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Mighty AphroditeO segundo filme de Woody Allen para a Miramax seguiu a receita do anterior. Mais uma vez Allen dedicou-se a uma comédia simples, com mais um argumento elaboradíssimo, em torno de situações cómicas, mas sem muito do drama psicológico dos seus filmes da década anterior. Sendo novamente o protagonista do filme, no papel habitual do pequeno nervoso e neurótico, Allen contracenou aqui com Mira Sorvino e Helena Bonham Carter. F. Murray Abraham, Olympia Dukakis, Michael Rapaport e Peter Weller, são alguns dos actores secundários que completam o elenco.

Sinopse:

Lenny (Woody Allen) e Amanda (Helena Bonham Carter) decidem adoptar um filho, já que Amanda está dedicada à sua carreira e não deseja uma gravidez. Max, o bebé adoptado revela-se um rapaz brilhante, orgulho de todos, o que leva Lenny a ficar obcecado em encontrar os pais biológicos do seu filho.

Ao conseguir, Lenny fica desiludido por descobrir que Max é filho de mãe solteira, Linda Ash (Mira Sorvino), a qual é não só muito burra, como é prostituta e antiga actriz de filmes pornográficos. Lenny decide então intervir na vida de Linda para a tentar mudar para melhor, sob os ecos de um coro grego que vai comentando a história.

Análise:

Continuando a sequência de comédias pós-Mia Farrow, iniciada com os precedentes “O Misterioso Assassínio em Manhattan” e “Balas Sobre a Broadway”, Woody Allen construiu “Poderosa Afrodite” como mais uma história simples em torno de um enredo capaz de gerar situações cómicas, com personagens que, ainda que lembrem os seus habituais protagonistas, não têm aqui a densidade psicológica dos dramas que vão de 1977 a 1992.

Por um lado o casal principal Lenny (Woody Allen) e Amanda (Helena Bonham-Carter) pode à primeira vista parecer o típico casal Alleniano, com todos os conflitos de um casamento já com alguns anos. Assim temos o excesso de preocupação com a carreira de um dos conjuges (neste caso Amanda), a dúvida sobre ter ou não filhos, o sucumbir à rotina, que mata a espontaneidade e paixão, e a inevitável infidelidade que põe o casal em perigo. No entanto estes ingredientes surgem como condimentos secundários, que ajudam a criar um contexto, mas não o dominam. O próprio facto de Lenny ser um comentador desportivo, em vez do habitual intelectual parece apontar para esse lado mais ligeiro dos personagens.

A história principal de “Poderosa Afrodite” reside na busca por Lenny da mãe biológica do seu filho adoptivo Max. Ao ver que se trata de uma prostituta (Mira Sorvino) de inteligência duvidosa, Lenny decide dar uma mãozinha ao destino, e ajudar a transformar vidas. É nesse sentido que Lenny desempenha o papel de deus (ou novamente de Pigmalião), e ao desafiar forças mais poderosas que ele próprio, está-se a colocar no papel dos trágicos heróis da mitologia grega.

Que melhor forma de expor esta ideia que usar um verdadeiro coro grego? É isso que Allen faz, e é este elemento que marca todo o filme. Um coro grego filmado sobre ruínas clássicas (no teatro grego de Taormina, na Sicília), comenta os vários episódios em tom de tragédia, aconselhando Lenny a ter cuidado, e prevendo os acidentes de percurso. Mas trata-se de um coro bem especial, que tem tiradas sarcásticas e faz comentários apropriados à época, o que, contrastando com as suas vestes e tom grave é motivo de gargalhadas.

Este coro é liderado por um corifeu (F. Murray Abraham) que transcende a sua posição surgindo inúmeras vezes nos cenários em que Lenny se move, interagindo e dialogando com ele como se fosse a sua consciência (para efeito cómico chega a passar-lhe uma esferográfica para escrever). Nesse sentido o corifeu lembra-nos o personagem Humphrey Bogart em “O Grande Conquistador”. Para além dele vemos ainda Laio (David Ogden Stiers), Jocasta (Olympia Dukakis) e Édipo (Jeffrey Kurland), comentarem o famoso complexo freudiano que Allen tanto gosta de citar. Vemos Cassandra (Danielle Ferland), com os seus repetidos prenúncios de tragédia nunca tidos em atenção. Vemos Tirésias (Jack Warden), o profeta cego. E ouvimos até, de modo cómico, a voz de Zeus.

