FUNÇÃO E O CAMPO DA FALA E DA LINGUAGEM

Allan de Aguiar Almeida

Lacan mostra de fato a linguagem, e nela deduz a condição de existência do inconsciente que só existe no sujeito falante. Empreende um retorno a Freud e faz uma revolução em direção a uma psicanálise que para ele havia perdido seu sentido original, e resgata assim os seus fundamentos, afirmando a autonomia do significante e o inserindo na ordem simbólica constituída pela linguagem.

Nos seus “Escritos”, ao tratar da “função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”, Lacan critica a vertente da psicanálise que trata e foca principalmente do imaginário. Busca renovar, na psicanálise, os fundamentos que se dão na própria linguagem, e nas formas em que Freud construiu sua clínica que só poderia se manter ao se fazer de modo integral, fiel às próprias noções que a experiência mostrou.

O desvio que se fez ao longo do tempo, por aqueles que se nomeiam pós-freudianos, foi na verdade a própria aversão pelas funções da fala e pelo campo da linguagem que motivou mudanças de objeto e de técnica, como as questões relativas à função do imaginário (suas fantasias e interpretações), as noções das relações libidinais de objetos e à contratransferência.

Lacan afirma que desse modo o analista ao abandonar os fundamentos da fala e todo o seu campo dá ênfase a uma pedagogia materna, a ajuda samaritana e a uma mestria e dominação dialética, ao passo que esses efeitos só poderiam ser de fato corrigidos com um retorno ao estudo das próprias funções da fala.

Enquanto agenciadora de cura, investigação e mesmo formação, o principal dispositivo psicanalítico é a fala do paciente, “a associação-livre”, uma fala endereçada e que pede resposta, já “que não há fala sem resposta, mesmo que se depare apenas com o silêncio, desde que ela tenha um ouvinte”.

O considerável numa análise é aquilo que vai além da fala, onde se buscará uma realidade que dê lugar a esse vazio, uma escuta que buscará “ouvir” aquilo que não se diz, levando a uma mudança de posição, ao ato.

O analista operando com a fala busca suspender as certezas do sujeito no próprio discurso, desfazendo-o, destacando seu verdadeiro valor – o significante. Esse discurso aparentemente vazio, sem valor, representa a existência da comunicação, de um endereçamento evidente, de uma afirmação da fala que constitui uma verdade ou mesmo uma enganação. A questão assim é ouvir esse discurso no que ele tem de significativo, pontuando-o, intervindo e fazendo regressões naquilo que ele tem de atualizador da própria estrutura.

Abordando a função da fala na análise, a fala vazia no caso, o sujeito ao falar em vão não se renderia ao surgimento de seu próprio desejo.

Toda a originalidade do método é feita acima daquilo que ele se priva, ou seja, o meio em que ele se dá já constrói o campo nos quais o próprio limite define a sua operacionalidade. Assim é a fala que dá um sentido as funções do indivíduo, seu discurso enquanto uma realidade, contextualizada em operações da própria história, naquilo que se pede da verdade no real, onde o discurso subjetivo é a própria história do sujeito.

Desse modo quanto à questão da fala e da linguagem, o que esclarece o seu verdadeiro fundamento é a própria noção de “inconsciente” – um inconsciente estruturado como uma linguagem – a parte do discurso concreto que falta ao sujeito para restabelecer a continuidade de seu discurso consciente. O fim do paradoxo desaparece desse modo, apresentado pela noção de inconsciente relacionada a uma dita realidade individual, onde o inconsciente é algo que se articula na fala e não algo que vem a priori, que a antecede.

Lacan diz ser o inconsciente o capítulo de uma História que é marcada por um branco, ou mesmo ocupada por uma mentira, é o capítulo censurado, mas que a verdade pode ser resgatada, pois ela já está inscrita em outro lugar, que pode ser nos monumentos (o próprio corpo), nos documentos de arquivo (lembranças da infância), na evolução semântica (vocabulário, estilo e caracteres particulares), na tradição (lendas heroicizadas), e nos vestígios (as distorções exigidas pela adulteração do capítulo que foi alterado nos capítulos que o enquadram, e cujo sentido, a interpretação, a explicação restabelecerá).

Assim é que através da prática analítica pode-se verificar e reconhecer a atuação no campo daquilo que é metafórico, do deslocamento, daquilo que é simbólico e empregado no próprio sintoma.

Dentro do contexto da experiência analítica, o inconsciente do sujeito na verdade é o discurso do outro, o operatório é aquilo que se articula através do significante, no intervalo de significantes, no que não pode ser dito enquanto tal. O discurso determina aquilo que concerne ao sujeito, que lida não com objetos, mas com significantes, este que somado a linguagem constituem os limites, as próprias estruturas do campo psicanalítico.

Dessa forma Lacan refunda toda a psicanálise mostrando que não há uma realidade pré-discursiva, significante, verbal; privilegia o campo da palavra e mostra que é o significante que dá existência às coisas, oferecendo assim ao analisante a possibilidade de se inscrever na sua singularidade, no seu fracasso, no lugar que ocupa, na sua posição de não saber. Levando-o não a uma pedagogia, conscientização, autoconhecimento ou a uma subjetividade imposta, mas a uma mudança de posição, de fazer, do retificar, onde o importante é que o saber se constitua como ato.

Função e campo da fala e da linguagem mostra a própria resistência da psicanálise, de uma clínica que opera com aquilo que se marginaliza do discurso, com o que atinge e imobiliza o sujeito, o próprio significante, não se restringindo com o que se opera na ordem do sentido, pois dessa forma aquilo que é do campo do real, também o é do campo da fala.

Busca renovar, na psicanálise, os fundamentos que se dão na própria linguagem, e nas formas em que Freud construiu sua clínica que só poderia se manter ao se fazer de modo integral, fiel às próprias noções que a experiência mostrou.

J. Lacan mostra uma clínica que opera com aquilo que se marginaliza do discurso, “o inconsciente”, com aquilo que atinge e imobiliza o sujeito, o próprio significante, não se restringindo com o que se opera na ordem do sentido.


BIBLIOGRAFIA

LACAN, Jacques. “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.