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Bondfaro
A Liberdade de Imprensa e o Direito à Imagem
Sidney Cesar Silva Guerra
Jurídico   196 páginas
Brochura
Formato 13,5x21
1999
ISBN: 8571471428


Introdução

Todas as grandes conquistas da história do direito e das liberdades públicas, como, por exemplo, a abolição da escravatura e da servidão, a liberdade de profissão e de consciência, só puderam ser alcançadas através de séculos de lutas intensas e ininterruptas. Tais lutas, muitas vezes, foram marcadas pelo derramamento de sangue daqueles que se sentiam oprimidos e sedentos por liberdade.

Mesmo nas sociedades que se governavam por um princípio democrático, as liberdades públicas, tal como as entendemos hoje, não existiam, mesmo porque a idéia de indivíduo, como ente diferenciador da sociedade que o envolve, foi uma lenta aquisição da sociedade. Como bem salientou Luis Grandinetti, "o conflito entre a liberdade individual e a ingerência do Estado na vida do cidadão ocupou boa parte das discussões de cunho filosófico e político desde a Antigüidade, e a sua resolução é a pedra de toque dos Estados democráticos". (CARVALHO, Luis Custavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informação e o direito difuso à informação verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar, 1994, p. 5.)

O homem, partindo do princípio de que deve ser, considerado como indivíduo em sua singularidade, livre; como ser social, estando com os demais indivíduos numa relação de igualdade, observa-se que, quando se encontra diante de um poder opressivo, pede liberdade e, diante de um poder arbitrário, pede justiça.

Assim, verifica-se que as liberdades não são fruto das estruturas do Estado, mas da vontade de todos, ou seja, as liberdades não são criadas e não se manifestam senão, em sua maior parte, quando o povo as quer. Daí, a idéia de Bénoit: "as liberdades não nascem senão de uma vontade, elas não duram senão enquanto subsiste a vontade de as manter." (BÉNOIT, Francis Paul. Les conditions d'existence des libertés. Paris: La documentation française, 1985, p. 21.) (tradução nossa)

No Brasil, a exemplo dos países precursores das liberdades públicas, tivemos momentos tumultuados de lutas, nas quais a história nos mostra os abusos, as atrocidades e de como foi difícil o reconhecimento dessas liberdades. Entretanto, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os direitos e garantias individuais foram concebidos de forma bastante clara.

Nessa formulação clara, destacam-se a Liberdade de Imprensa concebida nos artigos 5º, IX e 220 § 1º e o Direito à Imagem no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal, in verbis:

"IX — é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença;
X — são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
.................................................................................

Art. 220 — A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º — Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV."

Não obstante estas liberdades estarem tuteladas e declaradas na Lei Maior, infelizmente, observamos que constantemente a liberdade de imprensa invade o espaço do direito à imagem, violado com bastante freqüência. E daí perguntamos a razão dessa violação, desses abusos freqüentes, como se o direito à imagem não existisse.

Urge que se tenha uma imprensa imparcial, que efetivamente reflita a expressão da verdade. Mas é importante salientar que o verdadeiro Estado de Direito é aquele que reconhece o direito de todos e não apenas o de alguns.

Fazemos esta ressalva porque a imprensa se transformou em um verdadeiro poder social, muitas vezes se sobrepondo aos direitos dos cidadãos.

Até onde vai o direito de a imprensa em "noticiar" fatos, fotos, imagens de episódios ainda não esgotados pelas técnicas de investigação, e conseqüente comprovação legal? Até onde vai o direito de questionamento, sem prova, de quem tem sua privacidade invadida, suas virtudes morais questionadas e seus valores vilipendiados?

Constata-se, lamentavelmente, segundo uma realidade histórica, que sempre houve falta de respeito ao direito à imagem, por parte da imprensa que, sem o menor cuidado com os preceitos legais ou conceitos éticos, expõe à execração pública a imagem particularidades da vida de pessoas que, antes de qualquer possibilidade de defesa, se vêem às voltas com o fato de terem que provar que não cometeram um determinado ato ou que as informações passadas não são plenamente verdadeiras, sendo, muitas vezes, condenadas pela opinião pública, induzidas por matérias facciosas, sempre incompletas que impingem tão-somente vergonha e prejuízos morais e materiais a quem é acusado.

Onde está o erro? Na formação do profissional de imprensa que não é preparado para lidar de forma ética com a notícia? Na demanda de mercado, que transforma numa guerra insana a busca pela notoriedade pelos "furos jornalísticos"? Na certeza da impunidade ou na falta de amparo jurídico? Qual a solução para um problema dessa natureza?

