Biografia

Caio Fernando Abreu

“[...] não me arrependo de nada, eu fiz questão [...] de correr absolutamente todos os riscos. [...] tudo que a minha geração fez eu fiz radicalmente, até o fim: eu fui garçom, eu fui preso, eu fui rippie. Então, eu fui sendo um pouco porta voz destas pessoas, eu fui contando a história delas.” (CFA)

Caio F. – como assinou diversos de seus textos – teve uma vida intensa, permeada por “sexo, drogas e rock and roll”. Foi poeta, cronista, escritor, jornalista, roteirista, dramaturgo. Conseguiu, através de sua literatura visceral, transportar-nos a um Brasil que passava por mudanças radicais, a um tempo de extrema repressão e violência, de esmagamento dos direitos individuais. Deixou-nos, em seu trabalho, um retrato do mundo em que vivia.
Nascido em Santiago do Boqueirão, uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, em 1948, mas mudou-se ainda menino para a capital, Porto Alegre onde publica seus primeiros contos e conclui o colegial.
Em 1964, Caio inicia os cursos de Letras e Artes Dramáticas, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas, no entanto, em 1968 abandona ambos e muda-se “para São Paulo aos 20 anos de idade, ao ser escolhido para integrante da primeira equipe de jornalistas da então recém-criada revista semanal Veja”1.
Em 26 de janeiro de 1970, a Câmara aprova a censura de livros e periódicos. Porém, Caio, ainda periférico no circuito da mídia, lança seu primeiro livro, Inventário do Irremediável, e recebe por ele o prêmio Fernando Chinaglia da União Brasileira de Escritores (UBE). Esta obra já carregava a expressão de sua concepção da sociedade ao retratar a resistência de indivíduos diante de um sistema opressor sob diversos aspectos e ao abordar, nos contos que o compõem, temas como a repressão sexual, os conflitos do indivíduo urbano, a violência social, a morte entre outros.
Em 1971, “Caio muda-se para o Rio de Janeiro e trabalha como pesquisador e redator das revistas Manchete e Pais & Filhos. Volta a Porto Alegre, onde é
preso por porte de drogas”2. Em 1972, “trabalha como redator do jornal Zero Hora e como colaborador do Suplemento Literário de Minas Gerais”3.
Caio viveu em permanente tensão entre sua dedicação a escrita e às inevitáveis responsabilidades da vida. Levou uma vida itinerante, percorrendo cidades, países e continentes sempre em busca de algo a mais.
Após a crise do petróleo de 1973, a economia mundial, e particularmente a dos EUA, entrou em recessão. Nesta mesma época o Brasil enfrentava o aumento e a diversificação das exportações, a modernização do país, mas, no entanto, o empobrecimento do povo e o crescimento da dívida externa. Caio exilou-se por um ano na Europa: “Em Estocolmo, trabalha lavando pratos e em Londres, como faxineiro e modelo vivo numa escola de belas-artes. O ovo apunhalado, onde predominam os temas da memória e da identidade, da repressão aos valores individuais e a crítica à sociedade do consumo supérfluo, recebe menção honrosa do prêmio Nacional de Ficção”4.

“Aconteceram coisas bastante duras nos últimos tempos [...], mas a conclusão, amarga, é que não há lugar para gente como nós aqui neste país, pelo menos enquanto se vive dentro de uma grande cidade. As agressões e repressões nas ruas são cada vez mais violentas, coisas que a gente lê um dia no jornal e no dia seguinte sente na própria pele. A gente vai ficando acuado, medroso, paranóico: eu não quero ficar assim, eu não vou ficar assim. Por isso mesmo estou indo embora. [...] Acho que o mundo está aí pra ser visto e curtido, antes que acabe. Vou de consciência tranquila, sabendo que dentro de todo o bode fiz o que era possível fazer por aqui. E não sei quando volto. Nem se volto”5.

Retornou a Porto Alegre em fins de 1974 e passou a trabalhar como autor e ator na peça Sarau das nove às onze, com o grupo Província. Sua aparência havia mudado: “tinha os cabelos pintados de vermelho, usava brincos imensos nas duas orelhas e se vestia com batas de veludo cobertas de pequenos espelhos. Assim andava calmamente pela Rua da Praia, centro nervoso da capital gaúcha”6.
Em 1975, Caio tem seu livro O ovo apunhalado - que tem trechos censurados - indicado pela revista Veja como um dos melhores livros do ano e sua peça Uma visita ao fim do mundo recebe o prêmio Leitura do Serviço Nacional de Teatro7.
Em 1976, Caio lança Pedras de Calcutá, livro de contos que focaliza a juventude brasileira, vítima da repressão política desencadeada com o golpe de 19648.
Sua última obra foi Estranhos Estrangeiros, porém Caio faleceu antes da conclusão do livro. O título foi escolhido por ele, mas a maioria dos contos que ele pretendia incluir não foram encontrados. A exceção foi Ao simulacro da imagerie, que ocupa as primeiras páginas do livro.
Em 1994, na França, Caio descobriu-se portador do vírus HIV:

“Voltei da Europa em junho me sentindo doente. Febres, suores, perda de peso, manchas na pele. Procurei um médico e, à revelia dele, fiz O Teste. Aquele. Depois de uma semana de espera agoniada, o resultado: HIV positivo”9.

Ele mesmo assim se definiu em 1995, após uma curta vida dedicada a ver e experimentar os altos e baixos de transcrever a realidade:

“Sou uma pessoa clichê. Nos anos 50, andei de motocicleta e dancei rock. Nos anos 60, fui preso como comunista. Depois, virei hippie e experimentei todas as drogas. Passei por uma fase punk e outra dance. Não há nenhuma experiência clichê de minha geração que eu não tenha vivido. O HIV é simplesmente a face da minha morte”10.

Morreu prematuramente, em decorrência da AIDS, aos 47 anos de idade, em 25 de fevereiro de 1996, em Porto Alegre onde morava com os pais.


Notas:
1 MORICONI, Italo (Org). Caio Fernando Abreu: cartas. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002, p. 355.
2 ABREU, Caio Fernando. Caio 3D: O essencial da década de 1970. Rio de Janeiro: Agir, 2005, p. 354.
3 ABREU, 2005, p. 354.
4 ABREU, 2005, p. 354.
5 ABREU. In: MORICONI, 2002, p. 437.
6 MACHADO, Danilo Maciel. O amor como falta em Caio Fernando Abreu. 2006. 103f. Dissertação - Programa de Pós-Graduação em Letras. Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, p. 7.
7 ABREU, 2005, p. 354.
8 ABREU, 2005, p. 355.
9 ABREU, Caio Fernando. Pequenas epifanias: crônicas, 1986-1995. 2.ed. Rio de Janeiro: Agir, 2006, p. 112.
10 ABREU. In: FRANCO, Carlos. Um último sopro de vida, Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 06 jul. 1996. Caderno Ideias, p. 1-2.


Fonte: MOREIRA, Simone Xavier. De penas e de chumbo: Caio Fernando Abreu e o contexto dos anos 70. 2010. 56f. Monografia - Programa de Pós-Graduação em Letras: Literatura Comparada. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas