocorra nos exatos limites previstos na legislação. No passo seguinte, foram analisadas as atuações de todos os entes envolvidos na execução da pena, frisando-se as razões do interesse de cada um deles no sucesso da “operação”, cujo resultado, conforme previsto na Lei de Execuções Penais, é não apenas o cumprimento da sentença criminal, como também a reinserção social do apenado. Neste contexto, falou-se do interesse e da atuação do reeducando neste processo, da sociedade, da unidade prisional, do juiz e, especialmente do Cartório Judicial, frisando-se, neste último caso, a extrema correlação entre o cumprimento dos objetivos das penas e a eficaz e tempestiva atuação. Assim, focando-se a análise precipuamente às atividades cartorárias, foram propostas soluções para problemas de gestão comumente enfrentados em unidades que movimentam não apenas execuções, mas também ações penais, inserindo o modelo no contexto de uma pequena Comarca do interior do Estado, na qual a atuação da imprensa através das rádios locais é extremamente forte. Sem a pretensão de esgotar qualquer dos focos de análise, nem tampouco de apresentar um modelo infalível ou sensacional a ponto de ignorar outros modelos implantados pelo Brasil afora, com grande sucesso, o propósito foi sugerir idéias singelas que, porém, se têm mostrado bastante eficazes, já que em grande parte já implantadas e aperfeiçoadas ao longo do tempo. O fim último, então, não foi simplesmente apresentar propostas de solução dos problemas de gestão detectados em unidades judiciais com as características citadas, ou mesmo favorecer a tramitação dos processos, facilitando o dia-a-dia do juiz ou de sua equipe de trabalho. O grande objetivo foi, sem sombra de dúvida, apresentar, sob um aspecto pequeno, um modelo de atuação estatal, como meio de contribuição para a pacificação social, meta primordial da atividade jurisdicional. 642 Revista ESMAC BIBLIOGRAFIA BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Hemus, 1974. BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual e Direito Penal, Parte Geral. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2000. BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 4. ed.Porto Alegre: Livraria do advogado, 2006. CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. FAYOL, Henri. Administração Industrial e Geral. São Paulo: Atlas, 1986. Cf. LEONE, Giovani. Tratado de derecho procesal penal. Tradução de Santiago Sentis Melado. Buenos Aires: 1961. HENGEL, G. F.. Filosofia del Derecho, Espanha: 1975. KANT, Immanuel. Fundamentación metafísica de lãs costumbres. trad. Garcia Morente. 8 ed. Madrid: 1983. KANT, Immanuel. Princípios metafísicos de la doctrina del Derecho. México: 1978. MIRABETE, Julio Fabbrini Mirabete. Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 2004. MIR PUIG. Derecho Penal – Parte Geral. Barcelona: PPU, 1985. MUÑOZ, Conde. Introducción al Derecho Penal. Barcelona: Bosch, 1975. ROXIN, Claus. Política Criminal e Estrutura Del Delito. Barcelona: PPU, 1992. TAYLOR, Frederick W. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 1998. WINFRIED, Hassemer. Fundamentos de Derecho Penal. Barcelona: Bosch, 1984. 643 Escola Superior da Magistratura do Acre Arte da Capa Fernando de Castro Sobrinho Diretora Desa. Eva Evangelista Diagramação Izabella Nogueira Tapeocy de Castro Secretária Eva da Silva Freire Revisão Juraci Regina P. Nunes Assessora Pedagógica Juraci Regina P. Nunes Impressão Parque Gráfico TJAC Assistente Técnica Adminstrativa Silvia Claudia de O. Barrozo Assistente Pedagógica Izabella N. Tapeocy de Castro Tiragem: 150 Exemplares Tel.: (68) 3211-5545 e-mail: esmac@tjac.jus.br Assistente de Informática James Klinger Menezes da Silva Auxiliar Adminstrativo Saulo Cezário Ribeiro Auxiliar Administrativo Rafaela Yusif Awni El-Shawwa R e v i s t a E S MAC AGRADECIMENTO Ao Diretor Geral do Tribunal de Justiça, Carlos Afonso Santos de Andrade, e servidores desta Corte de Justiça que enaltecem o Poder Judiciário, o especial agradecimento pela valiosa contribuição. 644