04/11/2011

Análise do texto: O prazer estético e as experiências fundamentais da Poiesis, Aisthesis e Katharsis de Hans Robert Jauss

Para chegar a uma definição mais concreta do que para Jauss pode ser chamada de prazer estético, o texto inicia apresentando alguns conceitos de “prazer” caracterizados por alguns teóricos no decorrer da história literária. Na antiga teoria do poético de Aristóteles, a experiência estética não se esgota apenas na técnica da perfeita imitação, mas, sobretudo, na reação do espectador/leitor diante do que está sendo representado, o que mais tarde serviu de base para os estudos da estética psicanalítica.  Já a contribuição de Agostinho sobre a mesma experiência se autoafirma por meio do “prazer dos olhos” que tanto pode fazer uso dos sentidos – o cheiro, o sabor, o tato – como dos elementos catárticos ou mesmo banais.
 Com o passar do tempo, outras discussões em torno do problema do prazer estético foram travadas. Conforme Schiller, a relação de separação entre o trabalho e o lazer oriunda da ascensão da sociedade industrial e capitalista, levou à desassociação do prazer com o trabalho, passando este, a se tornar uma condição de sobrevivência e alienação, e consequente objeto de dominação.
Com a emersão do materialismo, a teoria literária marxista, procura eminentemente estabelecer vínculos entre literatura e realidade social, buscando o caráter estético baseados em acontecimentos históricos relacionados com o futuro. Daí surge uma das críticas defendida por Jauss sobre a concepção marxista, para ele, a literatura não deve ser entendida como reflexo dos fenômenos sociais, nem tampouco, desconsiderar os aspectos sincrônicos e diacrônicos da obra e do leitor, o que limita sua ampla significação e impossibilita a definição das experiências estéticas.
Nessa perspectiva, os conceitos psicanalíticos discutidos por Freud, de relacionar o prazer estético ao passado, numa abordagem profunda dos acontecimentos, desejos e experiências resgatadas pela memória, são um dos fundamentos levantado e defendido por Jauss. “A própria poesia revela tanto elementos do motivo recente quanto elementos das velhas lembranças”. (HAUSS, 2002, P.92)
De acordo com Hauss, o resgate histórico para qualificação de uma obra literária não deve ser medido por meio do registro cronológico e biográfico, mas através dos critérios da recepção e do efeito produzidos pela leitura da obra. Nesse contexto, o leitor passa a ser um elemento importante na instância da recepção que leva em consideração a relação dialógica entre o leitor e obra, contrapondo à posição de Barthes que defende “o caráter insular da leitura solidária e o aspecto anárquico do prazer estético, negando o caráter dialógico entre leitor e texto.” (HAUSS, 2002, p.95)
A historicidade literária se apresenta em constante mudança por meio da reconstrução do “horizonte de expectativa” do leitor que corresponde ao mundo que o cerca: suas vivências, sua bagagem cultural, seus valores. De acordo com a teoria da estética da recepção, esse horizonte pode ou não ser ampliando por meio da leitura. Quanto mais o texto se distancia das expectativas, mais ele amplia os horizontes. Em contrapartida, quando se lê um texto que não apresenta nenhuma ou pouca novidade, menor será o horizonte de expectativas.  

A distância entre o horizonte de expectativa e a obra, entre o já conhecido da experiência estética anterior e a “mudança de horizonte” exigida pela acolhida à nova obra, determina, do ponto de vista da estética da recepção, o caráter artístico de uma obra literária. (JAUSS, 1994, P.31)

Com essa nova concepção de recepção do texto, a obra literária passa a ser definida pela relação que se estabelece entre literatura e leitor com suas implicações tanto estéticas quanto históricas. “A história da literatura é um processo de recepção e produção estética que se realiza na atualização dos textos literários por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se faz novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete”. (JAUSS, 1994, P.25)
A história do prazer estético da arte, segundo Jauss, se concretiza nos três conceitos da tradição estética por compreender as funções produtivas, receptiva e comunicativa da experiência estética que se complementam entre si. São eles: A poiesis, a aisthesis e a katharsis.
No plano da Poiesis, o prazer se caracteriza pela experiência produtiva que pode levar o indivíduo a outras dimensões como a do mundo interior ou permanecer no mundo real em busca da criação artística.  A Aisthesis é compreendida pelo prazer adquirido através da “experiência estética receptiva”, quando em posse de uma obra de arte, o horizonte de expectativa do leitor renova ou amplia sua percepção. E a katharsis consiste na capacidade efetiva de transformação das concepções que o leitor tem do mundo e da vida diante da liberdade, legitimidade e autonomia da obra de arte.

A poiesis é o prazer ante a obra que nós mesmos realizamos;[...] a aisthesis designa o prazer  estético da percepção reconhecedora e do reconhecimento perceptivo, ou seja, um  conhecimento através da experiência e da percepção sensíveis; [...]e a katharsis é o prazer dos afetos provocados pelo discurso ou pela poesia, capaz de conduzir o ouvinte e o telespectador tanto a transformação de suas convicções, quanto à liberação de sua psique (JAUSS, 2002, p. 100-101).


Essas atividades básicas da experiência estética não precisam necessariamente seguir esta ordem, elas estabelecem funções autônomas, mas relacionam entre si.  As relações podem ocorrer da poiesis para aisthesis quando o criador assume o papel de observador de sua própria obra, da aisthesis para a poiesis quando o leitor sai de sua atitude receptiva e parte para a produção, entre poiesis e katharsis ao transformar o leitor, e também o próprio autor, por ser este um dos leitores de sua obra e entre a katharsis e a aisthesis quando o ato de contemplação se configura na mudança de concepção.
Com base nas funções comunicativas da experiência estética, é possível perceber a liberdade e autonomia que o leitor tem diante das obras artísticas. Mesmo em face de sua criação, o autor não consegue limitar e impor o sentido que compusera a sua obra, haja vista a liberdade de pensamento e a multiciplidade de significações que as imagens verbais ou não verbais podem sugerir aos seus inúmeros leitores.
A teoria do prazer estético reformulada por Hauss, apesar de criticar as correntes marxistas, formalistas e estruturalistas, não as exclui, mas a partir delas, recria um novo conceito de estética da recepção em que o leitor tem um papel determinante.

Por Poliana Birto Sena, Graduada em Letras Vernáculas
pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB 
e pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira
pela Faculdade do Sul da Bahia - FASB
Referências

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Trad. Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

JAUSS, Hans Robert. O prazer estético e as explicações fundamentais da poiesis, aisthesis e Katharsis. In: JAUSS, Hans Robert. Et. Al. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. 2. ed. Coordenação e tradução Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p. 67-84.

JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994.

1 comentários:

Muito interessante. Eu imagino se poderia haver algo além da katharsis... Um enlevo, uma epifania, na qual o leitor pudesse ser receptor, criador e transformado ou transformador ao mesmo tempo.

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