Como excluir um candidato de um concurso público: o guia definitivo


Uma vez que hoje estou em modo “rant” vou escrever este post que será tão longo como será ácido, mas que espero sirva para mostrar como funciona a administração pública nos Açores, que será com certeza um espelho da congénere nacional. Se quiser continuar a ler, arranje um café ou chá porque vai demorar.

Não vou divulgar nomes, nem qual o organismo público  a que me refiro, dizendo apenas que é uma Direcção Regional em São Miguel.

Tudo começou com o anúncio de um concurso público na Bolsa de Emprego Público dos Açores. Como interessava-me, reuni a documentação necessária e o formulário do concurso, e procedi ao seu preenchimento. Como tinha algumas dúvidas, resolvi entregar a documentação em mão e esclarecer se tinha preenchido o formulário correctamente.

Warning! Começa a comédia!

Chegando à dita Direcção Regional, encontro 2 funcionárias na recepção. Uma delas ao computador. Digo ao que venho e refiro que tenho dúvidas que queria esclarecer no formulário e indico os campos que suscitaram as dúvidas dizendo que não tenho a certeza se estão correctamente preenchidos. A funcionária leva a papelada a um gabinete. Entretanto a colega funcionária ao computador começa a ficar atrapalhada com os sons que vinham do seu computador, nitidamente estava a ver um mail daqueles com bonequinhos a saltar de um  lado para o outro. Tanto que se trabalha por aqui, pensei. A outra funcionária volta dizendo que

lá dentro não reclamaram de nada.

Parto do princípio que o formulário está bem preenchido. Erro meu, se calhar deveria ter pedido para falar com a pessoa que recebeu o documento a confirmar. Ou talvez isso não fosse suficiente, como irão ver mais à frente. Nunca confiar em funcionárias da recepção.

A funcionária vem de mãos a abanar e não me trás qualquer documento comprovativo de como entreguei a documentação. Como sou gato escaldado, peço-lhe que me traga um documento comprovativo. Assim fez.

Alguns dias depois, recebo um mail a dizer que fui excluído do concurso. E porquê? Porque faltou um campo por preencher, que até tinha pedido para confirmarem. Aqui fica um excerto do email.

(…)que foi deliberado não considerar a sua candidatura em virtude da mesma não contemplar a identificação da oferta do procedimento concursal a que se candidata.

Erro meu, sem dúvida. Mas se pedi para confirmarem se os campos em que tinha dúvidas estavam bem preenchidos porque não me disseram logo? Dirigi-me à dita Direcção Regional e na recepção a tal funcionária que alguns dias atrás via emails “divertidos” no computador, hoje dormia uma bela soneca. Fui atendido por uma funcionária que me disse o seguinte:

Não se esclarecem dúvidas aos candidatos porque isso poderia ser visto como favorecimento de um candidato em relação aos outros.

Interessante teoria. Deixam-se os candidatos na ignorância e espera-se que caiam nas esparrelas da burocracia e assim vão-se eliminando candidatos. Por várias vezes pedi informações e esclarecimentos de dúvidas sobre os concursos de professores e estas sempre me foram prestadas rápida e facilmente, sem qualquer entrave por telefone ou email. Esta política deve ter sido inventada por esta Direcção Regional.

Perante essa afirmação que me deixou de queixo caído (não literalmente) perguntei se não esclarecerem dúvidas, porque não me foi prestada essa informação aquando da colocação da dúvida. Era capaz de ter sido interessante e útil. Resposta inconclusiva da funcionária.

Procedi à audiência de interessados apresentando os argumentos que já aqui deixei. Dias mais tarde recebi a decisão final do Juri.

(…)procurou aferir os alegados factos junto da funcionária da recepção, pessoa que segundo o mesmo teria prestado uma informação incorrecta. Do apurado concluiu-se que tal não corresponde à verdade dos factos, não se podendo pois atribuir qualquer responsabilidade dos serviços relativamente ao assunto em causa.

Óbvio que negaria.

Na necessidade de obtenção de qualquer esclarecimento relativamente ao edital do concurso, ao formulário de candidatura ou aos procedimentos de entrega dos documentos, deveria o candidato ter efectuado uma exposição por escrito à (ao) presidente do júri do concurso, única interlocutora com legitimidade para prestar as informações que entendesse pertinentes, tornando-as eventualmente públicas com o objectivo de garantir a equidade e transparência dos processos.

