17 de novembro de 2009

O livro de máquinas hidráulicas

Posted on 17:58 by Wesley N Rodrigues

Esta história foi "o clássico" da minha turma. Infelizmente, a vítima desta vez... fui eu mesmo. Como disse, não se ganha todas nessa vida!
Uma das matérias mais complexas que cursei na faculdade, pelo menos na minha opinião, foi máquinas hidráulicas e de fluxo, mais conhecida apenas por "máquinas de fluxo". Basicamente era a parte de projeto e dimensionamento de máquinas hidráulicas e termicas, como bombas, turbinas, etc. Pra melhorar ainda mais a coisa, o professor que nos lecionou essa matéria era o famoso JBA.
O JBA tenho que admitir, foi um dos caras mais inteligentes que conheci na minha vida. O Q.I do cara era impressionante. A capacidade de raciocínio dele era fora da média e quando ele estava com o bolo pronto, 99% da turma ainda estava pondo a farinha na tigela. Porém, como Deus não dá duas qualidades tão excepcionais a mesma pessoa de uma vez só, o sujeito tinha uma capacidade de se relacionar com as pessoas que era lamentável. Quem não conhecesse ele e o currículum académico invejável que ele tinha, pensaria que ele era um peão de fazenda de tão educado que era.
Hoje com dez anos de experiência na indústria e tendo trabalhado em duas grandes multinacionais, vejo que se colocassemos um sujeito deste pra trabalhar em uma empresa deste porte, teriamos que colocá-lo em uma salinha pequena, atrás do computador, isolado do resto do mundo e com o seguinte letreiro na porta:

