Desenhar para quê?
Table of architecture, Cyclopaedia, 1728, volume 1
Desenhar relaciona-se com o educar de aptidões a par do desenvolvimento de uma visão cultivada e solicitada.
O resultado em desenhar bem ou mal depende sobretudo do modo como percebemos o mundo à nossa volta, como o interpretamos e aplicamos a nossa acção expressiva – cunho de autoria, originalidade e conhecimento.
Na verdade, a qualidade do que se desenha no papel, resulta de uma construção continuada entre o que se vê e o que se imagina, ao encontro de uma verdade que sempre introduz uma centelha de objectividade própria.
Desenhar significa quase sempre analisar e interpretar. Muitas vezes antever e projectar a resolução de problemas, ou, por vezes, criar universos promissores de novas visões e vanguardas.
Cada época conserva em si mesma o despontar de uma aposta futura, por vezes tardia, outras vezes precoce, mas sempre ao encontro de novas soluções, quer no plano funcional/utilitário, quer no domínio estético. Por isso, desenhar é dar a conhecer e confrontar a consciência frente à proximidade de novos e hipotéticos territórios.
Pormenor de ilustração sobre trignometria, in “A Universal Dictionary of Arts and Sciences” (folio, 2 vols.) enciclopédia publicada por Ephraim Chambers em Londres, 1728.
Prefiro sublinhar o verbo Desenhar e não tanto o objecto desenho. O acto de desenhar apresenta-se como parte de uma estratégia útil e plausível, sobre o modo como examinamos o mundo, seja de um ponto de vista científico e técnico, seja perseguindo uma visão artística. O desenho é quase sempre insuficiente e pequeno tradutor do esforço que fizemos, dos territórios que explorámos e dos entendimentos que alcançámos…
Antes mesmo do resultado, frequentemente designado por Desenho – Desenhar é uma acção de conivência, percurso e construção, fazendo surgir em cumplicidade e por magia, o que à partida parece esgueirar-se, teimosamente, ao nosso primeiro olhar.
Desenho para uma máquina voadora (1488), Leonardo da Vinci.
Estudos de água contornando obstáculos e caindo (c. 1508 – 1509), Leonardo da Vinci.
Victoria and Albert Museum – Londres, exposição: “Leonardo da Vinci : Experiência, Experimentação e Design” em 2006
Desenhar é ajudar a ver, recorrendo às nossas capacidades, e, consequentemente, melhorar a leitura que fazemos do mundo e das suas existências. Ver é ganhar uma visão – analisar e construir a realidade. Talvez, por isso mesmo, ver e desenhar sejam dois aliados formidáveis, para todos aqueles que se dedicam à compreensão e à resolução de questões em domínios diversos .
O rinoceronte de Lisboa. Ilustração de um panfleto. Xilogravura artista anónimo. Roma, 1515. Sevilha
Rinoceronte. desenho à pena s/ papel , Alberto Dürer, 1515
Rinoceronte. Xilogravura, Alberto Dürer, 1515
Rinoceronte, gravura de Hans Burgkmair a partir do desenho à pena s/ papel de Alberto Dürer, 1515
Ambroise Paré, “Oeuvres Complétes”, 1575
Em design defende-se que a enunciação de um problema é um dos passos fundamentais para a elaboração de um projecto. Claro que a qualidade do enunciado contribuí grandemente para a resolução de qualquer dúvida, em resumo do esforço necessário ao desenvolvimento de uma solução válida.
Do mesmo modo, quando tratamos das questões subordinadas ao desenho, o Ver propícia o desenvolvimento do enunciado, passo importante para a construção do desenho:
Ver é enunciar
Desenhar é resolver
Emblema de Alessandro de’ Medici, a partir de Paolo Giovio’s Dialogo dell’impresse militari et amorosi, 1557.
Com base na multiplicidade de enunciados e soluções, os desenhos podem ser classificados relativamente ao seu papel objectivo, independentemente das singularidades expressivas que cada autor apresenta.
Enquanto imagem, o desenho caracteriza-se pelo nível de iconicidade (grau de realismo face ao objecto que representa) e o nível de figuração (grau de intuição que suporta), como se exemplifica anteriormente nos desenhos do denominado “rinoceronte de Lisboa”.
Em 1514, o soberano de Cambaia (norte da Índia), Sultão Mazafar II (1511-26), presenteou Afonso de Albuquerque, governador da India portuguesa, com um rinoceronte e um elefante, mais tarde entregues ao rei Dom Manuel I, em Portugal. Um editor, tradutor e escrivão da Morávia, que vivia em Lisboa, enviou um desenho e uma carta descrevendo o célebre rinoceronte, apelidado de “Ganda”, a um mercador de Nuremberg, amigo do famoso artista alemão Albrecht Dürer (Nuremberg,1471-1528).
Sem nunca chegar a ver o rinoceronte, Dürer fez um desenho base para a realização de uma xilogravura, conseguindo atingir um resultado, que traduz muito bem o aspecto geral do Rhinoceros unicornis ou rinoceronte indiano. Curiosamente, a gravura de Dürer continuou a ser utilizada como modelo para diversas ilustrações de livros de história natural até o século XIX.
Com base na informação entregue (escrita e figurada) Dürer “refez” parte da realidade e ofereceu ao entendimento de outros uma reconstrução parcial dessa tal realidade que de outro modo nunca seria figurada, partilhada, analisada, admirada, discutida e realizada. O desenho abre sempre caminho a mais especulações e deduções!
O desenho continua a estruturar-se enquanto linguagem formal base do projecto em qualquer domínio e como registo tradutor entre universos técnico-formais bem diferentes.
O Desenho enquanto linguagem mediadora
Ambas esculturas são representações volumétricas realizadas a partir do desenho de Dürer e não interpretações directas do natural.
“Rinoceronte vestido com picos”, 1956 Salvador Dali, Marbella. [A partir de Dürer e a partir de Ambroise Paré?!]
Rinoceronte no Museu de Porcelana em Meissen.
Pela natureza da sua versatilidade, as qualidades formais e conceptuais próprias do desenho permitem o desenvolvimento de uma linguagem rica e diversificada. Suporta plena inventiva e criatividade tanto na construção do “caderno” gráfico de projectos na área da mecânica – esboço cotado, representações gráficas rigorosas e diagramas – como favorece a expressão viva e irreverente do humor!
@ Mikael Wulff e Anders Morgenthaler www.wulffmorgenthaler.com
www.hq.nasa.gov/office/pao/History/diagrams/skylab.html
Ao desenhar enunciamos os nossos objectivos, segundo uma perspectiva que escolhemos ou imaginamos. Poderemos orientar o nosso resultado na direcção “realista” de uma maior verosimilhança, tal como a arte no Renascimento, ou esboçar rapidamente múltiplas hipóteses na procura da solução de um projecto a realizar. Atingimos a possibilidade de conferir equivalências gráficas a estados emocionais distintos, quando traçamos as linhas expressivas de uma qualquer caricatura ou, se for essa a nossa decisão, riscar automaticamente sobre o papel, ao sabor do ritmo de uma música de eleição…
Miguel Ângelo, Estudos ou esboços para a Sibila Líbia, 1511, Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Miguel Ângelo, Sibila Líbia, 1508-12, fresco no tecto da Capela Sistina.
António, Auto-Retrato, Cartoon, Expresso, 1998, Lisboa
[…] em 15714 by Celso Caires em Abril 19th, 2008 Desenhar para quê? […]
(…) todavia, desenhos há que são tão íntimos quanto um diário
pessoal, incompletos, imprecisos, imperfeitos,sem outra utilidade senão a de terem sido
feitos no momento em que foram feitos e como se o seu autor não tivesse tido tempo
de os destruir. Ana L. M. M. Rodrigues
Obrigado pelo texto enviado. Expressa bem que o desenho também pode afirmar-se isento de cumprimento ou dever…
Um abraço e mais uma vez obrigado pela tua participação.
Carissimo:
Por acidente descobri este site q se tornou ja obrigatório para mim na actividade profissional, e nao quero de deixar uma sugestão lido em tempos acerca da definição do que seria Desenhar: Desejo de inteligência?…(simples)
Caro António João concordo plenamente consigo, desenhar também é o desejo de inteligência, procura de entendimento e razão.
Agradecido pelo apreço do seu comentário, os meus cumprimentos e contando sempre com a sua participação.
Celso você sabe bem se expressar como desenhista e observador. Desenhar para mim é como criar expressões íntimas, visto por nossas lentes emocionais do mundo ao nosso redor. Seu site é muito bom, muito bom mesmo. Marcos
Caro Marcos agradecendo o simpático comentário faço votos de um Novo Ano Maravilhoso!
Desenhar para: expressar, relembrar, imaginar, criar..
desenhar, deixar os sentidos fluir..
sera um site permanente, sempre que vier ao pc 😉
ja esta nos favoritos!
parabens pelo excelente trabalho, continuaçoes! 🙂
Agradecido pela simpatia do seu comentário.
desenhar!!há!!que me desculpem os sem cordenação mas desenhar é essencial,expressão de que,e quem se ama,loucura,desejo ,vontade, expressaõ maior de um sentimento ilustrado sobre papel,ternura,apreço….
Caro Silvano tem toda a razão: o desenho mental ou materializado sobre o papel, ou qualquer outro suporte, poderá ser um projecto de vida e de ânimo, futuro e construção. Obrigado pela sua participação.