Modelo de Alegações Finais no Júri - Desclassificação para o crime de disparo de arma de fogo

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da __ Vara Criminal da Comarca de Foz do Iguaçu/PR





Miguelino da Silva (nome fictício), já qualificado nos autos de processo criminal n., que lhe move a Justiça Pública, atualmente recolhido provisoriamente no CDR, por seu defensor nomeado (fls. ) que esta subscreve, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, apresentar novas ALEGAÇÕES FINAIS, em razão da inovação no acervo probatório do presente processo-crime, nos seguintes termos:

I- SÍNTESE PROCESSUAL

O requerente foi preso em flagrante pela suposta prática da conduta tipificada na norma penal incriminadora descrita no art. 121, § 2, I, cc art. 14, II, ambos do Código Penal, conforme narrou a denúncia de fls. _.
A denúncia narrou, em síntese, que o acusado efetuou disparos de arma de fogo contra a vítima _, motivado por uma suposta dívida de drogas. Narrou, ainda, que o crime não se consumou por erro de pontaria do denunciado.
Após o recebimento da denúncia, o denunciado foi devidamente citado, tendo apresentando sua resposta escrita à acusação às fls_. Não houve réplica pelo Ministério Público.
Na audiência, foram ouvidas as testemunhas da acusação e interrogado o acusado, ocasião em que, após a apresentação das alegações finais, o MM. Juiz converteu o julgamento em diligência. Juntado laudo de exame de arma de fogo e o laudo de exame de pesquisa de resíduos de chumbo, o Ministério Público ratificou as suas alegações finais.
A defesa, no entanto, requereu a realização de novo interrogatório, tendo em vista que a linha mais vanguardista do processo penal garante que o interrogatório deve ser o último ato processual a ser praticado, em homenagem ao princípio da ampla defesa.
Acatando os argumentos defensivos, designou-se novo interrogatório, ocasião em que o Sr. Miguelino da Silva aduziu que não efetuou disparos de arma de fogo contra a suposta vítima, uma vez que os tiros foram para cima, sendo que apenas queria assustá-la. Informou que não se tratava de um acerto de contas envolvendo drogas.
Eis a apertada síntese.

II – DO MÉRITO

II – 1. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE DISPARO DE ARMA DE FOGO

Do princípio da presunção de inocência (art. 5°, inc. LVII da Constituição Federal e art. 8°, 2, da Convenção Americana ) emana a regra probatória de que incumbe a quem acusa o ônus de provar – legal e judicialmente - a culpa do imputado.
Não se deve entender o termo “culpa” em seu sentido estrito (que se esgota na negligência, imprudência ou imperícia), mas no sentido de culpabilidade, enquanto atribuição culpável de um injusto penal, típico e antijurídico.
Trata-se uma presunção, portanto, que deve ser afastada pelo órgão acusador com prova legitimamente obtida e produzida para que se tenha por comprovada a existência dos fatos imputados ao acusado.
No caso em tela, o orgão acusatório não se desincumbiu do ônus de provar os fatos alegados na inicial, conforme lhe impunha o art. 156 do Código de Processo Penal.
De fato, as provas produzidas em contraditório judicial são insuficientes para embasar uma sentença de pronúncia pelo crime de homicídio qualificado.
Senão vejamos:
A primeira falha grave que demonstra a fragilidade do acervo probatório diz respeito à desistência da acusação em localizar a vítima. A suposta vítima apenas foi ouvida perante a autoridade policial, declaração esta que não passou pelo crivo do contraditório, até porque a defesa técnica apenas começou a EXISTIR nos autos após o recebimento da denúncia.
É evidente a estratégia do orgão acusatório quando este desiste de localizar a vítima para ser ouvida em Juízo: está contente com a declaração produzida em procedimento administrativo e irá se utilizar dela em plenário.
Assim consegue burlar o art. 155 do Código de Processo Penal, mas a um preço altíssimo para a defesa, vez que viola as garantias da ampla defesa e do contraditório.
Neste sentido, a importante lição de Nucci sobre o desvio de finalidade do inquérito policial no Júri:

“Na realidade, o inquérito deveria ser uma garantia ao acusado de que não será processado sem haver elementos mínimos para tanto, devidamente demonstrados pelas provas coletadas. Atualmente, entretanto, sofreu um abalo na sua finalidade precípua. Tornou-se um instrumento que, apesar de formar um conjunto probatório pré-processual, sustentáculo da denúncia ou da queixa, também tem oferecido ao órgão acusatório, principalmente, elementos produzidos fora dos contexto das garantias da ampla defesa e do contraditório, a serem utilizados, em juízo. Este tem sido o seu desvio de finalidade. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri – São Paulo: RT, 2008, p. 54)”.