"Não perturbe, alimente de 4 em 4 horas, deixe a comida na porta, toque a campainha e saia correndo."
Exageros a parte ainda bem que ele se fez como professor universitário. Outro defeito na minha opinião era sua didática, ainda mais com uma matéria "fácil" como aquela. Decepcionante.
Eu tenho que confessar também e quem estudou comigo sabe: Nunca fui um aluno brilhante. Sempre fiquei ali na turma do "5 passa". Copiar matéria definitivamente, não era comigo. Ainda mais quando eu chegava na aula dele e via o sujieto praticamente transcrevendo para a lousa, o conteúdo inteiro de um livro que de tão velho pensei que tinha sido escrito pelo próprio Bernoulli (quem não conhece este cidadão, procure no Google: "equação de Bernoulli).
Como malandro é o pato, eu só tentei ser esperto. Um belo dia, cansado de ver ele copiando o livro na lousa, esperei ele encerrar a aula, me aproximei dele e pedi: "Professor, olhei na Biblioteca e infelizmente no nosso acervo, não temos este livro. Como vejo que ele é o livro texto que o senhor adota, gostaria de pedir emprestado para fazer uma cópia. Faço isto hoje e entrego para o senhor amanhã".
Apesar dos seus resmungos, ele emprestou o livro e fez apenas uma ressalva: "Tudo bem, mas cuidado com este livro pois a ultima edição dele foi publicada em 1979!".
Bem, até aí tranquilo. Sai da aula, fui direto na copiadora que tinha na cidade, ao lado do campus da faculdade e deixei o material para ser feito a cópia. Minhas instruções para a funcionária da loja de cópias, foram claras como água cristalina: "Por favor, gostaria que vocês fizessem uma cópia deste livro e encadernassem". A mocinha fez o orçamento, me passou o preço e disse que poderia voltar no dia seguinte para pegar o material. O detalhe, é que no dia seguinte seria a sexta-feira, primeiro dia de Festival InterUnesp de MPB. Bem, quem já leu meus posts anteriores, sabe então que na sexta do festival, a faculdade praticamente parava. Os churrascos em repúblicas e as festas da galera da faculdade, faziam com que praticamente os professores não dessem aula. Afinal de contas, neste dia o indice de ausência nas classes de todos os cursos batia recordes! Como a próxima aula do JBA seria terça-feira a tarde, depois que a ressaca já teria passado, resolvi deixar para pegar o material na segunda-feira antes de ir para a aula da tarde.
Segunda-feira. Depois de vários engovs para curar a ressaca de Schincariol e Pitu do final de semana, acordei as 10 horas da manhã em ponto. Teoricamente a esta hora deveria estar na faculdade tendo aula, porém minha cabeça parecia que tinha concreto dentro e meu estômago estava pior que "saco de gato". Em suma, estava em uma situação deplorável como ser humano. Sai da cama, fui até o banheiro, tomei aquele banho de uma hora, tentando lembrar pelo menos de 10% das cagadas que eu havia feito no final de semana. Feito o check de consciência e nada muito grave tendo aparecido, sai do banho e esperei dar a hora do bandejão abrir, para comer aquele grude que serviam, antes de ir pra aula de Mecânica dos Solidos às duas da tarde.
Chegou a hora de ir pra aula e os poucos neurônios que restavam trabalhando no meu cérebro, me lembraram que eu tinha que ir até a copiadora buscar o material que tinha deixado na quinta-feira passada para copiar. Já estava em cima da hora. Teria que ser rápido para não chegar tarde na aula de Mec Sólidos. Cheguei na copiadora faltando dez minutos para a aula começar e pedi para a moça que havia me atendido na sexta: "Olá boa tarde. Não sei se você se recorda de mim, mas deixei um livro aqui na qunta passada para copiar e encadernar. Vim buscá-los". A mocinha se recordou de mim e pediu para que eu aguardasse um minuto que ela iria buscar a ecomenda. Após alguns instantes ela retorna com a cópia do livro encadernada, exatamente como eu havia pedido. Porém ela havia se esquecido de me trazer o livro original, o do professor. Mais uma vez ela pediu um instante, e quando retornou, tive a impressão que meus dias na face da terra tinham chegado ao fim...
A visão que eu tive foi algo indescritivel. O meu pior pesadelo se tornou realidade. Ela retornou com um livro de aproximadamente 300 páginas que originalmente era encadernado em brochura, encadernado em espiral. Meus caros, meu coração deve ter passado para algo em torno de 1000 batimentos por minuto e minhas pernas tremiam tanto, que tive que me escorar no balcão para não cair no chão. Fiquei mais branco que folha de papel e minha voz por um instante sumiu.
Quem me conhece sabe que não sou de forma alguma um pessoa rude e sem educação. Mas confesso que na hora que recuperei as forças e o equilíbrio nas pernas, xinguei a mocinha de todos os nomes que me vieram na cabeça, exceto "bonita". Dei um esculacho digno de marido machão que pega a mulher no pulo. Se ela fosse homem, acho que teria feito besteira. Ela coitada, tentando se defender solta o seguinte comentário: "Mas moço, as páginas do original estavam se soltando, pensei que estaria fazendo um favor encadernando o livro!".
