14.5.07

O que dizer sobre Autonomia para a Escola de hoje?

Autonomia pode ser criadora? Como pode ocorrer a formação de um sujeito autônomo? Como educar para a Autonomia? Originariamente autonomia significa um poder pessoal sobre si mesmo, uma capacidade de autogoverno, de autogerenciamento, ou seja, a pessoa autônoma dispensa aconselhamentos secundários e até principais, pois sabe de si, de seus valores, de suas escolhas, dos caminhos que necessita percorrer para a tingir seus fins, suas metas. Autônomo é o sujeito que pensa por si mesmo, não necessita de tutores para guiarem seus passos.
É o contrário da heteronomia, quando o sujeito está ainda em seu processo de maturação, criança ou adolescente, cujo distanciamento de si mesmo e também do mundo lhe impede de tomar decisões com segurança, com razoável certeza. Diz-se que a heteronomia permite a ação invasiva de outros na vida daquele que ainda não atingiu a própria autonomia. O querer da criança e do adolescente ainda é frágil, oscilante, inseguro, próprio da etapa da vida na qual estão; o que ocorre é que isso tem um tempo de processamento, não se pode apressar as fases da vida e torna-se importante vivê-las plenamente, de tal modo que não haja tantas lacunas nas suas histórias de vida.
Qual é então o motivo da Escola, dos educadores e dos pais para produzirem condições de possibilidade com vistas à formação da criança, do adolescente e do jovem para a autonomia?
É possível alinharmos algumas ações que permitam o desenrolar desse processo de educação para a autonomia:

1. Desmistificar a sociedade do simulacro, que é a sociedade movida pela cultura do efêmero, do que é fugaz, daquilo que não se insere com qualquer permanência, tudo vale e nada vale, as coisas da vida se tornaram um grande espetáculo e foram ficando dispensáveis. E o que é pior, não só as coisas como as pessoas; assim, professores não se sentem valorizados no que fazem para tornar o estudo atrativo. Tudo o que ocorre fora da escola é mais divertido e interessante, etc. (A fala da professora, no filme, ao afirmar que esse modelo de Escola que aí está fracassou... não tem mais nada a dizer aos alunos).

2. Valorizar o que é produzido pelos alunos, ainda que esteja em desacordo com um regramento formal, direcionado para ensino-aprendizagem de modo mecânico, simplesmente. É imprescindível estimular a criação, a inteligência multidirigida para os diferentes enfoques do saber. Por exemplo, nem todos serão gênios matemáticos, alguns podem ser bons literatos, dançarinos, músicos, atletas e isso pode ser trabalhado a partir de uma visão holística, que supere a simples ideologia do progresso e do êxito. Cada um tem que se sentir acolhido no pouco que faz, no simples que consegue pensar e elaborar para poder dar passos maiores, e, como a Escola tem um compromisso com programas, currículos, avaliações, este é um grande problema para aquele aluno que não se enquadra consideravelmente no que é exigido como resultado. (Havia uma menina no filme, que falava estar mais interessada em processo do que em resultado.) O processo pode produzir um saber, ou seja, podem ser usados vários caminhos para chegar ao resultado; não existe uma única forma de fazer algo, daí a possibilidade da criação.

3. Fortalecer o interesse pelas relações e situações extra-escolares, por exemplo, a vida da comunidade seja na dimensão política, religiosa, ética, estética ou econômica, tendo em vista que a cidadania está sendo preparada não só no cotidiano escolar, mas na perspectiva mais ampla da sociedade civil. Assim, é necessário o entendimento das situações de violência, de miséria, de opressão, de bem-estar social, de manifestação das crenças, etc. O cultivo do gosto estético também faz parte do aprendizado e da experiência da autonomia, saber ouvir, saber escolher tal peça de teatro, tal filme, tal espetáculo de dança, tal audição musical, são modos de entendimento da própria sensibilidade, de saber lidar com a emoção. (Nos depoimentos dos jovens viu-se a menina que escrevia poemas e textos, o garoto que curtia tocar na banda do núcleo cultural da escola. Eles encontraram o modo de trabalhar as emoções, aquilo que lhes tocava sensivelmente).

4. Discutir a relação de poder com vistas a uma compreensão possível entre os sujeitos, na medida em que se pode entender o poder como uma criação cultural das relações sociais e não como experiência de mando, apenas. A Educação precisa ser emancipatória, não gerar dependência, nisso consiste o fortalecimento da autonomia. O saber se associa com o poder, diz Foucault e há saberes que são sujeitados, diante de outros saberes que querem impor um regime de verdades. O exercício de um poder tirânico, fragiliza a autonomia e torna opaco o processo educativo. A autoridade possui uma racionalidade assumida pelos sujeitos sociais, o exacerbamento da autoridade, o autoritarismo gera atitudes de incongruência, alunos e professores se temem, mas não se respeitam. (O filme mostra a professora de história discutindo com os alunos o fato de ter faltado à aula. Há bem forte ali a idéia do exercício do poder sem espaço da crítica. Aliás, o filme mostra muito as ausências dos professores e a dispensa dos alunos que acabam não tendo aula – exemplos do filme – escolas de periferia).

Destaquei essas formas para estabelecer algumas coordenadas que podem ilustrar critérios de educação para a autonomia, que auxiliam o sujeito a pensar, a ter as próprias idéias e a ser responsável por suas ações. Este é um longo processo em que os adultos nem sempre se sentem seguros na condução.
É óbvio que os adultos possuem dúvidas. Nossas certezas não são tão permanentes, mas o que nos diferencia da heteronomia das gerações mais jovens é o fato de que somos capazes de enfrentar os interditos, as objeções, as contrariedades com maior tranqüilidade, com menor ansiedade, sabendo lidar com as pressões do mundo do trabalho e da vida familiar. Podemos até desabar, mas estamos preparados para levantar e continuar a caminhada, ainda que as quedas nos machuquem e os desencantos nos perturbem. Hoje, na vida autônoma, adulta, não ficamos com raiva do brinquedo como a criança fica ou com ódio do mundo como reage o adolescente, mas temos as condições de análise das situações, para não balançarmos tal como as folhas da palmeira ao sabor do vento. Nossa maturidade leva-nos a pensar movidos por valores, por convicções o que nos permite o cuidado e a atenção com situações de conflito, com relações de desconforto. A fidelidade do sujeito consigo mesmo é um ingrediente essencial na autonomia, na medida em que cuidar é fazer crescer e a autonomia é a expressão do crescimento. Isto possibilita que saibamos escutar, que exercitemos o cuidado conosco e com os outros, que nos tornemos rigorosos com o que dizemos e fazemos de sorte que podemos fazer de nossos erros e acertos momentos especiais de fortalecimento da autonomia.
A democracia consolida a autonomia. Democracia é o espaço do convívio de direitos

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