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puxando angústia

« Todos os dias que depois vieram, eram tempo de doer. Miguilim tinha sido arrancado de uma porção de coisas, e estava no mesmo lugar. Quando chegava o poder de chorar, era até bom – enquanto estava chorando, parecia que a alma toda se sacudia, misturando ao vivo todas as lembranças, as mais novas e as muito antigas. Mas, no mais das horas, ele estava cansado. Cansado e como que assustado. Sufocado. Ele não era ele mesmo. Diante dele, as pessoas, as coisas, perdiam o peso de ser. Os lugares, o Mutúm – se esvaziavam, numa ligeireza, vagarosos. E Miguilim mesmo se achava diferente de todos. Ao vago, dava a mesma ideia de uma vez, em que, muito pequeno, tinha dormido de dia, fora de seu costume – quando acordou, sentiu o existir do mundo em hora estranha, e perguntou assustado: Uai, mãe, hoje já é amanhã?!  “

[Guimarães Rosa]

le bel été

[ i could say no, but i… ]

puxando angústia

« Não basta abrir a janela para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
e um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
que nunca é o que se vê quando se abre a janela. »

 
[Alberto Caeiro]

[porque é de uma delicadeza…]

d-_-b

puxando angústia

“e quem nos salvará da seriedade?”


[Júlio Cortázar]

espelho

Esse cheiro de manhã fresquinha misturado com café passado na hora. Passo o tempo agora debruçada sobre papéis avulsos espalhados pela casa silenciosa. Mesmo as cinzas da noite anterior ainda flutuam por aí a perguntar por mim e então digo que não sei. Visto a camisa do trabalho, saiu sem bater a porta. A luz me afronta e explora a retina agora contraída. Respiro a fuligem dos carros. Escuto a música ruim dos ônibus. Aceno, sorriu, respondo aos bons dias. Tenho um bom dia. O celular toca na hora muda e muda os rumos das escolhas prenhas de. As expectativas flutuam pasmadas me encarando de frente pedindo, sempre pedindo… É cheiro de chuva, é cheiro de rua molhada. E o vento arisco que entra pela janela da sala levanta a poeira dos móveis, os lençóis da cama e descobre a vida aninhada, aquecida olhando de frente para mim – pedindo, sempre pedindo… E na medida do impossível, distraída vou vencendo a dor nas costas, nos ombros, no peito calado de sorte muita.

New York, i love you

“Don’t you think when you come here for the first time,
you come because this is the city where everything is possible?
“Yeah, for a while, can be…”

puxando angústia

“Oh, cara alma, não aspire à vida imortal,
Mas saiba esgotar o campo do possível!”

[Píndaro]

procrastino

Ando sofrendo de excessos,
De trans-bor-da-men-tos
As palavras e os sentimentos soltam-se de mim
Assim, com o pulsar do tempo
Com o simples sussurrar do vento
E se derramam por ai
pelas ruas e avenidas de uma mal iluminada Teresina…
Quantas noites cabem numa noite? – Gullar me atormenta
Sigo pela Frei andado, simplesmente andando
Procurando nos olhos das pessoas atrasadas para lugar nenhum
Algum oco que possa preencher
Algum excesso que possam compartilhar
Mas apenas encontro olhares desconfiados e medrosos
Que se deixam fugir antes mesmo de se penetrar
Alguém acende um cigarro, alguém toma um sorvete
Pessoas paradas nas paradas
Casais abraçados nos bancos, nas calçadas
Uma lua embaçada
Pessoas vendendo espetinhos, bombons, olha o Vale!
Mas o que vale a pena?
Carros passando, a fome batendo
Os mendigos pedindo
Os gatos miando, as putas gemendo
Os pensamentos caindo do corpo em movimento
E quem tem olhos para ver o mundo?
Quem tem olhos para ver?
Ver o que?
Quem tem tempo e olhos para ver os sulcos na pele do mundo?
Quem, Mundo?

Sigo pela Frei pensando, simplesmente pensando
Sem muito alarde, nem muita pressa
Enquanto a madrugada me atravessa como um dardo certeiro
Pelas ruas e avenidas de uma mal iluminada Teresina…