Em face desta questão a pesquisa focaliza o problema do ponto de vista ético-legal, via que permitiria o resgate dos direitos violados.

Diante dessas dúvidas é que se pretende empreender esta pesquisa, já que o tema proposto é um verdadeiro palco onde estes direitos se digladiam, sobretudo desde a invenção da máquina fotográfica.

Inicia-se o estudo, portanto, a partir da concepção de Aristóteles de que o homem é um ser social que difere dos outros seres pelo fato de ser dotado de razão e, por isso, capaz de estabelecer a diferença entre certo e errado, justo e injusto.

Assim, escreveu o grande filósofo:

"Claramente se compreende a razão de ser o homem um animal sociável em grau mais elevado que as abelhas e todos os outros animais que vivem reunidos. O que distingue o homem de um modo específico é que ele sabe discernir o bem e o mal, o justo do injusto, e assim todos os sentimentos da mesma ordem cuja comunicação constitui precisamente a família do Estado". (ARISTÓTELES. A política. Rio de Janeiro: Edições de ouro, 1978, p. 18-19.)

É bem verdade que o homem é um ser sociável e capaz de estabelecer tal diferença. Mas, infelizmente, não observa certos valores legais e éticos em função da nova realidade social que vivemos.

De fato, a sociedade humana vive um momento de crise e vários estudos estão sendo realizados neste sentido. A título de exemplo, destaca-se o posicionamento de dois autores, um nacional e um estrangeiro:

O professor José Ribas Vieira constatou que:

"a nossa preocupação enquadra-se dentro de um momento de profunda crise vivenciada pelas sociedades humanas. Essa crise traduz-se, segundo o nosso modo de pensar, em dois níveis básicos de dificuldades: tanto a inexistência de um quadro teórico amplo o bastante para compreender a presente realidade quanto, por conseqüência, a inexistência de uma prática para a construção de uma nova estrutura social". (VIEIRA, José Ribas. O autoritarismo e a ordem constitucional no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 1988, p. 1.)

Eric Hobsbawm escreveu sobre esta problemática dando o seguinte enfoque:

"Os eventos nos últimos anos foram realmente espetaculares e transformadores do mundo — e também inesperados e imprevisíveis. A natureza revolucionária do período que vivemos vai muito além das mudanças na política global, que, em poucos meses, estão tornando desatualizados os atlas preparados pelos cartógrafos. Nunca antes na história a vida humana normal e as sociedades em que ela ocorre foram tão radicalmente transformadas em tão pouco tempo: não apenas em um único período de vida, mas em parte de um período de vida". (HOBSBAWN, Eric. A crise atual das ideologias. O mundo depois da queda. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1995, p. 214.)

Diante destas opiniões cabem as seguintes perguntas: Por que a sociedade humana vive um momento de crise? Qual a razão desta transformação brusca da sociedade?

Várias questões poderiam ser levantadas para explicar esta crise social que o mundo vive. Ribas, como demonstrado, pensa na questão da inexistência de uma prática para construção de uma nova estrutura social; Hobsbawm cita a política que vem sendo ditada mundo afora pela globalização.

De fato, dentro desta nova realidade mundial, o Brasil não poderia deixar de se enquadrar sob o risco de perder o "trem da história". Argemiro Brum, sobre as especificidades brasileiras, atribui o atraso ao plano social e escreveu:

"A globalização, concomitante à nova revolução tecnológica, está provocando uma nova e profunda desarticulação social, a exemplo daquela do início da revolução industrial, com a diferença de que esta é extremamente mais veloz, e pega o Brasil no contrapé. Quem não andar ligeiro, fica superado. Temos que priorizar uma política de geração de empregos numa época em que o avanço tecnológico tende a fechar os postos de trabalho na maioria das atividades produtivas". (BRUM, Argemiro J. O desenvolvimento econômico brasileiro. Ijuí: Editora Unijuí, 1997, p. 553-554.) (grifos nossos)

José Eduardo Faria também sobre a globalização escreveu o seguinte:

"Alimentada por uma revolução tecnológica contínua, a globalização econômica tornou-se um fato. Vencida a fase inicial do desafio da integração dos mercados, vive-se agora a fase dos seus desdobramentos institucionais e jurídicos." (grifos nossos). (FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 5.)

Após estas considerações, nota-se que numa época onde a palavra chave é globalização, a competitividade acirrada se faz presente em todos os setores da sociedade e, como não poderia deixar de ser, entre os profissionais de imprensa.