Interessante justificação para a manutenção da decisão da minha exclusão do concurso. Agora já é possível fazer pedidos de esclarecimento. Mais interessante é que têm de ser feitos por escrito ao presidente do júri. E já agora, peço autorização ao Papa? Talvez seja melhor, não?  Será assim em todos os serviços? Os presidentes do júri não podem esclarecer uma dúvida sem ser por escrito? Não há mais nenhum funcionário competente o suficiente para esclarecer os candidatos em tempo útil e sem ser por escrito? Se calhar é isso, vendo bem.

Pergunto-me, qual é o objectivo de um concurso público? Escolher o melhor candidato? Pelo que vejo, não é de certeza.

Já fui excluído de outros concursos, uma vez por uma razão ainda mais difícil de compreender. Imagine-se que não entreguei o meu certificado de habilitações do 12º ano da área de Ciências, entreguei em vez desse o da licenciatura em Biologia-Geologia, imagine-se, e por isso fui excluído. Na altura também reclamei mas não levei tão longe o protesto como agora. Era mais acomodado, tinhas talvez mais a perder. Agora pouco posso perder mais por isso aqui fica um retrato do nosso país.

EDIT: Resolvi finalmente revelar em que serviços este caso relatado aconteceu, principalmente por outros casos semelhantes continuarem a acontecer, como se pode ver nos comentários. Aqui vai o serviço e o nome da Presidente do Júri.
SECRETARIA REGIONAL DO AMBIENTE E DO MAR
Direcção de Serviços dos Recursos Hídricos

A Presidente do júri
Dina Maria  Duarte Medeiros
Directora de Serviços

 


5 comentários a “Como excluir um candidato de um concurso público: o guia definitivo”

  1. O problema em muitos destes casos (embora não exclusivo) é a falta de responsabilização dos intervenientes responsáveis pelo normal decurso dos concursos. Nas situações como a que descreve – e, acredite, não tenho motivo algum para duvidar das suas palavras – os nomes destas pessoas e dos organismos deveriam ser revelados e divulgados. Assim poderiam começar a ter vergonha na cara. E a culpa não morreria solteira aos olhos da intervenção crítica da sociedade.

  2. Obrigado pelo comentário Miguel. Acredite que os nomes serão divulgados. Ainda não os divulguei porque vou antes informar o Director Regional do que se passa no seu “reino”. Após esse contacto que vou tentar, vou divulgar os nomes. Até porque este post foi um primeiro “teaser” para a revelação final do nome e dos serviços em causa.

  3. De certa forma não poderia ficar hoje mais feliz de vêr este artigo. Estou neste momento a escrever o que me prover sobre a mimha exlcusão de concurso público, porque não autentiquei o meu certificado de habilitações. Que m*#*#*#* logo me passou a lado a palavra autenticado. Até parece rasteira… parece só…

    Mas o mais intenressante foi que quando liguei para o serviços deste organismo me responderam que já nem valia a pena responder, porque já tinha sido exluido. “Não vale a pena?”- perguntei eu. Ao que a senhora do outro lado, depois de soltar gargalhada, respondeu: “Acho que não vale mesmo a pena, mas você é que sabe!”

    Perante este cenário, e caso a exclusão seja definitiva ( já se sabe porquê), vou lá apresentar uma reclamação escrita. Até apontei o nome do funcionário que me teve a “gentileza” de dizer a barbarida. Vamos ver quem ri afinal…

  4. @Muita Paciência:

    O certificado autenticado é sem dúvida uma rasteira. Normalmente quando está lá a palavra “autenticado” pergunto se é mesmo necessário autenticar e explico o quanto custa autenticar uma página. Da última vez que o fiz, se não estou em erro, foram mais de 10 €. Até hoje apenas uma vez me obrigaram a autenticar mas o que fiz foi ir ao serviço em questão e mostrar o certificado original e eles carimbam a cópia com “Conforme original”.

    É um pequeno preciosismo legal que permite excluir à partida uma boa meia dúzia de candidatos. É como digo, o que querem não é o melhor para determinado trabalho mas sim aquele que é capaz de cair em menos rasteiras ou então aquele que já está escolhido à partida. Não é sempre assim, há concursos justos, há gente competente e isenta mas infelizmente não são assim tantos.

    Não te querendo desanimar, acho que vai ser difícil seres aceite a concurso ainda por cima com uma resposta dessa do funcionário. Mas vale a pena reclamar, há sempre hipóteses. Se quiseres ir em frente, após a conclusão do concurso podes pedir as actas e se encontrares alguma irregularidade… já sabes o que fazer :).

    Boa sorte!

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