Sob esse comentário trágico-cómico, acompanhamos as tentativas de Lenny de transformar Linda numa mulher decente, que não envergonhasse o seu filho Max. E é por entre um sem número de equívocos, como o facto de Linda ver Lenny como cliente, ou o romance falhado entre Linda e Kevin (Michael Rappaport), que priocura uma mulher antiquada. O lado trágico acontece no próprio casamento de Lenny e Amanda, que chega a estar por um fio, mas (um pouco como em “O Misterioso Assassínio em Manhattan” e “Balas Sobre a Broadway”), após a tormenta vem a bonança, e o casal reencontra-se e fortalece-se, no que parece ser uma necessidade continuada de Allen em terminar as suas histórias dos anos 90 com uma nota de optimismo.

O lado mais doce do filme é acentuado na cena final. no reencontro entre Lenny e Linda, quando cada um traz consigo o filho do outro, sem que o digam e o outro chegue a saber. Com esse inteligente truque, Allen diz-nos que os deuses jogam connosco de um modo mais irónico do que alguma vez poderemos compreender. Ao mesmo tempo que nos diz isso Allen consegue uma das cenas mais comoventes da sua carreira, provando que mesmo nos filmes mais ligeiros a inteligência do argumento e o brilhantismo da filmagem e direcção de actores torna os seus filmes admiráveis.

O final do filme, com o coro grego cantando e dançando loucamente “When You’re Smiling”, lembra-nos que afinal mesmo na aparência de uma tragédia podemos ter um final feliz.

Mira Sorvino brilha acima de todo o elenco. A voz de falsete dá-lhe desde logo uma comicidade fora do vulgar, que é bem acompanhada pela inteligência da sua interpretação. Tal valeu-lhe o Oscar da Academia para Melhor Actriz Secundária, Globo de Ouro e inúmeros outros prémios e nomeações. O filme recebeu ainda nomeação para o Oscar de Melhor Argumento, a décima segunda para Allen no momento, fazendo dele o argumentista mais nomeado de sempre da Academia.

Destaque ainda para o curtíssimo cameo do então ainda pouco conhecido Paul Giamatti.

Produção:

Título original: Mighty Aphrodite; Produção: Miramax Films / Sweetland Films / Jim Doumanian Productions; Produtores Executivos: Jim Doumanian, J. E. Beaucaire; País: EUA; Ano: 1995; Duração: 95 minutos; Distribuição: Miramax Films; Estreia: Outubro de 1995 (EUA), 8 de Março de 1996 (Portugal).

Equipa técnica:

Realização: Woody Allen; Produção: Robert Greenhut; Argumento: Woody Allen; Fotografia: Carlo Di Palma (filmado em Technicolor); Design de Produção: Santo Loquasto; Montagem: Susan E. Morse; Figurinos: Jeffrey Kurland; Produtor Associado: Thomas Reilly; Coreografia: Graciela Daniele; Directores de Produção: Helen Robin, Lucia Connelli (Itália); Direcção Artística: Tom Warren, Gianni Giovannoni (Itália); Cenários: Susan Bode; Caracterização: Fern Buchner, Rosemary Zurlo; Orquestração e Direcção Musical: Dick Hyman.

Elenco:

F. Murray Abraham (Líder do coro grego), Woody Allen (Lenny Weintraub), Claire Bloom (Mãe de Amanda), Helena Bonham Carter (Amanda), Olympia Dukakis (Jocasta), Michael Rapaport (Kevin), Mira Sorvino (Linda Ash, aka Leslie St. James, aka Judy Cum), David Ogden Stiers (Laio), Jack Warden (Tiresias), Peter Weller (Jerry Bender), Kathleen Doyle (Mulher do ex-vizinho), Danielle Ferland (Cassandra), Jimmy McQuaid (Max), Peter McRobbie (Ex-vizinho de Linda’s), Dan Moran (Ricky, o Chulo), Dan Mullane (Mensageiro), Steven Randazzo (Bud), J. Smith-Cameron (Mulher de Bud), Jeffrey Kurland (Édipo), Tucker Robin (Max criança), Donald Symington (Pai de Amanda), Nolan Tuffy (Max com 2 anos), Yvette Hawkins (Directora da Escola), Rosemary Murphy (Coordenadora de Adoções), Jennifer Greenhut (Secretária de Lenny), Paul Giamatti (Agente de Figurantes), William Addy (Porteiro), Kenneth Edelson (Ken), Paul Herman (Amigo de Ricky), Tony Sirico (Treinador de Boxe), Tony Darrow (Treinador de Boxe), Ray Garvey (Treinador de Boxe), Kent Blocher (voz de Zeus), Bray Poor (Piloto de Helicóptero).