A globalização não pode ser entendida apenas como um fenômeno econômico. A globalização, como escreveu Anthony Giddens:

"trata efetivamente da transformação do espaço e do tempo. Eu a defino como ação a distância, e relaciono sua intensificação nos últimos anos ao surgimento da comunicação global instantânea e ao transporte de massa. ... A globalização não é um processo único, mas uma mistura complexa de processos, que freqüentemente atua de maneira contraditória, produzindo conflitos, disjunções e novas formas de estratificação." (GIDDENS, Anthony. Para além da esquerda e da direita. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 13.>

Uma das conseqüências da globalização é sem dúvida o desemprego. A palavra desemprego aterroriza a todos e, dentro desta política do "salve-se quem puder", o importante é o resultado que vai ser alcançado.

Neste sentido, observa-se que a imprensa está preocupada em vender seus jornais, os meios de comunicação com os pontos de audiência e os jornalistas em assegurar os seus respectivos empregos, não importando os meios pelos quais alcançarão seus resultados, daí a não-observância dos preceitos éticos e/ou legais.

Certamente que tais idéias farão lembrar de outro clássico da história: O príncipe, de Machiavelli, no qual traça estratégias para consolidação do poder, partindo do princípio de que o fim não justifica os meios. Destaca-se apenas um pequeno trecho da obra: "quando alguém é causa do poder de outrem, arruina-se, pois aquele poder vem da astúcia ou força, e qualquer destas é suspeita ao novo poderoso". (MACHIAVELLI, N. O príncipe. Rio de Janeiro: Edições de ouro, 1975, p. 45.)

Voltando ao problema relacionado ao desemprego observa-se a idéia de Viviane Forrester, que escreveu: "não é o desemprego em si que é nefasto, mas o sofrimento que ele gera e que para muitos provém de sua inadequação àquilo que o define" (FORRESTER, Viviane. O horror econômico. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 10.)

A crise do desemprego é tão nefasta que atinge os vários segmentos da sociedade e, destacamos o problema que ocorre com os profissionais da imprensa. Somente no Estado do Rio de Janeiro, em levantamento feito pelo sindicato da categoria, verificou-se que nesta década houve uma redução de 40% na contratação de jornalistas nas grandes redações, seja de jornal, rádio ou televisão. No início deste ano de 1998, houve uma demissão em massa chegando ao absurdo número de 50%. (JORNALISMO. Revista do provão. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Estaduais, n. 2, 1998, p. 37.)

O que a imprensa e seus profissionais devem fazer então diante deste horror econômico? Adequar-se às necessidades de mercado, mesmo que para isso tenha que execrar a imagem de pessoas para todo o mundo, e desta forma aumentando as suas vendas, mantendo-se viva dentro deste mundo globalizado, ou cumprir o que prevê a lei, observando ainda critérios éticos?

Seria interessante que a imprensa adotasse a segunda opção, entretanto, via de regra, o que ocorre é exatamente a não-observância dos aspectos legais e éticos, tudo em nome do sucesso jornalístico alcançado, pois ninguém está disponível para colocar a cabeça na guilhotina e ser decapitado, ou seja, ficar desempregado.

Este é um dos grandes problemas vividos em sociedade, vale dizer, que vários profissionais da imprensa, dentro desta idéia traçada, desrespeitam o direito à imagem das pessoas divulgando, sem qualquer medida, fotografias em jornais de grande circulação do país, bem como pela televisão. O importante, na verdade, para estes maus profissionais é a manchete, a reportagem e a glória alcançadas por aquele clique fotográfico ou pela imagem colhida pelas potentes lentes de televisão.

Temos, assim, estes conflitos em sociedade que precisam ser solucionados para o equilíbrio da paz social. Sobre esta questão, Ihering já lecionava que "A paz é o fim que o direito tem em vista, a luta é o meio de que se serve para o conseguir". (IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.1.)

Na busca de resolução destes conflitos, envolvendo a liberdade de imprensa e o direito à imagem, é que se pretende desenvolver o presente estudo, tendo em vista que, não obstante os referidos direitos estarem declarados de forma expressa no texto constitucional, digladiam-se de forma intensa nos Tribunais brasileiros.

Desta forma, discorrer-se-á no primeiro capítulo sobre os direitos da personalidade; no segundo capítulo, sobre as liberdades públicas; no terceiro capítulo far-se-á um breve estudo sobre o direito à vida privada, à intimidade e à honra; no quarto capítulo, tratar-se-á especificamente do direito à imagem; no quinto capítulo, da liberdade de imprensa e, finalmente, no sexto e último capítulo, serão feitas as considerações finais sobre a liberdade de imprensa e o direito à imagem.


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