PRIMEIRA BARBA

O garoto acordou e foi para o banheiro. Ainda com sono, jogou água no rosto e olhou a própria imagem no espelho. E o que pôde ver naquela manhã o deixou maravilhado: um pêlo, bem no queixo. Não um pêlo qualquer, como os que formavam a imperceptível penugem que ele vinha cultivando há algum tempo. Desta vez era um pêlo significativo. Um pêlo incontestável. Ele se arrumou como sempre, pegou o material do colégio, beijou a mãe, mas não foi estudar. Assim que virou a esquina, correu para o cabeleireiro. Ou barbeiro, já que se tratava do velho salão de um português conversador, figura antiga no bairro. O moleque entrou, sentou-se na cadeira com apoio para os pés, onde se podia ler o nome do fabricante esculpido em ferro, e disse para o homem, sucinto:
_ Barba.
O português achou graça, mas manteve a expressão séria de quem sabe respeitar o freguês. Pegou a minúscula bacia, preparou uma espuma bem grossa e encheu o rosto do rapaz de branco. Tirou a navalha do estojo de couro, afiou bem numa tira e começou pela costeleta. O fio deslizava removendo a espuma e revelando a mesma pele de antes. O menino não se aguentava de tanta satisfação. Em seguida, o velho passou para a costeleta oposta e acertou a linha que delimitava o cabelo do rosto. Um senhor agora esperava a sua vez, folheando uma revista com a Magda Cotrofe na capa. Quando a lâmina se aproximava do queixo, o rapaz fez um gesto indicando que o português parasse. E, olhando pelo espelho o resto de espuma que agora só cobria o queixo e a pele acima dos lábios, anunciou sua decisão:
_ Pode parar. Eu vou deixar o cavanhaque.

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