Plano Piloto, proposta original de Lúcio Costa – entrevista com o arquiteto Antonio Carlos Carpintero


Às vésperas do cinqüentenário do projeto de Lúcio Costa, especialista da UnB mostra as alterações feitas à proposta original do urbanista.

Entrevista com o arquiteto e professor da UnB, Antonio Carlos Cabral Carpintero.

Fonte: Jornal de Brasilia 13/03/2007

Você consegue imaginar as quadras 700 e 900 como áreas de plantio e comercialização de frutas e hortaliças em mercadinhos? As avenidas W3 Sul e a W3 Norte como vias de circulação de veículos de carga? A Rodoviária do Plano Piloto no local onde hoje está a Torre de TV? Às vésperas do aniversário de 50 anos da escolha do projeto de Lúcio Costa como vencedor do concurso que escolheu a melhor proposta para a construção da nova capital do País – o anúncio da proposta vencedora ocorreu em 16 de março de 1957 – um professor da Universidade de Brasília (UnB) explica o que foi alterado no desenho original feito pelo urbanista, e como isso alterou a dinâmica da cidade.

"Na proposta original de Lúcio Costa, Brasília tinha uma estrutura linear. Havia o Eixão e os dois eixinhos e, a leste, só havia as quadras 200, enquanto que, a oeste, estavam as quadras 100, 300 e 500. As 600, 400, 700 e 900 foram acrescentadas depois e o sistema linear foi prejudicado", explica o arquiteto Antônio Carpintero, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB.

De acordo com Carpintero, o acréscimo das quadras 400 não ocasionou grandes mudanças, já que elas têm saída para um dos eixinhos e cada uma tem seu comércio local. As quadras 600, 700 e 900, porém, não estão ligadas aos eixos.

Quem morava, portanto, nesta região teve de fazer uso das L2 e W3.


Pomares       Além disso, as 700, originalmente destinadas a abrigar casas com pomares e hortas, tornaram-se uma área de habitações urbanas sem comércio local, no caso da Asa Sul, e uma área mista de habitação e comércio, como é o caso da Asa Norte.

A avenida W3, por sua vez, havia sido planejada para ser apenas uma via de circulação de cargas, com grandes armazéns, comércio atacadista e oficinas, que deveriam ficar nas quadras 500. A via L2 não deveria existir. Com a criação das novas quadras e o aumento do número de moradores no Plano Piloto, entretanto, as duas vias passaram a ser usadas, e o trânsito de Brasília tornou-se muito menos simples do que deveria ser.

"As 900, que hoje têm escolas e igrejas, deveriam ter alguns mercadinhos para comercialização dos produtos agrícolas das 700. Você pode observar na 906 e 910 Sul pequenos quiosques remanescentes dessa época", comenta Antônio Carpintero.

Um outro resultado da criação das quadras 700 é que, como na Asa Sul elas não possuem comércio local, os moradores passaram a ter que utilizar os comércios de outras quadras. "Aos poucos, o comércio que deveria ser local, para atender às necessidades de uma quadra, tornou-se geral. Em parte, isso contribuiu para os congestionamentos de hoje em dia nas quadras comerciais e para a especialização de cada conjunto de lojas, que deveria ser diversificado. Atualmente, você vê quadra dos restaurantes, de informática, e não foi assim que foi pensado", afirma Carpintero.

Sugestão       Ele explica que as alterações foram sugeridas pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital do País (Novacap), organizadora do concurso de projetos, e que a maioria das mudanças foi acompanhada por Lúcio Costa. "O objetivo da criação das quadras 400, por exemplo, foi disponibilizar apartamentos mais baratos, e as casas das 700 destinavam-se a professores que vinham trabalhar no sistema de ensino", afirma.

De acordo com ele, entretanto, as modificações resultaram em alguns problemas não previstos, para os quais contrubuíram a quantidade de pessoas acima da esperada que veio habitar o Distrito Federal e o número elevado de carros que circulam hoje em Brasília e nas demais regiões administrativas. "Lúcio Costa previu o aumento no número de moradores, tanto que criou as 400 tendo em vista a população mais humilde, que ajudou a construir a cidade. Infelizmente, no entanto, as pessoas mais pobres acabaram sendo empurradas para fora do Plano Piloto e o crescimento populacional foi maior do que o previsto", mostra Antônio Carpintero.

