sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Donadon!

Natan Donadon: um simples presidiário

Por oito meses, ele foi deputado, enquanto vivia numa cadeia. Finalmente cassado pela Câmara, terá de viver agora sem liberdade nem mandato

LEANDRO LOYOLA
14/02/2014 21h39
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ANTES DA CADEIA Natan Donadon, com traje de deputado. Agora, ele terá de se conformar apenas com a roupinha branca de detento (Foto: Igo Estrela/Ed. Globo)
Há duas semanas, numa caminhonete da Polícia Legislativa a caminho da penitenciária da Papuda, em Brasília, dois funcionários da Câmara dos Deputados estavam em dúvida sobre como tratar um detento. “Chamo ele de deputado?”, disse um deles. “Não sei. Acho que não. Ele não é mais deputado”, disse o outro. “É, sim. Ele não foi cassado. Ele ainda é deputado”, disse. “Mas hoje ele é detento”, disse o outro. Sua Excelência, o deputado federal Natan Donadon – ou detento Donadon –, foi levado à presença dos dois funcionários da Câmara para ser formalmente notificado de que passaria por mais um processo de cassação. Chegou como presidiário. Vestia roupa branca e mantinha os braços para trás. Quando soube do que se tratava, logo mostrou os modos de deputado: “Vocês são da Câmara? Cassação de novo? De novo essa palhaçada? Já fui inocentado! Por que me julgarão de novo? Isso é vadiagem!”. Os funcionários ouviram tudo em silêncio. “O senhor, por favor, assine aqui”, disse um deles, apresentando a notificação. Em nenhum momento o chamaram de “deputado”.
>> Câmara cassa mandato de Natan Donadon

Donadon perdeu o mandato de deputado pelo PMDB de Rondônia na semana passada, mas há oito meses não o exercia. Condenado a 13 anos de detenção por causa de um desvio de R$ 8 milhões da Assembleia Legislativa do Estado, em junho passado tornou-se o primeiro deputado a ir para a cadeia no exercício do cargo. Em agosto, a Câmara apreciou  um pedido de cassação de Donadon – em votação secreta. Naquele dia, Donadon saiu da cela, foi à Câmara e transformou a tribuna num púlpito. Evangélico, operou um desses milagres da política. Seus pares, comovidos com as duras provações de Donadon, o absolveram. Natan voltou para a cadeia de camburão, mas com mandato. A péssima repercussão obrigou a Câmara a buscar uma saída. O PSB fez uma representação para cassar o mandato de Donadon por quebra de decoro. Como se estar preso por corrupção não fosse suficiente para um político perder o mandato no Brasil, o PSB argumentou que Donadon quebrara o decoro parlamentar ao ser fotografado com algemas – e por ter votado em favor de si mesmo em agosto. Entrementes, a Câmara acabou com o voto secreto nas cassações de mandato.
>> Em agosto, Câmara manteve mandato de Natan Donadon

Na manhã da última quarta-feira, Donadon deixou a cela que ocupa com três colegas para ir ao parlatório conversar com seu advogado, Michel Saliba. Separado por um vidro, ele deu ao advogado, usando um telefone, argumentos para sua defesa no plenário da Câmara. Donadon não queria ir à sessão daquela noite. No final da tarde, mudou de ideia. Foi levado por policiais numa caminhonete. Vestia a roupinha branca de detento. Foi recebido na Câmara pelo deputado Cláudio Cajado (DEM-BA). Era cumprimentado por colegas enquanto esperava a sessão. De vários, ouviu: “Natan, votarei por sua cassação. Sou obrigado, porque é voto aberto”. Estava claro: sem a máscara do voto secreto, os deputados não agiriam mais como black blocs do Parlamento.
"Natan, vá embora.
Será humilhante você ver
o resultado do painel"
Michel Saliba, advogado
Rosângela, mulher de Donadon, levou ao marido um terno cinza, uma camisa e uma gravata azul. Ele transmutou-se de presidiário em deputado. Queria discursar. O advogado Saliba tentava desencorajá-lo. “Não adiantará nada, mas vai de sua consciência”, disse Cajado, preparado para ministrar a extrema-unção política ao colega. No plenário, como sempre ocorre em cassações, os deputados estavam incomodados. Perto do cafezinho e da TV, um grupinho, liderado por Chiquinho Escórcio (PMDB-MA), queria ir logo embora de Brasília. “Vota! Vota!”, pediam à Mesa. Sandro Mabel (PMDB-GO) evitou o constrangimento maior: “Natan, a situação é muito delicada. Ouça seu advogado, ele está sentindo o plenário”. Donadon desistiu do discurso e  apenas ouviu a fala do advogado.

Numa constrangedora romaria, ele abraçou deputados e uma ex-assessora. “Depois abraço todos”, disse a ela, em referência aos outros funcionários de seu ex-gabinete. Sentou-se numa cadeira do lado esquerdo, com um exemplar do Regimento da Câmara e outro da Constituição. Deu entrevistas. “Estão quebrando a regra do jogo. O voto aberto é para quebrar, massacrar a minha pessoa”, disse, com raiva. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), evitou intervenções na sessão. “Esta reunião não é prazerosa a ninguém. Quanto mais rápido acabarmos, melhor para todos”, disse. Ao final do discurso, o advogado Saliba foi até Donadon. “Natan, não tem mais o que você fazer aqui. Vá embora. Será humilhante você ver o resultado do painel.”

Donadon saiu antes do início da votação. Premido pelos policiais, foi para o camburão. Os deputados votaram e saíram rápido – uns constrangidos, outros combinando onde jantariam. Todos votaram pela cassação – o resultado foi um humilhante 467 a 0. Apenas Asdrúbal Bentes, outro condenado à cadeia, se absteve. Ao deixar a Câmara, Donadon se esqueceu de cumprir a promessa de abraçar seus ex-funcionários. Sorte dele. Não os encontraria. Nenhum foi até o plenário vê-lo. Ele não era mais deputado. Era apenas presidiário.


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