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quinta-feira, 15 de maio de 2008

Mulata Exportação

Este é o nome de um poema que muito chama a atenção, visto que fala de algo do nosso cotidiano, algo que muitas vezes passa por despercebido. É a erotização da mulata - lembrando que a palavra mulata é carregada de sentido descriminatório, pois se for analisada ao pé da letra, refere-se à mula, isto é, animal resultado de um cruzamento indevido, defeituoso, contra à lógica da natureza; levando às relações humanas, cruzamento entre branco e negro.

Voltando ao assunto da erotização... Quando se fala em heranças africanas femininas, logo se menciona o rebolado, a sensualidade, os glúteos avantajados, entre outras coisas relacionadas à sexualidade. A sociedade brasileira sempre foi bem machista, mas às mulheres brancas ainda cabia a dignidade do matrimônio, algo respeitável, mesmo sendo também recheado de opressões. E em relação à mulher negra, cabe o fetiche de ser apenas objeto de desejo e mecanismo de prazer.

Hoje em dia, querendo ou não ainda há resquícios desse jogo de sedução hierárquico entre homem branco e mulher negra. Situação em que há, além do machismo, o racismo. O domínio do HOMEM junto ao domínio do BRANCO. Na sociedade brasileira a mulata ainda prevalece enquanto arquétipo de sensualidade e isso infelizmente ainda é tratado como uma construção cultural ingênua. Pouco se percebe as relações de poder que deram origem a este estigma, como por exemplo, o domínio que o senhor de engenho exercia sobre suas escravas, usando-as como objeto sexual quando desejava, de forma agressiva, egoísta e descompromissada, já que a "peça" o pertencia. Disso dá para se perceber que as relações de gênero se agravam ainda mais quando somadas à problemática das relações raciais...

Foi o poema abaixo que me inspirou a tratar deste tema:

Mulata Exportação

(Poema de Elisa Lucinda)

Mas que nega linda
E de olho verde ainda
Olho de veneno e açúcar!
Vem nega, vem ser minha desculpa
Vem que aqui dentro ainda te cabe
Vem ser meu álibi, minha bela conduta
Vem, nega exportação, vem meu pão de açúcar!
(Monto casa procê mas ninguém pode saber, entendeu
meu dendê?)
Minha torneira, minha história contundida
Minha memória confundida, meu futebol, entendeu,
meu gelol?
Rebola bem meu bem-querer, sou seu improviso,
seu karaokê;
Vem nega, sem eu ter que fazer nada.. Vem sem
ter que me mexer
Em mim tu esqueces tarefas, favelas, senzalas,
nada mais vai doer.
Sinto cheiro docê, meu maculelê, vem nega, me
ama, me colore
Vem ser meu folclore, vem ser minha tese sobre
nego malê.
Vem, nega, vem me arrasar, depois te levo pra
gente sambar.”
Imaginem: Ouvi tudo isso sem calma e sem dor.


Já preso esse ex-feitor, eu disse: “seu delegado...”
E o delegado piscou.
Falei com o juiz, o juiz se insinuou e decretou
pequena pena
com cela especial por ser esse branco intelectual...
Eu disse: “Seu Juiz, não adianta! Opressão, Barbaridade,
Genocídio
nada disso se cura trepando com uma escura!”
Ó minha máxima lei, deixai de asneira
Não vai ser um branco mal resolvido
que vai libertar uma negra:
Esse branco ardido está fadado
porque não é com lábia de pseudo-oprimido
que vai aliviar seu passado.
Olha aqui meu senhor:
Eu me lembro da senzala

E tu te lembras da Casa-Grande
e vamos juntos escrever sinceramente outra história
Digo, repito e não minto:
Vamos passar essa verdade a limpo
porque não é dançando samba
que eu te redimo ou te acredito
“Vê se te afasta, não invista, não insista!
Meu nojo!
Meu engodo cultural!
Minha lavagem de lata!
Porque deixar de ser racista, meu amor,
não é comer uma mulata!




Poema extraído de
"De olho na Cultura - Pontos de Vista Afro-brasileiros"
escrito por:
SOUZA, Andréia Lisboa de;
SOUSA, Ana Lúcia Silva;
LIMA, Heloísa Pires
e SILVA, Márcia.
pp. 45

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito deste espaço. Bonita a ilustração. Obrigado pelo link.
Abração

batista disse...

É isso aí, Thaís! - colocar o dedo na ferida é necessário, principalmente numa sociedade como a nossa, onde a elite faz de tudo para esconder os preconceitos existentes, a exploração que insiste em perdurar.

Um abraço fraterno.