Órgãos públicos federais foram planejados, inicialmente, para ficar somente na Esplanada.

Torre no lugar da Rodoviária       De acordo com o professor Antônio Carpintero, o júri que elegeu o projeto considerou que o Plano Piloto estava muito distante do Lago Paranoá. Por isso, houve um avanço de cerca de 600 metros em direção à orla. A Rodoviária do Plano ficava, por sua vez, exatamente onde está hoje a Torre de TV, e foi trazida para frente no desenho da planta de Brasília. "Foi preciso fazer um aterro para aproximar a altura da Rodoviária da altura dos setores bancários, e mesmo assim há um desnível", explica o professor.

Um outro problema é que, segundo Carpintero, o edital da Novacap não especificava todos os órgãos públicos que deveriam ser transferidos do Rio de Janeiro para Brasília na época. Assim, Lúcio Costa projetou apenas a Esplanada dos Ministérios. Os demais órgãos tiveram que ser acondicionados depois. "A Praça dos Tribunais, por exemplo, onde estão o Superior Tribunal Militar, o Superior Tribunal Eleitoral e o Superior Tribunal do Trabalho, fica em um lugar absolutamente isolado e secundário. O Poder Judiciário merecia um destaque maior", afirma Carpintero.

Em homenagem ao cinqüentenário do projeto do Plano Piloto de Brasília, a UnB realiza hoje, no Auditório Dois Candangos, um debate comemorativo, com a presença do professor Nestor Goulart Reis Filho, aposentado da Faculdade de Arquitetura e diretor do Laboratório de Estudos sobre Urbanização, Arquitetura e Preservação (LAP) da Universidade de São Paulo (USP).

Serviço       Debate comemorativo do cinqüentenário do projeto de Lúcio Costa, hoje, às 15h, no Auditório Dois Candangos da UnB.

Dinâmica própria       Pessoas ligadas à preservação e ao tombamento de Brasília consideram natural que a cidade tenha, ao longo dos anos, seguido uma dinâmica própria, e acreditam que não são as alterações feitas pela Novacap no projeto original de Lúcio Costa as principais responsáveis pelos problemas que a capital federal enfrenta hoje.

"É complicado porque Brasília, como toda cidade, tem uma dinâmica, mas também é um monumento, que deve ser preservado. No caso da especialização das comerciais, por exemplo, o ideal seria que cada uma fosse diversificada, mas os lotes estão dentro dos usos previstos para eles. Hoje, acredito que o ideal para resolver o problema do excesso de carros nessas quadras seria revitalizar os grandes centros comerciais de Brasília, que estão degradados", opina Maurício Pinheiro, chefe da Divisão Técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O arquiteto Carlos Magalhães, um dos representantes do escritório de Oscar Niemeyer em Brasília e defensor ferrenho das características originais da cidade, diz que ninguém poderia imaginar a quantidade de pessoas e o número de carros e habitantes que Brasília teria.

"Na época da construção, as pessoas reclamavam da largura das faixas, questionavam para que tanto asfalto. Não dá para culpar a especialização dos comércios locais ou as alterações ao projeto de Lúcio Costa pelos problemas, mesmo porque ele acompanhou as modificações. O erro foi dos administradores, que não investiram em transporte público bom e barato", avalia o arquiteto.

Qualidade de vida       Para ele, o projeto do urbanista cumpriu seu objetivo. "A proposta visou melhorar o padrão de vida das pessoas daqui do Plano Piloto, e serve de exemplo para que as pessoas das outras regiões administrativas exijam a qualidade de vida que existe aqui. Infelizmente, o mundo capitalista os colocou para fora do Plano Piloto", comenta, se referindo aos moradores mais pobres.

Para Magalhães, os principais problemas de Brasília e do Distrito Federal como um todo hoje, além do transporte, trânsito e falta de vagas nos estacionamentos, são a falta de oportunidades de emprego e estudo fora do Plano Piloto. As invasões de área pública e todos os demais atos de desrespeito ao tombamento também são considerados preocupantes, diz ele.

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