IÔGA

O médico disse que se ele não cuidasse do estresse poderia sofrer um ataque cardíaco de uma hora para a outra. Falou assim, sem nenhum eufemismo ou tato. Conhecia o paciente havia muito tempo e sabia que com ele só funcionava daquela maneira. E, de fato, a rudeza surtiu efeito: inscreveu-se na ioga. Ou iôga, como se fala hoje em dia.

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Marcou as aulas para antes do trabalho, numa academia que ficava no meio do caminho. No dia seguinte, na hora combinada, lá estava ele, pontual como de costume. Cumprimentou o professor, um baiano que em nada se parecia com o velhinho japonês que esperava encontrar, mas que, pensando bem, devia ser bem qualificado para ensinar técnicas de relaxamento. Sentaram-se no chão, num grupo de umas sete pessoas e o professor deu a primeira instrução: que limpassem a mente e prestassem atenção unicamente na própria respiração. Empenhado em evitar a viuvez precoce de sua mulher, ele se esforçou ao máximo e em alguns instantes entrava numa espécie de transe, ouvindo o som de seus pulmões amplificado, concentrando-se na entrada e na saída do ar. Sentiu-se tranqüilo, em paz. Ar entra, ar sai, ar entra, ar sai. Lentamente, sem pressa. Nada mais existia. Só ele e todo o oxigênio da atmosfera, que trazia para o interior de seu corpo a prestações. Ar entra, ar sai, ar entra, ar sai, ar entra, ar entra – não agora era para o ar sair. Tossiu. Continuou: ar entra, ar sai, ar entra, ar sai – ai, meu Deus, e se eu errar – ar entra, ar sai, ar entra, ar sai. De repente, tornou-se consciente da própria respiração. Mais do que isso, tornou-se responsável por ela. Sentia que, a partir daquele momento, não conseguiria mais respirar instintivamente. Que, uma vez no controle dos próprios pulmões, não teria como voltar a passar o comando para seu subconsciente. Ficou nervoso, a respiração ofegante – o que dava ainda mais trabalho. Definitivamente, aquela porcaria de iôga não estava fazendo bem. (“Ióga”, ele pensou, sem o menor respeito por uma cultura milenar de acentuação). Despediu-se do professor com dificuldade, fazendo uma careta de esforço para coordenar os movimentos respiratórios e o aperto de mão e correu para a rua. Entrou no carro e virou a chave na ignição. Engatou a marcha e sem querer, pensou: “soltar o pé esquerdo da embreagem lentamente, apertar o pé direito no acelerador”. Pronto, não podia mais dirigir por condicionamento. Aquela tarefa também agora se tornava consciente, passo a passo. Ele precisava ir embora daquele lugar de qualquer maneira. Ar entra, ar sai, olha no retrovisor, ar entra, seta para a direita, ar sai, aperta a embreagem, ar entra, ar sai, engata a marcha, vira a direção para a direita – direita, aí é a esquerda – acelera, solta a embreagem, aperta a embreagem de novo, troca a marcha, acelera, ar entra, ar entra! (Já estava ficando roxo). Num esforço mental gigantesco, foi conduzindo o automóvel e o organismo no meio do trânsito. Cuidado com a moto! Ar entra, olha o retrovisor, ar sai, cuidado com o ciclista pelado, ar entra. Sinal fechado. Aperta o freio. Ótimo, uns instantes para se concentrar unicamente na respiração. Ar entra, ar sai, ar entra, ar sai. Foi quando ouviu um outro som, além do que o ar fazia nas suas narinas. Um som surdo, que vinha de dentro: tum-tum, tum-tum, tum-tum. Foi encontrado morto num cruzamento, a algumas quadras dali. A causa: parada cardíaca. Sem motivo aparente, seu coração parara de bater. O médico da família não teve dúvidas, fora o estresse. E ele bem que tinha avisado.

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