Vale lembrar que a prova produzida administrativamente não se projeta automaticamente para a esfera judicial, vez que deve ser refeita em Juízo e com a participação da defesa técnica.
É seguro afirmar-se que as declarações da suposta vítima produzidas apenas perante a autoridade policial não servem para fundamentar uma condenação, o que é do conhecimento de todos os juízes togados deste país. No entanto, o mesmo não ocorre perante os juízes leigos no Tribunal do Júri.
Essa distorção que apenas ocorre no julgamento dos crimes dolosos contra a vida pode e deve ser corrigida, bastando que não se utilize a mencionada declaração na sentença de pronúncia.
É neste sentido a lição de Aramis Nassif:

“As informações colhidas na fase inquisitorial, não reproduzidas judicialmente, é um nada jurídico, pois, ao contrário das garantias constitucionais do processo aplicados no momento judicial do procedimento, não tem elas observância absoluta no inquérito. O procedimento administrativo é instaurado com a finalidade unidirecional da incriminação e jamais para provar a inocência do acusado. Comprometido, pois com sua teleologia, o dossiê inquisitorial não pode alimentar convencimento do juiz, mas e apenas para a formação da opinio delicti do Ministério Público”. (NASSIF, Aramis. O novo júri brasileiro – Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2009, p. 58).

Portanto, inadmissível que a prova produzida no inquérito policial fundamente uma sentença de pronúncia, penalizando a defesa pelo desinteresse ministerial na produção de provas em Juízo.
A segunda falha se refere às declarações dos policiais militares que prenderam o Sr. Miguelino. De acordo com a declaração prestada em Juízo pelo própro Sr. Miguelino os policiais que foram ouvidos em contraditório judicial NÃO FORAM OS MESMOS QUE O PRENDERAM.
Logo, de nada podem acrescentar quanto aos fatos narrados na denúncia. Além disso, em contraditório judicial apresentaram versões contraditórias, o que corrobora a alegação do Sr. Miguelino de que eles não efetuaram a sua prisão e nem presenciaram os fatos.
Portanto, tais declarações devem ser ignoradas. Para aclarar o aduzido acima, cumpre colacionar a seguinte lição de Aury Lopes Jr sobre as presunções no processo penal, in verbis:

“A partir do momento em que o imputado é presumidamente inocente, não lhe incumbe provar absolutamente nada. Existe uma presunção que deve ser destruída pelo acusador, sem que o acusado (e muito menos o juiz) tenha qualquer dever de contribuir nessa desconstrução (LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal – 4. ed. - Rio de Janeiro, Lumen Iuris, 2008, p. 189)”.

Logo, as provas produzidas pela acusação não são suficientes para embasar uma sentença de pronúncia pela prática de um homicídio qualificado.

Assim sendo, a defesa opina pela desclassificação da infração de homicídio qualificado para o crime de disparo de arma de fogo, previsto no art. 15 da Lei n° 10.826/2003, com base no art. 419 do Código de Processo Penal.

III – DO PEDIDO

Ante o exposto, requer a Vossa Excelência que receba a presente em todos os seus termos, bem como desclassifique a infração de homicídio qualificado para o crime de disparo de arma de fogo, com base no art. 419 do Código de Processo Penal;

Nestes termos,
pede deferimento.

Foz do Iguaçu, data e assinatura do advogado.

Autor:

Outros artigos interessantes:

Direito Aduaneiro: o que é?

A liberação de carros apreendidos pela Receita Federal 

Liberação de caminhão ou ônibus mediante caução parcial

Duplo domicílio e carros do Paraguai

Liberação de mercadoria sujeita ao procedimento especial de controle aduaneiro

Conversão da sanção aduaneira de multa em perdimento.

Nenhum comentário: