Ética, moral e etiqueta no jornalismo

Hauptmann

Assunto para lá de pesado, a ética não parece figurar entre as preferências na lista dos profissionais de comunicação. Nos corredores da faculdade já vi universitários e até professores empenhados em debates sobre essa ou aquela teoria. Mas a questão ética não é tão popular quanto deveria. E deveria. Até para que, de repente, ocorressem algumas desmitificações necessárias. Assim, quem sabe, ao debater ética a categoria deixe de chegar tão freqüentemente ao lugar-comum das etiquetas, perfumarias e congêneres. 

Vamos lá, um pouco mais nessa direção.Numa conduta mais cartesiana, seria até fácil diferenciar ética, moral e etiqueta. Porém, numa análise mais detida e sistêmica, logo se percebe a dificuldade em conceituar especialmente a ética. Arriscando-se ainda mais ao aprofundamento da análise diante de uma profissão tão singular, como o jornalismo e o contexto em que está inserido, descobre-se diante de um problema complexo. 

Se já é difícil singularizar um conceito de ética e sua diferenciação de moral e etiqueta quando se trata da esfera do indivíduo, imagine o que é pensar ética num contexto em que há o indivíduo, o jornalista, e as empresas de comunicação. Afinal, parafraseando Nilson Lage, “jornalistas não podem ser éticos sozinhos”. Segundo ele, também as empresas jornalísticas devem agir eticamente evitando “usar” o profissional ao invés de colocá-lo a serviço da comunidade. E não adianta simplesmente relatar um sem-número de conceitos e definições dos diversos autores que arriscaram-se nessa seara. Quando o contexto é o de imprensa, não há como tratar ética sem envolver igualmente o jornalista, os patrões, as fontes, o público, os políticos. 

Mesmo recorrendo a um dicionário, uma leitura pouco mais atenta já remete à dificuldade de conceituar, de forma passiva de discussão, ética, moral e até mesmo etiqueta. É preciso cuidado para os conceitos não confundirem-se na hora de serem colocados em prática.  Segundo o Larousse Cultural, a ética é o ramo da Filosofia que aborda os fundamentos da moral. É conjunto de regras que orientam a conduta em uma atividade profissional. A palavra vem do grego Ethike, que significa moral. Logo no primeiro conceito, talvez uma origem da dificuldade em discernir moral e ética. No mesmo dicionário, moral, que vem do latim moralis, diz respeito às regras de conduta que regem uma sociedade; Conjunto de princípios e valores que regem as normas sociais. Ora, pelo conceito anterior, conjunto de regras que orientam a conduta não foi chamado de ética? 

O mesmo Larousse define etiqueta, do francês étiquette, cerimonial usado nas cortes ou nas residências dos chefes de Estado; Formas cerimoniosas usadas entre particulares; regra, estilo.  Os códigos de ética, como é possível inferir dos escritos do pesquisador Eugênio Bucci, não passam de regras de etiqueta, perfumaria. Maior dificuldade é definir e por em prática uma ética da informação pela complexidade da mídia e às condições não menos complexas de uma autêntica discussão sobre os procedimentos dos veículos de comunicação, envolvendo ao mesmo tempo os jornalistas, diretores dos veículos e o público, ou seja, os principais personagens da comunicação, aos quais acrescentam-se outros, como políticos e pesquisadores sobre mídia .  

Observando recortes conceituais que vão de Aristóteles, em seus livros da obra Ética a Nicômaco, a Eugênio Bucci, Vázquez, Clovis Rossi e Cláudio Abramo, entre outros, percebe-se uma espécie de consenso segundo o qual as discussões sobre ética tendem a uma confusão com a etiqueta ou limitam-se a uma tentativa de construir uma ética meramente normativa, ameaçando efetivamente a liberdade de imprensa. Eugênio Bucci, ao analisar a prática de imprensa diferencia ética e etiqueta para fazer uma crítica à histórica resistência dos jornalistas em debaterem, publicamente, seus comportamentos éticos. Segundo esse autor, uma das formas de resistir ao debate é distorcer a essência, falando sobre normas que tratam sobre a forma e postura dos profissionais. Ou seja, em vez de discutir ética, discutem etiquetas, como por exemplo, como os profissionais devem se comportar, se apresentar em público, como devem tratar as informações e o público. 

Outra digressão comum nos debates sobre ética é a tendência de levar a discussão para o “lugar comum” das generalidades estabelecidas nos códigos de ética, em especial, o do jornalismo. Para Bucci, ética diferencia o bom jornalismo do vil e dada a sua importância, deveria ser debatida aberta e francamente. Na obra citada, Bucci defende a discussão da ética dos veículos de comunicação. Ainda que ele não exima os jornalistas das falhas éticas na imprensa, afirma que os maiores problemas éticos são criados além das redações, ou seja, na cúpula da empresa de comunicação. 

Veja o que escreve Eugênio Bucci:

“A discussão ética só produz resultados quando acontece sobre uma base de compromisso. Se uma empresa de comunicação não se submete na prática às exigências de busca da verdade e do equilíbrio, o esforço de diálogo vira proselitismo vazio. E inútil. No máximo, um colóquio de etiqueta. Aliás, é assim que acontece com freqüência. Debatem-se as boas maneiras dos repórteres, se eles tratam bem o entrevistado, se se apresentam corretamente como jornalistas, se ouvem os dois ou mais lados do tema que estão cobrindo, se invadem a privacidade da atriz que depois decide processar a revista – que por sua vez só vive de explorar detalhes da intimidade de pessoas famosas -, e assim por diante. Tudo isso é importante, claro, mas é pouco diante das faltas éticas que vitimam a sociedade brasileira. Essas até contam com a colaboração ativa de jornalistas que tomam parte na confecção das imposturas, mas em geral são cometidas por empresas e não pode redatores; são faltas institucionais e não desvios pessoais”. 

Ética, para Bucci, não são as posturas nem as generalidades superficiais dos códigos de ética. É a essência do bom jornalismo ao moldar o caráter dos profissionais, de forma a levá-los sempre a atender a função pública e social de divulgar tudo que é de interesse da sociedade, de forma correta. Se Aristóteles deixava entender que não existe uma ética coletiva e Cláudio Abramo definia ética como “a ética do cidadão”, Eugênio Bucci ressalta que é para o cidadão que a imprensa deve existir – e só para ele. Jornais, revistas, emissoras de rádio e TV, enfim, os veículos de comunicação que se dedicam ao jornalismo, assim como os sites informativos na internet, nada disso deve existir com a simples finalidade de gerar empregos, fortunas e erguer os impérios de mídia; deve existir porque os cidadãos têm o direito à informação.

Aliás, direito esse garantido no mundo democrático desde a criação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Em seu artigo 19, o direito à liberdade de opinião e expressão, inclui a liberdade de “procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. Esse mesmo direito do cidadão está assegurado no Brasil no artigo quinto da Constituição Federal. É também verdade que a atividade jornalística se converteu num mercado, mas esse mercado é conseqüência, e não fundamento, da razão de ser da imprensa. Por silogismo, se o fundamento da imprensa é o direito à informação assegurado ao cidadão, dele deve resultar a ética que precisa reger os jornalistas e as empresas de comunicação e também os vínculos que ambos têm com suas fontes, com o poder, com o público consumidor, com anunciantes, patrocinadores e investidores. 

Nos poucos debates travados abertamente, a palavra ética, quando aparece, surge mais comumente em sua condição de adjetivo do que em sua dimensão substantiva. No dia-a-dia, quando alguém pronuncia essa expressão, geralmente está se referindo à qualidade de “honesto” de alguém, a um atributo moral de uma prática. Segundo Bucci, raramente o termo vem designar um sistema de valores coletivamente compartilhados que sirvam de parâmetro para as ações humanas. Para ele, ética virou acessório, não uma base.Uma alternativa para a solução da problemática da ética na imprensa seria a classe, jornalistas e donos dos veículos de comunicação, quebrarem os paradigmas e discutirem, mais aberta e freqüentemente, a ética com os cidadãos que, em última análise, é quem sustenta a imprensa. E os jornalistas não podem jamais abrir mão dessa relação franca com o cidadão, relação essa que é sedimentada pela confiança gerada de uma prática ética. Afinal, o bem mais precioso na vida de um jornalista não é seu emprego, e sim sua credibilidade. 

Bucci afirma que se a técnica restringe-se aos especialistas, a ética pertence ao cidadão. E para ele, no jornalismo, técnica e ética não se separam:“…pode-se dizer que as exigências éticas do jornalismo aprimoram sua qualidade técnica. O professor de ética jornalística Carlos Soria, da Universidade de Navarra, na Espanha, costuma sintetizar em suas conferências esse princípio com a seguinte fórmula: ‘Ética é igual a qualidade de informação’. Se a informação tem qualidade, ela necessariamente foi apurada e editada com ética. Se a ética foi atropelada, a informação resultará tecnicamente débil. Essa noção não falha nunca. E vem se tornando um consenso entre as muitas correntes que pensam a respeito do jornalismo .Prova dessa afirmação de Bucci é o manual de redação e estilo do jornal O Globo, onde se lê: “As exigências éticas não prejudicam a prática do jornalismo; ao contrário, elevam a qualidade da informação”. 

O professor Adolfo Sánchez Vazques faz uma contribuição bastante significativa ao abordar a ética de uma forma mais facilmente perceptível para as pessoas. Ele estimula a compreensão da ética como algo real, concreto. A ética, para Vasquez, é uma ciência que estuda o comportamento moral do homem em sociedade. Estuda, porém, não com a intenção de normatizar, de legislar, mas de compreender, interpretar e elaborar conceitos e teorias a respeito. 

Ética e moral são aparentadas. Mas têm suas diferenças. A ética é mais generalista, é teórico-ética. A moral é prática, uma vez que o homem age moralmente, pautado pelo conjunto de normas morais que apreende desde a primeira idade, ou seja, das normas que intimamente aceita como válidas e, com base nelas, toma suas decisões e age.Na discussão sobre ética no jornalismo, não podem ficar de fora expressões como vontade e liberdade, indissociáveis da responsabilidade, segundo a visão de Vázques.  

O homem é responsável por seus atos e decisões na medida em que teve liberdade de escolha sobre mais de uma alternativa e o fez pela expressão de sua vontade. O indivíduo, diante de um problema concreto, prático-moral, não pode querer encontrar na ética uma proposta específica para a solução. Isso porque a ética é afeta às questões mais gerais, teóricas. A ética poderá, no máximo, mostrar, em geral, o que é um comportamento pautado por normas ou em que consiste o fim – o bom – visado pelo comportamento moral, do qual faz parte o procedimento do indivíduo concreto ou o de todos. “O problema do que fazer em cada situação concreta é um problema prático-moral e não teórico-ético”. Logo, não é um código de ética que vai resolver os problemas de ordem ética do jornalismo. No máximo o código conterá uma ética que vai dar orientações gerais.

Ao estudar o comportamento moral do homem, a ética utiliza uma metodologia que considera seu histórico cultural. Só assim, analisando cientificamente sua história, consegue, como ciência, compreender suas razões, questões objetivas e subjetivas para, então, construir teorias a respeito. Se de um lado é impossível negar a confusão com os conceitos de ética, moral e até de etiqueta nos debates sobre ética na imprensa, de outro, como consolo, parece não restar quaisquer sombras de dúvidas de que a ética no jornalismo não deve ser assunto exclusivo de estudiosos da comunicação ou de jornalistas e de veículos de comunicação.

O tema, por impactar diretamente a um público muito maior, precisa ser discutido e observado por estudantes de jornalismo, professores, leitores, telespectadores, ouvintes, anunciantes, políticos, enfim, por todo e qualquer cidadão. Se mesmo a formação acadêmica de jornalismo, por exemplo, se completa nas empresas, nas redações, enfim, no mercado, longe das universidades, o mesmo se pode dizer da aquisição conceitual e dos hábitos éticos diários. Ou seja, a ética de jornalistas, donos de jornais, anunciantes, fontes, consumidores e investidores será melhorada, evoluída, à medida que tornar-se prática de todos os momentos, estejam os protagonistas longe da vista de curiosos ou durante uma apresentação pública.

Logo, tais conjecturas permitem inferir que os códigos de ética não resolvem a problemática para os profissionais de comunicação. Para Bucci, pelo exemplo e pelas orientações expressas que dão, os profissionais mais experientes e éticos, podem atuar na formação de seus colegas e subordinados – e para isso não precisam de códigos escritos. Os valores, os princípios e as condutas do jornalismo se sedimentam mais pelos costumes do que pelas normas explícitas.

Por essa ótica, é fácil concordar com o pesquisador Eugênio Bucci, que diz que para a educação profissional, um código de ética pronto e fechado não adianta muito. “Um código tem a vantagem de por o preto no branco, isto é, de sacramentar os princípios que regem as tomadas de decisão. Um iniciante que seja apresentado a ele não tem mais a prerrogativa de dizer que o ignora”. Porém, só jornalistas, colegas e chefes, fazendo da ética letras vivas diárias, podem consolidar a formação ética dos profissionais e a construção de uma imprensa mais ética. 

4 comentários sobre “Ética, moral e etiqueta no jornalismo

  1. olá!!! acho que esse texto me será útil…. rsss
    tb tenho um bloguizinhuuu… mas só pra desabafar… tem coisas profundas, mas tbm tem bobeirinhas.. chega uma hora q esgotamos, mas insistimos em dizer alguma coisa… o que quero dizer nunca é o que digo.. tudo fica muito além das entrelinhas se posso assim dizer…
    beijos

  2. Gostei demais do texto, mas gostaria de saber as referências bibliográficas, para um aprofundamento maior sobre o assunto.
    Também gostaria de saber como citar esse artigo num tabalho de faculdade. Obrigada.

  3. Excelente o texto e as informações nele contidas.
    Gostaria se possivel saber sobre referências bibliográficas para pesquisa do TCC que estou fazendo exatamente sobre esse assunto. Também gostaria de saber o nome do autor do texto, sua formação acadêmica e profissão.

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