Sem meias palavras, soltei o verbo de uma maneira que hoje em dia, me arrependo as vezes:
"Minha senhora, quem disse que você está aqui para pensar! Você esta aqui para executar! Se tivesse capacidade de pensar não estaria trabalhando em uma XEROX!". Confesso, fui muito rude mesmo, mas quem conhecia o professor, sabia que eu estava literalmente fu....
O dono do estabelecimento vendo o barraco e tentado amenizar a situação, disse que eu poderia ficar tranquilo, que eu não pagaria pelo serviço e se em ultimo caso eu precisasse pagar o livro, os custos seriam por conta dele.
A iniciativa foi boa confesso, mas o problema é que o livro já não era publicado, havia na época, quase vinte anos! Se eu soubesse que aquele maldito livro existia em algum lugar do planeta, eu mesmo teria ido comprar para entregar um outro novo ao professor.
Tentei recuperar as forças e segui para a aula de Mec Solidos. Cheguei uns 15 minutos atrasados e todos os locais na frente da sala já estavam ocupados. Não restando outra opção, me dirigi ao fundo da sala e me sentei. Ao meu lado esquerdo estava meu amigo Aloprado e do meu lado direito meu amigo Beiçudinho. Ambos cunhados, diga-se de passagem.
Quando sentei, o Aloprado olhou pra mim e comentou: "Cara, você está branco, palido! Aconteceu alguma coisa?". O Beiçudinho ouviu o comentário e também me olhou para saber se estava tudo bem. Eu confesso que não tinha nem palavras para responder. Só balancei  a cabeça indicando que não e ambos perguntaram com aquela sincronia: "O que aconteceu?". Não respondi nada, só coloquei o livro encadernando em espiral em cima da mesa.
Lembro que o Aloprado soltou o seguinte comentário (com essas palavras): "Cara, só não me diz que esse é o livro do JBA!?". Ainda continuava atônito e não respondi uma palavra. Novamente balancei a cabeça, só que agora indicando um sim. Instantanêamente o Aloprado começou a rir e o Beiçudinho manda aquela: "Puta que pariu, tá fudido!". O riso escancarado dos dois por um instante me fizeram quase chorar. Me lembro que na fileira de carteiras a frente o primeiro a seguir era o Simon. Discreto como ele sempre foi, já virou pra trás com as gargalhadas dos caras e perguntou o que tinha acontecido. O Beiçudinho, com lágrimas nos olhos respondeu: "O cara encadernou o livro do JBA em espiral!".
O que aconteceu a seguir transformou meus medos em pânico total. As gargalhadas se propagaram pela sala em efeito dominó, fila após fila, até que chegou lá na frente e incomodaram o professor que estava dando aula. Com um tom autoritário ele interrompeu a aula, virou pra trás e perguntou: "Alguém poderia me explicar o motivo das gargalhadas?".
Não me lembro qual dos CDFs da minha turma foi, mas lembro que foi algum deles que comunicou a notícia do ocorrido ao professor. Como a faculdade era pequena e todo mundo conhecia todo mundo, os professores também, esses conheciam os alunos quase como filhos, ele simplesmete parou a aula, olhou pra mim no fundo da sala e soltou: "Velho, pelo amor de Deus, diz que é brincadeira isso?".
Bem, se antes dos comentários do professor eu já estava em pânico, imaginem agora após toda essa situação. Eu simplesmente estava mais perdido que "filho de puta em dia dos pais". Não sabia o que fazer! Sem nenhuma capacidade de tentar arquitetar um plano bem elaborado pra entregar o livro, me levantei, aproveitei a oportunidade que a aula ainda estava na metade e sai para entregar o livro ao JBA no departamento de engenharia mecânica. Inacreditavelmente, todos, mas TODOS inclusive o professor, sairam da sala e me seguiram até o departamento.
Quando cheguei lá, adivinhem vocês quem foi a primeira pessoa que cruzei? Ele mesmo... o dono do livro. A multidão que vinha atrás de mim fez ele achar que eu era algum lider revolucionário conduzindo o bando pra alguma manifestação de vandalismo. Sem mais demorar, querendo me livrar logo desta dor de cabeça, falei: "Professor, aconteceu algo terrível!". Ele me olhou fixo nos olhos e disse já totalmente transtornado: "Não vem me dizer que você perdeu meu livro!?". As gargalhadas começaram de novo, mas tentei me concentrar e soltei: "Não professor, algo pior...". "O que pode ser pior que perder o meu livro?" ele perguntou.
Expliquei pra ele todo o ocorrido e entreguei o livro de volta para ele, encadernando na maldita espiral. Ele olhou o livro, abriu, folheou pagina por página e soltou: "É... até que ficou bom". Nesta hora, até o outro professor que nos acompanhou para presenciar a cena, já estava chorando de dar risada.
Bem ou mal, o pesadelo tinha acabado. No dia seguinte as oito da manhã teriamos aula com ele. Me recordo que cheguei uns quinze minutos antes da aula, sentei no meu lugar e junto com os colegas ficamos conversando esperando o cidadão chegar para ministrar a aula. Quando ele chega com o livro embaixo do braço com aquelas espirais a amostra... o que posso dizer é que as gargalhadas começaram novamente e por fim, não tivemos aula... ou melhor, ficamos lá apenas de corpo presente.

3 Response to "O livro de máquinas hidráulicas"

Leave A Reply