Multa do art. 75 da Lei 10.833/03 e a retenção de ônibus pela Receita Federal

ILICITUDE DA RETENÇÃO DO VEÍCULO COMO FORMA COERCITIVA DE PAGAMENTO DE TRIBUTO

A súmula 323 do Supremo Tribunal Federal dispõe que "é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos".


É ilicita a retenção do veículo como mecanismo para cobrança de eventual multa que seja imposta. Sobre o tema, a jurisprudência pátria é uníssona ao reconhecer a ilegalidade da medida como meio alternativo para recebimento da sanção pecuniária.

Para aclarar a questão:

"ADMINISTRATIVO. LIBERAÇÃO DE MERCADORIA CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE MULTA. DECRETO 91.030/95. GUIA DE IMPORTAÇÃO EMITIDA A DESTEMPO. COMUNICADO DECEX.
Segundo a Súmula no 323 do Egrégio STF, é vedada a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de multa; deve o Fisco utilizar-se dos meios ordinários previstos em lei para tal desiderato. Esta súmula aplica-se, analogicamente, às hipóteses de negativa de desembaraço, já que condicionar o desembaraço da mercadoria importada ao prévio pagamento de multa aplicada pela existência de infração administrativa (guia de importação irregular) é uma forma coercitiva de levar o importador a recolhê-la, assemelhando-se, em tudo, à apreensão de mercadoria." (AMS 97.04.25889-5/RS, Relator Juiz Hermes S. da Conceição Jr., j. 25/07/2000, DJU 06/09/2000, p. 287)

"Exigir como condição para liberação das mercadorias o imediato pagamento do tributo retira do contribuinte a faculdade de impugnar a decisão administrativa, violando o devido processo legal que se lhe há de assegurar sempre". (TRF4, APELREEX 2006.71.01.005765-7, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 01/06/2010).

NECESSIDADE DE AFASTAMENTO DA PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ
 
A aplicação da multa de R$ 15.000,00 disposta no art. 75 da Lei n° 10.833/03 depende da demonstração de conivência do transportador ou de negligência na identificação das bagagens dos passageiros.

Ou seja, em primeiro lugar é necessária a demonstração da responsabilidade do proprietário do veículo transportador na prática do ilícito (§2° do art. 617 do Decreto 4.543/2002), por meio de elementos concretos que afastem a presunção de boa-fé.

Neste sentido:

"Observe-se que somente há lugar à incidência da pena de multa desde que suprimida a presunção de boa-fé, visto que esta só é aplicável àquele que, tendo consciência da ilicitude e do caráter fraudulento da conduta ou deixando de se precaver adequadamente quanto a possíveis empecilhos para a realização do negócio, beneficia-se da irregularidade" (TRF4, APELREEX 2006.70.00.031421-7, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 02/06/2009).

A presunção de boa-fé permanece inalterada se as devidas cautelas na identificação das bagagens dos passageiros forem tomadas. Mas para isso, é necessário que se cumpra a legislação aplicável ao assunto, in verbis:

“Art. 22. Nos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional sob regime de fretamento contínuo e eventual ou turístico, a empresa transportadora não poderá:

I - praticar a venda de passagens e emissão de passagens individuais;
II - captar ou desembarcar passageiros no itinerário;
III - utilizar-se de terminais rodoviários nos pontos extremos e no percurso da viagem;
IV - transportar encomendas ou mercadorias que caracterizem a prática de comércio;
V - transportar pessoa(s) não relacionada(s) na lista de passageiros" (DECRETO 2.521/98).
Art. 4º. [...]

§1º Nos veículos utilizados nos serviços de transporte interestadual ou internacional sob o regime de fretamento não será permitido o transporte de bagagem desacompanhada, ou de encomenda (art. 15 do Anexo à Resolução ANTT nº 17, de 23 de maio de 2002).
§2º Considera-se bagagem desacompanhada, nos termos do § 1º, a que for transportada no veículo sem a presença do viajante. (Resolução ANTT 17/2002).

De uma leitura da legislação acima colacionada referente ao FRETAMENTO TURÍSTICO ou EVENTUAL depreende-se que as cautelas a serem tomadas são:

1. certificado da empresa de registro para fretamento em vigor;
2. nota fiscal do serviço de transporte, com os respectivos horários de saída e chegada em cada cidade aprovado e autorizado pela ANTT;
3. relação dos passageiros, identificados pelo nome completo, número de documento e órgão expedidor;
4. identificação das bagagens pelo nome do passageiro e número de poltrona;
5. apresentação da Declaração de Bagagem Acompanhada (DBA) à autoridade fiscal;
6. não permissão do embarque de passageiros com mais de 3 volumes.
Portanto, o cumprimento da legislação pertinente com a adoção destas cautelas caracteriza a boa-fé, impedindo a aplicação da multa prevista no art. 75 da Lei n. 10.833/2003.

Este também é o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, conforme posicionamento recente da 1ª Turma (de maio de 2010):

"TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. MANDADO DE SEGURANÇA. RETENÇÃO DE VEÍCULO. ÔNIBUS DE TURISMO. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 75 DA LEI 10.833/2003. INAPLICABILIDADE. BOA-FÉ DO TRANSPORTADOR. 1. A aplicação da multa requer a demonstração de conivência do transportador ou negligência no tocante à identificação das bagagens pertencentes aos passageiros e ao controle do ingresso de volumes, que por suas características ou quantidade denotem se tratar de mercadoria ilícita. Se o transportador não verificar a destinação dada ao veículo, identificando as bagagens e seus respectivos proprietários ou possuidores, ou adotando qualquer outra cautela necessária ao correto transporte de carga ou de passageiros, incidente a referida penalidade. 2. A responsabilidade do transportador, quando este não é o dono da mercadoria, demonstra-se através do conhecimento da utilização de seu veículo na pratica do ilícito e de indícios que afastem a presunção de boa-fé. 3. Caso em que a impetrante tomou as devidas cautelas no transporte de passageiros, caracterizando-se a boa-fé". (TRF4, APELREEX 2006.70.02.010893-3, Primeira Turma, Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère, D.E. 04/05/2010).

Desde que tomadas as cautelas acima mencionadas é possível a impetração de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, caso ocorra a retenção do ônibus de turismo pela Receita Federal.

Ressalte-se que a liberação do ônibus se realizará mediante o depósito judicial do valor da multa imposta na esfera administrativa. E com a desconstituição definitiva da decisão administrativa que determinou a retenção é de rigor a devolução do veículo sem o pagamento da referida multa, restituindo-se o valor depositado judicialmente.

Logo, a multa prevista no art. 75 da Lei n. 10.833/2003 apenas incidirá se descaracterizada a boa-fé, o que não ocorrerá se algumas cautelas forem adotadas, como a identificação das bagagens pelo nome do passageiro e número de poltrona. Assim sendo, mesmo já tendo efetuado o pagamento da multa é sempre aconselhável que se consulte um advogado especializado.

MAIS SOBRE ESSE TEMA:

Veículo apreendido pela Receita Federal.

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